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Universidade de Brasília Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária AMANDA RIBEIRO ALVES TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO RELATO DE CASO: CUIDADOS INTENSIVOS NA GASTROENTERITE HEMORRÁGICA EM CÃO BRASÍLIA 2013 ii AMANDA RIBEIRO ALVES TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO RELATO DE CASO: CUIDADOS INTENSIVOS NA GASTROENTERITE HEMORRÁGICA EM CÃO BRASÍLIA Fevereiro, 2013 Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária da Universidade de Brasília como requisito parcial para obtenção do grau de médico veterinário. Orientadora: Profa. Dra. Gláucia Bueno Pereira Neto iii Cessão de direitos Nome do Autor: Amanda Ribeiro Alves Título da Monografia de Conclusão de Curso: Relato de caso: Cuidados intensivos no paciente com gastroenterite hemorrágica em cão. Ano: 2013. É concedida a Universidade de Brasília permissão para reproduzir cópias desta monografia e para emprestar ou vender tais cópias somente para propósitos acadêmicos e científicos. O autor reserva-se a outros direitos de publicação e nenhuma parte desta monografia pode ser reproduzida sem a autorização por escrito do autor. ____________________________ Amanda Ribeiro Alves Alves, Amanda Ribeiro Relato de caso: Cuidados intensivos na gastroenterite hemorrágica em cão/ Amanda Ribeiro Alves; Orientação de Gláucia Bueno Pereira Neto. – Brasília, 2013. 64 p. : il Monografia – Universidade de Brasília/Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária, 2013. 1. Cuidados intensivos. 2. Gastroenterite. 3. Parvovirose 4.Sepse I. Pereira-Neto, G. B. II. Relato de caso: Cuidados intensivos na gastroenterite hemorrágica em cão. iv FOLHA DE APROVAÇÃO AMANDA RIBEIRO ALVES TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO RELATO DE CASO: CUIDADOS INTENSIVOS NA GASTROENTERITE HEMORRÁGICA EM CÃO Banca Examinadora Profª. Drª. Gláucia Bueno Pereira Neto- Universidade de Brasília Julgamento: ____________________ Assinatura: __________________ Profa. Dra. Sabrina dos Santos Costa Pogiani – UPIS Julgamento: ____________________ Assinatura: __________________ M.V. Thiago Borinelli de Aquino Moura – Universidade de Brasília Julgamento: ____________________ Assinatura: __________________ Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária da Universidade de Brasília como requisito parcial para obtenção do grau de médico veterinário. v AGRADECIMENTOS Agradeço à minha família por fazer o impossível para tornar meus sonhos realidade. Agradeço ao meu namorado, Anderson, por me apoiar incondicionalmente e por fazer o máximo para que eu seja a melhor veterinária do mundo. Agradeço ao Hospital Veterinário Clinivet – Curitiba pela confiança depositada em mim. Dr. João, Dr. David, Dra. Kelly, Dr. Luiz, levarei para o resto da vida o aprendizado que tive com vocês. A todos os estagiários que passaram por essa experiência junto comigo, compartilhando conhecimento e dicas de Curitiba, obrigada! Agradeço aos meus orientadores que contribuíram com a realização desse trabalho e com grande parte da minha transformação de aluna em profissional. Agradeço aos meus amigos da Veterinária por estarem sempre disponíveis e por terem feito dos últimos cinco anos, os melhores da minha vida. Agradeço às minhas amigas de infância por ouvirem “casos dos cachorros” em momentos de lazer. Agradeço especialmente ao meu primeiro paciente, Thor, com o qual aprendi lições que muitos seres humanos não são capazes de ensinar tampouco de compreender. vi SUMÁRIO Lista de Tabelas ............................................................................................................ viii Lista de Figuras ............................................................................................................. x RESUMO ......................................................................................................................... xii ABSTRACT ..................................................................................................................... xiii PARTE I – RELATÓRIO DE ESTÁGIO Páginas 1 Introdução .................................................................................................................... 2 2 Estágio em terapia semi-intensiva – Hospital Veterinário Clinivet ......................... 3 2.1 Estrutura e logística de atendimento ............................................................... 3 2.2 Atividades desenvolvidas ................................................................................. 7 2.3 Descrição dos casos acompanhados .............................................................. 8 2.3.1 Internações 1 e 3 ....................................................... ....... 10 2.3.2 Internação de felinos .......................................................... 16 2.3.3 Isolamento......................................................................... 18 2.3.4 Internação Semi-intensiva................................................... 21 3 Conclusão .......................................................................................... 27 vii PARTE II – RELATO DE CASO: CUIDADOS INTENSIVOS NA GASTROENTERITE HEMORRÁGICA EM CÃO 1 Revisão de Literatura ……......................................................................................... 29 1.1 Gastroenterite hemorrágica ......................................................... 29 1.2. Definições de SIRS, Sepse, Sepse Grave, Choque Séptico e a Classificação PIRO ................................................................................. 31 1.3. Terapia precoce guiada por metas (Early-goal directed therapy) ... 34 1.4. Choque .............................. ....................................................... 36 2 Relato de caso ............................................................................................................. 38 3 Discussão ..................................................................................................................... 41 3.1 Monitorização do paciente internado ............................................. 41 3.2.Fluidoterapia e utilização de vasopressores, inotrópicos e corticóides.............................................................................................. 42 3.3 Antibioticoterapia ....................................... ................................. 46 3.4 Alterações laboratoriais ................................................................................ 46 3.5 Nutrição............................................. ......................................... 48 3.6 Fisioterapia ................................................................................ 48 3.7 Tempo de internação/Prognóstico ................................................ 49 4 Conclusão .................................................................................................................... 50 viii LISTA DE TABELAS PARTE I Tabela 1. Organização estrutural do Clinivet ................................................. 3 Tabela 2. Prevalência das raças dos pacientes internados ........................... 9 Tabela 3. Prevalência de raças dos pacientesdas internações 1 e 3 ........... 11 Tabela 4. Motivo da internação relatado pelo proprietário no momento da anamnese inicial ............................................................................. 12 Tabela 5. Principais suspeitas clínicas, diagnóstico provável ou diagnóstico confirmado dos pacientes internados ............................................. 14 Tabela 6. Prevalência das raças na internação de felinos ............................. 16 Tabela 7. Queixa principal do proprietário no momento da anamnese inicial. 17 Tabela 8. Suspeitas clínicas, diagnóstico provável ou confirmado dos felinos ............................................................................................. 17 Tabela 9. Prevalência das raças dos animais internados na ala de isolamento ...................................................................................... 19 Tabela 10. Tipo de sinal gastrointestinal relatado pelo proprietário como queixa principal no momento da anamnese inicial ......................... 19 Tabela 11. Queixa principal referida pelo proprietário durante o atendimento inicial ............................................................................................... 22 Tabela 12. Suspeita clínica ou diagnóstico provável justificando o encaminhamento do animal à internação semi-intensiva ............... 23 ix PARTE II Tabela 13. Diagnóstico de SIRS em cães e gatos. Fonte: (SILVERSTEIN; SANOTORO-BEER, 2012) ............................................................. 32 Tabela 14. Critérios diagnósticos para classificação do paciente com sepse grave. Fonte: (RABELO, 2012a) .................................................... 33 x LISTA DE FIGURAS PARTE I Figura 1. Fachada do Hospital Veterinário Clinivet ................................... 5 Figura 2. Internação 1 (cães com até 20 Kg) ............................................ 5 Figura 3. Sala de emergência ................................................................... 6 Figura 4. Internação semi-intensiva .......................................................... 6 Figura 5. Laboratório de urgência da internação semi-intensiva ............... 7 Figura 6. Ilustração dos procedimentos realizados durante o período de estágio ........................................................................................ 8 Figura 7. Desfecho dos pacientes tratados nas Internações 1 e 3 ........... 15 Figura 8. Desfechos dos casos da internação de felinos .......................... 