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Jurisprudência Internacional de Direitos Humanos- Caio Paiva e Thimotie Aragon Heeman

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JURISPRUDÊNCIA 
INTERNACIONAL 
DE DIREITOS HUMANOS 
Resumos , comentá r ios e des taques dos pr inc ipa is pontos 
de dec i sões profer idas pela Cor te In teramer icana de Direi tos 
Humanos , C o m i s s ã o In teramer icana de Direi tos H u m a n o s , 
Cor te Internacional de Jus t i ça , Tr ibunal Penal Internacional , 
entre outros. Inclui questões de concursos sobre a matéria. 
C A I O P A I V A e T H I M O T I E A R A G O N H E E M A N N 
- 2 0 1 5 -
D i z e r D i re i t o 
Editora 
CAIO PAIVA 
THIMOTIE ARAGON HEEMANN 
J U R I S P R U D Ê N C I A I N T E R N A C I O N A L 
D E D I R E I T O S H U M A N O S 
I A edição, Manaus, 2015 
Dizer Direito 
Editora 
Copyright © 2015, Dizer o Direito Editora 
Todos os direitos desta edição reservados à Dizer o Direito Editora. 
Capa: 
Kleber Mendes 1 kleber.smendes@gmail.com 
Projeto gráfico e editoração: 
Carla Piaggio | www.carlapiaggio.com.br 
Dados internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) 
Pi49 Paiva, Caio Cezar de Figueiredo 
Jurisprudência internacional de direitos humanos / 
Caio Cezar de Figueiredo Paiva e Thimotie Aragon Heemann. 
- Manaus: Dizer o Direito, 2015. 
432 p. 
ISBN: 978-85-67168-05-0 
1. Direitos humanos 2.Direíto internacional 3. Heemann, 
Thimotie Aragon I.Título. 
CDU 342.7:341 
Ficha ca ta logrâ f i ca e laborada pela Bib l io tecár ia Ad r iana Sena G o m e s C R B 5/1568 
Dizer ÉS I Direito 
Editora 
www.dizerodireito.com.br 
Todos os direitos reservados, A reprodução não autorizada desta publicação, 
por qualquer meio, total ou parcial, constitui violação da lei n° 9.610/98. 
AGRADECIMENTOS 
luyesse livro é publicado no mês que completamos 10 anos juntos (agos-
lo). Obrigado por me incentivar, por estar sempre ao meu lado e também 
por me fazer tão feliz. Com muito amor, dedico esse trabalho à você. 
CAIO PAIVA 
Agradeço aos meus pais, João e Maristela, por todo apoio dado desde o 
início desta jornada, e a Nathalia, por todo companheirismo, incentivo e 
carinho durante o desenvolvimento deste projeto. 
THIMOTIE HEEMANN 
Agradecemos ao amigo Márcio André Lopes Cavalcante pela oportunida-
de de publicarmos a obra na editora Dizer o Direito. Em nome dos con-
curseiros de todo o país, ainda, dedicamos esse trabalho também a você, 
Márcio, um exemplo de profissional, professor e pessoa, que muito nos 
inspira. Agradecemos também aos queridos alunos do curso CEI-Jurispru-
dência de Tribunais Internacionais de Direitos Humanos, que confiaram 
nesse projeto e nos incentivaram a ampliar a pesquisa. 
NOTA À Ia EDIÇÃO 
É com muita felicidade que apresentamos ao público o primeiro livro 
brasileiro que trata especificamente da jurisprudência internacional de 
direitos humanos. Buscamos expor o conteúdo de maneira clara e siste-
mática e com uma linguagem acessível,facilitando a compreensão do lei-
tor acerca dos casos internacionais de direitos humanos e seus principais 
pontos. 
Ao desenvolver esta obra, adotamos a classificação do Professor André de 
Carvalho Ramos e elencamos a Corte Internacional de Justiça, o Tribunal 
Penal Internacional e outros tribunais internacionais penais como tribu-
nais de direitos humanos. Fizemo-lo porque é inegável que estes tribu-
nais, embora não sejam estritamente órgãos de proteção dos direitos hu-
manos, acabam por tutelar, seja de forma direta, seja de forma indireta, 
os direitos humanos dos indivíduos e também os direitos humanos glo-
bais — estão entre estes últimos, por exemplo, a autodeterminação dos 
povos, o direito ao desenvolvimento e a preservação do meio ambiente. 
Também inserimos nesta primeira edição os dois novos casos que envol-
vem o Brasil na jurisdição contenciosa da Corte Interamericana de Direi-
tos Humanos. Os casos ainda aguardam julgamento pelo tribunal inte-
ramericano e, portanto, ainda não receberam um nome em definitivo da 
Corte até o fechamento desta edição. Por conseguinte, nominamos estes 
dois casos da forma que eram popularmente conhecidos durante a sua 
tramitação na Comissão Interamericana de Direitos Humanos. 
Aguardamos as críticas construtivas e sugestões dos leitores. 
CAIO PAIVA 
THIMOTIE ARAGON HEEMANN 
I O de agosto de 2015. 
SUMÁRIO 
CAPÍTULO I 
GRAMÁTICA BÁSICA DE DIREITOS HUMANOS E 
DE DIREITO INTERNACIONAL EM SENTIDO AMPLO 
CAPÍTULO II 
CASOS JULGADOS PELA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA 
DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS 15 
Caso Loayza Tamayo vs. Peru 16 
Caso Vil lagran Morales e Outros vs. 
Guatemala "Caso dos Meninos de Rua" 26 
Caso Olmedo Bustos e Outros vs. Chile 
("A Última Tentação de Cristo") 29 
Caso Comunidade Mayagna (Sumo) Awas Tingni vs. Nicarágua 42 
Caso Hilaire, Constantine e Benjamin e outros vs. Trinidad e Tobago 50 
Caso Herrera Ulloa vs. Costa Rica 58 
Caso Tibi vs. Equador 66 
Caso Comunidade Moiwana vs . Suriname 84 
Caso Fermin Ramirez vs. Guatemala 89 
Caso Yatama vs. Nicarágua 96 
Caso Palamara Iribarne vs. Chile 112 
Caso Gonzalez e outras vs . México ("Campo Algodonero") 118 
Caso Barreto Leiva vs. Venezuela 123 
Caso Velez Loor vs. Panamá 130 
Caso Lopez Mendoza vs. Venezuela 138 
Caso Átala Riffo ninas vs. Chile 148 
Caso Povo Indígena Kichwa Sarayaku vs. Equador 152 
Caso Furlan vs. Argentina 157 
S U M Á R I O | 7 
Caso Mohamed vs. Argentina 162 
Caso Artavia Murillo e outros ("Fecundação in vitro") vs. Costa Rica 167 
Caso Mendonza e outros vs. Argentina 172 
Caso Comunidades Afrodescendentes Deslocadas da 
Bacia do Rio Cacarica vs. Colômbia ("Operação Gênesis") 176 
Caso Família Pacheco Tineo vs. Bolívia 183 
Caso Liakat Ali Alibus vs. Suriname 191 
Caso Brewer Carias vs. Venezuela 1 9 7 
Caso Norin Catrimán e outros (dirigentes, membros 
e ativista do povo indígena Mapuche) e vs. Chile 202 
Caso Arguelles e outros vs. Argentina 2 0 6 
CAPÍTULO III 
O BRASIL NA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA DA 
CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS 211 
Caso Ximenes Lopes vs. Brasil 212 
Caso Nogueira de Carvalho e outros vs. Brasil 218 
Caso Escher e outros vs. Brasil 222 
Caso Garibaldi vs. Brasil 228 
Caso Gomes Land e outros vs. Brasil ("Caso Guerrilha do Araguaia") 234 
Caso Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde vs. Brasil 2 6 7 
Caso Cosme Rosa Genoveva e outros vs. Brasil 
("Caso Favela Nova Brasília") 270 
CAPÍTULO I V 
O BRASIL E AS MEDIDAS PROVISÓRIAS DA 
CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS 275 
Caso Penitenciária Urso Branco 276 
Caso crianças e adolescentes privados de liberdade 
no "Complexo doTatuapé" da FEBEM 282 
8 I J U R I S P R U D Ê N C I A I N T E R N A C I O N A L D E D I R E I T O S H U M A N O S 
Caso das pessoas privadas de liberdade na 
Penitenciária "Dr. Sebastião Martins Silveira", São Paulo 2 8 4 
C i s o Unidade de Internação Socioeducativa no Espírito Santo 287 
Caso Complexo Penitenciário de Curado em Pernambuco 2 8 9 
Caso Complexo Penitenciária de Pedrinhas 292 
CAPÍTULO V 
O BRASIL NA COMISSÃO 
INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS 295 
Caso José Pereira vs. Brasil 
(Relatório ^ 9 5 / 0 3 , Caso T i . 2 8 9 — Solução Amistosa) 2 9 6 
Caso dos Meninos Emasculados do Maranhão 301 
Caso Comunidades Indígenas da Bacia do Rio X ingu vs. Brasil 
("Caso Belo Monte") 3 0 9 
Caso pessoas privadas de liberdade 
no "Presídio Central de Porto Alegre" 315 
Caso Maria da Pena Maia Fernandes vs. Brasil 316 
Caso Jailton Neri da Fonseca vs. Brasil 323 
Caso Simone André Diniz vs. Brasil 326 
CAPÍTULO V I 
O BRASIL NO SISTEMA GLOBAL DE DIREITOS HUMANOS 331 
Caso Alyne da Silva Pimentel Teixeira vs. Brasil 332 
CAPÍTULO V I I 
CASOS JULGADOS PELA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA 
DA CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA 339 
Caso Reino Unido vs. Albânia ("Caso do Estreito de Corf u") 340 
Caso República Democrática do Congo vs. Bélgica 
("Caso Yerodia")347 
S U M Á R I O | 9 
Caso Alemanha vs. Itália (Grécia como terceiro inteverniente) 
("Caso Ferrini") 359 
Caso Bélgica vs. Senegal ("Caso Habre") 3 6 6 
Caso Austrália vs. Japão 
("Caso das Atividades Baleeiras na Antártica") 388 
CAPÍTULO V I I I 
PARECERES CONSULTIVOS DA 
CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA 391 
Caso Reparação de danos sofridos por agente das 
Nações Unidas ("Caso Folke Bernadotte") 392 
CAPÍTULO I X 
CASOS JULGADOS PELO 
TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL 397 
Caso The Prosecutor vs. Thomas Lubanga Dyilo 3 9 8 
CasoThe Prosecutor vs . Mathieu Ngudjolo Chui 4 0 6 
Caso The Prosecutor vs. Germain Katanga 4 0 8 
CAPÍTULO X 
CASOS JULGADOS POR OUTROS 
TRIBUNAIS INTERNACIONAIS 411 
Caso The Prosecutor vs. Charles Taylor 
("Caso Diamantes de sangue") 412 
CasoThe Prosecutor vs . DuskoTadic 4 1 6 
I O I J U R I S P R U D Ê N C I A I N T E R N A C I O N A L D E D I R E I T O S H U M A N O S 
C A P Í T U L O I 
GRAMÁTICA BÁSICA DE DIREITOS HUMANOS 
E DE DIREITO INTERNACIONAL 
EM SENTIDO AMPLO 
Princípio do non-refouiement: Princípio que veda o reenvio ou a devo-
lução de um refugiado para um Estado no qual o indivíduo corra risco 
de sofrer graves violações de direitos humanos. O non-refoulement não 
confere um direito subjetivo ao asilo e tampouco a obrigação de receber 
o refugiado de forma permanente. É também chamado de princípio da 
proibição do rechaço ou da não revolução. 
