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Encontro Internacional Participação, Democracia e Políticas Públicas: 
aproximando agendas e agentes 
23 a 25 de abril de 2013, UNESP, Araraquara (SP) 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
"RIO DE MEMÓRIAS”, Participação social e memória coletiva para garantia de 
direitos de famílias reassentadas por empreendimento hidrelétrico no Paraná. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
NELI GOMES DA ROCHA1-PÓS-SOCIOLOGIA UFPR 
 
 
 
1
 Bolsista REUNI/CAPES turma 2011-2013, mestrado na área de Cultura e Sociabilidade sob orientação 
da Profa. Dra. Ana Luisa Fayet Sallas e co-orientação de Simone Meucci, ambas lotadas da Pós-
graduação de Sociologia da Universidade Federal do Paraná – UFPR. 
RESUMO 
 
As atuais teorias sociológicas que tratam da participação social e o processo de 
ampliação de direitos nos fornecem relevantes referenciais para tratar das formas de 
reivindicação de direitos de população atingidas direta ou indiretamente por grandes 
empreendimentos como usinas hidrelétricas. O intento deste trabalho é identificar as 
maneiras que grupos familiares rurais reconstroem seu passado diante da mudança 
social que não é apenas física ou geográfica, mas acima de tudo socioeconômica e 
cultural. Trazer os caminhos e decisões que pessoas comuns do meio rural utilizaram 
para garantir seus direitos enquanto população atingida por empreendimento 
energético no século XXI. As maneiras de mobilizar-se, o processo de formação 
coletiva diante de uma realidade prestes a ser alterada. Para isso, lançaremos mão 
das narrativas das pessoas que vivenciaram todo o processo de negociação de seus 
direitos com o empreendimento e as formas que estas pessoas adaptaram-se à nova 
realidade, tanto na perspectiva socioeconômica, quanto sociocultural. O surgimento de 
lideranças sem o histórico de ativismo político que adentraram à arena de debate para 
garantia de direito pela chegada da Usina Hidrelétrica de Mauá a partir de 2006 em 
Ortigueira no Paraná é um exemplo. Nossa hipótese volta-se para a gradual inserção 
de pessoas comuns, pequenos agricultores, no debate político e no trabalho coletivo 
para acessar direitos previstos como: indenização digna; realocação; 
acompanhamento, por parte do empreendimento, no período de adaptação; assim 
como, a garantia de direitos simbólicos e culturais. Utilizamos aqui a análise 
qualitativa, a história de vida e trajetória familiar, grupos familiares que tiveram suas 
vidas alteradas com o advindo da usina hidrelétrica na região onde habitavam. 
Método: entrevistas individuais e coletivas, observação participante, análise 
documental. Resultados: Ainda de forma preliminar os dados apontam a 
interdependência entre as pessoas daquela configuração social que coletivamente 
reivindicam seus direitos e de forma assimétrica adaptam-se ao novo modo de vida, 
proprietários e não proprietários estabelecem diferentes relações com a terra e com o 
meio natural. 
 
Palavras-chaves: participação, trajetória, interdependência, direitos humanos, 
desenvolvimento, mudança. 
 
 
 
 
 
INTRODUÇÃO 
Em meio a uma geografia insinuosa de vales e cadeias de montanhas, clima 
temperado e úmido, inserido na região dos Campos Gerais, margeando o Rio Tibagi 
encontra-se o distrito rural de Lajeado Bonito, localizado no município de 
Ortigueira/PR. Esta região desde 2006 é parte de uma área maior que se encontra em 
processo de transformação social, dentre as quais a de cunho econômico, com o 
advindo da Usina Hidrelétrica de Mauá-UHM2 e todas as implicações que um 
empreendimento desta proporção pode causar, em todos os aspectos tanto 
econômico, ambiental ou social. 
O presente artigo tem por objetivo identificar os caminhos e decisões que 
pessoas comuns do meio rural utilizaram para garantir seus direitos enquanto 
população atingida. Verificando quais as principais questões que surgem a partir da 
confirmação da remoção e reassentamento de inúmeras famílias. Quais as maneiras 
que a população atingida utiliza para se mobilizar? Os mecanismos legais utilizados 
para a formação de agrupamento de pessoas, iniciando o processo de formação 
coletiva diante de uma realidade a ser alterada devido à construção de uma usina. 
Qual o histórico de mobilização social em torno dos grandes empreendimentos 
energéticos no Brasil? Quais os principais direitos reivindicados e à serem garantidos? 
Quais os acordos estabelecidos para que haja um consenso entre as partes? São 
questões perpassam este artigo. 
Para isso, traremos a perspectiva do morador indenizado e a família realocada, 
utilizando pressupostos da análise qualitativa e suas técnicas que nos possibilitam 
compreender a visão daquele que vivencia esta mudança, sua história de vida e a 
relação estabelecida com o meio natural e social em volta. 
O presente trabalho está distribuído da seguinte forma: primeiramente, o intuito 
é, aproximar o leitor da realidade estudada trazendo o panorama das construções de 
grandes barragens e o processo de reivindicações para ampliação de direitos da 
população atingida. A postura dos movimentos sociais, suas reivindicações, 
demandas econômicas e culturais. 
Em um segundo momento, apresentar a criação de grupos que gradualmente 
se organizaram visando o acesso ou ampliação do espaço de visibilidade social e 
gradual para a efetiva conquista de direitos perante o poder público na forma de 
pressão coletiva como é o caso do Movimento de Atingidos por Barragens. No caso 
 
2
 A concessão da Usina Hidrelétrica de Mauá foi adquirida através do leilão de Energia n.º 004/2006 – 
ANEEL, realizado em 10.10.2006, pelo Consórcio Energético Cruzeiro do Sul, formado pelas empresas 
COPEL Geração S.A. (51%), subsidiária integral. Na área de influência direta do empreendimento, foram 
cadastradas 191 propriedades e 33 ilhas, totalizando 378 famílias nas quais possuem vínculo com as 
propriedades incluindo meeiros, posseiros, arrendatários distribuídos entre os municípios de Ortigueira e 
Telêmaco Borba. (CADASTRO SÓCIOECONÔMICO 2007). 
brasileiro, há o histórico de ampliação de direitos perante os órgãos públicos, inserindo 
entre os deveres do empreendimento o devido tratamento do fator humano. 
Traremos o caso empírico que compõe a pesquisa de mestrado em sociologia, 
a formação da Associação de Moradores Salto Mauá, sua criação e atuação e o 
gradual processo de reivindicações em torno dos direitos dos moradores e que 
perpassam de forma geral os grandes empreendimentos no campo energético e suas 
principais pautas. A participação pessoas sem o histórico de ativismo político que 
adentraram à arena de debate e se tornam lideranças para garantia de direito 
daqueles indenizados pela chegada da Usina Hidrelétrica de Mauá a partir de 2006 em 
Ortigueira no Paraná. 
Considerando que são muitas e significativas às mudanças ocorridas, estas 
com implicações de toda ordem seja ela física, cultural, cotidiana e econômica. 
Propomos, ainda, o questionamento: benefícios econômicos podem mitigar outras 
demandas, como aquelas de cunho sociocultural? É possível mensurar e indenizar os 
valores simbólicos e culturais estabelecidos com aquele espaço geográfico? 
 