18 Figura 9. Alterações no exame físico dos animais encaminhados ao isolamento .................................................................................. 20 Figura 10. Alterações em exames laboratoriais dos animais encaminhados ao isolamento ..................................................... 20 Figura 11. Desfecho dos casos acompanhados na ala de isolamento ....... 21 Figura 12. Alterações no exame físico dos animais encaminhados à internação semi-intensiva no momento da admissão ................ 24 Figura 13. Alterações em exames laboratoriais dos animais após admissão na internação semi-intensiva ..................................... 25 Figura 14. Tempo de internação na ala semi-intensiva ............................... 26 Figura 15. Evolução dos pacientes da unidade semi-intensiva ................... 26 xi PARTE II Figura 16. Avaliação da pressão intra-abdominal do paciente .................... 42 Figura 16. Paciente recebendo noradrenalina e dobutamina em infusão contínua. Avaliação da terapêutica instituída por meio da aferição da pressão arterial sistólica .......................................... 44 Figura 18. Paciente com edema na face e nos membros ........................... 45 Figura 19. Aspecto da urina do paciente após sondagem uretral ............... 46 xii ALVES, A. R. Relato de caso: Cuidados intensivos na gastroenterite hemorrágica em cão. Case report: Intensive care treatment in dog’s hemorrhagic gastroenteritis. 2013. 26 p. Monografia de conclusão do curso de Medicina Veterinária - Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária, Universidade de Brasília, Brasília, DF. Resumo - A parvovirose canina é uma afecção importante na clínica de pequenos animais, pois possui alta morbidade e alta mortalidade ainda que haja tratamento de suporte precoce. O agente etiológico dessa doença (parvovirus canino tipo 2) causa danos não só à mucosa gastrointestinal como também pode levar à significante resposta inflamatória sistêmica, pela capacidade de endotoxinas liberadas pelo trato gastrointestinal ativarem os sistemas inflamatório e de coagulação. A translocação bacteriana em pacientes com sepse pode levar a diversas condições clínicas que pioram o quadro do animal já debilitado. Os cães com parvovirose são aparentemente predispostos a endotoxemia por causa da neutropenia associada à destruição da barreira mucosa gastrointestinal. Animais em SIRS ou Sepse necessitam de monitorização contínua. Parte disso é feito com a avaliação de parâmetros bioquímicos, eletrolíticos e hemodinâmicos. O acompanhamento das funções renal e pulmonar, assim como do estado ácido-básico e da perfusão tecidual do paciente devem fazer parte dos cuidados com o paciente em sepse. A consolidação da terapia intensiva vem levando a melhorias no tratamento dos pacientes. O presente trabalho objetiva relatar um caso de cuidados intensivos em um cão com gastroenterite hemorrágica de origem infecciosa. Palavras-chave terapia intensiva, gastroenterite, parvovirose, sepse. xiii ALVES, A. R. Case report: Intensive care treatment in dog’s hemorrhagic gastroenteritis. Relato de caso: cuidados intensivos de gastroenterite hemorrágica em cão. 2013. 26 p. Monografia de conclusão do curso de Medicina Veterinária - Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária, Universidade de Brasília, Brasília, DF. Abstract -The canine parvovirus infection is a significant disease in small animal clinics because it has high morbidity and mortality although there is early supportive treatment. The etiologic agent of this disease (canine parvovirus type 2) not only cause damage to the gastrointestinal mucosa but can also lead to significant systemic inflammatory response, due to the ability of endotoxins released from the gastrointestinal tract activate the inflammatory and coagulation systems. Bacterial translocation in patients with sepsis can lead to several clinical conditions that worsen the picture of the animal already weakened. Dogs with canine parvovirus infection are apparently predisposed to endotoxemia because of neutropenia associated with the destruction of the gastrointestinal mucosal barrier. Animals in SIRS or sepsis require continuous monitoring. Part of this is done with the assessment of biochemical, hemodynamic and electrolyte parameters. Monitoring renal and lung function, as well as the acid-base status and tissue perfusion should be part of patient care in sepsis. The consolidation of intensive care has led to improvements in the treatment of patients. This paper aims to report a case of intensive care in a dog with infectious hemorrhagic gastroenteritis. Key-words Intensive care, gastroenteritis, parvovirus, sepsis PARTE I RELATÓRIO DE ESTÁGIO 2 1 Introdução A disciplina estágio curricular supervisionado é obrigatória para os alunos do curso de Medicina Veterinária e é realizada no último semestre da graduação. O objetivo da disciplina é aproximar o aluno da realidade prática na área de seu interesse, proporcionando agregação de conhecimento,segurança e aperfeiçoamento ao futuro médico veterinário. Para isso, é requerido o total de 480 horas de estágio durante um semestre. O estágio curricular supervisionado foi realizado no Hospital Veterinário Clinivet, em Curitiba – PR, durante o período de 13 de agosto a 7 de outubro, sob a supervisão do Dr. David Powolny. O objetivo do presente relatório é descrever o estágio supervisionado na área de Internação desse Hospital, especialmente na área de terapia semi-intensiva. 3 2 Estágio em Terapia Semi-Intensiva - Hospital Veterinário Clinivet 2.1 Estrutura e logística de atendimento O Hospital Veterinário Clinivet (Figura 1) foi fundado há 25 anos, e ao longo deste período passou por diversas adaptações para adequar-se às necessidades dos pacientes e dos proprietários. No início de 2005, foi concluído o projeto mais recente de reforma das dependências de atendimento na estrutura de três andares que se encontra disponível hoje, apresentada na tabela 1. Tabela 14. Organização estrutural do Clinivet Áreas de Atendimento do Hospital Veterinário Clinivet 1. Três áreas de recepção 6. Ala de diagnóstico por imagem 2. Sala de atendimento ao cliente 7. Bloco cirúrgico 3. Dez consultórios 8. Sala de preparo de quimioterápicos 4. Quatro alas de internação 9. Laboratório de análises clínicas - Clinilab 5. Internação semi-intensiva 10. Auditório Essas áreas subdividem-se para o atendimento da seguinte forma: Dentre os dez consultórios, um específico para a para cardiologia e um para felinos; As quatro alas de internação dividem-se em: uma para cães com até aproximadamente 20 kg (Internação 1), ilustrada na figura 2; uma para cães acima de 20 kg (Internação 3); uma sala de isolamento e uma área somente para felinos (Gatil); Sala de emergência (Figura 3); A ala de internação semi-intensiva (SI), demonstrada nas figuras 4 e 5, possui equipamentos próprios para realização de hemograma completo, alguns exames bioquímicos, urinálise, monitor multiparamétrico, concentrador de oxigênio, entre outros; Três áreas de recepção e uma sala de atendimento ao cliente; A ala de diagnóstico por imagem, com radiologia digital, ultrassonografia, ecocardiografia e tomografia; 4 O bloco cirúrgico com duas salas de cirurgia, sala de paramentação, sala de recuperação pós-anestésica; uma sala para cirurgias odontológicas; A sala de preparo de quimioterápicos possui os equipamentos de proteção individual com capela de fluxo laminar para o manuseio seguro dos quimioterápicos; O laboratório de análises clínicas – Clinilab, A cozinha para preparo dos alimentos oferecidos aos pacientes; A dispensa para guardar materiais de uso comum dos pacientes, como guias, colares elizabetanos e rações terapêuticas. Como parte da estrutura de apoio para os funcionários e estagiários, há uma cozinha equipada com utensílios de uso diário, dois vestiários, sendo um masculino e um feminino, um banheiro de uso comum por andar, um dormitório, garagem para uso privativo, auditório com capacidade para aproximadamente 30 pessoas. O Clinivet possui profissionais qualificados, dentre eles professores renomados de graduação de instituições de ensino de medicina veterinária de Curitiba e especialistas em diversas áreas. Mais de 20 médicos veterinários são responsáveis pelo atendimento diário da clínica médica, clínica cirúrgica e terapia intensiva. Dentre as especialidades, destacam-se os serviços de oftalmologia, cardiologia, neurologia, nefrologia e urologia, dermatologia, nutrição, reprodução e neonatologia, ortopedia, odontologia, oncologia, acupuntura, anestesia e controle de dor, fisioterapia e diagnóstico por imagem. O atendimento de clínica geral ocorre das 8h às 20h, por meio de consultas marcadas previamente ou por encaixe, caso o proprietário não possua um horário determinado para o seu animal. As consultas com especialistas ocorrem somente com horário marcado, exceto em caso de emergência. O serviço de emergência noturna atende diariamente com um veterinário plantonista, dois enfermeiros e um estagiário das 20h às 8h. Nesse caso, o paciente é recebido pelo médico veterinário que realiza a triagem e decide como abordar juntamente com a equipe clínica. Todos os procedimentos e exames complementares são realizados sob consentimento do proprietário, visto que todos os serviços são cobrados. 