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2 SUMÁRIO: CARTA AO ALUNO ........................................................................................................ 3 INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 4 OBJETIVOS .................................................................................................................... 6 UNIDADE I – CONCEITO ............................................................................................... 7 UNIDADE II – ESPÉCIES ............................................................................................. 10 UNIDADE III – HISTÓRICO DA PROTEÇÃO LEGAL .................................................. 20 UNIDADE IV – COMO AS IGs SÃO PROTEGIDAS – DIREITO AO USO E SEUS PRESSUPOSTOS, PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DO REGISTRO ................ 23 UNIDADE V – TITULARIDADE E NATUREZA JURÍDICA ........................................... 32 UNIDADE VI - FUNÇÕES DAS IGS ............................................................................. 36 6.1 – Função de qualidade das IGs ......................................................................... 36 6.1.1 Função de qualidade na indicação de procedência ....................................... 36 6.1.2 Função de qualidade na denominação de origem ......................................... 38 6.2 - Função de indicar a origem do produto ......................................................... 38 6.3 - Função das IGs como instrumento publicitário ............................................ 38 6.4 - Função Social das Indicações Geográficas................................................... 39 UNIDADE VII - REPRESENTAÇÃO DOS TITULARES DA IG, O INTERESSE PÚBLICO NAS INDICAÇÕES GEOGRÁFICAS E ASPECTOS INTERNACIONAIS DAS IGs ........................................................................................................................ 41 UNIDADE VIII – DOS CRIMES CONTRA AS INDICAÇÕES GEOGRÁFICAS ............ 44 UNIDADE IX – CASOS NO BRASIL E NO EXTERIOR ............................................... 48 UNIDADE X – INSTITUTOS RELACIONADOS ............................................................ 55 CONCLUSÃO ............................................................................................................... 58 LEITURA COMPLEMENTAR ....................................................................................... 62 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: ............................................................................ 63 3 CARTA AO ALUNO Caro(a) aluno(a), Seja bem-vindo a disciplina Indicações Geográficas - IG. Essa disciplina busca fornecer aos alunos do curso Propriedade Intelectual, Direito e Ética as diretrizes básicas sobre Indicações Geográficas, tais como, conceitom, legislação aplicável, formas de proteção, repercussões práticas etc. O objetivo do presente estudo é abarcar as principais e relevantes características do instituto em referência para o melhor entedimento da matéria em questão, com vista a auxiliar no processo de aprendizagem e contextualização com outras disciplinas do retro mencionado curso. 4 INTRODUÇÃO A propriedade industrial é o ramo da propriedade intelectual que trata das criações intelectuais voltadas para as atividades de indústria, comércio e prestação de serviços, englobando a proteção das invenções, desenhos industriais, marcas, indicações geográficas e relações concorrenciais. A Convenção de Estocolmo, concluída no dia 14 de julho de 1967, estabelece que a propriedade intelectual deve abranger os direitos relativos a: • trabalhos artísticos, literários e científicos; • performances ou artistas performáticos, fonogramas e transmissões; • invenções em todos os campos de atividade humana; • descobertas científicas; • desenhos industriais; • marcas industriais, marcas de serviço, nomes comerciais e designações; • proteção contra a concorrência desleal; • e todos os outros direitos relacionados à atividade intelectual nos campos industrial, científico, literário ou artístico (OMPI, 1967, art. 2, VIII). As indicações geográficas podem ser conceituadas como elementos que identificam produtos ou serviços, em razão de sua origem geográfica, agregando valor a estes. No curso desse estudo, veremos que estes sinais dividem-se em indicações de procedência (IP) e denominação de origem (DO). A primeira identifica produtos/serviços oriundos de determinado lugar, dependente apenas das ações do homem; diferentemente das denominações de origem, que além da produção do produto por parte do homem, requer ação da natureza para destacar as características identificadas pela denominação. O interesse oriundo do produtor, do prestador de serviço e do consumidor em geral se deve ao fato de que as indicações geográficas valorizam, identificam e 5 protegem o produto ou serviço. A valorização ocorre no momento em que qualidades próprias do produto passam a ser conhecidas como oriundas daquela região; a identificação ocorre por parte do consumidor, que sabe que os produtos ou serviços de determinada localidade possuem certas características e a proteção é conferida pela Lei da Propriedade Industrial (Lei n.º 9.279/96), que busca salvaguardar os direitos do titular da indicação geográfica, além de proteger o produtor, o prestador de serviços e o consumidor dos atos de concorrência desleal que possam vir a acontecer. As indicações geográficas geram proveito para a coletividade como um todo e contribuem para o desenvolvimento econômico e social do local em que se inserem. Pontua-se que a identificação via indicações geográficas demonstra para os importadores externos que o produto ou serviço que eles venham a adquirir ou utilizar possui características já determinadas, o que gera confiabilidade no investidor, como veremos adiante, com alguns exemplos de indicações geográficas. 6 OBJETIVOS O presente estudo tem como objetivo propiciar aos alunos a visão teórica e prática deste ramo do direito, visando desmistificar o instituto das indicações geográficas, tão pouco aprofundado pela doutrina. Questões como conceituação, espécies, os crimes contra as indicações geográficas, a proteção conferida pelo nosso sistema jurídico pátrio, tratados internacionais e requisitos e procedimentos para obter a proteção serão abordados ao longo do estudo. Também será de fundamental importância a compreensão de alguns outros institutos relacionados. 7 UNIDADE I – CONCEITO A Lei 9.279/96, no seu artigo 176, determina que são indicações geográficas (IG) as indicações de procedência – IP e as denominações de origem – DO. Assim, a legislação interna não define o que seja indicação geográfica, somente referiu-se a ela como um gênero que abrange duas espécies, conforme transcrição do citado artigo: “Art. 176. Constitui indicação geográfica a indicação de procedência ou a denominação de origem”. No entanto, o Acordo TRIPS (Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights), em português ADPIC, em vigor desde 1995, conceitua IG como “Indicações que identifiquem um produto como originário do território de um Membro, ou região ou localidade deste território, quando determinada qualidade, reputação ou outra característica do produto seja essencialmente atribuída à sua origem geográfica”. O conceito da Indicação Geográfica foi sendo construído no curso da história, e a ideia de proteção surgiu da percepção que alguns produtos oriundos de determinadas áreas geográficas possuíam características específicas, atribuíveisà sua origem. Sob essa conjuntura, determinados produtos passaram a ser identificados com o nome geográfico de determinadas regiões. Como exemplo, citam-se os vinhos de Corínthio, Ícaro, Rhodes (séc. 4 a.C., na Grécia), e Falerne (Império Romano). Nesse diapasão, a crescente demanda e o melhor preço desses produtos no mercado provocaram falsificações, e os nomes dessas regiões distintas, em termos de reputação ou de características vinculadas às áreas geográficas, passaram a ser 8 utilizados em produtos que não tinham tal procedência. Por exemplo, vinhos franceses, de região diferente de Bordeaux ou de Bourgogne, eram declarados como provenientes daquelas regiões. Destaca-se que o exemplo mais antigo de uso inadequado de evocação de origem é “Porto”, referência a um famoso vinho português. O Marquês de Pombal instituiu, no final dos anos 1700, a Indicação Geográfica “Porto”, por estar sendo utilizada indevidamente por ingleses. Há relatos que historicamente esta seria a primeira Indicação Geográfica reconhecida oficialmente no mundo. Diante desses fatos, acima identificados, surgiu a necessidade do uso de sinais distintivos em produtos visando à comprovação da sua autenticidade e verdadeira origem. Deste modo, no intuito de criar normas legais e sanções para combater a falsificação, concorrência desleal e fraude, surgiu o arcabouço jurídico relacionado à proteção das Indicações Geográficas. 