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Brasília-DF. ImunologIa e BIologIa molecular aplIcadas à medIcIna VeterInárIa Elaboração Stela Virgilio Produção Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e Editoração Sumário APRESENTAÇÃO ................................................................................................................................. 5 ORGANIZAÇÃO DO CADERNO DE ESTUDOS E PESQUISA .................................................................... 6 INTRODUÇÃO.................................................................................................................................... 8 UNIDADE I IMUNOLOGIA ........................................................................................................................................ 9 CAPÍTULO 1 SISTEMA IMUNE EM DIFERENTES ESPÉCIES ANIMAIS .................................................................. 11 CAPÍTULO 2 SISTEMA DE DEFESA: INATA E ADAPTATIVA ................................................................................ 18 CAPÍTULO 3 MECANISMOS DE RESPOSTA DA DEFESA INATA ....................................................................... 21 CAPÍTULO 4 MECANISMOS DE RESPOSTA DA DEFESA ADAPTATIVA .............................................................. 26 CAPÍTULO 5 IMUNOPROFILAXIA ................................................................................................................. 33 UNIDADE II BIOLOGIA MOLECULAR ....................................................................................................................... 37 CAPÍTULO 1 PRINCÍPIOS BÁSICOS DA BIOLOGIA MOLECULAR E SUAS APLICAÇÕES NA MEDICINA VETERINÁRIA 38 CAPÍTULO 2 DOGMA CENTRAL DA BIOLOGIA MOLECULAR E SUAS PRINCIPAIS MACROMOLÉCULAS ........... 42 CAPÍTULO 3 ORGANIZAÇÃO DA INFORMAÇÃO: GENES, CROMOSSOMOS E GENOMA ............................. 47 CAPÍTULO 4 REPLICAÇÃO, TRANSCRIÇÃO E TRADUÇÃO ............................................................................ 51 UNIDADE III MECANISMOS ENVOLVIDOS NAS INFECÇÕES POR BACTÉRIAS, PARASITAS, VÍRUS E PRÍONS ................... 58 CAPÍTULO 1 MECANISMOS MOLECULARES E CELULARES DAS INFECÇÕES VIRAIS ....................................... 58 CAPÍTULO 2 MECANISMOS MOLECULARES E CELULARES DA INFECÇÃO BACTERIANA ................................ 62 CAPÍTULO 3 MECANISMOS MOLECULARES E CELULARES ENVOLVIDOS NA INVASÃO DA CÉLULA HOSPEDEIRA POR PARASITAS ...................................................................................................................... 65 CAPÍTULO 4 PRÍONS E SUA RELAÇÃO COM DOENÇAS VETERINÁRIAS ......................................................... 67 UNIDADE IV APLICAÇÕES NA MEDICINA VETERINÁRIA ............................................................................................. 69 CAPÍTULO 1 PCR NO DIAGNÓSTICO DE DOENÇAS DE INTERESSE VETERINÁRIO .......................................... 69 CAPÍTULO 2 TÉCNICAS DE BIOLOGIA MOLECULAR USADAS EM MEDICINA VETERINÁRIA ............................. 73 CAPÍTULO 3 MARCADORES MOLECULARES EM MEDICINA VETERINÁRIA ..................................................... 76 PARA NÃO FINALIZAR ....................................................................................................................... 79 REFERÊNCIAS .................................................................................................................................. 80 5 Apresentação Caro aluno A proposta editorial deste Caderno de Estudos e Pesquisa reúne elementos que se entendem necessários para o desenvolvimento do estudo com segurança e qualidade. Caracteriza-se pela atualidade, dinâmica e pertinência de seu conteúdo, bem como pela interatividade e modernidade de sua estrutura formal, adequadas à metodologia da Educação a Distância – EaD. Pretende-se, com este material, levá-lo à reflexão e à compreensão da pluralidade dos conhecimentos a serem oferecidos, possibilitando-lhe ampliar conceitos específicos da área e atuar de forma competente e conscienciosa, como convém ao profissional que busca a formação continuada para vencer os desafios que a evolução científico-tecnológica impõe ao mundo contemporâneo. Elaborou-se a presente publicação com a intenção de torná-la subsídio valioso, de modo a facilitar sua caminhada na trajetória a ser percorrida tanto na vida pessoal quanto na profissional. Utilize-a como instrumento para seu sucesso na carreira. Conselho Editorial 6 Organização do Caderno de Estudos e Pesquisa Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em unidades, subdivididas em capítulos, de forma didática, objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio de textos básicos, com questões para reflexão, entre outros recursos editoriais que visam tornar sua leitura mais agradável. Ao final, serão indicadas, também, fontes de consulta para aprofundar seus estudos com leituras e pesquisas complementares. A seguir, apresentamos uma breve descrição dos ícones utilizados na organização dos Cadernos de Estudos e Pesquisa. Provocação Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor conteudista. Para refletir Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa e reflita sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio. É importante que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. As reflexões são o ponto de partida para a construção de suas conclusões. Sugestão de estudo complementar Sugestões de leituras adicionais, filmes e sites para aprofundamento do estudo, discussões em fóruns ou encontros presenciais quando for o caso. Atenção Chamadas para alertar detalhes/tópicos importantes que contribuam para a síntese/conclusão do assunto abordado. 