Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
FUNDAMENTOS DE BIOLOGIA OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM > Apontar as propriedades emergentes da água, importantes para a adequação da vida na Terra. > Comparar uma molécula hidrofóbica a uma hidrofílica. > Identificar as macromoléculas comuns às células. Introdução Compreender a base molecular da vida no planeta e os processos bioquímicos desde a era primordial é fundamental para entender as relações atuais entre os organismos e o meio ambiente. Como foram formadas as moléculas nos organismos vivos, que similaridades guardam entre si, como são armazenadas e transferidas as informações hereditárias entre os seres? De que forma é obtida a energia necessária para as células funcionarem e como os alimentos são digeridos? Pesquisas científicas cada vez mais avançadas nos trazem pistas para esclarecer essas dúvidas e temos progredido muito no conhecimento sobre elas. Estudar a bioquímica das moléculas e entender suas origens pode colaborar para prevenção e cura de doenças, entre outros benefícios. Neste capítulo, você vai conhecer as propriedades emergentes da água e sua importância para a manutenção da vida na terra. Além disso, você vai compreender as características de moléculas hidrofóbicas e hidrofílicas, como elas interferem no metabolismo dos seres vivos e suas reações. Você também estudará sobre as macromoléculas comuns às células, suas funções e os efeitos do desequilíbrio desses componentes nos organismos. A química da vida Claudia Elisa Alves Ferreira A vida no planeta A Terra se formou há cerca de 4,6 bilhões de anos, sendo que a primeira evidência fóssil conhecida tem aproximadamente 3,5 bilhões de anos. Na era primitiva, a atmosfera do planeta era composta de elementos químicos simples como H2O, N2, CO2, além de outros compostos como CH4, NH3 (SADAVA et al., 2020). Experimentos de laboratório desde a década de 1920 sugeriram que a radiação ultravioleta do sol e descargas elétricas de relâmpagos provocaram na atmosfera primitiva reações químicas, formando os compostos orgânicos (SADAVA et al., 2020). Os cientistas Stanley Miller e Harold Urey realizaram pesquisas e experimentos com tubos e balões para simular a Terra primitiva (Figura 1). Nesses estudos, publicados em 1953, misturaram H2O, CH4, NH3 e H2 e os submeteram ao aquecimento e a descargas elétricas por alguns dias. O sistema era ligado a um condensador que resfriava a mistura, simulando o resfriamento da Terra, e liberava gotículas de água. Após uma semana, foram observados compostos orgânicos e diversos aminoácidos presentes na água acumulada no reservatório, substâncias simples e que podem ter dado origem às primeiras formas de vida na Terra. Figura 1. Experimento de Miller e Urey para simular a Terra primitiva. Fonte: Sadava et al. (2020, p. 72). O experimento de Miller e Urey foi contestado pela comunidade científica, que propunha a presença de outros elementos químicos adicionais na atmosfera da época, além de sugerirem que as primeiras moléculas biológicas podem ter sido geradas no escuro e no meio submarino. De acordo com Voet, Voet e Pratt (2014, p. 3): A química da vida2 Fontes hidrotermais no fundo do oceano, que emitem soluções de sulfetos metálicos a temperaturas tão altas quanto 400 °C, podem ter fornecido condições adequadas para a formação de aminoácidos e outras pequenas moléculas orgânicas a partir de compostos simples presentes na água do mar. Segundo Reece et al. (2015), evidências sugerem que a atmosfera primitiva era formada basicamente de nitrogênio e dióxido de carbono e não tinha pH ácido e básico. Por outro lado, outras porções da atmosfera primitiva, mais próximas a vulcões, eram redutoras. De qualquer forma, esses mesmos autores citam que experiências em ambos os tipos de ambientes, ditos “neutros” ou mesmo redutores, detectaram a formação de moléculas orgânicas. Existem ainda outras hipóteses, como a de que as primeiras moléculas orgânicas tiveram formação em fendas hidrotérmicas nas profundezas do oceano, onde passam água quente e minerais das profundezas da Terra, e a de que as primeiras moléculas orgânicas teriam origem a partir de meteoritos. Reece et al. (2015) apontam ainda que estudos com o meteorito “murchison” continha