9 Alguns criticam a vinculação da IG a um nome geográfico de país, cidade, região ou localidade de seu território. Nesse passo, o TRIPS permite que sejam utilizados como indicações geográficas expressões, indicações, nomes ou sinais que identificam produtos ou serviços que apresentam as seguintes características: (i) a fabricação, extração ou prestação desses bens que sejam originárias de uma determinada localidade geográfica e (ii) possuam alguma qualidade, conhecimento, reputação ou outra característica atribuída essencialmente à sua origem geográfica e, em alguns casos, humana, como no caso das DO. Na verdade, existe no mundo uma diversidade de definições e nomenclaturas relacionadas ao conceito de Indicações Geográficas. A esse respeito, cite-se que na Comunidade Europeia, Designação de Origem é um termo equivalente à Apelação de Origem na França, significa o nome de uma região, de um local determinado ou, em casos excepcionais, de um país, que serve para designar um produto agrícola ou um gênero alimentício cujas qualidades e características se devem ao meio geográfico, incluindo fatores naturais e humanos. 10 UNIDADE II – ESPÉCIES A principal função das IG’s é atestar a conformidade de um produto e garantir ao consumidor a qualidade, o modo de produção e origem dos alimentos. Essa agregação de qualidade, regionalidade, autenticidade e exclusividade tendem a resultar em produtos mais valorizados pelos consumidores. No Brasil, a regulamentação da IG, através da Lei 9279/96 (LPI/96), confere ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) a competência para estabelecer as condições de registro e possibilita o reconhecimento através de duas modalidades. 11 As indicações geográficas se subdividem em indicação de procedência (ou proveniência) e denominação de origem. Esta subdivisão ocorre para distinguir a indicação daqueles produtos ou serviços que apenas identificam sua procedência, ou seja, onde é fabricado determinado produto ou prestado determinado serviço, daquele que além da indicação da procedência, vincula características determinantes dos produtos ou serviços, incluindo fatores geográficos e humanos. A- Indicação de Procedência (IP) A indicação de procedência é a espécie de IG de proteção mais simplificada, haja vista não existir controle de qualidade do produto, mas tão somente a indicação de que o produto vem de uma região determinada e tal região é conhecida por isso. O artigo 177, da Lei 9.279 de 14 de maio de 1996 (LPI) prevê: Art. 177. Considera-se indicação de procedência o nome geográfico de país, cidade, região ou localidade de seu território, que se tenha tornado conhecido como centro de extração, produção ou fabricação de determinado produto ou de prestação de determinado serviço. A IP pode significar qualquer expressão ou sinal distintivo utilizado indicando que um produto ou serviço é originário de um país, uma região, um lugar específico. Ex.: Fabricado no Japão (made in Japan). O Acordo de Madri estabelece a repressão às falsas ou enganosas indicações de procedência, nos seguintes termos: “Qualquer produto que contenha uma falsa indicação pela qual um dos países a que se aplica o presente Acordo, ou um lugar situado em qualquer deles, seja direta ou indiretamente indicado como país ou lugar de origem será apreendido no ato da importação em cada um dos ditos países”. Por certo, como a IP não possui obrigação legal quanto à garantia e controle de determinadas características naturais e humanas não está obrigada a garantir qualidade, diferentemente da Denominação de Origem. Porém, mercadologicamente acaba existindo uma exigência mínima de qualidade nos produtos ou serviços produzidos ou prestados nas regiões. Patrícia Carvalho da Rocha Porto pontua que “Este requisito não é uma imposição jurídica e sim do mercado consumidor, pois sem isso o conhecimento não 12 seria propagado, pois os consumidores não comprariam os produtos ou não iriam até uma determinada cidade atrás de um serviço específico”1. A intenção é realmente simplificar a proteção das indicações de procedência, possibilitando que as regiões obtenham o reconhecimento por esse instituto com maior facilidade. Ressalte-se que as características relevantes das indicações de procedência são as identificações da proveniência do produto e a proibição de terceiros utilizar destas indicações. Esta última característica tem uma peculiaridade relevante, visto que, em que pese o direito do uso exclusivo por parte do titular do direito, há a possibilidade de terceiros utilizarem a indicação de procedência, desde que adicionem um vocábulo “deslocalizador”, como por exemplo, os termos “tipo”, “estilo”, etc. O intuito do uso deste vocábulo é esclarecer ao consumidor que na realidade os produtos não procedem da região identificada. Neste caso, o titular do direito da indicação de procedência não tem um jus prohibendi absoluto, visto que o máximo que podem exigir é que os produtores e prestadores de serviços de outras regiões identifiquem aos seus consumidores que seus produtos/serviços não proveem daquela região. No entanto, há divergências quanto à possibilidade de uso do vocábulo “deslocalizador” para identificar indicação de procedência como oriunda de outro lugar, inclusive José de Oliveira Ascensão, em recente artigo publicado, diz ser inteiramente desproporcionado este tipo de utilização. Aqueles que defendem a ideia de que não é possível a utilização dos vocábulos “deslocalizadores” o fazem baseados nos artigos 193 da Lei 9.279/96, que inclusive define como crime quem o faz e no Decreto-Lei n.º 986 de 21 de outubro de 1969, que ao instituir normas básicas sobre alimentos, assim se expressa nos artigos 12 e 21: Art. 12 - Os rótulos de alimentos de fantasia ou artificial não poderão mencionar indicações especiais de qualidade, nem trazer menções, figuras ou desenhos que possibilitem falsa interpretação ou que induzam o consumidor a erro ou engano quanto à sua origem, natureza ou composição. 1 Porto, Patricia Carvalho da Rocha. Quando a Propriedade industrial representa qualidade: marcas coletivas, marcas de certificação e determinações de origem / Elaine Ribeiro do Prado. 1ª ed. – Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.,p. 155. 13 Art. 21 - Não poderão constar da rotulagem denominações, designações, nomes geográficos, símbolos, figuras, desenhos ou indicações que possibilitem interpretação falsa, erro ou confusão quanto à origem, procedência, natureza, composição ou qualidade do alimento, ou que lhe atribuam qualidades ou características nutritivas superiores àquelas que realmente possuem. Por outro lado, os defensores da utilização dos vocábulos “deslocalizadores” contra argumentam no sentido da lei deixar margem para aqueles que utilizem estes vocábulos de forma clara, indicando a real origem do produto ou serviço, impossibilitando confusão do público-consumidor. Percebe-se que a proteção das indicações de procedência não é tão ampla. Existe o entendimento que o fato de poder impedir que terceiros utilizem esta distinção é relativo, visto que é permitido o emprego da indicação de procedência por terceiros, desde que estes utilizem termos como ‘tipo’, ‘classe’, ‘espécie’, etc. agregando à real origem do produto, de modo a não restar dúvidas ao consumidor que os produtos, em que pese tenham características semelhantes, não proveem da mesma localidade que aqueles identificados pela indicação de procedência. A primeira Indicação Geográfica brasileira foi “Vale dos Vinhedos”, IG 200002, Indicação de Procedência para vinho tinto, branco e espumante, concedida em 19.11.2002. O fato de a região ter se tornado conhecida foi comprovado por meio de documentos mostrando que a vitivinicultura no Brasil originou-se com a colonização italiana no Rio Grande do Sul, a partir de 1886, e que os imigrantes trouxeram mudas das viníferas europeias e know-how associado, iniciando a cultura de produção vinícola no país, conquistando assim notoriedade e prestígio para a região do Vale dos Vinhedos. Por certo, a concessão da Indicação Geográfica ensejou alguns efeitos relevantes, como a valorização das terras da região e evolução do turismo, com reflexos positivos na hotelaria e gastronomia. 14 Destaque-se, ainda, que o Vale dos Vinhedos obteve reconhecimento na União Europeia como Denominação de Origem Protegida (DOP), em janeiro de 2007. Esse fato contribui para a melhoria das condições de exportação dos vinhos e espumantes do Vale dos Vinhedos que, a partir desse reconhecimento, puderam ter em seus rótulos informações importantes para vinhos finos, como safra, variedade das uvas e local de engarrafamento só permitidas para produtos com Indicação Geográfica reconhecida na União Europeia. Seguem alguns sinais de IGs nacionais: B- Denominação de Origem (DO) O art. 178 da Lei 9.279/96 conceitua a Denominação de Origem como sendo o nome geográfico de um país, uma cidade, região ou localidade que serve a designar produto ou serviço, cujas qualidades ou características se devam exclusiva ou essencialmente ao ambiente geográfico do local de onde provém, incluídos fatores naturais e humanos. 