PANORAMA DOS GRANDES EMPREENDIMENTOS 
 
 O Paraná é um estado que possui histórico de aproveitamento dos recursos 
naturais como a água para a produção de energia, viabilizado pela construção de 
usinas hidrelétricas por toda sua extensão territorial, uma delas, está inserida na 
região oeste, é a Binacional Usina Hidrelétrica de Itaipú. As atividades desta foram 
iniciadas na década de 1970, 1978, seu impacto ambiental, econômico, cultural 
implicou em mudanças de proporções enormes, atingindo em torno de 40 mil pessoas, 
considerando apenas o lado do Brasil.(KARPINSKI, 2007) 
Ao longo das construções formaram-se grupos de pessoas que gradualmente 
indagamsobre implicações econômicas e socioculturais que surgem no bojo de 
empreendimentos dessa envergadura. As ações de pressão sobre o morador e 
postura do empreendimento diante das pessoas que não concordam com a saída de 
suas terras, de sua casa. Questionamento sobre: o direito de escolha do morador é 
plenamente garantido? Quais as demandas dos moradores e as formas de defender-
se ou buscar seus direitos em caso de desacordo? As indenizações podem suplantar 
outras demandas não econômicas? 
Nesse bojo surgem movimentos sociais que ganham espaço diante das 
inúmeras posturas de omissão dos direitos humanos por parte dos responsáveis pelos 
empreendimentos, por vezes, alheios aos impactos humanos ali em processo. O não 
cumprimento do acordado é ponto de conflito recorrente na relação entre os 
movimentos sociais e empreendimentos, muitas das reivindicações pautam e 
questionam inclusive a própria necessidade de construção da usina. Estes 
movimentos representam, muitas vezes, a garantia dos direitos da população atingida 
no que tange a expropriação do indivíduo do seu lugar de moradia para viabilizar a 
concretude de tais empreendimentos. Dentre os quais, o Movimento de Atingidos por 
Barragens – MAB. 
 A trajetória de questionar acordos e orientar moradores sobre a garantia de 
justiça social aos atingidos pelo empreendimento tem inicio nos anos 1980, as 
primeiras movimentações coletivas que tratam dos conflitos socioambientais em torno 
do setor energético apontam para o avanço de direitos adquiridos pela sociedade 
brasileira. Estudos como Moraes(1996), Hothman(2002) e (2005) expõem algumas 
reivindicações coletivas como forma de pressão política que possibilitou a visibilidade 
de ações em grupo tanto em âmbito urbano, quanto rural. Segundo Moraes(1996) 
 
“No processo de reorganização da sociedade civil, nos anos 80, a 
diversidade dos movimentos de trabalhadores rurais é um dos 
fenômenos mais impactantes [...] neste quadro, destacam-se os 
movimentos dos trabalhadores rurais afetados pelas barragens 
construídas pela irrigação ou para a implantação de usinas 
hidrelétricas. Os movimentos de resistência aos projetos de 
hidreletricidade são importantes não apenas por somarem forças na 
luta contra a expropriação, mas também pela sua capacidade de 
tocar em um dos pontos nevrálgicos do modelo de desenvolvimento 
do capitalismo no Brasil: a produção de energia elétrica.” (MORAES, 
1996, p.80) 
 
 
A postura de resistência a este modelo de produção de energia insere 
questionamentos políticos, movimentações de denúncia e resistência de populações 
atingidas, gestando assim o Movimento Justiça e Terra, ainda em meados dos anos 
1970-80, no qual posteriormente estruturou o Movimento dos Atingidos por Barragem 
– MAB, como aponta Hothman (2005): 
 
“Na década de 1970, no contexto do modelo desenvolvimentista do 
governo militar, a construção das grandes hidrelétricas de 
sobradinho, Tucuruí e Itaipu provocaram o deslocamento forçado de 
dezenas de milhares de famílias no Brasil. Em 1978 e 1979, com a 
luta e resistência da população atingida pela hidrelétrica de Itaipu, 
nasceu o Movimento Justiça e Terra a luta organizada dos atingidos 
por barragens no Brasil.” (HOTHMAN, 2005, p.2) 
 
 A partir destas movimentações sociais nas quais questionam o impacto social 
dos grandes empreendimentos, houve um hiato por parte das agendas políticas na 
década de 1980 e que foram retomadas na década de 1990, alterando o formato de 
gestão do setor energético, anteriormente moldados pelo setor público passa para 
instituições privadas. Hothmann (2005) nos aponta que considera o momento histórico 
singular, como expresso no trecho: 
 
 
“No meio da década de 80, no contexto de transição democrática no 
Brasil e em resposta a pressões nacionais e internacionais, o setor 
elétrico começou a se reestruturar, para cumprir a exigência da 
legislação de licenciamento ambiental, que se apresentava como pré-
requisito para a operação de barragens hidrelétricas. A licença 
ambiental foi regulamentada pela resolução 001 (1986) do CONAMA 
(Conselho Nacional de Maio Ambiente), que exigia que o 
empreendedor elaborasse estudos e um relatório de impacto 
ambiental (EIA/RIMA).” (HOTHMAN, 2002, p.46) 
 
 
A necessidade de reestruturação do setor energético no Brasil ampliou as 
exigências e obrigações que os responsáveis pelo empreendimento devem seguir 
para receberem as devidas autorizações a exemplo das licenças e estudos técnicos 
de fauna, flora e meio social. As avaliações externas aplicadas ao meio social, como 
os relatórios técnicos e aplicação de questionários fechados, possibilitam a produção 
de pesquisas sobre os impactos socioeconômicos e socioculturais ocorridos em cada 
realidade, todavia, estes mesmos estudos não abrangem a perspectiva dos próprios 
moradores sobre aquele processo de mudança. 
 Este panorama de direitos garantidos destas populações não condiz com a 
realidade de muitos casos, como indica a trajetória das construções de grandes 
barragens pelo mundo e os dados do Banco Mundial dos anos 19903. Dados indicam 
que em alguns empreendimentos a pouca atenção dada para as questões de 
identidade e pertencimento e o sentido socialmente construído naquele espaço 
geográfico daquele grupo social, ou aqueles grupos, e o meio natural em volta. O 
Movimento de Atingidos por Barragens e sua experiência nos expõem casos de 
omissão e desrespeito aos direitos humanos que marcam historicamente a adesão do 
estado brasileiro a esta modalidade de empreendimento. Barros & Sylvestre (2004) 
nos informam que “a estimativa é de que cerca de 40 a 80 milhões de pessoas no 
mundo já foram deslocadas pela construção de grandes barragens. Muitos não foram 
reassentados, não receberam qualquer indenização ou não a receberam de forma 
adequada [...] Além disso, com a inundação das terras, retiram-se meios de 
sobrevivência e possibilidades de sustentação de centenas de comunidades, e as 
indenizações, quando pagas, são baixíssimas.” (BARROS & SYLVESTRE, 2004) 
 