Corte Interamericana de Direitos Humanos: Ê um tribunal judicial autô-
nomo, cujo objetivo é aplicar e interpretar a Convenção Americana de 
Direitos Humanos. Exerce a função contenciosa — na qual se encontra 
a resolução de casos contenciosos e o mecanismo de supervisão de sen-
tenças — e também a função consultiva, na qual emite uma opinião não 
vinculante sobre um tema que lhe seja apresentado. 
Opinião Consultiva (advisory opinión): Consiste em uma opinião sem ca-
ráter vinculante proferida por um tribunal ou órgão julgador sobre deter-
minado tema. 
Princípio do estoppel: Consiste na impossibilidade de as partes envolvi-
das em um litígio nas instâncias internacionais de direitos humanos ale-
garem ou negarem um fato ou direito, estando essa negação em desacor-
do com uma conduta anteriormente adotada ou anuída. O princípio do 
estoppel funciona como espécie de preclusão e é fundado no brocardo do 
ven ire contra factum proprium. 
Dano ao projeto de vida: É uma das formas de violação dos direitos hu-
manos que se pode buscar reparar. Consiste, basicamente, na lesão que 
compromete a liberdade de escolha de determinado indivíduo e frustra o 
projeto de vida por ele elaborado. A inclusão deste tipo de dano entre as 
formas de violações dos direitos humanos é amplamente aplicada pela 
Corte Interamericana de Direitos Humanos. 
Medidas cautelares: Provimentos de cognição não exauriente exarados 
pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos em situações de ex-
trema gravidade ou urgência; têm o objetivo de evitar danos irreparáveis 
às pessoas ou ao objeto do processo. Com a expedição de tais medidas, 
objetiva-se salvaguardaros interesses dos indivíduos e resguardar a tute-
la da Comissão Interamericana de Direitos Humanos. A concessão dessas 
medidas não implica um pré-julgamento do mérito do processo. 
Medidas provisórias: Provimentos jurisdicionais de cognição não exau-
riente exarados pela Corte Interamericana de Direitos Humanos em ca-
sos de extrema gravidade; têm o objetivo de evitar danos irreparáveis às 
pessoas ou ao objeto do processo. Com sua emissão, objetiva-se salva-
g u a r d a i os in le i i 'sM's d o s i n d i v i d u o s r resguardar a tutela d a Corte Inte-
i .H i i c rk a n a d e I l u c i l o s I l i i m a n o s . A concessão dessas medidas não impli-
• M i m p i e i i i l g a m c n l o do mérito d o processo. 
( omissão Interamericana de Direitos Humanos: É um órgão da Organlza-
• i " i los Estados Americanos, criado para promover a proteção internacio-
na l d o s direitos humanos n o continente americano e também para fun-
(tonar como órgão consultivo da OEA na matéria de direitos humanos. 
I vcntualmente, submete à Corte Interamericana de Direitos Humanos 
iSi is contenciosos que não logrou êxito em solucionar. 
obrigações erga omnes: Normas que retratam valores essenciais para 
i o d a a comunidade internacional e, portanto, geram obrigações para to-
dos os Estados. Sendo assim, todos os países possuem legitimidade para 
exlgll o respeito e o cumprimento destas obrigações. 
Normas de jus cogens: São normas imperativas de direito internacional, 
d o t a d a s de um status normativo superior em relação as demais. São in-
tlcrrogáveis pela vontade das partes e só podem sofrer modificação por 
normas do mesmo quilate.Também são chamadas de normas peremptó-
M.is o u cogentes. 
Cláusula derrogatória ou cláusula geral de derrogações: Cláusulas que 
permitem a suspensão temporária de determinadas obrigações de direi-
l o s humanos em situações de emergência claramente delimitadas. 
Teoria da margem de apreciação: Consiste no entendimento de que o 
I stado onde ocorreram determinadas violações de direitos humanos é 
0 organismo mais bem situado para compreender e resolver a questão. 
Nestes casos, as violações de direitos humanos são tuteladas com base 
em normas domésticas em detrimento das normas internacionais, o que 
acaba por mitigar a característica universa! dos direitos humanos e tende 
a asfixiar minorias. Possui ampla aceitação na Corte Europeia de Direitos 
1 lumanos, mas não conta com a simpatia da Corte Interamericana de Di-
reitos Humanos. 
Princípio da Jurisdição universal: Consiste na possibilidade de determi-
n a d o Estado regular e reprimir condutas realizadas fora de seu território. 
Jus standi (in judicio): Postulação direta na corte ou em outro órgão judicial. 
Princípio do aut dedere, autjudicare: Consiste na obrigação de extraditar 
ou julgar os indivíduos que cometeram crimes internacionais. 
G R A M Á T I C A B Á S I C A D E D I R E I T O S H U M A N O S E D E D I R E I T O I N T E R N A C I O N A L E M S E N T I D O A M P L O 113 12 I J U R I S P R U D E N C I A I N T E R N A C I O N A L D E D I R E I T O S H U M A N O S 
C A P Í T U L O II 
CASOS JULGADOS PELA JURISDIÇÃO 
CONTENCIOSA DA CORTE INTERAMERICANA 
DE DIREITOS HUMANOS 
Caso Loayza Tamayo vs. Peru 
ÓRGÃO JULGADOR: 
Corte Interamericana de Direitos Humanos 
SENTENÇA: 
17 de setembro de 1997 
R E S U M O D O C A S O 
A senhora María Elena Loyaza Tamayo, professora da Universidade de San 
Martín de Porres, foi presa junto com um familiar no dia 06/02/1993, por 
membros da Divisão Nacional contra o Terrorismo (DICONTE) da Polícia 
Nacional do Peru, em Lima, tendo ficado detida até o dia 26/02/1993 sem 
ter sido colocada à disposição do Juizado Especial da Marinha, conforme 
dispunha o art. 12.C do Decreto-Lei n° 25475 (delito de terrorismo). Na DI-
CONTE permaneceu incomunicável por dez dias e foi vítima de tortura e 
tratamento cruel, praticadas contra ela a fim de que se auto-incriminasse 
e declarasse pertencer ao Partido Comunista do Peru "Sendero Lumino-
so" (PCP-SL), o que Loayza Tamayo resistiu, negando pertencer ao PCP-CL, 
criticando, inclusive, os métodos, a violência e a violação dos direitos hu-
manos por parte desse "grupo subversivo". A família da vítima se inteirou 
sobre a prisão em 08/02/1993, através de uma ligação anônima. Não foi 
interposta nenhuma "ação de garantia" a seu favor, e isso porque o Decre-
to-Lei 25659 (delito de traição à pátria) proibia a apresentação do "recur-
so de babeas corpus, em fatos relacionados com o delito de terrorismo". 
O processo contra Loayza Tamayo pela suposta traição à pátria teve início 
em 25/02/1993, concluindo-se com a decisão do Juizado Especial da Ma-
rinha, formado por juízes militares "sem rosto", em 05/03/1993, com de-
cisãoabsolutória. O Ministério Público recorreu para o Tribunal Supremo 
Militar Especial, que confirmou a absolvição. No entanto, Loayza foi pro-
cessada também, depois, pelos mesmos fatos, na jurisdição comum, onde 
16 I J U R I S P R U D Ê N C I A I N T E R N A C I O N A L D E D I R E I T O S H U M A N O S 
lo i ( ondenada .1 vinte anos de pena privativa de liberdade, decisão que foi 
In.nítida pela Corte Suprema de Justiça ao julgar recurso de nulidade da 
l i c i c . ü . Durante todo o trâmite dos processos, tanto nojuízo militar como 
na jurisdição comum, Loayza permaneceu presa, sendo submetida, ainda, a 
1 nir.lrangimento público quando foi apresentada à imprensa, vestida com 
um traje listrado, recebendo a imputação de crime de traição à pátria. 
A Corte Interamericana inicia declarando que o Peru violou, em prejuízo 
da senhora Loayza Tamayo, os direitos à liberdade pessoal e proteção ju-
dicial, estabelecidos respectivamente nos artigos 7 0 e 25 da Convenção 
Americana de Direitos Humanos (CADH), e isso porque a ela não foi dis-
ponibilizado, em razão de vedação contida no Decreto-Lei n° 25659 (deli-
lo de traição à pátria), nenhuma ação de garantia para salvaguardar sua 
liberdade pessoal ou questionar a legalidade da sua detenção. A Corte 
iccordou, sobre esse tópico, que embora o direito à liberdade pessoal não 
esteja expressamente inserido entre aqueles cuja suspensão não é em 
nenhum caso autorizada, os procedimentos áehabeas corpus e de ampa-
i o são garantias judiciais indispensáveis para a proteção de vários direi-
tos, sendo vedado, pois, que se suspenda a possibilidade do seu manejo, 
(onforme dispõe o art. 27.2 da CADH: "A disposição precedente não auto-
riza a suspensão dos direitos determinados nos seguintes artigos: 3 (direito 
ao reconhecimento da personalidade jurídica), 4 (direito à vida), 5 (direito à 
integridade pessoal), 6 (proibição da escravidão e da servidão), 9 (princípio 
da legalidade e da retroatividade), 12 (liberdade de consciência e religião), 
17 (proteção da família), 18 (direito ao nome), ig (direitos da criança), 20 
(direito à nacionalidade) e 23 (direitos políticos), nem das garantias indis-
pensáveis para a proteção de tais direitos". 
Posteriormente, a Corte, a respeito da alegação de violação do direito à in-
tegridade pessoal da vítima (art. 5 0 da CADH), considerou que não estaria 
em condições de dar por provado o fato de que Loayza havia sido violen-
tada durante a sua detenção. No entanto, em relação aos outros fatos ale-
gados, como a incomunicabilidade durante a detenção.a exibição pública 
com um traje infamante em meios de comunicação.o isolamento em cela 
reduzida sem ventilação nem luz natural, os maus tratos, a intimidação 
por ameaças e outros atos violentos,e também as restrições ao regime de 
visitas, constituem fatos provados e não desvirtuados pelo Estado.tratan-
do-se, consequentemente, de violação do direito à integridade pessoal. 