15 Faz-se necessária a satisfação dos requisitos qualitativos relacionados às características naturais, tais como, clima, solo etc. e humanas, como técnicas exclusivas aplicadas no cultivo e no processo de confecção do produto. Muitas vezes, essa produção ou prestação tem origens ancestrais e que passam de geração à geração mantendo as mesmas características, e, inclusive, alguns modos de fabricação e cultura tornam-se patrimônio cultural da região. Mister destacar a importância dos titulares de uma DO serem fiéis às matérias primas utilizadas, ao modo de fabrico, zelar constantemente pela qualidade dos produtos, preservar os costumes na execução dos trabalhos que geram aquele produto, mantendo o forte elo que liga o produto à fidelidade e confiança dos consumidores. Registre-se, por oportuno, que se exige apenas o vínculo natural e humano e a qualidade, mas não uma tradição e renome no fabrico. Como bem destacado por Patricia Carvalho da Rocha Porto – “No continente europeu a exigência de tradição e reconhecimento pode até ser razoável e esperada, mas para países onde a cultura das IGs é recente não seria razoável exigirmos tradição, renome e reconhecimento também para a DO. Tal já se tem para IP. Isto porque muitas regiões de nosso país possuem culturas relativamente novas ou não tão conhecidas, mas que foram desenvolvidas com base nos requisitos de qualidade e devido a fatores naturais e humanos”2. Exemplo: Champagne (região francesa que produz espumantes – Champagne) Sob esse aspecto, cita-se Denis Borges Barbosa3: (...) para a designação de origem se exige não só o estabelecimento no local designado, mas também o atendimento de requisitos de qualidade. Por exemplo, no caso de vinhos, os regulamentos pertinentes não só indicam os exatos locais de plantio (demarcações às vezes com minúcia de metros), mas também a insolação, a qualidade de cepa, a distância entre vinhas, etc. Assim, entre os elementos a serem apresentados no caso de designação de origem está descrição das qualidades e características do produto ou do serviço a descrição do processo ou 2 Op. Cit. P. 156. 3 BARBOSA, Denis Borges. Uma Introdução à Propriedade Intelectual. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2ª edição, 2003, p. 916. 16 método de obtenção do produto ou do serviço, que devem ser locais, leais e constantes’, os elementos que comprovem a existência de uma estrutura de controle sobre os produtores ou prestadores de serviços bem como sobre o produto ou serviço e prova de que os produtores ou prestadores de serviços estejam lá estabelecidos e operando. Popularmente, no mundo dos vinhos, é uma espécie de selo de qualidade concedido por instituições governamentais de diversos países, principalmente do velho mundo. A certificação garante que o vinho foi elaborado dentro de uma região delimitada, respeitando todas as regras de produção impostas à esta região. Como anteriormente mencionado, as vinícolas que adquirem o selo têm sua reputação elevada e o consumidor ganha, pelo menos em teoria, a garantia de aquisição de um produto de qualidade. Algumas Denominações de Origem mais comuns em rótulos de vinho são: AOC – Appellation d’Origine Contrôlée (França) DO – Denominación de Origen (Espanha) e Denominação de Origem (Brasil) DOC – Denominação de Origem Controlada (Portugal) e Denominazione di Origine Controllata (Itália) DOCG – Denominazione di Origine Controllata e Garantita (Itália) QBA – Qualitätswein Bestimmter Anbaugebiete (Alemanha) 17 Quadro característico das espécies4: No arroz do Litoral Norte Gaúcho, primeira DO nacional reconhecida, tal cultura se tornou reconhecida do público nacional há pouco tempo, embora o cultivo de arroz nesta região remonte a década de 30, trazida por italianos e posteriormente por alemães. Importante destacar que no caso da Denominação de Origem “Litoral Norte Gaúcho”, a comprovação de como o meio geográfico afetou as características do 4 Fonte: SEBRAE - http://www.sebraemercados.com.br/wp-content/uploads/2015/12/2014_07_30_RT_- Maio_Agronegocio_IndicacaoGeografica_pdf.pdf 18 produto se traduziu, no que concerne aos fatores naturais, pelo regime de ventos, sendo demonstrado que esses ventos representam um importante fator, que contribui para a melhor distribuição do calor, influenciando positivamente na estabilidade térmica da região, sobretudo na época da formação do grão de arroz, que se apresenta mais branco, com maior vitricidade e mais resistente à quebra, conferindo maior rendimento de grãos inteiros. Como retro mencionado, a primeira Denominação de Origem nacional reconhecida foi o “Literal Norte Gaúcho” para o produto arroz, seguida de “Costa Negra”, no Ceará, para camarões, depois foram“Região Pedra Madeira Rio de Janeiro”, “Região Pedra Carijó Rio de Janeiro” e “Região Pedra Cinza Rio de Janeiro”, em santo Antônio de Pádua, Rio de Janeiro, para pedras decorativas, “Manguezais de Alagoas para própolis vermelha (primeira denominação de origem envolvendo produto da biodiversidade brasileira), “Vale dos Vinhedos”, para vinhos tinto, branco e espumante, “Região do Cerrado Mineiro”, em Minas Gerais, para café e, por fim, “Ortigueira”, no Paraná, para mel de abelha. Apresenta-se abaixo os sinais distintivos de algumas DO brasileiras: Rotulagem dos vinhos da DO Selo da DO no rótulo principal Selo da DO numerado no contrarrótulo: https://www.embrapa.br/documents/1355300/25462352/selo_dovaledosvinhedos_rotulo.jpg/f418535c-fc80-4370-58a5-aee9b8b4b7be?t=1500923903675 19 Indicações Geográficas de uso comum Quando as indicações geográficas não servirem mais como distinção do produto ou serviço será considerada de uso comum, ou seja, existem situações em que as indicações geográficas se tornam de uso comum, casos em que não servem mais de elemento distintivo para identificar o produto ou serviço. Esta situação ocorre quando o elemento nominativo da indicação geográfica passa apenas a descrever o produto ou serviço que pretende indicar. A indicação geográfica, neste caso, poderá vir então a ser requerida como marca, desde que não cause erro, dúvida ou confusão no espírito do consumidor quanto à sua origem. Citamos como exemplo o queijo prato e o queijo minas, hoje identificados em todas localidades com este nome, sendo assim, resta prejudicada a tentativa de indicar a real origem dos queijos, quais sejam, a região italiana de Prato e o estado de Minas Gerais no Brasil, pois passaram a identificar e são reconhecidos como um tipo de queijo e não apenas como os queijos oriundos daquelas regiões. No caso da indicação geográfica ser considerada de uso comum para determinado produto ou serviço, esta poderá compor elemento de marca, conforme artigos 180 e 181 da Lei 9.279/1996: “Art. 180 – Quando o nome geográfico se houver tornado de uso comum, designando produto ou serviço, não será considerado indicação geográfica. Art. 181 – O nome geográfico que não constitua indicação de procedência ou denominação de origem poderá servir de elemento característico de marca para produto ou serviço, desde que não induza falsa procedência”. Cumpre ressaltar que na hipótese de uma indicação geográfica ser reconhecida como tal em um determinado país e ser considerada de uso comum em outro ocasiona um problema para a proteção. O acordo TRIPS, no seu artigo 24.6, excepciona a obrigação dos países-contratantes de proteger as indicações geográficas dos países https://www.embrapa.br/documents/1355300/25462352/selo_dovaledosvinhedos_contra.jpg/b0e747bb-95d3-7abe-915a-f90d5f1e5abe?t=1500923895770 20 membros da OMC, se esta for considerada de uso comum no seu país. Assim, existe a limitação da proteção às indicações geográficas em tais situações. UNIDADE III – HISTÓRICO DA PROTEÇÃO LEGAL No aspecto histórico, tem-se citações que dentro da tumba de Toutankahamon, por volta de 1532 a .C., foram encontradas jarras de vinho com etiquetas indicando o local de origem da bebida e o nome do seu produtor, incluindo menções sobre as características e qualidades do vinho. A distinção entre os vinhos comuns e os de qualidades específicas ocorrera originalmente em Roma. Os romanos foram responsáveis por difundir o gosto pelo vinho e por suas técnicas de cultivo, dando origem a vinhedos que existem até os dias atuais. Ocorre que, na Europa, no período pós primeira guerra, as IGs surgiram com mais força. Na verdade, esses signos distintivos de valorização e individualização dos produtos foi a forma como os pequenos produtores, notadamente, os franceses, encontraram para se recuperar dos danos econômicos causados pela guerra. Há pelo menos um século e meio, na França, surgiu o interesse dos produtores em proteger as indicações geográficas. Na ocasião, produtores das regiões francesas de Bourgogne e Bourdeaux foram selecionados como fornecedores de vinho de um evento internacional a ser realizado em Paris. Assim, entenderam por bem identificar que seus vinhos eram provenientes daquelas regiões. Na sequência, outros produtores de diversas regiões passaram a identificar a região de seus produtos. 21 Internacionalmente, a proteção às Indicações Geográficas surgiu em 1883 com a criação da Convenção da União de Paris – CUP, o acordo internacional mais antigo ainda em vigor sobre propriedade intelectual. O Brasil é signatário da CUP desde sua criação, e em 1990 aderiu integralmente à última revisão da CUP, de 1967, em Estocolmo. A primeira versão da CUP previa a repressão às falsas indicações de proveniência, ou seja, a inserção era de maneira indireta. E somente na revisão de 1925 incluiu as Indicações de Procedência e Denominações de Origem (revisões de 1925 e 1967) como objetos separados de proteção, mas não definiu claramente esses conceitos, assim como não utilizou em sua terminologia o termo Indicação Geográfica. Este tratado se preocupa em reprimir as falsas indicações de proveniência, pois não exige notório conhecimento da região para a proteção contra a concorrência desleal. A CUP estabelece dispositivos relacionados ao uso ilegal das indicações de proveniência em bens, no sentido de que nenhuma indicação de procedência deva ser utilizada se ela se refere a uma área geográfica da qual o produto em questão não é originário, ou seja, previne a importação de bens com indicação que induza o público a erro quanto à verdadeira origem desse bem. Como se trata de uma indicação de proveniência, apesar da CUP falar em procedência, a proteção se dá contra a concorrência desleal e não quanto a um direito de propriedade industrial. **** O Brasil aderiu ao Acordo de Madri de 1891 e internalizou, na sua versão em vigor, esse tratado através do Decreto nº 19.056/1929. Na constituição do Acordo ficou decidido que ele teria revisões para adaptação e adequação das suas normas às necessidades dos países signatários. Este acordo ainda não regulava as indicações geográficas como um instituto de direito do direito de propriedade industrial, apenas como ato de concorrência desleal. No que tange ao nosso sistema jurídico, em que pese o Decreto n.