7 Saiba mais Informações complementares para elucidar a construção das sínteses/conclusões sobre o assunto abordado. Sintetizando Trecho que busca resumir informações relevantes do conteúdo, facilitando o entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos. Para (não) finalizar Texto integrador, ao final do módulo, que motiva o aluno a continuar a aprendizagem ou estimula ponderações complementares sobre o módulo estudado. 8 Introdução Sejam bem-vindos ao Caderno de Imunologia e Biologia Molecular aplicadas à Medicina Veterinária. Este módulo trará textos didaticamente elaborados, com ilustrações e quadros que associam a precisão científica aos pontos de vista consistentes sobre a Imunologia e a Biologia Mocular, focando em características relevantes à Medicina Veterinária. A Imunologia para a Medicina Veterinária traz informações sobre a imunidade inata (natural) e a adquirida integradas ao sistema de defesa, focando nos eventos desencadeados na resposta inflamatória. Falhas no sistema imune podem levar à perda das defesas contra agentes infecciosos ou tumores, alergias (como dermatite por picada de pulga), doenças autoimunes (como lupus eritematoso sistêmico e pênfigo), problemas na transfusão de sangue entre grupos sanguíneos incompatíveis etc. Portanto, entender o funcionamento do sistema de defesa, bem como a imunoprofilaxia (vacinação) é importante para o controle de doenças infecciosas e parasitárias. Já a Biologia Molecular, atuante em muitas áreas do conhecimento, é amplamente usada na Medicina Veterinária, seja em diagnósticos, testes laboratoriais, estudos básicos e aplicados etc. Vale lembrar que ambas as áreas podem atuar conjuntamente, o que enriquece o campo de atuação e dá novas oportunidades de conhecimento e emprego. Portanto, o principal foco deste Caderno é entender os princípios sobre as respostas imunológicas e recordar os principais tópicos relacionados à biologia molecular, técnicas e aplicações relacionadas às invasões por patógenos e diagnósticos, todas áreas de interesse na Medicina Veterinária. Objetivos» Conceituar os mecanismos que o organismo animal utiliza para reconhecer e eliminar patógenos. » Estudar as respostas efetivas após contato contra organismos patogênicos, tanto no campo imunológico como os mecanismos moleculares e celulares. » Recordar os principais tópicos sobre biologia molecular: dogma central, transcrição, tradução, gene e cromossomos. » Apresentar técnicas de biologia molecular usadas na Medicina Veterinária. 9 UNIDADE IIMUNOLOGIA Todos os animais precisam ser capazes de se defender dos organismos invasores que podem deixá-los doentes ou matá-los. Tanto invertebrados quanto vertebrados possuem defesas imunes desencadeadas por sinais de perigo. Entretanto, organismos mais complexos evolutivamente possuem mecanismos de defesa mais responsivos e com maior complexidade. A Imunologia estuda as defesas do organismo contra uma infecção, seja ela composta por micro-organismos infecciosos ou até mesmo substâncias estranhas não infecciosas, gerando uma resposta imunológica. Portanto, a imunologia estuda a imunidade em sua acepção mais ampla, a partir de eventos celulares e moleculares decorrentes da entrada de corpo estranho em um organismo (ABBAS et al., 2008). Mesmo após exposição contínua a certos micro-organismos ou macromoléculas estranhas, nem sempre os animais ficam doentes. Como o organismo se defende? Quando a infecção ocorre, como o organismo elimina o invasor e se recupera? E como se desenvolve uma imunidade duradoura a muitas doenças infecciosas encontradas? Essas questões direcionadas à imunologia serão estudadas buscando entender as defesas corporais contra infecções em níveis moleculares e celulares (MURPHY et al., 2010). A origem da imunologia é usualmente atribuída ao médico inglês Edward Jenner, que no século XVIII viu que a enfermidade varíola bovina ou “vacínia” conferia proteção contra a doença da varíola humana, sendo essa última fatal. Em 1796, ele mostrou que a inoculação com varíola bovina conferia proteção contra a varíola humana. No início da década de 1890, Emil von Behring e Shibasaburo Kitasato descobriram que o soro de animais imunes à difteria ou ao tétano continha uma “atividade antitóxica” que conferia uma proteção em curto prazo. Essa atividade se deve ao que chamamos de anticorpos. Enquanto von Behring estudava a soroterapia para difteria, o imunologista E. Metchnikoff descobriu que micro-organismos poderiam ser digeridos por células fagocíticas, as quais ele denominou de “macrófago” (MURPHY et al., 2010). 