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Encontro Internacional Participação, Democracia e Políticas Públicas: aproximando agendas e agentes 23 a 25 de abril de 2013, UNESP, Araraquara (SP) "RIO DE MEMÓRIAS”, Participação social e memória coletiva para garantia de direitos de famílias reassentadas por empreendimento hidrelétrico no Paraná. NELI GOMES DA ROCHA1-PÓS-SOCIOLOGIA UFPR 1 Bolsista REUNI/CAPES turma 2011-2013, mestrado na área de Cultura e Sociabilidade sob orientação da Profa. Dra. Ana Luisa Fayet Sallas e co-orientação de Simone Meucci, ambas lotadas da Pós- graduação de Sociologia da Universidade Federal do Paraná – UFPR. RESUMO As atuais teorias sociológicas que tratam da participação social e o processo de ampliação de direitos nos fornecem relevantes referenciais para tratar das formas de reivindicação de direitos de população atingidas direta ou indiretamente por grandes empreendimentos como usinas hidrelétricas. O intento deste trabalho é identificar as maneiras que grupos familiares rurais reconstroem seu passado diante da mudança social que não é apenas física ou geográfica, mas acima de tudo socioeconômica e cultural. Trazer os caminhos e decisões que pessoas comuns do meio rural utilizaram para garantir seus direitos enquanto população atingida por empreendimento energético no século XXI. As maneiras de mobilizar-se, o processo de formação coletiva diante de uma realidade prestes a ser alterada. Para isso, lançaremos mão das narrativas das pessoas que vivenciaram todo o processo de negociação de seus direitos com o empreendimento e as formas que estas pessoas adaptaram-se à nova realidade, tanto na perspectiva socioeconômica, quanto sociocultural. O surgimento de lideranças sem o histórico de ativismo político que adentraram à arena de debate para garantia de direito pela chegada da Usina Hidrelétrica de Mauá a partir de 2006 em Ortigueira no Paraná é um exemplo. Nossa hipótese volta-se para a gradual inserção de pessoas comuns, pequenos agricultores, no debate político e no trabalho coletivo para acessar direitos previstos como: indenização digna; realocação; acompanhamento, por parte do empreendimento, no período de adaptação; assim como, a garantia de direitos simbólicos e culturais. Utilizamos aqui a análise qualitativa, a história de vida e trajetória familiar, grupos familiares que tiveram suas vidas alteradas com o advindo da usina hidrelétrica na região onde habitavam. Método: entrevistas individuais e coletivas, observação participante, análise documental. Resultados: Ainda de forma preliminar os dados apontam a interdependência entre as pessoas daquela configuração social que coletivamente reivindicam seus direitos e de forma assimétrica adaptam-se ao novo modo de vida, proprietários e não proprietários estabelecem diferentes relações com a terra e com o meio natural. Palavras-chaves: participação, trajetória, interdependência, direitos humanos, desenvolvimento, mudança. INTRODUÇÃO Em meio a uma geografia insinuosa de vales e cadeias de montanhas, clima temperado e úmido, inserido na região dos Campos Gerais, margeando o Rio Tibagi encontra-se o distrito rural de Lajeado Bonito, localizado no município de Ortigueira/PR. Esta região desde 2006 é parte de uma área maior que se encontra em processo de transformação social, dentre as quais a de cunho econômico, com o advindo da Usina Hidrelétrica de Mauá-UHM2 e todas as implicações que um empreendimento desta proporção pode causar, em todos os aspectos tanto econômico, ambiental ou social. O presente artigo tem por objetivo identificar os caminhos e decisões que pessoas comuns do meio rural utilizaram para garantir seus direitos enquanto população atingida. Verificando quais as principais questões que surgem a partir da confirmação da remoção e reassentamento de inúmeras famílias. Quais as maneiras que a população atingida utiliza para se mobilizar? Os mecanismos legais utilizados para a formação de agrupamento de pessoas, iniciando o processo de formação coletiva diante de uma realidade a ser alterada devido à construção de uma usina. Qual o histórico de mobilização social em torno dos grandes empreendimentos energéticos no Brasil? Quais os principais direitos reivindicados e à serem garantidos? Quais os acordos estabelecidos para que haja um consenso entre as partes? São questões perpassam este artigo. Para isso, traremos a perspectiva do morador indenizado e a família realocada, utilizando pressupostos da análise qualitativa e suas técnicas que nos possibilitam compreender a visão daquele que vivencia esta mudança, sua história de vida e a relação estabelecida com o meio natural e social em volta. O presente trabalho está distribuído da seguinte forma: primeiramente, o intuito é, aproximar o leitor da realidade estudada trazendo o panorama das construções de grandes barragens e o processo de reivindicações para ampliação de direitos da população atingida. A postura dos movimentos sociais, suas reivindicações, demandas econômicas e culturais. Em um segundo momento, apresentar a criação de grupos que gradualmente se organizaram visando o acesso ou ampliação do espaço de visibilidade social e gradual para a efetiva conquista de direitos perante o poder público na forma de pressão coletiva como é o caso do Movimento de Atingidos por Barragens. No caso 2 A concessão da Usina Hidrelétrica de Mauá foi adquirida através do leilão de Energia n.º 004/2006 – ANEEL, realizado em 10.10.2006, pelo Consórcio Energético Cruzeiro do Sul, formado pelas empresas COPEL Geração S.A. (51%), subsidiária integral. Na área de influência direta do empreendimento, foram cadastradas 191 propriedades e 33 ilhas, totalizando 378 famílias nas quais possuem vínculo com as propriedades incluindo meeiros, posseiros, arrendatários distribuídos entre os municípios de Ortigueira e Telêmaco Borba. (CADASTRO SÓCIOECONÔMICO 2007). brasileiro, há o histórico de ampliação de direitos perante os órgãos públicos, inserindo entre os deveres do empreendimento o devido tratamento do fator humano. Traremos o caso empírico que compõe a pesquisa de mestrado em sociologia, a formação da Associação de Moradores Salto Mauá, sua criação e atuação e o gradual processo de reivindicações em torno dos direitos dos moradores e que perpassam de forma geral os grandes empreendimentos no campo energético e suas principais pautas. A participação pessoas sem o histórico de ativismo político que adentraram à arena de debate e se tornam lideranças para garantia de direito daqueles indenizados pela chegada da Usina Hidrelétrica de Mauá a partir de 2006 em Ortigueira no Paraná. Considerando que são muitas e significativas às mudanças ocorridas, estas com implicações de toda ordem seja ela física, cultural, cotidiana e econômica. Propomos, ainda, o questionamento: benefícios econômicos podem mitigar outras demandas, como aquelas de cunho sociocultural? É possível mensurar e indenizar os valores simbólicos e culturais estabelecidos com aquele espaço geográfico? PANORAMA DOS GRANDES EMPREENDIMENTOS O Paraná é um estado que possui histórico de aproveitamento dos recursos naturais como a água para a produção de energia, viabilizado pela construção de usinas hidrelétricas por toda sua extensão territorial, uma delas, está inserida na região oeste, é a Binacional Usina Hidrelétrica de Itaipú. As atividades desta foram iniciadas na década de 1970, 1978, seu impacto ambiental, econômico, cultural implicou em mudanças de proporções enormes, atingindo em torno de 40 mil pessoas, considerando apenas o lado do Brasil.