5 Figura 1. Fachada do Hospital Veterinário Clinivet Figura 2. Internação 1 (cães com até 20 Kg) 6 Figura 3. Sala de emergência Figura 4. Internação semi-intensiva 7 Figura 5. Laboratório de urgência da internação semi-intensiva 2.2. Atividades desenvolvidas Durante o período de realização do estágio, o Clinivet contava com 30 estagiários curriculares provenientes das mais diversas instituições de ensino do Brasil. A cada semana, às segundas-feiras, o coordenador de estágios dividia os estagiários considerando a preferência de cada um e a capacidade das instalações, de forma a todos conseguirem acompanhar os setores que gostariam. Os grupos eram divididos da seguinte forma: quatro estagiários para acompanhar as internações, dois para cirurgia e anestesia, dois para diagnóstico por imagem, dois para neurologia, um para oftalmologia e os demais para acompanharem as consultas da clínica médica, sendo permitidos no máximo dois estagiários por consultório. Como as cirurgias ocorriam no período da manhã, os estagiários desse setor podiam escolher o local do período da tarde. Era permitido ao estagiário observar qualquer procedimento nas internações, como retirada de suturas, cálculo e administração de diversos fármacos, toracocentese e abdominocentese, ressuscitação cérebro-cardiopulmonar, entre outros. Além disso, era possível realizar sob supervisão do médico veterinário, alguns procedimentos, como sondagens uretral, nasal, nasoesofágica e 8 nasogástrica, lavagem gástrica, enema, coleta de sangue (figura 6). O estagiário era responsável por aferir os parâmetros do exame físico de todos os pacientes internados, assim como oferecer alimentação conforme a prescrição individual. A coleta de material para exames laboratoriais era de responsabilidade da equipe de enfermagem, porém ocasionalmente era permitido ao estagiário realizá-la. Não era permitida a realização de medicações em animais internados, visto que essa atividade era restrita aos veterinários, à enfermagem e aos estagiários contratados, exceto quando solicitado ao estagiário curricular. Figura 6. Ilustração dos procedimentos realizados durante o período de estágio. 2.3. Descrição dos casos acompanhados Durante o período de estágio foram acompanhados 196 animais, sendo 167 cães e 29 gatos de diferentes raças (Tabela 2). Destes, 94 (56,3%) eram fêmeas e 73 (43,7%) eram machos. 0 2 4 6 8 10 12 14 16 Coleta de sangue Lavagem gástrica Sondagem nasogástrica Sondagem nasal Enema Sondagem uretral (macho) Sondagem uretral (fêmea) Sondagem nasoesofágica Número de vezes realizadas P ro ce d im e n to 9 Tabela 15. Prevalência das raças dos pacientes internados Raças Cães Número de animais Porcentagem Akita 1 0,6 Bassethund 1 0,6 Beagle 4 2,4 Bichon frisé 1 0,6 Border collie 1 0,6 Boxer 2 1,2 Bulldogue inglês 5 3,0 Cane corso 1 0,6 Chihuahua 3 1,8 Chow Chow 3 1,8 Cocker spaniel 7 4,2 Daschund 8 4,8 Labrador 6 3,6 Lhasa apso 15 9,0 Maltês 2 1,2 Pastor Alemão 4 2,4 Pinscher 9 5,4 Pitbull 4 2,4 Poodle 13 7,8 Pug 1 0,6 Rottweiller 3 1,8 Schnauzer 7 4,2 Shar Pei 1 0,6 ShiTzu 5 3,0 Spitz 1 0,6 Yorkshire Terrier 19 11,4 Whippet 1 0,6 Sem Raça Definida 39 23,4 Total 167 100 Gatos Número de animais Porcentagem Maine coon 1 3,4 Persa 2 6,8 Siamês 2 6,8 Sem Raça Definida 24 82,8 Total 29 100 Ao chegarem ao Hospital, os animais eram submetidos àtriagem por um médico veterinário clínico geral, o qual realizava a anamnese resumida e exame físico inicial. Caso julgasse necessário, o Clínico poderia internar o paciente, 10 permanecendo responsável por ele, apesar deste ficar sob os cuidados dos Médicos Veterinários da Internação também. Nesse caso, o paciente era submetido ao ―Perfil Internamento‖, no qual era feito um novo exame físico (freqüência cardíaca, freqüência respiratória, coloração das mucosas, tempo de preenchimento capilar, temperaturas retal e periférica e aferição da pressão arterial) pelos estagiários ou pelo veterinário responsável pela internação semi-intensiva e era coletada uma amostra de sangue, pela equipe de enfermagem, pelos estagiários ou pelo próprio veterinário, para realização de hematócrito, proteína plasmática total, glicemia e lactato. A partir do motivo da internação, da suspeita clínica e das alterações encontradas na avaliação inicial era decidido se o animal era encaminhado para a internação semi-intensiva, para o isolamento ou se permanecia na internação geral, ou seja, nas Internações 1 e 3. 2.3.1 Internações 1 e 3 Os pacientes estáveis, que precisavam ficar sob observação ou requeriam cuidados especiais de enfermagem, eram encaminhados para as internações 1 ou 3, sendo a primeira para cães de pequeno ou médio porte, com no máximo 20 Kg, aproximadamente, e a segunda para cães com peso superior a 20 Kg. Entretanto, havia duas gaiolas grandes e duas com divisória removível na Internação 1 para pacientes de grande porte que necessitassem de cuidados mais específicos. A média de peso dos animais da Internação 1 foi de 8,23 Kg e da Internação 3 foi de 30,4 Kg. Essa divisão facilitava o manejo dos animais tanto pelos enfermeiros e veterinários como pelos estagiários. Nessas alas, com capacidade para até 22 cães na internação 1 e até sete na Internação 3, estava a maior parte dos animais. Na tabela 3 é possível visualizar as raças mais prevalentes nesse setor. 11 Tabela 16. Prevalência de raças dos pacientes das internações 1 e 3. Raças n % Akita 1 0,9 Beagle 3 2,7 Bichon Frisé 1 0,9 Bulldogue Inglês 1 0,9 Chihuahua 3 2,7 Chow Chow 2 1,8 Cocker Spaniel 5 4,5 Daschund 4 3,6 Labrador Retriever 5 4,5 Lhasa Apso 10 8,9 Maltês 2 1,8 Pastor Alemão 3 2,7 Pinscher 4 3,6 Pitbull 2 1,8 Poodle 9 8,0 Rottweiller 2 1,8 Schnauzer 7 6,3 Shar Pei 1 0,9 ShiTzu 5 4,5 Spitz 1 0,9 Whippet 1 0,9 Yorkshire Terrier 14 12,5 Sem Raça Definida 25 22,3 Total 111 100 A média de idade dos cães tratados na Internação 1 foi sete anos e um mês e a moda encontrada foi de oito anos. Já na internação 3, a média de idade foi oito anos e a moda dez anos. Quanto ao sexo, 36% dos pacientes eram fêmeas e 64% machos. A tabela 4 apresenta a queixa principal relatada pelo proprietário no momento da anamnese inicial. Para um melhor entendimento e divisão, os sinais clínicos relatados foram agrupados da seguinte forma: 12 - Sinais Gastrointestinais: alterações como vômito e diarréia. - Sinais Cardiorrespiratórios: dispnéia, tosse, síncope. - Sinais Neurológicos: convulsão, tetraparesia, ataxia, andar em círculos. - Sinais Urogenitais: disúria, hematúria e descompensação do quadro de insuficiência renal crônica. - Sinais Osteoarticulares: claudicação e dificuldade de locomoção. - Sinal Tegumentar: prurido intenso. - Sinais Inespecíficos: dor, apatia, hiporexia, anorexia e as reações alérgicas diversas. Os ―Pós-operatórios‖ foram de cirurgia de retirada de corpo estranho, mastectomias, castrações eletivas, cesarianas, slot ventral para correção de hérnia e hemilaminectomia para correção de doença do disco intervertebral. As ―Intoxicações‖ foram por ingestão de diversos venenos, por contato com veneno de sapo (bufotoxina) e intoxicação medicamentosa. Os ―Traumas‖ foram decorrentes de atropelamento ou briga com outro cão. As ―Neoplasias‖ encontradas foram tumor venéreo transmissível e hemangiossarcoma. Tabela 17. Motivo da internação exposto pelo proprietário no momento da anamnese inicial Motivo da internação (Queixa Principal) Internação 1 N % Sinais Gastrointestinais 34 32,4 Sinais Cardiorrespiratórios 6 5,7 Sinais Neurológicos 10 9,5 Sinais Urogenitais 5 4,8 Sinais Osteoarticulares 1 0,9 Sinais Ototegumentares 1 0,9 Sinais Inespecíficos 25 23,8 Pós-operatórios 6 5,7 Intoxicações 8 7,6 Traumas 8 7,6 Neoplasia 1 0,9 Total 105 100 13 Internação 3 N % Sinais Gastrointestinais 5 20,8 Sinais Cardiorrespiratórios 3 12,5 Sinais Neurológicos 2 8,3 Sinais Urogenitais 1 4,2 Pós operatórios 2 8,3 Sinais inespecíficos 7 29,2 Sinais osteoarticulares 3 12,5 Neoplasia 1 4,2 Total 24 100 As principais suspeitas clínicas, diagnóstico provável ou diagnóstico confirmado estão relacionadas na tabela 5. 14 Tabela 18. Principais suspeitas clínicas, diagnóstico provável ou diagnóstico confirmado dos pacientes internados. Suspeita Clínica / Diagnóstico Internação 1 SISTEMA Afecção n % Sistema Cardiorrespiratório Perfuração Traqueal 1 1,2 Edema Pulmonar 2 2,4 Endocardiose 2 2,4 Sistema Hematopoiético Leishmaniose Visceral 1 1,2 Trato Gastrointestinal Gastrite 5 6,0 Gastroenterite A Esclarecer 5 6,0 Gastroenterite Alimentar 3 3,6 Gastroenterite Hemorrágica 4 4,8 Colite 1 1,2 Corpo Estranho 2 2,4 Sistema Endócrino Cetoacidose Diabética 3 3,6 Sistema Urogenital Urolitíase 2 2,4 Orquite 1 1,2 Doença Renal Crônica 11 13,2 Cálculo Vesical 2 2,4 Sistema Músculo-Esquelético Fraturas 3 3,6 Sistema Nervoso Epilepsia 1 1,2 Neuropatia Periférica 1 1,2 Doença do disco intervertebral 1 1,2 Oncologia Neoplasia 7 8,4 Carcinoma Mamário 2 2,4 Outros Reação Alérgica 1 1,2 Intoxicação 7 8,4 Doença periodontal 3 3,6 Farmacodermia 1 1,2 Trauma Politrauma 2 2,4 Lesão Cervical 2 2,4 Laceração Cutânea 4 4,8 Ruptura Diafragmática 1 1,2 Total 81 100 15 Internação 3 SISTEMA Afecção n % Sistema Cardiorrespiratório Pneumonia 1 5,3 Trato Gastrointestinal Gastroenterite a esclarecer 1 5,3 Gastroenterite alimentar 1 5,3 Dilatação gástrica 1 5,3 Corpo estranho 3 15,9 Sistema Urogenital Infecção do trato urinário 1 5,3 Sistema Músculo-Esquelético Tendinite 1 5,3 Ruptura do ligamento 1 5,3 Displasia coxofemoral 1 5,3 Sistema Nervoso Síndrome toraco-lombar 2 10,6 Síndrome vestibular central 1 5,3 Discopatia crônica 1 5,3 Oncologia Neoplasias (intracraniana, hepática e vesical) 3 15,9 Outros Distúrbio metabólico 1 5,3 Total 19 100 Na figura 7 está ilustrado o desfecho dos pacientes internados. Figura 7. Desfecho dos pacientes tratados nas Internações 1 e 3. 