I rn continuidade, no tocante à alegação de falta de independência e im-
parcialidade do juízo militar, a Corte considerou ser desnecessário se pro-
nunciara respeito devido a senhora Loayza ter sido absolvida pela referida 
C A S O S I U L G A D O S P E L A I U R I S D I Ç À O C O N T E N C I O S A D A C O R T E I N T E R A M E R I C A N A D E D I R E I T O S H U M A N O S 1 17 
Junsdiçaocastrense. No entanto, a Corte declarou que a jurisdição militai 
do Peru violou o art. 8.ida CADH no tocante à exigência de juiz compclrn 
t e
. e isso porque ao proferir sentença absolutória pelo crime de traição à 
Pátria, o juízo militar carecia de competência para mantê-la presa e, me-
nos ainda, para apurar evidência do crime de terrorismo, de competência 
da jurisdição comum, o que a Corte classificou como uma atuação ultra 
vires, em usurpação e invasão das faculdades dos órgãos judiciais ordi-
nários. A Corte considerou, ainda, que "a Senhora Maria Elena Loayza Ta-
mayo foi julgada e condenada por um procedimento excepcional no qual 
obviamente estão sensivelmente restringidos os direitos fundamentais que 
integram o devido processo. Esses processos não atingem os padrões de um 
Juko justojá que não se reconhece a presunção de inocência; é proibido aos 
processados contradizer as provas e exercer o controle das mesmas; limita-
s e
 a faculdade, do defensor ao impedir que este possa livremente comuni-
car-se com o seu defendido e intervir com pleno conhecimento em todas as 
etapas do processo. O fato de que a Senhora Maria Elena Loayza Tamayo foi 
condenada no foro ordinário com fundamento em provas supostamente 
obtidas no procedimento militar, não obstante este ser incompetente, teve 
consequências negativas em seu desfavor, no foro comum" (% 62 o). E assim, 
decidiu que o Peru, por meio da sua jurisdição militar, violou o art. 8.2 da 
CADH, que consagra o princípio da presunção de inocência, ao atribuir à 
vítima um crime diferente daquele pelo qual foi acusada e processada, 
s e r M ter competência para isso. 
N
°Ut ro momento importantíssimo da decisão, a Corte Interamericana 
t a r r ibém concluiu que o Estado peruano violou o art. 8.4 da CADH quan-
do julgou a senhora Loayza na jurisdição ordinária pelos mesmos fatos 
que tinha sido absolvida na jurisdição militar, acrescentando que a fór-
mula do non bis in ld. prevista na CADH, ao referir-se a um novo processo 
pelo "mesmo fato", é mais ampla e benéfica à vítima do que a expressão 
encontrada noutros instrumentos internacionais de proteção de direitos 
hurnanos, a exemplo do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, 
q u e usa o termo "mesmo delito" (art. 14.7). 
Mais adiante, a Corte analisou o pedido da Comissão de que o Estado fos-
se condenado pela violação do art. 51.2 da CADH, por ter-se negado a "dar 
cumprimento às recomendações da Comissão", e avançou a Corte, supe-
rando precedentes anteriores em sentido contrário, que firmaram-se pela 
interpretação das "recomendações" conforme seu sentido habitual, de 
faeultatividade do cumprimento, para assentar, agora, que, em virtude do 
P r i n c ip io da boa-fé (art. 31.1 da Convenção de Viena sobre Direito dos Tra-
I J U R I S P R U D Ê N C I A I N T E R N A C I O N A L D E D I R E I T O S H U M A N O S 
lados), 0 Estado que subscreve um Tratado, especialmente se tratando de 
direi tos humanos, como é o caso da CADH, "tem a obrigação de realizar seus 
melhores esforços para aplicar as recomendações de um órgão de proteção 
< orno a Comissão Interamericana que é, além disso, um dos órgãos principais 
da Organização dos Estados Americanos" (§ 80 o). A Corte, porém, concluiu 
que "a violação ou não ao artigo 51.2 da Convenção não pode se estabelecer 
<ni um caso que, como o presente, foi submetido à consideração da Corte, 
enquanto não existir o relatório destacado no referido artigo"(§ 82 o). 
I malmente, a Corte ordenou que o Estado peruano colocasse a senho-
ra Loayza Tamayo imediatamente em liberdade, obrigando-o, também, a 
pagará vítima e seus familiares uma justa indenização. 
P O N T O S I M P O R T A N T E S S O B R E O C A S O 
1. Impossibilidade da suspensão da garantia do Hateas Corpus 
< onforme foi visto, a vítima Loayza Tamayo não dispôs de uma ação de ga-
lantia para salvaguardar sua liberdade pessoal ou para questionar sua de-
lenção ilegal,já que estava em vigor no Peru um Decreto que suspendia tais 
ações. Ocorre que, conforme decidiu a Corte Interamericana, mesmo que o 
direito à liberdade pessoal não esteja inserido no rol dos direitos não pas-
síveis de suspensão previsto no art. 27.2 da CADH, este mesmo dispositivo 
veda a suspensão das "garantias indispensáveis para a proteção de tais di-
reitos". Importante considerarmos que a Corte, provocada pela Comissão, já 
afirmou que a garantia do babeas corpus não pode ser suspensa, inclusive 
nas situações de emergência ou de exceção, nas quais se permite a suspen-
são temporária de direitose liberdades'. Ainda sobre a suspensão de direitos, 
convém ressaltar que, conforme leciona Mazzuoli, "O art. 27 da Convenção 
Americana contempla o que se chama em Direito Internacional Público de 
'cláusula derrogatória'ou 'cláusula geral de derrogações'. Trata-se de cláusula 
bem conhecida nos tratados de direitos humanos, cuja finalidade é permitir a 
derrogação de certos direitos em situações de exceção", e conclui o autor que 
"Dos sistemas regionais de proteção existentes, somente o sistema africano 
1 Conferir a Opinião Consult iva n° 8/1987. A Corte voltou a se manifestar sobre o 
tema na Opin ião Consult iva n° 9/1997. solicitada pelo Urugua i , acerca de quais sao 
as garant ias judic iais indispensáveis e não passíveis de suspensão, quando a Corte 
enfat izou, portanto, que, mesmo no estado de exceção, deve-se preservar a subsis-
tência de meios idôneos ao seu controle, inserindo-se entre essas garant ias indis-
pensáveis e idôneas o habeas corpus. 
C A S O S J U L G A D O S P E L A J U R I S D I Ç Ã O C O N T E N C I O S A D A C O R T E I N T E R A M E R I C A N A D E D I R E I T O S H U M A N O S 119 
jurisdição castrense. No entanto, a Corte declarou que a jurisdição imlil ,11 
do Peru violou o art. 8.ida CADH no tocante à exigência de juiz competen-
te, e isso porque ao proferir sentença absolutória pelo crime de traição à 
pátria, o juízo militar carecia de competência para mantê-la presa e, me-
nos ainda, para apurar evidência do crime de terrorismo, de competência 
da jurisdição comum, o que a Corte classificou como uma atuação ultra 
vires, em usurpação e invasão das faculdades dos órgãos judiciais ordi-
nários. A Corte considerou, ainda, que "a Senhora Maria Elena Loayza Ta-
mayo foi julgada e condenada por um procedimento excepcionai no qual 
obviamente estão sensivelmente restringidos os direitos fundamentais que 
integram o devido processo. Esses processos não atingem os padrões de um 
juízo justojá que não se reconhece a presunção de inocência; é proibido aos 
processados contradizer as provas e exercer o controle das mesmas; limita-
se a faculdade, do defensor ao impedir que este possa livremente comuni-
car-se com o seu defendido e intervir com pleno conhecimento em todas as 
etapas do processo. O fato de que a Senhora Maria Elena Loayza Tamayo foi 
condenada no foro ordinário com fundamento em provas supostamente 
obtidas no procedimento militar, não obstante este ser incompetente, teve 
consequências negativas em seu desfavor, no foro comum"'(§ 62 o). E assim, 
decidiu que o Peru, por meio da sua jurisdição militar, violou o art. 8.2 da 
CADH, que consagra o princípio da presunção de inocência, ao atribuir à 
vítima um crime diferente daquele pelo qual foi acusada e processada, 
sem ter competência para isso. 
Noutro momento importantíssimo da decisão, a Corte Interamericana 
também concluiu que o Estado peruano violou o art. 8.4 da CADH quan-
do julgou a senhora Loayza na jurisdição ordinária pelos mesmos fatos 
que tinha sido absolvida na jurisdição militar, acrescentando que a fór-
mula do non bis in ld. prevista na CADH, ao referir-se a um novo processo 
pelo "mesmo fato", é mais ampla e benéfica à vítima do que a expressão 
encontrada noutros instrumentos internacionais de proteção de direitos 
humanos, a exemplo do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, 
que usa o termo "mesmo delito" (art. 14.7). 
Mais adiante, a Corte analisou o pedido da Comissão de que o Estado fos-
se condenado pela violação do art. 51.2 da CADH, por ter-se negado a "dar 
cumprimento às recomendações da Comissão", e avançou a Corte, supe-
rando precedentes anteriores em sentido contrário, que firmaram-se pela 
interpretação das "recomendações" conforme seu sentido habitual, de 
facultatividade do cumprimento, para assentar, agora, que, em virtude do 
princípio da boa-fé (art. 31.1 da Convenção de Viena sobre Direito dos Tra-
l8 I J U R I S P R U D E N C I A I N T E R N A C I O N A L D E D I R E I T O S H U M A N O S 
l ados ) , o Estado que subscreve um Tratado, especialmente se tratando de 
. 111 < •! los h uma nos, como é o caso da CADH, "tem a obrigação de realizar seus 
melhores esforços para aplicar as recomendações de um órgão de proteção 
como a Comissão Interamericana que é, além disso, um dos órgãos principais 
da Organização dos Estados Americanos" (§ 80o). A Corte, porém, concluiu 
que "a violação ou não ao artigo 57.2 da Convenção não pode se estabelecer 
cm um caso que, como o presente, foi submetido à consideração da Corte, 
enquanto não existir o relatório destacado no referido artigo" (§ 82o). 
finalmente, a Corte ordenou que o Estado peruano colocasse a senho-
ra Loayza Tamayo imediatamente em liberdade, obrigando-o, também, a 
pagar à vítima e seus familiares uma justa indenização. 