moléculas como lipídios, açúcares simples e bases nitrogenadas. Entretanto, as moléculas orgânicas simples não seriam suficientes para o surgimento da vida e das células. Essas estruturas são complexas e formadas por uma gama de macromoléculas capazes de produzir energia e se autorreplicar. Reece et al. (2015), por outro lado, citam que na sopa de compostos orgânicos no mar primitivo podem ter originado os chamados protobiontes, percursores das células por nós conhecidas. Além disso, os autores sugerem que esses protobiontes poderiam ter sido formados dentro de vesículas. Estudos mostram que essas vesículas podem se formar espontaneamente quando lipídios ou outras moléculas orgânicas são adicionadas à água, mantendo o ambiente químico interno diferente do externo. Ademais, Reece et al. (2015) citam que a argila comum no ambiente primitivo da Terra poderia favorecer a formação de vesículas. Assim, vida não seria possível sem a presença da água. Diversas reações químicas só ocorrem no meio aquoso, e na água estão contidos nutrientes orgânicos e inorgânicos. A água é utilizada em todas as reações metabólicas dos organismos e compõe cerca de 60% do corpo humano. Além disso, o equilíbrio da biosfera depende da água, e os ciclos de ventos e chuvas da atmosfera atual mantêm a existência de vida no planeta. A maior parte da superfície da Terra é composta por oceanos, lagos e rios. Por volta de 70% da extensão do planeta é coberta pela água, sendo que a maior parte dela é encontrada no estado líquido (REECE et al., 2015). A química da vida 3 Propriedades da água importantes para a vida Como vimos, a água é fundamental para a vida e suas propriedades físicas e químicas possibilitam que sejam executadas as funções biológicas nos seres vivos e que as reações químicas funcionem na natureza. Uma das características mais importantes da água líquida é a capacidade que ela tem de dissolver substâncias. Ou seja, ocorrem interações entre moléculas do solvente (água) e as do soluto (substância polar ou iônica que vai ser dissolvida) (REECE et al., 2015). A água é uma substância polar, cujas moléculas são unidas por pontes de hidrogênio. A molécula de água tem a forma de “V” e é um dipolo elétrico, em que os hidrogênios são os polos positivos e o oxigênio é o polo negativo. Essa estrutura se reflete no seu comportamento em relação a outras moléculas de água ou a substâncias que sejam misturadas a ela (REECE et al., 2015). Assim, quanto mais fortes forem as atrações entre as moléculas do soluto e do solvente, maior será a solubilidade. Dessa forma, as moléculas de solutos polares tendem a se dissolver mais facilmente em solvente polares. A possibilidade de ligações de hidrogênio entre o soluto e o solvente também afeta a solubilidade das soluções. Todavia, a água é capaz de diluir moléculas gasosas apolares, como o oxigênio e o gás carbônico, dependendo de sua concentração no ambiente, mas não consegue dissolver outras substâncias apolares líquidas ou sólidas, como parafina, querosene ou gasolina, por exemplo. A capacidade de dissolução da água é fundamental para manter as funções metabólicas dos seres vivos. Nas plantas, os sais minerais dissolvidos na água são levados das raízes às folhas e o açúcar é transportado e dissolvido em água para todas as partes desse organismo. Além disso, dissolver grande quantidade de substâncias é muito importante porque os sais minerais, vitaminas, açúcares e outros nutrientes são transportados pelo sangue, diluídos na água ingerida, absorvidos e aproveitados pelo organismo dos animais (REECE et al., 2015). Outra propriedade significativa da água é a tensão superficial. Essa função ocorre nos líquidos devido à força de atração que as moléculasinternas do líquido exercem junto à superfície. Ou seja, a interação que ocorre entre as moléculas de água na superfície é diferente daquela que acontece no interior do líquido. Nesse processo, as moléculas internas do líquido são atraídas pelas moléculas próximas em todas as direções, anulando as forças que atuam sobre cada uma delas separadamente. Assim, aquelas moléculas A química da vida4 da superfície do líquido vão sofrer apenas atração lateral e inferior. A força exercida para os lados e para baixo vai fazer com que as moléculas fiquem