87% 13% Desfecho dos animais da internação geral (n=68) Alta (n=59) Óbitos (n= 9) 16 2.3.2 Internação de felinos A instalação do gatil permitia a internação de até 16 felinos simultaneamente. Dos animais acompanhados, 55% eram machos e 45% eram fêmeas. Ao contrário dos cães, os gatos sem raça definida apresentaram-se em maioria, conforme ilustrado na tabela 6, abaixo. Tabela 19. Prevalência das raças na internação de felinos. Raças n % Maine coon 1 3,4 Persa 2 6,8 Siamês 2 6,9 Sem Raça Definida 24 82,8 Total 29 100 A média de idade dos felinos internados foi de três anos e sete meses e os motivos da internação, ou seja, a queixa principal do proprietário, se encontram relacionados na tabela 7. Os sinais clínicos foram agrupados de acordo com o sistema afetado, conforme realizado com os cães. Destes, apenas um ficou internado no isolamento, pois a suspeita clínica era de doença respiratória infecciosa. - Sinais Gastrointestinais: alterações como vômito e diarréia. - Sinais Cardiorrespiratórios: dispnéia - Sinais Gastrointestinais: diarréia e vômito - Sinais Neurológicos: ataxia, convulsões e paresia - SinaisUrogenitais: anúria, hematúria e disúria - Sinais Inespecíficos: apatia, anorexia e emagrecimento. Em ―Traumas‖ enquadraram-se um gato atacado por um cão e um gato que caiu do 3º andar de um prédio. Os ―Pós-operatórios‖ foram abscessos bucais, retirada de corpo estranho linear e retirada de cálculo vesical. A ―Neoplasia‖ foi tumor mamário ulcerado. 17 Tabela 20. Queixa principal do proprietário no momento da anamnese inicial. Motivo da internação (Queixa Principal) Área n % Sinais Gastrointestinais 3 10,8 Sinais Cardiorrespiratórios 1 3,6 Sinais Neurológicos 3 10,8 Sinais Urogenitais 3 10,8 Sinais Inespecíficos 8 28,8 Traumas 2 7,2 Pós operatórios 4 14,4 Neoplasia 1 3,6 Checkup 3 10,8 Total 28 100 Na tabela 8 encontram-se as suspeitas clínicas, diagnóstico provável ou diagnóstico confirmado das afecções dos felinos internados. Tabela 21. Suspeitas clínicas, diagnóstico provável ou confirmado dos felinos. Suspeita Clínica / Diagnóstico Área Afecção n % Sistema Hematopoiético Hemoparasitose 1 3,7 Sistema Vascular Tromboembolismo 1 3,7 Vasculite 1 3,7 Trato Gastrointestinal Megaesôfago congênito 1 3,7 Corpo Estranho linear 2 7,4 Sistema Endócrino Diabetes Mellitus 2 7,4 Sistema Gênito-Urinário Obstrução urinária 3 11,1 Cálculo Vesical 2 7,4 Oncologia Neoplasia intracraniana 1 3,7 Carcinoma Mamário 1 3,7 Doenças Infecciosas Calicivirose 1 3,7 Coronavirose 2 7,4 Peritonite Infecciosa Felina 1 3,7 Outros Abscesso dentário 3 11,1 Hígido (Check up) 3 11,1 Trauma Politrauma 2 7,4 Total 27 100 18 O tempo médio de internação dos felinos foi de quatro dias, sendo que 90% dos animais receberam alta médica, 3% vieram a óbito e 7% dos casos ainda não haviam sido resolvidos até o término do estágio (Figura 8). Figura 8. Desfechos dos casos da internação de felinos. 2.3.3 Isolamento A sala de isolamento era composta por duas gaiolas grandes, duas médias e duas pequenas. Nesse setor havia materiais e aparelhos exclusivos, como glicosímetro, comedouros e cobertores. Apesar de terem sido observadas outras afecções infecciosas, como cinomose e sarna sarcóptica, durante o período de estágio, estão relatadas nas tabelas e figuras seguintes apenas as informações referentes aos animais positivos no teste rápido de Parvovirose, visto que estes representam a casuística significativa do Hospital e os casos que foram realmente acompanhados. A tabela 9 expõe a prevalência das raças dos animais internados no setor de isolamento. 90% 3% 7% Desfechos dos casos da internação de felinos Altas (n= 26) Óbitos (n=1) Em aberto (n=2) 19 Tabela 22. Prevalência das raças dos animais internados na ala de isolamento. Raças n % Daschund 1 10 Lhasa Apso 1 10 Pitbull 1 10 Pug 1 10 Sem Raça Definida 6 60 Total 10 100 Destes animais, três eram fêmeas e sete machos. A média de idade dos cães atendidos foi de seis meses. A mediana de peso encontrada foi de 4,55 Kg. Todos os proprietários relataram ―Sinais Gastrointestinais‖ como queixa principal no momento da anamnese inicial, subdivididos na tabela 10. Tabela 23. Tipo de sinal gastrointestinal relatado pelo proprietário como queixa principal no momento da anamnese inicial. Motivo da internação (Queixa Principal) Sinais Gastrointestinais n % Diarréia 2 20 Diarréia com sangue 1 10 Diarréia e vômito 6 60 Diarréia com sangue e vômito 1 10 Total 10 100 Como alterações no exame físico de triagem, a maioria dos animais apresentou-se com uma combinação de sinais, como pode ser observado na figura 9. Em relação aos exames laboratoriais, figura 10, a maioria dos animais avaliados apresentou leucopenia, associada ou não a outras alterações. O tempo médio de internação nesse setor foi de quatro dias. Apenas um animal veio a óbito durante o período (figura 11). 20 Figura 9. Alterações no exame físico dos animais encaminhados ao isolamento. Figura 10. Alterações em exames laboratoriais dos animais encaminhados ao isolamento 6 4 4 2 2 2 1 1 1 Alterações no exame físico dos animais encaminhados ao isolamento Número de animais 20% 20% 20% 10% 10% 10% 10% Alterações em exames laboratoriais dos animais encaminhados ao isolamento Leucopenia e Linfopenia Leucopenia, linfopenia e hiperlactatemia Não realizados Leucopenia Leucopenia, linfopenia e monocitopenia Leucopenia, linfopenia, hiperl actatemia e eosinopenia 21 Figura 11. Desfecho dos casos acompanhados na ala de isolamento. 2.3.4 Internação Semi-intensiva A internação semi-intensiva possuía capacidade para quatro animais em gaiola pequena e dois em grandes ou quatro em médias, além de três berços para pacientes que necessitavam de manipulação constante. Abaixo (Tabela 11), estão relacionados os motivos da internação, ou seja, a queixa principal que o proprietário relatou no momento da anamnese inicial. - Em ―Sinais Gastrointestinais‖ encontram-se animais com vômito e/ou diarréia de origem infecciosa descartada. - ―Sinais Cardiorrespiratórios‖ foram considerados tosse, dispnéia e síncope. - Como ―Sinais Neurológicos― observou-se a presença de convulsão como queixa principal. - Em ―Sinais Ototegumentares‖ apresentou-se apenas um animal com prurido muito intenso. - Os ―Sinais Inespecíficos― encontrados foram apatia, anorexia, fraqueza e prostração. - As ―Intoxicações‖ descrevem animais que viviam em chácaras, com histórico de terem sido encontrados intoxicados. 90% 10% Desfecho Altas (n=9) Óbitos (n=1) 22 - Os ―pós operatórios‖ estão relacionados às cirurgias de coluna, cujo protocolo incluía observação na internação semi-intensiva por um período médio de 36 a 72 horas, dependendo da resposta individual do paciente, para administração de protocolo analgésico específico (MLK). - Os ―Traumas‖ incluem um felino que caiu do 3º andar de um prédio e três cães atacados por outros cães. - ―Sinais hematopoiéticos‖ referem-se à icterícia. Em seguida, a Tabela 12 apresenta a suspeita clínica ou diagnóstico provável estabelecido pelos veterinários, justificando o encaminhamento do animal à internação semi-intensiva. Apesar de se tratar de uma doença infecciosa, o felino com diagnóstico provável de Calicivirose foi encaminhado à ala semi-intensiva, pois era um filhote e não havia outros felinos nessa internação. Tabela 24. Queixa principal referida pelo proprietário durante o atendimento inicial Motivo da internação (Queixa Principal) Cães n % Sinais Gastrointestinais 6 14,4 Sinais Cardiorrespiratórios 15 36,0 Sinais Neurológicos 4 9,6 Sinais Ototegumentares 1 2,4 Sinais Inespecíficos 4 9,6 Intoxicações 3 7,2 Pós operatórios 5 12 Traumas 3 7,2 Total 41 100 Gatos n % Sinais hematopoiéticos 1 33,4 Sinais inespecíficos 1 33,4 Politrauma 1 33,4 Total 3 100 23 Tabela 25. Suspeita clínica ou diagnóstico provável justificando o encaminhamento do animal à internação semi-intensiva Suspeita clínica ou diagnóstico Cães ÁREA SUSPEITA CLÍNICA / DIAGNÓSTICO n % Sistema Cardiorrespiratório Colapso traqueal 1 2,3 Edema pulmonar 9 20,7 Taquiarritmia ventricular 1 2,3 Sistema Hematopoiético Leishmaniose Visceral 1 2,3 Trato Gastrointestinal Gastrite 2 4,6 Gastroenterite a esclarecer 3 6,9 Sistema Urogenital Piometra 1 2,3 Sistema Nervoso Doença do disco intervertebral 5 11,5 Encefalopatia hepática 1 2,3 Oncologia Neoplasia 7 16,1 Carcinoma mamário 1 2,3 Outros Intoxicação 3 6,9 Atopia 1 2,3 Hemorragia abdominal 1 2,3 Peritonite 1 2,3 Sepse pós-operatória 1 2,3 Trauma Politrauma 3 6,9 Trauma torácico 1 2,3 Total 43 100 Gatos Sistema hematopoiético Anemia hemolítica 1 33,4 Sistema cardiorrespiratório Calicivirose 1 33,4 Trauma Politrauma 1 33,4 Total 3 100 As alterações encontradas no exame físico inicial, ou seja, no momento da internação na semi-intensiva, estão listadasna figura 12. Já as alterações em exames laboratoriais realizados no primeiro momento após a admissão podem ser visualizadas na figura 13. É importante ressaltar que durante o período em que o animal ficava na internação semi-intensiva, eram realizadas novas avaliações em 24 intervalos de aproximadamente duas a quatro horas, em que os estagiários refaziam o exame físico e comunicavam os veterinários de alguma modificação. Figura 12. Alterações no exame físico dos animais encaminhados à internação semi- intensiva no momento da admissão. 14 8 8 8 7 6 6 5 4 4 4 4 3 2 2 1 1 Alterações no exame físico dos animais encaminhados à internação semi-intensiva Número de animais 25 ALT= Alanina Aminotransferase; FA= Fosfatase Alcalina Figura 13. Alterações em exames laboratoriais dos animais após admissão na internação semi-intensiva. Salvo exceções, o paciente era levado para tomar sol durante alguns minutos pelo menos uma vez ao dia, momento no qual também eram feitos exercícios leves de movimentação de membros e escovação da pelagem. Muitas vezes era permitido ao proprietário visitar o paciente durante o banho de sol, um momento em que ele oferecia comida e carinho ao seu animal. Abaixo está representado o tempo de internação na ala semi-intensiva em relação ao sistema afetado (Figura 14). Em geral, ou seja, sem diferenciar o sistema comprometido, o tempo médio de internação foi de quatro dias. O desfecho dos pacientes pode ser observado na Figura 15. 