º 9.233, de 28 de junho de 1884, que internalizou a Convenção da União de Paris ao nosso sistema jurídico pátrio, este instituto veio a tona com o Decreto n.º 16.264 de 19 de dezembro de 1923, responsável por criar a Diretoria Geral da Propriedade Industrial, estando 22 previsto em seu art. 80, item 4, as primeiras restrições quanto ao uso indevido das indicações geográficas. O Brasil não aderiu o Acordo de Lisboa de 31 de outubro de 1958. A razão para a criação de tal acordo foi a regulamentação das denominações de origem. Com tal acordo, tem-se pela primeira vez, em sede de direito internacional, a definição jurídica das denominações de origem: “Art. 2º - Entende-se por DO, no sentido do presente acordo, a denominação geográfica de um país, região, ou localidade que serve para designar um produto dele originário cujas qualidades ou caracteres são devidos exclusiva ou essencialmente ao meio geográfico, incluindo fatores naturais e humanos”. Neste acordo a denominação de origem é tratada pela primeira vez como objeto de direitos de propriedade industrial. Pelo fato de o acordo de Lisboa limitar-se à proteção das DO, não prevendo proteção às IP, e em razão de a proteção às DO ser neste acordo mais robusta e abrangente do que é dada por outros acordos internacionais que regulam a matéria, como, por exemplo, TRIPS, tornando seus efeitos práticos reduzidos, ele teve um pequeno número de países adeptos, apenasdezessete. Recentemente, o tratado mais influente que regulou a propriedade intelectual, ocorreu no âmbito da OMC, na Rodada Uruguai de Negociações Comerciais Multilaterais do GATT. O Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (conhecido pela sigla em inglês TRIPS) começou a viger na esfera nacional em 1º de janeiro de 1995, efetivado através do Decreto n.º 1.355 de 30 de dezembro de 1994. O mencionado acordo estabelecia patamares mínimos de proteção aos direitos da propriedade intelectual, ainda que de forma diversa para os países-membros5. **** No Brasil, o termo Indicação Geográfica é considerado pela Lei 9.279/96, Lei da Propriedade Industrial - LPI, em seu sentido amplo, e define duas espécies: Indicação de Procedência e Denominação de Origem. 5LEONARDOS, Gustavo Starling. A data de aplicação no Brasil do Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio. Revista da ABPI n.º 17, Jul/Ago 1995, p. 6 e 12. 23 Na legislação brasileira, a Indicação de Procedência significa mais do que simplesmente uma indicação de que o produto ou serviço originou de uma determinada localidade. É necessário que tal localidade tenha se tornado conhecida devido à determinada característica, ou seja, é preciso que a região tenha algum histórico com relação à produção de determinado produto ou serviço. Já a Denominação de Origem requer um nome geográfico que designe produto ou serviço cujo meio geográfico influencie diretamente a qualidade ou característica do produto ou serviço. UNIDADE IV – COMO AS IGs SÃO PROTEGIDAS – DIREITO AO USO E SEUS PRESSUPOSTOS, PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DO REGISTRO As Indicações Geográficas podem ser protegidas por legislação sui generis, decretos ou por registro próprio, ou seja, diversamente das marcas e patentes possuem variedade de proteção. Em 1923, pelo Decreto 16.254, criou-se no Brasil a primeira legislação sobre propriedade industrial onde se previa a repressão às falsas indicações de proveniência. Esta lei inovou ao introduzir em seu texto o conceito de indicação de proveniência em seu artigo 81. Não existia ainda nesta legislação a figura das indicações geográficas como um direito de exclusiva. Iniciou-se aqui a confusão histórica e terminológica entre as indicações de procedência e as indicações de proveniência nas legislações nacionais. 24 O Decreto 24.507 de 1934 revogou expressamente toda a legislação anterior. Esta lei utiliza pela primeira vez em sede nacional a expressão de indicação de procedência. Entretanto a indicação de procedência não foi definida por essa lei. Ela simplesmente indicou que sua definição se encontrava na CUP. Promulgada a Constituição de 1988, pela primeira vez na história do país as indicações geográficas tiveram proteção constitucional. O art. 5º, XXIX da CRFB/88 prevê que: “a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do país”. Em 1996, para adequar a legislação nacional ao TRIPS, o Brasil instituiu a atual Lei da Propriedade Industrial – LPI, que inova em diversos aspectos a abordagem sobre as indicações geográficas. Pela primeira vez o instituto das indicações geográficas fora internalizado e reconhecido na legislação nacional. Em determinados países Marcas, Marcas Coletivas e/ou de Certificação, são sinais distintivos de determinada pessoa (física ou jurídica) para distinguir seus produtos de seus concorrentes. Como exemplo cita-se o sinal distintivo do carneiro vermelho da Denominação de Origem “Roquefort”, que é uma marca coletiva registrada da Confederation Generale des Producteurs de Lait de Brebis et des Industriels de Roquefort no INPI francês. A Apelação de Origem Controlada Roquefort foi definida pela Lei de 26/07/1925 e depois por Decreto em 1979 na França. O Institut National de l’Origine et de la Qualité – INAO é o responsável na França pela demanda de reconhecimento de identificação de origem e de qualidade de produtos agroalimentícios e estabeleceu a base de proteção do produto Roquefort em 1996 no âmbito da Comunidade Europeia. Nos EUA as indicações geográficas podem ser protegidas como Marcas Coletivas ou de Certificação. 25 Em alguns países não há expresso no ordenamento jurídico vigente a proteção de Marcas Coletivas e de Certificação como é o caso da Argentina. Neste país a demanda de reconhecimento de identificação de origem e de qualidade de produtos agro alimentícios é feita pelo Ministério da Agricultura, sendo comunicado ao INPI daquele país o impedimento de registro de marca com o nome de origem dos produtos. *** Como já anteriormente ressaltando, o Brasil protege suas Indicações Geográficas por meio da Lei de Propriedade Industrial que foi promulgada em 14 de maio de 1996 (LPI/96), que regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial e dispõe sobre as Indicações Geográficas em seu Título IV. O INPI é a entidade governamental responsável pelo registro das Indicações Geográficas, sendo a Instrução Normativa INPI nº 25 de 21 de agosto de 2013, o instrumento legal normativo vigente que estabelece as condições de registro para as Indicações Geográficas. Outra possibilidade consiste em apoiar-se na lei contra a concorrência desleal, ou na noção do ilícito do passing off, ou seja, fazer produtos ou serviços se ‘passarem por’ outros, que basicamente preveem práticas comerciais desleais que não devem ser usadas. O uso de Indicação Geográfica para um produto ou serviço que não é proveniente da área geográfica indicada seria um ótimo exemplo da prática da concorrência desleal. Caso a parte lesada pretenda buscar proteção contra o ato ilícito, não é necessária nenhuma formalidade, como o registro de promulgação de uma decisão administrativa; a parte pode recorrer diretamente aos Tribunais. Marcas Coletivas e Marcas de Certificação Em algumas legislações as Indicações Geográficas podem ainda ser protegidas pelo registro de Marcas Coletivas ou Marcas de Certificação. As Marcas Coletivas, ao contrário das Marcas de produtos ou serviços, pertencem a um grupo de comerciantes ou produtores. Elas visam identificar produtos ou serviços provenientes de membros de uma determinada entidade e não de uma única fonte comercial. 26 As Marcas de Certificação, por outro lado, não são passíveis de apropriação: são registradas na suposição de que qualquer pessoa que preencha as condições prescritas possa utilizá-las. As Marcas de Certificação atestam a conformidade de produtos ou serviços a determinadas normas ou especificações técnicas. Vejamos o exemplo da Denominação de Origem protegida na Comunidade Europeia em 1996, White Stilton Cheese, que foi requerida pela The Stilton Cheese Makers Association que é também o organismo de controle da Denominação de Origem Controlada. Esta protegeu no INPI do Reino Unido duas Marcas de Certificação abaixo discriminadas: Essa associação também protegeu duas Marcas nominativas, o White Stilton Cheese e Blue Stilton Cheese. Da utilização das Indicações Geográficas – Direito ao uso O direito ao uso das indicações geográficas é dos produtores e prestadores de serviços estabelecidos no local, conforme disposto no art. 182, da LPI, verbis: Art. 182 – O uso da indicação geográfica é restrito aos produtores e prestadores de serviço estabelecidos no local, exigindo-se, ainda, em relação às denominações de origem, o atendimento de requisitos de qualidade. No Brasil, a IndicaçãoGeográfica é considerada de natureza declaratória, mas as IGs podem ser reconhecidas através de um registro efetivado no órgão competente. Tal registro é aconselhável para comprovação do direito, e no Brasil, como anteriormente visto, o órgão competente é o Instituto Nacional da Propriedade Industrial. 