3
 Banco Mundial 1996, Reassentamento e Desenvolvimento, Uma revisão financeira dos projetos 
envolvendo reassentamento involuntários. MAB, 2004. 
A pressão social exercida por estes movimentos sociais, inicialmente 
concentraram suas reivindicações na perspectiva da compensação financeira, ou seja, 
de cunho econômico. Com o passar do tempo fica evidente que muitas famílias não 
conseguem reestabelecer seu elo com o meio natural e as reivindicações adquirem 
tom valor simbólico das relações estabelecidas entre as pessoas e estas com o meio 
natural. Como o reconhecimento dos elementos culturais da população atingida e a 
necessidade de salvaguarda destes valores simbólicos. Nesse sentido, a ação coletiva 
passa a atuar de forma incisiva nas agendas políticas do setor energético do Brasil. 
Dentre os avanços conquistados por intermédio do Movimento dos Atingidos 
por Barragem indicam estudos sobre: 1. Ampliação do quadro de pessoas que são 
indenizadas pelo empreendimento. Anteriormente, só seriam indenizadas as famílias 
com a documentação formal da terra, ou seja, aquelas pessoas denominadas como: 
“agregados”, “posseiros”, “meeiros” não tinham direito qualquer forma de 
compensação, mesmo habitando a região por várias regiões; 2. A mobilização 
pressionou às instituições envolvidas para que representantes dos atingidos 
participassem do processo da obra, da realocação das famílias entre outros pontos 
importantes; 3. A licença ambiental foi regulamentada pela resolução 001 (1986) do 
CONAMA (Conselho Nacional de Maio Ambiente), que exigia que o empreendedor 
elaborasse estudos e um relatório de impacto ambiental (EIA/RIMA) envolvendo 
diversos órgãos como IBAMA, IPHAN com a presença do Ministério Público em 
audiências públicas denominadas “Câmaras Técnicas”. 
Como vimos a liberação de grandes empreendimentosé condicionada à 
realização de inúmeras exigências legais de cunho socioambiental, dentre elas o 
acompanhamento do chamado fator humano, ou seja, a população atingida deve ter 
seus direitos resguardados, com a adequada realocação, indenização e 
acompanhamento da adaptação das famílias à nova moradia e labor. Ou seja, é 
obrigatório acompanhar a população removida, ou que em alguma medida teve de 
deslocar-se do espaço onde vive ou trabalha para outro de sua escolha, dando-lhe 
condições de prosseguir sua vida. 
Esta perspectiva insere também outras modalidades de análise para obter 
informações mais abrangentes e que contemplem o ponto de vista do morador 
atingido, a História de Vida é uma delas. Nesta, os moradores tornam-se narradores 
de sua própria história e testemunham a substituição de um modo de vida construído 
ao longo do tempo para outra à ser descoberta. 
 
 
 
CAMPO DE PESQUISA – UHE DE MAUÁ E A BACIA DO TIBAGI 
Traremos neste momento a situação empírica que está em processo no sul 
brasileiro com a perspectiva do morador atingido, suas dúvidas e anseios que surgem 
através de suas narrativas, individuais e coletivas. As lembranças de moradores sobre 
os encontros realizados entre moradores na escola da localidade; o movimento de 
mapeamento das pessoas à serem atingidas pelo empreendimento; as ações e 
decisões, com ou sem o apoio dos movimentos sociais, diante da emergência de 
mudança. 
A UHE de Mauá foi projetada para o trecho do Rio Tibagi que corta os 
municípios de Ortigueira e Telêmaco Borba no Paraná. Em seu projeto inicialmente de 
2007 estava a indenização e/ou realocação de 1525 pessoas, totalizando 378 famílias, 
com 191 propriedades (proprietários ou posse) e 33 ilhas e configura desde 2007 um 
processo de mudança de toda ordem. 
Estas pessoas, de Ortigueira de Telêmaco Borba, convivem desde então com a 
presença de inúmeros profissionais ligados ao empreendimento (engenheiros, 
agrônomos, assistente social, entre outros) e a necessidade de reuniões, 
questionários, entrevistas, perfil socioeconômico, localização de área para 
reassentamento, negociações e acordos individuais de realocação e indenizações com 
os representantes do consórcio responsável pelo empreendimento. 
O Programa de Salvamento do Patrimônio Histórico, Cultural e Paisagístico 
referente ao Programa Básico Ambiental da Usina Hidrelétrica Mauá-UHM4 compõe 
este quadro de ações voltadas para a população atingida. O objetivo foi “identificar, 
mapear e preservar o patrimônio histórico, cultural e paisagístico da região a ser 
atingida diretamente e indiretamente pela implementação da Usina Hidrelétrica de 
Mauá-UHM, inserido no Termo de Acordo para Indenização aos Atingidos. 
Neste acordo foram estabelecido um “plano de indenização deverá seguir às 
seguintes diretrizes básicas: Preservar a cultura e a tradição da população atingida; 
Evitar o êxodo rural das populações atingidas pelo futuro reservatório; Manter o 
vínculo à terra para os produtores rurais; Propiciar melhoria da qualidade de vida das 
famílias atingidas”. (RELATÓRIO TÉCNICO, 2010, p.179) 
Metodologicamente, foram utilizadas inúmeras técnicas que possibilitasse aos 
pesquisadores ter acesso às visões, opiniões, a interpretação e reinterpretação das 
realidades ali presente, vivenciada naquele espaço e por aquela população. Técnicas 
de entrevistas individuais e em grupo, observação participante, registro fotográfico de 
lugares nos quais os moradores indicassem ser espaço de sociabilidade (seja para o 
 
4
 o programa é uma exigência da legislação que rege esta modalidade de empreendimento e será tratado 
mais detalhadamente no decorrer do trabalho. 
lazer ou trabalho, e que ficariam inacessíveis após a efetiva implementação do 
empreendimento), assim como, a digitalização de material documental, mapas e 
fotografias de acervo pessoais quando houvesse. Inserindo os relatos e narrativas 
pautadas nas memórias compartilhadas, nos auxiliaram na execução do trabalho de 
campo visando mapear o perfil sociocultural daquele universo social em processo de 
mudança. Gerando um rico banco de dados com registro histórias, causos, lugares e 
saberes caros aos que ali permaneceram durante gerações, do garimpeiro ao pastor; 
do pescador ao agricultor. 
A mediação foi possível através do secretário da instituição, pessoa da região 
que conhecia cada morador, cada família e que também era um morador removido de 
suas terras, ou seja, um agente de “dentro”. Embora a nossa presença em campo 
fosse possibilitado pelo empreendimento, para os moradores, as “coisas” que 
perguntávamos eram muito diferente das questões de outros funcionários e com o 
decorrer das entrevistas as pessoas nos identificava como “as jornalistas que querem 
saber sobre nossa família e sair pelo rio passear nas cachoeiras” disse Sr. Davi certa 
vez. Esta pesquisa de base qualitativa nos coloca em consonância ao que afirma 
Houle (2012) “as histórias de vida nos contam, na realidade, a história da vida em 
sociedade, e também nos levam a redescobrir que o objeto último da sociologia é a 
vida”. Para isso, a utilização da história de vida como base de dados para uma 
pesquisa qualitativa constitui-se um material que possui característica singular por 
evidenciar a percepção do entrevistado, balizado por suas experiências, colocando-as 
em diálogo com o arcabouço teórico, sintetizando, assim, uma estrutura social. 
Embora não seja o único meio de análise qualitativa tornou-se o exercício de “apreciar 
essa sociologia in vivo” e “requer uma sociologia não do vívido, mas da vida” este 
processo contínuo e dinâmico na construção do saber sociológico. (HOULE, 2012, p. 
329) 
 
LAJEADO BONITO NO “CAMINHO DAS ÁGUAS” 
 
O distrito de Lajeado Bonito (MAPA 2) em Ortigueira (MAPA 1) compõe uma 
região do Paraná que mantêm histórico de fornecimento de fontes alimentares como 
açúcar, arroz, carne de porcos e aves, milho, mandioca, banana aos centros de trocas 
desde o “tempo dos tropeiros” e das grandes explorações do garimpo. Presenciou 
inúmeros momentos socio-históricos de ocupação do homem pela região, foi “palco” 
da exploração das margens dos rios pela prática do garimpo de ouro e diamante 
interesse que percorreu gerações; das “bruacas” cheias de milho, açúcar, arroz, 
mandioca, banana, carne salgada sendo transportadas por cavalos pelas picadas nas 
matas; dos porcos para venda sendo guiados pelos “brejão”, as chamadas porcadas. 
Estas travessias seguiam em geral para os centros mais próximos principalmente as 
localidades de Monte Alegre (hoje Telêmaco Borba) ou Queimadas (atual Ortigueira). 
Esta última tornou-se a referencia urbana para o Lajeado Bonito sendo a via mais 
próxima de acesso aos bens e serviços do Município, assim como o escoamento de 
produção daqueles que permanecem habitando àquele meio rural, embora cada vez 
mais próximo do urbano. Inserida historicamente neste panorama de trocas materiais 
e simbólicas existente naquela região o distrito rural Lajeado Bonito e sem 
infraestrutura acessível aos seus 2.000 moradores como saneamento básico e saúde, 
por exemplo. 
 
