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Processos de análise institucional Apresentação A multiplicidade de possibilidades do empreendimento das interações sociais revelam expressões sociais também diversas e multifacetadas. Por isso, como expressões ou formas sociais, as instituições respondem a um contexto específico de organização social. Portanto, é importante compreender os processos de conceituação das instituições, além de reconhecer sua constituição como espaço de reprodução, disputa ou contestação do poder, assim como entender as principais fases dos processos analíticos do estudo das instituições. Nesta Unidade de Aprendizagem, você conhecerá as formas de conceituação e interpretação das instituições, como expressão social e como plataformas de organização sociopolítica, além de território de disputas de poder. Bons estudos. Ao final desta Unidade de Aprendizagem, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Descrever os aspectos históricos do conceito de instituição.• Definir a instituição como aparelho contraditório e discorrer sobre a reprodução das relações sociais. • Explicar a realização de processos de análise institucional.• Desafio No panorama da análise das instituições, o sociólogo Erving Goffman aponta algumas particularidades daquelas que se destinam à reprodução das práticas sociais e da manutenção das dinâmicas de poder estabelecidas. A partir do viés althusseriano, o qual compreende as instituições como aparelhos ideológicos do Estado, Goffman entende que as instituições são aparelhos institucionais e complexos, podendo tanto reproduzir a perspectiva das instituições de poder quanto indicar a possibilidade de combate e intervenção. Nesse sentido, o autor concebe o conceito de instituições totais, as quais seriam aquelas utilizadas para controlar, coibir certos comportamentos ou coagir quaisquer ações que possam afetar a ordem social pretendida pelos grupos que compõem as elites de poder. Elas são caracterizadas especialmente pelo controle de funções básicas humanas, como a alimentação, o sono e a privação da liberdade. Assim, qualquer instituição social poderia ser caracterizada como uma instituição total, quando orientada para o controle e a coação, associada ao controle das funções e necessidades básicas humanas. Por exemplo, as escolas são instituições educacionais, cujo objetivo é a produção do conhecimento. Porém, quando orientadas por sistemas políticos totalitários, por exemplo, funcionam como aparatos de reprodução ideológica e controle de comportamento social, além de instituir as possibilidades de trajetórias de vida dos estudantes, por meio do direcionamento dado ao ensino. Entretanto, sociedades democráticas também têm instituições totais, socialmente legitimadas e juridicamente legalizadas, como as instituições de internação para pessoas com doenças psicológicas. Nessa conjuntura, os internos permanecem cidadãos, com os mesmos direitos sociais que quaisquer outros — embora sejam suprimidos seus direitos civis. Considerando as instituições prisionais, um espaço de articulação e combate para assistentes sociais, na defesa dos direitos sociais e humanos, analise o seguinte cenário hipotético: Como profissional que atua na política de assistência social, aponte e discuta maneiras de articular contra o panorama de violência institucional desenvolvido no cenário hipotético apresentado. Infográfico Na análise das instituições, a pesquisa-intervenção é uma das principais ferramentas utilizadas por pesquisadores que direcionam os trabalhos à transcendência do padrão de dominação das instituições como aparelhos de Estado, utilizando os espaços de disputa, contestação e reconfiguração de poder. Neste Infográfico, você vai conhecer três linhas de abordagens teóricas e conceituais que influenciaram a análise das instituições, reconhecendo ainda, em alguns momentos, o diálogo estabelecido com outras disciplinas, principalmente com a Psicologia. Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar. https://statics-marketplace.plataforma.grupoa.education/sagah/12119d13-06b5-4a5f-874c-9377ac4c4ff1/468828c8-cbf7-4aae-a962-2d2fcb7bb09d.png Conteúdo do livro As instituições são constituidas a partir do conjunto de significados, valores e objetivos de um determinado grupamento social. Entretanto, como reimprimem socialmente todas essas características, podem ser utilizadas como ferramenta ou aparelho de perpetuação de dinâmicas injustas ou exploratórias. No capítulo Processos de análise institucional, da obra Análise Institucional e Serviço Social, base teórica desta Unidade de Aprendizagem, você vai conhecer o contexto do aparecimento das instituições na história ocidental. Além disso, vai ver as possibilidades de reprodução e rompimento de valores nas dinâmicas sociais, utilizando as instituições como espaço de disputa. Por fim, vai verificar como se