27 A legitimidade para requerer o registro de uma indicação geográfica, na qualidade de substitutos processuais, é das associações, institutos e pessoas jurídicas representativas da coletividade, desde que estabelecidas no território que visam identificar. Não se olvide que é permitido ao produtor ou prestador de serviço independente requerer o registro da indicação geográfica, caso estejam todos pressupostos preenchidos. No que se refere ao uso, propriamente dito, das indicações geográficas, eles se distinguem quando se tratam das indicações de procedência e denominações de origem. Pressupostos para obtenção do direito ao uso O INPI para conceder o registro estabelece procedimentos, em atendimento ao art. 182, parágrafo único da LPI. Conforme a Resolução nº 75/2000 do INPI os requisitos são distintos para os casos de indicação de procedência e denominação de origem. Os elementos importantes que devem ser apresentados para fins do reconhecimento da indicação geográfica são: documento que comprove a legitimidade do solicitante; nome geográfico e a descrição do produto; delimitação da área geográfica, para garantir o uso devido do sinal distintivo da Indicação Geográfica pelos produtores ou prestadores de serviço localizados nesta área delimitada; regulamento de uso do nome geográfico, onde são estabelecidas as regras de produção, disciplina e sanções ao não cumprimento das ditas regras; estrutura de controle, que vai garantir a observância ao estabelecido no regulamento de uso, comprovação da reputação da região ou do meio geográfico que afeta o produto ou serviço, entre outros elementos; comprovação de que os produtores ou prestadores de serviço estão estabelecidos na área geográfica exercendo efetivamente suas atividades. 28 # O Regulamento de Uso do Nome Geográfico é um documento obrigatório para o pedido de registro de uma indicação geográfica - IG. Consiste nas regras aprovadas pela coletividade (produtores ou prestadores de serviço) que utilizará a IG, retratando a tipicidade do produto, valorizando suas características principais e preservando o vínculo com a origem geográfica. Um regulamento bem estruturado, e que retrate as melhores práticas da cadeia produtiva, ajuda a preservar as tradições da coletividade e a fortalecer a própria IG. Pressupostos nas Indicações de Procedência: Os requisitos estabelecidos pelo INPI para a comprovação e posterior deferimento do reconhecimento da indicação de procedência são: a) elementos que comprovem ter o nome geográfico se tornado conhecido como centro de extração, produção ou fabricação do produto ou de prestação do serviço; b) elementos que comprovem a existência de uma estrutura de controle sobre os produtores ou prestadores de serviços que tenham o direito ao uso exclusivo da indicação de procedência, bem como sobre o produto ou a prestação do serviço distinguido com a indicação de procedência; e c) elementos que comprovem estar os produtores ou prestadores de serviços estabelecidos na área geográfica demarcada e exercendo, efetivamente, as atividades de produção ou de prestação do serviço6. Pressupostos nas Denominações de Origem Os requisitos para a comprovação e deferimento da denominação de origem, previstos no art. 7º, §2º, da Resolução nº 75/2000 do INPI: a) descrição das qualidades e características do produto ou do serviço que se devam, exclusiva ou essencialmente, ao meio geográfico, incluindo os fatores naturais e humanos; 6 Resolução INPI nº 75/2000 – Art. 7º, §1º 29 b) descrição do processo ou método de obtenção do produto ou do serviço, que devem ser locais, leais e constantes; c) elementos que comprovem a existência de uma estrutura de controle sobre os produtores ou prestadores de serviços que tenham o direito ao uso exclusivo da denominação de origem, bem como sobre o produto ou a prestação do serviço distinguido com a denominação de origem; e d) elementos que comprovem estar os produtores ou prestadores de serviços estabelecidos na área geográfica demarcada e exercendo, efetivamente, as atividades de produção ou de prestação do serviço. Sobreleva atentar o item b das indicações de procedência e c das denominações de origem. A exigência deste controle sobre os produtos e serviços que garante a qualidade e respeito às características dos produtos, agregando o valor que a indicação geográfica pressupõe. Processo administrativo para obter o reconhecimento das Indicações Geográficas O processo administrativo para reconhecimento de uma indicação geográfica tramita perante o INPI e procede-se conforme estipulado pelo INPI na Resolução n.º 75 de 2000. Primeiramente, após o depósito do pedido de Indicação Geográfica no INPI, o mesmo é submetido a um exame formal, onde é verificado se a documentação apresentada está adequada, conforme estipulado na Instrução Normativa Nº 25/2013. Durante o exame formal, caso necessário, poderão ser formuladas exigências para regularização do pedido, a qual deverá ser cumprida no prazo de 60 (sessenta) dias, visando adequar o pedido às normas previstas, através de formulário de petição próprio, acompanhado da taxa correspondente, sob pena de arquivamento definitivo do pedido de registro. Após o exame formal, o pedido é então publicado, para que terceiros tomem conhecimento e possam se manifestar no prazo de 60 (sessenta) dias. Havendo manifestação de terceiro, esta é publicada na Revista de Propriedade Industrial (RPI) e passa a fluir o prazo de 60 (sessenta) dias para que o titular do pedido apresente contestação. 30 Decorrido o prazo para manifestação ou contestação, o INPI profere sua decisão deferindo ou indeferindo o pedido de reconhecimento à indicação geográfica. Caso a decisão seja pelo reconhecimento da IG, o INPI emitirá o certificado de registro. No caso de indeferimento do pedido de reconhecimento da indicação geográfica, cabe pedido de reconsideração no prazo de 60 (sessenta) dias, onde o INPI poderá formular novas exigências. Cabe também o recurso por parte de terceiros interessados contra a decisão que reconheceu a IG em igual prazo. Os recursos serão julgados pelo Presidente do INPI. E, assim, se encerra a instância administrativa. É importante lembrar que ainda que a proteção a um nome geográfico seja recusada pelo INPI, os interessados poderão juntar novas informações e requerer novamente o registro de IG. Após a concessão, não é preciso pagar taxa. A Indicação Geográfica não tem limitação de validade. Possibilidade de obter a proteção em escala internacional Nas Indicações Geográficas, em virtude da grande diversidade dos sistemas de proteção disponíveis como também das diferentes terminologias, não existem procedimentos perfeitamente definidos. No âmbito internacional temos três possibilidades de proteção, uma bilateral, uma multilateral e a busca pelo registro em cada um dos países que preveem proteção às Indicações Geográficas. No contexto bilateral, um país celebra acordo com outro para proteção mútua de suas Indicações Geográficas. Na etapa seguinte ocorre a troca das respectivas listas de IGs, e a proteção é então concedida numa base de reciprocidade. Assim, na suposição de que a França tenha concluído um acordo bilateral com a Espanha, ela enviaria sua lista de Indicações Geográficas para a Espanha, e esta lhe enviaria a sua, após o que as IGs de cada país seriam protegidas porambos. Esse sistema funciona desde que dois países celebrem um acordo, mas nem todos os países têm acordos bilaterais desse tipo. No que concerne ao contexto multilateral o acordo mais conhecido é o Acordo de Lisboa para a Proteção de Denominações de Origem e seu registro internacional, administrado pela OMPI. Em 1958, o Acordo de Lisboa passa a configurar um sistema 31 específico de proteção às DO, permitindo o reconhecimento das mesmas entre os países membros do acordo. O Acordo de Lisboa reúne um número pouco expressivo de participantes. No âmbito do acordo os países europeus concentram a maior parte dos registros. O Brasil não tem acordos bilaterais firmados em matéria de IG com outros países, e tampouco aderiu ao Acordo de Lisboa. Os estrangeiros interessados em proteger Indicações Geográficas no Brasil devem solicitar o registro no INPI obedecendo à legislação vigente. Já para o registro de IGs brasileiras no exterior se faz necessário verificação das condições de registros nos países ou blocos de interesse. 32 UNIDADE V – TITULARIDADE E NATUREZA JURÍDICA A IG é um direito de propriedade reconhecido constitucionalmente no artigo 5º, XXIX – “a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do país”. As indicações geográficas, conforme estabelecido pela LPI são consideradas bens móveis. Na verdade este direito tem dupla natureza, um aspecto de propriedade e outro concorrencial, por isso falam em direito de propriedade concorrencial. Outra peculiaridade é que a titularidade desse direito é coletiva. Ela até pode ser de um só, se somente um produtor viver na região conhecida, mas muitos autores defendem que o registro das indicações geográficas deve ser preferencialmente requerido em favor de uma coletividade, pois o uso dessa indicação por parte de um grupo acarretará o fortalecimento da indicação no mercado. No que tange ao caráter do registro concedido, assim leciona Denis Borges Barbosa, que merece reprodução ipsis literis7: 7 BARBOSA, Denis Borges. Uma Introdução à Propriedade Intelectual. Rio de Janeiro, Editora Lumen Juris, 2ª edição, 2003, p. 916. 