MAPA 1: LOCALIZAÇÃO GEOGRÁFICA DO MUNICÍPIO DE ORTIGUEIRA/PR- 
FONTE:IPARDES – 2010 
 
 
MAPA 2 – DISTRIBUIÇÃO DOS DISTRITOS RURAIS ORTIGUEIRA – MAPA 
RODOVIÁRIO PR 
 
Atualmente Ortigueira possui 68 comunidades e cinco distritos: Lajeado Bonito, 
Natingui, Monjolinho, Barreiro e Bairro dos França5 (MAPA 2). Os dados 
socioeconômicos das últimas décadas apontam queda da população rural na região, 
embora ainda represente cerca de 66% de sua população, dos 25 mil habitantes cerca 
de 17 mil vivem no rural (IBGE, 2009). A ocupação rural concentra sua atividade 
produtiva da pequena propriedade rural familiar, propriedade ou posse, destacando a 
agricultura, a agropecuária, a apicultura e a cerâmica, com grande concentraçãode 
pequenos produtores, descendentes de alemães e ucranianos, além de migrantes de 
várias regiões do Paraná, como Castro e Tibagi, além de outros estados, como São 
Paulo, Rio de Janeiro e Bahia. (ORTIGUEIRA, 2009). 
Outro dado do município salutar é o índice de desenvolvimento humano-IDH 
municipal, informação que se reflete na composição social da região, a população que 
vive em condições de pobreza chega a 23,20% e este indicador difere do encontrado 
para o Paraná – de 20%. 
 
 
5
 Link: http://www.plauto.com.br/institucional-descricao.php?id_noticia=57 acesso: 31.05.2012 
 
ENCONTROS COM A POPULAÇÃO ATINGIDA - MORADORES DE LAJEADO 
BONITO E A VINDA DA UHE DE MAUÁ 
 
Iniciadas as atividades de campo, em junho de 2010, por intermédio da 
Associação de Moradores Salto Mauá agendou-se com os moradores6, em especial 
aqueles em processo de realocação das suas moradas, um primeiro encontro. Ao 
chegamos ao local indicado, o pátio da escola, encontramos 11 pessoas7 (6 homens, 
5 mulheres) todos adultos e residentes nas proximidades, todos convidados 
espontaneamente. Uns vindos a pé, outros de carro ou ainda de moto (embora seja 
considerada zona rural nenhum morador surgiu a cavalo) e geral casais. O objetivo do 
encontro: ouvir cada pessoa, sua visão sobre a chegada do empreendimento, suas 
histórias de vida, suas memórias sobre a região e os lugares que lhes eram caros e 
com base nestas informações estabelecer os caminhos da pesquisa. 
Embora àquele grupo se conhecesse por comporem a vizinhança, o vinculo 
entre os moradores foi estreitado principalmente após a realização de encontros 
durante o período de negociação com o empreendimento. A maioria mantinha contato 
direto com os funcionários do empreendimento responsáveis pelos trâmites legais dos 
acordos individuais naquele momento em processo. Todos aqueles ali presentes se 
conheciam “de nome”, entretanto, não necessariamente mantinham relações entre si. 
Notamos certa tensão e expectativa das pessoas diante daquele processo de 
transformação social principalmente em torno da expectativa do por vir. Naquele 
encontro identificamos algumas narrativas referentes a chegada do empreendimento à 
região, as experiências e expectativas dos entrevistados diante daquele quadro social, 
seguem alguns trechos das falas: 
 
“no início gerou muito medo, muita incerteza, muita ansiedade do que 
poderia acontecer, se a gente teria direitos. Hoje a gente sabe que 
tem. Eu fui um que saí para lutar em torno disso. Defender os direitos 
dos atingidos. Enquanto outros tentaram lutar para que a usina não 
saísse e o empreendimento não se concretizasse. Então o que houve 
foi um grande medo, ninguém tinha certeza que ia realmente 
acontecer. O pessoal que tá aqui já foi aferido os direito e outros 
estão em processo. Eu creio que mudou muito. [...] Do lado 
 
6
 A distribuição espacial para a entrevista coletiva foi pensada e organizada em forma de semicírculo na 
parte frontal da escola, para que, tanto os entrevistados, quanto entrevistadores pudessem perceber as 
expressões e gestos
6
 uns dos outros diante das falas. 
7
 Para fiz de pesquisa manteremos os nomes das pessoas entrevistadas atingidas parcial ou totalmente, 
das quais possuímos autorização do uso da entrevista e imagem que compõem um banco de dados da 
pesquisa. A UHM iniciou suas obras em 2006, entretanto, nosso trabalho de pesquisa teve início em 2010 
visando a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial e Paisagístico da população removida de suas 
moradas e realocadas em áreas de sua escolha. Durante cinco anos ocorreram assembleias, encontros e 
câmaras técnicas envolvendo inúmeros profissionais (engenheiros, agrônomos, biólogos, arqueólogos, 
assistentes sociais, etc.) com os moradores para que se chegasse a um consenso em relação a remoção, 
indenização, realocação das famílias por parte do empreendimento. O material original é de domínio 
público e está sob a responsabilidade do Consócio COPATI com sede em Londrina/PR e da COPEL. 
sentimental perde muito, como o gosto pela pescaria. Eu e todos 
aqui levaríamos o rio para onde nós vamos, porque muito dos 
lugares que eu conheci quando criança vão sumir e isso não tem 
dinheiro que pague.” (Sr. DIVONEI SCHNEIDER, 40 ANOS. 
ENTREVISTA REALIZADA EM JUNHO/2010) 
“Na época era uma expectativa muito ruim, um medo de perder o 
pouco que tinha. Cada um falava uma coisa, era ONG dizendo 
que a gente não tinha direito a nada, vão passar como um rolo 
compressor em cima da gente. Eu sou um que mudou muito com 
a ideia do que ia acontecer e o que aconteceu. [...] No meu caso 
nós tivemo muita sorte de voltar pra mesma área que antigamente foi 
de nossa família, a mesma propriedade que foi da família da minha 
esposa há mais de 140 anos e o dono aceitou vender para gente.” 
(SR. JOÃO MARIA, 65 ANOS. ENTREVISTA REALIZADA EM 
JUNHO/2010) 
“Pra minha família nem tem comparação, hoje a gente tem terra que 
pudemo chamar de nossa, uma casa boa, um salário pras despesas. 
Minha vida mudou 1000%, minhas meninas vão ficar perto do asfalto 
pra estudar, chovia o carro não podia pegar elas. Então hoje a 
possibilidade da gente melhorar de vida é muito grande. Eu to 
muito contente, muito feliz.” (SR. ADENILSON, 42 ANOS 
ENTREVISTA REALIZADA EM JUNHO/2010) 
“Primeiro, a questão a pessoa, vai mudá tudo, o lugar que ele mora, 
porque digamos assim, todo mundo valoriza seu lugar, ele já queira 
ou não ele vai tê que mudá, né?. [...] então tem esse lado 
sentimental, né. Quem gosta de pescaria, todo tipo de peixe vai 
mudá. De outro lado a melhora de vida de muita gente que não tinha 
nada. Eu sim, tipo assim, eu tenho uma visão talvez diferente sabe? 
Porque o que faz o lugar é a gente, né. Mas a maioria do pessoal não 
pensa esse lado, então tem esse lado sentimental, né, que vai deixá 
lá trás. Só vai ficá na lembrança depois. [...] né! Questão de pai, de 
família, tudo se perde. Um lugar que passou tanta gente vai encher 
de água e virá passado, né?” (SR. PAULO PEREIRA MACHADO, 45 
ANOS. ENTREVISTA REALIZADA EM JUNHO/2010) 
 