realizam os processos de análise institucional. Boa leitura. Análise Institucional e Serviço Social Aline Michele Nascimento Augustinho Processos de análise institucional Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Descrever os aspectos históricos do conceito de instituição. Definir a instituição como aparelho contraditório e discorrer sobre a reprodução das relações sociais. Explicar a realização de processos de análise institucional. Introdução As instituições sociais revelam as interações de determinado contexto social, indicando ainda o sistema de valores, o modelo econômico-pro- dutivo e o modelo político estabelecidos. Isso ocorre pois elas não apenas expressam essas variáveis, mas respondem às suas demandas e imprimem nos sujeitos sociais os modelos de interpretação e de ação necessários para a manutenção ou o rompimento das dinâmicas constituídas. Neste capítulo, você vai conhecer o contexto do aparecimento das instituições na história ocidental. Você também vai ver as possibilidades de reprodução e rompimento de valores nas dinâmicas sociais, utilizando as instituições como espaço de disputa. Além disso, vai verificar como se realizam os processos de análise institucional. O conceito de instituição As instituições podem ter diversos signifi cados de acordo com a sociedade na qual se originam e também a partir da leitura teórica em que se baseia a observação. Considerando as refl exões sociológicas clássicas da primeira fase do Serviço Social, de perspectiva funcionalista e organicista, ainda no século XX, as instituições se defi nem como grupos sociais por meio dos quais se expressam práticas, normas e códigos de conduta orientados para um objetivo. A ideia é que tal expressão ressoe para o grupo que forma a instituição ou para outro grupo que também faz parte da sociedade em questão (ARON, 2008). Se você extrapolar a perspectiva sociológica e buscar as reflexões da filo- sofia ocidental clássica, vai ver que as instituições são compreendidas como formações por meio das quais se constituem os conjuntos simbólicos para a atribuição de valores ou para a construção interpretativa da realidade de dada sociedade. Assim, associando a interpretação sociológica à filosófica, compreende-se que os grupos sociais se expressam em ligações sociais sim- bólicas, tais como a família, a religião e a igreja (enquanto espaço físico), a escola e o trabalho (ARON, 2008). De acordo com Lapassade (1989), porém, a ideia de instituição ultrapassa a simples expressão de um objetivo comum por um grupamento social. A instituição se configuraria como o aprisionamento das condutas a partir de seu sistema de estruturação: A experiência imediata da vida social situa-se sempre em grupos: a famí- lia, a classe, os amigos. No trabalho, o horizonte imediato da experiência é sempre constituído por grupos: é a equipe na empresa, é o grupo sindical. Mas logo, nessas organizações, aparece rapidamente um novo elemento; o grupo é aprisionado num sistema institucional: aorganização da Empresa, da Universidade (LAPASSADE, 1989, p. 35). Assim, ao esboçar uma ontologia dos grupamentos sociais, Lapassade (1989) atribui aos seres humanos a necessidade inerente da constituição de laços sociais, expressos historicamente por meio dos grupos sociais. Esses grupos teriam como objetivo algo mais complexo do que a vontade humana de associação com os semelhantes, como a mobilização política. Tal noção pode ser apreendida, por exemplo, a partir dos efeitos das dinâmicas de trabalho no alvorecer do capitalismo industrial, no século XIX. Nesse contexto, de modo semelhante ao que os teóricos contratualistas entendem como a origem das sociedades — o pacto entre indivíduos para a criação de um grupo regido por regras —, os trabalhadores agrupados e organizados atribuíram às instituições a possibilidade de representar seus direitos e reivindicações no diálogo com outros complexos sociais, políticos e econômicos. No amadurecimento do capitalismo industrial e na sua associação com as expressões políticas na formação dos Estados Nacionais capitalistas, surgem as primeiras leituras sociológicas e políticas que interpretam os complexos sociais que expressam objetivos e exigem determinadas condutas como instituições. Essas instituições, ao representarem os interesses de determinados grupos, Processos de análise institucional2 entrariam em diálogo — e mais frequentemente em disputa — com outras instituições, cada qual na defesa de seu objetivo primordial. No contexto do capitalismo industrial, autores como Karl Marx e Max Weber compreenderam as formas de organização social como a instituciona- lização da vontade, do objetivo e do poder. Assim, as instituições poderiam ser de cunho social, político ou religioso, mas teriam sempre um elemento em disputa: o exercício do poder. Considere o seguinte: se os grupos sociais se expressam nas instituições a