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E d u c a ç ã o I n c lu s iv a Dinéia Urbanek Paulo Ross Ed uc aç ão In cl us iv a Di né ia U rb an ek e P au lo R os s Capítulo Capítulo Educação Inclusiva Curitiba 2011 2ª edição Dinéia Urbanek Paulo Ross FAEL Diretor Executivo Mauricio Emerson Nunes Diretor Acadêmico Osíris Manne Bastos Coordenadora do Núcleo de Educação a Distância Vívian de Camargo Bastos Coordenadora do Curso de Pedagogia EaD Ana Cristina Gipiela Pienta Secretária Acadêmica Dirlei Werle Fávaro EDITORA FAEL Coordenadora Geral Dinamara Pereira Machado Coordenador Editorial William Marlos da Costa Edição Jaqueline Nascimento Revisão Silvia Milena Bernsdorf Projeto Gráfico e Capa Denise Pires Pierin Ilustração da Capa Cristian Crescencio Diagramação Ana Lúcia Ehler Rodrigues Ilustrações Igor Santos Ficha Catalográfica elaborada pela Fael. Bibliotecária – Cleide Cavalcanti Albuquerque CRB9/1424 Dinéia Urbanek; Paulo Ross. U73e Educação inclusiva / Dinéia Urbanek, Paulo Ross. – 2. ed – Curitiba: Editora Fael, 2011. 179 p.: il. ISBN 85-64224-41-4 Nota: conforme Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa. 1. Educação inclusiva I. Título. CDD 371.9 Direitos desta edição reservados à Fael. É proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem autorização expressa da Fael. Capítulo Meus agradecimentos àqueles que participaram diretamente da consti- tuição deste livro, com suas opiniões, trabalho, análise e investigações: alunos, professores, psicólogos, pedagogos e familiares. O maior agradecimento reservo ao grande e maravilhoso Deus, que me permitiu trabalhar nesta obra com o gentil parceiro professor doutor Paulo Ricardo Ross, oferecendo a minha contribuição a todos que dela precisarem. Quero agradecer de maneira especial à minha mãe, Alda Maria Urbanek, a meu querido marido, Sebastião Rusche Jorge, e à minha sogra, Elisabete Maria Rusche, que com seus valores de vida me impulsionaram a lutar e concretizar este trabalho. À amiga e apresentadora deste livro, Marly Marton, que sempre incen- tivou o estudo científico e acredita na educação como elemento real- mente transformador. À fantástica defensora da educação, professora e mestre Ana Cristina Pienta, que me convidou para o trabalho e acreditou em minhas experiên- cias e capacidade de pesquisa nesta área. Ao amigo Paulo Ricardo Ross, que, muito mais que professor, pesquisador, mestre e doutor, é um homem capaz de captar a essência da alma humana. Ele próprio é o exemplo da verdadeira humildade, acolhimento e valoriza- ção humana. Dinéia Urbanek Agradeço aos que, pacientemente, produziram e produzem material em braille, aos valorosos seres que oralizam textos, àqueles que transfor- mam em linguagem as imagens, os ambientes, as ações e parte do co- nhecimento sistematizado, permitindo que as pessoas com deficiência compreendam a complexidade da produção e da ciência humana. Obrigado aos que trilharam antes de mim caminhos áridos. Obrigado aos que me ensinaram o valor da tolerância, permitindo enxergar a pedago- gia dos conflitos e das diferenças. Benditos todos os que desbravam os canais para livre manifestação das pessoas com deficiência. Benditas as pessoas que se modificam e democratizam os instrumentos, sustentam os apoios aos pequenos passos para sua autonomia e liberdade. Se elas inundarem de amor suas conexões e seus vínculos, se tornarão mais humanizadas, sem deixar lugar para a ignorância. A luz de suas escolhas não ofuscará sua sabedoria. O valor de suas conquistas será expresso mais naquilo que comunicam e simbolizam, menos em materia- lidade observável e medida. Agradeço, ainda, à professora Dinéia, pela oportunidade de compartilhar não apenas a escrita de um livro, mas parte de uma história profissional de compromentimento com centenas de alunos com deficiência intelec- tual e seus familiares. Paulo Ricardo Ross Capítulo 7 apresentação Vivemos um momento de transição paradigmática, na qual se pre- tende, como em épocas anteriores, assegurar melhores condições de vida para as pessoas com deficiências e outros diferentes. Estamos, agora, em um momento de pleno desenvolvimento e ten- tativas de aplicação dos princípios do paradigma da inclusão, como: a aceitação das diferenças individuais, a valorização de cada pessoa, a convivência dentro da diversidade humana, a aprendizagem por meio da cooperação, entre outros. A sociedade está se tornando cada vez mais inclusiva, adaptando-se às necessidades especiais de seus cidadãos com ou sem deficiência e descartando as atitudes discriminatórias frente às diferenças individuais. Os autores desta obra, educadores comprometidos com a filosofia da inclusão, abordam o processo de inclusão escolar e social, que implica to- mar o outro como pessoa dotada de capacidades, de maneiras e tempos de se comunicar, recursos para produzir experiências, emoções, conhecimen- to e sua própria história. Realizam um estudo retrospectivo sobre os fun- damentos da educação inclusiva que conduz à compreensão dos aspectos políticos e econômicos, que justificam as necessidades de transformações para contemplar os direitos individuais da diversidade humana. A educação inclusiva é voltada de todos para todos, os ditos “nor- mais” e as pessoas com algum tipo de deficiência poderão aprender em conjunto. Uma pessoa dependerá da outra para que realmente exista uma educação de qualidade. A educação inclusiva no Brasil é um desafio a todos os profissionais da educação. No ensino inclusivo, o professor atua como mediador da aprendi- zagem, valorizador das capacidades de cada pessoa, organizando as ações exploratórias, as leituras, as interpretações, as tomadas de deci- são quanto aos procedimentos, às etapas, objetivos, raciocínios, apoios, apresentação instrumentos, signos e linguagens em que cada aluno possa sistematizar e demonstrar o conhecimento. Este livro é um instrumento valioso para acadêmicos e profissionais da área da educação que, por meio da educação a distância, poderão ler, conhecer, aprender, apreender e avaliar seus conhecimentos em relação à educação inclusiva. Marly B. Gervásio Marton da Silva* * Mestre em enfermagem pela Universidade Federal do Paraná – UFPR. É diretora-geral do Instituto Marton de Educação e coordenadora do curso de enfermagem da Faculdade Educacional Araucária – Facear. Atua como docente do curso de enfermagem da Facul- dade Evangélica do Paraná. apresentação apresentação sumário Prefácio ............................................................................................. 11 Unidade 1 Fundamentos Legais e Filosóficos da Educação Inclusiva 1 Compreendendo a educação especial no cenário brasileiro .... 17 2 Inclusão: ensinando e aprendendo na diversidade .................. 51 Unidade 2 A Organização Pedagógica para Favorecer a Inclusão 1 Criando comunidades de ensino inclusivo ................................ 85 2 Educação inclusiva e suas implicações na prática pedagógica ............................................................. 115 Referências.............................................................................. 173 sumário 1111 A educação tem sido, historicamente, alvo de todos os discur- sos enquanto um campo fértil a ser investido para conquistas de novas condições de existência dos seres humanos. Ao mesmo tempo, a esco- la e sua organização são denunciadas por apresentarem estruturas de disciplinas, currículo, prática de ensino e avaliação rígidas, imutáveis, relembrando os primórdios da Modernidade e da própria escola. Podemos observar que a prática pedagógica dominante ainda é centralizadora, pautada na exposição uniformee linear do professor. Constatamos, ainda, a lógica do silenciamento dos alunos como con- dição para se obter não a aprendizagem de cada um, mas a homoge- neização da turma, a idealização de respostas iguais entre os alunos e o que lhes é ensinado, transmitido. A lógica da repetição, mesmo que mecanicista, é tomada como critério de conservação de um padrão de pensamento, um modo de perceber a realidade e uma estrutura para agir e reagir diante dos desafios: o outro, o novo, a diversidade, o inesperado, o imprevisto. Aliás, a realidade é apresentada não em sua complexidade, em sua diversidade e em seus conflitos, mas como uniforme e linear. A reali- dade seria tomada sempre como previsível. As pessoas seriam sempre iguais. O outro sempre corresponderia à minha expectativa. A repetição atua para produzir um mínimo de uniformização dos desempenhos e dos comportamentos de cada um. Ela automa- tiza nossas crenças, percepções e comportamentos. Aceitamos que o professor se mostre como lecionador, visto que se apresenta como único detentor do saber. Se as práticas de ensino e de aprendizagem prefácio prefácio 12 se mantêm semelhantes ao período do advento da escola, a outra parte – os alunos –, já não possui a mesma configuração. Os educandos não são mais classificados em “fracos e fortes”, capazes e incapazes, merecedores e não merecedores do direito ao espaço e à oportunidade de aprender. Nem as condições sociais e eco- nômicas, nem as condições físicas, sensoriais, intelectuais, psíquicas, neurológicas e motoras podem determinar o direito de acesso ou a exclusão escolar e educacional. A educação mudou: é direito de todos; é direito de cada um; é um direito público subjetivo, podendo ser reivindicada por vias po- líticas e judiciais caso o direito seja negado ou dificultado, em razão de barreiras de natureza físico-arquitetônica, de comunicação, dos recursos, métodos, instrumentos e programas pedagógicos, ou por razões ideológicas ou crenças discriminatórias da deficiência, das cir- cunstâncias e consequências da deficiência. Assim, a educação elitista e segregadora deu lugar à educação acessível a todos, a educação universal. A educação classificada como geral e especial deu lugar à educação inclusiva. A função de separar e classificar os alunos, rotulando-os como menos e mais capazes, dá lugar à de acolher cada um, valorizando suas potencialidades, sua linguagem, suas diferenças, bem como os instrumentos que ampliam suas possibilidades de aprender, de comu- nicar e de interagir socialmente. O professor deixa de ser concebido como um profissional que apenas transmite ou expõe o conhecimento e passa a ser valorizado por sua capacidade de organizar práticas pedagógicas desafiadoras prefácio prefácio Capítulo 13 prefácio para cada um dos alunos. Espera-se que o lecionador e o formador de uma turma pretensamente homogênea passe a ser o mediador da aprendizagem, das diferenças, instigando aspectos específicos da sen- sorialidade e da inteligência. Assumindo-se como mediador, o professor pode intervir nas lin- guagens, nos métodos, identificar as necessidades do aluno cego, sur- do e outros, assim como identificar as operações cognitivas, os estilos de raciocínio e de aprendizagem, o sentimento de competência de cada um, a capacidade de se planejar, de se organizar e de se autorre- gular, as habilidades de compartilhar aprendizagens e de confrontar pontos de vista e a busca por alternativas diferentes. A qualidade do trabalho do professor não é medida pela quantidade de conteúdo transmitido, mas pelas múltiplas interpretações e significações pro- duzidas pelo aluno singular. O professor inclusivo é aquele que promove mudanças na orga- nização das interações dos alunos. Se ele não os concebe enquanto uma turma homogênea, mas como pessoas singulares, então, articula o compartilhar dos aprendizados em duplas. Passa a privilegiar as tro- cas, as perguntas, as hipóteses levantadas e o processo, e não apenas os resultados, o trabalho final. Cabe ao professor inclusivo avaliar as condições de aprendizagem, as circunstâncias, as linguagens, as formas de comunicação de cada alu- no, identificando principalmente os canais, as janelas, as pistas senso- riais, os instrumentos que ampliam as capacidades de cada pessoa. O princípio da flexibilização significa a identificação de aspectos, conhecimento, canais, dimensões, ângulos, linguagens e recursos a se- rem utilizados pelo aluno, de acordo com suas possibilidades. O tempo prefácio 14 da aprendizagem é redimensionado, observando-se o ritmo, as formas de interpretação, as habilidades cognitivas, a capacidade de concentra- ção e os recursos de articulação e de manifestação de cada pessoa. Ter como desafio a educação inclusiva nos permite vislumbrar um mundo novo no qual todos esses aspectos estão presentes. Assim, esperamos que o leitor aproveite este livro e que possa transformar suas práticas sociais e educacionais. Os autores.* * Dinéia Urbanek é Especialista em Educação Especial e neuropedagoga pelo Instituto Brasileiro de Pós-Graduação e Extensão (IBPEX) e Especialista em Psicomotricidade pelo Instituto Xavier Cordeiro. Além disso, atua como professora em cursos de pós-gradua- ção, na área de formação de professores, e é diretora da Escola de Educação Especial Ecumênica e membro da comissão de ética da Fundação Ecumênica de Proteção ao Ex- cepcional. Tem experiência na área de educação, com ênfase em educação especial. Paulo Ross é Doutor em Educação Inclusiva pela Universidade de São Paulo (USP). Atua como professor e pesquisador na Universidade Federal do Paraná (UFPR), investigando a aprendizagem, os processos avaliativos e as práticas pedagógicas que promovem a valorização das diferenças e das capacidades de cada um dos alunos. Realiza palestras sobre inclusão de pessoas com deficiência no contexto escolar, social e do trabalho. prefácio prefácio unidade 1 unidade 1 Fundamentos Legais e Filosóficos da Educação Inclusiva 17 O mundo já não é do Estado, mas das pessoas, as quais podem organizar novos caminhos para resolver e atender as suas necessidades. A sociedade já não é voltada unicamente para produzir bens materiais, mas para beneficiar as pessoas, apoiar seus projetos de vida. Essas mudanças indicam um novo tipo de liberdade, ainda pou- co percebido. As pessoas ainda estão presas a rotinas de submissão, executando tarefas sobre as quais nunca se perguntaram quanto ao sentido da existência ou ao porquê de sua realização. Ninguém é mais chamado para produzir apenas tarefas repetitivas, nem pode mais ser avaliado apenas por aquilo que produz individualmente. Já existe uma liberdade para nos educarmos e trabalhar com apoios. As pessoas se educam estabelecendo novos significados no próprio cotidiano e tam- bém no de outras pessoas; do mesmo modo, trabalhamos para operar mudanças educativas nos ambientes e nas relações. Os novos tempos indicam uma crise dos sistemas hierárquicos ver- ticais de controle, da administração centralizadora, da produção social e econômica baseada apenas na competição, no lucro, na acumulação de riquezas materiais, na exploração de pessoas, na prostituição de crianças. É superada a dicotomia clássica entre Estado e sociedade civil, entre o público e o privado, entre a coletividade e o indivíduo, entre o adulto e o jovem ou entre o educador e o estudante, entre a teoria e o vivido, entre o presente e o futuro. O mundo vem se tornando grande e pequeno, homogêneo, hete- rogêneo e plural, articulado e multiplicado mediante o uso de recursos de voz, dados, imagens e de textos cada vez mais interativos. Os pontos Compreendendo a educação especial no cenário brasileiro 1 Educação Inclusiva FAEL 18 de referênciamultiplicam-se, deslocam-se, flutuam nos diferentes es- paços, dispensando os centros decisórios e globalizando os problemas sociais, políticos, econômicos e culturais. Nascem, assim, novas estruturas e nova ética, que aponta para a emancipação de todos os excluídos. É hora do seu protagonismo. Essa nova liberdade, no entanto, leva à perda das raízes. Mercados, mer- cadorias, moedas, capitais, empresas, projetos, tecnologias. Tudo se desenraíza, desloca-se além das fronteiras, línguas, bandeiras, moedas e tradições. Organizando-se, rapidamente as pessoas formam uma comunidade, uma estrutura de poder, rompendo as fronteiras do contexto em que vivem, influenciando e modificando as condições de educação e de trabalho de indivíduos singulares. As telecomunicações dão provas de algumas dessas novas condi- ções materiais, conferindo uma força propulsora à economia global e transformando as partes menores em mais poderosas. Há, portanto, instrumentos para acesso a todo tipo de informação, ao conhecimento de todas as ciências, do simples ao complexo, do superficial ao estrutu- ral, da aparência ao fenômeno, em suas causas e conexões. Conceber esse processo de inclusão escolar e inclusão social im- plica tomar o outro como pessoa dotada de capacidades, de maneiras e tempos de se comunicar, de recursos para produzir experiências, de emoções e conhecimento, além de sua própria história. Muitos pensam que uma limitação anatômica, fisiológica, psicológica e/ou psiquiátrica faz da pessoa menos ser humano, alguém inferior, alienado, condenado a permanecer à margem dos benefícios materiais, simbólicos e políticos compartilhados socialmente. Por que enxergamos na pessoa com deficiência apenas o que lhe falta? Ver o outro como a si mesmo é difícil? Trata-se de uma mudança atitudinal, um movimento de dentro para fora e de fora para dentro. São mudanças políticas, estruturais, culturais e éticas que podem confe- rir outra qualidade às vidas humanas. Essas mudanças podem produzir outros objetos de pesquisa, outros programas escolares, outras formas de organização dos alunos, outros vínculos entre as instituições escola, família, serviços públicos, empresas privadas. Tais mudanças podem conceber, ainda, outras crianças, outros jovens, outro adulto, outro professor, outro agente público, outra promotoria, outro trabalhador. Capítulo 1 Educação Inclusiva Capítulo 1 19 Leituras, cursos e debates podem contribuir, mas o fundamental é compartilhar situações reais de conhecer, interpretar, compor, jogar, brin- car, comunicar-se, proteger-se, frustrar-se, organizar-se, cooperar, etc. Iniciar um estudo sobre os fundamentos da educação inclusiva, realizando uma retrospectiva acerca da educação especial, nos conduz à compreensão dos aspectos políticos e econômicos que justificam as necessidades de transformações para contemplar os direitos individuais da diversidade humana. A história não é construída somente por fatos, acontecimentos, tampouco por atitudes espontaneístas ou voluntaristas, uma vez que todo marco ou notícia histórica implica o acúmulo de experiências, enfrentamentos, resistências, superações, transformações, enfim, um processo que se resume na categoria trabalho, realizado por homens e mulheres nas relações uns com os outros e com a natureza. Seguindo essa compreensão, identificamos na história alguns mar- cos importantes que oferecem um quadro claro dos fundamentos da educação especial, que se relacionam com o paradigma da educação inclusiva. Esses fundamentos podem clarificar ao educador qual socie- dade pretende formar. O paradigma da educação inclusiva nasce por consequência das ações políticas, culturais, sociais e pedagógicas dos cidadãos inconfor- mados com as formas capitalistas e segregadoras dos diversos segmentos da sociedade. Esses personagens saem em defesa do direito dos alunos de estudarem juntos, aprendendo, participando e desfrutando dos mes- mos espaços, sem nenhum tipo de discriminação. Histórico e suas relações com os paradigmas educacionais Era Pré-Cristã Na Idade Primitiva os homens produziam sua existência em co- mum, a vida se dava a partir das suas relações com a natureza, eles aten- diam a suas necessidades e produziam habilidades no limite da aridez e da dureza dessa existência. A concepção de atraso ou desvio, ou, ainda, Educação Inclusiva FAEL 20 deficiência, sempre esteve atrelada às heranças constitutivas individuais, determinando social e culturalmente diferentes valorações de homens e mulheres desde os primórdios da humanidade. Qualquer sociedade – neste caso, as tribos mais primitivas – era constituída por membros mais e menos capazes que a média da popu- lação. Assim, o modo como essas pessoas e suas debilidades individuais eram apreendidas e valoradas estava de acordo com o estágio de desen- volvimento das sociedades daquela época. Primitivamente, é possível que aqueles seres dotados de uma de- ficiência intelectual, cegos e surdos fossem aniquilados ou falecessem precocemente, embora muitos com pequeno comprometimento men- tal sobrevivessem e contribuíssem ativamente na comunidade. Isso se explica porque a produção da existência humana, relacionada com ativi- dades rudimentares que caracterizam uma sociedade em determinadas épocas, não exige maior complexidade de elaboração mental. Embora oferecesse e ainda ofereça resistência, a natureza não exigia ultrapassar os limites impostos individualmente à pessoa com pequeno compro- metimento intelectual. Por não exercer controle sobre a natureza e por se submeter às suas leis, os seres humanos passavam por uma “seleção natural”, em que so- mente sobreviveria o mais forte. Nesse sentido, o abandono das pessoas com deficiência era algo natural, não causando nenhum sentimento de culpa àqueles que continuassem a caminhada da vida. Essa possibilidade se restringia àqueles que dispusessem indivi- dualmente de forças para suplantar as resistências naturais. Não havia riqueza nem variedade de instrumentos que pudessem ampliar as ca- pacidades individuais. Para continuar existindo, era preciso que os in- divíduos oferecessem condições para produzir sua existência por meio do trabalho. Se o modo de produção da existência determinava a vida do homem, podemos inferir que as pessoas com deficiência não conseguiam vencer as agruras das relações entre si e a natureza. Grandes deslocamentos, intem- péries, trabalhos que exigissem força, destreza, habilidades físicas, além de outras adversidades, não eram compatíveis com as forças e recursos inerentes às pessoas que apresentassem algum tipo de deficiência. Capítulo 1 Educação Inclusiva Capítulo 1 21 Assumindo um pressuposto histórico-materialista, percebemos que, quanto maior foi na história a dependência dos homens em relação à natureza, menores foram as possibilidades de subsistência do ser humano e, por consequência, maiores os limites impostos às pessoas que apresen- tassem algum tipo de deficiência. Quanto mais diretas e imediatas eram as relações entre o ser humano e a natureza, menos instrumentos e téc- nicas que ampliassem suas capacidades eram produzidos, devendo cada indivíduo se bastar com suas forças biológicas naturais, ou seja, valer-se somente do corpo orgânico para produzir sua existência. Esse primitivismo centrado em uma linearidade da relação entre homem e natureza determinou impedimentos, deficiências e incapaci- dades irreversíveis, aniquilando as possibilidades de vida da maioria das pessoas com deficiência. Com isso, muitos foram eliminados por serem incapazes de se deslocar para a obtenção de alimentos em outro espaço geográfico sob outras condições climáticas. As incapacidades resultantes de deficiência ou impedimentos or- gânicos e funcionais acabavam se tornando um empecilho para esses indivíduosacompanharem o grupo social do qual faziam parte, res- tando-lhes a sina do abandono no curso do caminho, pois esta era a lei da natureza, a lei do mais forte. Essa prática devia ser assim e assim era cumprida, como ditavam os desígnios da natureza. Essa era, pois, a for- ma do homem se harmonizar com a natureza, rendendo-se às suas pró- prias limitações, que eram tomadas como forças naturais. A aceitação das limitações humanas, bem como a resignação quanto às resistências e forças naturais de um lado, e, de outro, a superação, transformação e subsistência de um conjunto de outros homens e mulheres, foram tomadas historicamente como seleção natural da espécie. O nomadismo que caracterizou determinadas sociedades significou a dependência da natureza, por meio da caça, da pesca e das cavernas onde era possível abrigar-se. Tais práticas também representavam empe- cilho para as pessoas com deficiência. Era vital que cada um se bastasse e colaborasse com o grupo, dadas as características imediatistas, locais e primárias de suas necessidades. No período histórico anterior à Idade Média, os seres mais gravemente afetados possivelmente não sobreviviam ao parto e os que conseguiam eram submetidos à prática de infanticídio. Educação Inclusiva FAEL 22 Em Esparta, as crianças com deficiência física ou mental eram consideradas subumanas. Sua eliminação e abandono estavam em con- sonância com os ideais atléticos, estéticos e de potência dos guerreiros. Tal ideal era fundamental para a formação, valorização e reconheci- mento do tipo de homem desejado: o guerreiro. Então, ao nascimento, ocorria a “eliminação” instantânea daqueles que não atendessem aos padrões desejados. Para Platão, os homens se dividiam em governantes, guerreiros e agricultores, cujas respectivas características de retórica e persuasão, força e coragem, destreza e habilidades manuais eram herdadas com o nascimento. Tais características seriam determinantes para a constitui- ção de diferentes sociedades. No modelo espartano, o corpo era destacado como fundante para o desenvolvimento das habilidades esportivas, de dança e exercícios de guerra. O vigor físico do corpo era, portanto, o ideal daquela socieda- de. Não é difícil prever que os indivíduos que não atendessem a essas exigências não lograriam o direito de sobreviver. Nesse caso, a exclusão das pessoas com deficiência se dava pela supervalorização do corpo em detrimento das capacidades e funções intelectuais. Já em Atenas, privilegiavam a filosofia, a retórica, a contemplação e o poder de argumentação, constituindo, assim, o perfil do ideal de homem e de sociedade. Os gregos, além de afirmarem a superioridade do trabalho intelectual, viam no ócio a pré-condição para conseguirem a virtude e o exercício das atividades políticas. Do mesmo modo, porém, por outras razões, as pessoas que apresentassem algum tipo de deficiência também eram excluídas do convívio entre os chamados “homens respeitáveis”, por sofrerem o estigma de serem consideradas incapazes de desenvolver boas ideias e boas virtudes. Era Cristã Na Idade Média, as pessoas com deficiência passaram a ser iden- tificadas, no entanto, não podiam ser atendidas em razão de limites estruturais e submissão a crenças de caráter sobrenatural. Por influên- cia da Igreja, esses indivíduos eram considerados produtos do pecado e do demônio. Com a hegemonia da noção de pecado, a teologia da culpa e as correntes do cristianismo ortodoxo, as pessoas com deficiência Capítulo 1 Educação Inclusiva Capítulo 1 23 se tornam culpadas da sua própria deficiência, justo castigo dos céus pelos seus pecados ou de seus ascendentes. Possuídos pelo demônio, justifica-se o exorcismo, as flagelações e tortu- ras (CECCIM apud SKLIAR, 1997, p. 27). Se de um lado as práticas de autoflagelo do corpo se prestavam à esperança da redenção dos pecados, de outro, qualquer diferença em nível físico-corporal ou mental significava fraqueza do indivíduo, situa- ção em que o mal se convertia em causa ou razão para oferta da carida- de. A oportunidade de oferecer caridade aos considerados desgraçados significava, naquele momento, que a “desgraça” de uns passava a ser instrumento de outros. Lidar com a terra, com a realidade, transformando a natureza segundo as necessidades humanas coincide com o que chamamos de trabalho. A essência humana e a própria existência só eram garantidas nessas condições. Possuir, portanto, necessidades humanas específicas, distintas daqueles que conseguiam extrair sua existência da natureza, significava o abandono à própria sorte. Com o advento da propriedade privada da terra, as pessoas marca- das por uma condição biológico-orgânica distinta não podiam sequer constituirem-se como trabalhadores (não proprietários). Havia um pres- suposto de harmonia entre as capacidades e necessidades do homem e os frutos e produtos gerados pela natureza. Os homens que se situavam nessa aparente harmonia venciam, na prática, as resistências naturais e, assim, educavam e formavam o mundo humano. Contudo, os que não atendiam às características dessa “normalidade” não se educavam porque não dispunham dos instrumentos necessários para produzir sua existência frente às adversidades do meio natural. Segundo Ross (1995, p. 45), “o desenvolvimento do homem ligava-se ao fato de ele ver os objetos de sua atividade. Se o objeto não estivesse ao alcance dos olhos não se pensava. Então, o ver era o determinante do pensamento”. O trabalho contemplativo não era direito desses sujeitos de neces- sidades diferenciadas, visto que era reservado aos proprietários de ter- ras, àqueles considerados homens livres. Nessa condição, eles detinham uma vida considerada pública, enquanto os não proprietários eram res- tritos às relações privadas, caracterizadas pela ausência de intercâmbios, pela carência material e pela inferioridade social. Educação Inclusiva FAEL 24 ReflitaReflita Não conseguir caçar ou manter a própria sobrevivência era conside- rado motivo para eliminar um homem do grupo social. Atualmente, como são consideradas as pessoas que não podem promover a pró- pria sobrevivência? ReflitaReflita A produção da existência centrava-se na atividade agrícola, exerci- da, então, pelos servos. O corpo orgânico e as atividades físicas conti- nuaram sendo a base dos instrumentos de que dispunham os homens para o trabalho. Os indivíduos se educavam na realização do próprio trabalho, portanto, de maneira difusa, espontânea e assistemática. Em contrapartida, a educação dos nobres, forma de ocupação do ócio, per- manecia secundária, apesar da existência das escolas paroquiais, cate- dralícias e monacais. A conquista da escrita representou a superação do predomínio da oralidade. O direito positivo significava a garantia da generalização das normas e a possibilidade de velar pela sua aplicação e cumprimento. A Idade Moderna foi caracterizada pelas grandes conquistas da burguesia. Sua ascensão foi produto do domínio e usufruto dos instrumentos que se produziam naquele momento histórico. O novo – a burguesia –, devia se opor ao velho, a aristocracia da Idade Média. Dados contemporâneos A evolução da história levou a humanidade a criar acordos hu- manitários de respeito e compreensão de todas as raças e credos, as- sim também o paradigma inclusivo está alicerçado na concepção dos direitos humanos, combatendo de frente todas as armadilhas de uma sociedade excludente. Quando a frequência à escola de ensino regular passa a ser tratada como um direito insubstituível de todos, efetiva-se a garantia de matrícula e permanência do indivíduo na instituição, em- bora não seja garantida também a qualidade no atendimento. Foi a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 10 de de- zembro de 1948, que uniu os povos do mundo todo, percorrendoe Capítulo 1 Educação Inclusiva Capítulo 1 25 influenciando os diversos segmentos da sociedade no reconhecimento de que, como consta em seu Artigo 1º, “todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciên cia e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade” (BRASIL, 1948). De forma geral, essa declaração assegura às pessoas com deficiência os mesmos direitos à liberdade, a uma vida digna, à educação fundamental, ao desenvolvimento pessoal e social e à livre participação na vida da comunidade da qual fazem parte. No século XVIII e meados do XIX, a evolução da ciência levou a sociedade a compreender as deficiências como doenças; embora ainda fossem consideradas incuráveis, identificava-se um movimento que tendia a segregar e proteger as pessoas com essas deficiências em instituições residenciais. Iniciou-se, então, um paradigma denomi- nado “institucionalização”, por meio do qual a sociedade procurou oferecer proteção e tratamento médico, provocando, com isso, a ex- clusão completa, mascarada pelos argumentos científicos, religiosos e assistencialistas. ReflitaReflita Você ainda toma as pessoas com deficiência como “coitadinhas” e, diante de alguma habilidade, considera-as gênios? Você se utiliza da caridade para com essas pessoas enquanto estratégia para ganhar crédito com Deus? ReflitaReflita Até a primeira metade do século XX, percebemos um retrocesso de concepções que propagam o retorno das pessoas com deficiência à fogueira. Nesse contexto, cabe à educação especial prevenir a periculo- sidade com relação às pessoas com deficiência intelectual, reduzir sua inutilidade, mantê-las sob vigilância e impedir a procriação. A partir dos anos 30 do mesmo século, o problema da deficiência intelectual é inserido nos planejamentos demográficos. Em 1936, mais de vinte Estados norte-americanos dispunham de legislação permissiva da este- rilização de “idiotas, imbecis e violadores”. Educação Inclusiva FAEL 26 A primeira tentativa de educar uma criança com deficiência foi do médico Jean Marc Itard (1774-1838), que após a Revolução Francesa conviveu com um menino de oito anos. Pela primeira vez era praticada uma observação metódica do aluno, conhecido como o caso “Selvagem de Aveyron”. O médico compreendia que a inteligência de seu aluno era educável, o que contradizia o diagnóstico de “idiota” dado pelo seu mestre Phillipe Pinel. Dessa forma, usava um método sistematizado para o ensino de deficientes. Aparentemente, o menino foi vítima de tentativa de assassinato: deixado em uma floresta para morrer, não possuía linguagem porque vivia em um mundo sem passado e sem futuro, sem memória e noção da própria identidade. A interpretação de Itard era baseada na obser- vação de que a criança possuía uma linguagem gestual, pela qual se fazia perfeitamente entender. O médico especializou-se, mais tarde, no órgão da audição e suas doenças. Tornou-se famoso em toda a Europa por suas pesquisas nesse ramo da medicina (FERNANDES, 2002). Entre as principais carac- terísticas da pedagogia itardiana da educação estão: considerar os repertórios comportamentais e sua produção; adequar materiais e graduar as instruções “[...] aos limiares perceptivos peculiares do órgão sensorial implicado” (PESSOTTI, 1984, p. 50). Tais características estão presentes atualmente nas práticas pedagó- gicas da educação especial. Com relação ao seu méto- do, Itard partiu de operações simples que consistiam em per- ceber semelhanças e diferenças em objetos, mediante processos de discriminação, generalização e abstração de suas proprieda- des, o que colaboraria para a for- Em 1797, um menino inteiramente nu foi visto na floresta de Lacaune fugindo do contato com as pessoas. Em 9 de janeiro de 1800, foi registrado seu aparecimento em um moinho em Saint-Sernein, distrito de Aveyron. Tinha a cabeça, os braços e os pés nus; farrapos cobriam o resto do corpo. Era um menino com cerca de 12 anos e 1,36m de altura, tinha a pele branca e fina, rosto redondo, olhos negros e fundos, cabelos castanhos e nariz comprido e aquilino. Victor não pronunciava nenhuma palavra e parecia não entender nada do que falavam com ele. Apesar do rigoroso inverno europeu, rejeitava roupas e, também, o uso de cama, dormindo no chão sem colchão. Quando procurava fugir, locomo- via-se apoiado nas mãos e nos pés, correndo como os animais quadrúpedes. Para saber mais, acesse: <http://www.educ. fc.ul.pt/docentes/opombo/cinema/dossier/me- ninoselvagem.pdf>. Saiba mais Capítulo 1 Educação Inclusiva Capítulo 1 27 mação de conceitos e o processo de alfabetização. Seu enfoque didático vai das operações concretas às formais, evidenciando que a satisfação ou redução de necessidades individuais do educando e a significação bioló- gica da atividade solicitada pelo treino devem estar em primeiro lugar. Outro médico a fazer história na educação especial foi Edward Seguin (1812-1880), que acreditava fielmente que a pessoa com deficiência po- deria aprender. Instigado pela história de Itard, criou o método filosó- fico de treinamento, que consistia em estímulos por meio de atividades físicas e sensoriais. Desenvolveu um método educacional e fundou, em 1837, uma escola para “idiotas”; foi também o primeiro presidente da atual Associação Americana sobre Retardamento Mental (AAMR). Seguin insistia em fazer observações cuidadosas do aluno, nada que pudesse representar uma violência às suas possibilidades psíquicas de- veria ser feito. Segundo ele, o docente deveria ter uma preparação cien- tífica cuidadosa e domínio de si mesmo. A primeira grande qualidade do professor de crianças denominadas anormais era, para o médico, a possibilidade de esperar as oportunidades certas para desenvolver as ini- ciativas internas dos alunos, e, a segunda, de saber aproveitá-las. Em 1898, Maria Montessori propôs uma abordagem para o traba- lho com a pessoa com deficiência intelectual, superando o tratamento dado pela medicina. A abordagem dada pela médica visava ao alcance da pessoa do educando, sua autoestima, autoafirmação, seus níveis de aspiração e sua autoconsciência (SKLIAR, 1997, p. 38). Montessori foi a primeira mulher a formar-se em medicina, demonstrou interesse por crianças desequilibradas, o que a levou a conhecer os trabalhos do doutor Itard, passando posteriormente a Edward Seguin, que lhe forne- ceu um material construído depois de anos de experiência, parecendo-lhe ser mais adaptado aos interesses da criança denominada anormal. No ano de 1898, Montessori defendeu que as crianças “anormais” precisavam muito mais de métodos pedagógicos do que da medicina. Assegurava que a esperança no desenvolvimento estava no professor, não na clínica. Era preciso que se criasse em volta do aluno um ambiente que o ajudasse. Ela foi a primeira a se manifestar contra a internação de crianças com esse problema em casa de saúde, acreditando e propagando a criação de escolas que aperfeiçoassem os métodos de Seguin e que, ao Educação Inclusiva FAEL 28 mesmo tempo, pudessem formar professores. Realizou grande esforço para que fosse fundada uma Escola Normal1 para mestres. Maria Montessori dedicou-se a crianças com comprometimento, mas desenvolveu seu trabalho também com aquelas consideradas nor- mais, percebendo que obtinha resultados positivos. Observou, ainda, crianças que brincavam na rua e criou espaços educacionais para elas. Como grande contribuidora da educação, criou o método Montessori de aprendizagem, composto, especialmente, por um material de apoio pelo qual a própria criança observava se estava fazendo as conexões corretas, baseado no uso sistemático de objetos concretos. Suas técnicas para o ensino dedeficientes intelectuais foram experimentadas em vá- rios países da Europa e da Ásia. As metodologias desses três estudiosos, durante o século XIX, fo- ram usadas para ensinar pessoas denominadas idiotas que estavam nas instituições, tentando chegar à cura e à eliminação das deficiências por meio da educação (SILVA apud POMBO, 1991). Abolir o fatalismo teológico era a meta; com esse resultado foi extinto o dogmatismo clerical, mas não se inaugurou o enfoque realista científico da deficiência. A característica altamente especulativa da medicina de então, ainda pré-científica, substituiu a autoridade do inquisidor ou do reformador pela do clínico, enquanto a argumentação ca- nônica e teológica cedia lugar à afoita classificação anatomofi- siológica dos pacientes, segundo quadros clínicos compostos, de costume, mais de acordo com a lógica e a semântica do que com a observação objetiva (PESSOTTI, 1984, p. 67). No século XX, as experiências pedagógicas já realizadas por Pestalozzi (1746-1827), Fröebel (1782-1852), Itard (1774-1838), Seguin (1812- 1880) e Borneville (seguidor de Seguin), Binet (1905), Maria Montessori (1870-1922) e Decroly (1871-1922) fundamentaram uma tendência que comprova a necessidade de resgatar a educação especial do domínio estri- tamente médico. A construção de um campo de responsabilidades, funda- mentos e ideias relativos a essa área de desenvolvimento humano produz como consequência mais imediata o incremento de programas educativos para os alunos com necessidades especiais; tais programas, no entanto, são considerados enquanto entidade à parte do sistema educativo geral. 