mais coesas e criem uma tensão da superfície, como se fosse uma película elástica (Figura 2) (REECE et al., 2015). Figura 2. (a) Forças de coesão sobre as moléculas de água no interior e na superfície da solu- ção, criando a tensão superficial; (b) inseto sobre a película formada na superfície da água. Fonte: (a) magnetix/Shuttterstock.com ; (b) makamuki0/Pixabay.com. Muitos organismos marinhos e outros pequenos seres sobrevivem graças à formação dessa película superficial na água, que lhes serve de substrato, tornando-se o seu hábitat. Entre eles, podemos citar algumas espécies de peixes, besouros, aranhas, protozoários, bactérias, entre outros. Ainda com relação à tensão superficial, de acordo com um documento elaborado pela Fundação Nacional de Saúde (Funasa): A coesão molecular na superfície é afetada por alguns fatores físicos e químicos, como, por exemplo, a temperatura e a presença de substâncias orgânicas dissolvidas. Quanto maior a temperatura, menor é a tensão superficial. Quando há o lançamento de esgotos industriais em rios e lagos, ocorre um aumento na concentração de substâncias orgânicas dissolvidas, o que também leva a uma diminuição da tensão superficial (BRASIL, 2014, documento on-line). Por esse motivo, a poluição excessiva e a contaminação das águas afetam a tensão superficial e acarretam grandes prejuízos ao ecossistema e ao hábitat dos seres que vivem nesse local, interferindo no seu desempenho na cadeia alimentar do corpo d’água. Algumas peculiaridades da água em relação ao ambiente atmosférico incluem maior densidade e resistência à passagem A química da vida 5 de luz, alto calor específico e grande capacidade de dissolução de diversas substâncias. A estrutura molecular da água, ligada por pontes de hidrogênio, confere a ela elevada coesão. A transparência da água também influencia nos processos naturais, essa característica permite que seja realizada a fotossíntese nos ambientes aquáticos. A temperatura da água exerce uma grande influência sobre a atividade biológica e o crescimento dos animais e plantas aquáticos, pois as espécies de peixes, zooplâncton, macroalgas e outros seres aquáticos possuem uma gama de temperatura preferida. Então, se a temperatura de um rio, lago ou oceano aumentar ou diminuir muito, o número de indivíduos dessa espécie pode decrescer ou até mesmo causar sua extinção. Essa alteração de temperatura pode ocorrer por fonte natural (sol) ou por despejos industriais e/ou outro tipo de contaminação das águas e assim influenciar reações químicas e metabólicas dos organismos, bem como afetar a solubilidade de substâncias. A temperatura também é importante devido à sua influência na química da água (BRASIL, 2006). Moléculas hidrofóbica e hidrofílica Conforme vimos, a água é primordial para a manutenção da vida, a conformação de sua estrutura molecular, suas propriedades e capacidade de dissolução são fundamentais para manter as reações químicas e metabólicas nos seres vivos e na natureza. A polaridade da água possibilita a dissolução das substâncias no meio. Como a maioria dos elementos das células vivas também é polar, elas têm afinidade química com a molécula de água, ou seja, são hidrofílicas (do grego hydro, água, e phylos, amigo). Desse modo, os compostos hidrofílicos, ou polares, têm afinidade com a água e formam pontes de hidrogênio com ela. Alguns exemplos desses compostos são sal de cozinha (NaCl), ácido acético (vinagre) e álcool, que se dissolvem na água na medida em que suas moléculas apresentam polaridade. A capacidade de as moléculas hidrofílicas se diluírem na água é importante porque, dessa forma, são dissolvidos os sais minerais, os aminoácidos, os açúcares, as vitaminas e outros compostos essenciais para o metabolismo dos seres vivos, tornando-os disponíveis para as células. Especialmente nos vegetais, a presença de moléculas hidrofílicas desempenha um relevante A química da vida6 papel, pois os nutrientes absorvidos pela raiz são conduzidos de forma diluída na água para todas as partes da planta, por capilaridade, pelos vasos condutores. Da mesma forma, o açúcar, produzido pelos vegetais por meio do processo de fotossíntese, é transportado pelo corpo da planta. Os compostos hidrofóbicos, apolares, que não têm afinidade com a água, tendem