partir da consolidação do capitalismo monopolista, fica clara a transição da gênese das dinâmicas do poder e das dinâmicas do diálogo, que partiam do indivíduo durante a emergência do antropocentrismo, para o estabelecimento de interações entre as representações dos grupos sociais. O trabalho e as formas de organização social que esse exercício humano preconiza levam à criação das instituições como representantes dos grupos sociais. Daí, parte-se para a constituição dos sindicatos e dos movimentos de trabalhadores, que passam a existir devido a um sistema econômico-produtivo baseado na manutenção das desigualdades sociais como forma de consecução de seu objetivo primário: a acumulação de capital. Por isso, a leitura histórica da emergência das instituições como expressões de grupos sociais indica que as instituições permitem a manutenção e a repro- dução do status quo estabelecido, ou seja, das normas e das resoluções sociais, políticas e religiosas que permitem a estabilidade da sociedade em questão. Entretanto, essas mesmas instituições estabelecem uma linha de comunicação da dinâmica do conflito, elemento de interação entre instituições sociais que não desaparece até a contemporaneidade. Como você pode ver, o conceito de instituição recebe influências de dife- rentes áreas do conhecimento: da filosofia e da sociologia em especial, mas até mesmo do direito. Entretanto, na contemporaneidade, as instituições se mostram como ferramentas e construções orientadas para determinado tipo de ação, que normalmente também atuam como item de intermediação entre diferentes esferas sociais: entre a sociedade civil e o Estado, por exemplo, ou entre a sociedade civil e o sistema econômico-produtivo. As instituições podem ainda ter origem: social (como a família ou um grupo de amigos que se organiza a partir de um hobbie, por exemplo); política (como expressão da máquina pública, em instituições gover- namentais administrativas ou que instrumentalizam direitos sociais); econômica (dos institutos financeiros, como bancos, a formas de diálogo com a sociedade civil, como as organizações não governamentais). 3Processos de análise institucional Disputas de poder e reprodução das relações sociais A ideia de que as instituições expressam — e portam, por vezes — o confl ito entre os grupos sociais se constitui principalmente a partir do viés marxista. Tal viés considera as expressões sociais dos trabalhadores (sindicatos), dos burgueses (expressões materiais, como as fábricas e os maquinários) e da política (o Estado) como formas sociais antagônicas e em disputa pelo poder. Karl Marx aponta as instituições como “formas sociais” partícipes das estru- turas por meio das quais o poder cedido ao capital, a partir da reprodução das dinâmicas sociais, é estabelecido. Assim, haveria uma constituição estrutural das sociedades capitalistas, nas quais as instituições sociais não funcionariam mais como formas de expressar as constituições simbólicas de seu grupo, e sim de perpetuar o equilíbrio do sistema produtivo, por meio da ideologia. A ideia de que as instituições funcionariam como aparelhos de reprodução ideológica aparece na análise de Althusser (1980). O autor marxista indica que as sociedades capitalistas seriam formadas por diferentes níveis estruturais, cada qual projetando a ideologia do mercado por meio das instituições correla- tas. Assim, as instituições — sociais, religiosas e políticas — constituiriam-se como aparelhos ideológicos da faceta estrutural mais ampla e que direciona a produção capitalista: o Estado. Althusser (1980) é o pensador que apresenta, influenciado pela obra de Karl Marx, a definição das instituições no panorama das dinâmicas e interações sociais. Tais instituições atuariam em dois níveis, sempre a partir a propaga- ção da ideologia: a infraestrutura e a superestrutura. A infraestrutura seria composta por elementos de manutenção do sistema produtivo: o mercado, as dinâmicas de trabalho, as indústrias. A superestrutura seria composta por instituições que condicionariam os sujeitos sociais a atuarem segundo os mecanismos disponibilizados na infraestrutura. A superestrutura, por sua vez, seria também organizada em dois níveis: o inferior, composto por instituições de regulação do comportamento social, como a família, a escola e a igreja; e o superior, que organizaria e legitimaria (ou seja, que também pode condenar, coibir e neutralizar) as formas de atuação das instituições: o Estado e o sistema jurídico. Na divisão máxima da superestrutura, o Direito e o sistema jurídico fun- cionariam como pilares e elementos de defesa da organização do Estado. Entretanto, é o Estado, fundamentado no sistema jurídico, a instituição de poder que permite a manutenção da infraestrutura, ou seja, a reprodução das dinâmicas, normas e resoluções que estabilizam e mantêm ativo o sistema Processos de análise institucional4 