Estas narrativas expõem percepções dos indivíduos que vivenciaram todo o 
processo de mudança naquela região, apontando inúmeras questões, dentre as quais: 
a inquietação diante das incertezas com a vinda do empreendimento para a região, 
expressada no trecho “Na época era uma expectativa muito ruim, um medo de 
perder o pouco que tinha. Cada um falava uma coisa, era ONG dizendo que a 
gente não tinha direito a nada, vão passar como um rolo compressor em cima da 
gente. Eu sou um que mudou muito com a idéia do que ia acontecer e o que 
aconteceu.”; a possibilidade de melhoria das condições de vida e estabilidade 
econômica outrora vista como algo distante, presente na fala “então hoje a 
possibilidade da gente melhorar de vida é muito grande. Eu tô muito contente, 
muito feliz.”; “Do lado sentimental perde muito, como o gosto pela pescaria. Eu e 
todos aqui levaríamos o rio para onde nós vamos, porque muito dos lugares que 
eu conheci quando criança vão sumir e isso não tem dinheiro que pague.” 
Narrativa que sintetiza o valor simbólico e subjetivo presente naquele espaço por eles 
habitado, dando-se ênfase à figura do Rio Tibagi, enquanto elemento agregador de 
diversos perfis sociais (grandes e pequenos proprietários, pescadores, garimpeiros, 
lavadeiras de roupa ou brincar em suas cachoeiras) e a nosso ver o “espaço de 
sociabilidade”, por vezes, pouco considerado em relação aos benefícios econômicos. 
Estas percepções que vão desde as implicações de cunho econômico até as possíveis 
mudanças nas interações entre os moradores e o meio em que viviam. 
 
PARTICIPAÇÃO E FORMAÇÃO COLETIVA DOS MORADORES 
 
Em 2006 aumentam os rumores sobre a construção da UHE de Mauá, o que 
trouxe inquietação e marca o início de movimentaçõesdos moradores em pequenos 
grupos para conversarem sobre a posição destes diante daquela situação. Em 
entrevista com o atual presidente da Associação de Moradores Divonei Schneider este 
foi um período de muitas dúvidas, receios sobre quais procedimentos à serem 
tomados. Ele acompanhou todo o processo de negociação e inclusive estabelecendo 
contato com movimentos sociais com o MAB para compreender melhor quais direitos 
deveriam ser garantidos. 
 Ainda em meados de 2006/2007 durantes os primeiros encontros para 
realização de cadastro das famílias e aplicação de pesquisa socioeconômica 
representantes do empreendimento sugeriram aos moradores que visitassem algumas 
famílias reassentadas na construção da Barragem de Salto Caxias e pudessem 
conversar e trocarem opiniões com pessoas com experiências similares. Este contato 
implicou na aproximação do grupo de moradores visitantes com pessoas que já 
vivenciaram a mesma situação e estavam em momento de adaptação à nova 
realidade, todos indenizados e realocados. 
O encontro repercutiu de inúmeras formas, primeiro, situando os moradores 
sobre os pontos positivos e negativos daquela mudança, sugerindo ações e indicando 
que de pouco adiantaria a posição de ir contra a instalação do empreendimento, como 
a ação de embargar a obra. Sugeriu por outro lado que os moradores se agrupassem 
pois assim a pressão coletiva ganharia mais respaldo político na forma de garantir 
direitos àquelas que teriam suas vidas efetivamente alteradas com o advindo da usina 
na região. Compartilharam inclusive referências nos formatos das indenizações e 
organização coletiva dos moradores. Estas questões pontuadas pelos moradores 
incentivaram alguns indivíduos de Lajeado Bonito e região à buscarem informações e 
entender aquele processo, considerando que não seriam poucos e nem os únicos. 
Impulsionados pelo diálogo entre estas pessoas que vivenciaram o mesmo processo 
de mudança em outros empreendimentos8. 
Com isso, tem início a organização dos moradores na forma de Associação de 
Moradores Atingidos por Barragem do Rio Tibagi9 no papel de negociador 
intermediário entre os moradores e empreendimento, tanto como uma forma de 
pressão coletiva para a efetivação de acordos entre as partes, quanto de aproximação 
com a coletividade por parte da comissão executiva da Associação. O que gerou em 
2007 a criação da Associação de Salto Mauá para o acompanhamento de todo o 
processo legal com o empreendimento e no entendimento do processo de organização 
social, seus acordos e seus conflitos existentes nesta configuração social. 
Esta atuou como espaço de representatividade daqueles moradores, inclusive 
na elaboração de um mapeamento de todas as pessoas que seriam indenizadas pelo 
empreendimento, concentrado maior atividade entre 2008 e 2011, período de 
realocação para as novas propriedades. 
A nosso ver a criação da Associação expressou a consciência dos moradores 
de que não adiantaria questionar a construção da usina na região naquele momento. 
Acreditando que o mais prudente a ser feito seria garantir que todas as pessoas 
fossem em alguma medida atingida pela UHM tivessem seus direitos garantidos, ou 
seja, desde proprietários de terra, posseiros, garimpeiros, arrendatários e outros, 
atuando como “uma ordem coletiva que possa trazer uma melhor condição de vida 
para estas pessoas, mormente aquelas de menor poder aquisitivo” e que trouxesse 
benefícios para toda a comunidade e não “apenas a defesa dos direitos patrimoniais 
das pessoas” como afirmou o primeiro presidente da Associação em ata10. 
Entretanto, esta postura não foi consensual, em torno de 12 famílias de um 
universo de 191, se colocaram inicialmente contrárias à construção do 
empreendimento, o que trouxe conflitos internos entre os proprios moradores. O 
desacordo fragmentou o coletivo o que implicou no acordo que as indenizações seriam 
individuais e não coletivas. Esta situação apenas foi resolvida em meados de 2012 
com a adesão de toda a população atingida, com negociações diretas com o 
empreendimento. 
Fundada em 28 de julho de 2007, segundo expõem as atas da Associação, 
sem finalidade lucrativa, configurando pessoa jurídica de direito privado. Tendo por 
finalidade “melhorar a qualidade de vida de seus associados em geral, organizando-os 
 
 
 
 
10
 A presidência da Associação nos dois primeiros anos foi do advogado Ricardo Jorge Rocha Pereira, 
seguido do ex-secretário Divonei Schneider, que permanece no cargo até meados de 2013. 
defendendo-os junto ao poder público e pessoas jurídicas da iniciativa privada, 
especialmente nas questões referentes ao atendimento de suas necessidades e 
interesses gerados por eventuais Barragens que venham a ser construídas no Rio 
Tibagi”. Composta por uma comissão executiva eleita pelos associados e sem 
remuneração. 
Associação trouxe para aquele universo rural, em processo de mudança, o 
hábito de formalizar e torna oficial eventuais insatisfações do indivíduo perante os 
acordos firmados com o empreendimento, refletido no grande número de documentos 
individuais que por intermédio da Associação reivindicavam a concretização do que 
fora acordado, desde regularização de pagamentos das indenizações ao fornecimento 
de água nas novas propriedades. 
 