(KARPINSKI, 2007) Ao longo das construções formaram-se grupos de pessoas que gradualmente indagamsobre implicações econômicas e socioculturais que surgem no bojo de empreendimentos dessa envergadura. As ações de pressão sobre o morador e postura do empreendimento diante das pessoas que não concordam com a saída de suas terras, de sua casa. Questionamento sobre: o direito de escolha do morador é plenamente garantido? Quais as demandas dos moradores e as formas de defender- se ou buscar seus direitos em caso de desacordo? As indenizações podem suplantar outras demandas não econômicas? Nesse bojo surgem movimentos sociais que ganham espaço diante das inúmeras posturas de omissão dos direitos humanos por parte dos responsáveis pelos empreendimentos, por vezes, alheios aos impactos humanos ali em processo. O não cumprimento do acordado é ponto de conflito recorrente na relação entre os movimentos sociais e empreendimentos, muitas das reivindicações pautam e questionam inclusive a própria necessidade de construção da usina. Estes movimentos representam, muitas vezes, a garantia dos direitos da população atingida no que tange a expropriação do indivíduo do seu lugar de moradia para viabilizar a concretude de tais empreendimentos. Dentre os quais, o Movimento de Atingidos por Barragens – MAB. A trajetória de questionar acordos e orientar moradores sobre a garantia de justiça social aos atingidos pelo empreendimento tem inicio nos anos 1980, as primeiras movimentações coletivas que tratam dos conflitos socioambientais em torno do setor energético apontam para o avanço de direitos adquiridos pela sociedade brasileira. Estudos como Moraes(1996), Hothman(2002) e (2005) expõem algumas reivindicações coletivas como forma de pressão política que possibilitou a visibilidade de ações em grupo tanto em âmbito urbano, quanto rural. Segundo Moraes(1996) “No processo de reorganização da sociedade civil, nos anos 80, a diversidade dos movimentos de trabalhadores rurais é um dos fenômenos mais impactantes [...] neste quadro, destacam-se os movimentos dos trabalhadores rurais afetados pelas barragens construídas pela irrigação ou para a implantação de usinas hidrelétricas. Os movimentos de resistência aos projetos de hidreletricidade são importantes não apenas por somarem forças na luta contra a expropriação, mas também pela sua capacidade de tocar em um dos pontos nevrálgicos do modelo de desenvolvimento do capitalismo no Brasil: a produção de energia elétrica.” (MORAES, 1996, p.80) A postura de resistência a este modelo de produção de energia insere questionamentos políticos, movimentações de denúncia e resistência de populações atingidas, gestando assim o Movimento Justiça e Terra, ainda em meados dos anos 1970-80, no qual posteriormente estruturou o Movimento dos Atingidos por Barragem – MAB, como aponta Hothman (2005): “Na década de 1970, no contexto do modelo desenvolvimentista do governo militar, a construção das grandes hidrelétricas de sobradinho, Tucuruí e Itaipu provocaram o deslocamento forçado de dezenas de milhares de famílias no Brasil. Em 1978 e 1979, com a luta e resistência da população atingida pela hidrelétrica de Itaipu, nasceu o Movimento Justiça e Terra a luta organizada dos atingidos por barragens no Brasil.” (HOTHMAN, 2005, p.2) A partir destas movimentações sociais nas quais questionam o impacto social dos grandes empreendimentos, houve um hiato por parte das agendas políticas na década de 1980 e que foram retomadas na década de 1990, alterando o formato de gestão do setor energético, anteriormente moldados pelo setor público passa para instituições privadas. Hothmann (2005) nos aponta que considera o momento histórico singular, como expresso no trecho: “No meio da década de 80, no contexto de transição democrática no Brasil e em resposta a pressões nacionais e internacionais, o setor elétrico começou a se reestruturar, para cumprir a exigência da legislação de licenciamento ambiental, que se apresentava como pré- requisito para a operação de barragens hidrelétricas. A licença ambiental foi regulamentada pela resolução 001 (1986) do CONAMA (Conselho Nacional de Maio Ambiente), que exigia que o empreendedor elaborasse estudos e um relatório de impacto ambiental (EIA/RIMA).” (HOTHMAN, 2002, p.46) A necessidade de reestruturação do setor energético no Brasil ampliou as exigências e obrigações que os responsáveis pelo empreendimento devem seguir para receberem as devidas autorizações a exemplo das licenças e estudos técnicos de fauna, flora e meio social. As avaliações externas aplicadas ao meio social, como os relatórios técnicos e aplicação de questionários fechados, possibilitam a produção de pesquisas sobre os impactos socioeconômicos e socioculturais ocorridos em cada realidade, todavia, estes mesmos estudos não abrangem a perspectiva dos próprios moradores sobre aquele processo de mudança. Este panorama de direitos garantidos destas populações não condiz com a realidade de muitos casos, como indica a trajetória das construções de grandes barragens pelo mundo e os dados do Banco Mundial dos anos 19903. Dados indicam que em alguns empreendimentos a pouca atenção dada para as questões de identidade e pertencimento e o sentido socialmente construído naquele espaço geográfico daquele grupo social, ou aqueles grupos, e o meio natural em volta. O Movimento de Atingidos por Barragens e sua experiência nos expõem casos de omissão e desrespeito aos direitos humanos que marcam historicamente a adesão do estado brasileiro a esta modalidade de empreendimento. Barros & Sylvestre (2004) nos informam que “a estimativa é de que cerca de 40 a 80 milhões de pessoas no mundo já foram deslocadas pela construção de grandes barragens. Muitos não foram reassentados, não receberam qualquer indenização ou não a receberam de forma adequada [...] Além disso, com a inundação das terras, retiram-se meios de sobrevivência e possibilidades de sustentação de centenas de comunidades, e as indenizações, quando pagas, são baixíssimas.” (BARROS & SYLVESTRE, 2004) 3 Banco Mundial 1996, Reassentamento e Desenvolvimento, Uma revisão financeira dos projetos envolvendo reassentamento involuntários. MAB, 2004. A pressão social exercida por estes movimentos sociais, inicialmente concentraram suas reivindicações na perspectiva da compensação financeira, ou seja, de cunho econômico. Com o passar do tempo fica evidente que muitas famílias não conseguem reestabelecer seu elo com o meio natural e as reivindicações adquirem tom valor simbólico das relações estabelecidas entre as pessoas e estas com o meio natural. Como o reconhecimento dos elementos culturais da população atingida e a necessidade de salvaguarda destes valores simbólicos. Nesse sentido, a ação coletiva passa a atuar de forma incisiva nas agendas políticas do setor energético do Brasil. Dentre os avanços conquistados por intermédio do Movimento dos Atingidos por Barragem indicam estudos sobre: 1. Ampliação do quadro de pessoas que são indenizadas pelo empreendimento. Anteriormente, só seriam indenizadas as famílias com