P O N T O S I M P O R T A N T E S SOBRE O C A S O 
1. Impossibilidade da suspensão da garantia do Habeos Corpus 
Conforme foí visto, a vítima Loayza Tamayo não dispôs de uma ação de ga-
rantia para salvaguardar sua liberdade pessoal ou para questionar sua de-
tenção ilegal, já que estava em vigor no Peru um Decreto que suspendia tais 
.ições. Ocorre que, conforme decidiu a Corte Interamericana, mesmo que o 
direito à liberdade pessoal não esteja inserido no rol dos direitos não pas-
síveis de suspensão previsto no art. 27.2 da CADH, este mesmo dispositivo 
veda a suspensão das "garantias indispensáveis para a proteção de tais di-
reitos". Importante considerarmos que a Corte, provocada pela Comissãojá 
afirmou que a garantia do habeas corpus não pode ser suspensa, inclusive 
nas situações de emergência ou de exceção, nas quais se permite a suspen-
sãotemporáría de direitos e liberdades1. Ainda sobre a suspensão de direitos, 
convém ressaltar que, conforme leciona Mazzuoli, "O art. 27 da Convenção 
Americana contempla o que se chama em Direito Internacional Público de 
'cláusula derrogatória'ou 'cláusula geral de derrogações'. Trata-se de cláusula 
bem conhecida nos tratados de direitos humanos, cuja finalidade é permitira 
derrogação de certos direitos em situações de exceção", e conclui o autor que 
"Dos sistemas regionais de proteção existentes, somente o sistema africano 
t Conferir a Opin ião Consult iva n° 8/1987. A Corte voltou a se manifestar sobre o 
tema na Opinião Consult iva n" 9/1997, solicitada pelo Uruguai , acerca de quais são 
as garant ias judiciais indispensáveis e não passíveis de suspensão, quando a Corte 
enfat izou, portanto, que, mesmo no estado de exceção, deve-se preservar a subsis-
tência de meios idôneos ao seu controle, inserindo-se entre essas garant ias indis-
pensáveis e idôneas o habeas corpus. 
C A S O S J U L G A D O S P E L A J U R I S D I Ç Ã O C O N T E N C I O S A D A C O R T E I N T E R A M E R I C A N A D E D I R E I T O S H U M A N O S 1 1 9 
L / U C nuv corna com ciausuia aessa natureza, o que leva a inúmeros deluite; 
sobre os problemas de ordem prática que pode tal ausência ocasionar"-; 
2. Principio da vedação do bis in ld. 
A Corte Interamericana enfatizou que a vedação do bis in ld. encontrada 
na CADH é mais ampla e, consequentemente, mais benéfica à vítima do 
que a fórmula prevista noutros instrumentos normativos internacionais 
de proteção aos direitos humanos. Vejamos. O art. 84 da CADH dispõe 
que "O acusado absolvido por sentença transitada em julgado não poderá 
ser submetido a novo processo pelos mesmos fatos" Já o art. 14.7 do Pacto 
Internacional dos Direitos Civis e Políticos (PIDCP) estabelece que "Nin-
guém poderá ser processado ou punido por um delito pelo qual já foi ab-
solvido ou condenado por sentença passada em julgado, em conformidade 
com a lei e os procedimentos penais de cada país"3. A diferença, de fato, 
existe e pode implicar em consequências práticas, como resultou neste 
Coso Loayza Tamayo, em que, embora os crimes apurados na jurisdição 
militar (traição à pátria) ejuízo comum (terrorismo) fossem distintos, o 
contexto partia dos mesmos fatos. 
Sobre o tema (bis in ld.), importante destacar, ainda, que, conforme adver-
te Giacomolli, "Um ponto interessante dessa decisão é que ela manifestou, 
expressamente, que a vedação do non bis in ld. não se restringe à dupli-
cidade de processos criminais, mas também impede que o mesmo sujeito 
seja processado pelos mesmos fatos, mais de uma vez, ainda que em esferas 
distintas", concluindo o autor, em seguida, que "Ademais, decidiu a CIDH 
que a sentença, mesmo que proferida por juízo incompetente (no caso, a 
Justiça Militar), produz os efeitos da res judicata (imputação jurídica diver-
sa, no juízo comum, mas pelos mesmos fatos)"4. Este entendimento é o que 
prevalece na jurisprudência dos Tribunais Superiores do Brasil: 
" i . Configura constrangimento ilegal a continuidade da persecução 
penal militar por fato já julgado pelo Juizado Especial de Pequenas 
2 MAZZUOLI , Valério de Oliveira; GOMES, Luiz Flávio. Comentários à Convenção Ame-
ricana sobre Direitos Humanos. 4. ed. São Paulo: RT, 2013, p. 229. 
3 Esta mesma fórmula mais restrita da proibição do bis in ld. parece ser encontrada 
na Convenção Europeia de Direitos Humanos , cujo art. 4.1 dispõe que "Ninguém 
poderá ser penalmente julgado ou punido pelas jurisdições do mesmo Estado por mo-
tivo de infração pela qual já foi absolvido ou condenado por sentença definitiva, em 
conformidade com a lei e o processo penal desse Estado". 
4 GIAGOMOLLI , Nereu José. O devido processo penal — Abordagem conforme a Cons-
tituição Federal e o Pacto de São José da Costa Rica. São Paulo: Atlas, 2014, p. 319. 
20 I J U R I S P R U D Ê N C I A I N T E R N A C I O N A L D E D I R E I T O S H U M A N O S 
( , n i ' . . i \ (0111 <lc< i'..io pen.il dclmiliv.i 1. A decisão que declarou ex-
tinta a punibilidade em favor do Paciente, ainda que prolatada com 
suposto vício de incompetência de juízo, é susceptível de trânsito 
em julgado e produz efeitos. A adoção do princípio do ne bis in ld. 
pelo ordenamento jurídico penal complementa os direitos e as ga-
rantias individuais previstos pela Constituição da República, cuja 
interpretação sistemática leva ã conclusão de que o direito à liber-
dade, com apoio em coisa julgada material, prevalece sobre o dever 
estatal de acusar" (STF, HC 86606, rei. Min. Cármen Lúcia, 1 a Turma, 
DJe 02-o8-2007)s. 
3. A garantia da vedação do bis in ld. não é absoluta 
No Caso Almonacid Arellano e outros vs. Chile, a Corte Interamericana de-
cidiu que "o princípio do ne bis in ld., ainda que seja um direito humano 
reconhecido no artigo 8.4 da Convenção Americana, não é um direito abso-
luto (...)" (§ 154). A decisão da Corte está em conformidade — também — 
com o Estatuto de Roma (TPI), que admite a possibilidade do novo julga-
mento quando o anterior "tenha tido por objetivo subtrair o acusado à sua 
responsabilidade criminal por crimes da competência do Tribunal" ou "não 
tenha sido conduzido deforma independente ou imparcial, em conformi-
dade com as garantias de um processo equitativo reconhecidas pelo direito 
internacional, ou tenha sido conduzido de uma maneira que, no caso con-
creto, se revele Incompatível com a intenção de submeter a pessoa à ação 
da justiça" (art. 20.3). A Corte reconhece nestas hipóteses a ocorrência de 
uma "coisa julgada aparente ou fraudulenta". Exemplo de "coisa julga-
da aparente ou fraudulenta" repelida pela jurisprudência dos Tribunais 
Superiores brasileiros: a decisão que declara extinta a punibilidade do 
acusado baseada em certidão de óbito falsa 6. Por fim, importa ressaltar 
que a flexibilização da proibição do bis in ld. ainda é mais acentuada na 
Convenção Europeia de Direitos Humanos, que estabelece: "As disposições 
do número anterior não impedem a reabertura do processo, nos termos da 
lei e do processo penal do Estado em causa, se fatos novos ou recentemente 
revelados ou um vício fundamental no processo anterior puderem afetar o 
resultado do julgamento". Tal orientação não encontra correspondência 
no Direito brasileiro, principalmente no que diz respeito à superação da 
coisa julgada em razão de "fatos novos ou recentemente revelados", os 
No mesmo sentido, cf. HC 90472 (STJ), RHC 17389 (STJ), HC 36091 (STJ), entre outros. 
6 Cf. H C s 84525 e 104998 (STF); e HC 143474 (STJ). 
C A S O S J U L G A D O S P E L A J U R I S D I Ç Ã O C O N T E N C I O S A D A C O R T E I N T E R A M E R I C A N A D E D I R E I T O S H U M A N O S | 21 
quais somente admitem, aqui, o desarq uiva mento do inquérito policial 
quando este não for arquivado por circunstância que provoque a coisa 
julgada material (extinção da punibilidade e atipicidade, p.ex.),conforme 
dispõe a Súmula 524 do STF7. Tratando-se, portanto, de sentença absolu-
tória, descabe novo processo motivado por novas provas. 
4. Superação do entendimento que consagrava a não vinculação das 
"recomendações" da Comissão 
Ponto importantíssimo deste Caso Loayza Tamayo se relaciona com a 
superação do entendimento da Corte a respeito da facultatividade no 
cumprimento pelos Estados das recomendações emitidas pela Comissão 
interamericana. Anteriormente, a Corte interpretava o termo "recomen-
dações" no seu sentido habitual, ou seja, como diretivas sem poder para 
vincular os Estados. Agora, porém, prestigiando o princípio da boa-fé con-
sagrado no art. 31.1 da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados, a 
Corte avançou para assentar que "se um Estado subscreve e ratifica um 
tratado internacional, especialmente se tratando de direitos humanos, 
como é o caso da Convenção Americana, tem a obrigação de realizar seus 
melhores esforços para aplicaras recomendações de um órgão de proteção 
como a Comissão Interamericana que é, além disso, um dos órgãos princi-
pais da Organização dos Estados Americanos, que tem como função 'pro-
mover a observância e defesa dos direitos humanos'no hemisfério (Carta 
da OEA, arts. 52 e m)" (§ 80), concluindo que "ao ratificar a referida Con-
venção ¡Americana], os Estados partes comprometem-se a atender as re-
comendações aprovadas pela Comissão nos seus relatórios" (§ 81). Neste 
sentido, vejamos a didática exposição de André de Carvalho Ramos: 
"Em primeiro lugar, é necessário inquirir sobre a natureza dos In-
formes da Comissão: seriam meras 'recomendações' sem força vin-
culante, ou, ao contrário, seriam deliberações internacionais vincu-
lantes, devendo os Estados obedecê-las de boa-fé? Nos primeiros 
casos propostos pela Comissão, o caráter de mera 'recomendação 
não vinculante'dos Informes da Comissão foi reconhecido pela Cor-
te Interamericana de Direitos Humanos. Com efeito, no caso Cabal-
lero Delgado, a Corte sustentou que o Estado não estava obrigado a 
cumprir com as determinações dos Informes da Comissão, que se-
riam meras 'recomendações'. (...) Ocorre que essa posição da Corte 
7 Súmula 524 do STF: "Arquivado o inquérito policial, por despacho do juiz, a requeri-
mento do Promotor de Justiça, não pode a ação penai ser iniciada, sem novas provas". 