econômico-produtivo. Diante dessa composição, na conjuntura capitalista, as instituições são compreendidas por Althusser (1980) como “aparelhos ideológicos de Estado”, elementos que trabalhariam na reprodução das bases para a manutenção do poder já instituído: Historicamente, os subalternizados vêm construindo seus projetos com base em interesses que não são seus, mas que lhes são inculcados como seus. Experienciam a dominação e a aceitam, uma vez que as classes dominantes, para assegurar sua hegemonia ou dominação, criam formas de difundir e reproduzir seus interesses como aspirações legítimas de toda a sociedade (YAZBEK, 2014, p. 685). Mas qual é a razão de determinar as instituições como aparelhos ideoló- gicos? Althusser (1980) compreende que as instituições estariam a serviço do Estado capitalista, que contaria “[...] com o poder de influência de deter- minados agentes sociais sobre o cotidiano de vida dos indivíduos, reforçando a internalização de normas e comportamentos legitimados socialmente [...]” (IAMAMOTO, 2011, p. 116). Apesar de a leitura althusseriana ter provocado grande impacto nas reflexões sobre as dinâmicassociais de poder, especial- mente entre as décadas de 1960 e 1980, tendo como interlocutores autores como Pierre Bourdieu, Michel Foucault e Boaventura Sousa Santos, ela não oferece apenas um viés interpretativo sobre as instituições. Considerada uma das teorias fundamentais na definição do arcabouço teórico do Serviço Social latino-americano, a ideia de que as instituições são aparelhos a serviço da manutenção do status quo dá origem a outra interpretação: a de que as instituições expressam disputas de poder, configurando-se como espaços de articulação de agentes e grupos sociais (como categorias profissionais) que utilizam suas estruturas na intervenção do quadro estabelecido (IAMAMOTO; CARVALHO, 1995), buscando a redefinição e a supressão das interações que resultam em opressão e exploração das classes mais baixas da pirâmide social. As instituições se configuram, assim, como espaços contraditórios. Como espaços contraditórios, as instituições seriam plataformas ou fer- ramentas utilizadas na intervenção na realidade. As relações de dominação ultrapassariam o monopólio das instituições mantido pelo Estado: Uma análise dessas relações de dominação do ponto de vista político-ideológico coloca em evidência que o Estado, por intermédio de suas instituições sociais e políticas, é veiculado como instância da ordem e da autoridade superior sobre a sociedade civil. Nesse sentido, através de seu “monopólio de instituições”, o Estado ajuda a manter e a reproduzir as estruturas da sociedade a partir da óptica dos interesses dominantes [...]. É importante lembrar que da sociedade 5Processos de análise institucional civil partem demandas que o Estado deve atender. Ambos, sociedade civil e Estado, expressam relações sociais contraditórias e produzem instituições e políticas voltadas para o atendimento das necessidades sociais e políticas da sociedade (YAZBEK, 2014, p. 685). Essa perspectiva oferece a noção de que há disputa nas interações possibili- tadas pelas instituições. Especialmente quando alocadas como espaços socio- -ocupacionais, no caso do campo profissional do Serviço Social, as instituições contraditórias se estabelecem também como espaços que possibilitariam, por meio da ação profissional especializada e organizada, a quebra da hegemonia de poder que é constantemente reproduzida no cenário da infraestrutura, no cotidiano da vida e do trabalho dos sujeitos sociais: Em síntese, a economia capitalista não prescinde de renovar suas formas de controle social para garantir o consenso social [...]. O cotidiano é o solo do processo de produção e reprodução das relações sociais. Esse processo, portanto, vincula-se [...] a classes sociais em disputa, em luta pela hegemonia sobre o conjunto da sociedade (YAZBEK, 2014, p. 681). A fundamentação de Yazbek (2014) sobre as dinâmicas socioprodutivas do capitalismo é essencial para a compreensão da análise institucional que vê nessas formas sociais espaços contraditórios e de disputa, especialmente na configuração de democracias participativas e deliberativas. A noção de que as instituições são também espaços contraditórios e de disputas está associada ao espaço público e deriva especialmente da interpretação marxista de Gramsci. Para Gramsci (1988), as instituições primordiais seriam Estado e sociedade civil, que constituiriam como expressões sociais conflitivas por se basearem na luta de classes independentemente do viés político ou do panorama econômico. Em qualquer possibilidade conjuntural que pudesse orientar as práticas das instituições, a disputa entre as classes seria o elemento determinante para o estabelecimento do poder. Como esclarece Raichelis (2011), as disputas entre as classes tornam as instituições espaços contraditórios