a documentação formal da terra, ou seja, aquelas pessoas denominadas como: “agregados”, “posseiros”, “meeiros” não tinham direito qualquer forma de compensação, mesmo habitando a região por várias regiões; 2. A mobilização pressionou às instituições envolvidas para que representantes dos atingidos participassem do processo da obra, da realocação das famílias entre outros pontos importantes; 3. A licença ambiental foi regulamentada pela resolução 001 (1986) do CONAMA (Conselho Nacional de Maio Ambiente), que exigia que o empreendedor elaborasse estudos e um relatório de impacto ambiental (EIA/RIMA) envolvendo diversos órgãos como IBAMA, IPHAN com a presença do Ministério Público em audiências públicas denominadas “Câmaras Técnicas”. Como vimos a liberação de grandes empreendimentosé condicionada à realização de inúmeras exigências legais de cunho socioambiental, dentre elas o acompanhamento do chamado fator humano, ou seja, a população atingida deve ter seus direitos resguardados, com a adequada realocação, indenização e acompanhamento da adaptação das famílias à nova moradia e labor. Ou seja, é obrigatório acompanhar a população removida, ou que em alguma medida teve de deslocar-se do espaço onde vive ou trabalha para outro de sua escolha, dando-lhe condições de prosseguir sua vida. Esta perspectiva insere também outras modalidades de análise para obter informações mais abrangentes e que contemplem o ponto de vista do morador atingido, a História de Vida é uma delas. Nesta, os moradores tornam-se narradores de sua própria história e testemunham a substituição de um modo de vida construído ao longo do tempo para outra à ser descoberta. CAMPO DE PESQUISA – UHE DE MAUÁ E A BACIA DO TIBAGI Traremos neste momento a situação empírica que está em processo no sul brasileiro com a perspectiva do morador atingido, suas dúvidas e anseios que surgem através de suas narrativas, individuais e coletivas. As lembranças de moradores sobre os encontros realizados entre moradores na escola da localidade; o movimento de mapeamento das pessoas à serem atingidas pelo empreendimento; as ações e decisões, com ou sem o apoio dos movimentos sociais, diante da emergência de mudança. A UHE de Mauá foi projetada para o trecho do Rio Tibagi que corta os municípios de Ortigueira e Telêmaco Borba no Paraná. Em seu projeto inicialmente de 2007 estava a indenização e/ou realocação de 1525 pessoas, totalizando 378 famílias, com 191 propriedades (proprietários ou posse) e 33 ilhas e configura desde 2007 um processo de mudança de toda ordem. Estas pessoas, de Ortigueira de Telêmaco Borba, convivem desde então com a presença de inúmeros profissionais ligados ao empreendimento (engenheiros, agrônomos, assistente social, entre outros) e a necessidade de reuniões, questionários, entrevistas, perfil socioeconômico, localização de área para reassentamento, negociações e acordos individuais de realocação e indenizações com os representantes do consórcio responsável pelo empreendimento. O Programa de Salvamento do Patrimônio Histórico, Cultural e Paisagístico referente ao Programa Básico Ambiental da Usina Hidrelétrica Mauá-UHM4 compõe este quadro de ações voltadas para a população atingida. O objetivo foi “identificar, mapear e preservar o patrimônio histórico, cultural e paisagístico da região a ser atingida diretamente e indiretamente pela implementação da Usina Hidrelétrica de Mauá-UHM, inserido no Termo de Acordo para Indenização aos Atingidos. Neste acordo foram estabelecido um “plano de indenização deverá seguir às seguintes diretrizes básicas: Preservar a cultura e a tradição da população atingida; Evitar o êxodo rural das populações atingidas pelo futuro reservatório; Manter o vínculo à terra para os produtores rurais; Propiciar melhoria da qualidade de vida das famílias atingidas”. (RELATÓRIO TÉCNICO, 2010, p.179) Metodologicamente, foram utilizadas inúmeras técnicas que possibilitasse aos pesquisadores ter acesso às visões, opiniões, a interpretação e reinterpretação das realidades ali presente, vivenciada naquele espaço e por aquela população. Técnicas de entrevistas individuais e em grupo, observação participante, registro fotográfico de lugares nos quais os moradores indicassem ser espaço de sociabilidade (seja para o 4 o programa é uma exigência da legislação que rege esta modalidade de empreendimento e será tratado mais detalhadamente no decorrer do trabalho. lazer ou trabalho, e que ficariam inacessíveis após a efetiva implementação do empreendimento), assim como, a digitalização de material documental, mapas e fotografias de acervo pessoais quando houvesse. Inserindo os relatos e narrativas pautadas nas memórias compartilhadas, nos auxiliaram na execução do trabalho de campo visando mapear o perfil sociocultural daquele universo social em processo de mudança. Gerando um rico banco de dados com registro histórias, causos, lugares e saberes caros aos que ali permaneceram durante gerações, do garimpeiro ao pastor; do pescador ao agricultor. A mediação foi possível através do secretário da instituição, pessoa da região que conhecia cada morador, cada família e que também era um morador removido de suas terras, ou seja, um agente de “dentro”. Embora a nossa presença em campo fosse possibilitado pelo empreendimento, para os moradores, as “coisas” que perguntávamos eram muito diferente das questões de outros funcionários e com o decorrer das entrevistas as pessoas nos identificava como “as jornalistas que querem saber sobre nossa família e sair pelo rio passear nas cachoeiras” disse Sr. Davi certa vez. Esta pesquisa de base qualitativa nos coloca em consonância ao que afirma Houle (2012) “as histórias de vida nos contam, na realidade, a história da vida em sociedade, e também nos levam a redescobrir que o objeto último da sociologia é a vida”. Para isso, a utilização da história de vida como base de dados para uma pesquisa qualitativa constitui-se um material que possui característica singular por evidenciar a percepção do entrevistado, balizado por suas experiências, colocando-as em diálogo com o arcabouço teórico, sintetizando, assim, uma estrutura social. Embora não seja o único meio de análise qualitativa tornou-se o exercício de “apreciar essa sociologia in vivo” e “requer uma sociologia não do vívido, mas da vida” este processo contínuo e dinâmico na construção do saber sociológico. (HOULE, 2012, p. 329) LAJEADO BONITO NO “CAMINHO DAS ÁGUAS” O distrito de Lajeado Bonito (MAPA 2) em Ortigueira (MAPA 1) compõe uma região do Paraná que mantêm histórico de fornecimento de fontes alimentares como açúcar, arroz, carne de porcos e aves, milho, mandioca, banana aos centros de trocas desde o “tempo dos tropeiros” e das grandes explorações do garimpo. Presenciou inúmeros momentos socio-históricos de ocupação do homem pela região, foi “palco” da exploração das margens dos rios pela prática do garimpo de ouro e diamante interesse que percorreu gerações; das “bruacas” cheias de milho, açúcar, arroz, mandioca, banana, carne salgada sendo transportadas por cavalos pelas picadas nas matas; dos porcos para venda sendo guiados pelos “brejão”, as chamadas porcadas. Estas travessias seguiam em geral para os centros mais próximos principalmente as localidades de Monte Alegre (hoje Telêmaco Borba) ou Queimadas (atual Ortigueira). Esta