22 I J U R I S P R U D Ê N C I A I N T E R N A C I O N A L D E D I R E I T O S H U M A N O S 
eslá ultrapassada, No caso Loayza Tamayo e nos posteriores, a Corte 
sustentou que o princípio da boa-fé, consagrado também na Con-
venção de Viena sobre Direito dos Tratados, obriga os Estados con-
tratantes da Convenção Americana de Direitos Humanos a realizar 
seus melhores esforços para cumprir as deliberações da Comissão, 
que é também órgão principal da OEA, organização que tem como 
uma de suas funções justamente promover a observância e a defe-
sa dos direitos humanos no continente americano"8. 
Sobre este tópico, também é importante considerar, ainda recorrendo à 
lis,ao de Ramos, que "A Corte, contudo, diferenciou os dois Informes da Co-
missão. O Primeiro Informe (ou Informe Preliminar) é enviado ao Estado, 
quepossui o prazo de até três meses para cumprir as recomendações nele 
i1 nítidas. Este Informe não é vinculante, pois não é definitivo. De fato, a Cor-
te constatou que, caso o Estado descumpra esse Primeiro Informe, a Comis-
são, obrigatoriamente, deve optar entre acionar o Estado perante a Corte 
úu em editar um Segundo informe, que pode ou não publicar. No caso da 
(omissão ter preferido acionar o Estado perante a Corte, é a sentença des-
sa última que será vinculante, podendo até contrariar o entendimento da 
Comissão. Entretanto, se o caso não for submetido à Corte (em virtude, em 
geral, do não reconhecimento, peio Estado, da jurisdição da Corte), edita-se 
0 Segundo Informe. Pelo princípio da boa-fé, os Estados, segundo a Corte, 
devem cumprir com as condutas determinadas por esse Segundo Informe, 
já que os mesmos, ao aderirá Convenção, aceitaram a competência da pró-
pria Comissão em processar petições individuais"9. 
Para finalizar este tópico, um questionamento: pode a Comissão Intera-
mericana de Direitos Humanos, tendo adotado relativamente a um Esta-
do os dois informes a que se referem os artigos 50 e 51 da Convenção e re-
lativamente ao último deles notificado o Estado tratar-se de um informe 
definitivo, modificar substancialmente esse informe e emitir um tercei-
ro parecer? Esta pergunta reproduz literalmente a questão apresentada 
pelo Chile, em 11/11/1996, à Corte Interamericana, o que gerou a Opinião 
Consultiva n° 15/1997, por meio da qual a Corte, por seis votos contra um, 
8 RAMOS, André de Carvalho. Processo Internacional de Direitos Humanos. 2. ed. São 
Paulo: Saraiva, 2012, p. 218. 
9 RAMOS, André de Carvalho. Processo internacional de Direitos Humanos, p. 218. Reco-
menda-se a leitura das páginas seguintes da referida obra para conhecer Informes 
que j á foram cumpridos pelo Brasil, recurso da Comissão no caso de descumpr i -
mento do Segundo Informe etc. 
C A S O S J U L G A D O S P É L A J U R I S D I Ç Ã O C O N T E N C I O S A D A C O R T E I N T E R A M E R I C A N A D E D I R E I T O S H U M A N O S | 23 
respondeu, conforme registra Mazzuoli, no sentido de nao estar <¡ ( omis 
são Interamericana autorizada a modificar as opiniões, conclusões e reco-
mendações transmitidas a um Estado-membro, salvo em circunstâncias 
excepcionais, como: (a) em caso de cumprimento parcial ou total das re-
comendações e conclusões contidas no informe; (b) em caso da existên-
cia no informe de erros materiais sobre os fatos do caso; e (c) no caso do 
descobrimento de fatos que não eram conhecidos no momento da emis-
são do informe e que tiveram uma influência decisiva no seu conteúdo1". 
5. Primeiro caso em que a Corte Interamericana aplicou o denomina-
do "dano ao projeto de v ida" 
Vejamos o diz a Corte a respeito do tema: 
"No que diz respeito à reclamação de dano ao 'projeto de vida', 
convém manifestar que este conceito tem sido matéria de análi-
se por parte da doutrina e da jurisprudência recentes. Trata-se de 
uma noção distinta do 'dano emergente' e do 'lucro cessante'. Cer-
tamente não corresponde à afetação patrimonial derivada ime-
diata e diretamente dos fatos, como sucede no 'dano emergente'. 
No que diz respeito ao 'lucro cessante', corresponde assinalar que 
enquanto este se reflete de forma exclusiva na perda de ingressos 
econômicos futuros, que é possível quantificar a partir de certos 
indicadores mensuráveis e objetivos, o denominado 'projeto de 
vida' atende à realização integral da pessoa afetada, considerando 
sua vocação, atitudes, circunstâncias, potencialidades e aspirações, 
que lhe permitem fixar razoavelmente determinadas expectativas 
e alcançá-las" (§ 147). 
E prossegue a Corte, então, para dizer que no caso da vítima é evidente que 
os atos praticados contra ela impediram a realização de suas expectativas 
de desenvolvimento pessoal e profissional,factíveis em condições normais, 
razão pela qual a ela foi reconhecido um grave dano ao "projeto de vida". 
Importante registrar que, embora não se tratando de precedente em 
que tenha havido o reconhecimento de um "dano", e sim a promoção de 
um direito, o STJ partiu — também — do denominado direito ao "proje-
to devida" para decidir pela possibilidade do casamento de pessoas do 
mesmo sexo (REsp 1183378, rei. Min. Luis Felipe Salomão, 4 a Turma, DJe 
io MAZZUOLI , Valério de Oliveira; GOMES, Luiz Flávio. Comentários à Convenção Ame-
ricana sobre Direitos Humanos. 4. ed. São Paulo: RT, 2013, p. 329. 
24 I J U R I S P R U D Ê N C I A I N T E R N A C I O N A L D E D I R E I T O S H U M A N O S 
1 > . ' / . m > i , > ) , O "dano ao piojelo de vida" foi mencionado, lambem, em 
pi re edeiite do IRI da 4 a Região". 
íi. Diálogo das Cortes 
' > 1 mo Loayza Tamayo vs. Peru foi citado no julgamento da ADI 4277 pelo 
'.II (uniões homoafetivas), no voto do Min. Marco Aurélio, que fez menção à 
(uiisprudência da Corte Interamericana sobre a proteçãojurídica conferida 
,io projeto de vida. Um exemplo, portanto, de "diálogo das Cortes", em que 
•1 jurisprudência de Tribunais nacionais e internacionais se cruzam num 
dialogo que somente tem a fortalecer a proteção dos direitos humanos. 
I N C I D Ê N C I A D O T E M A E M P R O V A S D E C O N C U R S O S 
(PGR — 2 6 O CONCURSO PROCURADOR DA REPÚBLICA, 2012 — PROVA 
ORAL) Fale sobre o caso Loayza Tamayo. 
GABARITO: Bastaria fazer uma síntese dos fatos e destacar os principais 
pontos sobre o Caso, assim como foi apresentado acima. 
(DPU — IV CONCURSO DEFENSOR PÚBLICO FEDERAL, 2010 — PROVA 
ORAL) Foi apresentado um caso em que, por decisão de juiz absoluta-
mente incompetente, o inquérito policial foi arquivado. O candidato foi 
questionado se havia coisa julgada material. 
GABARITO: O candidato deveria se posicionar que sim, conforme foi explica-
do no tópico "principais pontos sobre o caso", mais especificamente sobre 
o bis in ld. e a vedação do segundo julgamento, ainda que no primeiro o 
juiz fosse absolutamente incompetente. 
11 Cf. íntegra do acórdão: <http: / /s.conjur.com.br/dl /acordao-tr t -rs-manda-walmart 
indenizar.pdfx 
C A S O S J U L G A D O S P E L A J U R I S D I Ç Ã O C O N T E N C I O S A D A C O R T E I N T E R A M E R I C A N A D E D I R E I T O S H U M A N O S | 25 
Caso Villagran Morales e Outros vs. 
Guatemala "Caso dos Meninos de Rua" 
ÓRGÃO JULGADOR: 
Corte Interamericana de Direitos Humanos 
SENTENÇA: 
19 de novembro de 1999 
R E S U M O D O C A S O 
O caso se relaciona com o sequestro, tortura e assassinato de cinco jo-
vens, alguns menores de idade, entre os quais Anstraum Arnan Villagran 
Morales, fatos que não foram investigados adequadamente pelo Estado 
demandado, que tampouco garantiu o direito de acesso à justiça às famí-
lias das vítimas. As vítimas eram "jovens de rua", amigos que viviam no 
setor conhecido como "Las Casetas", local que registrava uma taxa alta de 
delinquência e criminalidade, além de abrigar um número muito grande 
de "meninos de rua". Na época em que ocorreram os fatos, havia na Gua-
temala um padrão comum de ações à margem da lei, perpetradas por 
agentes de segurança estatais contra os jovens, o que incluía ameaças, 
detenções, tratamentos cruéis e homicídios como meio para combater a 
delinquência e a vadiagem juvenil. 
A Comissão Interamericana admitiu o caso e.durante o procedimento,fez 
diversas recomendações à Guatemala, principalmente a de empreender 
uma investigação eficaz a respeito dos fatos ocorridos. O Estado, porém, 
não cumpriu a contento as recomendações, o que ensejou que a Comis-
são submetesse o caso à jurisdição da Corte Interamericana em 1997. 
ACorte Interamericana considerou, primeiro, que o Estado violou o art. 7 0 
da CADH (direito à liberdade pessoal), na medida em que a detenção dos 
jovens foi ilegítima e arbitrária, não tendo havido prévia ordem judicial 
nem situação de flagrante que ensejasse a apreensão. Tampoucoforam 
os jovens colocados à disposição da autoridade judicial após a prisão, o 
que MMiirri lr poltTH ul i /ou os riscos p¿u.i a integridade física e a vida da-
que le , n u r i l l e n d e r d,i C u i t e . 
N o que diz respeito à violação do art. 4 0 da CADH (direito à vida), a Corte 
11 ssaltOU que "O direito à vida é um direito humano fundamental, cujo gozo 
e um pré requisito para o desfrute de todos os demais direitos humanos. (...) 
I m essência, o direitofundamental à vida compreende não somente o direito 
de todo ser humano de não ser privado da vida arbitrariamente, senão tam-
bém o direito a que não se lhe impeça o acesso às condições que lhe garan-
tían uma existência digna. Os Estados têm a obrigação de garantir a criação 
das condições que se requerem para que não se produzam violações desse 
1 lucilo básico e, em particular, o dever de impedir que seus agentes atentem 
t antra e/e"(§ 144). Após, considerando que os assassinatos são imputados a 
agentes estatais, a Corte concluiu que o Estado violou o art.4 0 da CADH em 
l'ir|uízo das vítimas, da mesma forma que reconheceu a violação ao art. 