especialmente no panorama da constitui- ção de democracias participativas e do chamamento da sociedade civil para a deliberação nos espaços públicos sobre as ações, os objetivos, os deveres e até a manutenção do sentido dado às instituições. Veja: Por meio desses espaços públicos criou-se possibilidade de superar a visão que concebe Estado e sociedade civil como instituições polares, dicotômi- cas, envolvidas num jogo de soma zero, onde um perde e outro ganha, para identificar a presença de relações conflitivas e contraditórias entre essas Processos de análise institucional6 esferas de atividade, onde a disputa entre diferentes projetos políticos atribui sentido e significado às relações entre sociedade política e sociedade civil (RAICHELIS, 2001, p. 24). A perspectiva de Gramsci (1988) também aponta para o papel social a ser desempenhado pelos intelectuais, que devem direcionar suas habilidades no sentido de minorar os efeitos da luta de classes sobre os trabalhadores. Nesse sentido, partindo do pressuposto de que o Serviço Social mantém sua ancora- gem teórica na filosofia marxista, assistentes sociais seriam os intelectuais que deveriam ocupar os espaços públicos. Com base na sua expertise, ou seja, no seu conhecimento e nas práticas exclusivas da categoria, deveriam atuar na defesa da classe trabalhadora, utilizando as instituições como plataforma de ação. Para o Serviço Social brasileiro, a interpretação das instituições como espaço contraditório e de disputa de poder se dá essencialmente no processo de redemocratização, na década de 1980. Em especial, a Constituição Federal de 1988 define que o Estado Democrático de Direito tem fundamentação e orientação democrático-participativa. Ou seja, o Estado necessariamente requer a presença e a atuação da sociedade civil nos processos decisórios, especialmente nos espaços deliberativos, como ferramenta de manutenção do equilíbrio estatal e de controle democrático pela sociedade. A descentralização do poder administrativo de diversas agências que regulam a aplicação dos direitos sociais, bem como o desenho de políticas públicas que garantam a sua qualidade e a sua efetividade, é o fator central para a criação de instituições em que o conflito e a disputa pelo poder se estabeleçam e se tornem dispositivos de manutenção da democracia. Assim, os conselhos deliberativos e os conselhos de Direito emergem no Brasil como espaços contraditórios entre as demandas sociais e as projeções da configuração político-econômica neoliberal, como Gramsci (1988) pontuou. Na visão de Raichelis (2011), a constituição das instituições democrático- -participativas como espaços contraditórios e de disputa de poder poderia ser definida por três perspectivas ou posições, a saber: A primeira posição, que concebe os conselhos enquanto espaços contraditórios, pautando-se em Gramsci, faz uma análise frente aos impasses à organização social existente na década de 1990, mas aponta um otimismo na ação, ou seja, propõe estratégias de enfrentamento para superar as questões identificadas. A segunda considera possível uma pauta consensual entre todos os partici- pantes do conselho, podendo ser identificada como voluntarista e utópica. Nesta perspectiva, não há diferenças entre os projetos de saúde em disputa na sociedade, na atual conjuntura. 7Processos de análise institucional A terceira posição não acredita no potencial dos conselhos e tem defendido a saída das entidades desses espaços, sendo marcada pelo pessimismo. Os conselhos não podem ser nem supervalorizados, nem subvalorizados, apresen- tando como dificuldades: o desrespeito do poder público pelas deliberações dos conselhos; o não cumprimento das leis que regulamentam o seu funcio- namento; a burocratização das ações; a não divulgação prévia da pauta das reuniões; a infraestrutura precária; a ausência de definição orçamentária; a falta de conhecimento da sociedade civil organizada sobre os conselhos; a ausência de articulação mais efetiva dos conselheiros com suas bases (RAI- CHELIS, 2011, p. 59). Assim, há dois elementos essenciais na interpretação dos espaços contra- ditórios e de disputa de poder na análise das instituições: a fundamentação teórica marxista,que elucida as dinâmicas e conflitos de classe reproduzidos pelas instituições; e a configuração sociopolítica das democracias deliberativas. Nessa conjuntura e sob essa perspectiva, a análise das instituições realizada pelo Serviço Social possibilita aos profissionais da categoria atuar segundo o pressuposto gramsciano da responsabilização e do engajamento político. Isso permite a intervenção desses profissionais, com base nas especificida- des intelectuais e instrumentais de seu campo, na luta contra a projeção da hegemonia das elites capitalistas nos espaços deliberativos. Leia o artigo de Raichelis (2010) “Intervenção profissional do assistente social e as