a repelir a água e fazer interações com compostos apolares. As moléculas hidrofóbicas não têm carga, formam poucas ou nenhuma ligação de hidrogênio e não se dissolvem na água. Os hidrocarbonetos são exemplos de substâncias apolares e hidrofóbicas. A existência de hidrofobicidade também tem implicações no equilíbrio do meio ambiente e, indiretamente, no metabolismo dos seres vivos. Esse fenômeno se dá quando o solo é recoberto por compostos orgânicos hidrofóbicos, como, por exemplo, grandes quantidades de carbono orgânico, provocando a repelência à água no solo. Assim, a penetração da água nesse local é dificultada. Apesar de contribuírem com a decomposição do solo e participarem de ciclos biogeoquímicos, alguns microrganismos, como bactérias, podem liberar compostos hidrofóbicos no solo. Fungos presentes nesse microambiente têm hifas e micélios que recobrem a superfície com substâncias hidrofóbicas. O desmatamento e as alterações climáticas também impactam na distribuição e no equilíbrio dos elementos químicos no meio ambiente. Queimadas e incêndios causam o aquecimento do solo, produzindo uma camada superficial repelente à água e alterando a sua composição orgânica e o pH do local. Portanto, observa-se que a presença de compostos hidrofóbicos no solo tem efeito na dinâmica da água no ambiente e interfere no crescimento e de- senvolvimento das árvores de florestas. Isso altera a disponibilidade da água, intensifica a erosão, entre outras consequências, afetando desde a microescala até a escala de bacias hidrográficas (VOGELMANN; PREVEDELLO; REICHERT, 2015). Também existem moléculas que são compostas de uma parte polar e outra não polar, chamadas anfipáticas ou anfifílicas, com uma região hidro- fílica e outra hidrofóbica (Figura 3). Os lipídeos de membranas celulares têm essa conformação. Em solução aquosa, eles tendem a se reunir e a formar bicamadas que se fecham em vesículas, chamadas lipossomos. Pesquisas sugerem que foi dessa forma que se formou a primeira célula na era primitiva, ou seja, um pequeno volume de solução aquosa contendo íons e moléculas foi englobado na forma de vesícula e separado do resto do meio (CARMONA et al., 2016, documento on-line). A química da vida 7 Figura 3. Fosfolipídeo com uma região hidrófila e outra hidrófoba e a representação da bicamada da vesícula que forma o lipossomo. Fonte: Reece et al. (2015, p. 125). Um bom exemplo é quando se recomenda lavar as mãos com água e sa- bão a fim de inativar e matar um vírus, como o da covid-19, por exemplo. Ao fazer isso, estamos atuando na parte lipídica do microrganismo, na medida em que o sabão, por ser uma substância que quebra a gordura, consegue destruir o envelope viral (parte externa do vírus, composta justamente por gordura), matando esses organismos (HOSPITAL PRONCOR, 2020). Isso porque sua estrutura externa é composta por proteínas e fosfolipídeos, que são elementos gordurosos e têm natureza primordialmente hidrofóbica, por isso não são solúveis em água. A água tem a tendência de se ionizar, o que é importante para a estrutura e a função da maioria das biomoléculas.A quantidade de íons presentes no meio tem influência nas interações, no funcionamento e nas propriedades dos componentes das células, como enzimas, ácidos nucleicos, lipídeos, etc. Soluções aquosas como sais, ácidos e bases fracas funcionam como tam- pões que permitem a resistência a alterações do pH do meio e são essenciais para os sistemas biológicos. De acordo com Carmona et al. (2016, documento on-line), “[...] muitas propriedades físicas e químicas das biomoléculas pre- sentes nas células, especialmente proteínas e ácidos nucleicos, derivam de suas interações com moléculas de água do meio ou com seus íons”. A química da vida8 Macromoléculas comuns às células Estudos sugerem que os organismos primitivos se adaptaram ao ambiente e “[...] desenvolveram estratégias metabólicas para sintetizar moléculas biológicas, conservar e utilizar energia de maneira controlada e replicar- se no interior de um compartimento protetor” (VOET; VOET; PRATT, 2014, p. 7). Assim, tornaram-se capazes de disseminar em uma variedade de hábitats cada vez maiores. Desse modo, a diversidade de espécies foi possível devido à adaptação das células à diversidade de condições