1 Escola para formar professores. Capítulo 1 Educação Inclusiva Capítulo 1 29 O surgimento da educação especial é marcado, fundamentalmen- te, mediante as contribuições desses autores. Tais estudos mostraram a relação existente entre o tipo de inteligência, o grau de capacidades e habilidades com os tipos de experiências ambientais a que o indivíduo foi submetido. Esses resultados conduziram ao questionamento da no- ção estabelecida acerca da inteligência e do próprio ser humano como algo fixo e predeterminado hereditariamente em seu desenvolvimento. É importante destacar a crença na educabilidade, nas possibilida- des de a pessoa com deficiência aprender a comunicar-se, desenvolver hábitos, habilidades e atitudes para interagir socialmente e para pro- duzir alguma modalidade de trabalho. A distinção feita por Esquirol (1772-1840) entre loucura (perda irreversível da razão e suas funções, como doença) e idiotia revela um avanço em relação ao ponto de vista científico, pois confirma a ideia de educabilidade das pessoas com esses problemas, ao mesmo tempo em que abre caminho para uma nova forma de exclusão, na qual o rendi- mento educacional passa a ser o critério para tal. Alfred Binnet enfatizou a importância do diagnóstico psicológico, superando a importância dada anteriormente ao enfoque etiológico (es- tudo das causas orgânicas das deficiências), contribuindo, com isso, para romper com a determinação causal entre lesão orgânica e deficiência intelectual, demovendo a concepção de que qualquer desvio é aberração. Binnet, por meio dos testes de QI, quantificou graus de desempenho em relação à média das crianças de mesma idade em sua significação pedagógica. O QI se presta à classificação e aos diagnósticos, mas não às proposições e desafios. Com Binnet, a deficiência intelectual deixou de pertencer à medicina e passou a pertencer à psicologia, o que significou tirar tal deficiência dos asilos e hospícios e dar passagem à escola, espe- cial ou comum (PESSOTTI, 1984, p. 176-178). ReflitaReflita Você já abandonou a responsabilidade de buscar outras alternativas para a solução de problemas acreditando que não havia nada mais a fazer? ReflitaReflita Educação Inclusiva FAEL 30 Aparecimento da educação especial A primeira movimentação política para a democratização da edu- cação no Brasil teve início no século XIX (em 1824) quando foi pro- mulgada a primeira Constituição brasileira, defendendo em seus artigos a gratuidade da instrução primária para todos. Essa mesma Constitui- ção não explica de quem seria a responsabilidade pelo sistema e pelo processo educacional, eximindo o Poder Público desse compromisso. A criação de instituições para abrigar pessoas com deficiência, lou- cos, leprosos e outros doentes significava a materialização das formas mais avançadas de cuidar da nova ordem social. As pessoas que fugissem dos padrões biológicos da sociedade deveriam ser isoladas de modo a garantir o bom relacionamento entre as demais, nada poderia impe- dir a manifestação das vontades particulares. Havia, na época, grande propagação da nova ideologia emergente, isto é, da ideia de que todo indivíduo é livre. Se todos são livres, todos são iguais. Para preservar a igualdade dos indivíduos era necessário isolar aqueles que pudessem causar distúrbio ou impedimento à manifestação da vontade particular. Tanto a Igreja quanto a burguesia, no Brasil e no mundo, esfor- çavam-se para a realização desse processo de isolamento e segregação das pessoas diferentes ou doentes. Com efeito, a Igreja se aproveitava da existência dessas instituições para colocar em prática suas ações caritativas e assistencialistas, logrando, desse modo, a ampliação de seu grau de influência na sociedade. Estendendo sua caridade e sua assistência, viabilizava a manutenção de seu poder. Nesse sentido, confundiam-se as ações de ajuda e a necessidade de reprimir, o dever de caridade e a vontade de punir. Tais práticas equivocadas são justi- ficadas pelo seu sentido, isto é, a necessidade de isolar. Tal isolamento é simbolizado pelos leprosários da Idade Média, que estiveram vazios durante a Renascença, sendo reativados durante o século XVII. No Brasil, a educação especial teve seu pioneirismo na época do Império; as duas primeiras instituições foram criadas no Rio de Janeiro. Em 1854, foi criado o Imperial Instituto dos Meninos Cegos, atual Ins- tituto Benjamin Constant – IBC, e, em 1857, o Instituto dos Surdos Mudos, atualmente denominado Instituto Nacional da Educação de Capítulo 1 Educação Inclusiva Capítulo 1 31 Surdos. Já em 1926, foram privilegiadas pela primeira vez pessoas com deficiência intelectual a partir da criação do Instituto Pestalozzi e, em 1945, também pioneiramente, surgiu no mesmo instituto atendimento especializado para pessoas com superdotação. A Apae teve seu início nessa época, com a inauguração, em 1954, de sua primeira instituição. Segundo Mazzotta (1996, p. 29), essas instituições representaram um avanço no atendimento a pessoas com deficiência, embora ainda de maneira precária para a situação em que o país se encontrava. Em 1872 existia uma população de 15.848 cegos e 11.595 surdos, os primeiros, no entanto, eram atendidos em número de 35, e os segundos, em 17 nas instituições. Evidenciava-se, nesta época, maior atenção às pessoas cegas e surdas e pouca preocupação com os deficientes físicos e intelectuais. No século XVIII ficava evidente algo que se repete em nossos dias: não há mais lugar para a irresponsabilidade social e política diante da deficiência intelectual mas, ao mesmo tempo, não há vantagens, para o poder político e para o comodismo da família, em assumir a tarefa ingrata e dispendiosa de educá-lo (PESSOTTI, 1984, p. 24). A evolução da ciência proporcionou o entendimento de que a deficiência não deveria implicar incapacidade. Surgiu, então, o princí- pio da normalização, supondo a existência de uma “condição normal” de vida das pessoas. Paralelamente, apareceu o conceito de integra- ção, segundo o qual as pessoas com deficiência deveriam ser tratadas de maneira semelhante às demais e juntas. Fundamentado, então, na normalização e integração,o paradigma de serviço foi gerado com o objetivo principal de ajudar as pessoas com deficiência a obterem uma existência mais próxima do normal, disponibilizando a elas pa- drões e condições de vida cotidiana próximos às normas e aos padrões da sociedade. Reconhecia-se que a pessoa diferente tinha o direito à convivência social desde que pudesse ser modificada, ajustada e prepa- rada, funcionando da maneira mais semelhante possível em relação aos demais membros da sociedade. Após diferentes lutas políticas e sociais, as pessoas que não apre- sentassem condições psíquicas, intelectuais, físicas, sensoriais, culturais, emocionais ou econômicas ainda eram deixadas à margem da educação. Educação Inclusiva FAEL 32 Participar de um mundo em que se pudesse ter acesso a todos os re- cursos de que a sociedade dispunha era um privilégio de poucos. Desse modo, foi reservado um espaço “especial” para as pessoas que não fos- sem “normais”, como forma de substituir a educação regular. Surgiram os centros de reabilitação, clínicas especializadas, classes especiais, as leis para organizar os serviços prestados e as escolas especiais, oferecendo serviços de avaliação, intervenção e acompanhamento. Dica de Filme Assista ao filme A história de Brooke Ellison. Brooke é atropelada e, após passar dias inconsciente, desperta aos poucos para sua nova realidade: está tetraplégica. Com o apoio da família e amigos, ela tentará romper barreiras consideradas intransponíveis para as pessoas na sua condição. Sob a dire- ção de Christopher Reeve e com roteiro elaborado por Camille Thomasson, o longa é baseado no livro de Brooke Ellison e Jean Ellison. A HISTÓRIA de Brooke Ellison. Direção de Christopher Reeve. Estados Unidos: L.I.F.T. Production/Jaffe/Braunstein Films Ltd.: Dist. A&E Television Networks/Sony Pictures Home Entertainment, 2004. 1 filme (90 min.), sonoro, legenda, color. Dica de Filme A ideia da normalização passou a ser o foco dessas instituições, as- sim, surgiram as contribuições das áreas clínicas, que apareceram na edu- cação com o intuito de ajudar a normalizar as pessoas com deficiência, como forma de integrá-las à sociedade. Os currículos escolares eram subsidiados por conteúdos reabilitacionistas, reservando ao professor a tarefa de auxiliar a área clínica em seus serviços, uma vez que não se entendia que o sujeito pudesse aprender independente de sua condi- ção, mas que era necessário primeiro prepará-lo por meio de treinos e depois educá-lo. Quanto às pessoas com deficiência intelectual, considerava-se que somente com as infinitas repetições de exercícios poderiam superar suas dificuldades e vir a aprender, o que lhes tolhia a condição de indivíduos pensantes. Ao receber um diagnóstico de deficiência intelectual a pessoa Capítulo 1 Educação Inclusiva Capítulo 1 33 estava fadada a não mais ser considerada como alguém que pudesse exis- tir enquanto sujeito, com desejos, vontades e opiniões próprias. O que atualmente é considerado um movimento excludente, na época era visto como um grande avanço, afinal, se a sociedade não tives- se evoluído para o modelo normalizador e integracionista, atualmente estaríamos ainda discutindo a organização e elaboração de leis para ga- rantir os direitos humanos. Um exemplo disso foi a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacioal (LDBEN) n. 4.024/61 (BRASIL, 1961), que assegurava a educação aos “excepcionais” preferencialmente no sistema geral de ensino. Na sua reformulação, em 1971, com a Lei n. 5.692/71 (BRASIL, 1971), não foram constatadas novidades procedimentais e conceituais com relação à inclusão, ao contrário, sustentou-se a ideia de inserir os alunos com deficiência em classes e escolas especiais, sob o mesmo olhar assistencialista. Em 1973, foi inaugurado o Centro Internacional de Educação Es- pecial no Brasil – CENESP, influenciado por uma forte vertente segre- gadora. Em 1986, foi criada a Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência e, em 1990, a Secretaria Nacional de Educação Básica assumiu a responsabilidade pela implementação da Política de Educação Especial (MENDES, 2001). Em 1957, o Governo Federal criou campanhas voltadas às pessoas com deficiência, a primeira foi para a educação do surdo brasileiro, a se- gunda, em 1958, destinada à educação e reabilitação do deficiente da visão e, em 1960, aos deficientes intelectuais, com o objetivo de promover medi- das necessárias para a educação e assistência ( MAZZOTTA, 1996, p. 52). Em 1960, ocorreu o maior crescimento de criação de escolas espe- ciais, chegando, em 1969, a 800 estabelecimentos. No ano de 1962, a Apae já contava com 16 instituições e criou a Federação Nacional das Apaes, realizando, em 1963, seu primeiro congresso. Em 1967, a Socie- dade Pestalozzi do Brasil também já possuía 16 instituições espalhadas pelo país (MENDES, 1995). Assim, houve um crescimento significati- vo das instituições privadas sem fins lucrativos, isentando o Estado de assumir as pessoas com deficiência na rede pública. No fim da década de 60 do século XX, a partir dos trabalhos reali- zados por Dunn (apud ILLAN ROMEU, 1992, p. 25), acentuou-se a polêmica entre os defensores da educação especial segregada e aqueles Educação Inclusiva FAEL 34 que levantam suas inconveniências no momento de recorrer ao sistema educativo regular. Embora a escola especial e a escola comum tenham construído caminhos paralelos e separados, o caráter seletivo de ambas as institui- ções pode ser considerado traço comum. A escola comum tradicional exercia essencialmente a função de selecionar aqueles que eram capazes de responder adequadamente às necessidades produzidas em cada con- texto social, econômico e político. De outro lado, a instituição especial ocupava-se da função segregadora daqueles considerados menos capa- zes, os quais deveriam se submeter a atendimentos especializados. A segregação como estratégia para a escolarização básica dessas pes- soas seguia os requisitos do modelo clínico centrado no deficit, tendo sido predominante em toda a Modernidade até a segunda metade do século XX. Tal modelo era centrado em uma concepção inatista e estáti- ca do ser humano, segundo a qual não havia uma expectativa educativa para aqueles que apresentassem deficit, carências ou limitações de ordem biológica, física e sensorial. Desde a Idade Média a deficiência vem sen- do tomada como elemento retardador da ordem social. Neste século, o advento das técnicas psicométricas reforçou o caráter estático e classifi- catório com respeito aos indivíduos que apresentassem tais diferenças. Na década de 70 do século XX, começou a se considerar nos países desenvolvidos que a necessidade de habilitação e de reabilitação não justificava adiar, a critério e intervalo indefinidos, o momento da in- tegração, pois os avanços na medicina, novos conhecimentos na área da educação, avanços tecnológicos (aproximando os povos e dissemi- nando rapidamente as informações), as sofisticações técnico-científicas (aumentando a possibilidade de sobrevivência das pessoas) e a reflexão sobre a necessidade da união dos povos para a preservação do planeta começaram a exigir um mundo democrático, que combatesse as práti- cas discriminatórias com políticas públicas alicerçadas nos preceitos dos valores humanos. Surgiu, então, o paradigma de suporte, segundo o qual a socie- dade prepara-se para receber todas as pessoas, independente de suas condições pessoais, culturais ou credos, buscando a construção coletiva do espaço social e possibilitando a livre manifestação das pessoas com deficiência, passando, assim, por uma verdadeira transformação. Capítulo 1 Educação Inclusiva Capítulo 1 35 A superação dos modelos segregacionistas inicia-se com a constru- ção teórica, que ao invésde enfatizar os fatores natos, deixa de conside- rar o deficit como estável ao longo do tempo e passa a tomá-lo a partir das necessidades circunstanciais geradas nas diferentes relações sociais produzidas pelos sujeitos. Essa pedagogia histórico-crítica enfatiza os processos de aprendizagem sobre o processo de desenvolvimento. As situações de aprendizagem passam também a constituir-se enquanto critério de avaliação da deficiência. As exigências cada vez maiores para inclusão escolar implicam novos processos de formação de professores e modificações na organi- zação institucional. Os modelos segregacionistas são postos em xeque à medida que as causas do fracasso escolar passam a ser identificadas fundamentalmente nos fatores sociais, culturais e pedagógicos, con- tribuindo para repensar as fronteiras entre normalidade e deficiência, prestando-se, do mesmo modo, ao questionamento acerca dos limites da escola comum e especial. No momento em que a própria escola especial passa a ser objeto de avaliação, sofrendo a exigência da apresentação de resultados quan- to à integração social e laboral de seus alunos, entram em crise suas funções e objetivos, além do próprio modelo de educação segregada. Ao se concentrar nas necessidades educacionais que os alunos possam apresentar em determinados momentos e não nos deficits ou caracte- rísticas diferenciais, a constituição do modelo anteriormente citado passa a ser orientada por uma concepção não inatista, mais dinâmica de homem e de educação. Contudo, a crítica ao modelo especializado de atendimento, so- mada às pressões sociais e políticas, resulta na formulação de princí- pios que vão se disseminando por todas as regiões a partir dos anos 60 do século XX. Pretendia-se que a escolarização de todos os alunos, realizada integralmente nas mesmas instituições, fosse uma questão de cidadania e não resultado de boas intenções ou de atos samaritânicos. Proclamou-se, assim, que o deficit podia ter sua origem na estimulação ambiental e no próprio processo de aprendizagem, e não necessaria- mente na herança ou estrutura genética dos indivíduos. Com a proli- feração desses princípios, foram incorporados à educação das pessoas com esses problemas os conceitos de adaptação social e dificuldades de Educação Inclusiva FAEL 36 aprendizagem. A partir dos anos 70 do século XX, a crise dos mode- los segregacionistas foi mundialmente rompida, firmando-se com força cada vez maior o modelo da integração educacional. No Brasil aconteceu nessa época a institucionalização da educação especial quanto aos planejamentos e às políticas públicas, com a criação do Centro Nacional de Educação Especial, em 1973. No entanto, a prática da integração social viria a ter maior impulso apenas a partir dos anos 80 do século XX. De acordo com o Projeto Escola Viva (BRASIL, 2000c), politica- mente, este princípio determinou que cada instância da atenção pública identificasse a situação da pessoa com deficiência, as providências neces- sárias para garantir o seu acesso imediato e a sua participação nos serviços e recursos disponíveis em cada área dessa atenção. Determinou-se, ainda, que se tornassem disponíveis os suportes necessários para favorecer tal acesso e participação, e promovesse a capacitação de recursos humanos para administrar a atenção pública em uma comunidade inclusiva, além de favorecer a conscientização dos cidadãos, de maneira geral. Essas providências foram constituídas nas primeiras ações efetivas no país, do ponto de vista político do paradigma de suporte, para ga- rantir que a pessoa com necessidades especiais pudesse ter acesso a todos os recursos dos quais a sociedade dispunha, independentemente do tipo de deficiência que apresentasse ou do grau de seu comprometimento. Na educação, era determinado que as matrículas e permanência fossem garantidas, independente dos suportes que a pessoa viesse a precisar. Esse conjunto de acontecimentos abriu caminho para uma nova concepção de educação em que a filosofia da normalização e da integra- ção se converteu em fonte inspiradora de grandes transformações que alcançaram não apenas a educação especial como também o Sistema Educativo Regular. A rejeição às pessoas com deficiência era tida como uma forma de defender a sociedade e os poderes políticos instituídos, valendo-se dos institutos da disciplina, ordem, norma positiva e hierarquia. A ciência médica serviu historicamente para sancionar os poderes socialmente instituídos, prescrevendo aos idiotas e imbecis a prisão domiciliar. O discurso da medicina, fazendo a mediação entre a sobe- rania (a ordem do direito, as normas públicas) e a disciplina Capítulo 1 Educação Inclusiva Capítulo 1 37 (enquadramento, seleção e separação normal – anormal) teve na deficiência intelectual a expressão do furor normalizador (CECCIM apud SKLIAR, 1997, p. 46). A inclusão de serviços de psicologia, fisioterapia, fonoaudiologia e outros expressou avanços e aplicação social e humana das ciências, mas, ao mesmo tempo, conferiu à educação especial contornos fundamen- talmente clínicos, invadindo as fronteiras do campo da saúde e pondo às claras sua indeterminação científica, profissional e política. Não era possível, contudo, abster-se do atendimento às crianças que apresentassem as mais variadas dificuldades, fossem elas de ordem educacional ou de outra ordem. Ocorre que, historicamente, a educa- ção especial prescreveu autoritariamente seus serviços, sem levar em conta a condição de sujeito histórico de seus alunos, que poderiam ser reais interlocutores para a definição de objetivos e conteúdos que vies- sem compor o programa educacional. A exemplo disso, aos surdos foram prescritas ações para recu- perar-lhes possíveis resíduos auditivos, além de sua oralização. Para os cegos priorizava-se o trabalho com produtos artesanais, aos paralisados cerebrais ficavam reservados os procedimentos e técnicas para minimi- zação de suas sequelas motoras. Ainda que, parcialmente, essas necessidades fossem reais, sua ado- ção foi sempre arbitrária e unilateralmente imposta. E, mais do que isso, parte dessas ações poderiam ser desempenhadas no campo da saúde ao invés de se desenvolverem no campo da educação. Tal distorção pode ser explicada, porém não é lógica nem coerente, devido à questionável qualidade dos serviços públicos de saúde oferecidos à maioria de nos- sa população, o que exigiu que a educação especial passasse a abarcar certos problemas rudimentares como se fossem de sua alçada. Outro elemento fundamental que contribuiu para a não consolidação do ca- ráter educacional da educação especial foi a ênfase em procedimentos, técnicas e atividades pedagógicas especiais aos alunos, tidas como ne- cessárias para atender a suas especificidades ou peculiaridades intrín- secas, secundarizando, desse modo, o papel do professor como aquele responsável pela direção do processo pedagógico e do trabalho com os saberes clássicos já acumulados historicamente pela humanidade. Educação Inclusiva FAEL 38 Enquanto o velho capitalismo industrial buscava a homogeneiza- ção de trabalhadores para o aumento dos índices de eficiência e produ- tividade, a educação especial cumpria o papel de isolamento daqueles cujas expectativas econômicas eram praticamente nulas. Na medida em que se materializava a separação entre planejamento e ação, entre teoria e prática e entre concepção e trabalho nas relações produtivas no modo de produção capitalista, a educação especial confirmava essa dicotomia a partir da concentração na oferta de serviços de treinamento para o trabalho com forte conotação mecanicista e fragmentada. O desenvolvimento tardio do processo de industrialização no Bra- sil, aliado aos processos políticos centralizadores guiados pela dualida- de nacionalização e internacionalizaçãoda economia, característico a partir dos anos 30 do século XX, determinou certas especificidades na construção da história da educação especial brasileira. A pessoa com deficiência foi vítima das concepções mecanicistas que não a situavam enquanto sujeito que se humaniza e se desumaniza em meio a circunstâncias sociais. Nesse sentido, deficiência sofreu valo- rações éticas de acordo com determinações concretas e historicamente produzidas em cada sociedade, não sendo a priori resultado da retórica, iluminação ou idealismo presente na cabeça dos homens. O pressuposto que explica o caráter dinâmico das tecnologias cons- truídas no campo da educação especial e em torno da deficiência fun- damenta-se em sua historicidade, ou seja, na medida em que se amplia e se diversifica a população abarcada por essa educação e na medida em que as ideias de educabilidade e de cidadania se corporificam em práticas concretas, são concebidos novos conceitos e novas terminologias para dar conta dessa nova realidade. Ao se explicitar os vínculos entre a criação de instituições para levar a cabo a educação dessas pessoas e os determinan- tes sociais, econômicos, políticos e culturais, é evidenciado o processo contraditório de participação e exclusão social dessas pessoas. Aspectos legais No Brasil, a educação como um direito de todos e a igualdade de condições de acesso e permanência na escola, ofertando atendimento educacional especial preferencialmente na rede regular de ensino, é um mérito conquistado com a reformulação da Constituição Federal, em Capítulo 1 Educação Inclusiva Capítulo 1 39 1988, explicitado nos Artigos 205, 206 e 208. Historicamente, tam- bém nesse momento a defesa dos direitos das crianças e dos adolescen- tes passa a ser o foco das discussões nacionais, dando início ao Estatuto da criança e do adolescente, Lei n. 8.069/90, que em seu Artigo 55 de- termina que os pais ou responsáveis têm a obrigação de matricular seus filhos no ensino regular (BRASIL, 1990). A Lei n. 7.853/89 (BRASIL, 1989) garante a educação especial na escola pública e determina, no item “c”, a sua oferta obrigatória e gratuita em estabelecimentos públicos de ensino, prevendo pena de reclusão de 1 a 4 anos para quem recusar, suspender ou cancelar sem justa causa a ins- crição de aluno em estabelecimento de ensino de qualquer curso ou grau, público ou privado, por motivos derivados da deficiência que porta. Na década de 90 do século XX, começaram no Brasil as discussões em torno do novo modelo de atendimento educacional denominado in- clusão escolar. Esse novo paradigma surgiu como uma reação contrária ao processo de integração e sua efetivação prática gerou muitas controvérsias e discussões, pois não se podia garantir a existência de um espaço inclusi- vo apenas colocando o deficiente na rede regular de ensino, mas, sim, por meio de preparação para dar conta de trabalhar de maneira democrática a diversidade que se encontrava e se encontra em seu interior. O Brasil optou pela construção de um sistema educacional inclu- sivo ao concordar com a Declaração Mundial de Educação para Todos, firmada em Jomtiem, na Tailândia, em 1990. Em 1994, promovida pelo governo da Espanha e pela Unesco, foi realizada a Conferência Mundial sobre Necessidades Educacionais Especiais, que produziu a Declaração de Salamanca, tida como o mais importante marco mun- dial da educação inclusiva. Tal declaração alicerça as discussões para criação de novos encaminhamentos no país, proclama que as escolas regulares com orientação inclusiva constituam os meios mais eficazes de combater atitudes discriminatórias e que alunos com necessidades educacionais especiais tenham acesso à escola regular. Em seu parágrafo 15, a declaração esclarece que: A educação integrada e a reabilitação apoiada pela comunida- de representam dois métodos complementares de ministrar o ensino a pessoas com necessidades educativas especiais. Am- bas se baseiam no princípio da integração e participação e Educação Inclusiva FAEL 40 representam modelos bem comprovados e muito eficazes em termos de custo para fomentar a igualdade de acesso das pes- soas com necessidades educativas especiais, que faz parte de uma estratégia nacional cujo objetivo é conseguir a educação para todos (UNESCO, 1994, p. 29). Ainda no ano de 1994, foi publicada a Política Nacional de Edu- cação Especial, orientando a integração nas classes comuns do ensino regular das crianças que podiam acompanhar a aprendizagem no mes- mo ritmo que os outros alunos. Finalmente, em 1996, a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educa- ção Nacional, n. 9.394/96, em seu Art. 59, afirma que: Os sistemas de ensino assegurarão aos educandos com neces- sidades especiais: I – currículo, método, técnicas, recursos educativos e organi- zação específicos, para atender às necessidades especiais; II – terminalidade específica para aqueles que não puderem atingir o nível exigido para a conclusão do ensino fundamen- tal, em virtude de suas deficiências, e aceleração para concluir em menor tempo o programa escolar para os superdotados; [...] (BRASIL, 1996). O Capítulo V dessa lei trata especificamente da educação espe- cial, expressando no Artigo 58 que ela deve ser oferecida preferen- cialmente na rede regular de ensino e, quando necessário, deve haver serviço especializado. ReflitaReflita Pensando no papel do docente, procure responder as questões a seguir, anotando suas ideias. • Como seria ter um aluno com deficiência em sala de aula? • Que reação, enquanto professor, você teria hoje se recebesse um alu- no com graves comprometimentos? • Quais os primeiros obstáculos que enfrentaria para possibilitar sua inclusão? ReflitaReflita Capítulo 1 Educação Inclusiva Capítulo 1 41 A primeira grande questão constatada na história da ressignificação da educação especial, nesse período, foi descobrir qual o seu papel, uma vez que a rede regular de ensino entra com sua importante contribui- ção. Árdua tarefa coletiva foi essa, na década de 90 do século XX, que envolveu valores, formação pessoal, concepções teóricas e posiciona- mentos políticos dos diversos personagens da educação. Evidenciou-se que somente após essas grandes discussões junto à Secretaria de Edu- cação foi possível a reorganização efetiva do trabalho pedagógico. No decorrer desse período, a organização curricular da educação especial torna-se mais clara, deixando de sofrer fortes influências da área clíni- ca, que se configura como elemento importante, entretanto, separado da escola especial enquanto objeto de estudo, tendo a incumbência de reabilitar áreas lesadas, enquanto a educação dirige seus esforços para potencializar áreas não lesadas. O encaminhamento educacional da escola passa, portanto, por mudanças de concepção diretamente refletidas na prática pedagógi- ca. A equipe técnico-pedagógica começa a encontrar um novo menu de atividades e estratégias para atingir a potencialização do educando, podendo constatar, com isso, melhoras no desenvolvimento cognitivo. Essas experiências começam a sair das escolas especiais e percorrem as escolas regulares, contribuindo com a ação dos docentes para todos os alunos, não só para o especial. É ressaltada a preocupação das equipes com a aprendizagem dos alunos incluídos, trazendo sérios desconfortos em meados dos anos 90 do século XX e início deste milênio, que preconizaram inúmeros cursos de capacitação para educadores, desmistificando a necessidade de reabi- litação como condição de ingresso no sistema regular de ensino. A discussão acerca do papel da educação especial e da rede regular para uma pessoa que tenha deficiência passou a ter espaços cada vez maiores em encontros como conferências e congressos, visto que ambas têm a incumbência de possibilitar a educaçãointegral, assim como de apresentar as estratégias eficazes de aprendizagem. Isso aconteceu tendo em vista as várias experiências acumuladas entre os educadores ao longo desse período, que não podem ser desprezadas ou desvalorizadas. Não se trata de levar a escola especial para dentro da regular, nem o inverso, mas, sim, de criar um terceiro modelo escolar, a escola como comu- nidade de ensino inclusivo, que não é a de ensino regular, nem a de ensino especial, com seus modelos reabilitadores. Educação Inclusiva FAEL 42 No ano de 2001, surgiram as Diretrizes Nacionais para a Educação Es- pecial na Educação Básica, (BRASIL, 2001b), Parecer n. 17/2001, propon- do, nas ações em âmbito político, vaga a todo e qualquer aluno, condições para o sucesso escolar de todos, elaboração do projeto político-pedagógico orientado pela política da inclusão e, entre outros itens, uma inclusão pla- nejada, gradativa e contínua. Entretanto, a ideia do ensino regular poder ser substituído pelo especial continuou sendo sustentada. O Plano Nacional de Educação – Lei n. 10.172/01 (BRASIL, 2001c) destaca as dificuldades da oferta de matrículas para alunos com deficiência no ensino regular, assim como da formação docente, da acessibilidade físi- ca e do atendimento educacional, estabelecendo objetivos e metas a fim de favorecer o atendimento às necessidades educacionais especiais do aluno. Em 2001, surge um documento internacional com forte re- percussão na educação brasileira, que explicita os direitos de pes- soas com deficiência à não discriminação. Trata-se da Convenção da Guatemala, de 1999, promulgada nacionalmente pelo Decreto n. 3.956/01 (BRASIL, 2001a), exigindo a promoção das eliminações das barreiras que impedem o acesso da pessoa com deficiência à socie- dade, da qual vários países sul-americanos são signatários, inclusive o Brasil. Este documento sustenta que a pessoa com deficiência não pode receber tratamentos diferenciados que impliquem exclusão ou restrição ao exercício dos mesmos direi- tos que as demais pessoas têm. Os tratamentos diferenciados somente são válidos se a pessoa com deficiência puder recusá-los. Dessa forma, os atendimentos especializados não podem impe- dir o acesso de alunos com de- ficiência às escolas regulares de educação fundamental. Pensar em uma grande modificação deve contemplar a forma- ção dos docentes, uma vez que são eles os responsáveis por transfor- mar este painel brasileiro. O Conselho Nacional de Educação, CP n. 01/02, reconhece essa premissa ao estabelecer as Diretrizes Cur- riculares Nacionais para Formação de Professores da Educação Básica, Para compreender melhor a orientação do Ministério da Educação acerca dos encaminha- mentos da educação inclusiva, leia na ínte- gra as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica, acessando o link <http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/ diretrizes.pdf>. Saiba mais Capítulo 1 Educação Inclusiva Capítulo 1 43 exigindo que as instituições de cursos superiores voltem seu olhar a um currículo que contemple as necessidades educacionais especiais e a diversidade na educação. Em 2002 foi o momento de privilegiar as pessoas com barreiras na comunicação por meio da publicação da Lei n. 10.436 (BRASIL, 2002), que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais – Libras, garan- tindo no Art. 2º, por parte do Poder Público, formas institucionaliza- das de apoiar o uso e a difusão como meio de comunicação objetiva e de utilização corrente das comunidades surdas do Brasil. A garantia da inclusão de surdos nos cursos de formação de educação especial, de fonoaudiologia e de magistério, em nível médio e superior, fica resguar- dada no Artigo 4º e determinada ao sistema educacional federal e aos sistemas educacionais estaduais, municipais e do Distrito Federal. Em 2003, é implementado pelo MEC o Programa Educação Inclusi- va: direito à diversidade, que forma gestores e educadores para o desenvol- vimento de sistemas educacionais inclusivos, com o objetivo de auxiliar na construção de sistemas estaduais e municipais com ênfase na orientação da formação docente e organização de atendimentos especializados. Ainda no mesmo ano, é publicada a Lei n. 10.690/03 (BRASIL, 2003), que trata de uma série de assuntos, como isenção de Imposto Sobre Produtos Industrializados – IPI – para a aquisição de automó- veis de passageiros para pessoas com deficiência física, visual, mental, severa ou profunda, ou autistas, diretamente ou por intermédio de seu representante legal. No final de 2004, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão lança um documento, intitulado O Acesso de Alunos com Deficiência às Escolas e Classes Comuns da Rede Regular, com o objetivo de apresentar a le- gislação brasileira, oferecendo à sociedade instrumentos para a construção de sistemas educacionais inclusivos, e de assegurar o direito da participa- ção na escola regular. Tal documento gerou grande polêmica nas institui- ções especializadas, visto que sua interpretação causava ameaças e retalia- ções sobre a continuidade da prestação de serviços por elas realizados. As instituições que apoiaram o documento esclareceram em nota pública que as crianças e os adolescentes com deficiência têm direito ao ensino fun- damental obrigatório, que não deve ser confundido com o atendimento educacional especializado/educação especial (INTEGRANDO, 2005). Educação Inclusiva FAEL 44 Ainda em 2004, é também editado o Decreto n. 5.296/04, que regulamenta a Lei n. 10.048/00 (BRASIL, 2000a), que dá priorida- de ao atendimento às pessoas com deficiência, e a Lei n. 10.098/00 (BRASIL, 2000b), que estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida, com o objetivo de promover a acessibi- lidade urbana e apoiar ações que garantam o acesso aos espaços pú- blicos. Esse decreto representa mais um grande passo na conquista dessas pessoas. Nesse mesmo período são efetivadas mudanças no instrumento de pesquisa do Censo, que passa a registrar a série ou o ciclo dos alunos identificados no campo da educação especial, possibilitando monitorar o percurso escolar, o que não acontecia anteriormente. O Decreto n. 5.626/05 (BRASIL, 2005), que regulamenta a Lei n. 10.436/02, institui a Libras como disciplina curricular, a formação e a certificação do professor, instrutor e tradutor/intérprete de Libras, a língua portuguesa como segunda língua para os surdos e a organização da educação bilíngue no ensino regular. Outra especificidade de aprendizagem a ser contemplada refere-se às pessoas com altas habilidades/supedotação, que precisam de flexibili- dade nas aulas para que suas necessidades particulares sejam atendidas, o que os coloca como parte do grupo que tem de ser incluído na rede regular de ensino. O MEC explicita sua preocupação com esse aluna- do ao perceber que a sua identificação ainda deixa a desejar, além da qualificação profissional dos professores para esse fim. Essa situação justificou, em 2005, a implantação de núcleos de atividades de altas habilidades/superdotação no país. A Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com De- ficiência foi aprovada em 2006 pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU). Além de reconhecer e garantir os direitos das pessoas com deficiência, proíbe a discriminação em todos os as- pectos da vida, como educação, saúde, acesso à Justiça e ao transporte. São quarenta artigos que destacam a garantia de autonomia e da parti- cipação efetiva dessas pessoas na discussão das políticas públicas de seu país, além das condições de acessibilidade, como equipamentos que facilitem a independência do indivíduo. Capítulo 1 Educação Inclusiva Capítulo 1 45 Ainda em 2006, aSecretaria Especial de Direitos Humanos, os Ministérios da Educação e da Justiça, em conjunto com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – Unesco, lançam o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (BRASIL, 2007b), que tem o objetivo de inserir na educação básica assuntos refe- rentes à pessoa com deficiência e ao oferecimento de apoio que possibi- lite o acesso e a permanência na educação superior. Em 2007, o formulário impresso do Censo Escolar foi transfor- mado em sistema de informações on-line, o Censo Web, que qualifica o processo de manipulação e tratamento das informações, permite a atualização dos dados dentro do mesmo ano escolar, e possibilita o cru- zamento com outros bancos de dados, tais como os da área da saúde, assistência e previdência social. Também é ampliado o universo de pes- quisas, agregando informações individualizadas do aluno, das turmas, dos professores e das escolas. Foi constatado um avanço das matrículas na educação especial de 337.326, em 1998, para 700.624, em 2006, demonstrando um crescimento de 107%. Já nas salas regulares houve um aumento de 640%, passando de 43.923 alunos, em 1998, para 325.316, em 2006 (OEI, 2008). Nesse mesmo ano, é implementado o Plano de Desenvolvimento da Educação – PDE (BRASIL, 2008), por meio do Decreto n. 6.094/07, com o objetivo de mostrar à sociedade tudo o que se passa dentro e fora da escola e realizar uma grande prestação de contas (BRASIL, 2007a). O eixo principal é a formação de professores para a educação especial, a implantação de salas de recursos multifuncionais, a acessibilidade ar- quitetônica dos prédios escolares, o acesso e permanêcia da pessoa com deficiência na educação superior e o monitoramento do acesso às escolas das pessoas favorecidas pelo Benefício da Prestação Continuada – BPC. Ressaltamos que o PDE fortalece o ingresso às escolas públicas. Outras atitudes importantes são contempladas no plano e modificam o encami- nhamento nacional da educação. Vale destacar: ● avaliação para crianças dos 6 aos 8 anos de idade, para veri- ficar a qualidade do processo de alfabetização dos alunos no momento em que ainda é possível corrigir distorções; ● ampliação de turmas de alfabetização de jovens e adultos nas regiões do interior do país, onde reside a maior parte das Educação Inclusiva FAEL 46 pessoas sem escolaridade, e a produção de material didático específico para esse público; ● criação de um piso salarial nacional dos professores; ● ampliação do acesso dos educadores à universidade; ● instalação de laboratórios de informática em escolas rurais; ● realização da Olimpíada de Língua Portuguesa, nos moldes da Olimpíada de Matemática; ● garantia de acesso à energia elétrica para todas as escolas pú- blicas; ● melhorias no transporte escolar para os alunos residentes em áreas rurais, qualificação da saúde do estudante; ● criação dos institutos federais de educação profissional, cien- tífica e tecnológica, destinados a funcionar como centros de excelência na formação de profissionais para as mais diversas áreas da economia e de professores para a escola pública. ● acompanhamento e assessoria aos municípios com baixos in- dicadores de ensino. Inicialmente, a elaboração dos planos de ação sofreu sérios confli- tos; sem se direcionarem às práticas educativas a favor da aprendizagem do educando, as improvisações e propostas fundamentadas em expe- riências anteriores dos docentes parecem ter configurado a organiza- ção pedagógica das escolas da rede regular e do ensino especial. Outro aspecto relevante para a discussão refere-se à aparente desmotivação característica da lentidão das respostas de educandos que apresentam maior comprometimento intelectual ou emocional, convocando as escolas a alimentarem o desejo do “aprender” independentemente do grau do comprometimento que o indivíduo venha a apresentar. As duas realidades, escolas regulares e especiais, passam por uma re- configuração de metas e objetivos, expande-se concomitantemente a ideia do currículo adaptado para os alunos no ensino regular, que também trou- xe rápidas propostas de modificações no cenário do processo inclusivo. Em 2008, foi ratificada a Convenção da ONU sobre os direitos das pessoas com deficiência. No ano seguinte, o então Presidente da República Capítulo 1 Educação Inclusiva Capítulo 1 47 promulgou a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e o seu protocolo facultativo – assinados em Nova Iorque, em 30 de março de 2007 –, mediante Decreto n. 6.949, de 25 de agosto de 2009, que define em seu Art. 1º que O propósito da presente Convenção é promover, proteger e asse- gurar o exercício equitativo de todos os direitos humanos e liber- dades fundamentais por todas as pessoas com deficiência e pro- mover o respeito por sua dignidade inerente (BRASIL, 2009). Essa convenção apresenta questões importantes, destacadas a se- guir (BRASIL, 2009). 1. Afirma que a dificuldade das pessoas com deficiência é o ambiente à sua volta, que restringe a sua vida, assim como deficiên cia não é doença e, portanto, uma pessoa não pode ter sua vida prejudicada em razão de sua deficiência. 2. Retira todo o caráter assistencialista que sempre marcou o atendimento às pessoas com deficiência, deixando claro que essas demandas são direitos inquestionáveis. 