«," (direito à integridade pessoal) do mesmo diploma normativo interna-
1 ional, em razão da tortura e dos maus tratos praticados contra as vítimas. 
Acerca da violação do art. 19 da CADH (direitos da criança), a Corte ad-
vertiu que "se os Estados têm elementos para crer que os 'meninos de rua' 
estão afetados por fatores que podem induzi-los a cometer atos ilícitos, ou 
dispõem de elementos para concluir que os tenham cometido, em casos 
1 1 meretos, devem extremar as medidas de prevenção do delito e da rein-
1 idência. Quando o aparato estatal tenha que intervir ante infrações co-
metidas por menores de idade, deve empreender os maiores esforços para 
tjarantir a reabilitação dos mesmos, afim de que lhes 'permitir desempe-
nharem um papel construtivo e produtivo na sociedade'" (§ 197). Assim, ao 
i onsiderar que o Estado atuou neste caso em grave contravenção dessas 
diretrizes, a Corte concluiu que houve violação do art. 19 da CADH. 
I malmente, ante a ineficiência do Estado em conduzir a investigação dos 
responsáveis pela ocorrência dos fatos, a Corte também concluiu que a 
(luatemala violou os artigos 8.1 e 25 da CADH (direito à proteção judicial e 
às garantias judiciais), assim como os artigos 1,6 e 8 da Convenção Intera-
mericana para Prevenir e Punir a Tortura, determinando, portanto, que o 
I slado realizasse uma investigação real e efetiva sobre os fatos. 
P O N T O S I M P O R T A N T E S S O B R E O C A S O 
1. Conteúdo social do direito à vida 
Um ponto importante do Caso "Meninos de Rua" é a dimensão positiva 
d,ida pela Corte ao direito à vida, compreendendo-o não somente a par-
C A S O S J U L G A D O S P E L A J U R I S D I Ç Ã O C O N T E N C I O S A D A C O R T E I N T E R A M E R I C A N A D E D I R E I T O S H U M A N O S | 27 
26 I J U R I S P R U D Ê N C I A I N T E R N A C I O N A L D E D I R E I T O S H U M A N O S 
tir de uma perspectiva negativa, de abstenção estatal, mas também numa 
ótica social, no sentido de que o Estado deve tomar medidas positivas para 
a sua proteção, notadamente quando se tratar de pessoas vulneráveis e 
indefesas, em situação de risco, como são os jovens "de rua". Neste sentido, 
então, ressalta André de Carvalho Ramos sobre o caso em estudo que "A 
Corte IDH determinou o dever do Estado de zelar pela vida dignadas crianças 
nessa condição, dando conteúdo social ao conceito de 'direito à vida'previsto 
na Convenção Americana de Direitos Humanos"'1. Da mesma forma, os juí-
zes Caneado de Trindade e Abreu Burelli, no voto concordante que fizeram 
juntar no Caso "Meninos de Rua", advertem que "O direito à vida implica não 
somente a obrigação negativa de não privar a ninguém da vida arbitraria-
mente, senão também a obrigação positiva de tomaras medidas necessárias 
para assegurar que não seja violado aquele direito básico"'(§ 2), completando 
com a lição de que "Esta visão contextualiza o direito à vida como perten-
cente, ao mesmo tempo, ao domínio dos direitos civis e políticos, assim como 
ao dos direitos econômicos, sociais e culturais, ilustrando assim a interrelação 
e indivisibilidade de todos os direitos humanos" (§ 4). 
2. Corpus iuris internacional sobre direitos das crianças 
Imprescindível o estudo da normativa internacional sobre os direitos das 
crianças, na qual se destacam, além da CADH (art. 19), as Regras Míni-
mas das Nações Unidas para a Administração da Justiça, da Infancia e da 
Juventude, também denominada de Regras de Beijing, as Diretrizes das 
Nações Unidas para Prevenção da Delinquência Juvenil, também deno-
minada de Diretrizes de Riad e a Convenção sobre os Direitos da Criança, 
promulgada no Brasil pelo Decreto n° 99710/90. 
12 RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. Sao Paulo: Saraiva, 2015, p. 331. 
28 | J U R I S P R U D Ê N C I A I N T E R N A C I O N A L D E D I R E I T O S H U M A N O S 
Caso Olmedo Bustos e Outros vs. Chile 
("A Última Tentação de Cristo") 
ÓRGÃO JULGADOR: 
Corte Interamericana de Direitos Humanos 
SENTENÇA: 
05 de fevereiro de 2001 
R E S U M O D O C A S O 
No dia 29 de novembro de 1988, após uma petição proposta por uma junta 
d l sete advogados que alegavam agir como representantes da Igreja 
< atólica e de Jesus Cristo, o Conselho de Qualificação Cinematográfica do 
I '.lado do Chile proibiu — com fulcro no artigo 19, §12 da sua Constituição 
- a exibição do filme -4 Última Tentação de Cristo (The Last Temptation 
"I i hrist), dirigido por Martin Scorsese. Segundo os advogados que 
Interpuseram a petição, o filme atentava contra os princípios cristãos e 
• " i i l i a a honra de Jesus Cristo. 
No dia 11 de novembro de 1996, o Conselho de Qualificação Cinematográfica 
revisou a proibição da exibição da película em comento, passando a admitir 
que o filme A Última Tentação de Cristo fosse exibido em território chileno, 
desde que apenas para maiores de dezoito anos. Diante da revisão da deci-
são do Conselho de Qualificação Cinematográfica,os autores recorreram até 
I Corte Suprema do Chile, que, em 18 de junho de 1997, reformou a última 
decisão do Conselho Cinematográfico e restaurou a decisão inicial, proibindo 
Ioda e qualquer exibição do filme, independentemente de faixa etária. 
Após a censura realizada pela Corte Suprema do Chile, sob o argumento 
de que estaria protegendo a honra de Jesus Cristo e os princípios cristãos, 
0 caso chegou à Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Não 
houve êxito na solução do feito perante a Comissão Interamericana de 
1 iireitos Humanos, o que motivou esta última a levar o caso para a Corte 
Interamericana de Direitos Humanos. 
C A S O S J U L G A D O S P E L A J U R I S D I Ç Ã O C O N T E N C I O S A D A C O R T E I N T E R A M E R I C A N A D E D I R E I T O S H U M A N O S | 29 
No dia 05/02/2001, a Corte Interamericana de Direitos Humanos respon-
sabilizou o Estado do Chile por ter violado o direito à liberdade de pensa-
mento e expressão, previsto no artigo 12 da Convenção Americana de Di-
reitos Humanos. Por outro lado, a Corte IDH concluiu que o Estado chileno 
não violou o direito à liberdade religiosa, pois, segundo a Corte de San 
José, o conteúdo do direito à liberdade religiosa estaria consubstanciado 
à permissão de que as pessoas professem, conversem e divulguem suas 
crenças religiosas, e neste âmbito, a proibição da exibição do filme A Últi-
ma Tentação de Cristo em nada afetou a referida liberdade fundamental. 
Por fim, o tribunal interamericano responsabilizou o Chile por violar o 
art. 2 o da Convenção Americana de Direitos Humanos, que consiste em 
um dever dos Estados membros do Pacto de San José da Costa Rica em 
suprimir normas e práticas que violem suas disposições. Assim, a Corte 
Interamericana de Direitos Humanos enfatizou a importânciade o Esta-
do chileno reformar sua Constituição para eliminar a censura cinemato-
gráfica, além de requerer que o mesmo Estado pagasse uma quantia de 
US$ 4.290 (quatro mil, duzentos e noventa dólares), a título de despesas 
decorrentes dos atos processuais das vítimas e de seus representantes. 
P O N T O S I M P O R T A N T E S S O B R E O C A S O 
1. Caso emblemático envolvendo o direito à liberdade de expressão e 
a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos 
Embora Olmedo Bustos e Outros vs. Chile não tenha sido o primeiro caso em 
que a Corte Interamericana de Direitos Humanos apreciou o direito à liber-
dade de expressão^, muitos consideram o caso em comento como um divi-
sor deáguas najurisprudência da Corte de San José, noquetangeà liberdade 
fundamental em exame. Isso porque o filme A Última Tentação de Cristo es-
tava sendo exibido na grande maioria dos países vizinhos do Chile (inclusive 
no Brasil),o que acabou dando ensejo a uma grande repercussão da mídia la-
tino-americana. Sabe-se que, embora a OEA tenha nascido em um verdadei-
ro "ninho de ditaduras", suas diretrizes atuais não mais se alinham àquelas 
circunstâncias históricas e políticas, já que os regimes antld.ocráticosforam 
superados (em quase todos os países latino-americanos) e o direito à liber-
dade de expressão se sedimentou como um dos pilares para o atual estágio 
da democracia que vigora na grande maioria dos países da América Latina. 
Vejamos a lição de Mazzuoli sobre o ponto: "O grande leading case da Corte 
13 A primeira vez que a Corte IDH apreciou um feito envolvendo o direito ã l iberdade 
de expressão foi no Caso Blake vs. Guatemala (1998). 
30 I J U R I S P R U D E N C I A I N T E R N A C I O N A L D E D I R E I T O S H U M A N O S 
Inl fr . imciK .ma i i i . i i iv, imente a esse tema foi o julgamento de 5 de fevereiro 
ili •( K ii, ic la t iv i i ,í proilw .10 110 Chile (baseada em uma disposição da Consti-
tuição chilena) da veiculação do filme A Última Tentação de Cristo, do cineas-
ta Martin Scorsese. Neste julgamento assinalou a Corte que a expressão e 
illlusao do pensamento e de informação são indivisíveis"'4. 