17 14 11 9 8 8 6 6 5 4 4 3 2 Alterações em exames laboratoriais dos animais encaminhados à internação semi-intensiva Número de animais 26 Figura 14. Tempo de internação na ala semi-intensiva. Figura 15. Evolução dos pacientes da unidade semi-intensiva. 0 1 2 3 4 5 1 d ia 2 d ia s 3 d ia s 4 d ia s 5 d ia s 6 d ia s 7 d ia s 8 d ia s 9 d ia s 1 0 d ia s 1 1 d ia s 1 4 d ia s 1 6 d ia s N ú m e ro d e a n im a is Número de dias Tempo de internação Sistema Cardiorrespiratório Sistema Hematopoiético Sistema Gastrointestinal Sistema Urogenital Sistema Nervoso Oncologia Trauma Outros 63% 32% 5% Desfecho Altas (n=27) Óbitos (n=14) Eutanásias (n=2) 27 3 Conclusão O estágio realizado na Clinivet foi de extrema importância para a formação da aluna, visto que foi possível estabelecer contato com uma realidade ainda pouco comum aos serviços de clínicas veterinárias de Brasília, as internações semi- intensivas. Por ter realizado o estágio em apenas um local, estabeleceu-se uma relação mútua de confiança entre o Hospital e a aluna, possibilitando maior conforto para questionamentos e discussões acerca dos casos acompanhados. Diversas afecções abordadas na Medicina Veterinária de Emergência foram vistas de perto, como variadas intoxicações, edema pulmonar agudo, abordagem do paciente politraumatizado e, especialmente, os cuidados intensivos em pacientes com gastroenterite hemorrágica. Além disso, o aprendizado não só de protocolos como de conduta clínica e ética foi de grande valor para a transformação da aluna em uma profissional. 28 PARTE II RELATO DE CASO: “CUIDADOS INTENSIVOS NA GASTROENTERITE HEMORRÁGICA EM CÃO” 29 1 Revisão de Literatura 1.1 Gastroenterite hemorrágica A gastroenterite hemorrágica é caracterizada pelo aparecimento agudo de vômito e diarréia fétida com presença de dor abdominal, sendo mais observada em cães de raças pequenas entre dois e quatro anos de idade. Dentre as causas conhecidas estão incluídas as infecções bacterianas por Clostridium perfringens, Escherichia Coli, Campilobacter, e as infecções virais por coronavírus e parvovírus. Além disso, a estase vascular, a sepse, a cirrose hepática com hipertensão portal e outras causas de choque grave, devem ser consideradas como diagnósticos diferenciais (FORD; MASSAFERRO, 2007). O parvovirus canino tipo 2 é o agente etiológico da enterite hemorrágica clássica em cães, sendo que existem estudos recentes sobre as variantes 2a, 2b e 2c (HOELZER; PARRISH, 2010; DECARO et al., 2011). Esse vírus pertencente à família Parvoviridae caracteriza-se por ser pequeno, não envelopado, de cadeia simples de DNA e persiste no ambiente por vários meses, mas é sensível ao hipoclorito diluído em água na proporção de 1:32, permanecendo em contato com a superfície contaminada por dez minutos (JONES et al., 2000; PRITTIE, 2004; QUINN et al., 2005; WILLARD, 2010). A desinfecção com formalina 2% e fumigação com gás de formaldeído também são eficazes para inativar o vírus (QUINN et al., 2005). A principal rota de infecção é por via oral-fecal, pois os cães infectados eliminam grande quantidade de vírus nas fezes. Os principais fatores para disseminação da infecção são a baixa carga viral necessária para causar infecção e a facilidade de contaminação (QUINN et al., 2005). Após curto período de incubação, de quatro a sete dias, o vírus replica-se inicialmente nos tecidos linfóides da faringe e nas placas de Peyer. A partir disso, há o tropismo por células de rápida replicação, como os miócitos cardíacos, em cães recém nascidos, e as células precursoras da medula óssea, em filhotes mais velhos e até em adultos, pois o vírus depende de células em mitose para a síntese do seu DNA (JONES et al., 2000; QUINN et al., 2005). Quando o vírus invade células da cripta do intestino delgado, ocorre achatamento das vilosidades intestinais, levando à diminuição da capacidade 30 absortiva e digestiva, ocasionando a diarréia intensa e possível hemorragia intraluminal. A destruição dos tecidos linfóides contribui para a imunossupressão que facilita a infecção bacteriana secundária, a translocação bacteriana e a sepse (QUINN et al., 2005). Os sinais clínicos dependem da variante e da virulência do vírus, da quantidade inoculada, das defesas do animal infectado, da idade do filhote e da presença associada de outros agentes patogênicos. Ademais, aparentemente há maior susceptibilidade de infecção em algumas raças, como pitbull, labrador, dobermann e rottweiller. Em relação aos exames laboratoriais, o animal pode apresentar neutropenia devido aos danos às células progenitoras da medula óssea, o que deixa o paciente susceptível às infecções bacterianas secundárias (WILLARD, 2010). O diagnóstico é realizado com base no histórico e nos achados do exame físico. O teste ELISA realizado nas fezes é útil, pois nessa amostra contém grande número de partículas virais no cão infectado. A detecção viral nas fezes também pode ser realizada por microscopia eletrônica, hemaglutinação direta e isolamento viral em cultivo celular (QUINN et al., 2005; WILLARD, 2010). Dentre os diagnósticos diferenciais estão a coronavirose, a rotavirose e a cinomose, pois estes são os principais agentes virais causadores de diarréias, principalmente em animais com menos de seis meses de idade (HOSKINS, 2004; DECARO et al., 2011). Porém, estudos recentes afirmam que a variante 2c do parvovirus pode estar relacionada com o desenvolvimento da doença em cães adultos e naqueles previamente vacinados (DECARO; BUONAVOGLIA, 2012) O tratamento da enterite baseia-se no suporte para o paciente, com fluidoterapia, antibioticoterapia, administração de antieméticos, terapia nutricional especial adequada e monitorização do estado físico (WILLARD, 2010). Com o tratamento de suporte precoce e adequado, o índice de mortalidade pode ser reduzido de 91% para 80% (PRITTIE, 2004). O índice de sobrevida dos cães com parvovirose pode aumentar significativamente para 64-100%, se for instituída uma terapêutica adequada (GLICKMAN et al, 1985; OTTO et al, 2001; YILMAZ; SENTURK, 2007; SAVIGNY; MACINTIRE, 2010). Os cuidados em tempo integral bem como a possibilidade de 31 terapêuticasmais intensivas, tais como a transfusão de plasma ou a fluidoterapia com colóides são justificativas para o aumento da sobrevida dos cães com parvovirose (OTTO et al., 2001). Se o animal sobrevive frente à infecção aguda, geralmente há recuperação total (HOELZER; PARRISH, 2010). Como profilaxia, a imunização deve ser iniciada com a vacinação quando o animal completar seis a oito semanas de idade, com as duas doses seguintes repetidas a cada três semanas, ou seja, a aplicação da vacina deve ser realizada quando o animal atingir seis, nove e doze semanas de idade. A revacinação anual é recomendada, apesar do efeito permanecer por até três anos após o esquema inicial. Geralmente as vacinas atenuadas garantem resultados melhores e mais duradouros quando comparadas às inativadas (WILLARD, 2010). 1.2 Definições de SIRS, Sepse, Sepse Grave, Choque Séptico e a Classificação PIRO A Síndrome da Resposta Inflamatória Sistêmica (SIRS) pode ser desencadeada por diversas condições infecciosas (sendo então chamada de Sepse) ou não (LEVY et al., 2003). A SIRS ocorre quando há o desequilíbrio entre fatores pró e anti-inflamatórios, ou seja, quando há a resposta exagerada do organismo frente ao dano tecidual, ao desafio antigênico ou à infecção, sendo que entre as causas mais comuns em animais estão internação, pancreatite, doenças imunomediadas, neoplasias, queimaduras e politraumas, além da sepse (PAIXÃO, 2005; SILVERSTEIN; SANOTORO-BEER, 2012). Como consequências da SIRS, pode haver perda de tônus vascular, alteração da permeabilidade endotelial, hipercoagulabilidade e fibrinólise desordenada. Para serem diagnosticados com SIRS, os pacientes devem apresentar as alterações propostas na tabela 13 (SILVERSTEIN; SANOTORO- BEER, 2012). 32 Tabela 263. Diagnóstico de SIRS em cães e gatos. Fonte: (SILVERSTEIN; SANOTORO- BEER, 2012). Critério proposto para o diagnóstico da SIRS em cães e gatos Cães (apresentar 2/4) Gatos (apresentar 3/4) Temperatura (ºC) < 38,1 ou > 39,2 <37,8 ou > 40 Frequência cardíaca (bpm) >120 <140 ou > 225 Frequência respiratória (respirações/min) > 20 > 40 Leucócitos (x 10³); % bastonetes < 6 ou > 16; 3% < 5 ou > 19 De acordo com a Conferência Internacional de Definições de Sepse (2001), a sepse é definida como uma infecção por vírus, bactérias, fungos ou protozoários, com resposta inflamatória sistêmica, não sendo necessária a confirmação microbiológica da presença do agente infeccioso, mas apenas uma forte suspeita. A infecção não é definida apenas quanto à presença do microorganismo patogênico, mas também quanto à presença de toxinas produzidas por ele ou por um super crescimento de bactérias próprias do local infectado. Assim como a SIRS, é muito importante que os clínicos e pesquisadores disponham de ferramentas para identificar precocemente a sepse (LEVY et al., 2003). A sepse grave é descrita como uma infecção com resposta inflamatória sistêmica agravada por disfunção em órgãos (LEVY et al., 2003), porém ainda sem a necessidade de agentes vasopressores (RABELO, 2012a). Em animais, os critérios utilizados para diagnóstico de sepse grave encontram-se na tabela 14. 