condições de trabalho no Suas”, disponível no link a seguir. https://qrgo.page.link/3q5b3 Processos de análise institucional Tendo em vista a interpretação teórica das instituições e as formas de ação e interação nas sociedades capitalistas, os processos de análise institucional emergem como possibilidade de enfrentamento e transcendência da reprodu- ção dos comportamentos e fenômenos orquestrados pelos componentes mais poderosos das estruturas sociais. Assim, os processos de análise institucional são ferramentas interventivas e se orientam não a partir da perspectiva do aprisionamento do sujeito descrito pelos teóricos marxistas, mas a partir da Processos de análise institucional8 possibilidade de transformação por meio da utilização das instituições como plataformas ou espaços de alteração das dinâmicas de poder. Por exemplo, a saúde pública no Brasil pode ser considerada uma instituição sociopolítica. Embora se constitua como um conglomerado de instituições de saúde (hospitais, unidades básicas de saúde, unidades de pronto-atendimento), trata-se de um coletivo social que tem por objetivo a promoção da igualdade e da justiça social, por meio do acesso universal. Isso, de acordo com os pressupostos da Constituição Federal de 1988, não impede que o Estado capitalista utilize essa instituição para reproduzir a desigualdade por meio do sucateamento dos serviços, por exemplo. Por outro lado, categorias profissionais como o Serviço Social podem utili- zar essa mesma instituição como espaço de luta e de enfrentamento da ordem estabelecida, invertendo a lógica do poder constituído. Nessa perspectiva, é possível atuar pela garantia da qualidade de atendimento e pelo direciona- mento das ações da instituição segundo os pilares fundamentais do Estado Democrático de Direito, no qual a universalidade do serviço se fundamenta (IAMAMOTO; CARVALHO, 1995). A análise institucional se baseia essencialmente na pesquisa-ação. Esta, por sua vez, expressa três pilares essenciais: a impossibilidade da neutralidade, a consideração da subjetividade e o direcionamento para a intervenção. A im- possibilidade da neutralidade indica que o profissional, cientista ou acadêmico que desenvolve a pesquisa social é orientado por um viés ideopolítico claro e sólido. Isso não significa que a pesquisa seja enviesada — a pesquisa social mantém o rigor científico. Entretanto, a partir do embasamento ideopolítico, ela se constitui de forma crítica, questionando o status quo e as dinâmicas de poder. A inserção da subjetividade é outra ferramenta da análise institucional. Ela remonta à pesquisa social elaborada pelos teóricos da teoria crítica, herdeiros de Horkheimer. Essa ferramenta se caracteriza pela utilização da interpretação subjetiva e pelo conhecimento dos estados emocionais dos sujeitos inseridos numa determinada interação social, sendo considerada na proposta interventiva, terceira ferramenta da análise institucional. As instituições, como espaços de enfrentamento e disputa utilizados pelas categorias profissionais, podem e devem ser orientadas a ações que possibilitem a emancipação dos sujeitos sociais das formas de aprisionamento mantidas e reproduzidas pelos Estados capitalistas. Por isso, ao conhecer sua estrutura, sua forma de atuação e seu objetivo, e considerando os impactos subjetivos analisados, é possível traçar uma política interventiva. Se a instituição pode ser utilizada como um espaço de luta e alteração das lógicas de poder, a análise institucional é a ferramenta que permite 9Processos de análise institucional aos profissionais a atuação orientada para a intervenção: “O modo de ser do novo intelectual não pode mais consistir na eloquência, motor exterior e momentâneo dos afetos e das paixões, mas um imiscuir-se ativamente na vida prática como construtor, organizador, persuasor permanente [...]” (GRAMSCI, 1988, p. 8). A perspectiva gramsciana é corroborada por categorias profissionais como a do Serviço Social. Tais categorias utilizam as instituições como espaço de embate entre poderes, baseando-se no saber, no conhecimento e no protago- nismo das classes trabalhadoras: Estou reafirmando, pois, a necessária construção de hegemonia das classes subalternas, na condução do processo de construção de seus direitos não apenas como questão técnica, mas como questão essencialmente política, lugar de contradições e resistência. A partir desse âmbito é possível mo- dificar lugares de poder demarcados tradicionalmente, construir outros, e não apenas realizar “gestões bem-sucedidas de necessidades”. Quando falamos em protagonismo tendo como referência o pensamento de Gra- msci, é ao poder que nos referimos. Esse é um dos aspectos que devemos ter presentes em nossa busca de construir parâmetros de negociação de interesses e direitos de nossos usuários. Parâmetros que devem trazer a marca do debate ampliado e da deliberação