33 “Exercendo a delegação normativa prevista no CPI/96, o INPI optou por criar um registro específico de indicações geográficas, deferindo a legitimidade ad adquirendum aos sindicatos, associações, institutos ou qualquer outra pessoa jurídica de representatividade coletiva, com legítimo interesse e estabelecida no respectivo território, ‘como substituto processual da coletividade que tiver direito ao uso de tal nome geográfico’. Não vejo tal registro como constitutivo, em especial quanto às indicações de procedência; o fato concorrencial precede qualquer reconhecimento pela autoridade registral, e merece reconhecimento judicial – aparentemente sem limitação de uma proteção pela concorrência desleal. Não existe na lei em vigor uma disposição que fixe como efeito do registro a proteção erga omnes; pelo contrário, o que diz o texto legal é ‘considera-se indicação de procedência [aquela relativa a certo local] que se tenha tornado conhecido como centro de extração, produção ou fabricação de determinado produto ou de prestação de determinado serviço’. Como se vê, o requisito é objetivo, não subjetivado, atribuído a um local e não a determinadas pessoas. Assim, o direito nasce do conhecimento local como origem da atividade econômica, e não do registro, ainda que este possa ser requisito quanto aos efeitos das indicações na via administrativa (por exemplo, para impedirem, ex officio, registro de marcas). No caso de designações de origem, que presume o preenchimento caso a caso, de forma subjetiva, determinados requisitos de fundo qualitativo ou característico, via de regra preceituada ou apurada por entidade do país de origem, há que se entender que o registro deva reconhecer e dar eficácia interna a tal certificação. Mesmo assim, não se deva crer que o registro no INPI institua, mas apenas declare ex ante um direito que o preexistiria”. Nesse passo, na opinião do doutrinador, o registro outorgado pelo INPI não constitui direito, apenas declara um direito pré-existente, mormente nas indicações de procedência. Por outro lado, o importante doutrinador português José de Oliveira Ascensão, ao estudar o registro das indicações geográficas em Portugal e na União Europeia, destaca que lá o registro é atributivo de direitos, visto que efetivamente confere direitos ao titular, diferentemente do contrário, quando a falta do registro só deixaria margem de proteção da indicação na hipótese de se configurar violação via concorrência desleal. 34 A título ilustrativo de direito comparado, os Estados Unidos protegem suas indicações geográficas também através da Common Law, caso em que não é necessário o registro perante o USPTO para adquirir direitos sobre a indicação geográfica8. Destarte, apesar da doutrina divergir neste aspecto, ao fazer um contraponto com o direito português, a LPI não faz qualquer espécie de restrição à indicação geográfica, de modo que não a vincula a qualquer registro para legitimar seu direito. Mister registrar que as indicações geográficas não podem ser alienadas, nem são suscetíveis de quaisquer medidas constritivas, como penhor etc. A aquisição sobre uma indicação geográfica é sempre originária, mas, se não continuar a fabricar o produto que tornou o lugar conhecido (no caso das indicações de procedência) ou não satisfizer os requisitos inerentes às denominações de origem não terá o direito garantido. Pontes de Miranda9 ensina que os próprios herdeiros têm de satisfazer os pressupostos das IG para que lhes nasça o direito à utilização desses signos distintivos. Uma pessoa já poderia ser herdeira de uma propriedade onde residisse uma indicação geográfica, mas, se não continuar a fabricar o produto que tornou o lugar conhecido (no caso das indicações de procedência) ou não satisfizer os requisitos inerentes às denominações de origem, não possui nenhum direito sobre a indicação geográfica, somente ao bem imóvel. Por essa razão, caso esse herdeiro ou até mesmo o comprador do terreno preencha os requisitos necessários para a obtenção da aquisição desse direito, ele será originário. 8 O “Cognac” é um exemplo desta proteção nos Estados Unidos através do julgado Institut National Des Appellations v. Brown-Forman Corp, 47 USPQ2d 1875, 1884 (TTAB 1998). Disponível em: http://www.uspto.gov,gov/web/offices/dcom/olia/globalip/pdf/gi_system.pdf. 9 MIRANDA, Pontes. Tratado de direito privado. Tomo XVII – parte especial. 4 ed., São Paulo: RT, 1983, p. 196. 35 Sob esse prisma, a propriedade da IG é de todos que produzirem ou prestarem serviços naquela região e cumprirem os requisitos para o uso da IG, mas não há comunhão entre os titulares, nem em direitos nem em deveres. Ademais, o direito à IG não sofre prescrição, não pode ser alienado, por razão do caráter coletivo desse direito. As indicações geográficas, por suas peculiaridades e por se originarem de um ato de vontade entre pessoas que geram um direito coletivo sobre uma indicação geográfica, passam a ser um bem privado. No que tange à aquisição da propriedade, no Brasil e em vários países, para que os titulares dos direitos das indicações geográficas passem a ter direitos de utilização exclusiva dessa proteção é necessário que o lugar seja oficialmente reconhecido como uma IG,ou seja, a região precisa ser assim reconhecida por um órgão oficial. No Brasil, a natureza do registro da IG é declaratória, em consonância com o art. 1º da Resolução do INPI nº 75/2000. Como visto, compete ao INPI reconhecer oficialmente uma indicação geográfica. Consoante já mencionado, o pedido de reconhecimento desse direito pode ser pleiteado por pessoas jurídicas – como entidades de classe, associações, institutos, etc. – ou até, em casos excepcionais, o reconhecimento pode ser pleiteado individualmente. Há um interesse jurídico desde o momento da constituição do ato-fato jurídico, assim como no caso dos direitos autorais, ele possibilita a exploração exclusiva da indicação e é um meio pré-constituído de prova contra terceiros que indevidamente utilizem a indicação ou que venham contestá-la. As IGs têm por objetivo principal identificar a proveniência de determinado produto ou serviço, a Organização Mundial da Propriedade Intelectual conceitua indicação geográfica como “a sign used on goods that have a specific geographical origin and possess qualities that are due to that place of origin” – um sinal utilizado em produtos que tem uma origem geográfica específica e possuem qualidades que se devem ao lugar de origem. 36 As indicações geográficas têm, entre suas principais características, proteger os titulares dos direitos, no sentido de servir como meio de defesa da identificação da procedência/origem de seus produtos ou serviços. As IGs protegem primeiramente os próprios produtos e serviços por ela identificados, visto que passam a trazer um sinal que os distingue frente à terceiros. Os próprios titulares dos direitos, ou seja, o produtor e o prestador de serviço se beneficiam nas relações de mercado, visto que agregam uma importante distinção aos seus produtos/serviços, que passam a ter a procedência e qualidade reconhecida pelo público. UNIDADE VI - FUNÇÕES DAS IGS 6.1 – Função de qualidade das IGs 6.1.1 Função de qualidade na indicação de procedência 37 Conforme já abordado anteriormente, para que a região obtenha o reconhecimento como IP, não se faz necessária mais nenhuma exigência, não se faz necessária a comprovação de qualidade, singularidade, tampouco que características peculiares àquela região, sejam naturais ou humanas, tenham contribuído para este reconhecimento. Desta forma, basta que a região tenha se tornado conhecida como centro de extração, produção ou prestação de um determinado produto ou serviço. O art. 182 da LPI também reforça o entendimento de que a IP não tem como requisito, para o reconhecimento da região, sob esse instituto, a obrigação de garantir qualidade, ao determinar que “o uso de uma indicação geográfica é restrito aos produtores e prestadores de serviço, estabelecidos no local, exigindo-se ainda, em relação às denominações de origem, o atendimento de requisitos de qualidade”. A maioria dos doutrinadores pondera que a indicação de procedência possui o objetivo de informar o público em geral sobre a origem de um produto ou serviço, cuja localidade originária se tornou conhecida como local de produção ou prestação do bem. Reitere-se que a indicação não depende de fatores geográficos ou humanos e não possui um compromisso jurídico de qualidade com o consumidor. Verifica-se que, muito embora o requisito da qualidade não seja uma obrigação exigida juridicamente, a IP acaba por exercer uma função de qualidade em relação aos produtos ou serviços produzidos ou prestados nas regiões. Isto configura pressuposto de fato, visto que o conhecimento não seria propagado, pois os consumidores não comprariam os produtos ou não iriam até uma determinada cidade em busca de um produto/serviço específico. Resta evidente que a função de qualidade de IP advém de uma pressão do mercado, ou seja, trata-se de uma função secundária de natureza econômica e não jurídica. Sob essa conjuntura, consideramos que a IP não é um signo distintivo substancial, pois sua qualidade é concorrencial e mercadológica e não intrínseca ao produto ou serviço assinalado por esta IG. 38 6.1.2 Função de qualidade na denominação de origem O art. 182, da LPI cria um vínculo jurídico obrigacional para o titular. Destaque- se que a existência no produto ou no serviço de características de qualidade, que se devem exclusivamente a fatores naturais e humanos, é o requisito exigido para que uma determinada localidade obtenha a proteção do instituto. Pontue-se que para a sobrevivência do próprio instituto, os titulares de uma DO devem ser fiéis às matérias primas utilizadas, ao modo de fabrico, zelar constantemente, pela qualidade dos produtos e preservar os costumes na execução dos trabalhos que geram aquele produto. Esses costumes se afiguram muitas vezes seculares, mas são essenciais para manter o forte elo que liga o produto à fidelidade e confiança de seus consumidores. A função/obrigação legal de garantir a qualidade cria um elo de confiança, segurança, dever, entre o produto e o consumidor, gerando consequências jurídicas nessa relação, e, assim, um produto originado de uma região reconhecida como DO pode vir a se tornar um produto afamado. Pode-se afirmar que não há DO se não houver qualidade ou característica peculiar. 