3. Diz que a deficiência é um atributo do ser humano, como ser gordo, magro ou baixo, com as pessoas com deficiência fazen- do parte dessa diversidade, com os mesmos direitos e deveres dos demais cidadãos. Dessa forma, a partir da promulgação da referida convenção, os dis- positivos nela disciplinados quanto aos preceitos da dignidade, da valora- ção, da promoção e proteção dos direitos das pessoas com deficiência en- tram em vigor passando a fazer parte do ordenamento jurídico brasileiro. Atualmente, podemos identificar duas vertentes no Movimento das Pessoas com Deficiência no Brasil. Uma, de reivindicação política e social, tem como foco a luta pela conquista da cidadania plena, a outra age no sentido da assistência e da afirmação individual, e, nesse último caso, algumas também alcançam a questão da cidadania. No ano de 2010, o Estado do Paraná recebe autorização para a mudança da denominação das escolas especiais, que passam a ser reco- nhecidas como escolas de educação básica na modalidade de educação especial, na área de deficiência intelectual e múltipla, mediante Parecer n. 108/10, aprovado e deliberado por unanimidade dos conselheiros. Educação Inclusiva FAEL 48 Essa alteração garante que as escolas especiais passem a ser um instrumento de inclusão educacional, social e profissional dos alunos especiais matriculados, visto que assumem o compromisso de desenvol- ver suas atividades dentro do paradigma inclusivo que norteia as ações educacionais do país. As escolas passam a ofertar a educação nas etapas de educação infantil, nos anos iniciais do ensino fundamental e nos segmentos de educação profissional, além de qualificação para o trabalho e edu- cação de jovens e adultos, em conformidade com o Artigo 21 da LDB n. 9.394/96, tornando-se instituições da rede regular de ensino, a favor da inclusão educacional, social e profissional das pessoas com deficiências intelectuais e múltiplas. Dessa forma, é importante contextualizar o grande arcabouço jurí- dico, que não garante a plena preparação da sociedade para uma convi- vência com a diversidade. Precisamos cumprir as leis existentes e cobrar uma postura frente a essas conquistas legais. Isso passa por uma grande mobilização social, em especial das próprias pessoas com deficiência. Da teoria para a prática Para introduzir o assunto e despertar o interesse dos alunos em sa- ber como surgiram os diversos paradigmase a importância dos aspectos legais para o processo inclusivo, sugerimos que o professor apresente uma parte do filme O Corcunda de Notre Dame, dirigido por Gary Trousdale e Kirk Wise, com 91 minutos de duração. A partir disso, é possível discutir a questão da segregação expos- ta no filme. O grupo pode observar a maneira como o personagem principal passa a ser aceito pela sociedade, associando sua trama com a realidade encontrada nos espaços escolares. Uma atividade como essa permite, ainda, que sejam formados gru- pos com, no máximo, cinco participantes, propondo a composição de uma analogia, por escrito, do filme com algum caso real de que os alunos tenham conhecimento. Capítulo 1 Educação Inclusiva Capítulo 1 49 Síntese A legislação brasileira convoca toda a sociedade a adotar atitudes e providências necessárias e urgentes, capazes de tornar aptos os cidadãos para realizar a inclusão de pessoas com e sem deficiência. Determina que sejam adotadas medidas para efetivação da política de inclusão com a realização da matrícula dos alunos nas escolas regulares e o desenvol- vimento de projetos elaborados e enriquecidos com trocas de experiên- cias e participação de todos. As diferentes lutas são marcas registradas para a construção de um país que tem por responsabilidade a inclusão de todos; a educação escolar desempenha um papel relevante nesse processo ao quebrar barreiras e estig- mas em relação a grupos marginalizados, promovendo sempre a aprendiza- gem de forma conjunta, independente de suas dificuldades e diferenças. A escola é o que a sociedade lhe permite ser por meio da ação coletiva dos seus membros, não age independente dela, muito pelo contrário, ambas constroem uma identidade própria e inconfundível. Assim, a escola inclusiva será a escola construída por todos os atores do processo educacional. A ênfase na luta pelo exercício da cidadania deve estar assentada na informação, na participação, na conscientização em relação às reais necessidades e possibilidades da pessoa com deficiência, para que possamos defender sua inclusão social e educacional. 51 Fundamentados no desejo de concretizar uma política educacio- nal transformadora, capaz de oferecer uma escola acolhedora e compe- tente, preocupada em possibilitar a construção individual e coletiva do saber, temos como objetivo oferecer indicadores para a reflexão acerca dos fundamentos filosóficos da educação inclusiva, por meio da análise do painel real das possibilidades e dificuldades das comunidades escola- res brasileiras. Propomos a análise de possíveis implicações do princípio da diversidade humana aplicado à pedagogia da inclusão das pessoas com necessidades especiais na escola e serviços comuns da sociedade. Partimos do pressuposto de que as diferenças são as marcas fun- damentais das relações sociais. Isso significa o rompimento de toda espécie de rótulos e preconceitos. Propomos que ninguém seja chama- do de diferente, porque a diferença manifestará novas individualida- des dos novos sujeitos ou atores sociais. Na verdade, a individualidade das pessoas que apresentam necessidades especiais só será produzida quando conquistarem as condições para estabelecer com autonomia e independência suas relações sociais. A conquista da individualidade é a expressão maior da diferença que se pretende. Proclamamos que não haja necessidade de nenhum qualificativo para designar este ou aquele indivíduo. As designações classificatórias ao outro dão lugar ao respeito à individualidade, que se caracteriza na forma da tolerância. Relacionamento com a diversidade Atualmente, a diversidade se constitui como uma mola propulsora de mudanças em todas as dimensões da vida. As mudanças provocadas com a inclusão escolar e social da pessoa com deficiência produzem benefícios no âmbito das atitudes humanas, nas políticas públicas, nas Inclusão: ensinando e aprendendo na diversidade 2 Educação Inclusiva FAEL 52 inovações tecnológicas, nos processos de gestão, nas concepções, no conhecimento do tempo, do ambiente e do ser humano. Contudo, são notórias as barreiras ainda existentes em práticas pedagógicas não significativas, em processos avaliativos classificatórios. Isso significa que as dificuldades para beneficiar-se do conhecimento, dos saberes e valores sociais se localizam também no modo como se organizam a escola e a sociedade. Dessa forma, se as condições estruturais, as expectativas e atitudes fo- rem positivas, alteradas, adaptadas, a pessoa pertencerá à cultura, na qual se manifestam a identidade, as diferenças e as possibilidades de cada um. Os avanços com relação às concepções adotadas não foram su- ficientes para a libertação da deficiência de sua marca metafísica de maldição ou castigo do céu, do fatalismo clínico da hereditariedade inevitável, nem da segregação para a educação especial, além do fato dessas pessoas, do ponto de vista sensorial e motivacional, serem trata- das como se fossem iguais e imutáveis. Não há oferta de emprego, não há captação das competências des- sa mão de obra pelo mercado de trabalho, e também não há trânsito social nas instituições básicas da cidadania, como saúde e educação. Ainda se pensa que a formação de professores deve ser específica (espe- cializada) em pedagogia especial e que esses docentes devem ser remu- nerados com gratificação especial por sua ocupação com pessoas que apresentam deficiências (CECCIM apud SKLIAR, 1997, p. 40). Ainda que se pregue hoje a exigência de libertação das pessoas com deficiência do cárcere da segregação ou mesmo da reclusão, tal cárcere é mantido com relação às suas atitudes e decisões. À vida dessas pessoas é reservado um destino funesto, a negação da alteridade é expressa a par- tir da exigência de que sejam pacatas, normais, saudáveis e adequadas às melhores relações sociais. A sociedade proclamava a liberdade e a igualdade como bases para legitimar os empreendimentos capitalistas, o emprego pelo capitalismo das forças de trabalho, alimentando a ilusão e o sonho do enriqueci- mento, da ascensão social, tornando as pessoas resignadas com o sofri- mento, com a subserviência, evidenciando a desqualificação engendra- da no próprio processo de trabalho, o conformismo com a alienação em relação ao conteúdo e ao produto do trabalho. As pessoas com deficiência eram consideradas, a priori, inferiores, incapazes, indignas para travar as lutas pela liberdade, mas não lhes era Capítulo 2 Educação Inclusiva Capítulo 2 53 conferido um lugar digno para usufruirem dos benefícios humanos. Elas constituíam a negação, a marginalidade, a invisibilidade. Eram negadas e excluídas por fragilidade, empecilho aos propósitos de se for- mar uma sociedade harmonicamente funcional. Elas não eram tomadas como sujeitos merecedores de investimento de recursos e de atenção da sociedade para garantir-lhes a promoção da vida, o compartilhar dos afetos e saberes humanos. Assim, não basta concentrarmos todos os esforços em um diagnós- tico precoce, tratamento médico, reabilitação profissional e social dessas pessoas se não provocarmos mudanças na esfera do trabalho, na pesquisa científica e tecnológica, nas práticas educacionais e formativas, nas rela- ções familiares e humanas em geral. Hoje alguns campos da ciência e da atividade humana se voltam para a seguinte questão: quais são os melho- res procedimentos para acolher a pessoa com deficiência? Nesse momento, as políticas inclusivas proclamam o seguinte princípio: toda pessoa tem o direito de ser ouvida, isto é, manifestar suas necessidades, preferências, aspirações e fazer escolhas, tomando decisões e participando em todos os projetos que afetem direta ou in- diretamente suas vidas. Mas, para realizar o resultado de suas decisões, é necessário o segundo princípio:toda pessoa tem o direito de usufruir do acesso aos ambientes, às ações, às práticas culturais, econômicas e políticas que se organizam socialmente. Desse modo, cabe à escola e às outras instituições sociais promover as condições de acessibilidade multidimensional, multicultural e poli- técnica, isto é, um estado de plena oportunidade para quem se encontra em situação de desvantagem ou de desigualdade. Para garantir a autonomia e a interdependência do aluno com deficiência, é necessário que a objetividade, isto é, os códigos, os currículos, as avaliações, os procedimentos, as linguagens, as crenças e os instrumentos avaliativos se apresentem flexíveis. As avaliações podem ser mais formativas e menos classificatórias. As aulas po- dem ser mais desafiadoras e exploratórias, provocando maior envolvimento e participação dos alunos, e menos centradas na memorização e na repetição. Educação Inclusiva FAEL 54 O professor pode ser mais acolhedor da diversidade de cada alu- no e menos homogeneizador da turma. Ele pode conjugar mais ação e abstração, interação e autonomia, aprendizado da teoria e da ética, conceito e significado, ciência e arte, intelectualidade e política, com- preensão e crítica ao existente, escrita e expressão dos sentimentos e da trajetória de cada um. O professor pode ir além da transmissão do conhecimento, sem mais esperar a absorção homogênea por parte dos alunos; isso é educar para reproduzir. É preciso tornar-se um professor pesquisador, isto é, levantar hipóteses sobre o que trabalha e investigá-las. O professor pes- quisador desafia os alunos a formular métodos, organizar experiências, compreender o sentido e o significado do que aprende. Diante da necessidade de assumir a condição de quem repensa e recria o conteúdo do trabalho, o professor passa a construir sua iden- tidade profissional. Ao realizar a verificação de hipóteses por meio de experiência, confrontação com outros autores e outras visões, sistemati- zará o método, os resultados, tomará consciência desses procedimentos e retomará o sentido e o significado do exercício de ser professor. Refa- zendo sua identidade, passará a compreender as diferenças com outros pares e buscará aquelas existentes em cada um de seus alunos. Acreditando no valor das diferenças, o professor forma uma nova concepção de unidade e de coletivo, os fundamentos que orientam o próprio projeto político-pedagógico. Nessa concepção, a necessidade do docente ultrapassa a dimensão técnica, o fazer da sala de aula. Vincula- do às demandas mais amplas, participa oferecendo alternativas à gestão política dos processos de formação, valorizando as iniciativas, as capa- cidades de cada um de seus colegas. Diagnosticando as carências e os recursos existentes, o professor assume seu papel político, reivindicando o que falta, as condições estruturais que viabilizam melhor o processo de ensino, melhores condições para os alunos exercerem a autoria do conhecimento e da aprendizagem. Para dar início a essa concepção de ensino e aprendizagem, é preciso acreditar no valor das diferenças, no valor dos confrontos e conflitos de pontos de vista, no valor educativo do erro, na riqueza das trajetórias de vida, na importância da crítica aos métodos, ao raciocínio preestabelecido, no caráter ontológico das falas e das experiências e saberes dos alunos. Capítulo 2 Educação Inclusiva Capítulo 2 55 O aluno que é desafiado a ler o mundo no qual está situado, co- letando pequenos fragmentos de interpretação, oralizando para seus colegas, compartilhando compreensões e problematizações, passará a se comprometer com os objetivos da aprendizagem. Suas diferenças são socializadas, mas não são identificadas pela cor da pele, pela não corres- pondência do brilho no olhar, pela dificuldade motora ou não recipro- cidade aos movimentos, nem pela não compreensão de uma palavra ou problematização. Sua diferença é construída na experiência realizada e no modo como a interpreta para si e para seus pares da escola. Essas mudanças podem contribuir para a formação de um novo saber, isto é, um saber ser, um saber articular-se socialmente rumo à autoria do seu tempo. Desafiar o aluno a produzir conhecimento sobre o modo como o tempo é apropriado diferentemente pelas pessoas em função de suas ocupações e responsabilidades, por exemplo, torna-o autor, protagonista de sua história. O aluno que é orientado a compartilhar e confrontar seus pontos de vista organiza seu conhecimento e, ainda, leva em consideração as posições do outro, seus condicionamentos, suas singularidades, suas ne- cessidades, seus valores e crenças. Além de sistematizar argumentos, o educando pode questionar seus próprios erros, os procedimentos e racio- cínio utilizados e planejados para sua aprendizagem e para sua ação. Podemos afirmar que a educação inclusiva busca o desenvolvimen- to de inteligências cognitivas, emocionais e sociais, que permitam uma flexibilidade para alterar o curso linear de procedimentos existentes na educação tradicional. O professor manifesta sempre atitude encora- jadora, proativa, positiva, seu comprometimento com a ética, com a justiça e com o direito à autoria da diversidade de cada um. As organi- zações que já produziram essas mudanças podem ser consideradas mais inclusivas, mais tolerantes e acolhedoras. Compreensão das necessidades educativas especiais Em consequência das conquistas históricas, questionamos a le- gitimidade de empregar rótulos e/ou categorias para descrever e/ou classificar os sujeitos resultantes da aplicação massiva dos testes de in- teligência. Consideramos que rótulos, como atraso mental, distúrbios de aprendizagem e emocionais, produzem efeitos negativos, tanto no Educação Inclusiva FAEL 56 autoconceito quanto nas expectativas da sociedade sobre esses sujeitos, as quais contribuem para perpetuar os estereótipos e para obstaculizar a aceitação plena das diferenças individuais (ILLAN ROMEU, 1992, p. 17-25). A lógica da exclusão apoia-se na lógica de classes. Classificar é uma organização que coloca os iguais, os que respondem ao mesmo critério, em um mesmo lugar, em uma mesma caixa. Assim, as pessoas que se enquadram dentro das mesmas dificuldades formam uma nova classe: dos deficientes intelectuais, deficientes visuais, deficientes auditivos, de- ficientes físicos e pessoas com transtornos invasivos do desenvolvimen- to. Dessa forma, o sujeito submetido a esse tipo de classificação não tem condições de ver além da cegueira ou da surdez, e tudo o que era normal torna-se anormal pelo encaminhamento segregatório que se oferece. Os testes de inteligência são questionados não só como origem da rotulação, mas também por suas graves consequências no processo de decisão sobre o encaminhamento de alunos para a educação especial como situação duradoura e irreversível. Nas décadas de 60, 70 e 80 do século XX, os progressos em neu- ropsicologia substituem os rótulos qualitativos (idiota, imbecil, débil) ou quantitativos (QI 0-20, 20-50, 50-75, por exemplo) e a psicope- dagogia propõe critérios de avaliação e classificação baseados em de- sempenhos observados nas diversas situações. Mais recentemente, “a psicanálise vem contribuindo à produção de relações familiares e sociais capazes de qualificar a deficiência no campo das diversidades humanas, propondo um sistema de estimulação de bebês e produção de vínculos de saúde nas relações familiares e sociais” (CECCIM apud SKLIAR, 1997, p. 40). A constatação de uma distinção deveria, sim, contribuir para o desenvolvimento de uma intervenção educativa adequada. O diagnós- tico de necessidades especiais – ao contrário do rótulo – não possui o caráter estático e irremovível, ele se converte em ponto de partida para a melhoria das possibilidades do indivíduo. Embora tenha suasorigens no ano de 1960, o conceito de neces- sidades educativas especiais só foi adotado e redefinido a partir da De- claração de Salamanca (BRASIL, 1997), passando a abranger todas as Capítulo 2 Educação Inclusiva Capítulo 2 57 crianças e jovens cujas necessidades envolvam deficiências ou dificulda- des de aprendizagem. Desse modo, passou também a atender tanto as crianças em desvantagem quanto as chamadas superdotadas, bem como crianças de rua ou em situação de risco, que trabalham, que fazem parte de populações remotas ou nômades, pertencentes a minorias étnicas ou culturais, e crianças desfavorecidas ou marginalizadas, além das que apresentam problemas de conduta ou de ordem emocional. De acordo com Marchesi e Palacios (2004), podemos enumerar quatro razões importantes para a utilização dessa terminologia. A pri- meira compreende que várias pessoas são afetadas por várias deficiên- cias e não existe uma só que possa caracterizá-las. O segundo ponto revela que as categorias confundem o tipo de educação especial ne- cessário, pois se estão todos nas mesmas categorias suas necessidades são também semelhantes. O terceiro aspecto levantado pelo autor diz respeito aos recursos proporcionados a uma deteminada categoria, os que não se enquadram nela não podem utilizar, por exemplo, recursos comunitários só para pessoas que têm um tipo de deficiência. Para concluir, Marchesi e Palacios ressaltam o caráter rotoluante e negativo que é designado às pessoas com deficiência, separando-as por grupos distintos e tornando, assim, impossível a ideia de que façam parte de outros grupos. Dessa forma, as necessidades educativas especiais (N.E.E.) afetam um conjunto maior de pessoas e referem-se principalmente aos pro- blemas de aprendizagem dos alunos em sala de aula, além de supor a provisão de recursos necessários, assim podem existir deficiências ou dificuldades de diferentes níveis de gravidade. O mesmo autor ainda considera que a avaliação dos problemas de aprendizagem deve levar em conta o funcionamento da escola, os recur- sos disponíveis, a flexibilização do ensino, a metodologia e os critérios de avaliação utilizados. Somente com essa análise contextual podemos identificar a grande variedade de dificuldades que podem impedir o su- cesso escolar do aluno e, então, levantar as suas necessidades educativas especiais, que, para surpresa de todos, acabam sendo necessidades tam- bém de um grande número de estudantes, não apenas do indivíduo identificado com problemas. O tipo de ensino que se desenvolve em uma escola pode originar ou intensificar as dificuldades dos educandos. Educação Inclusiva FAEL 58 É preciso identificar como foram geradas tais dificuldades, que influência os ambientes social e familiar exercem sobre o aluno e qual o papel da escola frente a essas dificuldades. A finalidade principal da avaliação é analisar as potencialidades de desenvolvimento e de apren- dizagem para providenciar todos os recursos necessários para que a edu- cação aconteça no contexto mais integrador possível. ReflitaReflita “Não são as espécies mais fortes e nem as mais inteligentes que sobre- vivem, mas, sim, aquelas que melhor respondem às mudanças.” Charles Darwin ReflitaReflita Identificação das necessidades educativas especiais Para Vygotsky (1989), o desenvolvimento humano é visto como uma atividade social em que as crianças participam de ações de nature- za cultural mediante ações dos colegas ou adultos com mais experiên- cia. Assim, compreendemos que a aprendizagem é fruto da interação com outras pessoas significativas nos diversos contextos da vida, ideia completamente contrária ao parecer de diagnóstico que leva em consi- deração somente o sujeito biológico sem analisar a sua história pessoal e o contexto em que está inserido. Dessa forma, o autor convoca o professor a levantar as soluções para as mudanças das condições do ambiente de maneira a favorecer a aprendizagem do aluno. A avaliação psicopedagógica não é um ato pontual. Devemos consi- derar o desenvolvimento de natureza interativa e contextual, o que gera mudanças importantes nas práticas de avaliação e nas tomadas de deci- sões frente ao contexto em que o aluno está inserido. Passa a ser um pro- cesso de coleta de informações das variáveis que intervêm no ensino e na aprendizagem, que levará a identificar quais as N.E.E. do aluno e as di- versas decisões com relação às adaptações curriculares e ao tipo de suporte Capítulo 2 Educação Inclusiva Capítulo 2 59 que o sujeito venha a precisar. Assim, a avaliação psicopedagógica deve servir para orientar o processo educacional em seu conjunto, facilitando o trabalho do professor que trabalha cotidianamente com o aluno. A coleta dessas informações deve acontecer principalmente na rotina da escola, tornando o professor o principal personagem desse encaminhamento, visto que a ele também serão oferecidas as diversas medidas de apoio que se considerem necessárias. Deverão ser analisados os itens listados a seguir. ● Programações da turma: a forma como é distribuída a rotina na sala deve ser considerada, pois o limite natural de uma criança para desenvolver uma atividade é um aspecto funda- mental para o sucesso da aprendizagem, assim como não ter rotina escolar também influencia na forma como o aluno se organiza para efetivar sua aprendizagem. Atividades que le- vam mais de uma hora para serem realizadas tornam-se natu- ralmente desmotivantes para a criança. ● Conteúdos: é preciso levantar os pontos fortes e fracos do alu- no com relação ao currículo escolar, identificando o que é ca- paz de fazer com relação aos objetivos e conteúdos (atitudinais, conceituais e procedimentais) das diferentes áreas curriculares, bem como verificando qual o conhecimento prévio que o alu- no deve ter para apropriar-se do novo conteúdo apresentado. ● Metodologia utilizada, critérios de acompanhamento e avaliação: as observações frente a todas as participações dos alunos são o instrumento mais eficaz de avaliação da apren- dizagem, por proporcionar informações qualitativas sobre as experiências na sala de aula, podendo contribuir com o tipo de ajuste que eles possam vir a necessitar. Criar um portfólio2 individual pode auxiliar no levantamento e organização das informações necessárias. ● Relação do professor com o aluno e a turma: as considera- ções acerca de como se estabelecem as relações do professor são outro fator importante. É preciso perceber o quanto existe 2 O portfólio é uma coleção de todos os trabalhos pedagógicos realizados pelo aluno. Podem ser textos, atividades gráficas, fotografias, filmagens ou desenhos. Educação Inclusiva FAEL 60 de desejo e vontade de transformar a sua realidade, possibili- tando condições específicas de aprendizagem. As condições afetivas nesse aspecto são determinantes para impulsionar o aluno rumo a novas metas. ● Interação com os colegas: considerando que a aprendizagem acontecerá na relação que se estabelece com o outro e com o contexto, a forma e a intensidade de sua relação com os cole- gas revelam pontos importantes a serem analisados. ● Ajuda que lhe é prestada: os apoios possibilitados devem ser enumerados e descritos quanto às circunstâncias em que foram usados. Existem atividades nas quais o aluno pode não precisar de apoio ou recurso concreto e outras nas quais possa precisar. ● Ritmo de aprendizagem: a forma como o aluno aprende, como se dá o seu desempenho, as características individuais que apresenta na resolução de situações-problema que lhe são colo- cadas, assim como suas preferências, interesses e habilidades. ● Condições pessoais de deficiência: nesse aspecto, devemos levantar as condições próprias para cada deficiência, como a comunicação alternativa para as pessoasque apresentam pa- ralisia cerebral e não conseguem utilizar a linguagem oral, as características comunicativo-linguísticas dos surdos, aspectos etiológicos e/ou neurológicos, as condições de saúde, higiene e hábitos alimentares. ● Contexto familiar e social: uma parte da responsabilida- de do desenvolvimento cabe aos adultos, que organizam as experiências da criança; assim, é necessário analisar em que medida as condições de vida familiar e social influenciam seu desenvolvimento. As necessidades educativas especiais referem-se a crianças e jovens que apresentam elevada capacidade ou dificuldades para aprender, são as pessoas com altas habilidades/superdotação, deficiências cognitivas, fí- sicas, psíquicas e sensoriais. Seu objetivo é evitar os efeitos negativos de expressões como deficientes, excepcionais, subnormais, superdotados e in- capacitados. É dada atenção às soluções positivas como forma de suprir as dificuldades encontradas pelo aluno. Capítulo 2 Educação Inclusiva Capítulo 2 61 Integração e inclusão educacional Na integração escolar, o aluno tem acesso às escolas por meio de um leque de possibilidades educacionais, que abrange desde a inserção em salas de aula do ensino regular até o ensino em escolas especiais, dentro de uma concepção de inserção parcial e segregadora. O aspecto mais importante desse processo é que a escola isola os alu- nos com necessidades educativas especiais e só integra os que não consti- tuem nenhum tipo de desafio, indicando escola de rede regular aos que foram avaliados por instrumentos e profissionais supostamente objetivos. Nessa concepção é prevista a individualização dos programas instrucio- nais, que devem se adaptar às necessidades de cada um dos alunos, com deficiência ou não. Nesse modelo existe a inserção do educando com necessidades especiais no ensino comum, com sistemas diferenciados para cada tipo de deficiência, separando os alunos em dois grupos dis- tintos: aqueles com e aqueles sem deficiência. Os planos e ensino devem ser individualizados e também separados em dois grupos distintos, em que se tem o controle do processo de aprendizagem por especialistas. A noção de inclusão é incompatível com a de integração e institui a inserção escolar de forma radical, completa e sistemática. O conceito se refere à vida social e educativa, e todos os alunos devem frequentar as salas de aula do ensino regular, considerando todas as suas necessidades, para as quais são organizados o espaço e os recursos. É por isso que inserir um aluno com necessidades especiais em uma sala de aula regular não faz dela uma sala inclusiva. Essa somen- te será uma sala inclusiva quando puder atender e responder, com qualidade, às necessidades educacionais especiais de todos os alunos que nela se encontram. Ao falarmos em integração, referimo-nos a um processo que pri- vilegia os esforços de modificação do repertório e do funcionamento do aluno. Já quando falamos em inclusão, mencionamos um processo que, além de investir na modificação do aluno, impõe essencial atenção à modificação do contexto escolar (projeto pedagógico, objetivos edu- cacionais, conteúdo, método de ensino, processo de avaliação, acessibi- lidade, métodos de comunicação, etc.). Basicamente, a diferença entre inclusão e integração é simples: na in- clusão, é a escola que tem de estar preparada para acolher todos os alunos; Educação Inclusiva FAEL 62 na integração, é o aluno que tem de se adaptar às exigências da escola. Na primeira, o fracasso escolar é da responsabilidade de todos (professores, auxiliares, pais, alunos); na segunda, o fracasso é do aluno, que não teve competência para se adaptar às regras inflexíveis da escola, que presta mais atenção nos impedimentos do que nos potenciais das crianças. Inclusão é estar com o outro, integração é estar junto ao outro (que não necessariamente significa compartilhar nem aceitar). Na integração, nem todos os alunos com deficiência têm a chance de entrar em uma turma de ensino regular, já que a escola faz uma seleção prévia dos can- didatos que estariam ou não aptos. A integração escolar se resume ao deslocamento da educação especial para dentro da escola regular, muitas vezes criando “turmas especiais” para atender aos “alunos especiais”, e permanecendo as “turmas normais” para “alunos normais”. Enfatiza-se, assim, a discriminação e o preconceito dentro da própria escola. Dessa forma, a inclusão é incompatível com a integração, visto que defende os direitos de todos, sem exceção, de frequentarem as salas de aula de ensino regular. Não se trata apenas de todos frequentarem a mesma escola, mas, sim, as mesmas salas de aula, todos os alunos juntos, independente das suas necessidades ou particularidades. Então, a escola inclusiva é aquela que tem salas de aulas inclusivas, assim como bibliote- cas inclusivas, banheiros inclusivos, acessos inclusivos, projeto pedagógi- co inclusivo e, principalmente, alunos e professores inclusivos. O termo “inclusão” refere-se primordialmente à valorização e ao respeito à pessoa humana, independente de sua raça, credo, condição bio-físico-sensorial ou intelectual, opção sexual, situação econômica e cultural. Assim, buscamos alcançar, construir e contribuir para a ob- tenção de ambientes, processos, relações e atitudes cada vez mais ade- quados às necessidades e aos direitos, ao modo de ser e de existir das pessoas com e sem deficiência. O valor do paradigma da inclusão não se localiza apenas na neces- sidade de se organizar uma escola comum adequada às possibilidades dos alunos, mas também nos direitos de cada família, cada aluno de usufruir de uma escola especial, promotora de suas capacidades e va- lorizadora de seus direitos. Cabe, portanto, à sociedade eliminar todas as barreiras físicas e atitudinais para que as pessoas com necessidades especiais tenham acesso a todos os recursos existentes na comunidade Capítulo 2 Educação Inclusiva Capítulo 2 63 de forma ampla, a fim de garantir o seu desenvolvimento pessoal, edu- cacional e profissional. A escola para todos reconhece e valoriza as diferenças, a cidada- nia global plena, livre de preconceitos, a heterogeneidade das turmas e a diversidade do processo de construção coletiva e individual do conhecimento. Ela não possui valores e medidas predeterminantes de desempenho escolar, prevê a abolição dos serviços segregadores e do mito da necessidade do atendimento clínico a todos os indivíduos com deficiência. Tal escola considera que o conhecimento não obedece a critérios rígidos estabelecidos e limitados pelas disciplinas curriculares, mas configura ampla rede de ideias introduzindo objetivos e conteú- dos funcionais. Seus professores são especializados acerca de todos os alunos. Nas escolas são consideradas as experiências socioculturais dos educandos, seus saberes e práticas familiares, assim como é proposto apoio permanente a toda equipe que os acompanha. A inclusão considera a criação de condições e possibilidades para que as pessoas com necessidades educacionais especiais possam real- mente usufruir da comunidade, ao mesmo tempo que tenham suas singularidades respeitadas. O paradigma da educação inclusiva compreende que toda criança tem direito à educação e que os seus limites e possibilidades devem ser repeitados. Assim como possuem possibilidades e recursos de comuni- cação, interesses, habilidades, necessidades de aprendizagem singulares, trajetórias de vida ricas e significativas, têm o direito de se beneficiar dos serviços e da atenção ofertados na escola comum ou na escola especial, independentemente das dificuldades ou diferenças que elas possam apre- sentar. A ideia que permeia essa questão é a dos direitos humanos, da autodeterminação, do apoio entre pares, do empoderamento3, do direito de correrriscos e de se integrar à sociedade. O principal objetivo do processo inclusivo é fazer com que todas as pessoas com deficiência alcancem a independência, a autonomia e a res- ponsabilidade e, por consequência, empoderem-se de sua própria vida. 3 O empoderamento diz respeito ao processo pelo qual uma pessoa, ou um grupo de pessoas, usa o seu poder pessoal inerente à sua condição. Por exemplo: deficiência, gênero, idade, cor, para fazer escolhas e tomar decisões. O poder pessoal está em cada ser humano. A sociedade não tem consciência de que a pessoa com deficiência também tem esse poder pessoal. Educação Inclusiva FAEL 64 O processo de cooperação e organização deve passar pelo respeito às necessidades do outro, sendo um processo de negociação aberto e dinâmico, no qual o aluno sente-se responsável e participante. Assim, ele pode estar na classe regular e ter um professor de educação especial para fazer um programa, para compensar das suas áreas deficitárias e desenvolvê-las individualmente, fora da sala de aula, em contraturno. Não compreendemos, hoje, uma educação especial para uma fatia de crianças ou jovens, assim como não compreendemos que seja neces- sário separar as pessoas para educá-las, para ensiná-las a viver com os outros e para juntá-las posteriormente. Modelo médico-clínico e modelo inclusivo A educação especial esteve impregnada pela ideia corretiva e cura- tiva, tendo em vista a necessidade de adequar os alunos aos modelos biológicos e sociais construídos pela obra da natureza. Regenerar os sujeitos de necessidades especiais passava a ser a marca e expressão do autoritarismo da ciência médica sobre outras ciências. O modelo médico-clínico tem raízes mais profundas que o campo da educação especial. Tem suas origens em uma concepção de socieda- de na qual todos os problemas sociais eram explicados localizando suas causas no indivíduo. Esse seria um problema, alguém a ser curado. De- veria, então, sofrer intervenções médico-clínicas e de reabilitação para estar de acordo com as exigências da sociedade. A suposta necessidade de tantos procedimentos e técnicas especiais para atender a esses alunos e a suposta incapacidade de professores e de outros profissionais da educação para levar a cabo essas exigências têm produzido, genericamente, resultado comum aos alunos com e sem deficiência: o fracasso escolar. De um lado, as escolas estariam cumprin- do seu papel e os educandos que não conseguissem aprender teriam características pessoais impeditivas para aprender. De outro lado, os procedimentos e técnicas especiais compatíveis com suas necessidades só poderiam ser trabalhados pelos especialistas em educação especial, cabendo, portanto, aos professores do ensino comum lavar as mãos diante de pessoas e de “problemas” que não se enquadrassem em sua formação e competência profissionais. Capítulo 2 Educação Inclusiva Capítulo 2 65 Tal como ocorria em outras instâncias sociais, nas quais os pro- blemas deveriam ser imputados ao indivíduo, o fracasso escolar das pessoas com deficiência também deve ser convertido em processo de individualização, mistificação e acobertamento das determinações so- ciais e históricas. A individualização se expressa na medida em que as características pessoais compõem a responsabilidade do indivíduo, seu fracasso ou sucesso na escolarização e a conquista do trabalho, auto- nomia e independência social. Tal perspectiva está fundamentada na concepção liberal de educação, segundo a qual o sucesso e o mérito são determinados pelo esforço e trabalho de cada um. A educação liberal constituiu-se condição para a construção de uma sociedade democrática e livre, concebida como uma somatória de indivíduos. Descontextualizar o papel e a função da educação espe- cial das determinações sociais, econômicas, políticas e culturais implica um duplo processo de discriminação e marginalização: o processo de segregação e de isolamento em relação à sociedade, bem como a crença na existência desse lugar ideal, nessa separação, nessa naturalização da divisão entre o modo como interagem pessoas sem e com deficiência. As pessoas com deficiência eram discriminadas e culpadas em ra- zão da exigência de características individuais que se constituiriam na prontidão e maturidade para aprender a se relacionar socialmente. Ao não se adequarem a esses requisitos, além de não serem levadas em conta suas condições sociais e econômicas, esses alunos deveriam ser encaminhados aos serviços de educação especial. A desigualdade de oportunidades de acesso aos saberes sociais para as camadas subalternas da população, nas quais está inserida a maioria das pessoas com deficiência, confere atitude tão discriminatória quanto a de responsabilizar o indivíduo pelo seu sucesso ou fracasso escolar. No entanto, a educação inclusiva propõe a organização de escolas nas quais seja privilegiada a fusão entre a qualidade do atendimento especializado com a qualidade do atendimento da rede regular de ensi- no, vivendo a experiência de uma verdadeira comunidade educacional, em que exista a aceitação, a solidariedade, a diversidade, o respeito, a compreensão e os direitos à saúde, educação e trabalho. Tal comu- nidade deve, também, compreender que o convívio social da pessoa Educação Inclusiva FAEL 66 com deficiência com seus pares pode oferecer a efetivação das relações de respeito, a dignidade, a construção da identidade, da cidadania e a organização das regras sociais de forma justa, respeitosa e solidária. É necessário ter coragem, vontade política e organização coletiva para obter as mudanças desejadas em prol de uma cidadania plena. No interior da escola, é preciso unir as forças ao invés de dividi-las, lutando para que haja igualdade de oportunidades. A ideia de inclusão, por outro lado, não pode cair no extremo e simples ato de fé, não basta ao educador aceitar e acolher os seus alunos, é necessária a ação objetiva. O professor deverá saber o que, quando e como fazer, tornando a sua capacitação profissional indispensável. Falar de atitudes inclusivas a todo o momento para o corpo docente e demais profissionais da escola é condição inquestionável para que ali nasça e reine a solidariedade e o espírito de equipe, em detrimento do indi- vidualismo e do espírito de competição. É preciso termos em mente que estamos construindo coletiva e gradativamente um conhecimento diferente daquele que comumente encontramos nas escolas, de inter- venções pedagógicas inclusivas, cooperativas e solidárias. A clareza das relações e das ações configura-se essencial para o su- cesso no processo educacional, pois qualquer profissional que fizer par- te dessa escola deve ter claro que os alunos ali matriculados podem ser deficientes ou superdotados, de população nômade pertencente a mi- norias linguísticas, étnicas ou culturais, ou, ainda, participar de grupos desfavorecidos ou marginalizados. Sendo assim, deverão ser tratados de forma igual e possuir a mesma oportunidade de crescer. É o espírito positivo da equipe que vai criar e garantir a implementação de formas eficazes de combater atitudes discriminatórias. Uma sociedade e uma escola inclusiva aprendem a trabalhar com as diferenças, com a diversidade de ritmos, de estilos de aprendizagem, interesses, motivações e maneiras distintas de construir o conhecimen- to, e consideram que todas as diferenças humanas são normais e que o ensino deve se ajustar às necessidades de cada pessoa e não o contrário. A deficiência deve ser pensada não pela lógica da falta, mas como pura e simples diferença. De acordo com a atual perspectiva inclusiva, o ambiente escolar é que precisa se transformar para receber os alunos. Pensar assim representa Capítulo 2 Educação Inclusiva Capítulo 2 67 uma grande mudança, não só nasestruturas de ensino, mas em toda a sociedade. Significa, ainda, mudar posturas para combater o preconceito e a exclusão de todos os grupos marginalizados, inclusive entre as próprias pessoas com deficiência. Consideramos que os alunos com necessidades educativas especiais devem ter acesso à escola regular, acolhidos em uma ação pedagógica que organiza o tempo e o espaço para eles e que é capaz de satisfazer as suas necessidades. O aluno passa, portan- to, a ter o direito de expres- sar seus desejos com relação à sua educação, assim como de exercê-lo com relação ao ensi- no fundamental, ou seja, com- preendemos nesse processo uma educação que possibilite atingir e manter um nível de aprendizagem adequado den- tro de suas necessidades. Para esse fim, a escola precisa, em regime de urgência, adequar-se para garantir que o sistema de ensino não desconsidere que a aprendizagem deve ocorrer de acordo com os interesses e habilidades de cada aluno. Cabe à instituição acolher todas as características próprias de aprendizagem, assegurando ensino de qualidade a todos mediante um currículo apropriado, alcançado por meio de arranjos organizacionais, estratégias de ensino, uso de todos os recursos que estiverem ao alcance da escola e parceria com as comunidades envolvidas, conforme preveem as Diretrizes Nacionais da Educação Especial na Educação Básica. A in- clusão deve significar concretamente a aprendizagem de conteúdos e objetivos previamente planejados e organizados. Ao pensarmos em qualidade de educação para todos, também é preciso que consideremos determinados princípios fundamentais, entre eles a liberdade de escolha do indivíduo. Essa é uma ação que devolve a ele, o principal interessado e responsável por seu destino, esse direito que esteve na mão dos especialistas durante décadas. Outro aspecto a ser considerado é o de que as pessoas com defi- ciência têm o direito de receber atendimento complementar, caso seja Em Portugal, há uma escola na qual não exis- tem turmas separadas por idade ou escolarida- de, nem lugar fixo ou sala de aula. Os alunos, organizados em pequenos grupos com interesse comum, reúnem-se com o professor em grandes galpões e desenvolvem programas de trabalho de quinze dias. Avaliam o que aprendem e for- mam novos grupos. Saiba mais acessando o site <http://www.escoladaponte.com.pt>. Saiba mais Educação Inclusiva FAEL 68 necessário. A legislação prevê que é dever da rede pública de ensino oferecer acompanhamento pedagógico aos alunos com deficiência que apresentarem dificuldades de aprendizagem, sempre no período con- trário ao das aulas na classe regular. A ideia é manter abertas as escolas especiais e ressignificá-las nessa tarefa. Assim, dentro do novo contexto da educação inclusiva, o papel dessas escolas passa a ser, também, o de oferecer serviços complementares na área pedagógica e/ou da saúde. O processo de cooperação e organização deve respeitar as necessi- dades de cada um, assim como de todo o grupo, sendo uma negociação aberta e dinâmica, na qual o aluno se sente responsável e participan- te. Dessa forma, a ressignificação compreende não só o atendimento especializado, a escola especial é o lugar onde há preocupação com a prevenção, com a prestação de serviços no contexto da educação re- gular, capaz de proporcionar aos alunos independência, autonomia e empoderamento, com objetivos educacionais de caráter funcional. Objetivamente, podemos concluir que os fatores elencados a se- guir devem estar presentes e que são essenciais para que a educação inclusiva ocorra: ● flexibilidade no sistema educativo; ● ensino e aprendizagem cooperativos; ● projeto político-pedagógico coerente com a legislação do país; ● gestão escolar defensora da política de inclusão; ● sistema de avaliação processual do aluno sem retenção; ● boa relação entre escola, família e comunidade; ● diferenciação pedagógica a quem precisar; ● atitudes solidárias, de respeito e de aceitação por parte do professor; ● plano específico de ação para a sala de aula; ● formação de professores; ● recursos materiais e humanos; ● professores fixos nas escolas. Capítulo 2 Educação Inclusiva Capítulo 2 69 A escola inclusiva, portanto, compreende todos os alunos, respeitan- do sua condição sexual, a cor de sua pele, sua origem, religião, condição física, social ou intelectual, clamando a gestão das diferenças, na qual cada condição converte-se em força, um princípio, uma base do trabalho. Na escola inclusiva os alunos aprendem participando. Não é apenas a pre- sença física que conta, mas se sentir pertencente à instituição e ao grupo de tal maneira que o sentimento de pertencimento por parte do aluno e de reponsabilidade por parte da escola sejam mútuos. O educando não é uma parte do todo, mas compõe o todo. A escola se compromete a desenvolver uma pedagogia capaz de educar todas as crianças com sucesso, incluindo as mais desfavorecidas e as que apresentam deficiências graves, na perspectiva de que o ensino deve se adaptar às necessidades dos alunos, mais do que a adaptação deles às normas preestabelecidas. Dica de Filme O milagre de Anne Sullivan é um filme de 1962, dirigido por Arthur Penn. Baseado na vida real de Helen Keller, o filme conta a comovente história de Anne Sullivan, uma persistente professora cuja maior luta foi a de ajudar uma menina cega e surda a adaptar-se ao mundo que a rodeava. O MILAGRE de Anne Sullivan. Direção de Arthur Penn. EUA: Classic Line, 1962. 