pública, ou seja, da cidadania e democracia, ferramentas necessárias para construir uma análise institu- cional (YAZBEK, 2014, p. 689). Yazbek (2014) expõe a necessidade da manutenção e do aprofundamento da deliberação pública como participação social nos processos decisórios. E isso por duas razões principais: primeiro, porque é um princípio constitucional do Estado democrático participativo brasileiro; em segundo lugar, porque a presença da sociedade civil nos processos decisórios auxilia na defesa dos direitos sociais que fomentam a cidadania e protegem o equilíbrio democrático por meio do controle social sobre a democracia. Além disso, a preocupação expressa pela autora ao salientar a importância da ocupação do espaço público pela sociedade civil deriva da ideia de que as instituições que estão nesse espaço podem reproduzir dinâmicas orientadas pelo sistema produtivo. Assim, as elites financeiras e políticas teriam vantagens sobre as classes trabalhadoras, perpetuando as desigualdades sociais. Como você viu, a definição da atuação dos profissionais do Serviço Social nas dinâmicas para ou com as instituições deriva da perspectiva do engajamento político dos intelectuais proposta por Gramsci (1988) a partir do marxismo. Nesse sentido, a análise institucional seria composta, necessariamente: pela compreensão (desenvolvida pelo assistente social) do espaço público como Processos de análise institucional10 ferramenta de efetivação da cidadania e de controle democrático em demo- cracias capitalistas — neoliberais, como a brasileira —, por um lado; e pela responsabilidade sociopolítica da categoria profissional na definição de suas práticas, por outro. Acesse o link a seguir para aprender mais sobre as formas, a atuação e as interações entre as instituições internacionais. https://qrgo.page.link/Lpfoo ALTHUSSER, L. Ideologia e aparelhos ideológicos de Estado. 3. ed. Lisboa: Editorial Pre- sença, 1980. ARON, R. As etapas do pensamento sociológico. 7. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008. GRAMSCI, A. Concepção dialética da história. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978. IAMAMOTO, M. V. Serviço social em tempo de capital fetiche: capital financeiro, trabalho e questão social. São Paulo: Cortez, 2008. IAMAMOTO, M. V.; CARVALHO, R. Relações sociais e serviço social no Brasil: esboço de uma interpretação histórico/metodológica. 10. ed.São Paulo: Cortez, 1995. LAPASSADE, G. Grupos, organizações e instituições. 3. ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1989. RAICHELIS, R. O controle social democrático na gestão e orçamento público 20 anos depois. In: CFESS (org.). Seminário nacional o controle social e a consolidação do estado democrático de direito. Brasília: CFESS, 2011. YAZBEK, M. C. A dimensão política do trabalho do assistente social. Serviço Social & Sociedade, São Paulo, n. 120, p. 677-693, 2014. Leituras recomendadas BOURDIEU, P.; PASSERON, J.-C. A reprodução. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1992. FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. 11Processos de análise institucional Dica do professor Você conhece a diferença entre instituições e organizações? Compreender as similaridades e divergências entre essas duas formas sociais é essencial para o correto direcionamento das ações enquanto profissional do Serviço Social. Além disso, instituições e organizações apresentam diferentes formas de influência ou estabelecimento de interações entre os personagens da sociedade civil, reproduzindo em diferentes níveis as dinâmicas e as disputas de poder. Nesta Dica do Professor, você vai ver aos conceitos que caracterizam cada um dos dois modelos, com ênfase no processo de atuação e na forma de atuação de cada um deles. Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar. https://fast.player.liquidplatform.com/pApiv2/embed/cee29914fad5b594d8f5918df1e801fd/794075e70a5c91a82307f8e5c7e1811c Exercícios 1) As instituições são partes importantes das sociedades contemporâneas e expressam uma parcela da conjuntura sociopolítica e econômica na qual estão inseridas. Considerando esse contexto, surge também uma série de composições analíticas sobre sua formação, estrutura e objetivos, especialmente a partir das leituras sociológicas. Quais são as primeiras correntes de pensamento sociológicas que avaliam as instituições? A) Estruturalismo e teoria crítica. B) Teoria crítica e organicismo. C) Behaviorismo e funcionalismo. D) Funcionalismo e organicismo. E) Behaviorismo e estruturalismo. 