PROTAGONISMO DOS MORADORES E FORMAÇÃO DE LIDERANÇAS 
A figura do agricultor Divonei Schneider tem destaque deste a primeira ação 
realizada no campo de pesquisa. Atuou como intermediador em nosso contato com os 
moradores, sempre proativo, questionador, preocupado com o andamento das 
negociações para que todas as pessoas envolvidas pudessem ser efetivamente 
representadas. Além disso, possui questionamentos sobre demandas culturais que 
estavam pouco presente nas falas de outras pessoas, como a preocupação com a 
história do lugar, da relação estabelecida com a região por gerações de sua família. 
Pautas de cunho identitário que perpassam a perspectiva das mudanças de cunho 
econômico. Estas características estão presentes tanto em suas narrativas ao longo 
dos dois anos que acompanhamos o processo de indenização e realocação das 
famílias. Muitos moradores o veem como a pessoa de confiança, envolvida seriamente 
com o processo de forma mais ampla, que defende os direitos dos moradores. Para 
Touraine “indivíduos comuns agem juntos para fazer reivindicações aos detentores do 
poder ou reafirmar direitos” Estes movimentos individuais de contestação popular 
apontam para a complexa rede de relações que o indivíduo está inserido. 
Para Touraine (2002), os movimentos sociais superam as classes, porque 
estão acima delas e podem absorvê-las. Segundo ele, o liberalismo, ao desenvolver o 
indivíduo, procurando dotá-lo de racionalidade, eliminara o sujeito. O homem apenas 
representava papéis institucionais, inclusive políticos. Atualmente, o homem precisa 
voltar-se para si mesmo e descobrir o sujeito. Este sujeito que encarna o universal, a 
natureza e mesmo o divino. Este sujeito precisa dar o salto para ator, isto é, saltar fora 
de si mesmo. Quanto mais o sujeito penetra no indivíduo, mas ele torna-se livre 
(TOURAINE, 2002, p. 256-258) 
 Desde 2007, Divonei esteve envolvido diretamente nas relações entre 
moradores e empreendimento. E em conjunto com outros moradores identificou os 
moradores que teriam direito a indenização, acompanhou as negociações individuais 
com o empreendimento e possíveis desacordos. Primeiro, com reuniões realizadas na 
propriedade dos pais, em pequenos grupos de pessoas inquietas diante das dúvidas e 
anseios. Posteriormente, no espaço alugado no município de Ortigueira para a 
Associação de Moradores como secretário, seguido de presidente. Participa 
ativamente das negociações com o empreendimento. 
Em nossas atividades em campo a figura de Divonei foi muito presente em 
diversos momentos frente às questõesenvolvendo a associação e moradores. 
Acompanhou o processo individual de inúmeros moradores, inclusive utilizando seus 
próprios meios para tal, como a locomoção de famílias para dialogo direto com 
responsáveis pelas indenizações. Em 2012, grande parte das questões encaminhadas 
passa então a conciliar os trabalhos com a associação e de agricultor. Em 2013, outra 
adaptação, com recebimento de sua indenização, com a nova casa, recém-casado e 
com filha recém-nascida a intenção é retornar integralmente ao meio rural como 
agricultor11 e deixar as atividades com a Associação de Moradores. 
O ator social é percebido por Touraine como um ente coletivo mas que pode se 
refletir num indivíduo quando Sujeito. Este ator atua numa sociedade assentada sobre 
três camadas: no cimo, a cultura e a simbologia, no meio, as instituições sociais e na 
base, os grupos sociais, os quais podem constituir-se em movimentos sociais. A 
perspectiva econômica não é determinante porque a vida social é constituída por uma 
tridimensionalidade: há lutas econômico-sociais, estas se referem à luta de classes; há 
o combate pela independência nacional contra uma dominação estrangeira; e, 
finalmente, o movimento de integração nacional, contra a segmentação da economia e 
o poder das oligarquias. Estes planos da constituição social, não necessariamente 
estão separados (TOURAINE, 1998, p. 37-44). 
Podemos perceber em Divonei a transição do indivíduo agricultor, filho de 
pastor conhecido na região e de professora primária, caminhar para o papel de 
liderança de um grupo entre 2007 e 2013, seguido, para um novo retorno ao manejo 
da terra. Percebemos que em um curto espaço temporal presenciou um processo de 
mudança individual e coletiva na região, resignificando suas percepções sobre a 
dinâmica de vida no campo, afinal, este sujeito adquiriu a experiência de negociar, 
articular, propor, argumentar e transitasse pelos mais diferentes espaços sociais. O 
 
11
 Em janeiro de 2013 fizemos uma visita, sem agendar, para visitá-lo e entrevistá-lo novamente e 
encontramos sua atual esposa cuidando da casa e da filha com 3 meses, sua plantação de milho pronta 
pra ser colhida e as visitas de moradores a sua procura. As atividades da associação são realizadas em 
sua casa, improvisadamente, pois não há mais escritório e sem caixa. 
retorno ao meio rural certamente não será visto da mesma maneira que inicialmente, 
sua vivência e acumulo de conhecimento o tornou apto tanto a negociar com 
engenheiros e técnicos do empreendimento e questionar informações ou 
posicionamentos, assim como, tem domínio sobre as técnicas do plantio, ou seja, tem 
o conhecimento de o que e quando plantar. Esta mudança na forma de perceber o 
mundo social em volta, segundo autores como Touraine, atua como uma nova 
dinâmica social que empodera os agentes e instaura uma nova moral e outra ética. O 
individualismo é um processo de subjetivação do ator para virar sujeito. Individualismo, 
enquanto, o libertador dando ao sujeito a condição de determinar suas escolhas e sua 
emancipação como consequência. 
 A nosso ver, esta consciência de si, do outro e a mudança sociocultural ali 
instalada12 expressa uma consciência do sujeito sobre a importância em tornar 
coletiva, reivindicações individuais diante da emergência de mudança e da 
necessidade de reconfiguração social. 
CONCLUSÃO 
 Neste artigo buscamos trazer uma realidade de mudança social em curso no 
sul do Brasil, expondo posturas e caminhos que moradores do meio rural lançaram 
mão para garantirem seus direitos enquanto moradores atingidos por barragem. 
Maneiras que pessoas comuns acessam mecanismos legais de defesa, mesmo sem o 
histórico de ativismo. Trouxemos uma situação real do processo de formação de uma 
organização coletiva que implicou na formação de uma associação com forma de 
representação coletiva, para mediar conflitos e permitir o diálogo entre 
empreendimento e moradores de forma equivalente. E a perspectiva das pessoas 
sobre empreendimento e o período de adaptação à nova realidade em curso. 
Por fim, traremos considerações gerais sobre o processo de transição de uma 
família ribeirinha realocada pela UHE de Mauá no período entre 2010 a 2013. 
Acompanhamos a família rural que ocupava as margens do Rio Tibagi. Habitação 
simples, algumas roças, inseridas em meio alqueire de terra. A pesca e a extração de 
areia do rio Tibagi como as principais fontes de renda e ainda a prática do sincretismo 
religioso que marcou gerações da família, benzedores, curandeiras e devotos de 
santos católicos. 
Acompanhamos a transição vivenciada pela família Cordeiro e sua adaptação à 
nova rotina ao longo de dois anos, com visitas agendadas ou sem aviso prévio, 
entrevistas e conversas não gravadas. Esta família adquire em um curso espaço de 
 