1 filme (106 min.), sonoro, legenda, color. Dica de Filme Da segregação ao direito de compartilhar, aprender e interagir socialmente A instrumentalização das entidades mantenedoras das escolas especiais passa a ser descartada com a possibilidade e necessidade de Educação Inclusiva FAEL 70 organizar, prestar e vender serviços à comunidade. Em decorrência da despolitização crescente de instituições, profissionais, sujeitos com ne- cessidades especiais e suas próprias filosofias, tais entidades acabam se autonomizando, criando seus vínculos, sua unidade, individualizando suas necessidades e eliminando até mesmo os conflitos. Mas não existe prática política emancipatória na qual não possa haver democracia com sujeitos e com conflitos. A sociedade não se constrói apenas por estruturas econômi- cas e políticas e pelo dinamismo ligado às classes em conflito. Nela há espaços, tempos e relações que passam pela subjetivi- dade pessoal e coletiva e que deixam sua marca na configura- ção social (BOFF, 1998, p. 102). Quebrados os vínculos entre o movimento organizado, os profis- sionais de educação e os próprios sujeitos com necessidades especiais, desintegram-se a escola e as práticas educativas, enquanto proclamado- ras da defesa dos bens públicos sociais fundamentais. A luta pela integração das pessoas com necessidades especiais, suas instituições e suas utopias eram expressão de um momento da politiza- ção dos sujeitos, de um lado, e a adoção ou implementação de políticas públicas de bem-estar, de outro. Com a despolitização constatamos a desintegração e desmobilização das pessoas. Ao invés de se lutar pelo direito ao exercício do trabalho, ao bem-estar, à participação política, à felicidade, à rebeldia, às trocas simbólicas e culturais, bastaria, agora, estar “incluso” em uma escola comum? As escolas especiais, ao atenderem pessoas com graves deficiências, lutando para que elas recebam a atenção adequada à dignidade humana, potencializando suas capacidades comunicativas, ampliando a aquisição de habilidades sociais, pessoais e mantendo uma prática democrática e politizadora em seu interior, também se configuram enquanto escolas inclusivas. Nessa perspectiva de inclusão, a escola especial pode se consti- tuir como um espaçoinclusivo, se for acolhedora e valorizadora das pos- sibilidades de determinadas pessoas. A escola especial pode ser um direito de escolha de famílias que a elejam como seu projeto de inclusão. No tempo da desmobilização as diferenças não precisariam ser su- peradas, mas simplesmente discursadas e mantidas. Com a fragmenta- ção e despolitização das pessoas e das organizações não haveria mais luta contra o monopólio do poder, das decisões, do conhecimento, nem a Capítulo 2 Educação Inclusiva Capítulo 2 71 consequente falta de acesso e usufruto daqueles que apresentassem ne- cessidades educacionais especiais. Agora, serão reservadas às pessoas com deficiência atividades de cará- ter pragmático, nas quais possa ser despertado o seu espírito de criativida- de. Tais práticas pedagógicas são revertidas em um novo otimismo, uma nova fantasia, uma pseudodiversidade, um isolamento escancarado, um abandono vigiado, uma segregação assistida. Sem mudanças radicais, sem uma nova organização escolar e social, a inclusão educacional mascararia seu caráter classificatório, meritocrático, competitivo e individualista. Como o otimismo pedagógico apresentava-se messiânico e reden- tor das condições de vida, a inclusão escolar resgatava as pessoas da segregação, provocando mudanças estruturais na sociedade. Enquanto seria promovida uma educação inclusiva voltada à competitividade, pa- ralelamente, seriam mantidas e acomodadas as desigualdades, referidas, agora, como diversidade. Em decorrência da autonomização da escola, as práticas educativas passam a ser dirigidas a uma diversidade abstrata, dissociando-se das práticas sociais desses sujeitos entendidos como diversidade. Tais práti- cas são organizadas para uma “diversidade média”, análoga ao aluno mé- dio ou padrão buscado por aquela pedagogia considerada tradicional. Dessa forma, é fundamental reconhecer que, além da pretendida atenção adequada às necessidades e possibilidades de cada um dos alu- nos nas escolas especiais e comuns, tais instituições sempre têm a ver com os movimentos sociais. A pseudoabsolvição da prática educacional com relação às práticas sociais não é outra coisa senão a forma domi- nante de estabelecer o vínculo específico entre elas. Uma escola inanimada perante a mudança social é uma escola comprometida com a conservação da ordem, com o mascaramento das condições de miséria e exploração existentes em nossas sociedades. Se a escola não contribui para o fortalecimento dos movimentos populares, ela acaba contribuindo para o seu enfraquecimento. Por sofrerem um processo forçado de isolamento e segregação social e por terem a subjetividade negada, muitas das pessoas que apresentam necessidades especiais não se agregam, de fato, à população brasileira, nem mesmo ilicitamente. Se as organizações sociais, em parceria com Educação Inclusiva FAEL 72 a escola, conseguirem resgatar a função social e política da educação, uma de suas tarefas prementes será a de identificar esses milhares de ex- cluídos, recuperando-lhes a identidade, a subjetividade e contribuindo, assim, para que superem sua clandestinidade. Contudo, não basta recuperar a individualidade no plano simbóli- co se isso não for feito igualmente nos planos material e político-social. Não basta identificar as deficiências se não forem criados meios de es- tancar sua produção acelerada, produto mórbido dos acidentes de tra- balho e de trânsito. Para esse produto não há forma nem marketing, mas o descaso equivale a uma guerra civil, que é incompatível com qualquer projeto de uma sociedade inclusiva cuja vida possa ser feste- jada todos os dias. Ocorre que certas organizações sociais, em razão de sua despoli- tização, seu formalismo e isolamento das necessidades reais e direitos das pessoas, estão limitadas e movidas pela quotidianidade, na qual os problemas sociais não entram na pauta de discussões. Em última ins- tância, a problemática da exclusão social e da própria clandestinidade fica restrita à preocupação dos próprios excluídos e clandestinos. Tendo como pressuposto que os direitos do homem, por mais fun- damentais que sejam, são direitos históricos que nascem de circunstâncias caracterizadas por lutas e defesas contra velhos poderes, resistências e pre- conceitos ou velhas circunstâncias limitadoras, podemos afirmar como irreversível e irresistível o movimento da sociedade inclusiva. Tal socieda- de será, irreversivelmente, cada vez mais adaptada às condições de vida das pessoas dotadas de uma condição bio-físico-sensorial distinta. As necessidades especiais humanas serão cada vez mais respeitadas na forma de oferecimento das condições específicas para a manifesta- ção humana do direito de educar-se e ser feliz em sociedade. Elas serão atendidas gradual e progressivamente e não todas de uma só vez. Dessa forma, como a liberdade religiosa é resultante de guerras de religião, a liberdade civil resulta da luta de povos e parlamentos contra o poder absoluto dos soberanos. Como a liberdade política e social resulta do fortalecimento das lutas dos trabalhadores, dos sem-terra, a liberdade individual das pessoas com deficiência nasce do seu reconhecimento so- cial geral enquanto seres individuais dignos da condição humana. Capítulo 2 Educação Inclusiva Capítulo 2 73 Do mesmo modo que os trabalhadores exigem dos poderes públi- cos a proteção do trabalho contra o desemprego, a gratuidade e qua- lidade dos serviços educacionais, as pessoas com deficiência exigem a proteção das suas necessidades específicas, condição essencial para a manifestação do respeito às suas diferenças. Todas as carências e necessidades que os detentores do poder eco- nômico podem satisfazer para si próprios precisam ser protegidas à luz dos chamados direitos sociais, que são, na verdade, individuais. Os di- reitos sociais, que já foram considerados direitos de segunda e terceira geração, tratam-se de uma categoria ainda heterogênea e difícil de se materializar em termos de especificidades individuais. Atualmente, como a sociedade requer o direito de viver em am- bientes não poluídos, em face do estágio e do desenvolvimento téc- nico e científico atingido, é almejado que todos sejam contemplados pelo direito à educação e ao usufruto das conquistas desenvolvidas. Do mesmo modo que as pesquisas biológicas produziram condições para que indivíduos reclamem o direito de manipulação ou comer- cialização de seu patrimônio genético, os avanços científicos aca- baram permitindo que determinadas pessoas tenham o direito de ampliar suas funções biológico-orgânicas, repercutindo diretamente em sua capacidade de vida, que pode ser cada vez mais autônoma e independente. Toda vez que uma gama de direitos se apresenta como possível em determinada sociedade, ainda que se constitua base material para novas reivindicações, apresenta socialmente a forma mais desenvolvida. No momento em que as pessoas com deficiência passam a ser treinadas para a aquisição de determinadas habilidades, não se imagina que pos- sam realizar, no futuro, trabalhos remunerados, nem mesmo ser consi- deradas trabalhadores. No momento em que a pessoa considerada deficiente passa a existir concretamente, interagindo com os outros, assumindo responsabilidades, desenvolvendo capacidades, revelando talentos na realização de diferentes trabalhos, seus direitos passam a existir como decorrência de sua condi- ção de agente único e, ao mesmo tempo, coletivo, distinto e integrado às relações sociais. Os direitos são expressão material da existência social dos homens. Se não for dado ao ser humano o direito de interagir socialmente Educação Inclusiva FAEL 74 frente às diversidades, não serão produzidos nele os benefícios resultantes das lutas e resistências, pois ele não terá lutado na vida real.Em condição segregada, existirá a representação de um pseudomun- do, acobertando as aspirações e necessidades do indivíduo e, de outro lado, falseando uma harmonia e uma aparente igualdade entre as pessoas da so- ciedade. Reclusas em um aparente conforto, são retardadas as mudanças a serem enfrentadas pelos dirigentes, governantes e demais pessoas. Nesse sentido, podemos afirmar que o ser humano só se constitui como pessoa compartilhando os benefícios dos instrumentos e recursos materiais, no usufruto dos saberes, dos valores e dos afetos humanos, no confronto com as possibilidades e com os limites reais, objetivos e subjetivos, tangíveis e intangíveis. É no teatro das interações e dos en- frentamentos que assumimos diferentes papéis enquanto personagens e atores da nossa existência. Nos ambientes segregados e restritos, o ser humano manifesta ape- nas suas necessidades primárias e privadas. Quanto mais se consolida a vida na sociedade das pessoas marginalizadas, mais se denunciam suas necessidades e, ao mesmo tempo, mais se tornam fundamentais, ina- lienáveis e invioláveis os direitos à vida, à liberdade, ao pensamento e expressão, à educação, ao trabalho, enfim, à constituição da individua- lidade no seio das relações sociais. É a vida em sociedade que materializa o direito à educação, à auto- nomia, à interdependência, o compartilhar de ideias e emoções, saberes e afetos, objetos, instrumentos e aconchegos. É a vida em sociedade, também, que desenvolve estratégias práticas de superação das limita- ções humanas. Nesse sentido, devem ser superadas as representações sociais da deficiência caracterizadas pelas ideias de inferioridade, protecionismo, piedade, genialidade e, ao mesmo tempo, certas proclamações constan- tes de declarações políticas da “igualdade de oportunidades”, tendo em vista a necessidade de compreendermos o homem ativo, suas lutas reais para superar as dificuldades e se apropriar tanto da sua individualidade quanto dos bens socialmente construídos. As diferenças não são excludentes, mas complementares. Isso sig- nifica que é hora de termos menos informação e mais capacidade de Capítulo 2 Educação Inclusiva Capítulo 2 75 organização do conhecimento. Já se abre o caminho para produzirmos menos gordura e mais flexibilidade, menos sedentarismo e mais movi- mento, mais trocas afetivas, menos pressa e mais vagar na grandeza de cada instante e no valor sem igual de cada um, menos economia e mais antropologia, menos competitividade, menos exclusão, menos classifi- cação do outro, menos comparação, mais cooperação, mais valorização de cada um e mais competência. É preciso recuperar o conhecimento perdido na mera informação, na grande superficialidade pela qual navegamos quase como autôma- tos. É preciso desenvolver a qualidade mental de organizar e dominar o conhecimento em meio à multiplicidade de notícias produzidas e lançadas para todos os lados todos os dias. Esse projeto requer de nós uma tarefa essencial, a de definir os rumos de nossa existência, de nos- so trabalho, de nossa formação, os rumos de nossa docência escolar e não escolar, profissional e não profissional, de selecionar sempre aquilo considerado fundamental para nós, com os procedimentos, os cami- nhos para alcançá-lo, para que cada um manifeste sua aprendizagem segundo suas possibilidades e de acordo com a condição humana. E se tal condição é social, assim também é a possibilidade, isto é, nasce do investimento radical na aprendizagem cooperativa, na organização de desafios e na garantia da possibilidade de manifestação da aprendiza- gem de cada um. A condição de cidadão, ao qual são exigidos deveres, em contra- partida ao exercício de direitos, ainda é algo abstrato, tendo em vista a dicotomia existente entre o discurso que proclama a humanização e a inclusão social frente à organização de práticas assistencialistas. Onde impera o assistencialismo são sufocados os direitos individuais e coleti- vos; onde há repressão aos direitos não pode haver cobrança quanto ao cumprimento de deveres; não existem deveres onde não existem indiví- duos constituídos como cidadãos. Se, de um lado, as características intrínsecas das pessoas com defi- ciência deixam cada vez mais de se constituir como determinantes para suas dificuldades de acesso a serviços educacionais, de trabalho e outros serviços sociais mais amplos, de outro lado, temos a organização e a difusão de modelos educacionais inclusivos que ganham status salvacio- nistas quanto às condições de escolaridade de tais pessoas. Educação Inclusiva FAEL 76 Outra dicotomia constatada no processo histórico de organização dos sistemas de educação especial diz respeito às funções contraditórias que justificaram sua generalização. De um lado, foram abertas as opor- tunidades educacionais para cegos, surdos, deficientes mentais e outros, que não podiam usufruir dos processos pedagógicos correntes. De ou- tro, o princípio da generalização da educação legitimou as formas de segregação daqueles que não apresentavam resultados compatíveis com os interesses econômicos e de ordem social vigentes. Assim, a ideia de ampliar as oportunidades educacionais se contrapôs à ideia de segrega- ção e secundarização social e humana daquelas pessoas. ReflitaReflita A inclusão diz respeito à mudança de valores e atitudes que só aconte- ce mediante a conscientização de cada pessoa e de geração a geração. Quem está comprometido com a sua concepção está “arando a terra da inclusão”, da qual nossos filhos semearão, nossos netos cultivarão e nossos bisnetos colherão o fruto. ReflitaReflita Benefícios e desafios da inclusão Após o acompanhamento dos alunos incluídos que apresentam necessidades educativas especiais, constatamos que eles se tornaram mais autônomos em suas relações sociais, percebendo que suas difi- culdades não os impossibilitam, melhorando sua autoestima e, por consequência, tornando-se mais produtivos e apresentando crescente responsabilidade e aumento na aprendizagem, assim como nas rela- ções de amizade com outros alunos. A ação inclusiva também apresenta socialmente como resultado novos amigos, que mais tarde poderão se tornar recursos formais para a própria área da deficiência (médicos, professores, serviços técnicos variados, etc.), transformando a postura dos futuros profissionais em Capítulo 2 Educação Inclusiva Capítulo 2 77 todas as áreas com relação às deficiências, comprovando que esse pro- cesso se dá a longo prazo, mas de forma eficiente. Esses amigos pode- rão representar, ainda, recursos informais (amigos, colegas, familiares, grupos sociais, etc.). Os pares, com ou sem os professores, funcionam como suporte social e instrucional na aprendizagem cooperativa, mo- delação, aprendizagem por imitação, entre outros. A magnitude do benefício da heterogeneidade torna-se um grande aliado dos estudantes com ou sem deficiências na luta contra a discri- minação. A maioria descobre ser capaz de atos solidários e cooperativos, tornando-se mais compreensiva, tolerante e confiante nas relações com o outro. O grupo passa a ser o fator fundamental na construção da aprendi- zagem em uma prática equilibrada entre trabalho coletivo e individual. Os alunos com necessidades educativas especiais poderão, futura- mente, envolver-se em transições sociais de forma autônoma e diversi- ficada. Por outro lado, os alunos ditos “normais” poderão desenvolver maior capacidade afetiva e cognitiva, construída com base na aceitação e no respeito às diferenças, desenvolvendo crescente conforto, confiança e compreensão a respeito da sua diversidade individual e de outras pessoas. Outro aspecto importante a ser ressaltado entre os benefícios da in- clusão diz respeito à proximidade do indivíduo com a comunidade onde mora. Quando um aluno com necessidadeseducativas especiais vai para uma escola especializada, geralmente se afasta da área de sua residên- cia, o que implica um corte nas relações com seus amigos e vizinhos. A escola especial tem, então, que proporcionar um currículo funcional, pois o aluno precisa aprender a utilizar os recursos de seu bairro. Ao es- tar próximo de sua casa, ele resgata a aprendizagem contextualizada nas condições em que, posteriormente, as competências serão exercidas. Para que os benefícios se consolidem, é imprescindível ultrapassar as barreiras impeditivas encontradas ao longo do processo, a primeira delas trata da rigidez e cristalização dos esquemas institucionais, re- produtores de injustiças e desigualdades sociais, que têm sido um dos grandes entraves para a conquista desse ideal. Assim, apresenta-se a im- possibilidade de investir em novas ações, com uma mudança nas prio- ridades, e as pessoas continuam sendo marginalizadas. As barreiras nos fazem esquecer de que nas atitudes de cada indivíduo também estão Educação Inclusiva FAEL 78 postos os princípios da educação inclusiva, ao valorizar e ser valorizado, ao respeitar e ser respeitado. Como toda instituição, a escola vive em seu interior as contradi- ções das relações de poder, que determinam os papéis sociais e a con- duta, tanto de alunos quanto de pais e profissionais, reproduzindo ou enfatizando erroneamente as diferenças que são vistas de forma pre- judicial quando supervalorizam a hierarquia, a burocracia e a rigidez disciplinar, tornando-se controladora da práxis pedagógica. Embora cristalizada por meio de seus costumes e retificada pelas leis e normas, cabe ao cidadão ter a sobriedade e a inquietude necessárias para trans- formar quando for preciso essa instituição. Outro ponto que tem sido elemento dificultador do processo inclusivo é reservado a um dos atores fundamentais desse processo, o professor, a quem é exigido que, independente de sua experiência de vida e cultura, acolha a todos indiscriminadamente, como se fosse possível garantir que a base da formação de todos os docentes tenha sido calcada nos princípios da valorização humana. Também não é possível afastar as dificuldades das condições financeiras e pessoais dos docentes, o que faz com que eles se vistam do altruísmo necessário para oferecer seus conhecimentos. Dentre todos os fatores do processo de inclusão, a questão do pro- fessor é considerada um grande diferencial para a efetivação dos prin- cípios da educação inclusiva. Quando o docente estiver mobilizado, acolhido e apoiado, compreendendo que ele, com suas atitudes, fará a diferença no atendimento educacional, será quebrado o circuito inter- minável de desmotivação, queixa, preconceito e fracasso, sem fechar os olhos para o que o corpo docente tem encontrado no dia a dia quanto à construção dessa escola: a baixa qualidade do ensino, a falta de infraestrutura, o baixo salário dos professores e o espaço escolar cheio de barreiras (físicas e atitudinais). Não menos importante é a discussão sobre o número elevado de alunos que o professor tem em suas turmas, o que se revela um elemento de grande dificuldade para o oferecimento de atendimento individuali- zado, se for necessário, a quem precisar. Tal discussão pode auxiliar a realização de uma prática pedagógica mais organizada. Capítulo 2 Educação Inclusiva Capítulo 2 79 Reservamos à capacitação dos professores uma atenção especial. Esse não é um problema exclusivo da rede regular de ensino, que en- tende que seus professores não se consideram capacitados para atender pessoas com deficiência, levando-os a buscar especializações que, imagi- nariamente, darão conta de toda a diversidade dos alunos. Os docentes que buscaram estudar a questão da educação especial nas instituições especializadas também não se sentem preparados para trabalhar com tal diversidade, pois a capacitação eminente trata da forma como lidar com a diversidade em sala de aula e não especificamente com as deficiências. Um terceiro aspecto importante diz respeito ao poder de decisão e da palavra das pessoas com deficiência, a maioria das ações voltadas ao seu bem-estar costuma não ser decidida por elas. De forma geral, encontramos pais e professores envolvidos em sua defesa. É preciso ins- tigar a todos para lutarem pelo que consideram melhor para si, somente a pessoa com deficiência poderá dizer como se sente com relação ao que lhe é ofertado, às barreiras encontradas, aos instrumentos e às oportuni- dades de comunicação disponíveis. Os espaços físicos onde estão constituídas as escolas também mere- cem ser destacados, não parecem ser atrativos a qualquer criança, visto que geralmente sua distribuição arquitetônica não possibilita que pessoas com dificuldade de locomoção transitem com segurança e autonomia. Por outro lado, os profissionais das instituições especializadas reagem negativamente ao movimento inclusivo e à ressignificação das escolas por terem medo do risco iminente de esvaziamento ou desmantelamento dessa atividade, não compreendendo que se trata de uma função mais ampla da educação especial, que agora pode sair dos muros da instituição e atuar também na rede regular de ensino, da educação infantil ao ensino superior. Da teoria para a prática Uma forma interessante de trabalhar o conteúdo abordado é elaborar um inventário individual. Levando em consideração que a Educação Inclusiva FAEL 80 conscientização acerca da importância do paradigma inclusivo só se dá de forma pessoal, quando o sujeito pode se colocar no lugar da pessoa excluída, percebemos que ela é mais eficaz, pois passa pela condição emocional de cada um. Dessa forma, propomos que o professor, juntamente com os alu- nos, dobre uma folha de papel sulfite em quatro partes iguais. Assim, é necessário orientar o grupo a montar um bloco pequeno de quatro páginas. Na primeira folha, será solicitado que façam um autorretrato, ressaltando o que mais e o que menos apreciam em seu corpo. Poste- riormente, é possível pedir para que relatem ao grupo suas caracterís- ticas pessoais, levando os colegas a perceber as diferenças e particulari- dades de cada um. As páginas seguintes devem ser reservadas para cada seção traba- lhada neste capítulo. Será pedido para que os alunos descrevam uma situação que se relacione com o subtítulo tratado, por meio de dese- nho ou da escrita, e posteriormente relatem ao grupo o que elegeram como importante. Após a dinâmica de cada página registrada, poderá ser dado início à explicação do assunto, pois os sujeitos estarão mais sensibilizados ao que ouvirão e, assim, poderão envolver-se melhor com o assunto abordado. Na segunda página cada um deverá descrever uma situação dife- rente com a qual já teve de lidar nos ambientes em que está inserido ou na própria escola, que inicialmente lhe causou estranheza e depois pas- sou a ser bem-vinda, especialmente situações que lhe tenham parecido injustas, ressaltando o benefício ou a aprendizagem que elas lhe trou- xeram. O professor deve, então, solicitar a cada aluno um relato ao grupo, que deverá compreender que todas as pessoas passam por si- tuações diferentes das que imaginam como ideais, mas aprendem a lidar com elas, assim como aprendem algo importante para seu desenvolvimento pessoal. A terceira página ficará reservada à descrição de algum “rótulo” que já tenham recebido em função de uma atitude ou jeito de ser, e o que isso implicou à sua vida. Na página quatro, eles devem relatar como é sentir-se fora de um grupo do qual gostariam de fazer parte, ou como é estar inserido em um grupo com o qual são obrigados a conviver. Capítulo 2 Educação Inclusiva Capítulo 2 81 Ao final, o professor deve levar a turma a perceber que a inclusão está em cada indivíduo e que o que é proposto para ser feitona escola, com os alunos em primeira instância, deve ser feito consigo mesmo, visto que, ao contrário, não será possível oferecer a alguém o que não se sente ou não se vive. A inclusão envolve mudanças de valores e atitudes. Síntese Vimos neste capítulo que a diversidade tem se configurado um elemento essencial para o novo milênio, provocando mudanças signifi- cativas na sociedade, embora ainda encontremos pessoas com deficiên- cia sofrendo com atitudes discriminatórias, evidenciando-se, assim, a falta de acesso à educação, ao trabalho, à saúde e ao lazer. A educação inclusiva apresenta, como uma de suas alternativas, a articulação de um mundo diferente que possibilite mudanças significativas. A figura do professor assume maior responsabilidade nesse processo, ainda que muitas vezes seja vítima de uma história excludente. Vimos, ainda, que devem ser levados em conta os interesses, habilidades, potencialidades e necessidades de cada aluno, criando condições para que possam usu- fruir da comunidade da qual fazem parte. unidade 2 unidade 2 A Organização Pedagógica para Favorecer a Inclusão 85 Com o surgimento da sociedade inclusiva temos o retorno da apologia da comunidade, que difunde o restabelecimento de laços, até então esquecidos, entre as pessoas. No mundo moderno, a comunidade vem sendo confrontada pelo individualismo, pela competição, pelo con- sumismo, pela concorrência, pela primazia da forma sobre o conteúdo, pela violência contra a vida, contra as tradições e as minorias, os menos favorecidos social e economicamente. Uma das formas antidemocráticas que nega a ideia da comunidade é impedir que um sujeito tenha o direito à produção da cultura, o direi- to de acesso a todas as formas de educação e de interação social. Com o surgimento do homem especializado e fragmentado, não há mais lugar para a harmonia, logo temos de forjar comunidades mar- cadas pelos confrontos, pelas diferenças, pelo compartilhar do vivido e simbolizado, pelo intercâmbio das compreensões e possibilidades de cada um, pelas indagações e questionamentos ao que não se conhece e ao que é ocultado, combatendo toda lógica de seleção produtora de exclusão e toda competição promotora de vencedores e de perdedores, todo conhecimento que não possa ser compartilhado nem significativo na vida das pessoas. Formar o cidadão para viver em uma comunidade requer novos desafios, novas situações de apoio e interdependência. As novas fun- ções a serem exigidas da educação especial necessitam ser pensadas à luz da reformulação do papel do Estado, reestruturações dos processos produtivos, revisão ética do processo de globalização econômica, fi- nanceira e cultural. Criando comunidades de ensino inclusivo 1 Educação Inclusiva FAEL 86 A construção da comunidade de ensino inclusivo exige clareza de conceitos, para que todos os envolvidos saibam quais os princípios que nortearão a sua ação. Comunidades inclusivas Fazer parte de uma comunidade é unir seus valores e ideias aos do outro, saindo da compreensão da ação individual para a coletiva, en- tendendo que a partir do momento em que estabelecem compromissos juntos passam a ser responsáveis pela ação de todos. Dessa forma, os participantes são levados a amadurecer e abrir mão de suas vaidades para contemplar as necessidades e possibilidades do outro. Essas atitu- des conduzem o grupo ao autoconhecimento, ao maior desempenho em suas tarefas e a um sentimento de pertencer a um grupo com uma identidade própria, deixando para trás os sentimentos solitários e com- petitivos de uma escola tradicional. A ideia de inclusão total está respaldada no modelo de comunidade, segundo o qual as pessoas resolvem seus problemas juntas, dando prazer umas às outras, tornando as condições das outras suas próprias condi- ções, ficando alegres juntas, trabalhando e sofrendo juntas, tendo sempre diante dos olhos o outro como parte do que são e parte do que não são. Não se trata, no entanto, de um conto de fadas, em que as pessoas deixam de ter problemas, mas, sim, de enfrentar as dificuldades iniciais em conjunto e com responsabilidade, assumindo o que lhes compete. Isso não torna os problemas mais doces ou amenos, mas a tendência é que não se repitam e, quando acontecerem novamente, será em propor- ção bem menor. Refletindo sobre essa constituição de comunidade de ensino inclusivo, vemos que: [...] Orientar o desenvolvimento de uma escola não é inovar a comunidade como uma panaceia mágica; é a coragem e a luta criteriosa em busca de relacionamentos respeitosos, de igual oportunidade para as iniciativas individuais, de apoio mútuo nos problemas da vida, de compartilhamento e de celebração dos dotes únicos de cada membro, de resolução juntos dos conflitos e de integridade na confrontação de ameaças [...] (STAINBACK; STAINBACK, 1999, p. 52). Nesse contexto, a inclusão de pessoas com deficiência passa a ser um processo aprendido, pois nessa comunidade todos podem entrar e Capítulo 1 Educação Inclusiva Capítulo 1 87 são aceitos com suas peculiaridades. A construção de uma comunidade não diminui o compromisso com os conteúdos acadêmicos, como ve- remos no capítulo a seguir. A inclusão responsável não pode minimizar a aprendizagem. É pre- ciso fortalecer os alunos para que sempre resolvam seus problemas no e com o grupo, de maneira consciente e dialogada. É necessário estimular o desenvolvimento de habilidades sociais e cognitivas para que eles se relacionem e interpretem situações desafiadoras, dificuldades, conflitos, frustrações, perdas, discriminações, levem em consideração o ponto de vista do outro, o contraditório, e identifiquem alternativas positivas. Aprender a dialogar, expondo argumentos, sem depreciações e des- qualificações, pode ser aprendido pelo bom professor. O diálogo sobre o que mais pode ser feito ou de que outra forma é possível resolver a situação ensina os educandos a levantar hipóteses, refletir, superar os pensamentos imediatistas, os impulsos. O processo educativo é o resultado do esforço de todos, que são correspon- sáveis na resolução dos problemas. Para que as respostas encontradas sejam pertinentes, oportunas e adaptadas, devem ser construídas nos contextos em que se desenvolvem os problemas, contando com o comprometimento dos interessados na sua resolução, o que requer mudanças metodológicas e organizacionais importantes na escola. A escola tradicional e a comunidade inclusiva Na sociedade encontramos facilmente fatores ambientais alheios ao desejo humano, que justificam atitudes que o sujeito venha a ter passando a responsabilidade ao outro. O educador e escritor Mussak (2007) considera que quando o sofrimento é muito grande projetamos a culpa no outro deixando livre e aliviada a nossa consciência, descul- pabilizando-nos e preservando nossa integridade psíquica. É evidente que o ambiente poderá estar sempre colaborando para que as coisas não aconteçam exatamente do jeito que desejamos, possibilitando a transfe- rência da culpa, mas é preciso valorizarmos os dois aspectos: o poder de decisão do indivíduo e os fenômenos incontroláveis da natureza. Educação Inclusiva FAEL 88 As conquistas são facilmente atribuídas às qualidades de cada um, o que não acontece da mesma forma com os defeitos, que, por sua vez, pas- sam a ser responsabilidade dos acasos da vida, como se imaginariamente esses elementos tivessem mais poder que a decisão do ser humano. Mussak (2007) ainda afirma que sempre buscamos ações que es- tejam de acordo com nossos interesses e desejos. Por isso, quando uma pessoa considerada imatura emocionalmente sofre uma perda ou dor intensa, tem a tendência de responsabilizar o outro pelas fatalidades na tentativa de aliviar o peso do sofrimento, o que acaba sendo possível.Com o objetivo alcançado, o sujeito volta ao estado de acomodação de seus sentimentos. Quando o indivíduo não se responsabiliza pelos aspectos negativos ocorridos em sua vida, também não tenta mudar o padrão das circuns- tâncias para evitar a repetição das situações negativas. No entanto, ao assumir a responsabilidade que lhe cabe, são eliminadas situações que possam levar a causar um mal ou estresse a si mesmo. Assim é moldada a analogia da escola tradicional, que passa todas as responsabilidades de seus problemas para o outro e mantém-se imóvel para fazer mudanças, afinal, se existem erros, não são dela. Já na comunidade inclusiva o indivíduo assume suas dificuldades ou erros e os transforma em respostas ou ações, com o intuito de não sofrer novamente. Dessa forma, a sua escolha em assumir e responder com responsabilidade não será uma ação solitária, visto que contará com o apoio de todos os atores da escola, que também se responsabili- zarão pelo processo. O apoio e cooperação mútuos serão determinantes na construção de uma comunidade melhor resolvida, que toma suas decisões em con- junto, democraticamente. A escola tradicional permanece sem trocas e sem discussões, pois não tem nada para ser melhorado, uma vez que os problemas não são seus, mas sempre dos outros. A comunidade inclusiva tem a missão de assumir as responsabi- lidades de todas as dificuldades de aprendizagem que ocorrem em seu interior. Nessa perspectiva, ela dá um salto de qualidade na história da pedagogia, pela qual observamos que os elementos externos à escola Capítulo 1 Educação Inclusiva Capítulo 1 89 eram entendidos como os únicos causadores da falência da aprendiza- gem, da evasão escolar e dos altos índices de retenção de alunos. Faz-se necessária uma grande reforma no sistema educacional pelo qual transitam as questões administrativas, pedagógicas, culturais, sociais e emocionais. É preciso construir e legitimar espaço e tempo, saberes e po- der, para retirar o sujeito da aprendizagem do lugar do fracasso, da desmo- tivação e do abandono, possibilitando que todos estejam envolvidos com uma nova imagem mental da escola, dando a ela um novo significado, questionando e superando a ideia de instituição solitária e competitiva. O foco central está em lançar luzes na história de vida das pessoas com deficiência e de outros excluídos. Trata-se de enxergar seus estilos próprios de aprender e também de não aprender. Ao fazer esse movi- mento, é preciso colocar-se à disposição desses indivíduos como ins- trumento para tomá-los enquanto sujeitos, com histórias e construções psíquicas próprias. Nesse passo, ressaltamos a presença de um elemento de indispensável importância para o processo de aprendizagem, que até então parecia estar escondido nos meandros do processo educacional, mas que passa a ser desnudado pelo esforço da leitura psicanalítica na educação e nos processos de aprendizagem. Kupfer (2001, p. 125) elu- cida essa questão ao colocar: Quando um educador opera a serviço de um sujeito, abando- na técnicas de adestramento e adaptações, renuncia à preocu- pação excessiva com métodos de ensino e com os conteúdos escritos, absolutos, fechados e inquestionáveis. Ao contrário disso, apenas coloca os objetos do mundo a serviço de um alu- no que, ansioso por encontrar suas respostas ou simplesmente fazer-se dizer, está implicado por seu parentesco com aquelas primeiras inscrições que lhe darão forma e lugar no mundo. Resgatar no currículo a valorização humana não deve ser mérito apenas da comunidade inclusiva, mas de todos os que compreendem que é para um sujeito, desejante e desejado, que se proporciona a trans- formação e o aprimoramento. Vanier (1995, p. 27) afirma que Quando a criança não se sente pertencer a ninguém, sofre de um isolamento terrível que se manifesta pela angústia. A angústia é como uma agitação interior que afeta todo o corpo, modifica as funções digestivas e o sono, perturba fazendo a pessoa perder qualquer noção do que deve fazer e de que maneira [...]