externas, à especialização das células nos organismos multicelulares, entre outros fatores. As células atuais contêm enorme quantidade e diferentes tipos de moléculas, grandes e complexas, ou macromoléculas biológicas, que são polímeros formados pela repetição de moléculas mais simples e menores. Essas unidades fundamentais que se repetem são ligadas entre si de forma sequencial e com ligações covalentes, característica importante para a função biológica das macromoléculas (Figura 4). Figura 4. Moléculas ligam-se covalentemente formando macromoléculas que, por sua vez, formam grandes complexos por meio de ligações covalentes. Fonte: Alberts et al. (2017, p. 50). Nas macromoléculas, as ligações covalentes são formadas pela reação de condensação, que remove uma molécula de água (desidratação). Dessa forma, segundo Marques (2014, documento on-line): O processo inverso, ou seja, a quebra da ligação covalente entre as unidades fundamentais de um polímero, pode ocorrer, sendo a reação, nesse caso, denominada hidrólise. Essa reação também é importante para os organismos vivos, pois é a base do processo da digestão. A química da vida 9 Para compreender os princípios que compõem a arquitetura das biomoléculas e sua influência nas propriedades e funções biológicas, é preciso conhecer os tipos de macromoléculas existentes nas células. O carbono é uma das principais substâncias químicas que formam os organismos vivos. As macromoléculas principais formadas por carbono são: proteínas, ácidos nucleicos, carboidratos e lipídeos. Proteínas são macromoléculas orgânicas que apresentam diversas funções biológicas e são responsáveis por inúmeros fenômenos observados nos seres vivos. Algumas funções das proteínas são: transporte, catálise de reações químicas, regulação do ciclo celular, função estrutural, regulação e composição de hormônios, geração de energia, entre outras (DALPAI; BARSCHAK, 2018, p. 22). Certas proteínas têm caráter hidrofílico, são mais compactas e globulares, como, por exemplo, a hemoglobina (que transporta gases) ou as imunoglo- bulinas (os anticorpos). Outras são hidrofóbicas e apresentam estrutura fibrilar na forma de cordão, tendo função estrutural, como o colágeno, que é uma proteína que forma os ossos e tendões de animais vertebrados, etc. As proteínas são formadas por um conjunto de 20 α-L-aminoácidos (ou aminoácidos-primários). A estrutura do aminoácido é composta por um grupo amina e um grupo carboxila, ligados a um carbono. Cada aminoácido tem uma identidade estrutural específica, com a presença de um grupo denominado grupo R ou cadeia lateral (que confere a ele propriedades distintas). A ligação entre os aminoácidos é chamada ligação peptídica e serve de base para a formação de peptídeos e proteínas. Os ácidos nucleicos são macromoléculas compostas por nucleotídeos, que têm em sua estrutura uma base nitrogenada, uma pentose e um grupo fosfato. São ácidos devido à sua carga negativa em pH 7,0 e à formação de sais de sódio, recebendo esse nome por serem encontrados no núcleo das células. Há dois tipos de ácidos nucleicos: o desoxirribonucleico (DNA) e o ribonu- cleico (RNA), que são responsáveis por codificar e transmitir as informações genéticas nos seres vivos. Os cientistas Watson e Crick realizaram importantes estudos com o DNA, em 1953, decifrando a estrutura na forma de dupla-hélice e a função da molécula e descobrindo evidências de sua capacidade de conter informações genéticas e conseguir duplicar fielmente essas informações aos descendentes. A ligação entre a dupla-hélice de DNA é feita por pontes de hidrogê- nio entre os pares de bases adenina-timina (AT) e citosina-guanina (C-G). A suscetibilidade a processos como a desnaturação da molécula depende da quantidade de pontes de hidrogênio presentes. A química da vida10 Uma das formas mais comuns de separar as fitas de DNA é aumentando-se a temperatura. Isso induz o aumento da energia cinética na molécula, causando o rompimento das pontes de hidrogênio entre as bases nitrogenadas, além de romper as interações hidrofóbicas – processo denominado desnaturação. A desnaturação também ocorre a partir da alteração de alguns parâmetros físicos, como o pH do meio, entre outros (ALVES; SOUZA, 2013, p. 141). O RNA, por sua vez, realiza a