33 Tabela 14. Critérios diagnósticos para classificação do paciente com sepse grave. Fonte: Adaptada (RABELO, 2012a) Critérios diagnósticos da sepse grave e disfunções orgânicas associadas Hipotensão: PAM < 80 mmHg ou PS < 120 mmHg (cães) ou < 130 mmHg (gatos) Hipotensão ameaçadora: queda abrupta de mais de 40 mmHg na PS ou PAM < 65 mmHg ou PS < 90 mmHg (cães) ou 100 mmHg (gatos) Oligúria: DU < 0,5 mL/kg/h ou creatinina > 2,0 mg/dL Hiperbilirrubinemia: >0,5 mg/dL Consciência alterada: Glasgow < 17 ou AVDN menor que A Disfunção respiratória: PAF < 300 ou sinais graves mais infiltrado bilateral Coagulação: trombocitopenia (< 50000/mm³ ou queda de 50% em 12h), aumento do T/TTPA/D-Dímero ou queda de fibrinogênio Íleo paralítico: ausência de ruídos à ausculta Hipoalbuminemia: albumina < 2,5 g/dL Hiperlactatemia: >3,2 mmol/L (cães) e >2,5 mmol/L (gatos) O choque séptico refere-se à falência circulatória aguda caracterizada pela hipotensão arterial persistente após correta reposição volêmica, com subsequente necessidade de administração de vasopressores para manter a pressão adequada (LEVY et al., 2003; RABELO, 2012a). A classificação PIRO, desenvolvida na Conferência Internacional de Definições de Sepse de 2001, categoriza os pacientes humanos em sepse grave de acordo com a predisposição (Predisposition), o tipo de infecção (Insult), a resposta do indivíduo (Response) e a extensão da disfunção de órgãos (Organ dysfuncion) (LEVY et al., 2003). A predisposição tem um grande impacto na evolução da sepse, modificando o processo da doença e a abordagem terapêutica. Ela está relacionada não só a fatores genéticos como também a características individuais de cada paciente, como idade, sexo, raça, status de vacinação e imunossupressão, por exemplo (LEVY, et al., 2003; BOLLER, 2009). 34 O local afetado pela infecção (trato urinário, trato respiratório, cavidade abdominal), o tipo (intra-hospitalar ou pré-hospitalar) e a extensão da infecção (localizada ou generalizada) possuem grande relevância no prognóstico do paciente. Acredita-se que as infecções pulmonares possuem pior evolução do que infecções do trato urinário, a pielonefrite desenvolve consequências diferentes de cistite bacteriana, por exemplo. Além disso, o agente etiológico também deve ser considerado, visto que microorganismos diferentes podem não possuir patogenia e resposta ao tratamento semelhantes (LEVY, et al., 2003; VINCENT et al., 2003; BOLLER, 2009). A resposta do paciente é o alvo de diversos protocolos terapêuticos em vez do próprio organismo infectante, pois as variações individuais frente ao tratamento são difíceis de caracterizar (LEVY et al., 2003;BOLLER, 2009). A disfunção de órgãos é vista como agravante no prognóstico de pacientes com sepse, apesar de poder ser uma condição reversível, como a insuficiência renal aguda, por exemplo (LEVY et al., 2003; BOLLER, 2009). No estudo de Howell e colaboradores, 2011, com mais de dois mil pacientes, foi avaliada a categorização PIRO para pacientes humanos em sepse, resultando em um medidor prognóstico preciso. 1.3 Terapia precoce guiada por metas (Early -goal directed therapy) A terapia precoce guiada por metas visa reverter condições de hipóxia e hipoperfusão tecidual de forma a reduzir o desenvolvimento da Síndrome de Disfunção de Múltiplos Órgãos (SDMO) e consequentemente a morbidade e a mortalidade (RIBEIRO; RABELO, 2012). A terapêutica tradicional de reanimação baseia-se no reestabelecimento de parâmetros macro-hemodinâmicos, ou seja, nível de consciência, frequência cardíaca, temperatura retal, pressão arterial, qualidade do pulso periférico, tempo de preenchimento capilar e débito urinário. Porém, em estudos com humanos, ainda que esses parâmetros estejam normais, há hipóxia considerável, o que sugere diminuição no consumo de oxigênio celular e choque compensado. Por isso, aspectos micro-hemodinâmicos, como lactato sérico, déficit de bases, saturação 35 venosa central, saturação venosa mista, passaram a ser avaliados também, os quais são marcadores precoces de hipóxia tecidual global (RIBEIRO; RABELO, 2012). A abordagem para humanos com sepse grave proposta por Rivers e colaboradores (2001), procura corrigir a hipóxia tecidual oculta a partir da avaliação e correção de parâmetros micro-hemodinâmicos (saturação venosa central de oxigênio e nível de lactato sérico). No estudo, os pacientes que receberam a terapia de reanimação baseada em metas, ou seja, a terapia padrão (baseada na pressão venosa central, na pressão arterial média e no débito urinário) em conjunto com o aumento adequado da saturação venosa central de oxigênio,obtiveram um desfecho melhor quando comparados àqueles que receberam apenas a terapia padrão (RIBEIRO; RABELO, 2012) Um dos maiores objetivos do tratamento da sepse é reestabelecer a microcirculação, sendo que em alguns estudos com animais, isso é alcançado com a ressuscitação volêmica, diferente de humanos, em que apenas isso parece não ser suficiente e a combinação de volume, vasopressores, agentes inotrópicos e controle da inflamação com uso de corticoesteróides pode se fazer necessária (BATEMAN; WALLEY, 2005; DELLINGER et al., 2013). Em humanos, o clareamento precoce do lactato está relacionado com a redução da taxa de mortalidade e pode ser indicativo da resolução da hipóxia tecidual global. Pacientes com alto clareamento após seis horas de hospitalização possuem melhor evolução quando comparados àqueles com baixo (NGUYEN et al.,2004; DELLINGER et al, 2013) Na medicina veterinária, em situações de urgência a mensuração do lactato sérico assume um papel importante, pois possui correlação estatística com a sobrevida dos pacientes, além de a obtenção da amostra ser fácil, os resultados serem disponibilizados rapidamente e o custo do exame ser baixo. Em se tratando de animais hospitalizados, a avaliação do lactato deve ser associada a outros marcadores como excesso de base e saturação venosa central de oxigênio (RIBEIRO; RABELO, 2012). A consolidação da terapia intensiva vem levando a melhorias no tratamento dos pacientes, principalmente devido à colaboração entre os profissionais especializados da medicina humana e da medicina veterinária (HUMM et al., 2009). 36 1.4 Choque O choque é definido como a produção celular inadequada de energia. Geralmente ocorre secundário à baixa perfusão tecidual causada pelo inadequado fluxo sanguíneo, o que leva à redução da entrega de oxigênio em relação ao seu consumo, gerando menos energia do que o necessário. A redução na entrega de oxigênio é decorrente principalmente de três mecanismos: perda de volume intravascular (choque hipovolêmico), má distribuição do volume vascular (choque distributivo), e falha na bomba cardíaca (choque cardiogênico). Além desses, o choque metabólico, quando há um desarranjo no maquinário metabólico celular, e o choque hipóxico, em que há redução do conteúdo de oxigênio arterial, são outros exemplos de choque. É importante ressaltar que mais de um tipo de choque pode ocorrer simultaneamente (ALDRICH, 2009; DE LAFORCADE; SILVERSTEIN, 2009). Sinais como mucosas pálidas, pulso periférico fraco, alteração do nível de consciência e queda da pressão, aparecem quando o animal não consegue mais compensar a situação de choque. Essa descompensação pode levar à disfunção de múltiplos órgãos e à morte (DE LAFORCADE; SILVERSTEIN, 2009). O choque hipovolêmico é decorrente da redução relativa ou absoluta do volume sanguíneo, ou seja, está relacionado a perdas de sangue internas ou externas ou excessiva perda de fluidos corporais, como em casos de vômito, diarréia, poliúria e queimaduras. Nesse caso, há ativação do sistema compensatório que tenta reverter o baixo retorno venoso aumentado a atividade simpática, e com isso, promove vasoconstrição, aumenta a contratilidade cardíaca e a frequência cardíaca, o que influencia diretamente sobre o débito cardíaco. Adicionalmente, há ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona após a redução do fluxo sanguíneo renal (ALDRICH, 2009; DE LAFORCADE; SILVERSTEIN, 2009). Animais com SIRS ou sepse podem demonstrar sinais de choque distributivo, em que inicialmente o paciente apresenta taquicardia, febre, pulso periférico forte e palpável e mucosas hiperêmicas. Caso este não seja revertido, há redução do débito cardíaco e o doente passa a ter sinais de hipoperfusão, como mucosas pálidas, tempo de preenchimento capilar aumentado, hipotermia, pulso fraco e alteração no nível de consciência. Essa é a fase de descompensação da sepse, na qual a falta de tratamento adequado resulta em disfunção orgânica e consequentemente em morte (DE LAFORCADE; SILVERSTEIN, 2009). 37 O reconhecimento do choque e o início precoce da terapia são fundamentais para o sucesso do tratamento (DE LAFORCADE; SILVERSTEIN, 2009). 