. Educação Inclusiva FAEL 90 A comunidade inclusiva centra a preocupação da aprendizagem no educando e na sua relação com o meio e não em um produto pronto, absoluto e conceitual. Dar espaço à existência de opiniões refere-se a formar pessoas que sairão dessa escola empoderadas de seus conheci- mentos para resolver seus próprios conflitos e transformar, em benefí- cio do homem, o mundo à sua volta, sem, com isso, destruí-lo. Para romper com o modelo de escola tradicional e dar vazão à aprendizagem responsável, é preciso compreendê-la dentro da perspec- tiva sistêmica, no interior da qual tudo que acontece é interligado. Ela funciona como uma rede em que o sucesso de um é também o de todos. Esforçar-se para a que a equipe permaneça unida e confiante nas con- quistas é também um desafio de uma gestão de qualidade. Sugerimos, para isso, que o gestor proporcione à equipe de docentes a organização de metas individuais e coletivas, identificando juntos aonde se quer que a escola chegue. É necessário levar a equipe a compreender que o esforço pessoal de- terminará o resultado final, assim como a responsabilidade pelas metas pactuadas ao distribuir as tarefas individuais e coletivas de forma clara e objetiva. A consequência almejada é a construção de uma relação posi- tiva que possibilite alcançar os objetivos sem sofrimento ou culpa. Educar-se para a formação de comunidades inclusivas constitui o fundamento da sociedade das diversidades. A comunidade inclusiva é o campo de participação ativa da pessoa com deficiência, é o espaço no qual as pessoas se fortalecem oferecendo e recebendo apoio. Em comunidade, as pessoas encontram o sentido e o significado para tomar consciência do presente e antecipar o futuro, vislumbrando-o como possível e legítimo. De acordo com essa concepção, o aluno é tomado nas comuni- dades inclusivas como sujeito ativo. Ele é chamado a investigar, com apoio, a realidade, os produtos, os serviços, aprendendo a interpretar, propondo mudanças às estruturas dos ambientes e valorizando tudo que está ao seu dispor. Os alunos são chamados a explorar os problemas econômicos, so- ciais e os aspectos culturais que compõem o cenário de sua comunidade. As dimensões da lógica matemática, de expressão linguística, de história, da geografia, do corpo, do psíquico, das interações sociais, dos conflitos Capítulo 1 Educação Inclusiva Capítulo 1 91 de pontos de vista, além de outras, são contempladas pelas diferenças e equipes que se dinamizam para articular com a mediação do professor. Os princípios que orientam a constituição da escola baseada em comunidade inclusiva são: práxis (reflexão e ação); diálogo; confronto e inclusão das diferenças; exploração de tópicos ou problemas da realida- de; relatos dessas leituras e dessas experiências; elaboração e confronto de conceitos; questionamento ao existente; intervenção pela formação de outra pessoa; intervenção pela organização de reivindicações e de mudanças a serem operadas no ambiente físico e social na escola, no bairro, no local onde vivem as pessoas. ReflitaReflita Cabe a nós a indagação sobre como se educar na diversidade, sobre como desenvolver capacidades para compreender a tecetura de com- ponentes, como o econômico, o político, o sociológico, o mitológico, o afetivo, o emocional, que sempre se encontram interdependentes, inte- rativos e inter-retroativos. ReflitaReflita Elementos para tornar a escola uma comunidade de ensino inclusivo organizando-a no projeto político-pedagógico O projeto político-pedagógico mostra as reflexões, participações e conclusões coletivas de uma equipe comprometida com os resulta- dos educacionais de qualidade. Representa um conjunto de esforços de educadores, técnicos, famílias e pessoascom necessidades educativas especiais, rompendo barreiras e limitações historicamente construídas para o exercício da cidadania, concretizando uma educação democrá- tica, que tem como princípio a promoção e a inclusão de pessoas com necessidades educativas especiais na sociedade. Na construção do projeto político-pedagógico será exercitado o conhecimento sobre o paradigma inclusivo e a sua compreensão por Educação Inclusiva FAEL 92 parte daqueles que ainda não o conhecem. Ao torná-lo realidade, a equipe será norteada pelas discussões realizadas em conjunto com to- dos os membros da comunidade que se pretende formar. Essa equipe terá claro quais serão as suas metas, que deverão estar de acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil e Ensino Fundamental. Sua construção permitirá, assim, o encontro, a reflexão e a ação sobre a realidade da sociedade em que se vive. Nessa perspectiva, entendemos que a diversidade faz parte dos princípios da escola democrática, jamais existirão duas instituições iguais, com as mesmas necessidades e metas, isso exigirá uma tomada de decisão de todos os membros da comunidade escolar como forma de beneficiar a opinião do coletivo. Na gestão democrática, pais, alunos, professores e funcionários assumem sua parte de responsabilidade pelo projeto. Considerando que não há educação e aprendizagem sem o su- jeito, a participação é um processo natural dentro da ação pedagógica. Schaffner e Buswell (apud STAINBACK; STAINBACK, 1999) sugerem dez passos importantes a serem considerados pela equipe pe- dagógica para constituir uma comunidade de ensino inclusiva. Funda- mentados em seus apontamentos, levantamos, a seguir, dez elementos imprescindíveis a serem analisados nas escolas brasileiras, para colabo- rar com a constituição das comunidades inclusivas e com o sucesso da aprendizagem e da inclusão de todos. Concepção coletiva norteadora da ação da equipe O paradigma da institucionalização trouxe contribuições significa- tivas à educação especial, que se subsidiou nas equipes multiprofissionais da área clínica (fonoaudiologia, terapia ocupacional, psicologia, fisiote- rapia, assistência social, psiquiatria e neurologia) para desenvolver o seu trabalho, uma vez que a pedagogia não dispunha de conhecimentos sufi- cientes para possibilitar a educação a pessoas com deficiência. Assim, essas áreas trouxeram de sua formação as concepções para o atendimento que enfatiza a recuperação, cura e reabilitação. Como a educação ainda tinha claro que precisava preparar as pessoas com deficiência para colocá-las na sociedade, esse perfil se adequou às suas expectativas. O papel dos professores era o de dar continuidade aos objetivos das áreas clínicas. Capítulo 1 Educação Inclusiva Capítulo 1 93 De acordo com essa con- cepção, o aluno é um “paciente deficiente”, que tem uma doença que precisa ser curada. O profis- sional passa a ser um terapeuta, as intervenções são relacionadas às incapacidades do “paciente” e o atendimento tem um olhar assistencialista. Na concepção educacional, o indivíduo é uma “pessoa com deficiência” e não um “deficiente”. As abordagens são educacionais e não terapêuticas, visto que não é realizado um tra- balho nas áreas lesadas e, sim, na potencialização daquelas não lesadas, colaborando significativamente com a plasticidade cerebral. A escola não é um recurso a mais da saúde, mas um lugar em que se asseguram os direitos constitucionais da educação para todos. O passo é definir conjuntamente qual a concepção que norteará os encaminhamentos na comunidade. Caso sejam os clínicos, a insti- tuição se configurará enquanto um centro de atendimento e não como uma escola. Na comunidade de ensino inclusivo o objetivo de toda equipe deve ser o de facilitar o processo de ensino e aprendizagem. As áreas clínicas, nesse contexto, exercem função importante ao estarem engajadas. Seu papel junto ao professor é possibilitar que o aluno atinja a aprendizagem, conotando uma ação educacional e interdisciplinar. Com isso, não se isenta a necessidade dos atendimentos clínicos com foco na reabilitação e habilitação, que devem ter outro lugar privilegiado na saúde. O trabalho em sala de aula torna-se o núcleo da ação de toda a equipe multiprofissional, priorizando as áreas que atendem diretamen- te o aluno e, posteriormente, as que o fazem indiretamente, oferecendo apoio aos profissionais e às famílias. Definição da filosofia e do plano estratégico Fundamentados nos princípios democráticos de educação, são identificados e reconhecidos o valor, o papel, a autoridade, o poder e a A Lei Federal n. 8.213/91 (BRASIL, 1991), popu- larmente chamada de Lei de Cotas, assegura a contratação de pessoas com deficiência de forma obrigatória em qualquer empresa com mais de 100 funcionários. De 100 a 200 funcio- nários, é exigido que 2% tenham algum tipo de deficiência. De 201 a 500 funcionários, são 3%. Já para companhia que mantém de 501 a mil profissionais, a obrigatoriedade é de 4% e, acima de mil, a cota chega a 5%. Saiba mais Educação Inclusiva FAEL 94 história de cada cidadão da comunidade: o pai, a mãe, o avô, a avó, o cuidador, a cuidadora, o jovem trabalhador, o educando com deficiên- cia, os irmãos, os colaboradores, o psicopedagogo, o fonoaudiólogo, os profissionais da saúde, da assistência social, de outros setores. A missão, a visão e os valores dessa comunidade serão: a elimina- ção de toda espécie de exclusão, discriminação, rotulação de incapaci- dade e de abandono; eliminação do mito do atendimento clínico (que manteve o aluno somente nas mãos dos especialistas); eliminação da necessidade da prontidão e de pré-requisitos de aspectos cognitivos, sociais e econômicos, para merecer atenção pedagógica adequada; mo- nitoramento e participação de cada cidadão da comunidade nas mu- danças e nos projetos da gestão escolar. No plano estratégico da comunidade invlusiva constam a elabo- ração e/ou implementação do projeto político-pedagógico, alicerçado pelos princípios da educação inclusiva, no qual é previsto como a escola vai proceder com cada uma das deficiências, por exemplo, se possibili- tará o acesso às Libras para as pessoas ouvintes e não ouvintes, quais os encaminhamentos pedagógicos específicos para pessoas com deficiên- cia intelectual grave, quais serão as abordagens específicas para alunos que apresentam hiperatividade e/ou deficit de atenção. Esse processo é alcançado a longo tempo, quando a equipe discute e cria os encaminhamentos mais pertinentes, de acordo com o conheci- mento e compreensões que adquire. Assim, é uma construção que será escrita e reescrita sempre que necessário, levando-se em consideração que as novidades podem aparecer a cada momento. Nenhum processo ou projeto pode ser bem-sucedido se não for calcado em: ● estudo crítico e cuidadoso sobre a realidade na qual o aluno estará inserido (necessidades, desejos, objetivos, metas, pro- blemas existentes, desvantagens, vantagens, fatores favoráveis, entre outros); ● identificação de procedimentos que resolvam os problemas e au- mentem os fatores que contribuem para o alcance de objetivos; ● elaboração de cronograma realista e viável de implementação do processo; Capítulo 1 Educação Inclusiva Capítulo 1 95 ● caracterização do sistema e dos procedimentos de suporte (técnico-científico de que os professores necessitam) que se- rão necessários para garantir o sucesso do processo, caracteri- zando perfil do alunado e mapeando as necessidades educa- cionais especiais presentes em cada sala; ● elaboração e planejamento do sistema de avaliação do pro- grama que permita acompanhar continuamente o cotidiano de sua implementação, possibilitando, também, identificar as intervençõesque se mostrem necessárias para garantir seu su- cesso, materializado no alcance dos objetivos; ● elaboração de planejamento que envolva as famílias e a comu- nidade, promovendo palestras, projeção de filmes, discussão sobre material audiovisual, entre outros, que possibilitem a sensibilização e conscientização acerca da convivência na di- versidade, para alunos, professores, famílias e comunidade. Liderança forte no papel do gestor Trata-se da maneira como o indivíduo exerce as forças simbólicas e culturais. Esse papel é fundamental no trabalho em equipe por esti- mular as relações sociais entre os alunos, profissionais e família, desen- volver com o professor uma concepção de disciplina para toda escola, enfrentar os desafios, garantir a tomada de decisões, tornar sua escola acolhedora e manter-se como uma comunidade. O papel do diretor tem implicações significativas na estruturação da escola. A excelência educacional depende do seu encaminhamento. Enquanto o professor incorpora o processo de inclusão, cabe ao diretor evitar qualquer situação interna que prejudique o seu acolhimento ou evite sua aceitação no corpo docente. Outro aspecto que merece destaque na organização da comunidade é a otimização do tempo em que os pro- fessores trabalham juntos, sendo também papel do gestor administrá-lo. Acima de todas as dificuldades, o gestor deve acreditar na inclusão. Caso transmita dúvida ou falta de crença com relação à política da inclu- são, os membros de sua equipe também vacilarão e o ensino inclusivo não terá êxito. As capacitações merecem olhar cuidadoso do gestor, que deve estar atento às necessidades da equipe e às prioridades dos alunos. Educação Inclusiva FAEL 96 O diretor ainda é responsável pela clareza na definição de funções, ele jamais deve permitir que o corpo docente perca de vista os aspectos da aprendizagem justificando o não aprender do aluno somente às suas condições individuais ou à necessidade de ampliar a interação social. O diretor deve ser o principal revigorador do comportamento do professor que demonstre pensamentos e ações cooperativas a serviço da inclusão. É comum que os docentes temam a inovação e assumam riscos que sejam encarados de forma negativa e com desconfiança pelos pares que têm uma concepção tradicional. O gestor escolar deve atuar envolvendo-se na organização das reu- niões pedagógicas, desenvolvendo ações relacionadas à acessibilidade universal, identificar e realizar as adaptações curriculares de grande porte e fomentar as de pequeno porte, possibilitar o intercâmbio e o suporte entre os profissionais externos e a comunidade escolar. Cabe a essa comunidade, muito mais do que uma técnica, o incentivo à troca de ideias, a discussão, a observação, as comparações, os ensaios e os erros, liderança com profissionalismo pedagógico. Aprender a fazer uma gestão inclusiva depende de uma prática con- tinuada, reflexiva e coletiva, pois é o resultado do comprometimento com a educação de todos os alunos e de toda a escola. A educação in- clusiva só será efetivada se medidas administrativas e pedagógicas forem adotadas pela equipe escolar, amparada pela opção política de constru- ção de um sistema de educação inclusiva. ReflitaReflita Educar-se na diversidade, em comunidades inclusivas, exige mais do que relações biunívocas, de A para B, de direita para esquerda ou do professor para o aluno, do antecedente para o consequente, da causa para o efeito. Educar-se na diversidade propõe um desafio da associa- ção, do mapeamento das subjetividades, do diálogo com a desigualda- de e da sensibilidade com as diferenças. ReflitaReflita Capítulo 1 Educação Inclusiva Capítulo 1 97 Trabalho cooperativo A meta da equipe torna-se trabalhar de maneira cooperativa e com- partilhar seus saberes, a fim de desenvolver um programa em progresso contínuo. O desenvolvimento da equipe proporciona a oportunidade de identificar lideranças, o que encoraja a ajuda mútua entre os professores e, assim, reforça comportamentos cooperativos. Para a consolidação da proposta, é necessário o envolvimento de todos os membros da equipe escolar no planejamento dos programas a serem implementados. Do- centes, diretores e funcionários possuem papéis específicos, mas preci- sam agir coletivamente para que a inclusão seja efetivada nas escolas. Prieto (2002) analisa que a troca de informações profissionais é imprescindível à melhoria da qualidade educacional, assim, a ação pe- dagógica refletida individual ou coletivamente possibilita a articulação e a construção de uma nova prática. Na Lei n. 9.394/96, que trata das Diretrizes e Bases da Educação Nacional, o Artigo 14 estabelece os princípios da gestão democrática, pois garante “a participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola” (BRASIL, 1996). Com o estabeleci- mento da Lei, é expressa a participação de todos na elaboração do proje- to político-pedagógico da escola. Quando todos participam e sentem-se responsáveis, bem como compromissados com aquilo que fazem, é con- cretizada a construção coletiva do projeto. O primeiro passo efetivo é garantir a gestão democrática e participativa como um dos possíveis ca- minhos à construção da escola inclusiva. Ao incentivar o trabalho coletivo, a equipe precisa preocupar-se, também, com o cuidado e clareza nas relações com os profissionais. Usar de franqueza e honestidade é o caminho mais adequado para uma convivência coletiva que prime pelo bem comum, ainda que, por vezes, pareça difícil falar tudo que se pense ou ouvir o que não se deseje. O importante é que os agentes desse processo tenham um gestor capaz de administrar as situações de conflito de forma a permitir que todos possam sair confortáveis de situações conflituosas. Uma diretriz inclu- siva estabelece verdadeiras relações pessoais e sociais, sustentadas por atitudes de respeito mútuo. A escola ensina aos membros mais novos da sociedade atitudes, valores e habilidades que serão usados durante toda a vida, assim, pode Educação Inclusiva FAEL 98 oferecer em seu interior algumas estratégias que levem o grupo a desen- volver as relações interpessoais com maior facilidade, como: ● promover objetivos mais cooperativos do que competitivos em sala de aula; ● estabelecer rotinas na sala das quais todos participem de for- ma igual e plena; ● ter como prática diária na sala falar de pessoas e coisas diferen- tes, ressaltando seus pontos positivos; ● garantir que o aluno com N.E.E. participe de todas as ativi- dades da escola; ● criar a cultura de valorizar pequenos atos dos profissionais, utilizando-se do edital, jornal do sindicato, boletim informa- tivo aos pais, entre outros; ● criar um código de conduta e ética na escola com todos os profissionais, por meio de discussões coletivas acerca do regi- mento interno; ● lançar um projeto anual de literatura sobre as diferenças que o aluno identifica em si, realizando premiação para os textos que mais valorizam as diferenças e direitos humanos; ● envolver o aluno na tomada de decisões sobre o apoio à inclusão. Em um trabalho de equipe é importante evitar mudanças de pes- soal, pois o grupo precisa se conhecer e buscar sua própria identidade, assim como deve rejeitar claramente qualquer percepção de hierarquia que não seja a figura do diretor (como o fato de dois professores trabalharem juntos e um assumir o papel de assistente). No processo de inclusão, as responsabilidades devem ser as- sumidas em conjunto, jamais a inclusão de um aluno é respon- sabilidade apenas de um membro da equipe. Você sabia que Albert Einstein foi conside- rado deficiente mental para alguns e autista para outros? Na verdade, ele só pensava de forma diferente e provou sua genialidade ao longo dosanos. Da mesma forma, temos mui- tos gênios em sala de aula, o professor deve ter o cuidado de descobrir a maneira como eles aprendem e não somente o que eles têm dificuldades para aprender. Saiba mais Capítulo 1 Educação Inclusiva Capítulo 1 99 Currículo fundamentado na valorização humana e na busca da igualdade O currículo escolar é uma construção coletiva e cultural que retra- ta a vida do aluno e da escola, local onde se formam pessoas mediante os processos de valorização diária que vivenciam. Todas as atividades realizadas interferem de maneira significativa na formação do caráter e da personalidade dos alunos, sendo assim, o currículo escolar auxilia na formação e no desenvolvimento do comportamento humano. É entendido também como um elemento que possibilita a socia- lização dos alunos. Nesse sentido, acredita-se que as relações sociais, as trocas de experiência, o cotidiano, formam um conjunto de fatores que garantem a formação de um currículo escolar que busca integrar a vida escolar à vida social. A articulação entre a teoria e a prática curriculares em sala de aula requer a competência do professor para identificar a vivência sociocultural dos alunos. O projeto político-pedagógico da escola é o que orienta de uma maneira geral todo trabalho realizado dentro de uma instituição de ensi- no. Deve ser construído a partir dos anseios de toda comunidade escolar, baseado na democracia, na construção da liberdade, da responsabilidade, do poder, no valor de cada cidadão e no desenvolvimento do coletivo. Devemos pensar quais critérios e subjetividades estão presentes no trabalho educacional e na ação pedagógica, influenciados pela orga- nização da grade curricular. A formação de um cidadão crítico, parti- cipativo, humano, solidário e reflexivo é dever do sistema de ensino. Com esse pensamento, podemos alcançar uma educação de qualidade, emancipadora de cada pessoa da comunidade, valorizadora de suas ri- quezas, para nos apoiarmos e lutarmos pelos instrumentos e benefícios que julgamos merecer. É preciso organizar as condições materiais e pedagógicas para iden- tificar as relações entre conteúdos ensinados e situações de aprendiza- gem que ofereçam a oportunidade da tomada de consciência acerca dos problemas sociais, econômicos, políticos, ambientais, que afetam a vida no capitalismo. Exemplo disso é o consumismo, a transformação dos materiais, a ocupação do espaço, os processos químicos, o valor objetivo do dinheiro, as possibilidades de vida saudável, as lutas para superar a pobreza, o desemprego, a violência, a precarização do traba- lho, o abandono das crianças, etc. Educação Inclusiva FAEL 100 O currículo de uma escola inclusiva é fundamentado nos princípios de preservação da dig- nidade humana, a qual considera que toda pessoa é digna e mere- cedora do respeito de seus seme- lhantes e tem direito a boas con- dições de vida e à oportunidade de realizar seus projetos. Outro princípio que deve constar na proposta curricular é a busca da igualdade. Todos devem primei- ro tentar encontrar uma identi- dade inconfundível, encontrando-se como pessoa, familiarizando-se consigo mesmo, até que tenha sua identidade preservada. Todos têm direito a oportunidades diferenciadas, tantas quantas forem necessá- rias, com vistas à busca da igualdade de direitos. Todas as pessoas com necessidades educativas especiais devem ter acesso aos conhecimentos socialmente acumulados, dando, assim, um passo fundamental para a construção de uma sociedade mais justa e solidária. Pedagogia familiar Os pais representam o primeiro elo da criança com o mundo. São as figuras centrais na construção de sua afetividade. Preocupam-se com a sua satisfação e a cercam de cuidados, na tentativa de assegurar seu desenvolvimento adequado, uma vez que a família é o primeiro grupo social ao qual ela pertence. Com a família a criança conhece o funcionamento das regras da so- ciedade na qual está inserida, além de seus direitos e deveres. A criança recebe dos pais características genéticas, psicológicas, culturais e sociais. Assim, a sociedade compreende que a família deve receber a proteção e assistência necessárias a fim de assumir plenamente suas responsabi- lidades dentro da comunidade. A criança, para o pleno e harmonioso desenvolvimento de sua personalidade, deve crescer no seio da família, em um ambiente de felicidade, amor e compreensão para a vida. Inicialmente, no processo de socialização, a família modela o com- portamento e a identidade da criança. Além do fornecimento de abrigo, Os resultados do Censo 2000 (IBGE) mostram que 24,6 milhões de pessoas apresentaram algum tipo de incapacidade ou deficiência no Brasil. Estima-se que esse número, em 2009, tenha crescido para 26 milhões. Isso representa 14,5% da população com alguma dificuldade de enxergar, ouvir, locomover-se, ou com algu- ma deficiência física ou intelectual. Estima-se que todos os meses pelo menos 8 mil brasi- leiros adquirem algum tipo de deficiência em decorrência de acidentes (SÃO PAULO, 2009). Saiba mais Capítulo 1 Educação Inclusiva Capítulo 1 101 alimento e proteção à criança, a família favorecerá o desenvolvimento dos papéis sociais e a aceitação da responsabilidade social, grantindo, assim, a sua sobreviência. É nessa família, sob condições de unidade e cooperação, que a criança desenvolverá o conceito de aprendizagem, a iniciativa e a criatividade. O senso de identidade pessoal da criança está relacionado à sua identidade familiar. Dentro da família, são inúmeras as correntes de sentimentos de todos os graus de intensidade. Elas definirão a atmosfera familiar, em que a personalidade e as reações sociais da criança se desenvolvem. Tal atmosfera dependerá da maneira como os pais demonstram amor um pelo outro e pelos filhos. Ao nascer, o bebê encontra um mundo estranho e hostil; nos bra- ços de quem possui a função materna, ele percebe um ambiente acon- chegante, confiável e protetor. Na falta desse aconchego, surge a sensa- ção de abandono e insegurança. A mãe e o pai, sentindo-se responsáveis e disponíveis para o filho, garantem a ele um ambiente adaptado a suas necessidades, até a ado- lescência. A família fornecerá uma estrutura sólida, na qual os filhos, sentindo-se seguros e amados, poderão se desenvolver de forma sau- dável e adquirir maturidade emocional, sendo capazes de estabelecer relações estáveis, boas e íntimas com outras pessoas. Assim, o tipo de relacionamento familiar que a criança experimenta nos primeiros anos de sua vida tem uma grande importância para a formação de uma per- sonalidade autoconfiante. A autoconfiança e a capacidade de confiar nos outros são alcan- çadas por indivíduos que cresceram em uma família que lhes forneceu grande apoio, respeito às suas aspirações, senso de responsabilidade e aptidões para conhecer e lidar com o mundo. Portanto, os pais ensinam aos filhos os seus próprios valores, que darão sentido às suas vidas e pe- los quais lutarão. A luta é essencial à vida, e a necessidade de conquistar seus próprios objetivos é parte do crescimento do indivíduo. A família saudável assume um papel de apoio, compreensão e aceitação. É um ambiente de segurança, mesmo quando todas as coi- sas parecem estar em transformação, sendo assim até que a criança chegue à fase adulta. Educação Inclusiva FAEL 102 Quando o novo membro da família chega com alguma deficiência, o clima harmonioso é transformado em possíveis sentimentos de dor, revolta, piedade e insegurança, que assombram os novos pais, que, na maioria das vezes, não sabem o que fazer com seus filhos desprotegi- dos, dificultando o acolhimento e o exercício das funções materna e paterna. A tendência é as famílias provocarem uma reparação, tentando dedicara vida a esse filho. Os pais de crianças especiais também são muito especiais, somente por meio da organização de seus sentimentos e do conhecimento sobre as questões que envolvem seus filhos e a si mesmos, poderão superar o momento da “morte do filho ideal”. Após esse momento, é iniciada a luta para a descoberta de novas possibilidades para a criança, as quais, com certeza, fogem dos padrões socialmente estipulados. Outro desafio para os genitores é educar a criança para torná-la o mais independente possível. Todos os membros da estrutura familiar conhecem seu papel e sabem como desempenhá-lo, entretanto, quando um incidente violento (doença prolongada, desastres naturais, dificuldades financeiras imprevistas, entre outros) acontece, é exigida dos membros uma redefinição dos seus papéis e o aprendizado de novos valores e padrões de comportamento, para se ajustarem ao novo estilo de vida, principalmente se tal incidente envolver o preconceito, um forte elemento de redefinição familiar. Ligada diretamente a esse aspecto, encontra-se a culpa, por parte dos genitores, de não terem tido a oportunidade de evitar o acontecido, afinal, nenhum pai ou mãe gera propositadamente um filho deficiente ou com dificuldades. É preciso ajudá-los a sair da dimensão da culpa e a entrar no campo da responsabilidade, fazendo-os lutar por melhoras na qualidade de vida de seus filhos. É dentro dos limites dessa unidade social que a criança aprende a ser respeitada, a ser única, a desenvolver a indivi- dualidade e a se tornar uma pessoa criativa em busca da autorrealização. Nessas condições está fundamentada a necessidade de desenvol- ver um projeto educacional capaz de subsidiar as orientações familiares quanto aos encaminhamentos da educação da pessoa com deficiência, não permitindo o sentimento de solidão que acaba afastando-a de sua vida social, sendo, dessa forma, privada de convivências importantes para a formação da sua personalidade. Capítulo 1 Educação Inclusiva Capítulo 1 103 Na primeira entrevista com a família, sustentamos a importância da escuta dos pais e da criança, compreendendo o que é transmitido de geração a geração, ou seja, a cultura na qual estão inseridos. A criança não precisa necessariamente da expressão verbal para manifes- tar seus sentimentos e elaborá-los. O trabalho pode ser feito a partir do brincar, que é significante, pois é também entendido como palavra. O importante é possibilitar muitas formas de expressão, além daquelas com o brinquedo. De acordo com Buscaglia (1993), o papel da família tem sido cada vez mais ressaltado, no sentido de ser parceira vital no processo de inte- gração (social, escolar) da pessoa com deficiência. Dessa forma, a escola deve investir no papel da família e na sua tarefa educativa. A ação com- partilhada dos pais com os educadores é um dos principais objetivos de uma proposta de pedagogia familiar. Os pais precisam saber da verdade sobre dificuldades de seus filhos em aprender, mas não podem ser desmotivados com relação à capacida- de do aluno de aprender e à maneira como isso poderá ocorrer. Jamais deve ser utilizado um prognóstico negativo de sua vida escolar, como a afirmação de que “nunca será alfabetizado”, pois cada sujeito tem o seu tempo e sua forma de aprender. É necessário cuidar da necessidade da família de manter o desejo e a expectativa sobre essa questão. O projeto deve ter como objetivo ajudar os pais a elaborarem “o saber” sobre esse filho e retomarem “o saber” sobre a sua educação. Os profissionais também devem cuidar do vocabulário utilizado nas conversas com os pais, traduzindo termos técnicos para que seja possível entender com clareza e objetividade o que acontece e o que precisa ser feito. Podem ser elaborados folhetos simples e explicativos so- bre deficiências e necessidades específicas na educação. Outra estratégia importante é valorizar constantemente o esforço dos pais, levando-os a reajustarem suas expectativas. Oferecer atividades em grupo pode se configurar em um interes- sante apoio emocional, pois juntas as pessoas podem fortalecer a opinião umas das outras e encorajarem-se a realizar ações necessárias, aliviando a carga emocional das pessoas envolvidas, visto que muitas conseguem expor seus problemas em uma perspectiva diferente. Educação Inclusiva FAEL 104 Podem ser oferecidas atividades manuais, que objetivam capacitar as famílias por meio de cursos de curta duração, a fim de iniciarem a descoberta de outras possibilidades em suas vidas, além de atenderem a seus filhos. Citamos outras ações que podem ser tomadas: ● elaborar propostas de atendimento como forma de trabalhar aspectos de caráter formativo e informativo, quanto ao desen- volvimento das crianças, tendo em vista as suas dificuldades cognitivas, emocionais e/ou físicas; ● propor reuniões bimestrais que envolvam todos os pais, para pa- lestras e atividades sobre temas de interesse do grande grupo; ● cuidar dos irmãos das pessoas com deficiência, pois geralmen- te são eles que acabam ficando com grande parte da respon- sabilidade, tendo sua vida invadida por essa necessidade posta desde muito cedo; ● garantir reuniões pedagógicas, com o objetivo de esclarecer aos pais a proposta na qual seu filho está inserido, os objeti- vos a se alcançar e aqueles já alcançados, bem como oferecer orientação e discussão sobre educação. Os pais têm o direito genuíno de experimentar a descrença, o choque, a culpa, a rejeição, o ódio por si mesmos e pela criança, a vergonha, o ressentimento, o medo, a impotência, a confusão, a negação frente à necessidade da criança, o senti- mento de responsabilidade sufocante. Todos são sentimentos que exigem atitude compreensiva para que sejam elaborados (BUSCAGLIA, 1993, p. 110). Os pais têm o direito de serem consultados sobre a forma de edu- cação mais apropriada às necessidades, circunstâncias e aspirações de seus filhos. Assim, é direito deles: ● acompanhar o processo de escolarização de seu filho; ● colaborar com o processo de aprendizagem, sob a orientação do professor e demais profissionais; ● manter a equipe escolar informada sobre particularidades im- portantes, como horário de medicação, dosagem, sinais de comunicação, etc. ● participar da vida da escola, mantendo-se próximos do coti- diano dos alunos e professores. Capítulo 1 Educação Inclusiva Capítulo 1 105 A equipe, portanto, deve manter a dignidade das famílias, usando abordagens baseadas nas potencialidades dos filhos, eliminando enca- minhamentos em que se evidenciem as dificuldades dos alunos e todas as formas possíveis que possam levar à rotulação do educando, envol- vendo a pessoa e sua família como participantes ativos do processo. Dica de Filme Assista ao filme As chaves de casa, que conta a história de Paolo, de 15 anos, que tem deficiências físicas e psicológicas. Criado na Itália pelos tios, precisa viajar até Berlim para realizar terapia de reabilitação. Faz sua primeira viagem com o pai e suas vidas se transformam nesse grande episódio. AS CHAVES de casa. Direção de Gianni Amelio. França; Alemanha; Itália: Pola Pandora Film; Arte France Cinéma; ACHAB Film; Arena Films; Bavaria Film; Jean Vigo Italia S.r.l.; Pandora Filmproduktion GmbH; Eurimages: Dist. Lions Gate Films, 2004. 1 filme (105 min), sonoro, legenda, color. Dica de Filme Constituição de redes internas de apoio A rede de apoio interna diz respeito a um grupo de pessoas que se reúnem para debater, resolver problemas e trocar ideias, métodos, técnicas e atividades para ajudar os alunos que apresentam necessidades educativas especiais. Pode ser constituída por duas ou mais pessoas, como pais, pedagogos, professores, terapeutas, entre outros. Na rede todos ajudam e apoiam-se mutuamente, formal ou infor- malmente,dando ênfase ao que a pessoa que será beneficiada necessita. Ela deve ser desenvolvida de maneira natural e contínua, fazendo parte da dinâmica interna e não se configurando como um acontecimento único e extraordinário. A sua condução deve ser dada pelos profissio- nais de dentro da escola e não por pessoas externas, que colaboram com o apoio, mas não o determinam. A rede deve ser constituída para todos, começando com o levan- tamento dos apoios naturais que existem no interior da comunidade. Educação Inclusiva FAEL 106 Os apoios devem ser usados até que a pessoa possa vir a desempenhar suas atividades de forma autônoma, cuidando para que não se torne dependente da ajuda que receberá. Os componentes não devem ser baseados em uma lista única, que não pode ser mudada; entretanto existem alguns membros com papéis definidos que não podem ser esquecidos, como os que apre- sentaremos a seguir. O aluno: configurando-se como o elemento mais importante do processo, deve estar a par de todos os encaminhamentos. A ele deve ser explicado porque acontecerá a diferenciação na forma de ensiná-lo, assim como ele deve ser questionado se deseja que isso aconteça. Para que em- podere-se de seu próprio destino acadêmico e responsabilize-se por ele, é preciso que assuma de forma consciente todos os arranjos organizacionais para o seu sucesso escolar. Esse aluno deve ser entendido como um sujei- to ativo do processo, com desejos, opiniões e também com soluções. Se o pequeno se engrandece, as pessoas com deficiência, do mesmo modo, tornam-se mais fortes. Mas isso só será possível se ocuparem seu lugar como atores, não como vítimas nem como heróis ou vilões. As transformações do mundo atual requerem a afirmação da ci- dadania como direito fundamental manifestado no respeito à liberda- de, iniciativa, participação, criatividade, inovação, abertura espiritual, autoafirmação, autoestima e reconhecimento da singularidade de cada ser. As pessoas com deficiência precisam de oportunidades e não de piedade, isolamento. Elas esperam o atendimento a suas necessidades de acordo com suas diferenças, mas não tratamento igualitário, descon- siderando sua condição de existência. Para isso, é preciso que elas se tornem visíveis, provocando questionamentos aos limites, às lacunas, às culpas, ao silenciamento das diversidades humanas. Essas pessoas necessitam de oportunidades para ampliar suas aspirações, suas forças, a consciência do seu poder e do que lhes falta. Tais indivíduos não aceitam os comportamentos autoritários, em relação à sua identidade, que julguem a sua capacidade profissional, considerem-nos pessoas doentes ou duvidem de sua capacidade de ler o mundo por meio dos sentidos remanescentes, dos instrumentos e do conhecimento acumulado. Eles também não aceitam que desconside- rem seus sentimentos, pensamentos, crenças e ignorem os recursos, as Capítulo 1 Educação Inclusiva Capítulo 1 107 múltiplas adaptações, modificações, as conquistas em termos de aces- sibilidade e ética, que constituem a riqueza das interações humanas e o conhecimento acumulado pelas ciências. Os colegas: para resolver um problema, convém convidar um amigo da sala, além do próprio aluno diretamente envolvido. O colega pode oferecer sugestões práticas para fazer, por exemplo, com que a pes- soa sinta-se aceita e bem-vinda, visto que pensa como uma pessoa com a mesma idade, desejos e necessidades do aluno. Com isso, os colegas incorporam a responsabilidade e o respeito à diversidade. O facilitador: esse personagem é inserido na rede de apoio por Schaffner e Buswell (apud STAINBACK; STAINBACK, 1999), que têm como principal objetivo o encorajamento de redes naturais para os alunos, facilitando a amizade, oportunizando situações para que esta- beleçam relações, apresentando o aluno de maneira positiva às pessoas e garantindo que o espaço seja organizado de forma que garanta sua participação integral nas atividades da turma. Esse membro é o alicerce que a equipe precisa para não desistir do processo inclusivo. Na medida em que surgem as dificuldades, ela tende a se sentir desmotivada, é nesse momento que entra o papel do facilitador, que encoraja e organiza formalmente equipes de suporte, ajudando a encontrar soluções criativas para os problemas, procurando garantir a permanência do aluno no ensino regular e providenciando recursos para facilitar a inclusão. Esse personagem pode ser desempe- nhado por qualquer membro da equipe pedagógica, mas é importan- te que ele seja identificado em cada rede de apoio constituída, assim como é importante que saiba se retirar quando o seu apoio não for mais necessário, para deixar a rede caminhar sozinha. O professor: a ele cabe uma das principais tarefas, articular e organizar o currículo adaptado, dominando o conhecimento sobre o aluno e seu estilo de aprendizagem. Também cabe a ele a tarefa de en- sinar, avaliar a proposta adaptada, sensibilizar e conscientizar a turma sobre a importância de conviver na diversidade. Seu trabalho deverá acontecer de forma cooperativa com o educador especial e os profis- sionais de suporte, quando necessário. Os recursos que a adaptação venha a exigir devem ser conquistados junto com o diretor da escola e solicitados para as devidas instâncias. Educação Inclusiva FAEL 108 O docente deverá, também, manter vínculo apropriado com a fa- mília, assegurando-lhe que o filho está sendo atendido de maneira ade- quada em suas necessidades, e manter, ainda, constante comunicação acerca do seu processo de aprendizagem. As adaptações exigem extremo nível de responsabilidade, rápidas providências e organização de documentos. Convém que o professor seja o responsável pelo registro do processo de adaptação curricular da criança, para isso é preciso que ele tenha autonomia e agilidade dentro da equipe. Ressaltamos que o cuidado com o professor está dentro dos prin- cipais objetivos da instituição que pretende tornar-se uma comunidade de ensino inclusiva. Ele pode sentir-se abandonado e o único respon- sável pelo processo. Nesse caso, pode deixar de acreditar que é possível uma educação de responsabilidades compartilhadas. O apoio e o espíri- to de equipe são determinantes para o sucesso da inclusão escolar. A família: é ouvida e tomada como parte educadora, com a qual são divididas as aprendizagens e as decisões acerca da educação de cada aluno. Todas as ações que afetem o aluno quanto às diferenciações me- todológicas e atitudinais, planejadas para possibilitar o acesso ao currí- culo, necessitam da participação ativa e contínua das pessoas da família. Assim como devem ser consultados sobre os melhores encaminhamen- tos para o aluno envolvido, os pais podem identificar formas muito peculiares de seus filhos aprenderem. Os pais são os maiores aliados no processo educativo e não podem ser vistos como ameaças que impedem os encaminhamentos pedagó- gicos. Alguns profissionais desenvolveram uma espécie de rejeição ao trabalho com a família, colocando-a em um papel de desafiadora do processo de aprendizagem oferecido pela escola. É preciso, no entanto, compreender que as famílias defenderão sempre seus filhos diante de qualquer ameaça que possa colocá-los em situação de perigo ou de ex- clusão, reagirão em sua defesa. É necessário deixar a família segura de que o aluno não será excluí- do da escola, de que ele não é uma pessoa “anormal”, inferior, “menos” que os demais, que não será estigmatizado, nem rejeitado. Essas garan- tias reforçam o vínculo de confiabilidade com os membros da família. Capítulo 1 Educação Inclusiva Capítulo 1 109 O representante legal do município ou estado: para legitimar o processo de adaptações curriculares, é necessária a presença de um repre- sentante legal da escola perante o município ou estado.Serão eles que vão legalizar, se for preciso, a questão da terminalidade específica, caso o aluno não possa concluir sua escolaridade detendo todos os conteúdos de sua grade curricular. Esses profissionais estarão atualizados sobre as legislações e normatizações legais de seu município ou estado, que garan- tam o sucesso da pessoa com deficiência na vida acadêmica, assim como ofereçam segurança e apoio à equipe da escola para realizar as adaptações necessárias, inclusive auxiliando na busca de apoios e recursos. Especialista de áreas específicas: os profissionais não dispõem de condições para compreender as especificidades de aprendizagem de cada área de deficiência ou dificuldades de aprendizagem. Dessa forma, a presença de um profissional que represente a área em que o aluno mais tem dificuldade beneficiará o esclarecimento de informações à equipe pedagógica e auxiliará na elaboração de um planejamento adequado às necessidades específicas de cada educando. A rede de apoio interna é formada pelos professores, pela equipe técni- co-pedagógica, por um especialista na área da deficiência que o aluno apre- senta, pela família, pelo aluno, pelos colegas de sala e pelo representante legal do município ou do estado. Essa equipe é responsável pelo planeja- mento, organização e realização do currículo adaptado, que deverá ser feito de forma organizada e sempre registrado em ata para ser oficializado. Normatização e registro O regimento escolar organiza, estrutura e normatiza as ações co- letivas da equipe pedagógica da comunidade de ensino e deve regular, no seu âmbito, a concepção de educação, os princípios constitucionais, a legislação educacional e as normas específicas estabelecidas pelo siste- ma de ensino. A garantia do direito de participação democrática deve acontecer no processo de construção do regimento interno do estabele- cimento de ensino ao qual todos estão vinculados. Educação Inclusiva FAEL 110 É nessa construção coletiva da comunidade escolar que o regimento se torna essencial. Uma vez que concretiza a legislação, todos os proce- dimentos devem ser normatizados tornando-se um instrumento funda- mental para a organização pedagógica e administrativa. Nele são eviden- ciados os compromissos dos profissionais que vivenciam a realidade e as peculiaridades da educação colaborando para o êxito do trabalho, com o compromisso de oferecer uma educação que valorize a permanência e a efetivação da aprendizagem do aluno. Toda organização deve possuir um conjunto de normas e regras que regulem a sua atividade traduzido em um documento que esteja disponível para a consulta de toda a comunidade escolar. Esse docu- mento deve possibilitar o aperfeiçoamento da qualidade da educação, definindo a responsabilidade de cada um dos segmentos que compõem