10 UNIDADE I │ IMUNOLOGIA Nosso meio ambiente contém uma grande variedade de agentes infecciosos, sendo alguns deles vírus, bactérias, fungos e parasitas, que podem causar doença e levar o hospedeiro a óbito se sua multiplicação no organismo hospedeiro ocorrer de forma descontrolada. A maioria das infecções nos organismos normais é de curta duração e quase sempre sem causar dano permanente. As respostas contra infecções por patógenos são denominadas respostas imunes. A resposta imune inata (ou imunidade inata ou natural) é aquela que está imediatamente disponível a combater patógenos. Entretanto, não é específica para nenhum patógeno nem gera uma imunidade duradoura. Já a resposta imune específica (ou adquirida) produz anticorpos contra um patógeno ou seus produtos, podendo conferir memória imunológica, ou seja, imunidade protetora contra reinfecções pelo mesmo patógeno (MURPHY et al., 2010). Por fim, transformações na compreensão do sistema imunológico e de suas funções têm acontecido desde a década de 1960, bem como os avanços nas técnicas de cultura celular, produção de anticorpos monoclonais, recombinação de DNA, imunoquímica, cristalografia por raios-x e a produção de animais modificados geneticamente permitiu que a imunologia pudesse explicar os fenômenos imunológicos em termos bioquímicos e estruturais (ABBAS et al., 2008). Nesta Unidade, descreveremos as características gerais das respostas imunológicas, as diferenças entre as espécies animais, entre as respostas inata e adquirida e, por fim, as bases fundamentais da imunoprofilaxia. 11 CAPÍTULO 1 Sistema imune em diferentes espécies animais Todos os organismos multicelulares têm mecanismos de defesa natural contra micro-organismos. Já os mecanismos de defesa da imunidade adquirida, como a produção de anticorpos ou os linfócitos, só estão presentes nos vertebrados avançados (ABBAS et al., 2008). Imunidade nos invertebrados Os invertebrados dependem exclusivamente das barreiras físicas e das defesas imunes inatas para excluir os invasores microbianos. As barreiras físicas são as mais evidentes nos artrópodes, principalmente devido aos exoesqueletos quitinosos. Outros invertebrados como os celenterados, anelídeos, moluscos e equinodermos secretam massas de muco viscoso, que podem ter defensinas e outros peptídeos antimicrobianos, que imobilizam invasores potenciais. Já os mecanismos de defesa inata são: 1. fagocitose; 2. proteases; 3. peptídeos antimicrobianos. Várias células que parecem as células fagocitárias dos mamíferos respondem aos micro- organismos, cercando os agentes e os destruindo. Essas células são responsáveis por quimiotaxia, aderência, ingestão e digestão, sendo chamadas de: a. amebócitos fagocíticos (nos acelomados); b. celomócitos (nos anelídeos); c. hemócitos (nos moluscos e artrópodes); d. leucócitos sanguíneos (nos tunicados). Os invertebrados não produzem anticorpos, mas proteínas da superfamília das imunoglobulinas foram detectadas em artrópodes, equinodermos, moluscos e protocordados. Especificamente nos insetos, há uma proteína pertencente à superfamília das imunoglobulinas denominada Dscam. Os invertebrados também 12 UNIDADE I │ IMUNOLOGIA têm várias moléculas solúveis que se ligam e ligam os micro-organismos, incluindo as proteínas semelhantes à lectina, que se ligam aos carboidratos das paredes celulares dos micro-organismos, aglutinando-os, e os numerosos fatores líticos e antimicrobianos. Cerca de 400 peptídeos antimicrobianos diferentes foram identificados em invertebrados (TIZARD, 2014). O sistema complemento é muito antigo, com alguns componentes originados há mais de 1 bilhão de anos, bem antes do surgimento dos vertebrados. Dessa forma, os invertebrados possuem tanto a via alternativa quanto a via das lectinas. Uma vez ativado por essas vias, o sistema complemento dos invertebrados pode opsonizar os micróbios invasores (TIZARD, 2014). As células fagocitárias de alguns invertebrados podem secretar citocinas semelhantes às citocinas dos vertebrados. Todos os organismos multicelulares expressam receptores celulares parecidos aos receptores tipo Toll (TRLs = toll like receptors) que começam as reações de defesa contra os micróbios. Os TRLs foram identificados até mesmo em invertebrados menos evoluídos, como as esponjas. Assim, a defesa do hospedeiro invertebrado é feita por células e moléculas iguais aos mecanismos efetores da imunidade natural de organismos superiores (ABBAS et al., 2008). Imunidade nos vertebrados Imunidade nos ciclóstomos Os mais primitivos entre os vertebrados vivos são os ciclóstomos, os peixes sem mandíbula, que incluem lampreias e feiticeiras. Esses peixes produzem diferentes tipos de proteínas, algumas semelhantes às proteínas do sistema complemento. Eles também possuem dois tipos de leucócitos sanguíneos: 1. semelhante aos monócitos; 2. semelhante aos linfócitos e expressão de receptores variáveis de linfócitos (VLRs = variable lymphocyte receptors). Esses animais não possuem imunoglobulinas, mas geram moléculas ligadoras de antígenos por meio de rearranjos do DNA (uma versão mais primitiva de receptores antigênicos rearranjados). Esses receptores foram denominados “receptores linfocitários variáveis” e são gerados por segmentos de DNA na ausência de genes RAG (genes de ativação de recombinação) (ABBAS et al., 2008). 