12
 Outro tema de pesquisa não aprofundado que pode ser melhor investigado em outros trabalhos. 
tempo, novos contornos socioeconômicos, como: o acesso a propriedade de terra 
privada, alguns alqueires em área de pasto próximo a rodovia que corta o município; 
uma habitação aos moldes de “casa popular”. 
Em junho de 2010, conferimos sua euforia com o recebimento da primeira parte 
da indenização, Sr. Adenilson nos expôs que “a vida mudou 1000%, não tem o que a 
gente reclamar, mas de vez em quando pego a muié e vô lá no rio matá a saudade, 
roubá uns peixinhos do rio enquanto dá”. A motivação da família se mantem logo após 
a mudança para as novas terras de morada, em 2010. 
Voltamos a encontra-los em fevereiro de 2011 e presenciamos a visão de que 
a vida melhorou muito, tudo é mais fácil. Percebemos, o sentido subjetivo em produzir 
na própria terra, em algo que é seu, fruto do muito trabalho que volta para própria 
família “jamais a gente ia sonhá que ia ter um trator desse assim, né. Hoje você tem 
vontade de comer uma carninha você come, um frango a gente come. Colher o milho 
que você plantou na terra que é sua.”, diz Sra. Genira. 
Após de um ano na nova propriedade, janeiro de 2013 em visita surpresa, 
presenciamos outra realidade. Surgem também as ausências de atividades realizadas 
outrora como pescar ou passear de barco pelo rio. A frustração da família com o 
pouco retorno financeiro obtido, mesmo depois de muito trabalho com as atividades do 
sítio, como o plantio de milho, a criação de gado leiteiro, perfuração de poço, afirma 
Sr. Adenilson e Sra. Genira “por mais que a gente trabalhe de sol a sol não dá conta 
de tudo que tem pra fazer, o trabalho não rende, sempre tá faltando o que fazer. Só 
tem problema e dificuldade.” 
Para este grupo a própria organização familiar adquire outros sentidos, pois é 
preciso reaprender os códigos sociais entre si, com os outros e com o meio natural. Os 
modos de fazer carregam elementos da cultura indígena e dos locais, o modo de 
preparo dos alimentos ou a maneira de pescar de bote. Formas de comunicarem-se e 
compartilhares espaços de sociabilidades. Sua configuração familiar adquiriu 
contornos peculiares às demais gerações, esta modificação insere a família em uma 
dinâmica de mundo onde é a lógica capitalista que estabelece e rege normas de 
conduta dos indivíduos. Características socioeconômicas que alteram 
significativamente a própria relação dos integrantes entre si e com meio onde vivem. A 
realidade outrora marcada pelo cotidiano de vida aos moldes ribeirinhos dá lugar a 
autonomia para cultivar em suas próprias terras, visando melhor rendimento para 
venda, ou seja, ganha outro sentido eminentemente econômico. Este poder de 
escolha é algo recente e ainda em fase de adequação. 
É preciso se reorganizar, adequar-se aos moldes sociais atuais, que podem ser 
diferentes daqueles construídos até então, este é um fator muito importante para o 
processo de adaptação das famílias. Emnosso entendimento, com o acesso à 
propriedade o próprio sentido atribuído à colheita adquire outra perspectiva, “o milho 
da terra que é minha no papel tem outro gosto” diz Sr. Adenilson após colher pela 
primeira vez a lavoura de milho nas novas terras, em fevereiro de 2011. Significa a 
possibilidade de plantar e colher em sua própria terra, sem os riscos do arrendamento 
e a certeza de autonomia de trabalho. 
Nesse sentido acompanhamos a narrativa de Sr. Adenilson descrevendo o seu 
ritmo de trabalho, anterior ao empreendimento. “Antes de o sol nascer, sair. Pegar o 
bote e ir pescar. Na volta limpar e vender os peixes entre os vizinhos, às escondidas 
do fiscal. Após o almoço, seguir para o porto de areia e extrair até o fim do dia o 
máximo de areia do rio. Voltar para casa, pegar o bote, recolocar as redes de pesca 
para serem retiradas na manhã seguinte.” O trecho sintetiza uma atividade realizada 
cotidianamente por um homem adulto ribeirinho do rio Tibagi. 
 Em um curto espaço de tempo o ritmo de vida deste homem, e sua família, se 
apresentam de outra forma, “Acorda às 9 da manhã; Às 10 horas, separa os bezerros 
de 3 a 5 vacas; Ordenhar; Transfere o leite para tonéis de 6 litros; Carregar o 
caminhão com os tonéis de leite para entregar ao comprador até 12h.” Alimentar 
animais, cuidar da horta, arrumar a cerca, vacinar os animais, colher o feijão que 
sobreviveu à falta de chuva; vender bezerros, estas são algumas das atividades 
inseridas na rotina de uma família que passou da ocupação de menos de um alqueire 
de terra durante décadas, em um curo espaço de tempo para a aquisição de dezenas 
de alqueires, próxima a rodovia, em área de campo e sem fonte de água. Resultado, o 
excesso de atividades produtivas na propriedade; pouco eficientes, do ponto de vista 
do mercado; o número insuficiente de pessoas para as atividades e baixo domínio 
técnico do manejo com o gado de leite, com o plantio de grandes extensões de terra. 
A mudança socioeconômica adquirida com a indenização trouxe o cotidiano da 
família o poder de compra, refletida no alto consumo de bens materiais e com isso a 
inserção de hábitos urbanos estendendo-se pelo espaço rural, externalizados, no 
modo de vestir ou se comunicar13. 
Notamos que o discurso inicial comum entre profissionais e indenizados 
indicava que os maiores beneficiados com o empreendimento foram os mais pobres, 
os ribeirinhos, por possibilitar a estas pessoas o acesso à propriedade privada, com 
sua casa e certa estabilidade econômica. Enfim, a possibilidade real de famílias 
 
13
 A aquisição de celulares, notebooks e internet são exemplos e reflexos desta alteração 
socioeconômica, principalmente por meio das filhas. Por outro lado, estas jovens são relutantes em 
executar atividades próprias do meio rural como plantio ou cuidar da horta, internalizaram hábitos, 
estética e vocabulário próprios do meio jovem urbano. Tema aqui sem o espaço adequado para reflexão e 
problematização . 
pobres saírem daquele ciclo de pobreza e terem a oportunidade de melhoria em suas 
próprias terras. As falas são expressivas por sintetizar as marcas que a experiência 
cotidiana foi deixando ao longo dos dias, dos meses, os movimentos diários de 
adequar-se aos novos hábitos, outras rotinas. E muda também a própria maneira de 
pensar e lidar com o mundo, expressa, a gradativa mudança na forma de lidar com o 
cotidiano, a convivência, a relação com a terra, com a produção. E demonstram como 
os sujeitos percebem estas mudanças. 
Conseguimos visualizar aqui o diálogo entre teoria e campo de pesquisa. 
Robert Castels (1998) é um autor que pensa esta relação com as relações 
estabelecidas com população que historicamente esteve à margem da sociedade 
produtiva. Pensemos, então, a relação estabelecida entre: garantia plena de direitos 
humanos e políticas de desenvolvimento, como as energéticas, no qual o Brasil aderiu. 
Neste movimento em prol do desenvolvimento e expansão do país, o estado 
brasileiro precisa agir e um dos caminhos para isso é investir no aumento na produção 
de energia e ampliar mercados consumidores para desenvolver-se cada vez mais, 
como atua a construção de usinas hidrelétricas pelo Brasil. No entanto, o que fazer 
com as pessoas que estão, literalmente, no caminho das águas. O que fazer com as 
pessoas que impedem, do ponto de vista moral, a construção da usina? As 
populações ribeirinhas são exemplos. 
Do ponto de vista das relações comerciais e econômicas a população 
ribeirinha, representa gerações de pessoas que historicamente não contribuíram para 
o município, parte não paga impostos sobre o uso da terra, muitas vezes sem a 
própria documentação como certidão de nascimento 14ou título de eleitor. “O trabalho, 
como se verificou ao longo deste percurso, é mais que o trabalho, e, portanto, o não-
trabalho é mais que o desemprego, o que não é dizer pouco (CASTEL, 1998, p.496)”. 
Os ‘trabalhadores sem trabalho’ são os ‘inúteis para o mundo’. O salário não pode se 
reduzir a uma simples remuneração por tarefa. 
 