a instituição escolar e buscando garantir o cumprimento de direitos e deveres da comunidade escolar. É necessário, também, assegurar a ges- tão democrática da escola, fortalecer a autonomia pedagógica, valorizar a comunidade escolar por meio dos colegiados e, efetivamente, fazer cumprir as ações educativas estabelecidas no projeto político-pedagó- gico da escola. Tal documento deve definir quando e como serão as reuniões para planejamento e avaliação da equipe, além de verificar quem deverá fazer parte da rede de apoio interna, a obrigatoriedade da flexibilidade curri- cular – conforme respaldo legal –, a necessidade da equipe enfatizar as potencialidades dos educandos e o envolvimento de pais e alunos. O ensino e a aprendizagem inclusivos Na prática pedagógica é importante o professor conhecer como ocorre a aprendizagem e ter clara a sua posição. As atividades experi- mentais são essenciais nesse processo. Elas devem levar o aluno a prati- car ações individuais e apoiadas, conscientes e reflexivas, no sentido de atingir maior capacidade de compreensão, de comunicação e do esta- belecimento de trocas sociais significativas. A metodologia de ensino é fundamental para o sucesso da apren- dizagem. O desenvolvimento de uma metodologia pedagógica que tem como objetivo repensar o papel do professor e do aluno quanto a ensinar e aprender pode ser constantemente revisado e atualizado. Para que o Capítulo 1 Educação Inclusiva Capítulo 1 111 processo de ensino-aprendizagem seja eficaz, devemos levar em consi- deração a reflexão sobre as experiências individuais de cada educando, juntamente com a abordagem teórica das metodologias pedagógicas, que colaborarão para o autodesenvolvimento, para a aprendizagem co- laborativa e para as aulas com maior interação entre professor e alunos. Dessa forma, compreendemos que não existe um único enca- minhamento pedagógico capaz de levar os educandos a aprender. O tipo “tamanho único” não funciona nessa perspectiva de trabalho. Ao professor cabe o esforço de agrupar todas as teorias modernas de aprendizagem. “Um professor competente jamais aceitaria ser en- quadrado numa teoria qualquer, porque imagina ser capaz de fazer a própria.” (DEMO, 1997). Ao relembrar que o indivíduo constrói o conhecimento median- te interações sociais, ações investigativas de objetos histórico-sociais e culturais, simbolizações e abstrações, reelaborações pela própria autoria, cabe ao professor conduzir a concepção de ensino que enfatize as explo- rações, as apropriações, as análises, as sínteses, as manifestações indivi- duais e apoiadas, respeitadas as múltiplas capacidades humanas, as varia- das dimensões do conhecimento, o compartilhar de pontos de vista. O professor pode escolher estratégias e procedimentos adequados às possibilidades dos alunos, com o objetivo de conquistar sua partici- pação ativa na solução de problemas, na superação de dificuldades, no compartilhar e na reelaboração do conhecimento aprendido. No ensino inclusivo, o professor atua como mediador da apren- dizagem, valorizador das capacidades de cada pessoa, organizando as ações exploratórias, as leituras, as interpretações, as tomadas de decisão quanto aos procedimentos, às etapas, aos objetivos, raciocínios, apoios, instrumentos, signos e linguagens em que cada aluno possa sistematizar e demonstrar o conhecimento. O docente é estimulado a observar os aspectos cognitivos, afeti- vos, emocionais e sociais de cada aluno, além de organizar problema- tizações, relações entre as áreas da ciência, entre o conhecimento e sua significação social e política. A prática pedagógica com educandos que apresentam N.E.E. tem objetivos que expressam diferenças de: capa- cidade de análise, de síntese, de estabelecer relações, de comparação e de avaliação. Educação Inclusiva FAEL 112 O objetivo de um método de ensino é servir de suporte ao pro- fessor, de modo que sejam criadas condições de acesso ao currículo e a outros instumentos por parte do aluno, bem como adequações para a manifestação do conhecimento, valorizando as possibilidades de apren- dizagem e comunicação. Da teoria para a prática Para iniciar a discussão acerca deste capítulo, sugerimos a leitura da citação de Paulo Freire, como forma de provocar um debate coletivo com base nas questões que seguem. Posteriormente, o docente pode pedir aos alunos que escrevam um texto sobre o que foi abordado com o grupo. Os profetas não são homens ou mulheres desarrumados, de- sengonçados, barbudos, cabeludos, sujos, metidos em roupas andrajosas e pegando cajados. Os profetas são aqueles ou aquelas que se molham de tal for- ma nas águas da sua cultura e da sua história, da cultura e da história de seu povo, dos dominados do seu povo, que co- nhecem o seu aqui e o seu agora e, por isso, podem prever o amanhã que eles mais do que adivinham, realizam... Eu diria aos educadores e educadoras, ai daqueles e daquelas que pararem com a sua capacidade de sonhar, de inventar a sua coragem dedenunciar e de anunciar. Ai daqueles e daquelas que, em lugar de visitar de vez em quando o amanhã, o futuro, pelo profundo engajamento com o hoje, com o aqui e com o agora, se atrelem a um passado de exploração e de rotina (FREIRE apud BRANDÃO, 1983). A atividade pode ser proposta como o modelo explicitado. O pro- fessor pode pedir aos alunos que discutam de forma coletiva, provocan- do as reflexões que seguem. ● Que elementos do passado e que rotinas já incorporadas em nós podemos superar para promover uma educação inclusiva? ● Quais desafios podemos promover para que os alunos não apenas denunciem o que lhes falta, mas organizem suas uto- pias, anunciando valores novos para cimentar suas vidas? Capítulo 1 Educação Inclusiva Capítulo 1 113 ● A que capacidade de sonhar, de inventar, e a que coragem de denunciar e de anunciar Paulo Freire se refere no texto? Outra atividade que o professor pode aplicar aos seus alunos é conhecida como dança solidária das cadeiras. Os materiais necessários para a realização são: uma cadeira para cada aluno, um CD com músi- cas agitadas e um rádio que toque CD. O professor deve colocar no centro da sala uma cadeira para cada aluno. Posteriormente, é necessário pedir às crianças que dancem em volta das cadeiras e, quando a música parar, todos devem sentar-se. Ao reiniciar a música, deve ser retirada uma cadeira enquanto os alunos dançam mais um pouco. Desliga-se a música no meio da dança e novamente todos devem se sentar, garantindo de alguma forma que tenham lugares suficientes. Retira-se mais uma cadeira e novamente se começa a música. Pro- ceder dessa forma até que sobre uma única cadeira, sem que nenhum aluno saia da brincadeira. Naturalmente as crianças vão precisar pegar no colo um ao outro. Ganham todos os alunos por terem mostrado solidariedade. Após o término, perguntar ao grupo como foi a atividade, o que sentiram, o que foi mais importante e divertido, o que acharam ruim e o que teve de diferente da brincadeira tradicional. A discussão pode ser levada para outras situações do dia a dia (nas quais, por vezes, ex- cluímos os outros), para, assim, encontrar formas de mudar a exclusão, assumindo uma atitude inclusiva. O professor pode pedir para que todos os alunos escrevam um texto e ilustrem tal situação. Síntese Vimos neste capítulo que a compreensão do benefício de trans- formar as escolas em comunidades de ensino inclusivas determina a promoção de práticas cooperativas, o protagonismo de cada pessoa, exercitando sua cidadania como defensores dos direitos, da ética, Educação Inclusiva FAEL 114 como leitores, escritores, educadores, artistas de suas próprias obras e diferenças. Pensar na transformação da escola convoca os educadores a repensar o projeto político-pedagógico, o que representa uma ação desafiadora e enriquecedora. O paradigma da educação inclusiva prevê a elaboração de práticas de trabalho cooperativo, a organização de um currículo fundamentado na valorização das capacidades singulares e o desenvolvimento de um projeto para trabalhar com a pedagogia familiar, constituindo redes de apoio internas, organizando o registro no regimento interno, procuran- do ter uma abordagem de ensino efetiva, estando aberto ao processo de mudança e flexível com relação aos erros. 115 As práticas pedagógicas configuram-se como um dos elementos fundamentais para o sucesso da aprendizagem em uma comunidade inclusiva de ensino. No decorrer da história, várias teorias contribuí- ram para compreender o complexo processo da aprendizagem. Dessa forma, várias delas precisam ser resgatadas para repensar a organização e flexibilização curricular e eleger as concepções que podem nortear a prática do professor para encontrar estratégias mais adequadas para potencializar a aprendizagem humana. Neste capítulo, realizamos uma análise sobre teorias e estratégias de aprendizagem da pessoa com necessidades especiais, com o objetivo de conhecer o desenvolvimento da inteligência humana à luz da contribui- ção de diversas teorias, assim como clarificar aspectos importantes para o seu sucesso na escola, retirando os estereótipos, os mitos, esclarecendo os principais passos para realizar uma adaptação curricular adequada. Aprendizagem Os ideais são janelas pelas quais olhamos o infinito. É possível apontar a lanterna para trás, iluminando o passado, ou apontar para onde estamos, iluminando o presente. Com um pensamento profundo, podemos nos capacitar para entender todas as circunstâncias, todas as dificuldades, todas as diferenças. Quando pensamos em algo, o resultado é a concentração que pode nos levar à compreensão. Compreender é identificar as causas de uma situação, os erros que repetimos. Isso é ponderar, refletir, usar a mente, meditar. Sujeitos em plena transformação, os homens, desde Educação inclusiva e suas implicações na prática pedagógica 2 Educação Inclusiva FAEL 116 sua concepção, são capazes de aprender, ensinar, amar, produzir. En- tender como isso ocorre é importante, principalmente para aqueles cuja vida está voltada ao aprimoramento de outros homens e mulhe- res, como os professores. Compreender as diversas fases pelas quais o homem passa é tam- bém entender as crianças, os jovens, os adultos, ou seja, a si mesmo e ao outro. É respeitar a diversidade: o universal e o particular. É ler o mundo além do que os olhos veem e se emocionar com a grandiosidade de possibilidades e talentos. A emoção tem três grandes poderes: a fé, a caridade e a esperança; eis a chave do comprometimento, do debruçar-se pela janela da vida, querendo ir além, ansiando pela vivência. Cada um pode crescer com as experiências, sejam as suas ou as de outros. Nesse confronto existe aprendizagem. Aprendizagem implica crescimento, desenvolvimento, humanização. Humanizar-se é tornar-se mais capaz, mais sensível, mais crítico, mais consciente de seu papel junto à história. É tornar-se mais próximo de seus ideais, de seus sonhos, de seu presente e futuro. A educação é um instrumento de emancipação, visto que possibi- lita a experimentação, a verificação e a crítica do que somos e do que podemos ser. Ao nos perguntarmos por onde o educador começa o seu trabalho, chegamos a uma resposta que nos remete à atenção do docen- te com relação ao conhecimento de seu educando. O professor, na prática pedagógica, apoia-se inicialmente no conhe- cimento dos saberes, das emoções e da trajetória do educando. Quem é o educando? Qual é a sua idade? Quais foram os acontecimentos mar- cantes de sua história pessoal? Que referências culturais sustentam o seu modo de ver e sentir o mundo? Como pensa? Por que elabora certas leituras e interpretações do mundo e dos acontecimentos? O modo como o professor concebe o aluno irá determinar a qua- lidade da ação pedagógica. É necessário combater a concepção tradi- cional de sanar deficits, definir limites preestabelecidos, elegendo um aluno “normal” ou uma “média” como referência e como critério para a programação de objetivos. Reconhecendo a importância dos aspectos emocionais, afetivos, cognitivos, psíquicos e neurológicos para a apren- dizagem, temos um profissional mais comprometido e responsável para com as necessidades e capacidades de cada aluno. Capítulo 2 Educação Inclusiva Capítulo 2 117 De acordo com José e Coelho (1999), o termo “desenvolvimento” significa o processo contínuo que se inicia com a própria vida, no ato da concepção, e abrange todas as modificações que ocorrem no organismo e na personalidade. Inclui os processos de maturação e aprendizagem. O mundo em que vivemos é construído simbolicamente pela mente, por meio da interação social com os outros e com suas cul- turas. Não existe mundo ideal, autônomo, puro ou aborígine a quenossas construções sociais necessariamente correspondam. Há sempre um campo referencial no qual símbolos são situados, tal campo parti- cular (linguagem, cultura, lugar, tempo) influencia a maneira pela qual os símbolos produzem significados. Não existe compreensão subjetiva pura, não estamos apenas diante do mundo social. Vivemos dentro dele a buscar novas experiências, novas compreensões. A aprendizagem é o resultado das relações sociais, mediadas por instrumentos, simbolizações, necessidades, problematizações, formula- ções teóricas, postulados científicos, idealizações. O desenvolvimento das estruturas corporais, psíquicas, neurológi- cas e orgânicas abrange apenas parte da constituição do sujeito. Assim, a maturidade se relaciona com o autoconhecimento, a capacidade de estabelecer vínculos sociais, a possibilidade de iniciar e concluir deter- minadas atividades, valendo-se de instrumentos, apoios humanos, cri- ticidade, flexibilidade, persistindo diante de erros e falhas, resistindo às próprias frustrações, superando dificuldades, aceitando os limites e as imperfeições humanas. A maturidade e o equilíbrio permitem ao ser humano cuidar do próprio corpo, da alimentação, nutrindo-se de água, realizando exercí- cios físicos, repouso com sono de qualidade, esquemas ou crenças re- flexivas, acolhedoras e inquiridoras, produzindo diálogos e vivenciando emoções, perseguindo objetivos elevados para sua vida de relações. O movimento é a produção da vida. Podemos afirmar que a maior ma- turidade de uma pessoa está relacionada com sua maior capacidade de controlar-se ou adiar a satisfação de certas necessidades imediatas. Ao contrário dos processos tecnológicos, a educação trabalha com histórias de vida em movimento, que se inter-relacionam, integram-se, contrapõem-se, harmonizam-se e entram em conflito. Existe um conjunto Educação Inclusiva FAEL 118 de fatores que interagem ao mesmo tempo e de forma diversa com relação a cada um dos sujeitos envolvidos nesse processo. Assim, o que “deu certo” em uma turma, com a outra pode “não funcionar”. A atitude, que foi bené- fica e ajudou um aluno a crescer, fez efeito contrário com outro. A comple- xidade e dinamicidade do processo educativo tornam esse aluno único. O ensinar e o aprender ocorrem no diálogo e na troca de saberes, no enfrentamento e na superação de dificuldades e de objetivos. Atualmen- te, a complexidade da vida obriga o homem a lidar com uma variedade de respostas, de possibilidades, com caminhos diversos a serem defi- nidos em cada situação. É necessário pensarmos que o conhecimento humano comporta múltiplos significados incorporados no interior de uma cultura plural e dinâmica. Eles refletem estruturas imaginativas, relações sociais, valores pessoais e coletivos. Conhecer inclui o desejo, que se constrói na convivência social, na troca entre seres imaginativos e inteligentes, sonhadores e críticos. Desvendar o que queremos para nós e para o mundo, escolher cami- nhos, enfrentar desafios, compartilhar conquistas e dificuldades são atitu- des que definem um psiquismo saudável, uma condição de maturidade. A ação educativa é realizada no mundo em movimento, isto é, com sujeitos que se constituem por influências múltiplas. A dificulda- de é romper com a prática que faz do aluno mero receptor, passivo e igual aos demais, é superar a prática apenas “lecionadora”, presente na tradição docente. Quando um educador ignora as diferenças entre os educandos, contribui para que se reforcem e se reproduzam as desigualdades so- ciais, ou seja, o êxito dos que dispõem dos mesmos códigos linguís- ticos trabalhados pela escola e o fracasso daqueles que travam outras experiências mais ligadas ao cotidiano, ao sensorial, às necessidades de sobrevivência. O docente também provoca o fracasso daqueles que não dispõem desses recursos, convencendo-os de que são inca- pazes de aprender e de que esse fracasso é resultado da insuficiência pessoal de cada um e não da inadequação da escola. Dessa forma, prevalece o princípio do inatismo, segundo o qual a predisposição determina o sucesso ou o fracasso escolar. Os alunos são forçados a se ajustar a uma realidade considerada estática, desconectando-se de suas trajetórias de vida. Capítulo 2 Educação Inclusiva Capítulo 2 119 É a tomada de consciência das capacidades próprias que move o educando para a aprendizagem e o conduz a um processo formativo persistente diante das dificuldades, além de torná-lo mais inteligente. O professor, os alunos, os coordenadores pedagógicos e outros profissionais podem se comprometer em organizar novas práticas em que as diferenças, as capacidades e as aprendizagens de cada indivíduo possam se manifestar, sendo validadas, legitimadas como critérios de aprovação e de avanço na trajetória escolar. A imagem que uma pessoa tem de si é, em grande parte, formada a partir da maneira como ela é vista por aqueles com quem convive, e a opinião do outro tem influência proporcional ao valor que ele tem em sua vida. Assim, quando pessoas que são importantes para nós nos elo- giam, sentimo-nos encorajados a enfrentar desafios, fortalecendo nossa autoimagem. O professor é importante para os alunos e constitui uma referência para a formação de seu autoconceito, a maneira como se rela- ciona com eles é fundamental para que se sintam inteligentes e capazes. É necessário não apenas elogiar o educando na ocasião adequada, mas mostrar-lhe, de forma precisa e direta, quais foram suas conquistas. Tais informações o ajudam a tomar consciência da sua aprendizagem e a usar com mais segurança os conhecimentos de que se apropria. Expressar para o outro o que estamos aprendendo também contri- bui para o desenvolvimento dessa consciência, porque a expressão por meio da língua organiza o pensamento. Quantas vezes nos damos conta do que pensamos somente no momento em que estamos conversando com outra pessoa? Quando alguém nos faz perguntas por não com- preender o que queremos dizer, ajuda-nos a organizar e complementar uma ideia que estava confusa. Por meio do diálogo, organizamos nossa fala e, ao mesmo tempo, nosso pensamento. No entanto, expressar-se nem sempre é fácil. Cabe ao professor ajudar os alunos a falarem de si, a emitirem opiniões sobre os aconteci- mentos e explicitarem suas hipóteses explicativas nas situações de apren- dizagem. É preciso construir uma relação com os alunos e entre eles de forma a criar um ambiente onde todos sejam respeitados em suas dife- renças. O docente cria essa possibilidade ouvindo as ideias de cada aluno com atenção, fazendo com que todos participem das atividades coletivas propostas, evitando comentários negativos na presença dos educandos, Educação Inclusiva FAEL 120 permanecendo atento à entonação da própria fala. Muitas vezes, não é o que dizemos, mas o tom que usamos que configura depreciação. O professor que de fato se constitui enquanto autoridade propor- ciona um clima de confiança e respeito, garantindo um ambiente pro- pício para a aprendizagem, em que os alunos sintam-se seguros para dizer o que pensam e o que querem, em um permanente exercício de democracia. E democracia não significa respeitar apenas a opinião da maioria, ela nos ensina a levar em consideração o direito, as necessi- dades das minorias, de cada pessoa. Entender a criança como sujeito em transformação é fundamental para ir além dentro do processo de aprendizagem e compreendê-la em suas diversas fases. ReflitaReflita Considerando a importância da autoexpressão, do uso da linguagem, das interações e da valorização de cada produção da criança, visto que “sua produção é ela mesma”, a linguagem, além de organizadora do pen- samento, cumpre a função de formar a individualidade e contribui para o autoconhecimento. Relate estratégias nas quais você podeestimular diá- logos, interações e levar a criança a compreender o próprio pensamento. ReflitaReflita No decorrer da história da educação existiram e coexistiram diver- sas concepções a respeito de como o desenvolvimento e a aprendizagem humana ocorriam. Descreveremos três importantes concepções: inatista, ambientalista e interacionista. Cada uma, a seu tempo e a seu modo, con- tribuiu e ainda contribui para uma maior compreensão do ser humano. Inatismo Esta concepção parte do pressuposto de que os eventos que ocor- rem após o nascimento não são essenciais, ou seja, as qualidades e potencialidades básicas do ser humano já estariam acabadas logo ao nascimento, pouco sofrendo modificação no decorrer de seu desenvol- vimento. O ambiente (a educação é incluída aqui) não deve interferir no desenvolver espontâneo do sujeito. Capítulo 2 Educação Inclusiva Capítulo 2 121 As origens dessa concepção são provenientes da Teologia – “o des- tino individual de cada criança já estaria determinado pela graça divi- na” (DAVIS; OLIVEIRA, 1994, p. 27) –, das propostas evolucionistas de Darwin, da embriologia e da genética. Para Darwin, biólogo inglês que viveu no século XVIII, a evolução é resultado de transformações graduais e cumulativas que ocorrem du- rante o desenvolvimento das espécies e que decorrem das variações he- reditárias que fornecem vantagens adaptativas em relação às condições ambientais prevalecentes. Nesse caso, o papel do ambiente é bastante li- mitado. “Cabe-lhe apenas determinar, dentre as possibilidades naturais de variação, quais são [...] as que melhor permitem à espécie sobreviver num ambiente específico.” (DAVIS; OLIVEIRA, 1994, p. 28). Dessa forma, os mais aptos de cada espécie poderiam sobreviver. Os estudos iniciais realizados pela embriologia também fornece- ram dados para a concepção de desenvolvimento inatista. Eles indi- cavam sequências de desenvolvimento praticamente invariáveis, que seriam em parte reguladas por fatores de origem interna, endógenos. Supunha-se que o desenvolvimento intrauterino ocorria em um am- biente fisiológico relativamente constante e isolado de estimulações externas. O modelo da embriologia para a vida após o nascimento in- dicava que a experiência individual não teria impacto sobre o organis- mo. O homem encontrava-se, então, predestinado a uma determinada maneira de viver e aprender. Ambientalismo A concepção ambientalista afirma que o ambiente exerce grande poder no desenvolvimento humano. O homem é entendido como um ser extremamente plástico, que desenvolve suas características em fun- ção das condições presentes no meio em que se encontra. Essa concep- ção deriva da corrente filosófica denominada Empirismo, que enfatiza o sensorial como fonte do conhecimento, na psicologia ela encontra apoio no behaviorismo, tendo como maior defensor Skinner, que pro- põe o comportamentalismo. Segundo essa visão, é possível moldar o comportamento humano com uma intervenção em seu ambiente. Segundo os behavioristas, é possível modificar o comportamen- to humano manipulando os elementos presentes em seu ambiente, Educação Inclusiva FAEL 122 fazendo com que ele aumente ou diminua sua frequência, com que desapareça ou só apareça em situações adequadas, com que ele se apri- more. Essas mudanças podem ser provocadas de modos diversos, um deles requer a análise das consequências ou resultados que produz no ambiente. As consequências positivas são denominadas reforçamento e provocam um aumento na incidência de determinados comporta- mentos, enquanto que as consequências negativas provocam uma di- minuição em sua incidência, sendo denominadas punição. No caso de comportamentos considerados extremamente inadequados é possível utilizar o procedimento nomeado extinção. Há outro fenômeno intitulado generalização, que ocorre quando um comportamento é associado a um determinado estímulo. A aprendi- zagem, na visão ambientalista, pode ser entendida como o processo pelo qual o comportamento é modificado como resultado da experiência. Interacionismo Para os interacionistas, o ser humano é influenciado e alterado pelo meio e, reciprocamente, tem a possibilidade de interagir com ele e trans- formá-lo. Nessa concepção, os elementos ser humano e meio são analisa- dos em conjunto, em função da interação entre eles. O homem é tomado como um “sistema aberto”, em transformação permanente. O mundo é o espaço das desequilibrações, dos enfrentamentos, das adversidades, dos conflitos, das problematizações, o que exige do indivíduo interações para que ele satisfaça necessidades e supere dificuldades. O interacionismo busca a democracia, a superação do egocentrismo pela deliberação coletiva, a negação da homogeneização, acolhendo as di- ferenças culturais, as trajetórias de vida, as necessidades de cada pessoa, o gênero, a origem social e econômica, etc. A liberdade resulta das adequa- ções produzidas socialmente, das condições de acessibilidade que possibi- litam a participação de cada pessoa. O sujeito epistêmico constitui-se em processos contínuos e descontínuos, ativos e em constantes interações. A educação é considerada uma situação desequilibrante, um pro- cesso indissociável entre o intelectual e o moral, elemento socializante que possibilita novos modos de perceber a realidade e a si mesmo. Prevê as adequações e os desafios para o aluno alcançar a autonomia para a reelaboração do conhecimento. Capítulo 2 Educação Inclusiva Capítulo 2 123 A escola interacionista prima pelo desenvolvimento da autono- mia, pela prática da observação, do compartilhar e do confronto de ideias, a cooperação, a autoria do conhecimento, apoiada pela media- ção do professor ou de um colega mais “experiente”. Privilegia a inser- ção social do indivíduo como um sujeito ativo, enfatiza a pesquisa, os apoios oferecidos e recebidos, a tomada de consciência dos procedi- mentos, dos raciocínios e escolhas elaborados, enfim, o processo e não apenas o produto, o resultado. O professor é entendido como o mediador, o mobilizador, inves- tigador, pesquisador, orientador, coordenador e desequilibrador. Na inexistência de um modelo de conhecimento a ser seguido, o aluno é tratado como sujeito participativo, investigativo e capaz de contribuir com conteúdos significativos. A metodologia de ensino é embasada em uma teoria do conheci- mento do desenvolvimento humano, estando focada na ação do indi- víduo. A metodologia de ensino é investigativa, interativa, desafiadora e valorizadora das diferenças e capacidades de cada pessoa, propondo o enfoque interdisciplinar, trabalhos em duplas, explorações conceituais, históricas, lógico-matemáticas, artístico-culturais, abordagem dos as- pectos socioeconômicos, políticos, biológicos, ambientais, a existência humana, o outro, a musicalidade, as imaginações, a crítica ao existente, as reivindicações, as celebrações. No interacionismo, o ser humano é situado no tempo e no espaço específicos, subjetivados, em contextos e locais diferenciados, etc. As problematizações são coerentes com as possibilidades de cada aluno. Essa concepção tem como maior representação os estudos realizados por Vygotsky e Piaget. Lev Semyonovitch Vygotsky nasceu em 5 de novembro de 1896, na cidade de Orsha, a Nordeste de Minsk, na Bielo-Rússia. Advogado e filósofo, iniciou sua carreira como psicólogo logo após a Revolução Russa, em 1917. Jean Piaget nasceu em Neuchâtel, na Suíça, em 9 de agosto de 1896. Pesquisador e estudioso do desenvolvimento intelectual por meio do método clínico, trouxe-nos a gênese das estruturas lógicas do pensamento da criança. Educação Inclusiva FAEL 124 Cada um em seu próprio ambiente, lugares extremamente distintos entre si, cada qual com suas possibilidades, esses dois pensadores revolucio- nariam as noçõesde como se dá o desenvolvimento cognitivo da criança. Suas concepções, semelhanças e diferenças serão explanadas a seguir. Aprendizagem segundo a Teoria Cognitiva Os conceitos da psicologia cognitiva se aplicam ao conhecimento e à aprendizagem em geral e, naturalmente, valem para o conhecimento matemático. É possível aprender recebendo informações, treinando e decorando regras, no entanto não é possível garantir que se atinja a compreensão; assim, a psicologia cognitiva buscou analisar o aprendi- zado de maneira compreensiva. Entre inúmeras descobertas, os pesquisadores concluíram que cada criança pensa de maneira diferente dos adultos e de outras crianças, e que o pensamento evolui, passa por estágios. Em cada um deles, ela apresenta uma maneira especial de compreender e explicar as coisas do mundo. A Teoria Cognitiva defende que a aprendizagem é um processo in- dividual que se realiza internamente, na medida em que se relaciona com o meio ambiente, que desafia o indivíduo a encontrar soluções diversificadas para interagir e transformá-lo se for preciso (PINHEIRO; GONÇALVES, 2001). A seguir, serão relatados os estudos de dois grandes contribuidores da Teoria Cognitiva: Jean Piaget e Lev Semyonovich Vygotsky. Jean Piaget Piaget concebeu que a criança possui uma lógica de funciona- mento mental que difere – qualitativamente – da lógica do adulto. Nessa investigação, ele partiu de uma concepção de desenvolvimento envolvendo um processo contínuo de trocas entre o organismo vivo e o ambiente. “O desenvolvimento mental é uma construção contínua, comparável à edificação de um grande prédio que, à medida que se acrescenta algo, ficará mais sólido [...].” (PIAGET, 1972, p. 12). Segundo Wadsworth (1996), Piaget considera que o desenvolvi- mento cognitivo é dividido em quatro estágios, apresentados a seguir. Capítulo 2 Educação Inclusiva Capítulo 2 125 1° Sensório motor (0 a 2 anos): diz respeito aos reflexos neu- rológicos básicos; o bebê começa a construir esquemas de ação para assimilar mentalmente o meio. A inteligência é prática. As noções de espaço e tempo são construídas pela ação. O contato com o meio é direto e imediato, sem representação ou pensamento. 2° Pré-operatório (2 a 7 anos): também chamado de estágio da in- teligência simbólica. Aqui, ocorre a interiorização de esquemas de ação construídos no estágio anterior. A criança, nesse período, é egocêntrica, centrada em si mesma, e não consegue se colocar, abstratamente, no lu- gar do outro, não aceita a ideia do acaso, tudo deve ter uma explicação (é a fase dos “porquês”). Já pode agir por simulação, possui percepção global sem discriminar detalhes e deixa-se levar pela aparência sem rela- cionar fatos. 3° Operatório concreto (7 a 11 anos): a criança desenvolve noções de tempo, espaço, velocidade, ordem, casualidade, sendo capaz de rela- cionar diferentes aspectos e abstrair dados da realidade. Não se limita a uma representação imediata, mas ainda depende do mundo concreto para chegar à abstração. Ela desenvolve a capacidade de representar uma ação no sentido inverso de uma anterior, anulando a transforma- ção observada (reversibilidade). 4° Operatório formal (dos 12 anos em diante): a representação, agora, permite a abstração total. A criança não se limita mais à repre- sentação imediata nem somente às relações previamente existentes, mas é capaz de pensar em todas as relações possíveis logicamente, buscando soluções a partir de hipóteses e não apenas pela observação da realidade. Em outras palavras, as suas estruturas cognitivas alcançam o nível mais elevado de desenvolvimento e tornam-se aptas a aplicar o raciocínio lógico a todas as classes de problemas. Segundo essa teoria, o desenvolvimento da inteligência está inti- mamente ligado a: ● hereditariedade – diz respeito às heranças do organismo que amadurece em contato com o meio ambiente, o qual deve ser rico em estímulos, o que vai possibilitar o surgimento das es- truturas mentais. Quanto mais a criança explora o meio, mais é capaz de relacionar fatos e ideias, tirar conclusões, sendo, assim, capaz de pensar e compreender. Educação Inclusiva FAEL 126 ● adaptação – permite que a pessoa responda ao ambiente com o processo de assimilação (uso de uma estrutura mental já for- mada) e a acomodação (processo que implica a modificação de estruturas já desenvolvidas para resolver uma situação). ● esquemas – podem ser simples, como uma resposta específica a um estímulo, ou complexos, como a forma de solucionar problemas matemáticos. Os esquemas estão em constante desenvolvimento e permitem que o indivíduo se adapte aos desafios ambientais. ● equilibração das estruturas cognitivas – consiste em uma passagem constante de um estado de equilíbrio para um es- tado de desequilíbrio. É um processo de autorregulação in- terna. O desequilíbrio é fundamental, pois o sujeito buscará novamente o reequilíbrio, com a satisfação da necessidade, daquilo que ocasionou o desequilíbrio. A aprendizagem se dá por meio de desequilíbrios (caos), a ordem (equilíbrio) é o objetivo momentâneo e não permanente. De acordo com Wadsworth (1996), Piaget conclui que a inteligência não au- menta por acréscimo, mas por reorganização. É preciso, no entanto, que exista uma necessidade fisiológica, afe- tiva ou intelectual do indivíduo de se relacionar com o meio. Rochael (2008) descreve que, para Piaget, as necessidades geram um desequi- líbrio que levam à busca da satisfação. O sujeito, portanto, primeiro assimila as novas informações do mundo exterior, o que lhe cau- sa certo desequilíbrio de com- preensão, e posteriormente as acomoda. Ao organizar-se inter- namente, a criança adapta-se ao meio e essa adaptação nada mais é do que o equilíbrio entre a as- similação e a acomodação. De acordo com Pinheiro e Gonçalves (2001), o professor atua como incentivador e orienta- dor da aprendizagem, favorecendo Em São Paulo, o Colégio Winnicott – insti- tuição de ensino regular – tem sido modelo no atendimento a alunos com dificuldade de aprendizagem, atenção e concentração. Com a escola de pais e os encontros individuais, o colégio procura envolver a família no processo da aprendizagem. O nome é uma homenagem a Donald Winnicott, renomado pediatra e psicanalista inglês. Saiba mais acessando o site: <http://www. winnicott.com.br>. Saiba mais Capítulo 2 Educação Inclusiva Capítulo 2 127 a participação dos alunos. O educando é estimulado a trabalhar de modo autônomo e independente, a observar, experimentar, criar e executar, de- senvolvendo, dessa forma, capacidade crítica e reflexiva. Nessa modalidade de ensino, a prática pedagógica tem metas definidas e expressa diferentes níveis de desempenho: capacidade de análise, síntese, relação, comparação e avaliação. Lev Semyonovich Vygotsky Desde os primeiros dias de desenvolvimento da criança, suas ati- vidades adquirem um significado próprio em um sistema de compor- tamento social. No trabalho de Vygotsky e no de seus companheiros, Luria e Leontiev, encontramos uma concepção de desenvolvimento do ser humano em um ambiente que é histórico e social. Desse modo, des- tacam-se as possibilidades de que o ambiente dispõe, como instrumen- tos físicos (exemplo: enxada, colher, mesa, etc.) e simbólicos (cultura, valores, crenças, etc.) que, juntamente com a maturação dos elementos orgânicos de cada um, contribuem para a formação de novas e comple- xas funções mentais. Logo, percebemos a contínua interação entre esses dois elementos dentro do processo de desenvolvimento. A interiorização progressiva dessa interação não é verificada de modo linear, pois se isso ocorresse o ser humano estaria fadado ao determinismo social, ou seja, não haveria a possibilidade de escolhas, ocorrendo uma sucessãode fatos que o homem não poderia interrom- per e dos quais não poderia escapar, pois tudo na natureza já estaria pre- viamente determinado. No entanto, Vygotsky nos indica que a criança se apropria das experiências de forma bem particular, podendo, assim, posicionar-se perante o seu mundo, tornando-se ativa e assumindo o controle de sua própria conduta. Para o autor, o sistema linguístico é de extrema importância, vis- to que por meio dele a criança reorganiza seus processos mentais. A palavra dá forma ao pensamento, oportunizando novas modalidades de atenção, memória e imaginação, a relação entre fala e pensamento modifica-se ao longo do desenvolvimento. Ao aproximar-se dos três anos de idade, a fala da criança acom- panha, frequentemente, o comportamento infantil, é comum que aos dois anos ela faça algo e, ao mesmo tempo, descreva o que está fazendo. Educação Inclusiva FAEL 128 Com o decorrer do desenvolvimento ela será capaz de planejar suas ações, ou seja, pensar e depois fazer ou falar, antevendo suas atividades. Isso pode ser verificado quando a criança fala alto para si mesma e in- dica o que irá fazer. Após a idade de seis anos, o falar alto é substituído pelo sussurro até desaparecer, tornado-se uma fala interna. Portanto, fica claro que Vygotsky adota em sua concepção a noção de que pensamento e linguagem estão em constante interdependência. Uma grande diferença entre o seu pensamento e o de Piaget é o fato de que, para o primeiro, os fatores biológicos são preponderantes somente no início da vida da criança e os fatores sociais criam, posteriormente, oportunidades diversas, enquanto que, para o segundo, existe uma se- quência única de estágios cognitivos. O caminho do objeto até a criança e desta até o objeto passa através de outra pessoa. Essa estrutura humana complexa é o produto de um processo de desenvolvimento profundamente enraizado nas ligações entre história individual e história so- cial (VYGOTSKY, 1988, p. 33). Vygotsky utiliza um conceito importante, o da zona de desenvol- vimento proximal, isto é, a distância entre o nível de desenvolvimento atual e o potencial. Tal conceito possibilita a compreensão das funções do desenvolvimento que estão por completar-se. Desenvolvimento da inteligência e a fisiologia cerebral que rege a aprendizagem Ao traçarmos uma linha histórica a respeito do estudo do cérebro, perceberemos que apenas há pouco tempo – menos de três séculos – o avanço do conhecimento humano permitiu uma abordagem menos mística e simbólica a respeito de suas funções. Alguns crânios humanos foram encontrados com perfurações feitas em vida, contendo sinais de cicatrização, em sítios arqueológi- cos que datam de até 10 mil anos atrás. Muito provavelmente, essas operações foram realizadas com o objetivo de possibilitar “a saída de maus espíritos”, que estariam atormentando o cérebro. Essa ligação do órgão às funções mentais era natural, os homens primitivos, em todas as eras, podiam observar que fortes traumas cranianos induziam Capítulo 2 Educação Inclusiva Capítulo 2 129 a convulsões, perda da consciência, da memória e/ou alterações da percepção e do comportamento. As inovações científicas ajudaram a revelar a fantástica organização do cérebro em detalhes; quanto mais estudos surgem, mais mistérios vão sendo desvendados. As formas como o ser humano aprende e evo- lui ainda são pauta de grandes discussões entre os neurocientistas. Para que ocorra um processo de compreensão das informações, é preciso que o sujeito esteja atento. Assim, todas as mensagens captadas são submetidas a um contínuo processamento e elaboração interna que funcionam em níveis cada vez mais complexos e profundos. Esse pro- cessamento é iniciado com a recepção das informações, prossegue com sua interpretação e é finalizado com a emissão de suas respostas. Segundo Pauen [200-], para sobreviver, o homem enfrentou vários desafios em sua vida e, com isso, seu cérebro se desenvolveu cada vez mais, como forma de suprir as suas necessidades. Ao buscar algo novo, esse órgão permite novas aprendizagens, mudando sua anatomia sempre que é estimulado. Sua finalidade é a de levar o ser humano a perceber o mundo e saber como reagir diante dele, assim como de otimizar os comportamentos para satisfação de seus desejos. Nessa perspectiva, a aprendizagem é considerada um processo contínuo, que resulta da recepção e da troca de informações entre o meio ambiente e os diferentes centros nervosos, iniciando pelo estímu- lo da natureza externa que se transforma em impulso nervoso pelos órgãos dos sentidos. O cérebro contém diversas áreas especializadas que são respon- sáveis pelo desenvolvimento de várias atividades, como planejar movimentos, fazer julgamento ou mapear o cenário visual; ele é o centro de controle do movimento, do sono, da fome, da sede e de quase todas as atividades vitais necessárias à sobrevivência. Todas as emoções, como o amor, o ódio, o medo, a ira, a alegria e a tristeza, também são controladas pelo cérebro. Ele está encarregado, ainda, de receber e interpretar os inúmeros sinais enviados pelo organismo e pelo exterior. O córtex cerebral está dividido em mais de quarenta áreas funcionalmente distintas, cada uma delas controla uma ativi- dade específica. Educação Inclusiva FAEL 130 Para prosseguirmos, se- rão apontados aspectos do desenvolvimento cerebral, se- gundo Pauen [200-], que des- creve com excelência o cená- rio e os meandros da evolução da mente humana. Por meio de estudos neurológicos já é possível saber que um bebê com poucos meses de vida é capaz de se lembrar das coisas e organizá-las em seu cérebro como se estivesse separando as informações em arquivos. Não é necessário que aprenda novamente a cada experiência, pois pode fazer transferência de um objeto aprendido para outro. Quando, por exemplo, descobre o que é uma cadeira, não mais a esquece, sempre que visualizar esse objeto, ainda que em diferentes ambientes, poderá identificá-lo. Entre as novas descobertas acerca dessa questão, está a identifica- ção de várias áreas cerebrais que processam diferentes informações já em recém-nascidos. As funções cerebrais são ativadas na medida em que a rede neural vai sendo ampliada, com o aumento das sinapses4. Quando a criança nasce, uma das regiões mais desenvolvidas do órgão é responsável pelas funções motoras básicas. O cérebro humano triplica o seu peso até os cinco anos e continuará a crescer até os dezoito. Durante o seu amadurecimento, a rede5 de células nervosas vai se tornando cada vez mais densa e aumenta as sinapses consideravelmente. 