tradução das informações genéticas que são fornecidas pelo DNA e faz a síntese das proteínas. Ele é semelhante ao DNA, mas não tem formação em fita-dupla. As bases nitrogenadas do RNA são adenina-uracila (A-U) e citosina-guanina (C-G), e o açúcar da sua estrutura é a ribose. O RNA tem as funções de ser mensageiro das informações genéticas, transportador de aminoácidos para a síntese da proteína ribossomal, que forma o ribossomo, onde ocorre a síntese proteica. Os carboidratos são macromoléculas importantes, pois fornecem energia imediata para as células. Eles são resultantes da fotossíntese e têm função na estrutura das células, além de participar da conformação dos ácidos nu- cleicos (ribose no RNA, e desoxirribose no DNA). Além disso, os carboidratos podem estar ligados a lipídeos ou a proteínas e participar da interação e do reconhecimento entre células. Os carbonos presentes nas moléculas dos carboidratos são ligados a hidro- xila e hidrogênio, por esse motivo, eles têm a tendência a serem hidrofílicos. Em solução aquosa, os carboidratos podem formar uma estrutura cíclica de cinco ou seis elementos. Alguns tipos de carboidratos são: amido, reserva em plantas; glicogênio, reserva em mamíferos, fungos, ostras e moluscos; celulose, componente estrutural de plantas; quitina, constitui o exoesqueleto de artrópodes e a parede celular de fungos (MARQUES, 2014). As moléculas de glicoproteína, que têm carboidratos ligados a proteínas por ligações covalentes, têm importantes funções no organismo, como o reconhecimento entre as células, a proteção imunológica e a interação entre o hospedeiro e os patógenos. As glicoproteínas são encontradas na superfície das células, em sua mem- brana plasmática ou no líquido extracelular. As de membranas celulares têm papel fundamental nas interações entre as células e nos processos de infecções por vírus e bactérias. Essas biomoléculas podem também participar da composição química das células ou então atuar com funções enzimáticas, lubrificantes, estruturais ou transportadoras. Além disso, as glicoproteínas formam vários hormônios, tais como: o FSH (hormônio folículo estimulante); o LH (hormônio luteinizante) e a gonadotrofina coriônica. A química da vida 11 Lipídeos são macromoléculas que têm baixa solubilidade em água, são apolares, hidrofóbicos, mas que são solúveis em outros líquidos como solventes orgânicos (p. ex., hexano, metanol e benzeno). A maioria dos lipídeos tem um ou mais ácidos graxos em sua composição. Oslipídeos são componentes das membranas celulares, têm função de reserva e exercem o papel de hormônios. Podem estar associados com carboidratos (glicolipídeos), proteínas (lipoproteínas), entre outros. Os compostos denominados fosfolipídeos são um tipo de lipídeo que faz parte da membrana celular, formando uma bicamada lipídica. Outra categoria de lipídeo é o colesterol, que é o mais abundante dos esteroides, está presente nas membranas das células animais e também é um precursor de substâncias como a vitamina D, os sais biliares e outras moléculas orgânicas. Além de solúveis em água, os sais biliares são detergentes, ou seja, são capazes de solubilizar moléculas insolúveis em água, como o colesterol, lecitina e bilirrubina não conjugada COELHO et al., 2009, documento on-line). Assim, os ácidos biliares são secretados no intestino delgado, agem como emulsificantes e ajudam a absorver as gorduras. Os lipídeos têm papel importante também no desenvolvimento da retina e do cérebro (formando a mielina e contribuindo com o crescimento dos neurônios). Além disso, participam da formação dos adrenocorticoides que estimulam a secreção de hormônios do córtex suprarrenal, principalmente glicocorticoides como o cortisol. Neste capítulo, vimos que a vida surgiu no planeta há 4,6 bilhões de anos. No início, as propriedades da atmosfera propiciaram a formação de molé- culas complexas, por meio de ligações entre agentes químicos presentes no ambiente. A evolução da vida na terra deu origem a células com capacidade de reprodução e de sintetizar diversas macromoléculas complexas. Desta- camos a importância da água nesse processo e vimos que ela é o solvente da vida, estudamos a sua estrutura e as propriedades químicas, bem como as características de moléculas hidrofóbicas