13 IMUNOLOGIA │ UNIDADE I Imunidade nos peixes mandibulados A fagocitosenos peixes é similar à descrita em mamíferos, com presença de granulócitos, macrófagos, linfócitos e neutrófilos. Uma característica do sistema imunológico dos vertebrados é a expressão de receptores a antígenos que apareceram nos peixes dotados de mandíbula. Acredita-se que um transposon contendo precursores dos genes que codificam a enzima para recombinação (RAG-1 e RGA-2, ou genes de ativação de recombinação) invadiu um gene que codificava uma proteína semelhante a um segmento variável (V) de uma molécula de anticorpo. Isso permitiu que esses fragmentos gerassem receptores antigênicos altamente diversos e específicos (Figura 1). Não apenas essa característica, mas outros componentes do sistema imunológico adquirido, como linfócitos verdadeiros, anticorpos e receptores às células T, moléculas MHC (major histocompatibility complex) e tecidos linfoides especializados (mas desprovidos de centros germinais), apareceram nos vertebrados dotados de mandíbula (por exemplo, os tubarões) (ABBAS et al., 2008). Figura 1: Evolução da imunidade inata e da adquirida. A imunidade inata é encontrada em todos os animais, já a imunidade adquirida a partir dos vertebrados mandibulados é dependente da transferência de um gene de integrase bacteriana para a linhagem germinativa de um vertebrado por meio de um transposon. VERTEBRADOS NÃO MANDIBULADOS VERTEBRADOS MANDIBULADOS Transposon INVERTEBRADOS Imunidade Inata Imunidade adquirida Gene da integrase bacteriana Fonte: Tizard (2014). Peixes cartilaginosos e ósseos possuem todas as três vias de ativação do sistema complemento: a clássica, a alternativa e a das lectinas, sendo os TLRs dos peixes similares aos encontrados nos mamíferos (imunidade inata). Esses peixes também podem montar respostas imunes adquiridas e possuem um conjunto completo de órgãos linfoides (timo, baço, intestino posterior e rim cranial [pronéfron]), com exceção da medula óssea. Os anticorpos ou células ligadoras de antígenos podem ser detectados no timo, sugerindo que ele contém tanto células semelhantes às 14 UNIDADE I │ IMUNOLOGIA células T como às células B. Os rins dos peixes desempenham função análoga à da medula óssea e dos linfonodos. A imunoglobulina M (IgM) é a mais ancestral das classes das imunoglobulinas e é vista tanto em peixes ósseos quanto cartilaginosos. As respostas de anticorpos dos peixes são caracterizadas pela predominância de IgM e por suas respostas secundárias relativamente pobres (TIZARD, 2014). Imunidade nos anfíbios Os anfíbios possuem defesas inatas eficientes, com a presença de muitos peptídeos antimicrobianos potentes na pele e um sistema complemento semelhante ao de mamíferos, o qual é mais eficiente a 16ºC. Os urodelos (anfíbios de cauda como tritões e salamandras) são menos complexos e não possuem medula óssea; já os anuros (sapos e rãs) possuem medula óssea completamente funcional. Em alguns anfíbios anuros, observam-se estruturas que lembram linfonodos. Tanto adultos quanto as larvas dos anfíbios têm células B e T. Os linfócitos tímicos e cerca de 80% dos linfócitos circulantes carregam IgM de superfície, e as rãs têm células similares às NK (natural killers) e T citotóxicas. Os anfíbios anuros têm duas ou três classes de imunoglobulinas: a. IgM; b. IgY: uma ou duas moléculas de baixo peso molecular; c. IgX: classe de imunoglobulina bastante diferente, não encontrada em outros vertebrados. As citocinas identificadas nos anfíbios são: IL-1, IL-2 e interferons. Xenopus tem um MHC muito bem caracterizado, com regiões classes I, II e II, conhecidas como XLA (TIZARD, 2014). Imunidade nos répteis Os répteis que foram estudados têm tanto IgM como IgY. As lagartixas-leopardo produzem uma forma de IgA que parece ser a recombinação entre os genes IgY e IgM. Tartarugas e lagartos imunizados podem montar respostas primárias (induz IgM) e secundárias (induz IgY) de anticorpos. Toda resposta de anticorpos dos répteis parece ser dependente de T. Outras evidências de respostas imunes mediadas por células, como 15 IMUNOLOGIA │ UNIDADE I reações mistas de linfócitos e as reações de hipersensibilidade, foram demonstradas nos répteis (TIZARD, 2014). Imunidade nas aves Os principais estudos com aves foram focados no sistema imune das galinhas, o que pode não ser aplicado a outras 9.000 espécies de aves. Nesse sistema são encontrados ILs-3, 4, 7, 9, 13 e 26, TLR-1, 2, 3, 4, 5, e 7, receptores de imunoglobulinas, moléculas do MHC, receptores de células NK e antígenos de células T. Nas aves, os órgãos linfoides primários são constituídos por: » timo: maturação dos linfócitos T; » medula óssea: produção dos leucócitos, trombócitos e eritrócitos; » Bursa de Fabricius: produção dos linfócitos B. Já os órgãos linfoides secundários são: » baço: fagocitose de eritrócitos velhos e a produção de anticorpos; » tonsilas cecais; » placas de Peyer; e » tecidos linfoides associados à mucosa. Os centros germinativos não são vistos no baço dos peixes, anfíbios ou répteis, mas os de aves são grandes e bem definidos. As aves normalmente não possuem linfonodos. Há três principais classes de imunoglobulinas nas aves (exemplo galinhas): a. IgY: principal imunoglobulina no soro de aves, com duas cadeias pesadas e duas leves. Participa na resposta imune secundária; b. IgM: participa na resposta imune primária; c. IgA: similar a IgA dos mamíferos. Aparece após infecção e está presente nas secreções e mucosas. Estudos sobre a inter-relação das imunoglobulinas dos vertebrados mostraram que IgY está relacionada tanto à IgG como à IgE dos mamíferos, portanto ela pode ter surgido a partir de um precursor evolutivo dessas duas classes. Galinhas podem 16 UNIDADE I │ IMUNOLOGIA gerar cerca de 106 moléculas de imunoglobulinas diferentes, e isso é uma ordem de magnitude menor que a do camundongo. As células T das galinhas podem participar das respostas de doença do enxerto-versus-hospedeiro, rejeição ao enxerto e hipersensibilidade tarde (TIZARD, 2014). Imunidade nos