4 É um ponto de união entre duas células que fazem contato. Sinapse é a conexão entre dois neurônios vizinhos, a qual possui mais de um tipo, segundo as formações que fazem o contato entre essas células para que se propague o impulso nervoso de uma para a outra. 5 Também chamado de neurônio, que é uma célula extremamente estimulável; é capaz de perceber as mínimas variações que ocorrem em torno de si, reagindo com uma alteração elétrica que percorre sua membrana. Essa alteração elétrica é o impulso nervoso. As célu- las nervosas estabelecem conexões entre si de tal maneira que um neurônio pode transmitir a outros os estímulos recebidos do ambiente, gerando uma reação em cadeia. Fala Audição Movimentos básicosMovimentos coordenados Comportamento e emoção Associação visual Tato Visão Capítulo 2 Educação Inclusiva Capítulo 2 131 A partir dos dois meses de idade do indivíduo, ocorrem maiores conexões sinápticas do córtex6 visual, o que faz com que o recém-nascido não consiga enxergar claramente os objetos à sua volta. Como a cabeça cresce com velocidade no primeiro ano de vida, a distância entre os olhos se modificaconstantemente e o bebê ainda não consegue controlar a musculatura ocular, assim percebe fortes contrastes e estímulos móveis, mas não diferencia variação de cores ou claridade. Aos quatro meses, ele reconhece os principais aspectos do mundo ao seu redor e coordena no cérebro as informações visuais de ambos os olhos. Já aos seis meses, o cérebro atinge a forma que possuirá na fase adulta, nesse momento a criança já é capaz de sentar e, visualmente, está pronta para descobrir o mundo. Com tais descobertas, é levantada a hipótese de que a organização de informações no cérebro do bebê acontece pela aparência dos objetos. Aos seis meses de idade da criança, ocorre através do órgão do sentido um dos fenômenos mais brilhantes para o processo de aprendi- zagem: a criança já consegue fazer imagem dos objetos e das pessoas em sua mente, estruturando a lembrança em pensamentos. Ocorre, então, a formação de representações mentais estáveis, ou seja, mesmo que o objeto ou as pessoas não estejam em sua frente (no seu campo de visão), continuarão existindo, pois consegue imaginá-las sem a sua presença. Por meio do olfato, tato, gustação, visão e audição, a criança será capaz de fazer essas imagens, pois, ao percebê-las corporeamente, seu cérebro processará a informação e a transformará em imagem. Isso acontece desde o momento do nascimento, quando são ins- taladas as primeiras marcas psíquicas no sujeito e ele começa a ter as sensações do toque materno. Aos poucos, percebe a existência do corpo da mãe e começa a diferenciar-se dela (WADSWORTH, 1996). Ao longo das experiências do bebê, são registradas imagens e sensa- ções em relação às outras pessoas que lhe são apresentadas, como o pai, os avós, os tios, etc. Após essa etapa, ele pode fazer imagem mental dos 6 O córtex corresponde à camada mais externa do cérebro. Rico em neurônios, é o local do processamento neuronal mais sofisticado e distinto. O córtex humano tem entre 1 e 4 mm de espessura, com uma área de 0,22m2 (se fosse disposto em um plano), e desempenha um papel central em funções complexas do cérebro, como na memória, atenção, consciência, linguagem, percepção e pensamento. Educação Inclusiva FAEL 132 objetos. Jean Piaget denomina essa fase como “permanência do objeto”, que, segundo sua teoria, acontece somente após o primeiro ano de vida. Nessa fase, as crianças começam a diferenciar o desconhecido, “estra- nham”, por exemplo, o colo de pessoas não conhecidas e reconhecem os mais próximos da família, identificando as pessoas pela aparência. Também conseguem diferenciar seres vivos de coisas inanimadas, as- sim, antes de completar um ano de idade, já são capazes de raciocinar. Esse processo, portanto, começa com a sensação (os cinco senti- dos) e termina com a associação das ideias. Isso explica porque, inde- pendente da deficiência da pessoa, ela pode fazer imagens mentais e, assim, guardar suas informações no campo da memória. Porto e Olimpio (2010) retratam em sua obra que as primeiras relações sociais, ainda que nos primeiros meses de vida se restrinjam à mãe e ao bebê, permitem que a criança construa ativamente significa- dos e expressões que constituirão gradativamente a sua linguagem, pelo simples fato de ter sido mergulhada no mundo simbólico da palavra. Agora ela tenta fazer as primeiras comunicações, percebe que um balbucio tem sentido, seu choro já não é mais somente uma expressão vocal, mas, especificamente, uma forma de comunicação. Se tiver to- das as condições orgânicas e biológicas, começará, então, a ter indícios de palavras, inclusive dos objetos de que ela tem imagem mental. Aos poucos, perceberá que pode usar palavras para tudo. Posteriormente, começa a entender que uma palavra pode ter duplo sentido e, então, começa o processo de generalização de fatos, descobre que existem muitas mães no mundo, que existem vários tipos de carri- nho, de boneca, de chocolate, etc. Quando esse momento chega, seu vo- cabulário amplia-se em alta velocidade. Segundo Ferreira (1993), quanto mais generalizações ela fizer, maior será sua facilidade em mais tarde rea- lizar conservação de números, de quantidade, líquido, peso e tempo. Ballone (2003) afirma que a base estrutural da inteligência huma- na é o pensamento formal. É o processo intelectual de compreender os conceitos, suas explicações causais e suas consequências, antecedentes e consequentes, as relações entre disciplinas, entre o cotidiano e a ciência, entre o concreto e o abstrato. Dessa forma, compreendemos que o pensamento é uma rede in- finita de representações (imagem mental), conceitos (capacidade de Capítulo 2 Educação Inclusiva Capítulo 2 133 selecionar e generalizar atitudes e imagens) e juízos (capacidade de jul- gar qual o conceito é o melhor). Julgar algo é estabelecer relação entre conceitos, ora comparando, agrupando, ora generalizando. Quando uma pessoa pode fazer o juízo, articulando os conceitos, podemos afir- mar que ela raciocina, o que, segundo o mesmo autor, é a atitude de relacionar os juízos uns com os outros. Iniciamos, nesse momento, o pensamento lógico, com o objetivo de alcançar uma conclusão ou uma solução. Quando finalmente a pessoa pode dar forma às ideias, ocorre o que Piaget chama de pensamento formal. Um cérebro humano com as condições funcionais e neuroquími- cas corretas e sem problemas genéticos não garante que a aprendizagem acontecerá em sua completude, pois o sistema nervoso central também vai interferir nesse processo. Segundo Jerusalinsky ([2006], p. 30), nos primeiros anos de vida acontecem experiências fundamentais para a constituição do sujeito psíquico e suas aquisições neuronais (lingua- gem, psicomotricidade e construção do pensamento). Para a autora, em nenhum outro momento da vida haverá um desenvolvimento tão significativo, assim todas as intervenções precoces estimularão o bebê e contribuirão significativamente para o seu desenvolvimento integral. Mesmo que muitas características já estejam determinadas ao nas- cer, as experiências de vida têm papel decisivo, permitindo que a crian- ça obtenha o máximo de proveito das potencialidades orgânicas. Essa autora explica, ainda, que a intervenção precoce pode, assim, promover a prevenção secundária em casos de crianças que apresentem algum tipo de deficiência. Os estímulos serão decisivos para o complemento das estruturas neuroanatômicas no processo de maturação e nas inscri- ções para a constituição psíquica do sujeito. Jerusalinsky [2006] explica que as intervenções levam o bebê a utilizar os diferentes esquemas psicomotores, cognitivos e de comu- nicação, fundamentalmente pelos laços criados com algumas pessoas centrais para sua vida. Com isso é estabelecido um sentido simbólico para sua existência e, só a partir dele, a exploração dos objetos adquire significado para o bebê. Nesse momento, a intervenção é denominada “tempo das primei- ras inscrições”, pois são as primeiras marcas simbólicas que definirão se um bebê estará em posição de apropriar-se do domínio do seu corpo e Educação Inclusiva FAEL 134 de fazer as explorações. Isso será possível apenas se o sujeito que fizer a intervenção (um profissional, a mãe, o pai ou quem desempenhe essa função) puder supor que o bebê é capaz de corresponder aos estímulos ofertados. A expectativa desse outro é determinante para que o bebê sinta-se amado e desejado por alguém. Contudo, se o mediador pen- sar que o bebê é incapaz, pouco ou nenhum estímulo será feito. Se a expectativa for negativa, podem ser suprimidos os estímulos que irão desafiá-lo e levá-lo a produzir novos esquemas. Para que um bebê possa fazer novas aquisições, é preciso que os pais suponham nele capacidades físicas e psíquicas. A fan- tasia deles sobre o filho pode levá-lo a ampliar suas possibili- dades de desenvolvimentoou, ao contrário, comprometê-las. Cabe, então, aos que cumprem as funções maternas e pater- nas, as chamadas figuras de cuidado e de apego, desencadear na criança o interesse e as competências para a exploração do corpo e dos objetos (JERUSALINSKY, [2006], p. 33). A intervenção acontece por meio das atividades próprias, como o brincar e os cuidados do dia a dia, de forma natural, buscando, assim, a riqueza dos estímulos, pois sem eles nos primeiros anos de vida as marcas psíquicas e neurológicas serão irreversíveis. ReflitaReflita A partir do estudo sobre as concepções de desenvolvimento citadas, elabore um texto reflexivo posicionando-se em relação a elas, procu- rando demonstrar suas contribuições para o desenvolvimento do pro- cesso educacional. ReflitaReflita Miranda [2007] ressalta, em seus estudos acerca do processo de desen- volvimento, relatados na revista Mente&Cérebro, as contribuições de Ale- xandre Luria, famoso neuropsicólogo soviético, especialista em psicologia do desenvolvimento e um dos fundadores de psicologia cultural-histórica. Para ele, a compreensão do intelecto ganha espaços nas discussões acadê- micas, transcendendo os métodos tecnicistas e psicométricos para avaliar as Capítulo 2 Educação Inclusiva Capítulo 2 135 funções cognitivas. O estudioso realizou uma análise dos modelos culturais, históricos, instrumentais da linguagem da psicologia do desenvolvimento, o que ocasionou o surgimento da neuropsicologia, que se fundamenta em uma proposta biopsicossocial. Luria foi fortemente influenciado pela teoria sociocultural de Vygotsky e Freud, interessando-se pelos processos mentais (afeto, pen- samento e influências culturais) e também estudou a neurofisiologia, envolvendo mente e linguagem. Para ele, o cérebro funciona como um todo em três sistemas funcionais básicos. O primeiro regula o sono e a vigília, o outro processa e armazena informações e o terceiro programa regula e verifica a atividade mental. Cada unidade tem uma estrutura que consiste em três zonas: as primárias (de projeção, que recebem ou mandam impulsos para a pe- riferia), as secundárias (de projeção e associação, onde se processa a informação recebida) e as terciárias (de superposição, responsável pela conjugação de várias áreas corticais). Miranda [2007] afirma que um dos aspectos fundamentais, abor- dado por Luria, para que ocorra a aprendizagem, é a atenção, que não é de origem biológica, mas, sim, um ato social, visto que a atenção da criança é atraída pelos estímulos externos, que ocorrem por meio da comunicação social, palavras ou gestos. Assim, compreendemos que a aprendizagem acontece de forma heterogênea nas crianças, dependendo das interações com os múltiplos fatores de crescimento das áreas cerebrais. Piaget e Luria explicam a for- mação e elaboração das várias funções cognitivas por meio da origem do desenvolvimento. A estrutura das atividades mentais não permanece inalterável, a execução das tarefas dependerá de conexões constantes e em evolução das atividades, bem como das atividades conjuntas das diversas áreas cerebrais. Alexandre Luria localizou as lesões cerebrais por meio dos distúr- bios do comportamento, compreendeu as funções cerebrais complexas como um conjunto sistematicamente separado pela massa cerebral. As pesquisas das neurociências não apenas localizam as funções humanas nas diferentes áreas cerebrais, mas identificam movimentos, conexões e diferenças no processamento e nas interpretações de cada Educação Inclusiva FAEL 136 pessoa. Assim, quatro pessoas submetidas a uma mesma experiência, estímulos equiparáveis, deverão produzir interpretações, respostas sin- gulares em razão de diferenças no processamento bioquímico cerebral, diferenças de esquemas e crenças, experiências de vida, etc. Salientamos que os domínios da neuropsicologia vão além dos diagnósticos, ela invade os campos da terapêutica e seus programas de reabilitação. Tais domínios servem tanto a pacientes com lesões quanto psiquiátricos. Ao contrário das posições localizacionistas e holistas, a neuropsi- cologia entende que toda e qualquer função mental superior é, na ver- dade, um sistema funcional complexo cuja característica principal é a interação e o funcionamento em concerto de diversas zonas cerebrais. Processos psicológicos, como percepção, psicomotricidade ou atenção, podem ser considerados produtos finais do processamento de diversas áreas cerebrais que, trabalhando juntas, proporcionariam a função re- querida, cada zona cerebral individual contribuiria com um fator espe- cífico ao processo. A plasticidade cerebral poderia ser encarada como consequência dessa mobilidade característica de todo sistema funcional. Na medida em que áreas específicas do sistema funcional são lesionadas, ou de alguma forma impossibilitadas, outras áreas possibilitariam a reestru- turação da função perdida, modificando os mecanismos relacionados àquela função, porém mantendo o objetivo final do processo. Em ter- mos de reabilitação cognitiva, esse modelo se apresenta como alternati- va viável para o restabelecimento de uma função psicológica perdida ou incapacitada por situações diversas. Em 1878, Paul Broca, neurologista francês, observou que na su- perfície medial do cérebro dos mamíferos, logo abaixo do córtex, existe uma região constituída por núcleos de células cinzentas (neurônios), à qual ele deu o nome de lobo límbico, uma vez que ela forma uma espé- cie de borda ao redor do tronco encefálico. Esse conjunto de estruturas, mais tarde denominado sistema límbico, surgiu com a emergência dos mamíferos inferiores (mais antigos), por comandar alguns comporta- mentos necessários à sobrevivência de todos, além de criar e modular funções mais específicas, que permitem ao animal distinguir entre o que lhe agrada ou desagrada. Capítulo 2 Educação Inclusiva Capítulo 2 137 Nesse sistema ainda desenvolvem-se as funções afetivas, como a que induz as fêmeas a cuidarem atentamente de suas crias, ou a que promove a tendência desses animais desenvolverem comportamentos lúdicos. Emoções e sentimentos, como ira, pavor, paixão, amor, ódio, alegria e tristeza, são criações mamíferas, originadas no sistema límbico, também responsável por alguns aspectos da identidade pessoal e por importantes funções ligadas à memória. Com a chegada dos mamífe- ros superiores ao planeta, desen- volveu-se, finalmente, a terceira unidade cerebral: o neopálio ou cérebro racional, uma rede com- plexa de células nervosas alta- mente diferenciadas, capazes de produzir uma linguagem simbó- lica, permitindo ao homem de- sempenhar tarefas intelectuais, como leitura, escrita e cálculo matemático. Em outras palavras, é o gerador de ideias. Nessa abordagem mais recente da divisão cerebral e de seu funcio- namento, podemos encontrar grandes respostas e possibilidades para o desenvolvimento do homem, de suas emoções e racionalidade. Pesqui- sas realizadas nos últimos dez anos revelam que, em resposta aos jogos, estimulações e experiências, o cérebro exibe o crescimento de conexões neuronais, por exemplo. Assim, temos o estudo das funções cerebrais como um instrumen- to para, além de reabilitar sujeitos que sofreram lesões em partes de seus cérebros, transformarmos as abordagens educacionais. A educação de crianças em um ambiente sensorialmente enrique- cedor, desde a mais tenra idade, pode ter um impacto sobre suas capa- cidades cognitivas e de memórias futuras. A presença de cores, música, sensações (como a massagem no bebê), variedade de interação com co- legas e familiars, parentes das mais variadas idades, exercícios corporais e mentais podem ser benéficos. Sistema límbico – estruturas principais. Giro cingulado Bulbo olfatório Hipotálamo Amigdala Corpo mamilar HipocampoFornix Septum Educação Inclusiva FAEL 138 Afetividade segundo a visão psicanalista Ao reconhecer a importância dos fatores emocionais e afetivos na aprendizagem, teremos profissionais mais sensíveis às dificuldades e talentos de nossas crianças, propiciando maior segurança a elas. Para sobreviver, o bebê humano precisa estabelecer uma relação estável com os sujeitos à sua volta, essa relação fornece a base a partir da qual podem ocorrer transformações no comportamento da criança. Nessa interação, ela construirá seus primeiros esquemas (perceptuais, motores, cogniti- vos, linguísticos) e sua afetividade. A presença do sujeito adulto propor- ciona à criança segurança física e emocional, de maneira a fazê-la tentar experimentar o seu ambiente e, dessa forma, aprender. Para Sigmund Freud, o bebê e a criança pequena têm pouco con- trole sobre as forças biológicas e sociais que agem sobre eles, é por meio da experiência que aprenderão a lidar com essas forças e forma- rão sua personalidade. Kangussu (2003) descreve que Freud afirma em sua teoria que o sujeito é levado a agir pela sua excitação energética, os seus instintos – entendamos como energia biológica. O instinto é o aspecto que se encontra no cerne de todos os com- portamentos, motivos e pensamentos humanos. Todos eles seriam go- vernados a partir de três energéticas: a sexualidade (chamada por Freud de libido), os impulsos de autoconservação e a agressão. Quando agem, os sujeitos procuram descarregar a energia neles acumulada e que lhes causa desprazer. Tal descarga diminui a tensão interna, trazendo, como consequência, o prazer. Para agir, o recém-nascido dispõe apenas de uma estrutura psíqui- ca, intitulada id, que age como um reservatório de energia instintiva. Como no caso de um adulto, as ações do bebê visam satisfazer suas necessidades imediatas e se dirigem, portanto, para a busca do prazer. No início da vida, a sobrevivência da criança depende funda- mentalmente da mãe (figura materna). À medida que ela cresce, vai gradativamente conferindo energia a outros elementos que passam a representar, também, fontes de prazer. Nesse processo formam-se duas outras estruturas derivadas do id e, denominadas por Freud como ego e superego. Capítulo 2 Educação Inclusiva Capítulo 2 139 O ego é a parte da psique que contém as habilidades, os dese- jos aprendidos, os medos, a linguagem, o sentido de si próprio e a consciência; desse modo, ele é o elemento de organização da perso- nalidade. O superego, espécie de censura, de controle sobre o poder dos impulsos em um determinado contexto, é o responsável pelo adiamento do prazer por parte do sujeito. A relação entre id, ego e superego (impulsos, realizações e censura) é fonte de tensão e de an- siedade. O ego busca continuamente aliviar essa ansiedade por meio de medidas realistas. O indivíduo aprende, com isso, a satisfazer os seus impulsos de maneira culturalmente aprovada. Um conceito importante em Freud é o de inconsciente. Segun- do ele, o comportamento dos homens não é influenciado apenas por metas e objetivos dos quais se tem consciência; atuam também sobre nós desejos e ideias inconscientes, impulsos e fantasias, experiências que estão “esquecidas”, aspectos que não se encontram sob domínio da consciência. Esses elementos guardados nos recônditos espaços da alma humana, Freud denominou inconsciente. Para o psicanalista, o desenvolvimento da personalidade segue um padrão fixo, com estágios determinados, em um aspecto, pelas mudan- ças maturacionais no corpo e, por outro, pelo tipo de relacionamento que a criança estabelece com os adultos que lhe são significativos (pai e mãe, por exemplo). Assim, fica destacada a interação entre as necessi- dades e desejos da criança e o tratamento que a mãe ou outros adultos lhe dispensam. Nesse conjunto, a criança constrói não apenas sua personalidade, mas também sua identidade, ou seja, aquilo que a diferencia dos outros indivíduos e que ela percebe como o seu Eu. O desenvolvimento de sua identidade ocorre mediante a construção de significados a respeito das ligações que ela estabelece com o mundo, significados esses que podem ser inconscientes ou conscientes. Então, podemos afirmar que a afetividade e a inteligência se es- truturam nas ações e pelas ações dos indivíduos. O afeto pode ser entendido como a energia necessária para que a estrutura cognitiva passe a funcionar. Educação Inclusiva FAEL 140 Dica de Filme Assista ao filme O óleo de Lorenzo, lançado em 1992, sob a direção George Miller. Um garoto com vida normal é diagnosticado, aos seis anos de idade, com uma doença extremamente rara, que provoca uma incurável degeneração no cérebro, o que pode levar o paciente à morte em dois anos. Os pais reali- zam estudos e pesquisas com o objetivo de impedir o avanço da doença. O ÓLEO de Lorenzo. Direção de George Miller. Estados Unidos: Universal Pictures: Dist. UIP, 1992. 1 filme (135 min), sonoro, legenda, color. Dica de Filme Para Vygotsky, o maior defeito da psicologia tradicional é a separa- ção entre os aspectos intelectuais e os afetivos. Ele afirma que o pensa- mento tem sua origem na esfera da motivação, que inclui inclinações, necessidades, interesses, impulsos, afeto e emoção. Para um completo entendimento do pensamento humano seria necessário, então, com- preender sua base volitivo-afetiva. No decorrer do desenvolvimento nem sempre poderemos prever as particularidades que os sujeitos demonstrarão ou pelas quais pas- sarão. Algumas singularidades somente ficam claras com o passar das fases, dos anos, na convivência, na aprendizagem. Entendê-las possibi- lita, além de uma visão mais abrangente do ser humano, uma melhor estruturação do trabalho pedagógico, um maior entendimento dos talentos que, muitas vezes, nos parecem embotados por diagnósticos e preconceitos. Dessa forma, verificamos que antes de estigmatizar, de- vemos conhecer e compreender. Elaboramos no próximo item algumas considerações importantes. Ser analfabeto emocional implica sentir a emoção e não a perceber, não a reconhecer , nem ter ideia da sua intensidade, desconhecer o que cada emoção causa em nós e nos outros, não ser capaz de saber como, quando, onde e em que intensidade expressá-la, não ter controle emo- cional, deixando que tais emoções dominem a mente racional ao invés de dominá-las, ter pouca ou nenhuma empatia para avaliar o efeito das Capítulo 2 Educação Inclusiva Capítulo 2 141 nossas emoções sobre os outros, ou mesmo sintonizar com o que estão sentindo, e agir de modo solidário ou sensível ao sofrimento alheio. A alfabetização emocional nos dá poder e nos permite ser melho- res: profissionais, parceiros, cônjuges, pais, filhos, líderes, governantes e governados. Dá-nos capacidade de motivar a nós próprios e aos outros com uma dose adequada de empatia. O objetivo da alfabetização emocional é ajudar a criança a, des- de cedo, identificar, explorar e expressar cada uma das cinco emoções básicas, às quais podemos acrescentar a surpresa, a vergonha e a aver- são. O processo envolve o treinamento para prover exercícios ativos de internalizações que permitam experienciar sentimentos de um modo positivo e não ameaçador. Por tudo isso, é fundamental o reconhecimento da importância de unir a inteligência às emoções, à nossa vida cotidiana, evitando, assim, a perniciosa incompetência emocional. A saída é dar mais atenção à competência emocional e social de nossas crianças e zelar mais intensa- mente pela nossa parte afetiva. Então, por que inteligência emocional? O mais forte é aquele que é capaz de conter a raiva na hora da ira. Em outras palavras, a chamada inteligência emocional permite-nos dominar as nossas emoções de cada dia ao invés de deixar que elas nos dominem. É fun- damentalsaber compreender as pessoas com as quais interagimos e, reciprocamente, compreender o que sentem, porque sentem e como nos relacionarmos da melhor maneira possível. Essa capacidade de entender as suas motivações e de estabelecer uma relação cooperativa com outros indivíduos com os quais nos relacionamos constitui a inteligência emocional. É importante reconhecer as palavras como símbolos mentais. A comunicação interpessoal poderá ser saudável ou patológica em fun- ção das emoções expressas de modo sutil ou explícito, de modo ade- quado ou inadequado. As palavras têm o poder de curar, fazer adoecer e matar. Há palavras que alegram e que entristecem. Pela palavra, uma pessoa pode se acalmar ou se exasperar e ter um acesso de ira. Há pala- vras que induzem ao medo, à raiva, à tristeza, e outras que suprimem essas emoções. Educação Inclusiva FAEL 142 As múltiplas inteligências Entender que o homem desenvolve uma única forma de aprender tem sido o alvo das pesquisas do psicólogo Howard Gardener, que de- senvolveu a Teoria das Inteligências Múltiplas ao redefinir a inteligência à luz das origens biológicas da habilidade para resolver problemas. Inteligência é um potencial biopsicológico, uma capacidade para resolver problemas e criar ideias. E capacidade é o poder humano de re- ceber, aceitar e apossar-se das demandas externas e internas (ANTUNES, 2002). A partir desse pensamento, podemos entender que a inteligência não é algo definitivo, unitário e imutável. Dentro das concepções mais recentes sobre a significação de inteligência, encontramos a de que o ser humano possui um número considerável de inteligências, que são esti- muláveis e apresentam possibilidade de verificar suas modificações den- tro de um ambiente estimulador e por meio de um grupo de pessoas preocupadas em trabalhá-las. De acordo com Gardner, todos têm potencial diferente, mas nas- cem com capacidade para desenvolver todas as inteligências, pois o ho- mem é dotado da capacidade de ser estimulado e desenvolvido. O psicólogo afirma que cada área ou domínio do cérebro tem seu sistema simbólico próprio, em um plano sociológico de estudo, cada domínio se caracteriza pelo desenvolvimento de competências valoriza- das em culturas específicas. Para ele, não existe faculdade mental geral, como a memória. Talvez existam formas independentes de percepção, memória e aprendizado, em cada área ou domínio, com possíveis seme- lhanças entre as áreas, mas não necessariamente uma relação direta. Essa teoria defende que as competências intelectuais são relativa- mente independentes, têm, originalmente, suas marcas genéticas consti- tuídas e dispõem de processos cognitivos próprios. Gardner ressalta que, embora as inteligências sejam, até certo ponto, independentes umas das outras, elas raramente funcionam isoladamente. Parafraseando Gama (1998), descreveremos a seguir cada uma dessas inteligências. Inteligência linguística: nessa inteligência a característica central é o fato de que a pessoa tem uma sensibilidade para os sons, ritmos e significados das palavras, além de uma especial percepção das diferentes funções da linguagem. Pode se manifestar por meio da capacidade de Capítulo 2 Educação Inclusiva Capítulo 2 143 contar histórias originais ou de relatar, da habilidade de escrever e ex- planar sobre temas diversos. Exemplos de profissões que envolvem essa habilidade são os atores, professores, políticos e oradores. Inteligência musical: envolve a capacidade de discriminar sons, perceber temas musicais, apresentar sensibilidade para ritmos, texturas e timbres, e habilidade para produzir e/ou reproduzir música. Inteligência pictórica: é a faculdade de reproduzir, pelo desenho, objetivos e situações reais ou mentais e também de organizar elementos visuais de forma harmônica, estabelecendo relações estéticas entre elas. Trata-se de uma inteligência que se destaca em pintores, artistas plásti- cos, ilustradores e chargistas. Inteligência lógico-matemática: características evidentes nos matemáticos, cientistas e filósofos, por apresentarem uma sensibilida- de para padrões, ordem e sistematização. É a habilidade para explorar relações, categorias e padrões, mediante a manipulação de objetos ou símbolos e para experimentar de forma controlada; é a habilidade para lidar com séries de raciocínios, para reconhecer problemas e resolvê-los. Determina a habilidade de raciocínio dedutivo, além da capacidade de solucionar problemas envolvendo números e demais elementos mate- máticos. É a competência mais diretamente associada ao pensamento científico, portanto, a ideias tradicionais de inteligência. Inteligência espacial: a pessoa apresenta a capacidade para perce- ber o mundo visual e espacial de forma precisa. Modifica percepções e recria experiências visuais, mesmo sem estímulo físico. Encontramos facilmente essa habilidade em arquitetos, artistas, escultores, cartógra- fos e navegadores. Inteligência cinestésica: diz respeito à habilidade de resolver pro- blemas ou criar produtos por meio do uso de parte ou de todo o corpo. É a habilidade de usar a coordenação global ou fina em esportes, artes cênicas ou plásticas no controle dos movimentos do corpo e na mani- pulação de objetos com destreza. Demonstra uma grande habilidade atlética e esportiva ou uma coordenação fina apurada. Inteligência interpessoal: essa inteligência pode ser descrita como uma habilidade para entender e responder adequadamente a humores, temperamentos, motivações e desejos de outras pessoas. Ela é melhor Educação Inclusiva FAEL 144 apreciada na observação de psicoterapeutas, professores, políticos e vendedores bem-sucedidos. A pessoa apresenta habilidade de perceber intenções e desejos de outras pessoas e de reagir apropriadamente a partir dessa percepção. Inteligência intrapessoal: apresenta-se com habilidade para ter acesso aos próprios sentimentos, sonhos e ideias, para discriminá-los e deles lançar mão na solução de problemas pessoais. É o reconhecimento de habilidades, necessidades, desejos e inteligências próprios, a capaci- dade para formular uma imagem precisa de si próprio e a habilidade de usar essa imagem para que funcione de forma efetiva. Tal inteligência é encontrada em psiquiatras, políticos, religiosos, lideres e antropólogos. A inteligência é determinada tanto por fatores genéticos e neuro- biológicos quanto por condições ambientais, possui sua forma própria de processar as informações. Os estágios mais sofisticados de inteligên- cia dependem de maior trabalho em estímulos. Essa teoria renova o menu de alternativas para professores que se preocupam com as diversas formas de aprender e acreditam que uma intervenção pedagógica adequada transformará a condição de aprendi- zagem de seus alunos. Depois do evento da divulgação das múltiplas inteligências, as es- colas inclusivas ampliaram seu olhar acerca da organização do pensa- mento e desenvolvimento da inteligência, tornando-se mais humanas em suas concepções teóricas e práticas e possibilitando a avaliação ade- quada às diversas capacidades humanas. Foram estimulados as inicia- tivas para uma educação centrada na criança, os currículos específicos para cada área do saber, a transformação e a flexibilidade dos ambientes, dos desafios, das problematizações. Valoriza-se não apenas a linguagem e a lógica, mas a arte, a corporeidade, a comunicação com o outro e com o mundo por vários canais e símbolos. De acordo com essa teoria, compreendemos que existem diferen- tes estilos de aprendizagem, sendo entendidos enquanto a forma com a qual cada um aprende melhor. As inteligências múltiplas constituem as capacidades que podemos utilizar para aprender qualquer conteú- do e alcançar nossos objetivos. Existe uma estreita relação entre estilos de aprendizagem e inteligênciasmúltiplas que sugerem abordagens de ensino que se adaptem às “potencialidades” individuais de cada aluno. Capítulo 2 Educação Inclusiva Capítulo 2 145 As pessoas com N.E.E. também terão estilos próprios de aprendiza- gem, formas únicas que as levarão a aprender melhor. Ao percebê-las, o professor realizará um planejamento que potencialize suas habilidades, colocando em foco as possibilidades do aluno e não suas dificuldades. ReflitaReflita Analise sua experiência teórica e prática e elabore fundamentos, forne- cendo exemplos sobre a importância de se trabalhar o cérebro motor, afetivo e racional. Em que sentido os estudos a respeito das funções cerebrais podem contribuir para a transformação das práticas pedagó- gicas e da vida das pessoas? Lembre-se de pessoas que, frente a grandes dificuldades em determinadas áreas, tornaram-se excelentes profissio- nais, graças aos apoios e às estimulações que permitiram a modificabi- lidade cerebral. ReflitaReflita Aprendizagem e suas relações com o planejamento A compreensão inicial de que todos os indivíduos são capazes de aprender, independente do seu grau de comprometimento ou idade e da forma como ocorre a aprendizagem, permite a elaboração de um planejamento mais dirigido às possibilidades e capacidades de cada um. Como visto nos itens anteriores, diversas teorias contribuíram sig- nificativamente para que a educação especial desenvolvesse formas es- peciais de atuação a fim de potencializar a mente humana. A pedagogia, por sua vez, também desenvolveu teorias educacionais capazes de auxi- liar o desenvolvimento da inteligência, com estratégias e metodologias adequadas às pessoas que apresentam N.E.E. As reflexões entre docentes dessa área de interesse acerca dos me- lhores encaminhamentos metodológicos para a elaboração de um bom plano de ação iniciam-se com a preocupação de encontrar a melhor forma de o aluno aprender. O professor precisa dominar conhecimen- tos específicos, essenciais e simples do desenvolvimento da cognição Educação Inclusiva FAEL 146 humana. Ao fazê-lo, abrirá um leque de alternativas de estratégias e atividades próprias para cada indivíduo, sendo que alguns encaminha- mentos deverão ser mantidos em todos os planejamentos, o que bene- ficiará todos os alunos da classe. Assim, chegamos ao ponto central da construção de um sistema educacional efetivo e eficiente: cada aluno tem suas necessidades edu- cacionais. A identificação dessas necessidades é papel e função do pro- fessor, que deverá contar com avaliações profissionais complementares, quando necessário. A identificação das necessidades educacionais espe- ciais é fundamental para nortear o planejamento do ensino. Sem isso não há como efetivamente propiciar um atendimento de qualidade. O plano de ensino para esse aluno deverá também assegurar que sua escolaridade se dê, no máximo das possibilidades, na escola co- mum, em classe regular, já que a própria convivência na diversidade tem favorecido o desenvolvimento e o crescimento pessoal e social. Adaptações curriculares O currículo adaptado é entendido como o elemento facilitador e possibilitador de atendimentos dentro da lógica da heterogeneidade. Tratar das adaptações curriculares é tomar consciência de que a inclu- são é possível e real. Diz respeito, portanto, à flexibilidade curricular, legalizada pelas Diretrizes Nacionais da Educação Especial na Educação Básica, que a instituição de ensino possui para incluir todos os alu- nos com N.E.E. Poucas pessoas têm clareza e conhecimento acerca do quanto esse documento pode transformar o que, até então, ainda é considerado uma utopia: a inserção de alunos com necessidades educa- cionais especiais na rede regular de ensino. Inicialmente a escola deve ter clara a concepção de currículo que fará parte das discussões; o documento deverá ser entendido de forma ampla e não reducionista, voltada apenas aos conteúdos programáti- cos. Para elaborar as adaptações curriculares, é necessário pensar na personificação do currículo de acordo com a demanda de cada aluno, incluindo as suas necessidades específicas e as condições da escola e da equipe. O aspecto de maior significado no momento da elaboração é a disponibilidade pessoal da equipe; é preciso ter um elemento mobiliza- dor calcado no compromisso ético para executá-lo. Capítulo 2 Educação Inclusiva Capítulo 2 147 O documento deverá estar adequado às necessidades socioculturais de cada indivíduo, não poderá ser realizado em caráter de improvisação. Os agrupamentos na escola podem ocorrer de acordo com a idade, den- tro da lógica da heterogeneidade. As trocas podem apoiar o aluno na superação de dificuldades pessoais e atribuir um significado cognitivo, um valor emocional e social para sua vida, orientadas pelos princípios da tolerância e da valorização de si mesmo e do outro, seus direitos e os direitos do outro, a consciência do que aprendeu, o que necessita de auxílio, enfim, os ideais do compartilhar saberes e necessidades. O objetivo do currículo é erradicar a evasão e exclusão do aluno da escola e tornar-se inclusivo e emancipatório, assim é necessário propor estratégias de aprendizagem adequadas às condições e possibilidades de cada um. Deve, ainda, buscar soluções para as necessidades específicas dos alunos, impedir o fracasso do processo de ensino e aprendizagem, favorecer a inclusão do educando na escola e na comunidade e maximi- zar suas capacidades e potencialidades. Para alcançar esses objetivos, o professor deve estar atento para evi- tar a centralização nas deficiências, na falta, nas limitações dos alunos. É necessário garantir a inserção dos alunos em ações pedagógicas em diversos âmbitos, dentro da escola e na comunidade. Dessa forma, é ga- rantido um encaminhamento metodológico cooperativo, participativo, vivo e dinâmico, pois é a escola que vive a arte, as ciências, a literatura e a lógica matemática. A sala de aula passa a ser o mundo. Ressaltamos a importância do papel do educador, que assume uma responsabilidade especial por ser o criador de condições para que a educação aconteça (cria acontecimentos, espaços e articula o espaço/ tempo), possibilitando ao educando a construção enquanto sujeito, com a qual ele poderá tomar iniciativa, ter responsabilidade e assumir compromissos. O currículo funcional e adaptado somente acontecerá se o educador estiver completamente envolvido com a proposta, a qual deverá ser desafiadora e empolgá-lo em primeira instância. A função do professor passa a ser a de possibilitar o acesso dos alu- nos ao conhecimento. Nessa proposta, não é possível conceber: carteiras enfileiradas, alunos passivos somente copiando do quadro e repetindo conteúdos, alunos solitários, quietos e sem movimento e escolas silen- ciosas. O educando passa do papel de ator de um roteiro determinado Educação Inclusiva FAEL 148 para a condição de autor do seu próprio destino. Um professor qualifi- cado na área em que se apresentam as necessidades especiais da criança deve estar sempre envolvido nesse processo, informando à escola as es- pecificidades identificadas. O acesso ao currículo para todas as crianças com necessidades es- peciais pode ser assegurado se a escola levar em conta os seguintes fato- res, quando da revisão de seu processo de atendimento: ● enfatizar mais o que a criança pode fazer do que aquilo que ela é incapaz de fazer; ● ser criativo ao apresentar trabalhos que sejam acessíveis; ● reconhecer que o método de apresentação pode impedir o controle total da criança sobre uma tarefa particular; ● evitar escolher uma criança e dar-lhe atenção especial, por ser uma atitude imprópria e inadequada. Os professores devem lembrar que essas crianças podem precisar de: ● mais tempo para completar uma tarefa. Trabalhandoem braille ou usando auxílios próprios da visão subnormal, por exemplo, consome-se mais tempo e torna-se mais cansativo que as leituras comuns; ● mais demonstrações práticas (trabalhar concretamente as questões antes ou depois de uma aula pode ser mais efetivo que explanações verbais); ● mais ensino direto de conceitos, tendo em vista que as demais crianças podem obtê-los e formá-los ocasionalmente. O professor precisa de apoio e sustentação direta por, geralmente, sentir-se inadequado, inseguro, com baixa autoestima e frustrado, aca- bando, por vezes, sendo solidário com os pais na ansiedade e na dúvida. Tudo lhe é transferido de forma muito genérica, ele se percebe convocado a realizar um ato de fé, sente-se só e o único responsável pelo processo. A concepção de currículo é fundada na flexibilidade, superando a obrigatoriedade de que todos os alunos atinjam o mesmo grau de abstração ou de conhecimento em um determinado tempo. A flexibili- dade constitui-se fundamento da inclusão escolar, porque contempla Capítulo 2 Educação Inclusiva Capítulo 2 149 as diferentes alternativas de participação, os estilos, os canais de co- municação, os recursos a serem utilizados pelos alunos em suas neces- sidades especiais e especificidades nas mesmas atividades dos demais colegas, mesmo que não o façam na mesma intensidade, modo e grau de abstração. Metodologicamente, é preciso definir o quê e como o aluno deve aprender e que formas de organização de ensino são mais eficientes para o processo de aprendizagem. É importante, ainda, defi- nir como e quando avaliar o aluno. Apoios e adaptações de pequeno e grande porte O objetivo da aula é o de facilitar o acesso ao currículo, o apoio às estratégias de aprendizagem independente e encorajar as interações sociais. Em algumas lições, como ciência ou tecnologia, pode ser ne- cessário o apoio do adulto para trabalhar diretamente com a criança, mas, via de regra, seu trabalho é preparar materiais antecipadamente. Produzir desafios adequados, acesso ao currículo e apoios de qualidade pode resultar no sucesso escolar, seja em um ambiente de escola espe- cial ou de escola comum. Certo tempo é destinado para reflexão dessa dinâmica de relações. Um planejamento a longo prazo