38 2 Relato de caso Um pitbull, macho, de quatro meses de idade, 7,6 Kg, foi levado ao Hospital Veterinário particular para consulta após histórico de vômito e anorexia há dois dias. Na anamnese inicial foi relatado pelo proprietário que o cão havia recebido apenas uma dose da vacina óctupla. Foram realizados exames de triagem com kits comerciais de imunoensaio cromatográfico para o vírus da cinomose e da parvovirose, sendo ambos os resultados negativos. Ao exame físico inicial as alterações encontradas foram: nível de consciência alterado, pois o paciente respondia apenas ao estímulo verbal (AVDN=V), desidratação grave, hipotermia (37 ºC), taquicardia (166 bpm), aumento no tempo de preenchimento capilar (3 segundos), dor abdominal intensa e hipotensão (PAS= 92 mmHg, PAD=39 mmHg e PAM=54 mmHg). Nos exames hematológicos e bioquímicos iniciais, foram observadas hiperlactatemia (4,5 mmoL/L) e hipoglicemia (48 mg/dL), e hematócrito e proteína plasmática total dentro dos valores de normalidade. Em relação ao hemograma observaram-se leucopenia (800/μL), linfopenia (360/μL) e monocitopenia (40/μL). O paciente foi encaminhado ao setor de isolamento, onde se iniciou a ressuscitação volêmica coma administração de fluido cristalóide (Ringer Lactato, 10 mL/Kg/6 min) suficiente para reverter o quadro hipotensivo e bolus de glicose 50% eficiente para reestabelecer a glicemia adequada, seguido de fluidoterapia de manutenção e reposição de déficit hídricos com adição de glicose 50% ao fluido para controle do índice glicêmico. Por apresentar muitos episódios de vômito, metoclopramida foi acrescentada ao fluido de manutenção e o animal recebeu uma sonda nasogástrica para drenagem do conteúdo gástrico, lavagem gástrica com carvão ativado e posterior alimentação. Foi realizado também enema com carvão ativado. Além disso, o cão foi aquecido com cobertor e colchão térmico até atingir a temperatura retal de 38,2 ºC no intervalo de duas horas. No entanto, uma hora após a estabilização inicial, o paciente retornou à condição hipotensiva (PAS=66 mmHg, PAD=52 mmHg e PAM=49 mmHg). Iniciou-se então a administração endovenosa de solução colóide de baixo peso molecular 39 (Voluven® 6%), o que foi suficiente para sustentar a pressão em valores aceitáveis por uma hora e trinta minutos. Após esse tempo, o medidor de pressão oscilométrico PetMap não oferecia leitura adequada, por isso, o método Doppler foi escolhido para substituí-lo. A pressão sistólica registrada era de 60 mmHg, valor crítico de hipotensão, por isso foi iniciado o uso de vasopressor (noradrenalina, na taxa de 0,1 μg/Kg/min). Como o resultado não foi satisfatório, visto que a pressão sistólica permanecia em valor ameaçador à vida do paciente, a taxa foi sendo ajustada conforme a necessidade. Após 45 horas de tentativa de manutenção da pressão sistólica, sempre em nível insatisfatório, com leituras variando entre 75 mmHg e 133 mmHg, o paciente apresentou pico hipotensivo de 62 mmHg de pressão sistólica, aferida com o Doppler. Portanto foi decidido instituir o uso da dobutamina em infusão contínua (na taxa de 5 μg/Kg/min), mantendo ainda a noradrenalina em insfusão contínua, o que proporcionou valores satisfatórios de pressão arterial sistólica (140 mmHg) após algumas horas. Além disso, foi iniciada terapia com corticóide (hidrocortisona na dose de 0,5 mg/Kg). Essa terapêutica foi mantida por quatro dias, tempo em que o animal obteve evolução clínica que permitisse a retirada do vasopressor e do inótropo. O esquema inicial de tratamento baseou-se na administração de antibióticos(enrofloxacina 10%, metronidazol e ceftriaxona) na primeira hora de diagnóstico do quadro séptico, como também antieméticos e protetores gástricos (omeprazol e ondansetrona) e analgésicos (buscopam e tramadol). O paciente apresentou pico febril corrigido com a administração de dipirona (25 mg/Kg), porém a temperatura manteve-se em limite superior. Por isso, 48 horas após o início do tratamento, associou-se o antibiótico ampicilina / sulbactan e retirou- se a ceftriaxona do esquema de antibióticos devido à hipertermia persistente e à baixa resposta ao vasopressor. Nesse momento, durante nova avaliação laboratorial, foram identificadas alterações como: presença de hiperbilirrubinemia, hipoalbuminemia e queda do valor do hematócrito (26%). Ainda, o teste rápido para detecção do parvovírus foi realizado novamente, com resultado positivo. Após a sondagem uretral do paciente constatou-se também a presença de oligúria e a densidade urinária estava inadequada (acima de 1,050), ainda que essas alterações tenham sido temporárias. 40 Posteriormente, no sexto dia de internação, devido à melhora nos parâmetros gerais sem o uso de vasopressor, foram realizadas sessões de fisioterapia, nas quais o paciente foi levado a uma área com piso áspero onde caminhou sem auxílio, ingeriu pouca quantidade de comida caseira e água e urinou. Durante os três dias consecutivos a isso, o paciente obteve importante melhora do quadro clínico, aceitando dieta caseira e ração seca, produzindo fezes pastosas na maioria das vezes, sem êmese, com boa produção de urina com coloração e densidade normais. Apesar disso, o paciente desenvolveu edema subcutâneo nos membros e na face, o qual foi revertido progressivamente após 72 horas de infusão contínua de solução colóide. O tempo total de hospitalização desse paciente foi de dez dias. 41 3 Discussão 3.1 Monitorização do paciente internado Durante a anamnese e o exame clínico inicial do cão com suspeita de parvovirose, geralmente há relatos de apatia, anorexia e vômito, e geralmente a diarréia é ausente nas primeiras 24 a 48 horas da doença, mas quando ocorre nem sempre se apresenta com sangue, assim como foi observado no presente caso (WILLARD, 2010). Por se tratar de um cão jovem, com histórico de vacinação inadequada e sinais clínicos condizentes com a infecção, foi realizada a repetição do teste rápido alguns dias após a internação do paciente, conferindo o resultado positivo para a presença do parvovírus. Essa situação justifica-se pela a possibilidade de resultado falso positivo se o teste for realizado de 5 a 15 dias após a administração de vacina com vírus vivo modificado, ou falso negativo caso o teste seja realizado no início do curso da doença (WILLARD, 2010). O cão chegou ao Hospital em sepse grave, visto que apresentava sinais de SIRS, além da presença de disfunção orgânica caracterizada pela alteração no nível de consciência e hipotensão ameaçadora, e posteriormente, evoluiu para choque séptico, já que não houve mais resposta à fluidoterapia e o animal ficou temporariamente dependente do uso de vasopressor e inotrópico (FORD; MASSAFERRO, 2007). A avaliação dos sinais vitais é de extrema importância não só durante o atendimento inicial do paciente como ao longo de todo o período de internação. Animais em SIRS ou Sepse necessitam de monitorização contínua, com a avaliação de parâmetros bioquímicos, eletrolíticos e hemodinâmicos, conforme foi realizado nesse caso (PAIXÃO, 2005; RABELO, 2012b) A monitorização do paciente durante a hospitalização foi realizada com aferição de pressão arterial não invasiva, avaliação da pressão intra-abdominal (Figura 16), avaliação de frequências cardíaca e respiratória, do tempo de preenchimento capilar, das temperaturas central (com termômetro via retal) e periférica (com termômetro de temperatura periférica), calculando-se o delta Tcp, da coloração das mucosas, do nível de consciência. Ademais, foram realizados exames bioquímicos, eletrolíticos e hematológicos periodicamente. 42 Figura 16. Avaliação da pressão intra-abdominal do paciente Em relação ao sistema cardiovascular, são imperativas as avaliações de frequência cardíaca, seja com estetoscópio ou com monitor de eletrocardiograma, de perfusão periférica por meio da frequência e da qualidade do pulso, e do nível de consciência, pelo sistema AVDN, que classifica o paciente em alerta, verbalmente responsivo, responsivo a dor ou que não responde, ou pela escala de Glasgow adaptada (RABELO, 2012b). Para verificar o sistema periférico, ou seja, a circulação periférica em relação à linha hemodinâmica central são utilizados o tempo de preenchimento capilar, a coloração das mucosas, a diferença entre as temperaturas central e periférica, a avaliação do tempo de enchimento e esvaziamento jugular, a produção urinária e a ausculta abdominal (RABELO, 2012b). 3.2 Fluidoterapia e utilização de vasopressores, inotrópicos e corticóides A hipovolemia é o principal fator de instabilidade cardiovascular durante a sepse. Quando há hipotensão, a infusão rápida de grande volume de fluido tem como objetivo a expansão vascular, de forma a melhorar a hemodinâmica e a 43 entrega de oxigênio aos tecidos (PAIXÃO, 2005; ALDRICH, 2009; SIMMONS; WOHL, 2009). O paciente recebeu uma prova de carga com fluido cristaloide Ringer lactato (10 mL/Kg/6 min) suficiente para reverter temporariamente o quadro hipotensivo. Entretanto, foi preciso lançar mão também do uso de solução colóide, visto que a pressão não se mantinha constante em valores satisfatórios. A solução colóide garante expansão vascular com baixa expansão intersticial (ALDRICH, 2009). A combinação de fluidos cristalóides e colóides é uma estratégia válida, pois garante expansão vascular sem que haja líquido em excesso, visto que o colóide retém o fluido cristalóide no compartimento vascular por um período maior (PAIXÃO, 2005; FORD; MASSAFERRO, 2007; ALDRICH, 2009). Caso a hipotensão não seja revertida após sucessivas provas de carga, o uso de vasopressores pode ser necessário para manter a pressão de perfusão sistêmica, apesar disso não garantir a entrega ideal de oxigênio aos tecidos (PAIXÃO, 2005; SIMMONS; WOHL, 2009), por isso foi iniciada a infusão contínua de noradrenalina, sendo ajustada conforme a necessidade. Como a resposta do paciente não foi adequada à terapêutica, a dobutamina foi adicionada ao protocolo, já que ela pode ser utilizada em conjunto com a noradrenalina em casos de hipotensão refratária ou muito grave (Figura 17), pois aumentam a contratilidade cardíaca e o débito cardíaco (PAIXÃO, 2005). Além disso, os agentes inotrópicos aumentam a perfusão esplâncnica, o que é benéfico em pacientes com sepse (FREIRE; RABELO, 2005). Muitas doenças que causam vasodilatação levam à redução da contratilidade cardíaca ou vice-versa. Assim, a decisão de instituir o tratamento primeiramente com inotrópico ou com vasopressor é empírica e por isso é importante considerar as consequências e os benefícios de ambas as abordagens. Caso o inótropo seja administrado em um paciente em choque circulatório, este pode desenvolver arritmias e vasodilatação, porém, se o paciente receber um vasopressor e tiver défict de contratilidade cardíaca, isso pode piorar o débito cardíaco por aumento da pós- carga (SIMMONS; WOHL, 2009). 