1 A Corte Interamericana de Direitos Humanos e a dupla dimensão' 5 
do direito à liberdade de expressão 
«Jtitro ponto a ser destacado no caso Olmedo Bustos vs. Chile foi a consagra-
1 1 da dupla dimensão do direito à liberdade de e x p r e s s ã o . Segundo a Cor-
te Interamericana de Direitos Humanos, o direito à liberdade de expressão 
11,10 abrangeria apenas o direito e a liberdade de se expressar (dimensão 
individual), mas, também, a liberdade de buscar e disseminar informações 
(dimensão social). Nesse sentido, é a lição de Mazzuoli: "Tais direitos con-
tam com uma dimensão individual (art. 73.7, primeira parte) e uma dimensão 
uh tal (art. 73.7 infine), as quais devem ser garantidas simultaneamente peio 
t -.lado. Nesse sentido, a Corte interamericana, no caso A Última Tentação de 
1 mio, declarou firmemente que o conteúdo do direito à liberdade de pen-
samento e de expressão abrange não só o direito e a liberdade de expressar 
• eu próprio pensamento, senão também o direito e a liberdade de buscar e 
1 lijundir informações e ideias de toda índole, motivo pelo qual tais liberdades 
tem uma dimensão individual e uma dimensão social"16. 
j . O direito interno é mero fato perante a Corte Interamericana de Di-
reitos Humanos, ainda que se trate de norma oriunda do poder cons-
tituinte originário' 7 
i) í aso em comento também chama a atenção em razão de o Estado chile-
no ter sido responsabilizado pela Corte Interamericana de Direitos Huma-
Uj MAZZUOLI, Valério de Oliveira e COMES, Luiz Flávio. Comentários à Convenção Ameri-
cana de Direitos Humanos. 4.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p.177. 
| | A dupla dimensão do direito à liberdade de expressão também foi reconhecida pelo 
Tribunal Constitucional Federal a lemão no célebre caso Erich tüth. Além de consagrar 
.) dupla dimensão do direito à liberdade de expressão, o Caso Lüth é conhecido como o 
leading case no reconhecimento da eficácia horizontal dos direitos fundamentais. Para 
maior aprofundamento sobre ocaso Erich Lüth: DIMOULIS, Dimitri e MARTINS, Leonar-
do. Teoria Cerai dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. 
id MAZZUOLI, Valério de Oliveira e GOMES, Luiz Flávio. Comentários à Convenção Ameri-
cana de Direitos Humanos. 4.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p., 176. 
17 Esse também foi o entendimento da Corte Permanente de Justiça (antecessora da Corte 
Internacional de Justiça) no Caso Polônia vs. Alemanha (Caso da Fábrica de Chrozow), 1928. 
C A S O S I U L G A D O S P E L A J U R I S D I Ç Ã O C O N T E N C I O S A D A C O R T E I N T E R A M E R I C A N A D E D I R E I T O S H U M A N O S | 31 
nos, mesmo agindo com fulcro em uma norma constitucional edilada pelo 
poder constituinte originário do Estado do Chile. Isso porque, para o direito 
internacional, não há importância se a norma é constitucional, infracons-
titucional ou até mesmo um ato administrativo, pois, para o ius gentium, 
o direito interno é visto como mero fato. Assim, nem mesmo as normas 
constitucionais oriundas do poder constituinte originário sen/em como 
excludente de responsabilidade internacional por violação de direitos hu-
manos. Nesse sentido, é a lição de André de Carvalho Ramos: "Logo, para o 
Direito Internacional, os atos normativos internos (leis, atos administrativos 
e mesmo decisões judiciais) são expressões da vontade de um Estado, que de-
vem ser compatíveis com seus engajamentos internacionais anteriores, sob 
pena de ser o Estado responsabilizado internacionalmente. (...) Assim, mesmo 
a norma constitucional de um Estado é vista não como 'norma suprema', 
mas como mero fato, que, caso venha a violara norma jurídica internacional, 
acarretará a responsabilização internacional do Estado infrator"®. 
Em razão disso, o caso chamou a atenção da comunidade internacional 
como um todo, já que, conforme já dito, a Corte Interamericana de Direitos 
Humanos responsabilizou o Estado do Chile pelo ocorrido, inclusive orde-
nando que fossem realizadas reformas na Constituição chilena1 9. Ainda so-
breesté ponto, as considerações de André de Carvalho Ramos: "Tratou-se de 
censura à exibição do filme 'A Última Tentação de Cristo'no Chile.fundada no 
art. 79, inciso 12 de sua Constituição, confirmada peio Poder Judiciário Local. 
A Corte IDH determinou que, mesmo diante de norma constitucional, deve o 
Estado cumprir a Convenção Americana de Direitos Humanos, devendo, en-
tão, alterar sua própria Constituição. A Corte decidiu que a censura prévia ao 
filme em questão violou os direitos à liberdade de expressão e liberdade de 
consciência, consagrados nos artigos 12 e 73 da Convenção, em detrimento da 
sociedade chilena. O Chile, após, alterou a sua Constituição"20. 
É importantíssimo ressaltar, conforme acima mencionado, que a decisão da 
Corte Interamericana de Direitos Humanos surtiu efeitos, uma vez que, pos-
teriormente à condenação no caso Olmedo Bustos vs. Chile, o Estado chileno 
alterou a redaçãododispositivoconstitucional que permitia a censura prévia. 
Atualmente, a Constituição chilena veda expressamente a censura prévia. 
18 RAMOS, André de Carvalho. Responsabilidade Internacional por Violação de Direitos 
Humanos. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p. 132-133. 
19 A primeira vez que a Corte interamericana de Direitos Humanos determinou a mo-
dif icação de um ato legislat ivo interno foi no caso Suarez Rosero vs. Equador (1997). 
20 RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 331. 
32 I J U R I S P R U D E N C I A I N T E R N A C I O N A L D E D I R E I T O S H U M A N O S 
1 ()|iiiii.io( onsultiva 1 1 " s d a ( oite Interamericana de Direitos Humanos 
d sii. i convergência com a jurisprudênciado Supremo Tribunal Federal 
Ai i i i l . i n o amhito do diieito a liberdade de expressão, é imprescindível 
ri 1 minarmos que a Corte Interamericana de Direitos Humanos, ao se 
. l i ' i ' . u a i < cm uma consulta formulada pela Costa Rica, proferiu opinião 
> i in . i i l l i v a no sentido de que não seria compatível com a Convenção 
A i i i r i í i ana de Direitos Humanos uma lei que impedisse o exercício do 
tllrrlto a liberdade de expressão para quem não tivesse formação uni-
v c i s i l a i i a . Segundo a Corte IDH, tal restrição seria desarrazoada e in-
pativel com o direito à liberdade de expressão e com o direito à in-
I. ,H,.:io,ambos consagrados no Pacto de San José da Costa Rica. Nessa 
lOilda 6 fazendo menção a Opinião Consultiva n° 5 da Corte Interameri-
1 .ma de Direitos Humanos, o Supremo Tribunal Federal, apreciando re-
1 urso extraordinário numa ação civil pública manejada pelo Ministério 
Publico Federal, considerou inconstitucional o Decreto-Lei 972/69 que 
gia o diploma de jornalismo para o exercício da profissão de jorna-
IKta, caracterizando uma evidente convergência entre a interpretação 
domestica e a interpretação internacionabi. É oportuno lembrar que 
parte da doutrina chama esse fenômeno de invocação de precedentes 
Internacionais como argumentação pelo Supremo Tribunal Federal de 
pune ípio do cosmopolitismo ético". 
«,. O que são direitos comunicativos? 
1 Is direitos humanos comunicativos são direitos linguísticos, que con-
llstern basicamente em compartilhar aprendizados e experiências de 
v i d a ; nesta compreensão, o indivíduo é ao mesmo tempo um profes-
sor e um aprendiz, dado que a troca de informações é uma via de duas 
mãos, O chamado right to communicate {"r2c", como se abreviou a ex-
piessão em inglês) possui duas facetas correlacionadas: a) o direito do 
(nmunicante; e b) o do recipiente. Desse modo, estão compreendidos 
110 conceito de direitos comunicativos tanto a liberdade de expressar 
opiniões, pontos de vista religiosos e conceitos em ciência e arte quanto 
os direitos de quem sofre o impacto dessa expressão. Convém relembrar 
que esses direitos possuem um caráter bi-vetorial, fato que concebe um 
/ \ RE 511961, Rei. Min. Gi lmar Mendes,Tr ibunal Pleno. ju lgado em 17/06/2009. 
a Para maior aprofundamento sobre o principio do cosmopol i t ismo ético: S A R M E N -
TO, Daniel ; NETO, Cláudio Pereira de Souza . Direito Constitucional: Teoria, Histórica e 
Métodos de Trabalho. 2.ed. Belo Horizonte: Fórum, 2014. 
C A S O S J U L G A D O S P E L A I U R I S D I Ç À O C O N T E N C I O S A D A C O R T E I N T E R A M E R I C A N A D E D I R E I T O S H U M A N O S ¡ 33 
papel humanista a estes direitos, pois, além de sedimentarem a demo-
cracia em determinado governo, eles contribuem para uma maior propa-
gação e discussão de ideias no espaço público. Este aspecto, por sua vez, 
confere maior densidade ao princípio da igualdade, protegendo grupos 
de minorias de eventual asfixia pelo grupo majoritário e concretizando 
o direito à diferença. Atualmente, o expoente sobre o assunto é Jürgen 
Habermas, defensor de uma democracia deliberativa, na qual se privilegie 
a discussão de debates de ideias em um espaço público. Ainda sobre o 
ponto em comento, Habermas criou a teoria do agir comunicativo, a qual, 
infelizmente, não será objeto de discussão neste momento por transbor-
dar os propósitos dessa obra2*. 
6. Inconvencionalidade da tipificação do delito de desacato 
Como é do conhecimento de todos, o Código Penal brasileiro prevê em 
seu artigo 331 o delito de desacato 2 4. Embora, em um primeiro momento, 
a tipificação deste delito pelo legislador brasileiro pareça algo normal, é 
necessário refletir. O Código Penal brasileiro é bastante antigo e possui 
tipos penais pensados pelo poder legiferante à luz da realidade da época, 
que, se analisados seja pelo viés do atual Estado Democrático de Direito 
instituído pela CF/1988, seja pelo atual estágio da proteção internacional 
dos direitos humanos, não se coadunam com a ordem jurídica contempo-
rânea. Entre esses "delitos perdidos no tempo" está o desacato. Se anali-
sarmos um histórico do artigo 331 do Código Penal, é fácil constatar que o 
maior número de prisões pelo delito de desacato ocorreu durante o perío-
do da ditadura militar brasileira. Ocorre que a ditadura militar brasileira 
lançou mão da censura para filtrar as informações e opiniões que seriam 
disseminadas pela imprensa; ademais, realizava prisões para averigua-
ções (que, muitas vezes, resultavam em desaparecimentos forçados) da-
queles que exerciam sua manifestação de pensamento, justamente com 
fulcro no artigo 331 do Código Penal. 
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos expediu um informe 
sobre Leis de Desacato e Difamação, manifestando-se pela inconvencio-
nalidade do delito de desacato. Vejamos: 
23 O tema pode ser aprofundado em: S O U Z A CRUZ, Alvaro Ricardo; G IBSON, Sérgio Ar-
manell i . Direito Administrativo em enfoque: As contribuições da Teoria Discursiva de 
Jürgen Habermas. Disponível e m : <http:/ /cdi j .pgr.mpf.gov.br/bolet ins-eletronicos/ 
alertabibliografico/alerta64/sumarios/membros/INTÊGRAo3.pdf>. 
24 Art. 331 do Código Penal: Desacatar funcionário público no exercício da função ou em 
razão dela. 
34 I J U R I S P R U D Ê N C I A I N T E R N A C I O N A L D E D I R E I T O S H U M A N O S 
" As leis de desacato são incompatíveis com o artículo 13 da Convenção. 