é essencial para assegurar que os materiais apropriados sejam avaliados, de maneira que as crianças não dependam do apoio do corpo docente indevidamente. O processo de apoio às necessidades especiais abrange responsabi- lidades que passam pela identificação de dificuldades até a participação nas tomadas de decisão para implementação de planos de programas educacionais. Nesse sentido, é essencial que se forneça o apoio direto para o educando nas áreas apropriadas de atividade, como ajuda em sessões práticas, além do apoio aos professores de sala de aula na prepa- ração de materiais de ensino e apoio à criança no desenvolvimento de habilidades sobre o modo de viver independente. A avaliação efetiva do atendimento para esses alunos é possível na medida em que as escolas criam trabalhos positivos de conexão com agências externas. Nos casos em que a criança frequenta sua escola local, o apoio pode ser fornecido por um professor especializado na área de suas necessidades. A escola deve saber quem é responsável pelo fornecimento de assistência especializada, alternativamente é possível Educação Inclusiva FAEL 150 oferecer um serviço móvel. Cada relatório da criança de necessidades educacionais especiais deve especificar as necessidades de mobilidade e a agência responsável por fazer o atendimento. As organizações voluntárias abrangem uma parte importante no apoio às famílias das crianças com tais necessidades. As escolas devem, dentro de sua área, identificar organizações que ofereçam aconselha- mento especializado e assistência. As adaptações curriculares abrangem todas as atividades desenvolvi- das no interior da escola, podendo ser de pequeno porte – apresentando ajustes no planejamento da sala de aula quanto à organização de objeti- vos e de metodologias –, ou de grande porte – voltadas às necessidades referidas como acentuadas, graves e amplas de apoio, temporárias ou permanentes, não respondidas apenas com alterações nos objetivos e conteúdos de aprendizagem. As adaptações curriculares de grande porte envolvem modificação ex- pressiva no planejamento e na atuação docente. É prevista a introdução de métodos específicos para atender às necessidades particulares do aluno. De um modo geral, elas são orientadas por professor especializado, permitem a eliminação e/ou substituição de objetivos e conteúdos da grade comum, bem como alterações no processo de avaliação e na terminalidade. Manjon (1995) descreve que as adaptações podem ser realizadas nos aspectos: a) da organização (de grupos, da grade curricular, didática, espaço); b) dos objetivos e conteúdo (priorização de área ou unidade de conteúdos funcionais essenciais, reforço de conteúdos, seleção de objetivos, conteúdos, sequenciação e eliminação de conteúdos se- cundários); c) da temporalidade (alteração no tempo e período previsto para rea- lização das atividades, assim como extensão de ano letivo, ocorren- do de acordo com o ritmo próprio de cada aluno); d) dos procedimentos didáticos e nas atividades de ensi- no-aprendizagem (métodos acessíveis, alteração da complexidade da atividade por meio de vários recursos, utilização de recursos e apoios específicos, adaptações de equipamento e introdução de Capítulo 2 Educação Inclusiva Capítulo 2 151 atividades prévias e complementares) e na avaliação (vinculada às alterações nos objetivos – acrescidos ou eliminados – influencian- do os resultados que levam, ou não, à promoção do aluno e evitam a “cobrança” de conteúdos e habilidades que possam estar além de suas atuais possibilidades de aprendizagem e aquisição). A prática pedagógica se organiza com os objetivos do aluno de: ● desenvolver imagem positiva de si, realizando tarefas de ma- neira cada vez mais independente; ● ter confiança em suas capacidades; ● perceber suas limitações, desenvolvendo e valorizando hábitos de cuidado com a própria saúde e bem-estar; ● estabelecer vínculos afetivos e de troca com adultos e crianças, fortalecendo sua autoestima e ampliando gradativamente suas possibilidades de comunicação e interação social; ● estabelecer e ampliar cada vez mais as relações sociais, apren- dendo aos poucos a articular seus interesses e pontos de vista com os demais, respeitando a diversidade e desenvolvendo atitudes de ajuda e colaboração; ● observar e explorar o ambiente com atitude de curiosidade, percebendo-se cada vez mais como integrante, dependente e agente transformador do meio ambiente e valorizando atitu- des que contribuam para sua conservação; ● brincar, expressando emoções, sentimentos, pensamentos, de- sejos e necessidades, ● utilizar as diferentes linguagens (corporal, musical, plástica, oral e escrita), adequadas às diferentes intenções e situações de comunicação, de forma a compreender e ser compreendido; ● expressar suas ideias, sentimentos, necessidades e desejos e avançar no seu processo de construção de significados, enri- quecendo cada vez mais sua capacidade expressiva; ● conhecer algumas manifestações culturais, demonstrando ati- tudes de interesse, respeito e participação frente a elas e valo- rizando a diversidade. Educação Inclusiva FAEL 152 A preocupação com o real nível de aprendizagem do aluno incluso está entre as mais pertinentes, pois os professores que se depararam ou se deparam com essa realidade descrevem que muitas vezes tais alunos perdem por não conseguirem acompanhar a turma. A principal estra- tégia para garantir a aprendizagem é potencializar as habilidades dos educandos e desenvolversomente trabalhos em grupo, como forma de evitar que se sintam isolados e solitários para concluir uma tarefa. A educação pode promover as condições para que o aluno se torne um cidadão participativo, independentemente do seu grau de deficiência, desenvolvendo relações de respeito, afeto, gerando confiança e seguran- ça para estabelecer interações sociais, oferecendo liberdade de ação e de escolha, enxergando além das suas dificuldades, focando as suas possi- bilidades de comunicar-se e de aprender com a resolução de problemas reais e abstratos. Elaboração do projeto individual Com o objetivo de implantar o currículo adaptado na comunidade de ensino inclusiva, é sugerida a elaboração de um projeto a ser realiza- do com o coletivo da escola, no qual devem constar: a justificativa da importância dessa ação em sua comunidade escolar, em seu município, no estado; os objetivos; a concepção de comunidade acolhedora; um plano estratégico da pedagogia para atender aos profissionais, alunos e família; a política da criação da rede de apoio interna; a possibilidade de criar objetivos funcionais às diversidades de cada aluno; a possibilidade da organização pedagógica na diversidade, garantindo a lógica da hete- rogeneidade; a garantia de que todos compreenderão que o currículo adaptado não existe para possibilitar conteúdos diferentes, mas maneiras diferentes, assim como que sua programação deve sempre partir do cur- rículo comum e garantir que os alunos e profissionais tenham compor- tamentos autônomos e solidários no interior da escola. A seguir, serão propostos alguns passos para a construção efetiva do currículo adaptado. ● Identificação da rede de apoio interna: será preciso acionar todos e explicar as responsabilidades. Nesse documento deve- rá constar nome, número do registro e função que ocupa cada membro da equipe. Capítulo 2 Educação Inclusiva Capítulo 2 153 ● Identificação do aluno: deve conter nome; data de nascimento; responsável; naturalidade; data de ingresso na escola; se frequen- ta a escola especial concomitantemente à escola comum, relatar o turno e dias em que frequenta; nome da escola regular; ciclo, série ou programa; profissionais que elaboraram o documento (diretora, pedagogas, professores responsáveis, núcleo responsá- vel); profissional de rede de apoio e data do documento. ● Breve histórico: deve possuir dados da família, das escolas e das avaliações realizadas até o momento. ● Identificar o maior sonho e o maior pesadelo do aluno. ● Competências atuais do educando: o que faz a grande dife- rença nas adaptações curriculares são as discussões com toda a equipe que acompanha o aluno, para confirmar os dados da avaliação e levantar as suas necessidades. É a partir da ava- liação e das observações feitas pela equipe que se legitima o serviço de apoio. Deverá ser realizada em todas as áreas – mo- tora, cognitiva, linguística, sensório-perceptiva, afetiva e so- cial. Deve constar nesse item o momento de aprendizagem de todas as áreas que trabalham com o aluno, inclusive as de fora da escola (não deve apresentar o enfoque clínico, tradicional e classificatório). A ênfase deve ser dada ao desenvolvimento e à aprendizagem do aluno, como forma de identificar as poten- cialidades e as necessidades educacionais. ● Barreiras: arquitetônicas ou atitudinais, as barreiras que difi- cultam o processo educativo dos alunos devem ser levantadas. ● Necessidades educacionais: descrever as maiores dificulda- des encontradas. ● Procedimentos atitudinais dos profissionais: conduta padrão que deverá ser apresentada com relação ao aluno e à família. ● Definir os objetivos: isso deve ser feito dentro de cada área ou disciplina. ● Trabalho com a família: nesse processo devem ser feitas reuniões com a família e com o próprio aluno, deixando-os cientes da importância das adaptações curriculares. Deve ser Educação Inclusiva FAEL 154 deixado claro à família que em hipótese alguma o aluno será excluído, pelo contrário, o objetivo desse procedimento é evi- tar qualquer possibilidade de fracasso escolar e afastamento da rede regular de ensino. A equipe precisa compreender que a família e o educando estão fragilizados devido às constantes frustrações com relação à aprendizagem, não pode adotar uma postura pessimista em relação à aprendizagem, deve manter-se otimista e fortalecida com as propostas de adaptações. ● Proposta metodológica: todos os encaminhamentos a serem feitos no interior da escola com relação à aprendizagem. ● Definir responsabilidades: tal medida deve ser adotada com relação a todos os membros da rede interna, no tempo deter- minado pela equipe. ● Apoio fora da escola: esclarecer as modalidades de apoio fora da escola, como terapias, médico responsável, aulas especiais, entre outros. ● Tempo: considerar o tempo necessário para a execução de cada adaptação. Cada projeto deverá considerar o tempo de permanência na comunidade escolar. Caso o aluno mude de escola, esse material deverá obrigatoriamente acompa- nhá-lo. Deve ser planejado a curto, médio e longo prazo. ● Definir calendário: para os futuros encontros e o tempo de reavaliação do planejamento adaptado. ● Descrição das reuniões: fazer discussão com toda a equipe que acompanha o aluno, para confirmar os dados da avaliação e levantar as suas necessidades dentro do contexto educacio- nal (a partir da avaliação e das observações feitas pela equipe é que se legitima o serviço de apoio). Todos os encontros deve- rão ser registrados em ata. ● Capacitação: organizar capacitação necessária para os pro- fessores. ● Pasta individual: abrir uma pasta para o aluno e promover o registro da avaliação e das medidas adaptativas. Capítulo 2 Educação Inclusiva Capítulo 2 155 Devem ser evitadas programações individuais que causem prejuí- zo para a promoção escolar e socialização do aluno. É necessário bus- car, junto com a família, na comunidade, os recursos materiais para as adaptações físicas necessárias. Outra questão que merece especial atenção diz respeito à transfe- rência de escola do aluno. Muitas famílias acabam optando pela mu- dança de escola devido ao descontentamento com a oferta de ensino disponibilizada ao educando ou por não aceitarem as adaptações neces- sárias. Caso a família realmente resolva transferir seu filho, é necessário garantir que a outra escola receba os encaminhamentos já realizados, para que não perca tempo e momentos ímpares de aprendizagem, pró- prios de cada idade. Prática em sala de aula Ao considerarmos o entendimento sobre o desenvolvimento da cognição, é possível elaborarmos alguns procedimentos importantes que devem constar no plano de ação docente, podendo ser consideradas alternativas pedagógicas para a melhoria dos processos de ensino-apren- dizagem na sala de aula, que seguem descritas. 1. Ao apresentar o conteúdo ao aluno, o professor deverá necessaria- mente envolver os cinco sentidos, levando-o a fazer imagem men- tal desse conteúdo pelos vários canais de aprendizagem. 2. Utilizar estratégias cooperativas em sala de aula, não permitindo atividades individuais, o que ampliará significativamente o ren- dimento acadêmico, a autoestima, as relações sociais e facilitará o trabalho autônomo. 3. Possibilitar que o aluno escolha diferentes atividades e decida a for- ma de realizá-las, tomando decisões sobre o planejamento do seu trabalho e se responsabilizando por sua aprendizagem. 4. Trabalhar com metas: dos alunos, da professora e da família. Ao lon- go do tempo, quando se constatam cada vez mais as dificuldades de aprendizagem acadêmica formal, as pessoas com deficiência, seus familiares e até mesmo os professores perdem as metas efetivas que vão fazer diferença na vida do educando, sem falar na aprendizagemEducação Inclusiva FAEL 156 lenta, que muitas vezes torna imperceptíveis seus avanços. Ao ter me- tas curtas, as pessoas percebem que estão aprendendo e que têm ob- jetivos a serem cumpridos, não deixando sua aprendizagem à mercê do destino, o que motivará todos os envolvidos. 5. Os agrupamentos fazem grande diferença nas formas de lidar com a aprendizagem. É preciso compreender que quanto maior a he- terogeneidade entre os educandos, maiores serão suas redes de in- formações. Um dos grandes desafios da organização pedagógica é definir agrupamentos. Para esse fim, não podemos esquecer que uma turma formada por alunos com alto grau de dificuldade torna inviável um bom trabalho pedagógico, pois eles terão suas redes de informações cada vez mais restritas pela falta de maior interação do companheiro. Seus modelos sociais podem não ser os mais ade- quados para suas necessidades, e o professor encontra-se em estado de falência permanente, não podendo jamais ficar com essa turma até o final do ano letivo. Nesses casos, é salutar trocar o professor de três em três ou seis em seis meses. 6. A criança com deficiência pode apresentar dificuldades para re- presentar o que viveu, sentiu, viu. É necessário, então, estimular a função simbólica, levando-a a representar por meio da linguagem, desenho, representações gráficas, imitação, gestos e faz de conta, estimulando-a a ir além da experiência concreta, inserindo seu va- lor simbólico da representação. 7. A orientação temporal ou a noção de tempo é uma conservação cognitiva que permite à pessoa organizar-se no tempo e no espa- ço. Adquiri-lo possibilita a reorganização cognitiva e emocional. Quando a pessoa não possui recursos do campo do imaginário para fazê-lo, são necessárias adaptações concretas, considerando que essa organização de tempo e espaço é fundamental para o desenvolvi- mento da aprendizagem e para a vida adulta do sujeito. O calendá- rio escolar configura-se em uma das formas mais eficientes, ricas e divertidas de trabalhar a noção de tempo e outros conteúdos pedagógicos, precisa apenas ser sistematizado de forma a possi- bilitar que os alunos façam a imagem mental do tempo. Estu- dantes com deficiência intelectual, mesmo apresentando graves Capítulo 2 Educação Inclusiva Capítulo 2 157 comprometimentos, podem organizar-se no tempo e no espaço com um calendário didaticamente planejado. Embora saibamos que pessoas com deficiência intelectual podem nunca vir a fazer o processo abstrato do tempo, seus benefícios lhes fazem muita falta. Por essa razão, é preciso adaptar uma forma concreta de o sujeito organizar-se no tempo e no espaço, mesmo que não tenha adquirido essa condição cognitiva no abstrato. Dessa forma, apresentamos adiante um modelo de calendário que visa cumprir com essa função e que pode ser aplicado a alunos de qualquer idade. Inicialmente, será necessário tornar o tempo per- manente, ou seja, levar o aluno a entender que, mesmo que tenha passado a segunda-feira, outra segunda-feira virá, ao acabar o mês de maio, outro mês de maio virá. É necessário levar o aluno a associar os dias da semana a coisas per- manentes, por exemplo, toda segunda-feira é dia de jogar futebol na hora do recreio. Podem ser associados também a cores, dando a cada dia da semana uma cor. Isso deve ser combinado na escola toda, a fim de que, ao mudar de sala, o aluno perceba que a lei do tempo não muda, pois o calendário é o mesmo. A escola não deve ter mais de um modelo de calendário, o formato é muito impor- tante, pois, se o aluno não tiver feito a imagem mental do tempo cada vez que mudar o formato do calendário, mudará para ele também a lei da organização do tempo. Por experiência, sugerimos que seja usado o modelo tradicional, pois é com esse calendário que o educando se deparará fora da escola. O mês e o ano devem ser escritos em cartazes separados logo acima do calendário, pois serão mudados de lugar posteriormente. De acordo com o modelo a seguir, usamos papel cartolina de cor preta, no qual, para cada dia da semana, colamos uma cor de refe- rência (por exemplo, cor-de-rosa na segunda-feira). Para esse fim, usamos papel camurça, que provoca um bom contraste visual no papel preto, logo após colocamos papel contact, no qual poderemos escrever os dias do mês com caneta para quadro branco e apagar com apagador, também próprio para quadro branco. O material será durável para vários anos. Educação Inclusiva FAEL 158 Domingo 2ª feira 3ª feira 4ª feira 5ª feira 6ª feira Sábado 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 Outubro x 2010Outubro 14 x x x x x x 2010 3 2 45 Maria João Marcos 1 1 Para cada dia da semana deverá constar um pedaço de papel branco que será preenchido com a assinatura dos alunos presentes na aula e colado sobre o dia da semana a que se refere (n. 1). Como o aluno não tem a imagem mental suficiente para abstrair algo que não está em sua frente, ou seja, colocá-lo somente no campo do imaginário, é preciso que sempre esteja vendo para onde vão os dias que já se pas- saram. Cada vez que a semana acabar, os papéis com os nomes dos alunos deverão ser recolhidos e colocados em um saco transparente, que ficará no final de cada semana no calendário (n. 2), e os dias da semana da qual foram retirados os papéis deverão ser riscados com a caneta para quadro branco (n. 3), pois se referem aos dias que já se passaram. Assim, os alunos assimilam a noção de que os dias e a semana já passaram, mas voltarão a acontecer na próxima semana. Ao lado de cada fileira, portanto, deve haver um saco plástico onde ficarão armazenados todos os papéis referentes àquela semana que passou. Como o aluno ainda não tem a noção de que o tempo é per- manente, deverá olhar os dias que passaram, verificando para onde eles vão, isso o levará a concretizar a ideia de tempo passado. Ao final das quatro semanas, deverá, da mesma forma, haver um saco transparente, maior que os outros (n. 4), para armazenar todos os dias, mostrando que esse montante configura um mês e que esse mês já acabou. Assim, deverá ser feita com os alunos a transferência Capítulo 2 Educação Inclusiva Capítulo 2 159 dos papéis das semanas, que estão nos saquinhos transparentes me- nores (n. 2), para o saco maior no final do calendário (n. 4). O pacote deverá ficar em cima do quadro negro, com o nome do mês colado, para o aluno visualizá-lo durante todo ano. Ao final do ano, será necessário providenciar um saco plástico maior (n. 5), no qual todos os papéis dos meses deverão ser mos- trados e colocados, também transparentes e maiores. O professor pode retirar do calendário o papel referente ao ano e colá-lo sobre esse saco, colocando-o agora em cima do quadro negro, como for- ma de concretizar que o ano já acabou. Como no ano seguinte todas as salas de aula da escola terão esse mesmo pacote e todos os alunos já compreenderão o sistema do calendário, bastará repetir o processo e eles poderão, a partir daí, ter uma noção mais concreta do tempo. 8. Os professores devem falar sempre do que vão fazer, planejando suas ações e permitindo a formação de imagem antecipatória, as- sim como falar do que fizeram, possibilitando a imagem retroativa, organizando seu pensamento na perspectiva espacial, temporal e em suas significações. Para que se alcance esse objetivo, sugerimos a criação do quadro de rotina, pois o educando com deficiência terá dificuldade de planejar seu dia e relatar o passado sem o apoio de material concreto. Seguir a ideia do calendário já descrito seria uma proposta interessante, com a construção desse outro material os dias da semana devem ser montados da mesma forma, com as mesmas cores, o que muda é que, nesse caso, a rotinado dia será exposta em forma de desenho, por exemplo, a segunda-feira, que é da cor rosa, dia em que se joga futebol na escola na hora do recreio, em que vêm os alunos que assinaram o papel do dia (referindo-se ao calendário já descrito), terá, na primeira hora, aula de educa- ção física, na segunda hora, aula com os cadernos de linguagem, com a professora, depois o lanche e o recreio. Depois desse último momento, haverá aula com os cadernos de matemática e, por últi- mo, aula de música para, então, chegar a hora de ir embora. Esse material servirá de reforço para a organização do tempo e espaço, diminuirá a ansiedade dos alunos que não sabem o que acontecerá depois de cada atividade e auxiliará principalmente na organização do pensamento lógico. Educação Inclusiva FAEL 160 9. O aluno deve afirmar a si mesmo e aos outros o que fez, o que fará e o que aconteceu, percorrendo o pensamento simplesmente orde- nado até a justificativa dos seus atos e criando maiores conceitos sobre os conteúdos. 10. O aluno precisa saber qual a função do que está sendo submetido a aprender, para sentir-se corresponsável por sua aprendizagem, tendo como forma eficaz o envolvimento na concepção, realização e avaliação de projetos. 11. É necessário que sejam articulados os saberes das diversas áreas ou disciplinas em torno de problemas e temas de pesquisa e de intervenção. Assim, o aluno estará progressivamente ampliando o significado de conceitos e adquirindo, também, a noção de res- ponsabilidade perante o ambiente, a sociedade e a cultura em que se insere. 12. Devemos lembrar sempre que o planejamento estará centrado nas potencializações e não nas lesões, é isso que garante avanços na aprendizagem formal de conteúdos e possibilita a plasticidade cere- bral, analisando as conjunturas sociais, emocionais e educacionais. 13. Quando as turmas forem muito grandes ou tiverem vários profes- sores, é interessante pensar na tutoria, pessoas que ficam responsá- veis por grupos menores de alunos, a fim de fazer acompanhamen- to personalizado. 14. É importante desenvolver semanalmente uma técnica de relação e colocar no planejamento bimestral conteúdos sobre as diferenças, pois alunos com maior condição de aprendizagem podem não ser solidários e não respeitar o processo individual dos colegas, isso previne problemas graves de comportamento, advindos da não compreensão da sua identidade, da identidade do outro e das re- gras e limites das relações. 15. Devem ser repreendidas as atitudes de não fazer nada ou realizar atividades isoladas, tediosas ou frustrantes, pois isso pode levar qualquer aluno a não gostar do ambiente. 16. É importante lembrar sempre que as aulas são planejadas para todos, mantendo o direito da diversidade quanto à expressão das ideias, gráficas ou verbais, e às metodologias para cada deficiência. Capítulo 2 Educação Inclusiva Capítulo 2 161 17. Ter clareza das competências que todos devem atingir ao chegar ao final de sua escolaridade: autonomia, independência e empodera- mento sobre todos os objetivos dispostos. 18. Desenvolver sempre dinâmicas que envolvam os aspectos da rela- ção afetiva. 19. Organizar salas de recurso no contraturno, desde que não seja de caráter permanente. 20. Planejar as aulas para todos os alunos, evitando propor atividades individualizadas. 21. Deixar sempre escrita qual a sequência e prioridade dos conteúdos. 22. Inserir propostas profissionalizantes no contexto do ensino regu- lar, para os jovens que não alcançaram o mínimo do currículo bá- sico. Esses programas visam facilitar a sua incorporação no mundo do trabalho ou a continuidade de seus estudos nas distintas insti- tuições do ensino para jovens e adultos. É importante que, para- lelamente, seja garantida a profissionalização para os alunos que não apresentarem condições de dar continuidade à aprendizagem acadêmica formal. 23. Esclarecer termos, conceitos e objetivos das tarefas a serem realizadas. 24. Organizar práticas que permitam a cada um manifestar sua apren- dizagem, suas diferenças, seus talentos, suas preferências, conheci- mentos anteriores, sua história individual. 25. Utilizar-se do princípio da intencionalidade e da reciprocidade para valorizar cada pequena aprendizagem, cada avanço conseguido. 26. O professor deve identificar talentos em cada um dos alunos e organizar estratégias de trabalho independente que valorizem esses talentos. 27. Tornar habitual a exploração de outras matérias, ambientes, ima- gens, outras linguagens, outras formas de pensar e de resolver de- terminadas questões. 28. Prever momentos para desenvolver a criatividade, deixando a ima- ginação se manifestar pedagogicamente na forma de música, dese- nho, dança, jogo, brincadeira, texto, atitude de servir a alguém ou de agradecer ajudas recebidas ou aprendizagens conseguidas. Educação Inclusiva FAEL 162 29. Estimular o raciocínio reflexivo e não repetitivo, visando à abs- tração, à contextualização e à compreensão do sentido do que se aprende e do que se produz. 30. Garantir diariamente a toda turma manifestações de uma das lin- guagens artísticas (cênica, musical e plástica) ou atividades cor- porais (dança, jogos, entre outros) para estimular todos os canais de aprendizagem. 31. Organizar a distribuição do tempo de acordo com a condição físi- ca, psíquica e cognitiva de cada aluno. Algumas pessoas terão sua condição máxima de atenção a uma atividade por aproximada- mente 15 minutos, isso quer dizer que o planejamento da turma na qual esse educando está inserido deverá ter mudanças de ativi- dades a cada 15 minutos, para contemplar suas necessidades. 32. As atividades deverão ser gradualmente complexas, iniciando com algo que o aluno já sabe fazer para, posteriormente, apresentar o desafio de propor algo novo, possibilitando a vinculação positiva do aluno com a aprendizagem, levando-o a perceber que é capaz de aprender. 33. Possibilitar somente atividades em grupo, para que o aluno com deficiência jamais se sinta isolado e sozinho para realizar uma ta- refa. Esta estratégia também beneficiará o grupo, na medida em que entenderem que somente poderão entregar a tarefa quando todos concluírem, assim uns tem que obrigatoriamente ajudar os outros. 34. A aprendizagem deve ser contextualizada e fazer sentido para quem está aprendendo: ênfase em atividades e vida real. 35. É importante lembrar que se o sucesso está fora do alcance do aluno, ele aprende que nada pode fazer, subentendendo-se na de- sesperança. 36. Os planejamentos devem ser repensados semanalmente, de acordo com a evolução da turma. 37. O currículo para o deficiente intelectual deve ser prático. A sua finalidade e o conteúdo devem ser determinados pelos interesses e capacidades da criança em assimilá-los e usá-los na vida cotidiana. Capítulo 2 Educação Inclusiva Capítulo 2 163 38. É necessário inserir nas atividades os seguintes critérios: ● trabalho independente ● movimentação discente e docente ● trabalho cooperativo ● capacidade de criação ● capacidade de transferência do conteúdo para sua realidade ● envolvimento dos pais ● capacidade de síntese e análise ● atividade da avaliação participativa Nessa concepção, o educador é o criador de condições para que a educação aconteça, é ele quem cria acontecimentos, espaços e articula o espaço e o tempo possibilitando ao educando a construção enquanto sujeito, com a qual ele poderá tomar iniciativa, assumir responsabi- lidade e compromisso. Não podemos conceber carteiras enfileiradas, alunos passivos copiando do quadro e repetindo conteúdos, solitários, quietos e sem movimento. É preciso organizar os espaços em sala para que sejam democráticos, solidários e geradores de opiniões. Mesmo que os conteúdossejam críticos, é necessário ter o cuidado para que a prá- tica não se torne autoritária. A contribuição da tecnologia assistiva no processo de inclusão escolar A tecnologia assistiva beneficia todas as pessoas que por alguma ra- zão precisam de equipamentos diferenciados para ter acesso, de forma au- tônoma, aos recursos da comunidade ou conteúdos escolares, sejam essas dificuldades de ordem visual, auditiva, física, intelectual ou emocional. Os ajustes simples ou complexos beneficiam o sujeito quanto a realizar atividades sozinho, por exemplo, como o ato de colar uma fo- lha na carteira para o aluno não movimentá-la pela sua dificuldade de controle motor dos braços, um cabo grosso de madeira em uma colher Educação Inclusiva FAEL 164 para permitir que ele se alimente de forma independente ou um ajuste eletrônico no banheiro para que consiga ligar e desligar o chuveiro. Todas essas adaptações são pensadas de maneira a garantir que a pessoa com deficiência tenha assegurado o seu direito de ir e vir com a maior independência possível. Quanto mais dependente ela for, menos feliz, menos desenvolvida e menos responsável pela sua própria vida será. No processo de inclusão de crianças com deficiência, devemos ob- servar e providenciar instrumentos de adaptação, como os que serão abordados a seguir. ● Adaptações ambientais, como rampas, barras nos corredo- res, banheiros, brinquedos e sala de aula, tipo de piso, sinali- zação dos ambientes, iluminação e posicionamento da criança dentro da sala de aula, considerando sua possibilidade visual, alertas (sinais) de comunicação sonoros e visuais. ● Adaptação postural da criança na classe com a adequação da sua cadeira de rodas ou carteira escolar e adequações posturais nas atividades das aulas complementares ou de lazer. Capítulo 2 Educação Inclusiva Capítulo 2 165 ● A garantia do processo de ensino-aprendizagem com a confecção ou indicação de recursos, como: planos inclina- dos; antiderrapantes; lápis adaptados, órteses (dispositivo ortopédico de uso externo, usado para alinhar, prevenir ou corrigir deformidades e melhorar as funções de partes móveis de corpo); pautas ampliadas; cadernos quadriculados; letras emborrachadas; textos ampliados; máquina de escrever ou computador; material didático em braille ou gravado em voz; máquina que reproduz mapas em alto relevo (mapas táteis) para o ensino da geografia; ábaco (ou soroban) para o ensino da matemática; reglete, tipo de régua para escrever em braile; punção, lápis ou caneta da pessoa cega, usado com a reglete; máquina braille; lupas; lentes de aumento e réguas de leitura; suporte com ilustrações; programas de computador leitores de tela, livro falado, gravado ou digitalizado, etc. ● Recurso alternativo para a comunicação oral com a utiliza- ção de pranchas de comunicação ou comunicadores. Educação Inclusiva FAEL 166 ● Independência nas atividades de vida diária e de vida prá- tica com adaptações simples, como argolas para auxiliar a abertura da merendeira ou mochila, copos e talheres adapta- dos para o lanche, etiquetas em braille nas prateleiras e equi- pamentos. ● Acesso à informática, que tem se mostrado um recurso de ajuda poderoso. Os livros digitais, leitores de tela, teclados virtuais e simuladores diversos estão disponíveis, facilitando a vida dos alunos com deficiência e atingindo um público cada vez mais diverso e numeroso. Dentro da informatização são encontrados controles, também, adaptados para ligar e desli- gar equipamentos, como acender e apagar luzes. Assim, os recursos são infinitos de acordo com a necessidade de cada pessoa, podem ser: bengala, sistema computadorizado, brinquedos e roupas adaptadas, computadores, softwares e hardwares especiais, que contemplam questões de acessibilidade, dispositivos para adequação da postura sentada, recursos para mobilidade manual e elétrica, equi- pamentos de comunicação alternativa, chaves e acionadores especiais, aparelhos de escuta assistida, auxílios visuais, materiais protéticos e mi- lhares de outros itens confeccionados ou disponíveis comercialmente. Capítulo 2 Educação Inclusiva Capítulo 2 167 Para que uma pessoa possa fazer uso dessas tecnologias, são ne- cessários apoios, orientações e treinamentos durante algum tempo, até que consiga usá-las de forma independente, caso contrário tais equipa- mentos poderão frustrá-la e torná-la mais dependente de outros para ajudá-la. Esse trabalho geralmente envolve uma equipe multiprofissio- nal, envolvendo diversas áreas, como: fisioterapia, terapia ocupacional, fonoaudiologia, educação, psicologia, enfermagem, medicina, enge- nharia, arquitetura, design e técnicos de muitas outras especialidades. Concepção de avaliação A avaliação da aprendizagem resulta das manifestações, do compar- tilhar, das respostas com ajuda e individuais, das conquistas de novos elementos de comunicação com outras pessoas, novas compreensões so- bre a realidade local em que está situado o aluno. Todo processo avalia- tivo leva em consideração as condições de participação dos membros da família no acompanhamento dos objetivos planejados para o aluno. Do mesmo modo, avaliamos a mediação do professor, o qual ma- nifesta suas possibilidades, seus recursos e estratégias, o quanto conhece as necessidades e as possibilidades do aluno, o quanto estimula e orga- niza as trocas dos saberes, que têm sido a coerência, consistência e seu rigor no cumprimento do papel de desafiar e de valorizar as capacidades já percebidas no aluno. O progresso da aprendizagem do educando, assim como depende do trabalho do professor, das interações com seus colegas, do compro- metimento dos membros da família, relaciona-se com a estrutura de apoio oferecida pela escola ao docente e aos estudantes em geral. Esses elementos são interdependentes, ninguém pode ser julgado individual- mente apenas ao final de um processo. Cada pessoa, cada estrutura, só pode ser avaliada em relação à maneira como a outra for capaz de cooperar e de apoiar. Em uma avaliação inclusiva elaboramos menos o julgamento e mais a compreensão, a retomada dos apoios, a busca de novos instrumentos, novos canais de comunicação. A avaliação deve acontecer dentro de um processo de atividades didático-pedagógicas que proporcionem apoio e contribuam para a ob- tenção de resultados de forma participativa com o próprio aluno. Educação Inclusiva FAEL 168 Os instrumentos avaliativos podem ser diversos. Sua única con- dição é permitir a livre manifestação dos pensamentos do educando. A prática avaliativa não pode ser autoritária e castradora. Dessa forma, podemos lançar mão da apresentação de projetos, provas presenciais, participação em fóruns, chats, entre outros. As aprendizagens quantitativas e qualitativas são valorizadas, dei- xando de ser mero instrumento de avaliação da aprendizagem, para se tornarem parte do processo de ensino-aprendizagem. Assim, são um meio para a percepção, diagnóstico e análise de problemas no aprendi- zado. Levantam-se indicadores que revelam se a aprendizagem foi eficaz ou não. Isso se dá pelo monitoramento/acompanhamento permanente mediante meios e métodos, o que propicia a retroalimentação. Dentro desse contexto, os alunos poderão retomar o caminho proposto como forma de atingir o objetivo de melhorar o seu desempenho, reabilitar-se e, por fim, adquirir conhecimento. Os critérios de avaliação devem ser elaborados junto com os alunos no momento do planejamento e explicitados para que tomem conheci- mento das expectativas existentes sobre eles ao frequentarem a escola. Quanto mais a avaliação permitir o autoestudo, mais facilmente atingirá seus objetivos. Isso permite maior flexibilidade para organizar as atividades, o que se constitui em uma dasprincipais vantagens para os alunos que apresentam dificuldades na aprendizagem e/ou deficiências. Da teoria para a prática Neste capítulo, propomos o registro de atividades por meio de fotografias. A avaliação participativa é um dos elementos fundamentais de uma proposta pedagógica que preze pela educação de qualidade. Nessa perspectiva, sugerimos que o aluno seja levado a analisar sua pró- pria participação na atividade, sendo conduzido a falar e a registrar o que realizou e a forma como o fez. A proposta é tirar inúmeras fotografias das diversas atividades de- senvolvidas pelo aluno. É importante garantir que todos apareçam nas Capítulo 2 Educação Inclusiva Capítulo 2 169 fotos. Ao tê-las em mãos, é possível realizar uma exposição em sala de aula, levando os educandos a responder as perguntas que seguem. ● O que sentiram ao fazer essa atividade? ● O que mais gostaram? ● O que não fariam novamente? ● O que repetiriam? ● O que aprenderam? ● O que mais é possível fazer a partir dessa atividade? Aproveitando as colocações dos alunos, o professor poderá produ- zir um texto coletivo sobre o que foi falado, o qual deverá ficar exposto para a turma. Em seguida, cada aluno deverá escolher a foto de que mais gostou, colar em uma folha e responder as perguntas feitas no modelo apresentado a seguir. Colar a foto Nome do aluno: _____________________________________________________________ Data da atividade: _____________________________________________________________ Nome da atividade: _____________________________________________________________ O que eu estava fazendo na foto: _____________________________________________________________ Educação Inclusiva FAEL 170 Eu escolhi esta foto porque: _____________________________________________________________ O que mais gostei na atividade foi: _____________________________________________________________ O que aprendi: _____________________________________________________________ O que o professor acha que eu aprendi: _____________________________________________________________ Preciso aprender mais sobre: _____________________________________________________________ A criança deverá ser estimulada a escrever. Se necessário, o profes- sor fará a reescrita, assim poderá identificar em qual fase da escrita o aluno se encontra. Cada aluno deverá ter a sua pasta individual para guardar as amos- tras de atividades mais significativas. É importante lembrar que só po- derão constar nela dados que forem permitidos pelo próprio aluno. Tal pasta deverá estar facilmente a seu acesso, o educando deverá confiar no professor para poder, aos poucos, mostrar tudo que sabe. Todo educador comprometido com a filosofia da inclusão... Busca formas de permitir ao aluno manifestar o que pode aprender e não se preocupa com as rotulações. Identifica em cada prática educativa as possibilidades de cada aluno, acolhendo todas as diferenças. Aceita todos os estudantes igualmente. […] Estimula os educandos a direcionarem seu aprendizado de modo a aumen- tarem sua autoconfiança, a participarem mais plenamente da sociedade, a usarem mais seu poder pessoal e a desafiarem a sociedade para a mudança. Capítulo 2 Educação Inclusiva Capítulo 2 171 Acredita nos alunos e em sua capacidade de aprender. Deseja primeiro conhecer o aluno e aumentar a sua autoconfiança. Sabe que a aprendizagem deve estar baseada nas metas do aluno, que será capaz de escolher métodos e materiais para aprender os conteúdos. […] Utiliza as experiências de vida do próprio aluno como fator motivador da aprendizagem dele. Indaga primeiro o aluno para saber se ele quer partilhar dados sobre sua condição e história individual e, só em caso afirmativo, passa essa informa- ção para outras pessoas. É bom ouvinte para que os alunos possam falar sobre a realidade da vida que levam. Adota a abordagem centrada no aluno e ajuda os estudantes a desenvolve- rem habilidades para o uso do poder pessoal no processo de mudança da sociedade. Fonte: texto adaptado da obra Speaking of equality: a guide to choosing an inclu- sive literacy program for people with intellectual disability, their families, friends and support workers, do Roeher Institute. Tradução de Romeu Kazumi Sas- saki. Disponível em: <http://www.inclusao.com.br/projeto_textos_22.htm>. Acesso em: 26 maio 2010. Síntese Neste capítulo, vimos que a organização da proposta pedagógica é a base para o sucesso da aprendizagem e deve ser feita com respon- sabilidade, conhecimento e comprometimento. O bom planejamento auxilia o professor a ver a inclusão como algo possível e fácil de ser administrado no dia a dia, assim todos os seus benefícios são estendi- dos aos educandos. É preciso promover as mudanças, as adequações, a acessibilidade à comunicação, o usufruto das conquistas humanas: os Educação Inclusiva FAEL 172 recursos tecnológicos, os espaços das redes sociais, o compartilhar dos territórios reais e imaginários, o exercício das escolhas, da crítica, o di- reito à construção da história, a ocupação do lugar possível no contexto familiar, no mundo do trabalho, nas trocas sociais, a proclamação de suas aspirações na política, a celebração de sua existência pela contem- plação e reconhecimento de sua própria obra. 173 ANTUNES, C. Novas maneiras de ensinar – novas formas de apren- der. Porto Alegre: Artmed, 2002. BALLONE, G. J. Deficiência mental – 1. 2003. Disponível em: <http://sites.uol.com.br/gballone/infantil/dm1.html>. Acesso em: 19 maio 2010. BOFF, L. O despertar da águia: o dia-bólico e o sim-bólico na construção da realidade. Petrópolis: Vozes, 1998. BRANDÃO, C. R. (Org.). O educador: vida e morte. Rio de Janeiro: Graal, 1983. BRASIL. 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Na Educação a Distância, é possível interagir a respeito dessas questões com outros profissionais e familiares de pessoas com deficiência, conhecendo teorias, experiên- cias e estratégias bem-sucedidas. Conexões de qualidade contribuem para a formação de uma rede de excelentes relacionamentos e oportunidades de trabalho.