mamíferos Imunidade nos monotremos e marsupiais Mamíferos menos evoluídos, os monotremos (ornitorrinco e équidnas) não possuem os linfonodos típicos dos mamíferos, mas sim nódulos linfoides. Possuem IgG (resposta imune secundária), IgE e IgM (resposta imune primária). Já os marsupiais produzem imunoglobulinas iguais à de mamíferos eutérios: IgM, IgG, IgE e IgA (TIZARD, 2014). Imunidade nos mamíferos eutérios Em mamíferos há diferentes tipos de anticorpos (imunoglobulinas), chamados isotipos, sendo conhecidas as classes de isotipos IgA, IgD, IgE, IgG e IgM, que se diferenciam pelas suas propriedades biológicas, pela forma da cadeia pesada, localizações e habilidade para lidar com antígenos. O sistema imune se tornou mais especializado com a evolução. Por exemplo, os peixes possuem apenas um tipo de anticorpo (IgM), enquanto esse número aumentou para dois/três tipos nos anfíbios e para sete/oito tipos nos mamíferos. A presença de mais tipos de anticorpos aumentou as capacidades funcionais da resposta imunológica (ABBAS et al., 2008). O Quadro 1 relata a presença ou ausência dos componentes imunológicos nos diferentes organismos. 17 IMUNOLOGIA │ UNIDADE I Quadro 1. Presença (+) ou ausência (-) de componentes imunológicos nos invertebrados e vertebrados. IMUNIDADE INATA IMUNIDADE ADQUIRIDA Fagócitos Células NK Anticorpos Linfócitos T e B Invertebrados Protozoários + - - - Esponjas + - - - Anelídeos + + - - Artrópodes + - - - Vertebrados Elasmobrânquios (tubarões, raias) + + + (IgM apenas) + Teleósteos (peixes comuns) + + + (IgM, outros?) + Anfíbios + + + (2 ou 3 classes) + Répteis + + + (3 classes) + Aves + + + (3 classes) + Mamíferos + + + (7 ou 8 classes) + Fonte: Abbas et al. (2008). Nos demais capítulos, focaremos principalmente na imunidade de mamíferos. Não que estes sejam representativos da diversidade de todos os mamíferos, mas foram selecionados pelas característicascomportamentais e estudos consolidados. Por meio de uma análise de filogenia, é possível observar que a maioria das espécies de animais domésticos são relacionadas de maneira relativamente estreita. Mesmo os animais domésticos de estimação, como cães e gatos, estão mais próximos das espécies animais de criação que dos primatas. Da mesma maneira, os animais de laboratório (ratos e camundongos) tendem a se reunir em um grupo separado. Concluímos que há diferenças significativas entre os sistemas imunes das espécies de interesse veterinário. Entretanto, não conseguiremos abordar todos esses tópicos, ficando como sugestão o estudo complementar do sistema imune daqueles animais de maior interesse pessoal. 18 CAPÍTULO 2 Sistema de defesa: inata e adaptativa Uma variedade de células efetoras e moléculas que constituem o sistema imune têm por objetivo proteger o organismo de agentes infecciosos e dos danos que eles causam. Para que isso ocorra, o sistema imunológico tem que satisfazer quatro características: 1. reconhecimento imunológico: a infecção deve ser detectada por células do sistema imune natural, que geram uma resposta imediata, e pelos linfócitos do sistema imune adquirido; 2. conter a infecção e eliminá-la: isso ocorre pela ativação das funções imunes efetoras, bem como o sistema complemento e anticorpos; 3. regulação imune: o sistema imune deve se autorregular; 4. proteger o indivíduo contra a ocorrência de uma doença devido a um mesmo patógeno: o sistema imune adaptativo tem a capacidade de produzir uma memória imunológica com resposta forte e imediata contra a exposição subsequente ao mesmo patógeno (MURPHY et al., 2010). A resposta imune inata ou natural ocorre no momento de exposição a um organismo infeccioso. Sobrepondo-se à resposta imune natural, mas demorando dias em vez de horas para se desenvolver, o sistema imune adquirido pode eliminar as infecções mais eficientemente do que a resposta imune natural. A imunidade adquirida é mais especializada do que a imunidade natural e suplementa a proteção proporcionada por essa última (MURPHY et al., 2010; BENJAMINI et al., 2002). A imunidade inata (também chamada de imunidade natural ou nativa) é a defesa inicial contra os micro-organismos, consistindo em mecanismos de defesa celular e bioquímicos que já existiam antes da infecção e que respondem rapidamente. Os componentes do sistema imunológico inato incluem: 1. barreiras físicas e químicas: epitélio e substâncias antibacterianas; 2. células fagocitárias e células NK (natural killer); 3. proteínas do sangue, sistema complemento e outros mediadores da inflamação; 4. proteínas citocinas (ABBAS et al., 2008). 19 IMUNOLOGIA │ UNIDADE I Em contraste, a imunidade adaptativa ou adquirida se desenvolve em resposta a infecções, adaptando-se a ela. Algumas características da imunidade adquirida são: especificidade e a habilidade de se “lembrar” e responder a exposições subsequentes ao mesmo micro- organismo. Os principais componentes incluem os linfócitos e seus produtos, como os anticorpos. As substâncias estranhas que induzem respostas imunológicas específicas são os antígenos (ABBAS et al., 2008). As principais características e componentes dos dois tipos de imunidade são apresentados no Quadro 2 e ilustradas na figura 2. Quadro 2. Características e componentes das respostas inatas e adquiridas. INATA ADQUIRIDA Características Especificidade Para estruturas compartilhadas por grupos de micróbios relacionados Para antígenos de micróbios e não microbianos Tolerância a si própria Sim Sim Memória Não Sim Diversidade Limitada Muito grande Componentes Barreiras celulares e químicas Pele, epitélios das mucosas, substâncias antimicrobianas Linfócitos nos epitélios, anticorpos nas superfícies epiteliais Células Células NK, fagócitos Linfócitos Proteínas do sangue Complementos Anticorpos Fonte: Abbas et al. (2008). 