“Há pessoas que não podem suprir as suas necessidades básicas por 
si mesmo, e, por isso, são isentos da obrigação de trabalhar. Esses 
são os clientes potenciais do Estado social. Diferente da condição de 
assistidos é a situação daqueles que, capazes de trabalhar, não 
trabalham. Sob. o regime do contrato, a condição operária se torna 
frágil ao mesmo tempo em que se liberta, pois a liberdade sem 
proteção pode levar à pior servidão: a da necessidade. O liberalismo 
precisa, assim, de proteção estatal. (CASTEL, 1998, p. 24) 
 
 
 
14
 Casos de idosos que morrem e a família precisa da certidão de óbito para liberar o corpo, por exemplo, 
que buscam os trâmites legais para fazer a carteira de nascimento pela necessidade desta para obter a 
certidão de óbito. A sogra indígena de uma de nossas entrevistadas é um exemplo. 
Parte da população atingida por grandes empreendimentos está inserida fora 
do perímetro urbano, moram às margens dos rios. Algumas famílias habitam a mesma 
região de morada e trabalho há gerações, superaram as condições da natureza ao 
longo do tempo e viram seus parentes e vizinhos partirem para as cidades. Todavia de 
forma paralela gradualmente aquelas pessoas consomem serviços públicos dos 
municípios, como o uso de escola, o posto de saúde, consomem energia elétrica, 
compram mantimentos, recebem aposentadoria. Mesmo assim permaneceram por 
várias gerações à margem do rio, da cidadania plena, da representação política, do 
mercado consumidor, beiram a marginalidade social por serem “indivíduos em 
situação de flutuação na estrutura social” diz o autor. 
Estes mesmos indivíduos, vivenciaram em um curto espaço de tempo 
mudanças sociais com implicações diversas. Repentinamente passam da posição de 
posseiro de terra para a posição de proprietários de vários alqueires de terras, com 
casa e renda fixa mensal por um determinado período. O que configura a aparente 
autonomia sobre as próximas relações de trabalho e meios de produção, pois significa 
condições adequadas para autonomia de vida da família ou grupo, por meio de 
compensações econômicas. 
Os novos moldes sociais de produção e lógica de mundo, mais uma vez, 
atribuiu à perspectiva das relações econômicas como aquelas que justificam e 
superam qualquer outra forma de relacionar-se com o outro. Diante deste quadro 
social indagamos: isso basta para a readaptação pela no indivíduo ou grupo? 
Aos moradores atingidos por uma usina hidrelétrica não lhe é permitido o 
direito pleno de escolher continuar vivendo da forma que sempre viveu, com sua lógica 
de mundo. Aquela mais próxima do tempo natural “tempo de seca, tempo de cheias” 
do que o tempo racionalizado onde “tempo é dinheiro”. São mínimos os conflitos ou 
questionamentos tanto por partedo empreendimento ou do morador indenizado; 
quanto governo ou do município. Firmam-se os acordos de liberação do espaço pela 
população, o que satisfaz o empreendimento. Garante satisfação do morador, que se 
concretiza diante da nova realidade financeira e mantém a vantagem do estado 
brasileiro em resolver a situação sem maiores empecilhos, garantindo por tabela, a 
entrada de mais pessoas consumidoras e contribuintes para o município. 
Ao observar o processo de readaptação de uma família ribeirinha do Rio 
Tibagi, nota-se que a primeira mudança perceptível é a relação de consumo, as 
famílias passam a ser altamente consumidoras de bens e serviços que outrora 
estavam concentrados entre os moradores do meio urbano ou restrito aos grandes 
proprietários de terra. Refletindo inclusive no aumento da circulação de mercadorias 
pelo município e região. 
Do ponto de vista econômico, esta é outra faceta desta adesão por parte do 
estado brasileiro em investir nesta modalidade de expansão energética, ao mesmo 
tempo que insere aquelas famílias que viviam à margem do poder estatal, sem 
histórico de contribuição social e participação. Anteriormente vistas como à margem 
da sociedade, passam à cidadãos, novos consumidores, contribuintes e eleitores. De 
quebra, deixará de “manchar” a imagem do município e do país com a melhora dos 
índices de qualidade de vida e queda da pobreza extrema. 
A questão sociocultural emerge nos momentos de crises, extravazados com a 
frustração diante do baixo rendimento, os prejuízos e endividamentos. Logo surgem 
falas que ressaltam diferenças com as práticas do trabalho, a simplicidade e 
tranquilidade da vida que passou e as seguidas narrativas de lembranças da rotina de 
outrora “antes eu trabalhava o dia todo e ainda saia para pescar, pegar plantas no 
mato e não ficava cansada. Agora, mesmo trabalhando direto não dou conta de 
terminar, ainda sem a ajuda das filhas. tô cansada! desabafa Sra. Genira em nosso 
último encontro, janeiro de 2013. Situação percebida pelo grupo como caminho sem 
volta, nem solução aparente dada a impossibilidade de tomar outras decisões, fazer 
outras escolhas. 
Dada às circunstâncias da família suas condições de produção da memória, 
seus lugares da memória estão intimamente ligados ao meio natural, relacionadas aos 
lugares que se tornaram inacessíveis, nem mesmo a relação com as fontes de água 
que historicamente marcaram sua trajetória foi mantida no cotidiano. A relação com o 
meio foi alterada, já não é possível acessar cachoeiras, grutas, ilhas ou a própria 
antiga casa, se assim o desejarem. Para estas famílias ribeirinhas não é possível 
desfazer o acordo, não há mais para onde voltar, pois o lugar está submerso. Sua 
casa, roças, ilha de pescaria entre amigos, não podem ser visitados, mas, e o direito à 
memória de sua história, do seu passado. Sua construção sociocultural, seus valores e 
preceitos. De que forma mantê-los, se as relações foram rompidas? Esta perda não é 
mensurável, ela é simbólica e socialmente construída que resurge com o tempo. 
Como, então, garantir a preservação do patrimônio imaterial daquele grupo social e 
sua relação estabelecida com o Rio Tibagi? 
Concluímos assim este artigo, questionando sobre a realidade de parte da 
população atingida por usinas no Brasil ao considerar que não basta a formação de 
associação coletiva de representação para a garantia de seus direitos. Nem mesmo, a 
ampliação dos direitos humanos que consideram o patrimônio imaterial parte 
constitutiva do indivíduo. Para aquelas pessoas suas vidas alteradas por questões 
externas, não conseguiram garantir plenamente os seus direitos sociais, embora 
tenham assinado acordos para tal e também sejam brasileiros, cidadãos, eleitores, 
contribuintes. As vantagens lado a lado das insatisfações diante da nova realidade 
foram aqui expostas e indicam o excesso de atividades refletidas nas alterações 
cotidianas e principalmente a ausência dos elementos simbólicos de pertencimento 
cultural em suas práticas cotidianas, as relações de sociabilidade estabelecidas com o 
meio natural que os cercaram durante gerações. A nosso ver este é um fator de 
significativa importância para a própria manutenção dos agrupamentos sociais no meio 
rural. 
 
 
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