última tornou-se a referencia urbana para o Lajeado Bonito sendo a via mais próxima de acesso aos bens e serviços do Município, assim como o escoamento de produção daqueles que permanecem habitando àquele meio rural, embora cada vez mais próximo do urbano. Inserida historicamente neste panorama de trocas materiais e simbólicas existente naquela região o distrito rural Lajeado Bonito e sem infraestrutura acessível aos seus 2.000 moradores como saneamento básico e saúde, por exemplo. MAPA 1: LOCALIZAÇÃO GEOGRÁFICA DO MUNICÍPIO DE ORTIGUEIRA/PR- FONTE:IPARDES – 2010 MAPA 2 – DISTRIBUIÇÃO DOS DISTRITOS RURAIS ORTIGUEIRA – MAPA RODOVIÁRIO PR Atualmente Ortigueira possui 68 comunidades e cinco distritos: Lajeado Bonito, Natingui, Monjolinho, Barreiro e Bairro dos França5 (MAPA 2). Os dados socioeconômicos das últimas décadas apontam queda da população rural na região, embora ainda represente cerca de 66% de sua população, dos 25 mil habitantes cerca de 17 mil vivem no rural (IBGE, 2009). A ocupação rural concentra sua atividade produtiva da pequena propriedade rural familiar, propriedade ou posse, destacando a agricultura, a agropecuária, a apicultura e a cerâmica, com grande concentraçãode pequenos produtores, descendentes de alemães e ucranianos, além de migrantes de várias regiões do Paraná, como Castro e Tibagi, além de outros estados, como São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia. (ORTIGUEIRA, 2009). Outro dado do município salutar é o índice de desenvolvimento humano-IDH municipal, informação que se reflete na composição social da região, a população que vive em condições de pobreza chega a 23,20% e este indicador difere do encontrado para o Paraná – de 20%. 5 Link: http://www.plauto.com.br/institucional-descricao.php?id_noticia=57 acesso: 31.05.2012 ENCONTROS COM A POPULAÇÃO ATINGIDA - MORADORES DE LAJEADO BONITO E A VINDA DA UHE DE MAUÁ Iniciadas as atividades de campo, em junho de 2010, por intermédio da Associação de Moradores Salto Mauá agendou-se com os moradores6, em especial aqueles em processo de realocação das suas moradas, um primeiro encontro. Ao chegamos ao local indicado, o pátio da escola, encontramos 11 pessoas7 (6 homens, 5 mulheres) todos adultos e residentes nas proximidades, todos convidados espontaneamente. Uns vindos a pé, outros de carro ou ainda de moto (embora seja considerada zona rural nenhum morador surgiu a cavalo) e geral casais. O objetivo do encontro: ouvir cada pessoa, sua visão sobre a chegada do empreendimento, suas histórias de vida, suas memórias sobre a região e os lugares que lhes eram caros e com base nestas informações estabelecer os caminhos da pesquisa. Embora àquele grupo se conhecesse por comporem a vizinhança, o vinculo entre os moradores foi estreitado principalmente após a realização de encontros durante o período de negociação com o empreendimento. A maioria mantinha contato direto com os funcionários do empreendimento responsáveis pelos trâmites legais dos acordos individuais naquele momento em processo. Todos aqueles ali presentes se conheciam “de nome”, entretanto, não necessariamente mantinham relações entre si. Notamos certa tensão e expectativa das pessoas diante daquele processo de transformação social principalmente em torno da expectativa do por vir. Naquele encontro identificamos algumas narrativas referentes a chegada do empreendimento à região, as experiências e expectativas dos entrevistados diante daquele quadro social, seguem alguns trechos das falas: “no início gerou muito medo, muita incerteza, muita ansiedade do que poderia acontecer, se a gente teria direitos. Hoje a gente sabe que tem. Eu fui um que saí para lutar em torno disso. Defender os direitos dos atingidos. Enquanto outros tentaram lutar para que a usina não saísse e o empreendimento não se concretizasse. Então o que houve foi um grande medo, ninguém tinha certeza que ia realmente acontecer. O pessoal que tá aqui já foi aferido os direito e outros estão em processo. Eu creio que mudou muito. [...] Do lado 6 A distribuição espacial para a entrevista coletiva foi pensada e organizada em forma de semicírculo na parte frontal da escola, para que, tanto os entrevistados, quanto entrevistadores pudessem perceber as expressões e gestos 6 uns dos outros diante das falas. 7 Para fiz de pesquisa manteremos os nomes das pessoas entrevistadas atingidas parcial ou totalmente, das quais possuímos autorização do uso da entrevista e imagem que compõem um banco de dados da pesquisa. A UHM iniciou suas obras em 2006, entretanto, nosso trabalho de pesquisa teve início em 2010 visando a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial e Paisagístico da população removida de suas moradas e realocadas em áreas de sua escolha. Durante cinco anos ocorreram assembleias, encontros e câmaras técnicas envolvendo inúmeros profissionais (engenheiros, agrônomos, biólogos, arqueólogos, assistentes sociais, etc.) com os moradores para que se chegasse a um consenso em relação a remoção, indenização, realocação das famílias por parte do empreendimento. O material original é de domínio público e está sob a responsabilidade do Consócio COPATI com sede em Londrina/PR e da COPEL. sentimental perde muito, como o gosto pela pescaria. Eu e todos aqui levaríamos o rio para onde nós vamos, porque muito dos lugares que eu conheci quando criança vão sumir e isso não tem dinheiro que pague.” (Sr. DIVONEI SCHNEIDER, 40 ANOS. ENTREVISTA REALIZADA EM JUNHO/2010) “Na época era uma expectativa muito ruim, um medo de perder o pouco que tinha. Cada um falava uma coisa, era ONG dizendo que a gente não tinha direito a nada, vão passar como um rolo compressor em cima da gente. Eu sou um que mudou muito com a ideia do que ia acontecer e o que aconteceu. [...] No meu caso nós tivemo muita sorte de voltar pra mesma área que antigamente foi de nossa família, a mesma propriedade que foi da família da minha esposa há mais de 140 anos e o dono aceitou vender para gente.” (SR. JOÃO MARIA, 65 ANOS. ENTREVISTA REALIZADA EM JUNHO/2010) “Pra minha família nem tem comparação, hoje a gente tem terra que pudemo chamar de nossa, uma casa boa, um salário pras despesas. Minha vida mudou 1000%, minhas meninas vão ficar perto do asfalto pra estudar, chovia o carro não podia pegar elas. Então hoje a possibilidade da gente melhorar de vida é muito grande. Eu to muito contente, muito feliz.” (SR. ADENILSON, 42 ANOS ENTREVISTA REALIZADA EM JUNHO/2010) “Primeiro, a questão a pessoa, vai mudá tudo, o lugar que ele mora, porque digamos assim, todo mundo valoriza seu lugar, ele já queira ou não ele vai tê que mudá, né?. [...] então tem esse lado sentimental, né. Quem gosta de pescaria, todo tipo de peixe vai mudá. De outro lado a melhora de vida de muita gente que não tinha nada. Eu sim, tipo assim, eu tenho uma visão talvez diferente sabe? Porque o que faz o lugar é a gente, né. Mas a maioria do pessoal não pensa esse lado, então tem esse lado sentimental, né, que vai deixá lá trás. Só vai ficá na lembrança depois. [...] né! Questão de pai, de família, tudo se perde. Um lugar que passou tanta gente vai encher de água e virá passado, né?” (SR. PAULO PEREIRA MACHADO, 45 ANOS. ENTREVISTA REALIZADA EM JUNHO/2010) Estas narrativas expõem percepções dos indivíduos que vivenciaram todo o processo de mudança naquela