20 UNIDADE I │ IMUNOLOGIA Figura 2: Imunidade inata e adquirida. A imunidade natural fornece defesa inicial contra infecções por meio de barreiras epiteliais, fagócitos, células natural killer (NK) e o sistema complemento. As respostas adquiridas ocorrem depois com a ativação de linfócitos e seus produtos. Tempo após infecção Imunidade inata Imunidade adquirida Anticorpos Linfócitos B Linfócitos T Células T efetoras Micro-organismo Barreiras epiteliais Complemento Células NK Fagócitos Células dendríticas Dias Horas Fonte: Abbas et al. (2013). Um sistema integrado de defesa do hospedeiro é formado a partir das respostas imunológicas natural e adquirida, com células e moléculas funcionando em cooperação. A imunidade inata é o sistema de defesa mais antigo, enquanto o sistema imunológico adquirido evoluiu depois (ABBAS et al., 2008). 21 CAPÍTULO 3 Mecanismos de resposta da defesa inata A primeira linha de defesa contra os micro-organismos são a pele e as mucosas. Se os micro-organismos romperem essa barreira e entrarem no corpo, o sistema inato destruirá esses invasores. Devido aos componentes do sistema inato serem pré-formados e ativados, eles funcionam imediatamente após a entrada dos micro-organismos. A habilidade do ramo inato para matar micro-organismos não é específica. Por exemplo, um neutrófilo pode ingerir e destruir diferentes tipos de bactérias. Proteção altamente específica é fornecida pelo ramo adquirido do sistema imune. Os dois componentes do ramo adquirido são a imunidade mediada por células e a mediada por anticorpos (LEVINSON; JAWETZ, 2005). Os componentes do ramo inato e adquirido estão demonstrados no quadro 3. Quadro 3. Principais componentes da imunidade adquirida e inata que contribuem para a imunidade humoral (mediada por anticorpos) e celular. IMUNIDADE HUMORAL IMUNIDADE CELULAR Inata Neutrófilos/Complemento Macrófagos Células NK Adquirida Células B/Células plasmáticas Células T auxiliares Células T citotóxicas Fonte: Levinson e Jawetz (2005). Respostas imunes inatas O sistema imune natural ou inato é constituído por barreiras físicas, químicas e celulares. a. Barreiras físicas: mucosas e pele. b. Barreiras químicas: moléculas solúveis especializadas que possuem atividade antimicrobiana. c. Barreiras celulares: conjunto de células com capacidade de detectar, por meio de sensíveis receptores, os produtos dos micro-organismos e estimar o contra-ataque. 22 UNIDADE I │ IMUNOLOGIA A resposta à invasão de agentes microbianos que atravessaram a barreira inicial da pele e das mucosas é iniciada dentro de alguns minutos (KINDT et al., 2008). Um importante mecanismo de defesa natural é a ingestão de material extracelular particulado pela fagocitose. Fagocitose é um tipo de endocitose, termo geral que designa a entrada de material do ambiente para uma célula. Na fagocitose, o plasma da membrana celular se expande ao redor do material particulado, podendo incluir um micro-organismo patogênico inteiro. A maior parte dos processos de fagocitose é conduzida por células especializadas, como os monócitos presentes no sangue, os neutrófilos e os macrófagos presentes nos tecidos. A maior parte dos tipos celulares é capaz de realizar outros tipos de endocitose, como: a. endocitose mediada por receptores: moléculas extracelulares são internalizadas após se ligarem a receptores celulares específicos; e b. pinocitose: processo pelo qual as células absorvem fluidos do meio circundante com todas as moléculas nele contidas (KINDT et al., 2008). Vários fatores solúveis contribuem para a imunidade natural, entre eles as proteínas interferon, a proteína lisozima e os componentes do sistema complemento. A lisozima é capaz de clivar a camada de peptidoglicano da parede celular das bactérias. O interferon compreende um grupo de proteínas produzidas por células infectadas por vírus. Entre as diversas funções dos interferons está a habilidade de ligar-se perto das células e induzir um estado antiviral generalizado (KINDT et al.,2008). O complemento inclui um grupo de proteínas do soro que circula em um estado inativado. Uma variedade de mecanismos imunológicos específicos e não específicos pode converter as formas inativadas de proteínas complemento em um estado ativado com a capacidade de danificar as membranas de organismos patogênicos, até mesmo destruindo os patógenos ou facilitando a sua eliminação. O complemento ocupa uma posição que verdadeiramente transpõe os sistemas imunes natural e adquirido, em que certos componentes devem lidar diretamente com os patógenos, enquanto outros necessitam antes se ligar a anticorpos para ativar seu sistema efetor. Reações entre as moléculas do complemento ou entre fragmentos de moléculas do complemento e receptores celulares desencadeiam a ativação de células dos sistemas imunes natural e adquirido (KINDT et al., 2008). Muitas moléculas envolvidas na imunidade natural possuem a propriedade de reconhecimento de padrões, tendo a capacidade de reconhecer determinada classe de moléculas. Como certas classes de moléculas são exclusivas