e hidrofílicas. Dessa forma, a água é o componente de todos os organismos vivos e a maioria das reações químicas e metabólicas ocorre no ambiente aquoso. Também vimos que as ligações químicas são importantes para manter as estruturas biológicas e a forma da molécula de água, além de sua capacidade de formar pontes de hidrogênio proporcionar as condições essenciais para a vida. Ademais, aprendemos que o carbono é uma das principais substâncias químicas que compõem os organismos vivos e as principais macromoléculas A química da vida12 formadas por ele são as proteínas, os ácidos nucleicos, os carboidratos e os lipídeos. Por fim, estudamos as especificidades e as múltiplas funções das macromoléculas e a sua arquitetura e influência nas propriedades e funções biológicas dos seres vivos. Referências ALBERTS, B. et al. Biologia molecular da célula. 6. ed. Porto Alegre: Artmed, 2017. ALVES, E. A.; SOUZA, D. S. Biologia molecular. In: MOLINARO, E.; CAPUTO, L.; AMENDOEIRA, R. (org.). Conceitos e métodos para formação de profissionais em laboratórios de saúde. Rio de Janeiro: EPSJV, 2013. p. 133-185. BRASIL. Ministério da Saúde. Fundação Nacional de Saúde. Manual de controle da qualidade da água para técnicos que trabalham em ETAS. Brasília, DF: Funasa, 2014. Disponível em: http://www.funasa.gov.br/documents/20182/38937/Manual+de+control e+da+qualidade+da+%C3%A1gua+para+t%C3%A9cnicos+que+trabalham+em+ETAS+2014. pdf/85bbdcbc-8cd2-4157-940b-90b5c5bcfc87. Acesso em: 15 fev. 2022. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Vigilância e controle da qualidade da água para consumo humano. Brasília: Ministério da Saúde, 2006. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/vigilancia_controle_qua- lidade_agua.pdf. Acesso em: 15 fev. 2022. CARMONA, E. C. et al. Importância da água e suas propriedades para a vida. Cone- xão Água, 2016. Disponível em: https://conexaoagua.mpf.mp.br/arquivos/artigos- -cientificos/2016/09-importancia-da-agua-e-suas-propriedades-para-a-vida-1.pdf. Acesso em: 15 fev. 2022. COELHO, J. C. U. et al. Prevalência e fisiopatologia da litíase biliar em pacientes submetidos a transplante de órgãos. Arquivos Brasileiros de Cirurgia Digestiva, v. 22, n. 2, 2009. Disponível em: https://www.scielo.br/j/abcd/a/FcZyHh5RZK9b64S5vZ3HSb h/?lang=pt&format=pdf. Acesso em: 15 fev. 2022. DALPAI, D.; BARSCHAK, A. G. Bioquímica médica para iniciantes. Porto Alegre: UFCSPA, 2018. HOSPITAL PRONCOR. Coronavírus: saiba o que torna o sabão eficiente contra vírus. Campo Grande: Hospital Proncor, 2020. Disponível em: https://www.hospitalproncor. com.br/post/lavar-maos. Acesso em: 15 fev. 2022. MARQUES, M. R. F. Bioquímica. Florianópolis: UFSC, 2014. Disponível em: https://uab. ufsc.br/biologia/files/2020/08/Bioqu%C3%ADmica.pdf. Acesso em: 15 fev. 2022. REECE, J. B. et al. Biologia de Campbell. 10. ed. Porto Alegre: Artmed, 2015. SADAVA, D. et al. macromoléculas e a origem da vida. In: SADAVA, D. et al. Vida: a ciência da biologia. 11. ed. Porto Alegre: Artmed, 2020. v. 1. p. 38-66. VOET, D.; VOET, J. G.; PRATT, C. W. Fundamentos de bioquímica: a vida em nível molecular. 4. ed. São Paulo: Artmed, 2014. VOGELMANN, E. S.; PREVEDELLO, J.; REICHERT, J. M. Origem dos compostos hidrofóbicos e seus efeitos em florestas de Pinus e Eucalyptus. Ciência Florestal, v. 25, n. 4, out./ dez. 2015. Disponível em: https://www.scielo.br/j/cflo/a/yqnLsDjcM3KPZwszvqGTH9 m/?lang=pt. Acesso em: 15 fev. 2022. A química da vida 13 Leituras recomendadas MENDONÇA, V. L. Biologia: ecologia; origem da vida e biologia celular; embriologia e histologia. 3. ed. São Paulo: Editora AJS, 2016. v. 1. OLIVEIRA, O. M. M. F.; SCHLÜNZEN JUNIOR, K.; SCHLÜNZEN, E. T. M. (coord.). Química. São Paulo: Unesp, [2013]. v. 3. VOLLHARDT, P.; SCHORE, N. E. Química orgânica: estrutura e função. 6. ed. Porto Alegre: Artmed, 2013. Os links para sites da web fornecidos neste capítulo foram todos testados, e seu funcionamento foi comprovado no momento da publicação do material. No entanto, a rede é extremamente dinâmica; suas páginas estão constantemente mudando de local e conteúdo. Assim, os editores declaram não ter qualquer responsabilidade sobre qualidade, precisão ou integralidade das informações referidas em tais links. A química da vida14
Compartilhar