região, apontando inúmeras questões, dentre as quais: a inquietação diante das incertezas com a vinda do empreendimento para a região, expressada no trecho “Na época era uma expectativa muito ruim, um medo de perder o pouco que tinha. Cada um falava uma coisa, era ONG dizendo que a gente não tinha direito a nada, vão passar como um rolo compressor em cima da gente. Eu sou um que mudou muito com a idéia do que ia acontecer e o que aconteceu.”; a possibilidade de melhoria das condições de vida e estabilidade econômica outrora vista como algo distante, presente na fala “então hoje a possibilidade da gente melhorar de vida é muito grande. Eu tô muito contente, muito feliz.”; “Do lado sentimental perde muito, como o gosto pela pescaria. Eu e todos aqui levaríamos o rio para onde nós vamos, porque muito dos lugares que eu conheci quando criança vão sumir e isso não tem dinheiro que pague.” Narrativa que sintetiza o valor simbólico e subjetivo presente naquele espaço por eles habitado, dando-se ênfase à figura do Rio Tibagi, enquanto elemento agregador de diversos perfis sociais (grandes e pequenos proprietários, pescadores, garimpeiros, lavadeiras de roupa ou brincar em suas cachoeiras) e a nosso ver o “espaço de sociabilidade”, por vezes, pouco considerado em relação aos benefícios econômicos. Estas percepções que vão desde as implicações de cunho econômico até as possíveis mudanças nas interações entre os moradores e o meio em que viviam. PARTICIPAÇÃO E FORMAÇÃO COLETIVA DOS MORADORES Em 2006 aumentam os rumores sobre a construção da UHE de Mauá, o que trouxe inquietação e marca o início de movimentaçõesdos moradores em pequenos grupos para conversarem sobre a posição destes diante daquela situação. Em entrevista com o atual presidente da Associação de Moradores Divonei Schneider este foi um período de muitas dúvidas, receios sobre quais procedimentos à serem tomados. Ele acompanhou todo o processo de negociação e inclusive estabelecendo contato com movimentos sociais com o MAB para compreender melhor quais direitos deveriam ser garantidos. Ainda em meados de 2006/2007 durantes os primeiros encontros para realização de cadastro das famílias e aplicação de pesquisa socioeconômica representantes do empreendimento sugeriram aos moradores que visitassem algumas famílias reassentadas na construção da Barragem de Salto Caxias e pudessem conversar e trocarem opiniões com pessoas com experiências similares. Este contato implicou na aproximação do grupo de moradores visitantes com pessoas que já vivenciaram a mesma situação e estavam em momento de adaptação à nova realidade, todos indenizados e realocados. O encontro repercutiu de inúmeras formas, primeiro, situando os moradores sobre os pontos positivos e negativos daquela mudança, sugerindo ações e indicando que de pouco adiantaria a posição de ir contra a instalação do empreendimento, como a ação de embargar a obra. Sugeriu por outro lado que os moradores se agrupassem pois assim a pressão coletiva ganharia mais respaldo político na forma de garantir direitos àquelas que teriam suas vidas efetivamente alteradas com o advindo da usina na região. Compartilharam inclusive referências nos formatos das indenizações e organização coletiva dos moradores. Estas questões pontuadas pelos moradores incentivaram alguns indivíduos de Lajeado Bonito e região à buscarem informações e entender aquele processo, considerando que não seriam poucos e nem os únicos. Impulsionados pelo diálogo entre estas pessoas que vivenciaram o mesmo processo de mudança em outros empreendimentos8. Com isso, tem início a organização dos moradores na forma de Associação de Moradores Atingidos por Barragem do Rio Tibagi9 no papel de negociador intermediário entre os moradores e empreendimento, tanto como uma forma de pressão coletiva para a efetivação de acordos entre as partes, quanto de aproximação com a coletividade por parte da comissão executiva da Associação. O que gerou em 2007 a criação da Associação de Salto Mauá para o acompanhamento de todo o processo legal com o empreendimento e no entendimento do processo de organização social, seus acordos e seus conflitos existentes nesta configuração social. Esta atuou como espaço de representatividade daqueles moradores, inclusive na elaboração de um mapeamento de todas as pessoas que seriam indenizadas pelo empreendimento, concentrado maior atividade entre 2008 e 2011, período de realocação para as novas propriedades. A nosso ver a criação da Associação expressou a consciência dos moradores de que não adiantaria questionar a construção da usina na região naquele momento. Acreditando que o mais prudente a ser feito seria garantir que todas as pessoas fossem em alguma medida atingida pela UHM tivessem seus direitos garantidos, ou seja, desde proprietários de terra, posseiros, garimpeiros, arrendatários e outros, atuando como “uma ordem coletiva que possa trazer uma melhor condição de vida para estas pessoas, mormente aquelas de menor poder aquisitivo” e que trouxesse benefícios para toda a comunidade e não “apenas a defesa dos direitos patrimoniais das pessoas” como afirmou o primeiro presidente da Associação em ata10. Entretanto, esta postura não foi consensual, em torno de 12 famílias de um universo de 191, se colocaram inicialmente contrárias à construção do empreendimento, o que trouxe conflitos internos entre os proprios moradores. O desacordo fragmentou o coletivo o que implicou no acordo que as indenizações seriam individuais e não coletivas. Esta situação apenas foi resolvida em meados de 2012 com a adesão de toda a população atingida, com negociações diretas com o empreendimento. Fundada em 28 de julho de 2007, segundo expõem as atas da Associação, sem finalidade lucrativa, configurando pessoa jurídica de direito privado. Tendo por finalidade “melhorar a qualidade de vida de seus associados em geral, organizando-os 10 A presidência da Associação nos dois primeiros anos foi do advogado Ricardo Jorge Rocha Pereira, seguido do ex-secretário Divonei Schneider, que permanece no cargo até meados de 2013. defendendo-os junto ao poder público e pessoas jurídicas da iniciativa privada, especialmente nas questões referentes ao atendimento de suas necessidades e interesses gerados por eventuais Barragens que venham a ser construídas no Rio Tibagi”. Composta por uma comissão executiva eleita pelos associados e sem remuneração. Associação trouxe para aquele universo rural, em processo de mudança, o hábito de formalizar e torna oficial eventuais insatisfações do indivíduo perante os acordos firmados com o empreendimento, refletido no grande número de documentos individuais que por intermédio da Associação reivindicavam a concretização do que fora acordado, desde regularização de pagamentos das indenizações ao fornecimento de água nas novas propriedades. PROTAGONISMO DOS MORADORES E FORMAÇÃO DE LIDERANÇAS A figura do agricultor Divonei Schneider tem destaque deste a primeira ação realizada no campo de pesquisa. Atuou como intermediador em nosso contato com os moradores, sempre proativo, questionador, preocupado com o andamento das negociações para que todas as pessoas envolvidas pudessem ser efetivamente representadas. Além disso, possui questionamentos sobre demandas culturais que estavam pouco presente nas falas de outras pessoas, como a