a alguns micróbios e não são encontradas em organismos multicelulares, a habilidade 23 IMUNOLOGIA │ UNIDADE I de reconhecer imediatamente e combater invasores exibindo tais moléculas é uma forte característica da imunidade natural. As moléculas com habilidade de reconhecimento de padrões podem ser solúveis, como as lisozimas e os componentes do complemento, ou podem estar associadas a receptores celulares, como aqueles designados como receptores semelhantes ao Toll (Toll- like receptors – TLRs) (KINDT et al., 2008). Os receptores do tipo Toll são proteínas integrais da membrana das células do sistema imunológico natural que funcionam quando dispostas aos pares. Alguns desses receptores são proteínas transmembranares, enquanto outros estão associados somente à face citoplasmática da membrana celular. Quase todos os receptores do tipo Toll induzem o fator nuclear-кB para iniciar uma sequência de respostas intracelulares que culmina na liberação de citocinas específicas. Os receptores tipo Toll também podem ativar a resposta inflamatória e começar uma resposta envolvendo os linfócitos T e B do sistema imunológico adquirido (GARTNER; HIATT, 2011). Outras moléculas como as proteínas de resposta da fase aguda (acute phase response proteins – proteínas APR), sendo elas componentes do sistema complemento e proteína C reativa, fazem parte da resposta imune natural para infecções. As citocinas pró-inflamatórias TNF-α, IL-1 e IL-6 são os maiores sinais responsáveis por induzir resposta de fase aguda. A produção dessas citocinas é uma das respostas precoces da fagocitose, e o aumento dos níveis de outras proteínas de fase aguda como o complemento contribui com a defesa de diversas maneiras. A lectina ligadora de manose é a proteína de fase aguda que reconhece a manose que contém o padrão molecular encontrado nos micróbios, mas não em células de vertebrados. A lectina ligadora de manose também direciona o ataque do complemento no micróbio ao qual se liga (KINDT et al., 2008). Sistema complemento O sistema complemento é o principal agente efetor do ramo humoral do sistema imune. Complemento é o nome dado a uma complexa série de proteínas que produzem uma resposta rápida e altamente amplificada a um estímulo de deflagração, mediada por um fenômeno em cascata, em que o produto de uma reação é o catalisador enzimático da reação seguinte (ROITT; DELVES, 2004). O surgimento dos componentes do complemento antes da síntese da IgM reflete o fato de que o complemento, junto com células fagocíticas, exerce uma função importante de proteção dos animais antes do desenvolvimento evolucionário de 24 UNIDADE I │ IMUNOLOGIA anticorpos, indicando, até certa extensão, que a ontogenia confirma a filogenia (ROITT et al., 1999). Embora a descoberta do sistema complemento e a maioria dos estudos iniciais estivessem ligadas à atividade do complemento após a ligação do anticorpo, o principal papel desse sistema é o reconhecimento e a destruição de patógenos com base no reconhecimento de padrões moleculares associados a patógenos (pathogen-associated molecular patterns – PAMPs) em vez da especificidade do anticorpo. Há três vias de ativação do complemento (Figura 3) que diferem pelas moléculas que iniciam os ciclos, mas convergem para a geração do mesmo grupo de proteínas efetoras do complemento. Há, também, três maneiras com que o sistema do complemento protege contra uma infecção (Figura 3): 1. proteínas do complemento se ligam ao patógeno, opsonizando-o; 2. proteínas do complemento atuam como quimioatraentes; 3. componentes finais da via causam lesões em certas bactérias, criando poros (MURPHY et al., 2010). Figura 3. Diagrama esquemático da cascata do complemento com os eventos iniciais de cada via. Existem três vias de ativação do complemento: via clássica, ativada pela ligação de C1q com anticorpos complexado ao antígeno; via da MB-lectina, ativada pela lectina ligadora de manose (MBL); e via alternativa, ativada sobre as superfícies dos patógenos. VIA CLÁSSICA Complexos antígeno:anticorpo (superfície dos patógenos) C1q, C1r, C1s C4 C2 VIA DA LECTINA Lectina ligadora de manose liga-se à manose na superfície de patógenos MBL ficolina, MASP-2 C4 C2 VIA ALTERNATIVA Superfície dos patógenos C3 B D Ativação do complemento Recrutamento das células inflamatórias; Opsonização dos patógenos; Morte dos patógenos. Fonte: Murphy et al. (2010). 25 IMUNOLOGIA │ UNIDADE I Além de eliminar um micro-organismo infeccioso, o complemento ativa o sistema adaptativo como consequência da opsonização, apresentando antígenos para esse sistema imune. Além disso, receptores dos linfócitos B atuam como coestimuladores, aumentando a resposta das células B (MURPHY et al., 2010). Organismos multicelulares primitivos não possuem componentes da imunidade adquirida, mas possuem proteínas relacionadas ao sistema complemento. Em contraste, interações dos receptores celulares com as proteínas do complemento podem dirigir as atividades das células B, que mostraram um papel para esse sistema no sistema imune altamente desenvolvido. Após a ativação inicial, os vários componentes do complemento interagem em uma cascata altamente regulada para desempenhar inúmeras funções básicas, incluindo: » lise das células, bactérias e vírus; » opsonização, que promove a fagocitose de antígenos particulados; » ligação a receptores específicos do complemento nas células do sistema imune, ativando