6.2 - Função de indicar a origem do produto Consoante já ressaltado a IG tem a função primordial de indicar a origem geográfica do produto ou do serviço, ou seja, evoca o local ou região reconhecida pelo nome geográfico ou nome que a coletividade escolheu para denominar a indicação. Importante destacar que esse instituto foi criado primordialmente para exercer a função de indicação de origem geográfica e, por essa razão, torna-se importante ressaltar que a tutela jurídica da IG recai sobre o nome geográfico e não sobre os produtos e serviços gerados em uma região. 6.3 - Função das IGs como instrumento publicitário 39 Não se pode olvidar que as indicações geográficas possuem um aspecto publicitário, são instrumento de marketing dos produtos provenientes das regiões reconhecidas. Por certo, os selos indicativos de que o produto provém de uma IG tem clara função promocional. Nesse passo, tal selo, mostrando que determinada região é uma DO ou IP, desperta nos consumidores a curiosidade de conhecer essa região e o modo como os produtos são fabricados. Por conseguinte, o turismo nessa região pode aumentar, assim como o progresso econômico, social e tecnológico. E, assim, muitas vezes, este aspecto constitui um elemento de grande valor para a decisão de compra dos consumidores. 6.4 - Função Social das Indicações Geográficas Não se pode olvidar que a propriedade deve cumprir sua função social, consoante dispõe o art. 5º, XXIII, da CRFB/88. Deste modo, uma IG, para ter a proteção garantida pela Constituição, deve atender obrigatoriamente os requisitos das cláusulas vinculantes ao artigo 5º, XXIX, da CRFB e, ainda, deve atender à função social da propriedade. Cretella Júnior sustenta que o direito de propriedade, outrora absoluto, está sujeito em nossos dias, a numerosas restrições, fundamentadas no interesse público e também no próprio interesse privado, de tal sorte que o traço nitidamente individualista, de que se revestia, cedeu lugar à concepção bastante diversa, de conteúdo social, mas do âmbito do direito público10. 10 J. CRETELLA JR., Vol. I, São Paulo: RT, 1988, p. 302. 40 As indicações geográficas como direito de propriedade que são, devem atender sua função social para que possam garantir sua proteção constitucional. Certo que uma indicação geográfica cumpre a sua função social quando permite que o seu titular e a sociedade como um todo usufrua plenamente dos benefícios proporcionados por este signodistintivo. As indicações geográficas, de um modo específico, cumprem sua função social quando atendem à finalidade deste instituto, quais sejam: a) Distinguir e individualizar produtos de determinada região quanto a sua origem geográfica, especificidades e qualidade; b) Proteger o produtor garantindo a manutenção de seu modo de produção para que seu produto mantenha sempre um padrão de qualidade e que seja original; c) Proteger o consumidor mantendo-o informado sobre o produto que consome, informando a história daquele produto desde a plantação das matérias primas que compõem o mesmo até a chegada daquele produto às mãos do consumidor, garantindo assim a qualidade e singularidade daquele produto; d) Desenvolver as pequenas regiões produtoras, de modo a reinseri-las no mercado competitivo, e proporcional o crescimento econômico e tecnológico destas pequenas regiões; e) Preservar o patrimônio cultural e histórico, preservando a cultura, a identidade e o modo de criar, fazer e viver do povo daquela região protegida por esse signo distintivo. Sobreleva mencionar que essa função social é qualificada e direcionada, por ter cunho desenvolvimentista e visar predominantemente o interesse nacional e, sobretudo, interesse e desenvolvimento local, uma vez que uma das finalidades das indicações geográficas é o desenvolvimento das pequenas regiões produtoras, no sentido de melhorar as situações sociais, econômicas e tecnológicas. 41 UNIDADE VII - REPRESENTAÇÃO DOS TITULARES DA IG, O INTERESSE PÚBLICO NAS INDICAÇÕES GEOGRÁFICAS E ASPECTOS INTERNACIONAIS DAS IGs O ente coletivo representante dos titulares das indicações geográficas pode ser associações, cooperativas ou outra entidade coletiva que representa aquela coletividade de proprietários da IG. Tem-se que a relação da entidade coletiva com os titulares da IG seria de substituto processual no procedimento administrativo de exame e concessão, conforme disposto no art. 5º da Resolução nº 75/2000, que exige uma personalidade jurídica unificadora da pretensão de registro. Diferentemente de uma cooperativa ou associação comum, em que as entidades podem ter o direito de escolher os seus membros, a entidade coletiva representante dos titulares das indicações geográficas não pode recusar a entrada na sociedade de nenhum produtor da região reconhecida, desde que esse produtor cumpra com os requisitos para utilizar a IG. Assim, os direitos e deveres sobre as IG são dos seus titulares e não das entidades coletivas que as administram, mesmo se essas entidades, no procedimento perante o INPI, venham a atuar como substitutos processuais. Destaque-se que não há laços entre os titulares, seus direitos e deveres são individuais, não havendo solidariedade. A responsabilidade de cada titular não se estende aos demais. Como exemplo, se um titular deixar de cumprir os requisitos de existência da DO, ele perde o direito sobre ela, mas nada ocorre com os outros titulares, se estes continuarem a cumprir os requisitos de uso. 42 Como visto, a art. 5º, XXIX da Constituição da República prevê o direito à proteção das indicações geográficas no Brasil. E a proteção infraconstitucional deste instituto, consoante já mencionado, se encontra nos arts. 176 a 178 da Lei 9279/96. Mister destacar que as indicações geográficas ganham destaque internacional a partir do mercado globalizado. Diversos produtos e serviços são comercializados ao redor do mundo e não apenas a marca ganha relevância, mas também as indicações geográficas. O direito das indicações geográficas já vem recebendo guarida através de legislação interna de diversos países. Porém, tendo em vista seu caráter visivelmente internacional, diversos tratados e acordos buscam também resguardar estes direitos. No que tange à proteção nacional nos diversos países, Sérgio Escudero comenta que tem havido três formas de proteção das indicações geográficas: 1) Leis focadas nas práticas comerciais, onde não se prevê registro das indicações geográficas, porém se proíbe o uso da “falsa” indicação; 2) Leis de marcas que vedam o registro destas quando possam induzir falsa indicação geográfica; e 3) Leis específicas de proteção às indicações geográficas. Em que pese estas outras alternativas de proteção apresentadas e utilizadas já em alguns países, as indicações geográficas permanecem sendo reguladas, na grande maioria dos países, como parte das leis de marcas. Os principais tratados a abordar este tema são: o Acordo de Lisboa e o TRIPS – Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights. O Acordo de Lisboa, tratado que o Brasil não aderiu e foi adotado apenas por 16 (dezesseis) países signatários da Convenção de Paris em 1958, confere proteção às apelações de origem, do mesmo modo que o TRIPS e a Lei da Propriedade Industrial conferem às denominações de origem. Este tratado estabeleceu uma forma de registro das indicações geográficas. Já o TRIPS42, acordo no âmbito da OMC, inserido com a conclusão da Rodada do Uruguai do GATT em 1994, obteve maior importância no contexto internacional, já que de imediato 125 (cento e vinte e cinco) países aceitaram os termos do tratado. O TRIPS, ao tratar das indicações geográficas no artigo 22, estabelece que as partes interessadas devem utilizar meios legais que possam impedir: 43 § 2.