preocupação com a história do lugar, da relação estabelecida com a região por gerações de sua família. Pautas de cunho identitário que perpassam a perspectiva das mudanças de cunho econômico. Estas características estão presentes tanto em suas narrativas ao longo dos dois anos que acompanhamos o processo de indenização e realocação das famílias. Muitos moradores o veem como a pessoa de confiança, envolvida seriamente com o processo de forma mais ampla, que defende os direitos dos moradores. Para Touraine “indivíduos comuns agem juntos para fazer reivindicações aos detentores do poder ou reafirmar direitos” Estes movimentos individuais de contestação popular apontam para a complexa rede de relações que o indivíduo está inserido. Para Touraine (2002), os movimentos sociais superam as classes, porque estão acima delas e podem absorvê-las. Segundo ele, o liberalismo, ao desenvolver o indivíduo, procurando dotá-lo de racionalidade, eliminara o sujeito. O homem apenas representava papéis institucionais, inclusive políticos. Atualmente, o homem precisa voltar-se para si mesmo e descobrir o sujeito. Este sujeito que encarna o universal, a natureza e mesmo o divino. Este sujeito precisa dar o salto para ator, isto é, saltar fora de si mesmo. Quanto mais o sujeito penetra no indivíduo, mas ele torna-se livre (TOURAINE, 2002, p. 256-258) Desde 2007, Divonei esteve envolvido diretamente nas relações entre moradores e empreendimento. E em conjunto com outros moradores identificou os moradores que teriam direito a indenização, acompanhou as negociações individuais com o empreendimento e possíveis desacordos. Primeiro, com reuniões realizadas na propriedade dos pais, em pequenos grupos de pessoas inquietas diante das dúvidas e anseios. Posteriormente, no espaço alugado no município de Ortigueira para a Associação de Moradores como secretário, seguido de presidente. Participa ativamente das negociações com o empreendimento. Em nossas atividades em campo a figura de Divonei foi muito presente em diversos momentos frente às questõesenvolvendo a associação e moradores. Acompanhou o processo individual de inúmeros moradores, inclusive utilizando seus próprios meios para tal, como a locomoção de famílias para dialogo direto com responsáveis pelas indenizações. Em 2012, grande parte das questões encaminhadas passa então a conciliar os trabalhos com a associação e de agricultor. Em 2013, outra adaptação, com recebimento de sua indenização, com a nova casa, recém-casado e com filha recém-nascida a intenção é retornar integralmente ao meio rural como agricultor11 e deixar as atividades com a Associação de Moradores. O ator social é percebido por Touraine como um ente coletivo mas que pode se refletir num indivíduo quando Sujeito. Este ator atua numa sociedade assentada sobre três camadas: no cimo, a cultura e a simbologia, no meio, as instituições sociais e na base, os grupos sociais, os quais podem constituir-se em movimentos sociais. A perspectiva econômica não é determinante porque a vida social é constituída por uma tridimensionalidade: há lutas econômico-sociais, estas se referem à luta de classes; há o combate pela independência nacional contra uma dominação estrangeira; e, finalmente, o movimento de integração nacional, contra a segmentação da economia e o poder das oligarquias. Estes planos da constituição social, não necessariamente estão separados (TOURAINE, 1998, p. 37-44). Podemos perceber em Divonei a transição do indivíduo agricultor, filho de pastor conhecido na região e de professora primária, caminhar para o papel de liderança de um grupo entre 2007 e 2013, seguido, para um novo retorno ao manejo da terra. Percebemos que em um curto espaço temporal presenciou um processo de mudança individual e coletiva na região, resignificando suas percepções sobre a dinâmica de vida no campo, afinal, este sujeito adquiriu a experiência de negociar, articular, propor, argumentar e transitasse pelos mais diferentes espaços sociais. O 11 Em janeiro de 2013 fizemos uma visita, sem agendar, para visitá-lo e entrevistá-lo novamente e encontramos sua atual esposa cuidando da casa e da filha com 3 meses, sua plantação de milho pronta pra ser colhida e as visitas de moradores a sua procura. As atividades da associação são realizadas em sua casa, improvisadamente, pois não há mais escritório e sem caixa. retorno ao meio rural certamente não será visto da mesma maneira que inicialmente, sua vivência e acumulo de conhecimento o tornou apto tanto a negociar com engenheiros e técnicos do empreendimento e questionar informações ou posicionamentos, assim como, tem domínio sobre as técnicas do plantio, ou seja, tem o conhecimento de o que e quando plantar. Esta mudança na forma de perceber o mundo social em volta, segundo autores como Touraine, atua como uma nova dinâmica social que empodera os agentes e instaura uma nova moral e outra ética. O individualismo é um processo de subjetivação do ator para virar sujeito. Individualismo, enquanto, o libertador dando ao sujeito a condição de determinar suas escolhas e sua emancipação como consequência. A nosso ver, esta consciência de si, do outro e a mudança sociocultural ali instalada12 expressa uma consciência do sujeito sobre a importância em tornar coletiva, reivindicações individuais diante da emergência de mudança e da necessidade de reconfiguração social. CONCLUSÃO Neste artigo buscamos trazer uma realidade de mudança social em curso no sul do Brasil, expondo posturas e caminhos que moradores do meio rural lançaram mão para garantirem seus direitos enquanto moradores atingidos por barragem. Maneiras que pessoas comuns acessam mecanismos legais de defesa, mesmo sem o histórico de ativismo. Trouxemos uma situação real do processo de formação de uma organização coletiva que implicou na formação de uma associação com forma de representação coletiva, para mediar conflitos e permitir o diálogo entre empreendimento e moradores de forma equivalente. E a perspectiva das pessoas sobre empreendimento e o período de adaptação à nova realidade em curso. Por fim, traremos considerações gerais sobre o processo de transição de uma família ribeirinha realocada pela UHE de Mauá no período entre 2010 a 2013. Acompanhamos a família rural que ocupava as margens do Rio Tibagi. Habitação simples, algumas roças, inseridas em meio alqueire de terra. A pesca e a extração de areia do rio Tibagi como as principais fontes de renda e ainda a prática do sincretismo religioso que marcou gerações da família, benzedores, curandeiras e devotos de santos católicos. Acompanhamos a transição vivenciada pela família Cordeiro e sua adaptação à nova rotina ao longo de dois anos, com visitas agendadas ou sem aviso prévio, entrevistas e conversas não gravadas. Esta família adquire em um curso espaço de 12 Outro tema de pesquisa não aprofundado que pode ser melhor investigado em outros trabalhos. tempo, novos contornos socioeconômicos, como: o acesso a propriedade de terra privada, alguns alqueires em área de pasto próximo a rodovia que corta o município; uma habitação aos moldes de “casa popular”. Em junho de 2010, conferimos sua euforia com o recebimento da primeira parte da indenização, Sr. Adenilson nos expôs que “a vida mudou 1000%, não tem o que a gente reclamar, mas de vez em quando pego a muié e vô lá no