(...) 
5. A afirmação que intitula esta seção é de longa data: tal como a Rela-
loria expressou em informes anteriores, a Comissão Interamericana de 
Direitos Humanos (CIDH) efetuou uma análise da compatibilidade das 
leis de desacato com a Convenção Americana sobre Direitos Huma-
nos em um relatório realizado em 1995. A CIDH concluiu que tais leis 
não são compatíveis com a Convenção porque se prestavam ao abuso 
de um meio para silenciar ideias e opiniões impopulares, reprimindo, 
desse modo, o debate que é crítico para o efetivo funcionamento das 
instituições democráticas.A CIDH declarou, igualmente, que as leis de 
desacato proporcionam um maior nível de proteção aos funcionários 
públicos do que aos cidadãos privados, em direta contravenção com 
o princípio fundamental de um sistema democrático, que sujeita o 
governo a controle popular para impedir e controlar o abuso de seus 
poderes coercitivos. Em consequência, os cidadãos têm o direito de cri-
ticar e examinar as ações e atitudes dos funcionários públicos no que 
se refere à função pública. Ademais, as leis desacato dissuadem as crí-
ticas, pelo temor das pessoas às ações judiciais ou sanções fiduciárias. 
Existem outros meios menos restritivos, além das leis de desacato, me-
diante os quais o governo pode defender sua reputação frente a ata-
ques infundados a república, como através dos meios de comunicação 
ou impetrando ações cíveis por difamação ou injúria. Por todas estas 
razões a CIDH concluiu que as leis de desacato são incompatíveis com 
a Convenção, e instou os Estados que as derrogassem"55 (grifo nosso). 
Assim, segundo o entendimento da Comissão Interamericana de Direi-
l o s Humanos, a plena vigência do art. 331 do Código Penal brasileiro viola 
,1 ( onvenção Americana de Direitos Humanos, bem como a Declaração 
de Princípios sobre Liberdade de Expressão. Ora, é evidente que a perma-
nencia do delito de desacato no ordenamento jurídico brasileiro inibe 
os indivíduos de expressar suas opiniões e pensamentos às autoridades 
publicas, ocasionando um efeito resfríador [chllling effect) no direito à 
liberdade de expressão 2 6. O efeito resfríador da liberdade de expressão 
¡5 1 .tiidos da Comissão Interamericana de Direitos Humanos sobre 0 direito à liber-
dade de expressão. Disponível em: <ht tp : / /www.oas.org /es /c idh /expres ion/sho-
warticle.asp?artlD=533&tllD=4> 
jfiPara um maior aprofundamento sobre o efeito resfríador:SARMENTO, Daniel. Li-
berdade de Expressão, Pluralismo e o Papel Promocional do Estado, In: Livres e Iguais-. 
I studos de Direito Const i tucional . Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006. 
C A S O S J U L G A D O S P E L A J U R I S D I Ç Ã O C O N T E N C I O S A D A C O R T E I N T E R A M E R I C A N A D E D I R E I T O S H U M A N O S | 35 
consiste em uma autocensura realizada pelos próprios agentes comuni-
cativos que, receosos de políticas sancionatórias e seguidas de censura 
por parte do Estado, acabam evitando adentrar assuntos polêmicos ou 
deixam de se expressar da forma que gostariam, o que ocasiona um 
"resfriamento" 2 7 do direito ã liberdade de expressão. Além da previsão 
do delito de desacato no ordenamento jurídico, é possível formularmos 
diversos exemplos fictícios. Segue um deles: suponhamos que a Cons-
tituição Federal de 1988 não houvesse regulado as imunidades parla-
mentares. Será que os parlamentares exerceriam com integralidade o 
seu direito à liberdade de expressão durante o exercício de seus man-
datos? É evidente que não! Os próprios parlamentares realizariam uma 
autocensura de seus discursos nas casas legislativas, devido ao receio 
de se tornarem alvo de possíveis ações indenízatórias ou até mesmo 
ações penais privadas por crimes contra a honra. Logo, é possível con-
cluir que não é somente a censura expressamente imposta que viola o 
direito à liberdade de expressão; determinadas práticas e posturas do 
Estado {como a manutenção do crime de desacato no atual Código Pe-
nal brasileiro) também o fazem mediante um efeito resfríador da liber-
dade fundamental em comento. 
Como se não bastassem todas as críticas já expostas, é de se lamentar a 
postura do Supremo Tribunal Federal ao se deparar com uma situação em 
que poderia minimizar os danos da permanência do desacato no Código 
Penal brasileiro, e se alinhar, ainda que de maneira inicial, com o enten-
dimento da Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Trata-se da 
Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 1.127 em que restou consagrado 
o entendimento pela inconstitucionalidade de parte do parágrafo 2° do 
artigo 7 o do Estatuto da OAB (Lei 8.906/94) que consagrava a imunidade 
profissional do advogado para o delito de desacato em suas manifesta-
ções, quando proferidas no exercício de sua função (ainda que fora de 
juízo). Assim, o STF declarou a inconstitucionalidade da expressão "desa-
cato", prevista no artigo em comento; permaneceu em vigor a imunidade 
para os delitos de injúria e difamação. 
Diante da ínconvencionalidade constatada pela Comissão Interameri-
cana de Direitos Humanos, bem como em razão da postura do Estado 
brasileiro em continuar a praticar a persecução criminal em decorrência 
do delito de desacato, a Defensoria Pública da União denunciou o Estado 
27 O efeito resfríador da l iberdade de expressão t ambém é chamado de "efeito inibi-
dor" ou "efeito si lenciador". 
36 j J U R I S P R U D E N C I A I N T E R N A C I O N A L D E D I R E I T O S H U M A N O S 
brasileiro à Comissão Interamericana de Direitos Humanos'". A Defenso-
ria Pública do Estado de São Paulo também denunciou o Brasil à Comis-
s ã o IDH"'. Dessa forma, espera-se que, em um futuro próximo, o Brasil 
cesse a violação permanente à Comissão Americana de Direitos Huma-
nos e expurgue o artigo 331 do Código Penal brasileiro. 
6. Jurisprudência internacional correlata 
Caso Lehideux and Isorni vs. França, julgado pela Corte Europeia de Direi-
tos Humanos (1998}: Neste precedente, a Corte de Estrasburgo declarou 
Inválida, com fulcro no direito à liberdade de expressão, a condenação pe-
nal imposta pelo Poder Judiciário da França a cidadãos que haviam feito 
publicamente apologias a atos do Marechal Pétain (membro do governo 
írances que colaborou com a ocupação nazista no território da França du-
i.inte a Segunda Guerra Mundial). 
Caso Jersild vs. Dinamarca, julgado pela Corte Europeia de Direitos Hu-
manos (1994): Neste precedente, a Corte de Estrasburgo declarou invá-
lida a condenação imposta pelo Estado dinamarquês a um jornalista 
por ter realizado uma entrevista ao vivo na televisão com jovens inte-
grantes de um grupo racista chamado "camisas verdes", que proferiram 
discurso de ódio e acusações racistas contra imigrantes de diversas et-
nias estabelecidas na Dinamarca, caracterizando xenofobia. Nesse caso, 
a Corte EDH entendeu que, embora as manifestações do grupo racista 
(onfigurassem discurso de ódio e um abuso de uma liberdade funda-
mental, o jornalista não poderia ser punido por realizar seu trabalho 
e divulgá-las, especialmente ao se levar em conta que o jornalista não 
endossara aquelas atitudes. A punição a jornalistas nesta situação po-
deria causar uma inibição na imprensa quando fosse necessário tratar 
de casos polêmicos e de interesse público. 
Caso Roger Caraady vs. França, julgado pela Corte Europeia de Direitos 
Humanos (2003): Neste precedente, a Corte de Estrasburgo se deparou 
com a condenação de um escritor francês que havia publicado uma obra 
28 DPU denuncia o Estado brasileiro à Comissão interamericana de Direitos Humanos. 
Disponível e m : <ht tp : / /www.dpu.gov.br / index.php?opt ion=com_content&v iew= 
article&iid=i0997&C3tid=2i5&ltemid=458>. 
29 Defensoria Pública de SP aciona Comissão interamericana de Direitos Humanos 
contra condenação criminal por desacato. D isponíve l e m : <h t tp : / /www.de fenso-
r ía . sp .gov .b r /dpesp /Con teudos /No t i c ias /No t i c iaMos t ra .aspx? id l tem=432 i8& i -
dPagína=3o86>. 
C A S O S J U L G A D O S P E L A J U R I S D I Ç Ã O C O N T E N C I O S A D A C O R T E I N T E R A M E R I C A N A D E D I R E I T O S H U M A N O S | 37 
consiste em uma autocensura realizada pelos próprios agentes comunl 
cativos que, receosos de políticas sancionatórias e seguidas de censura 
por parte do Estado, acabam evitando adentrar assuntos polêmicos ou 
deixam de se expressar da forma que gostariam, o que ocasiona um 
"resfriamento" 2 7 do direito à liberdade de expressão. Além da previsão 
do delito de desacato no ordenamento jurídico, é possível formularmos 
diversos exemplos fictícios. Segue um deles: suponhamos que a Cons-
tituição Federal de 1988 não houvesse regulado as imunidades parla-
mentares. Será que os parlamentares exerceriam com integralidade o 
seu direito à liberdade de expressão durante o exercício de seus man-
datos? É evidente que não! Os próprios parlamentares realizariam uma 
autocensura de seus discursos nas casas legislativas, devido ao receio 
de se tornarem alvo de possíveis ações indenizatórias ou até mesmo 
ações penais privadas por crimes contra a honra. Logo, é possível con-
cluir que não é somente a censura expressamente imposta que viola o 
direito à liberdade de expressão; determinadas práticas e posturas do 
Estado (como a manutenção do crime de desacato no atual Código Pe-
nal brasileiro) também o fazem mediante um efeito resfríador da liber-
dade fundamental em comento. 
Como se não bastassem todas as críticas já expostas, é de se lamentar a 
postura do SupremoTribunal Federal ao se deparar com uma situação em 
que poderia minimizar os danos da permanência do desacato no Código 
Penal brasileiro, e se alinhar, ainda que de maneira inicial, com o enten-
dimento da Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Trata-se da 
Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 1.127 em que restou consagrado 
o entendimento pela inconstitucionalidade de parte do parágrafo 2 0 do 
artigo 7 o do Estatuto da OAB (Lei 8.906/94) que consagrava a imunidade 
profissional do advogado para o delito de desacato em suas manifesta-
ções, quando proferidas no exercício de sua função (ainda que fora de 
juízo). Assim, o STF declarou a inconstitucionalidade da expressão "desa-
cato", prevista no artigo em comento; permaneceu em vigor a imunidade 
para os delitos de injúria e difamação. 
Diante

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