º – a) a utilização de qualquer meio que, na designação ou apresentação do produto, indique ou sugira que o produto em questão provém de uma área geográfica distinta do verdadeiro lugar de origem, de uma maneira que conduza o público a erro quanto à origem geográfica do produto; b) qualquer uso que constitua um ato de concorrência desleal, no sentido do disposto no art. 10 “bis” da convenção de Paris (1967). Além disso, o parágrafo 3 do mesmo artigo diz que caberá ao Estado agir ex officio para impedir o registro de marca que possa causar erro, duvida ou confusão no público consumidor quanto à sua procedência. Estas ações, segundo expresso no parágrafo 4º do mesmo artigo, se aplicam contra aquelas indicações que, embora literalmente verdadeiras, dão ao público a falsa percepção de que o produto/serviço proveem de outro território. O TRIPS, por característica, baseou-se “no equilíbrio entre a promoção da inovação e da difusão e transferência de tecnologia e a proteção de outros interesses difusos”, delimitando patamares mínimos de proteção dos direitos da propriedade intelectual, no caso das indicações geográficas abre uma exceção por tratar especificamente, no artigo 23, da proteção às indicações geográficas para vinhos e destilados. A proteção conferida aos vinhos e destilados no TRIPS merece atenção especial, visto que o acordo estabelece uma proteção mais ampla nestes casos. O fato do público ser induzido a erro não é fator determinante para o impedimento do uso de determinada indicação geográfica. A principal característica é a reciprocidade, de forma a aumentar a proteção às indicações geográficas dos respectivos países. Ocorre que há também outros interesses e outras formas de estabelecer estes tratados. Atualmente, vem ocorrendo que os países desenvolvidos estabelecem acordos de investimento e de comércio onde estão incluídos maiores níveis de proteção a direitos de propriedade intelectual. Em síntese, os acordos de investimento (BITs) e de comércio (FTAs), na era pós-TRIPS, constituem instrumentos potenciais, por meio dos quais se podem impor novas obrigações de propriedade intelectual aos países em desenvolvimento. O “novo bilateralismo”, portanto, em vez de utilizar a OMC ou a OMPI para novas negociações, estimula e impõe uma agenda expansionista, por meio de múltiplos tratados, bilaterais 44 e regionais, capazes de assegurar um sistema global de propriedade intelectual mais rígido do que aquele resultante do TRIPS.Desta forma, os acordos de investimento e de comércio estipulam níveis de proteção aos direitos de propriedade intelectual mais elevados do que aqueles previstos pelo TRIPS. Apesar de não haver restrição legal a este fato, deve-se atentar para os efeitos a longo prazo deste tipo de acordo. UNIDADE VIII – DOS CRIMES CONTRA AS INDICAÇÕES GEOGRÁFICAS Atualmente, os titulares dos direitos das indicações geográficas padecem com as constantes violações por parte de falsificadores que se apropriam do signo distintivo para identificar seus próprios produtos ou serviços. Resta evidente, que os titulares dos direitos tem significativa perda, pois deixam de lucrar, em razão da venda paralela, e, ainda, padecem com a depreciação da indicação geográfica e da qualidade do produto falsificado, que foge ao controle dos titulares. Deste modo, a Lei 9.279/96, em seu Capítulo V, prevê como crime o uso indevido das indicações geográficas. Para evitar a utilização indevida de uma indicação geográfica para determinado produto ou serviço, o registro no INPI surge como fator decisivo para garantir a proteção do nome geográfico e desta forma obter uma diferenciação do produto ou serviço no mercado. O registro de IG permite delimitar a área geográfica, restringindo o uso da IG aos produtores e prestadores de serviços da região (em geral, organizados em entidades 45 representativas) e onde, mantendo os padrões locais, impede que outras pessoas utilizem o nome da região em produtos ou serviços indevidamente. A Lei da Propriedade Industrial, em seus artigos 192, 193 e 194, estabelece as diversas formas de uso que configuram crime contra as indicações geográficas, inclusive definindo o uso daquelas tornadas de “uso comum”. Assim, vejamos os referidos dispositivos legais: Art. 192. Fabricar, importar, exportar, vender, expor ou oferecer à venda ou ter em estoque produto que apresente falsa indicação geográfica. Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) meses, ou multa. Art. 193. Usar, em produto, recipiente, invólucro, cinta, rótulo, fatura, circular, cartaz ou em outro meio de divulgação ou propaganda, termos retificativos, tais como "tipo", "espécie", "gênero", "sistema", "semelhante", "sucedâneo", "idêntico", ou equivalente, não ressalvando a verdadeira procedência do produto. Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) meses, ou multa. Art. 194. Usar marca, nome comercial, título de estabelecimento, insígnia, expressão ou sinal de propaganda ou qualquer outra forma que indique procedência que não a verdadeira, ou vender ou expor à venda produto com esses sinais. Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) meses, ou multa. No que diz respeito às indicações geográficas tornadas de uso comum, José Henrique Pierangeli comenta que “a tutela jurídica se vincula com a procedência de produto, tanto assim é que, uma vez ressalvada a sua verdadeira procedência, inexistirá o delito”11. A legitimidade nos crimes contra as indicações geográficas recai sobre os titulares da indicação e os consumidores. Pierangeli comenta que: “O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa física, não se reclamando qualquer circunstância especial. Como não mais se trata de crime de concorrência desleal, que o transformaria em crime próprio, e exigiria a particularidade de uma relação de 11 PIERANGELI, José Henrique. Crimes Contra a Propriedade Industrial e Crimes de Concorrência Desleal – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 251. 46 rivalidade de fatos entre sujeitos ativo e passivo, trata-se de crime comum, o sujeito ativo pode ser qualquer pessoa”. Destaca-se que a norma penal também atinge aqueles que utilizam termos como “tipo”, “espécie”, “semelhante”, etc., sem que informem de forma expressa a real procedência do produto ou serviço. Com proficiência Denis Borges Barbosa cita como exemplo de tal situação - “não há infração penal no uso de algo como ‘queijo tipo Grana Padano fabricado em Vacaria’, em que fique claro que o produto não foi feito em Pádua”12. Por outro lado, o comércio utilizando indicação geográfica que induza o consumidor em erro, dúvida ou confusão pode ser enquadrado como crime de concorrência desleal, também previsto na Lei n.º 9.279/96 no art. 195. A concorrência mercadológica pressupõe a disposição das partes em manter e conquistar novos clientes. O saudoso mestre João da Gama Cerqueira13 delimita o estágio em que a concorrência passa a ser desleal: “Quando essa luta se desenvolve normalmente, empregando os concorrentes as suas próprias forças econômicas e os seus recursos e meios pessoais para formar a sua clientela, ainda que prejudiquem os negócios de seus competidores, a concorrência considera-se lícita, não havendo lugar para a intervenção da lei. Somente quando os concorrentes em luta se desviam desse terreno, lançando mão de meios irregulares e condenáveis, usando expedientes desleais ou desonestos, é que se torna necessária a intervenção legal para restabelecer o equilíbrio de interesses rompido pela ação reprovável do concorrente inescrupuloso”. Neste sentido, o fato de se valer de meios fraudulentos para ganhar mercado é proibido pelo nosso ordenamento jurídico, sob pena do autor incorrer nas previsões legais citadas que estabelecem tais ações como crimes. 12 BARBOSA. Op. cit., p. 919. 13 CERQUEIRA, João da Gama. Tratado da Propriedade Industrial – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2ª Edição, Volume 2, 1982, p. 1.268. 47 Oportuno registrar que o prejudicado poderá ingressar com ações na esfera cível e tais ações, por violação de registro, encontram-se amparadas nos artigos 207 a 210 da Lei de Propriedade Industrial, abaixo transcritos: Art. 207. Independentemente da ação criminal, o prejudicado poderá intentar as ações cíveis que considerar cabíveis na forma do Código de Processo Civil. Art. 208. A indenização será determinada pelos benefícios que o prejudicado teria auferido se a violação não tivesse ocorrido. Art. 209. Fica ressalvado ao prejudicado o direito de haver perdas e danos em ressarcimento de prejuízos causados por atos de violação de direitos de propriedade industrial e atos de concorrência desleal não previstos nesta Lei, tendentes a prejudicar a reputação ou os negócios alheios, a criar confusão entre estabelecimentos comerciais, industriais ou prestadores de serviço, ou entre os produtos e serviços postos no comércio. § 1º Poderá o juiz, nos autos da própria ação, para evitar dano irreparável ou de difícil reparação, determinar liminarmente a sustação da violação ou de ato que a enseje, antes da citação do réu, mediante, caso julgue necessário, caução em dinheiro ou garantia fidejussória. § 2º Nos casos de reprodução ou de imitação flagrante de marca registrada, o juiz poderá determinar a apreensão de todas as mercadorias, produtos, objetos, embalagens, etiquetas e outros que contenham a marca falsificada ou imitada. Art. 210. Os lucros cessantes serão determinados pelo critério mais favorável ao prejudicado, dentre os seguintes: I - os benefícios que o prejudicado teria auferido se a violação não tivesse ocorrido; ou II - os benefícios que foram auferidos pelo autor da violação do direito; ou III - a remuneração que o autor da violação teria pago ao titular do direito violado pela concessão de uma licença que lhe permitisse legalmente explorar o bem. Em consonância com o disposto no art. 209, §1º da referida lei há previsão de concessão de liminar para sustação da violação ou do ato. Pontue-se que eventual verba indenizatória será calculada com base nos benefícios que o prejudicado teria obtido se a violação não tivesse
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