rio matá a saudade, roubá uns peixinhos do rio enquanto dá”. A motivação da família se mantem logo após a mudança para as novas terras de morada, em 2010. Voltamos a encontra-los em fevereiro de 2011 e presenciamos a visão de que a vida melhorou muito, tudo é mais fácil. Percebemos, o sentido subjetivo em produzir na própria terra, em algo que é seu, fruto do muito trabalho que volta para própria família “jamais a gente ia sonhá que ia ter um trator desse assim, né. Hoje você tem vontade de comer uma carninha você come, um frango a gente come. Colher o milho que você plantou na terra que é sua.”, diz Sra. Genira. Após de um ano na nova propriedade, janeiro de 2013 em visita surpresa, presenciamos outra realidade. Surgem também as ausências de atividades realizadas outrora como pescar ou passear de barco pelo rio. A frustração da família com o pouco retorno financeiro obtido, mesmo depois de muito trabalho com as atividades do sítio, como o plantio de milho, a criação de gado leiteiro, perfuração de poço, afirma Sr. Adenilson e Sra. Genira “por mais que a gente trabalhe de sol a sol não dá conta de tudo que tem pra fazer, o trabalho não rende, sempre tá faltando o que fazer. Só tem problema e dificuldade.” Para este grupo a própria organização familiar adquire outros sentidos, pois é preciso reaprender os códigos sociais entre si, com os outros e com o meio natural. Os modos de fazer carregam elementos da cultura indígena e dos locais, o modo de preparo dos alimentos ou a maneira de pescar de bote. Formas de comunicarem-se e compartilhares espaços de sociabilidades. Sua configuração familiar adquiriu contornos peculiares às demais gerações, esta modificação insere a família em uma dinâmica de mundo onde é a lógica capitalista que estabelece e rege normas de conduta dos indivíduos. Características socioeconômicas que alteram significativamente a própria relação dos integrantes entre si e com meio onde vivem. A realidade outrora marcada pelo cotidiano de vida aos moldes ribeirinhos dá lugar a autonomia para cultivar em suas próprias terras, visando melhor rendimento para venda, ou seja, ganha outro sentido eminentemente econômico. Este poder de escolha é algo recente e ainda em fase de adequação. É preciso se reorganizar, adequar-se aos moldes sociais atuais, que podem ser diferentes daqueles construídos até então, este é um fator muito importante para o processo de adaptação das famílias. Emnosso entendimento, com o acesso à propriedade o próprio sentido atribuído à colheita adquire outra perspectiva, “o milho da terra que é minha no papel tem outro gosto” diz Sr. Adenilson após colher pela primeira vez a lavoura de milho nas novas terras, em fevereiro de 2011. Significa a possibilidade de plantar e colher em sua própria terra, sem os riscos do arrendamento e a certeza de autonomia de trabalho. Nesse sentido acompanhamos a narrativa de Sr. Adenilson descrevendo o seu ritmo de trabalho, anterior ao empreendimento. “Antes de o sol nascer, sair. Pegar o bote e ir pescar. Na volta limpar e vender os peixes entre os vizinhos, às escondidas do fiscal. Após o almoço, seguir para o porto de areia e extrair até o fim do dia o máximo de areia do rio. Voltar para casa, pegar o bote, recolocar as redes de pesca para serem retiradas na manhã seguinte.” O trecho sintetiza uma atividade realizada cotidianamente por um homem adulto ribeirinho do rio Tibagi. Em um curto espaço de tempo o ritmo de vida deste homem, e sua família, se apresentam de outra forma, “Acorda às 9 da manhã; Às 10 horas, separa os bezerros de 3 a 5 vacas; Ordenhar; Transfere o leite para tonéis de 6 litros; Carregar o caminhão com os tonéis de leite para entregar ao comprador até 12h.” Alimentar animais, cuidar da horta, arrumar a cerca, vacinar os animais, colher o feijão que sobreviveu à falta de chuva; vender bezerros, estas são algumas das atividades inseridas na rotina de uma família que passou da ocupação de menos de um alqueire de terra durante décadas, em um curo espaço de tempo para a aquisição de dezenas de alqueires, próxima a rodovia, em área de campo e sem fonte de água. Resultado, o excesso de atividades produtivas na propriedade; pouco eficientes, do ponto de vista do mercado; o número insuficiente de pessoas para as atividades e baixo domínio técnico do manejo com o gado de leite, com o plantio de grandes extensões de terra. A mudança socioeconômica adquirida com a indenização trouxe o cotidiano da família o poder de compra, refletida no alto consumo de bens materiais e com isso a inserção de hábitos urbanos estendendo-se pelo espaço rural, externalizados, no modo de vestir ou se comunicar13. Notamos que o discurso inicial comum entre profissionais e indenizados indicava que os maiores beneficiados com o empreendimento foram os mais pobres, os ribeirinhos, por possibilitar a estas pessoas o acesso à propriedade privada, com sua casa e certa estabilidade econômica. Enfim, a possibilidade real de famílias 13 A aquisição de celulares, notebooks e internet são exemplos e reflexos desta alteração socioeconômica, principalmente por meio das filhas. Por outro lado, estas jovens são relutantes em executar atividades próprias do meio rural como plantio ou cuidar da horta, internalizaram hábitos, estética e vocabulário próprios do meio jovem urbano. Tema aqui sem o espaço adequado para reflexão e problematização . pobres saírem daquele ciclo de pobreza e terem a oportunidade de melhoria em suas próprias terras. As falas são expressivas por sintetizar as marcas que a experiência cotidiana foi deixando ao longo dos dias, dos meses, os movimentos diários de adequar-se aos novos hábitos, outras rotinas. E muda também a própria maneira de pensar e lidar com o mundo, expressa, a gradativa mudança na forma de lidar com o cotidiano, a convivência, a relação com a terra, com a produção. E demonstram como os sujeitos percebem estas mudanças. Conseguimos visualizar aqui o diálogo entre teoria e campo de pesquisa. Robert Castels (1998) é um autor que pensa esta relação com as relações estabelecidas com população que historicamente esteve à margem da sociedade produtiva. Pensemos, então, a relação estabelecida entre: garantia plena de direitos humanos e políticas de desenvolvimento, como as energéticas, no qual o Brasil aderiu. Neste movimento em prol do desenvolvimento e expansão do país, o estado brasileiro precisa agir e um dos caminhos para isso é investir no aumento na produção de energia e ampliar mercados consumidores para desenvolver-se cada vez mais, como atua a construção de usinas hidrelétricas pelo Brasil. No entanto, o que fazer com as pessoas que estão, literalmente, no caminho das águas. O que fazer com as pessoas que impedem, do ponto de vista moral, a construção da usina? As populações ribeirinhas são exemplos. Do ponto de vista das relações comerciais e econômicas a população ribeirinha, representa gerações de pessoas que historicamente não contribuíram para o município, parte não paga impostos sobre o uso da terra, muitas vezes sem a própria documentação como certidão de nascimento 14ou título de eleitor. “O trabalho, como se verificou ao longo deste percurso, é mais que o trabalho, e, portanto, o não- trabalho é mais que o desemprego, o que não é dizer pouco (CASTEL, 1998, p.496)”. Os ‘trabalhadores sem trabalho’ são