2) Uma vez que se configuram como formas sociais de expressão das interações e dos valores básicos de seu contexto de origem, a análise das instituições precisa inserir cada instituição em sua conjuntura, a fim de compreender o que motiva o seu funcionamento. Além da organização social, quais dois outros contextos influenciam na formação, na estrutura e nos tipos de ação das instituições a serem observados na análise das instituições? A) O Estado e o mercado. B) O sistema produtivo e o clima. C) O Estado e a religião. D) O mercado e o meio ambiente. E) O mercado e a cultura. A análise das instituições emerge em um contexto no qual são alteradas as dinâmicas, as interações e os diálogos entre a sociedade civil e o Estado, surgindo também a noção de participação social nos direcionamentos do Estado, por meio da noção de cidadania. Autores 3) como Karl Marx e Max Weber identificaram as instituições como formas de reproduzir a ordem estabelecida — o sistema produtivo, para Marx; e a organização da sociedade e do Estado, para Weber. O fato de que a orientação política ou produtiva pudesse ser reproduzida pelas instituições passa pela compreensão de sua definição primordial. Sendo assim, como pode ser definida uma instituição? A) Como uma forma social encontrada na natureza. B) Como uma expressão da vontade, do objetivo e do poder. C) Como orientação das práticas inerentes à essência do ser. D) Como possibilidade unicamente atrelada ao capitalismo industrial. E) Como expressão natural das organizações humanas em qualquer contexto. 4) Considerando as instituições como formas e expressões sociais, e tendo em mente a multiplicidade de expressões em determinado contexto social, as instituições podem ter quais tipos de natureza? A) Social, política, econômica ou religiosa. B) Política, econômica, moral ou natural. C) Econômica, natural, social ou religiosa. D) Econômica, política, social ou natural. E) Moral, religiosa, natural ou econômica. 5) Quando consideradas como aparelhos de Estado pelas análises marxistas, são atribuídas às instituições a responsabilidade pelo aprisionamento social dos sujeitos, e pela reprodução de sistema do status quo, ou seja, da ordem política e econômica — por vezes, fundamentada também na moral e na religião. Qual o elemento que, nas leituras marxistas, permitem a reprodução dos sistemas simbólicos opressivos ou exploratórios por meio das instituições? A) A vontade. B) O pensamento. C) O trabalho. D) O capitalismo. E) A ideologia. Na prática Nas instituições, a prática dos assistentes sociais é duplamente orientada: pelo projeto ético- político da categoria e pelos pressupostos objetivos e normas da instituição, que podem sofrer alterações a partir do cenário político ou do cenário econômico. Sendo assim, cabe aos profissionais do Serviço Social atuarem na luta para que as instituições respeitem os pressupostos da Constituição Federal, defendendo, assim, a existência e a efetividade dos direitos sociais e da cidadania, fortalecendo a democracia. Neste Na Prática, você vai ver um exemplo de disputa entre profissionais e assistentes sociais em um contexto institucional. Lembre-se: a disputa empreendida por assistentes sociais, neste caso, tem clara orientação ideopolítica, sendo sustentada por toda a categoria, ou seja, não emerge de um único indivíduo. Conteúdo interativo disponível na plataforma de ensino! Saiba + Para ampliar o seu conhecimento a respeito desse assunto, veja abaixo as sugestões do professor: Espaços de saúde na história da cidade de Uberaba: o hospital como patrimônio cultural A saúde pública é considerada uma instituição na composição sócio-estrutural brasileira. Neste artigo, você vai ver um estudo de caso sobre as Santas Casas de Misericórdia na cidade mineira de Uberaba, o qual revela um espectro microssocial das dinâmicas da instituição da saúde pública no Brasil. Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar. Análise institucional: revisão conceitual e nuances da pesquisa- intervenção no Brasil O presente artigo aborda conceitos e correntes de pensamento que fundamentam a análise institucional. A análise institucional, à medida que coloca a ação como responsabilidade também do pesquisador, sofreu múltiplas influências que refletem o processo da busca pela legitimação da linha de pesquisa. Confira. Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar. Terceiro setor Neste vídeo, você vai entender a importância das instituições do terceiro setor nas sociedades contemporâneas, com especial atenção à sociedade brasileira, em sua organização e laços com a sociedade civil nas intervenções que, em tese, seriam responsabilidade do Estado. https://repositorio.ufu.br/bitstream/123456789/21828/1/Espa%C3%A7osSa%C3%BAdeHist%C3%B3ria.pdf http://pepsic.bvsalud.org/pdf/epos/v5n1/09.pdf Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar. Santas Casas da Misericórdia no Brasil No site a seguir, você vai ler um artigo que conta um pouco da história das Santas Casas da Misericórdia no Brasil. Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar. https://www.youtube.com/embed/ntqO-cPoQDk http://www.campoecidade.com.br/santas-casas-da-misericordia-no-brasil/
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