44 Figura 17. Paciente recebendo noradrenalina e dobutamina em infusão contínua. Avaliação da terapêutica instituída por meio da aferição da pressão arterial sistólica. Adicionalmente, foi instituída terapia com hidrocortisona a fim de manter a pressão arterial sistêmica, pois animais com sepse apresentam diminuição nos níveis de cortisona endógena e a administração do corticóide beneficia esses pacientes (PAIXÃO, 2005). Sabe-se que a administração degrande volume de fluido pode levar à hemodiluição, hipoproteinemia, edema e disfunção orgânica, principalmente em animais com sepse, já que esses possuem maior permeabilidade microvascular, 45 pressão hidrostática aumentada e alterações na pressão oncótica (PAIXÃO, 2005). O paciente apresentou edema subcutâneo nos últimos dias de hospitalização (Figura 18), sendo as causas prováveis principalmente a hipoproteinemia desenvolvida e o grande volume de fluido recebido. Figura 187. Paciente com edema na face e nos membros. Mesmo assim, a fluidoterapia é importante para que o paciente tenha um débito urinário adequado e para evitar que ele desenvolva insuficiência renal aguda decorrente da vasoconstrição renal intensa presente no choque, como ocorreu no caso, quando após a sondagem uretral do paciente constatou-se que a produção e a densidade urinária não estavam adequadas (Figura 19). Deve-se medir a entrada e a perda de fluido principalmente nos casos de suspeita de oligúria ou anúria (PAIXÃO, 2005; FORD; MASSAFERRO, 2007). 46 Figura 19. Aspecto da urina do paciente após sondagem uretral 3.3 Antibioticoterapia Os antibióticos de amplo espectro devem ser administrados precocemente no tratamento de pacientes sépticos até que se tenha o resultado de culturas bacterianas. As combinações de aminoglicosídeo, ampicilina e metronidazol ou aminoglicosídeo, cefalosporinas e metronidazol são eficazes para estes pacientes (PAIXÃO, 2005). Optou-se pela combinação de cefalosporina de terceira geração (ceftriaxona), metronidazol e enrofloxacina como protocolo inicial instituído pelo Hospital para tratamento de gastroenterite, mas, posteriormente, por apresentar pico febril e consequente manutenção de hipertermia, associou-se o antibiótico ampicilina/sulbactam e retirou-se a ceftriaxona do esquema de antibióticos. 3.4 Alterações laboratoriais O estabelecimento de um conjunto de exames laboratoriais a serem realizados de forma precoce é importante para determinar a gravidade da doença do paciente admitido com SIRS ou sepse. Esse pacote é composto pelo hemograma completo, creatinina (marcador de disfunção renal), bilirrubina (marcador de 47 disfunção hepática), lactato e albumina (marcadores de disfunção sistêmica) (JÚNIOR; RABELO, 2012). Nos exames de sangue iniciais do paciente foram observadas as seguintes alterações: hiperlactatemia, hipoglicemia, leucopenia, linfopenia e monocitopenia. O nível sérico de lactato é um dos melhores marcadores para avaliar o metabolismo celular em pacientes graves, detectando a hipoperfusão local ou sistêmica quando em valores altos, além de ser boa forma de avaliar a resposta frente à terapia instituída, a partir do acompanhamento do clareamento do marcador (FORD; MASSAFERRO, 2007; JÚNIOR; RABELO, 2012). A glicose é uma fonte de energia necessária para hemácias e para células nervosas, sendo que em quadros sépticos seu consumo torna-se elevado, aparentemente devido a mediadores inflamatórios, portanto deve ser suplementada em caso de hipoglicemia. Além disso, a hipotensão ou hipoxemia podem elevar a demanda de glicose devido ao aumento da via anaeróbica da glicólise (FORD; MASSAFERRO, 2007; KOENIG, 2009) A leucopenia e a enterite são as apresentações clínicas mais comuns da parvovirose. A linfopenia é resultado da linfocitólise direta, seguida de neutropenia devido ao consumo periférico e à destruição de precursores da linhagem branca na medula óssea (HUMM, 2009; HOELZER; PARRISH, 2010). As alterações no leucograma são condizentes com o tropismo do vírus por células em constante replicação. Em nova avaliação laboratorial foram identificadas a presença de hiperbilirrubinemia, hipoalbuminemia e queda do valor do hematócrito. A dosagem de bilirrubina é de grande importância, pois pode expressar um sinal precoce de disfunção hepática nos quadros de sepse grave (JÚNIOR; RABELO, 2012). A hipoalbuminemia pode ser decorrente tanto da disfunção hepática como do déficit nutricional o qual o animal passou devido aos diversos episódios de vômito e à má absorção causada pela infecção. Já a queda no valor do hematócrito deve-se provavelmente à grande perda de sangue nas fezes, decorrente também do processo infeccioso. 48 3.5 Nutrição O crescimento da mucosa composta por enterócitos e colonócitos é dependente da presença de alimento no intestino, pois este estimula a replicação dessas células e a liberação de hormônios que previnem a atrofia celular. A nutrição inadequada dos enterócitos leva a diminuição da produção de IgA e a consequente queda da imunidade no trato gastrointestinal (FREIRE; RABELO, 2005), além de gerar citocinas inflamatórias e pro-inflamatórias (MOHR, 2003) Devido aos episódios de êmese, controlados com medicação antiemética, e a inapetência, optou-se pela sondagem nasogástrica do paciente para alimentação com formulação caseira balanceada, elaborada a partir de planilha própria para cálculo de requerimento energético, até que ele aceitasse a dieta caseira via oral, o que ocorreu consequente à melhora do seu estado geral. O suporte nutricional para o paciente séptico deve ser iniciado precocemente, visto que esses animais enfrentam balanços energético e protéico negativos. A alimentação por via enteral deve ser feita de forma gradual, independente da via de administração da dieta (oral, sonda nasogástrica, nasoesofágica) (PAIXÃO, 2005). Essa forma de alimentação mostra-se superior à alimentação parenteral em diversos estudos com pacientes críticos, pois mantém a barreira mucosa e previne a ruptura da microflora intestinal (FREIRE; RABELO, 2005). A nutrição enteral precoce via sonda nasoesofágica demonstrou-se associada à melhora clínica mais rápida do paciente com parvovirose, menor tempo de hospitalização e redução dos custos com o doente quando comparada ao jejum de até 12 horas enquanto o vômito e a diarréia do animal não cessassem. Ademais, os cães que receberam a nutrição precoce obtiveram ganho de peso (MOHR, 2003). 3.6 Fisioterapia A falta de movimentação corporal dos animais internados por longos períodos produz efeitos maléficos ao organismo como um todo. Pode haver comprometimento muscular (atrofia), contraturas articulares e até mesmo comprometimento do sistema respiratório pelo decúbito prolongado (RABELO, 2001). A massagem é a forma mais simples de fisioterapia e estimula a circulação e melhora o retorno venoso e linfático, ajudando a reduzir o edema. A terapia com 49 exercícios é de fundamental importância na reabilitação de pacientes hospitalizados (RABELO, 2001; MARTINS; COSTA, 2007). A hospitalização pode gerar uma situação de estresse para o paciente. A permissão de visitas breves e caminhadas externas pode melhorar o temperamento do animal e reduzir o estresse (FORD; MASSAFERRO, 2007). No caso, o paciente, ainda que bastante fraco, respondeu muito bem à fisioterapia, na qual caminhou durante alguns minutos, interagiu com o ambiente externo e recebeu sessões de massagem. A melhora dia a dia após o início das caminhadas certamente contribuiu para a evolução positiva do animal. 3.7 Tempo de internação/Prognóstico No presente caso, o paciente permaneceu internado durante dez dias. Em um estudo com 28 cães com parvovirose, o tempo médio de hospitalização foi de 4,59 dias (PEREIRA, 2011). Porém, este grupo possui características de raça e idade diferentes do caso relatado. Segundo a classificação PIRO, vacinação inadequada e a raça Pitbull são fatores a serem considerados como agravantes no que diz respeito ao prognóstico, o que também justifica o longo tempo de internação (LEVY et al., 2003). Suspeita-se que determinadas raças como Rottweiler e Dobermann Pinscher sejam mais predispostas a desenvolverem enterite pelo parvovirus, pois apresentam maior magnitude de produção de citocinas pró-inflamatórias,como o fator de necrose tumoral alfa, comparado aos animais sem raça definida (GLICKMAN et al, 1985; NEMZEK et al., 2007). No entanto, não há estudos controlados que avaliem essa mesma predisposição em cães da raça Pitbull. A maior prevalência da infecção por parvovírus nessa raça é descrita apenas em estudos epidemiológicos e observada na prática clínica. Além disso, a presença de vômito e apatia no momento da admissão e a constatação de linfopenia e/ou hipoalbuminemia contribuem para um maior tempo de hospitalização quando comparados a pacientes sem essas alterações (KALLI, 2010). 50 4 Conclusão A parvovirose é uma doença de grande importância principalmente para cães jovens. Essa infecção viral destrói o epitélio intestinal, podendo levar à translocação bacteriana e à sepse. A abordagem precoce do paciente séptico garante melhor evolução e menor tempo de internação. Os cuidados intensivos em pacientes com gastroenterite abrangem desde monitorização constante de parâmetros físicos, hematológicos e bioquímicos até cuidados com nutrição e fisioterapia. Seguir os protocolos estabelecidos pela literatura de referência auxilia no tratamento não só da gastroenterite, como também de diversas outras afecções. REFERÊNCIAS ALDRICH, J. Shock fluids and fluid challenge. In SIVERSTEIN, D. C.; HOPPER K.Small Animal Critical Care Medicine. Saunders Elsevier, 2009. p. 276-280. BATEMAN, R. M.; WALLEY, K. R. Review: Microvascular resuscitation as a therapeutic goal in severe sepsis. Critical Care. Vol 9 Suppl 4. 2005. BOLLER, E. M. Sepsis. In SIVERSTEIN, D. C.; HOPPER K.Small Animal Critical Care Medicine.Saunders Elsevier, 2009.p. 454-458. DE LAFORCADE, A. 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