os ‘inúteis para o mundo’. O salário não pode se reduzir a uma simples remuneração por tarefa. “Há pessoas que não podem suprir as suas necessidades básicas por si mesmo, e, por isso, são isentos da obrigação de trabalhar. Esses são os clientes potenciais do Estado social. Diferente da condição de assistidos é a situação daqueles que, capazes de trabalhar, não trabalham. Sob. o regime do contrato, a condição operária se torna frágil ao mesmo tempo em que se liberta, pois a liberdade sem proteção pode levar à pior servidão: a da necessidade. O liberalismo precisa, assim, de proteção estatal. (CASTEL, 1998, p. 24) 14 Casos de idosos que morrem e a família precisa da certidão de óbito para liberar o corpo, por exemplo, que buscam os trâmites legais para fazer a carteira de nascimento pela necessidade desta para obter a certidão de óbito. A sogra indígena de uma de nossas entrevistadas é um exemplo. Parte da população atingida por grandes empreendimentos está inserida fora do perímetro urbano, moram às margens dos rios. Algumas famílias habitam a mesma região de morada e trabalho há gerações, superaram as condições da natureza ao longo do tempo e viram seus parentes e vizinhos partirem para as cidades. Todavia de forma paralela gradualmente aquelas pessoas consomem serviços públicos dos municípios, como o uso de escola, o posto de saúde, consomem energia elétrica, compram mantimentos, recebem aposentadoria. Mesmo assim permaneceram por várias gerações à margem do rio, da cidadania plena, da representação política, do mercado consumidor, beiram a marginalidade social por serem “indivíduos em situação de flutuação na estrutura social” diz o autor. Estes mesmos indivíduos, vivenciaram em um curto espaço de tempo mudanças sociais com implicações diversas. Repentinamente passam da posição de posseiro de terra para a posição de proprietários de vários alqueires de terras, com casa e renda fixa mensal por um determinado período. O que configura a aparente autonomia sobre as próximas relações de trabalho e meios de produção, pois significa condições adequadas para autonomia de vida da família ou grupo, por meio de compensações econômicas. Os novos moldes sociais de produção e lógica de mundo, mais uma vez, atribuiu à perspectiva das relações econômicas como aquelas que justificam e superam qualquer outra forma de relacionar-se com o outro. Diante deste quadro social indagamos: isso basta para a readaptação pela no indivíduo ou grupo? Aos moradores atingidos por uma usina hidrelétrica não lhe é permitido o direito pleno de escolher continuar vivendo da forma que sempre viveu, com sua lógica de mundo. Aquela mais próxima do tempo natural “tempo de seca, tempo de cheias” do que o tempo racionalizado onde “tempo é dinheiro”. São mínimos os conflitos ou questionamentos tanto por partedo empreendimento ou do morador indenizado; quanto governo ou do município. Firmam-se os acordos de liberação do espaço pela população, o que satisfaz o empreendimento. Garante satisfação do morador, que se concretiza diante da nova realidade financeira e mantém a vantagem do estado brasileiro em resolver a situação sem maiores empecilhos, garantindo por tabela, a entrada de mais pessoas consumidoras e contribuintes para o município. Ao observar o processo de readaptação de uma família ribeirinha do Rio Tibagi, nota-se que a primeira mudança perceptível é a relação de consumo, as famílias passam a ser altamente consumidoras de bens e serviços que outrora estavam concentrados entre os moradores do meio urbano ou restrito aos grandes proprietários de terra. Refletindo inclusive no aumento da circulação de mercadorias pelo município e região. Do ponto de vista econômico, esta é outra faceta desta adesão por parte do estado brasileiro em investir nesta modalidade de expansão energética, ao mesmo tempo que insere aquelas famílias que viviam à margem do poder estatal, sem histórico de contribuição social e participação. Anteriormente vistas como à margem da sociedade, passam à cidadãos, novos consumidores, contribuintes e eleitores. De quebra, deixará de “manchar” a imagem do município e do país com a melhora dos índices de qualidade de vida e queda da pobreza extrema. A questão sociocultural emerge nos momentos de crises, extravazados com a frustração diante do baixo rendimento, os prejuízos e endividamentos. Logo surgem falas que ressaltam diferenças com as práticas do trabalho, a simplicidade e tranquilidade da vida que passou e as seguidas narrativas de lembranças da rotina de outrora “antes eu trabalhava o dia todo e ainda saia para pescar, pegar plantas no mato e não ficava cansada. Agora, mesmo trabalhando direto não dou conta de terminar, ainda sem a ajuda das filhas. tô cansada! desabafa Sra. Genira em nosso último encontro, janeiro de 2013. Situação percebida pelo grupo como caminho sem volta, nem solução aparente dada a impossibilidade de tomar outras decisões, fazer outras escolhas. Dada às circunstâncias da família suas condições de produção da memória, seus lugares da memória estão intimamente ligados ao meio natural, relacionadas aos lugares que se tornaram inacessíveis, nem mesmo a relação com as fontes de água que historicamente marcaram sua trajetória foi mantida no cotidiano. A relação com o meio foi alterada, já não é possível acessar cachoeiras, grutas, ilhas ou a própria antiga casa, se assim o desejarem. Para estas famílias ribeirinhas não é possível desfazer o acordo, não há mais para onde voltar, pois o lugar está submerso. Sua casa, roças, ilha de pescaria entre amigos, não podem ser visitados, mas, e o direito à memória de sua história, do seu passado. Sua construção sociocultural, seus valores e preceitos. De que forma mantê-los, se as relações foram rompidas? Esta perda não é mensurável, ela é simbólica e socialmente construída que resurge com o tempo. Como, então, garantir a preservação do patrimônio imaterial daquele grupo social e sua relação estabelecida com o Rio Tibagi? Concluímos assim este artigo, questionando sobre a realidade de parte da população atingida por usinas no Brasil ao considerar que não basta a formação de associação coletiva de representação para a garantia de seus direitos. Nem mesmo, a ampliação dos direitos humanos que consideram o patrimônio imaterial parte constitutiva do indivíduo. Para aquelas pessoas suas vidas alteradas por questões externas, não conseguiram garantir plenamente os seus direitos sociais, embora tenham assinado acordos para tal e também sejam brasileiros, cidadãos, eleitores, contribuintes. As vantagens lado a lado das insatisfações diante da nova realidade foram aqui expostas e indicam o excesso de atividades refletidas nas alterações cotidianas e principalmente a ausência dos elementos simbólicos de pertencimento cultural em suas práticas cotidianas, as relações de sociabilidade estabelecidas com o meio natural que os cercaram durante gerações. A nosso ver este é um fator de significativa importância para a própria manutenção dos agrupamentos sociais no meio rural. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CASTEL, Robert. As metamorfoses da questão social: uma crônica do salário. Petrópolis: Vozes, 1998. CÂNDIDO, Antônio. 1987. Os Parceiros do Rio Bonito, São Paulo: Livraria Duas Cidades. 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