funções celulares específicas, inflamação e secreção de moléculas imunorreguladoras; » eliminação imune, a qual remove complexos imunes da circulação (KINDT et al., 2008). É reconhecido atualmente o envolvimento do complemento na patogênese de várias doenças, e a deficiência do complemento garante determinada suscetibilidade a doenças infecciosas e autoimunes. Neste capítulo, tivemos uma breve apresentação sobre o sistema complemento, mas o assunto é muito extenso e merece aprofundamento. Algumas sugestões de tópicos a serem estudados: proteínas do sistema complemento, as vias do sistema complemento em detalhes, formação do completo de ataque à membrana (MAC), proteínas de controle do sistema complemento, receptores do complemento, doenças infecciosas e autoimunes geradas pela deficiência do complemento. 26 CAPÍTULO 4 Mecanismos de resposta da defesa adaptativa A imunidade adquirida, em que anticorpos e/ou linfócitos ativados atacam e destroem organismos invasores específicos ou toxinas, em geral, confere proteção extrema. Existem dois tipos de respostas imunológicas adquiridas: » imunidade humoral; » imunidade celular. Essas respostas são mediadas por diferentes componentes do sistema imunológico, com função de eliminar os diversos tipos de micro-organismos (ABBAS et al., 2008). Esses dois tipos estão representados esquematicamentena Figura 4. Figura 4. Tipos de imunidade adquirida: humoral, com linfócitos B secretando anticorpos, e celular, com linfócitos T auxiliares ativando macrófagos. FUNÇÕES MECANISMOS EFETORES LINFÓCITOS REPONSIVOS MICRO-ORGANISMO IMUNIDADE HUMORAL IMUNIDADE MEDIADA POR CÉLULA Bloqueio das infecções e eliminação dos micro- organismos extracelulares Eliminação dos micro- organismos fagocitados Morte das células infectadas e eliminação dos reservatórios da infecção Extracelulares Célula infectada morta Fagocitados nos macrófagos Intracelulares (exemplo vírus), replicando na célula infectada Linfócitos B Linfócitos T auxiliares Linfócitos T citotóxicos Anticorpos secretados Macrófagos ativados Fonte: Abbas et al. (2013). 27 IMUNOLOGIA │ UNIDADE I a. Imunidade humoral: mecanismo de defesa contra micro-organismos extracelulares e possíveis toxinas, sendo mediado por anticorpos especializados que são produzidos pelos linfócitos B (ou células B). Por exemplo, alguns anticorpos promovem a ingestão de micro-organismos pelas células do hospedeiro (fagocitose), mas outros estimulam a liberação de mediadores da inflamação das células. b. Imunidade celular: mecanismo de destruição dos micro-organismos intracelulares, como vírus e bactérias, localizados em fagócitos, ou de destruição de células infectadas para eliminar os reservatórios da infecção. Tal mecanismo é mediado por linfócitos T (ou células T) (ABBAS et al., 2008). Em síntese, as respostas adaptativas são feitas por leucócitos chamados linfócitos, sendo mediadas por anticorpos e células T (figura 5). Figura 5. Respostas adaptativas a uma infecção viral. Células B secretam anticorpos que neutralizam os vírus, ou células T matam as células infectadas por esses organismos. Vírus Célula infectada com vírus RESPOSTAS IMUNES + VÍRUS Resposta do anticorpo Resposta mediada por célula T Célula B Célula T Anticorpo Célula morta Fonte: Alberts et al. (2011). 28 UNIDADE I │ IMUNOLOGIA Principais características da resposta imunológica adquirida As respostas imunológicas humorais e celulares a antígenos estranhos possuem propriedades fundamentais que refletem nas características dos linfócitos, intermediários dessas respostas (ABBAS et al., 2008). Tais características são apresentadas no Quadro 4. Quadro 4. Principais características das respostas imunes adquiridas. CARACTERÍSTICA SIGNIFICADO FUNCIONAL Especificidade Antígenos distintos geram respostas específicas Diversidade Sistema imunológico pode responder a uma variedade de antígenos Memória Respostas intensificadas à exposição ao mesmo antígeno Expansão clonal Aumento do número de linfócitos antígeno-específicos Especialização Respostas corretas para a defesa contra diversos micróbios Contração e homeostasia Resposta a novos antígenos encontrados Tolerância aos próprios antígenos Não ocorre lesão do hospedeiro durante respostas a antígenos estranhos Fonte: Abbas et al. (2008). Especificidade e diversidade As respostas imunológicas são específicas para cada antígeno ou porções de uma proteína complexa (Figura 6), sendo que os linfócitos expressam em sua superfície receptores de membrana que reconhecem partes de um antígeno, chamado de determinantes ou epítopos (ABBAS et al., 2008). 29 IMUNOLOGIA │ UNIDADE I Figura 6. Especificidade, memória e autolimitação das respostas imunes adquiridas. Os antígenos X e Y estimulam a produção específica de anticorpos. A resposta secundária ao antígeno X é maior (memória). Os níveis de anticorpos diminuem com o passar do tempo (autolimitação). Semanas Antígeno X + Y Antígeno X Células B de memória Células B virgens Células B memória Resposta anti-X primária Resposta anti-Y primária Resposta anti-X secundária A nt ic or p o s n o s or Plasmócito Células B memória Plasmócito Plasmócito Fonte: Abbas e Lichtman (2007). Memória Após exposição a um antígeno específico, o sistema imune aumenta a sua habilidade de responder novamente àquele antígeno, chamada de respostas imunológicas secundárias, que tendem a ser mais rápidas e de maior intensidade que a primeira exposição (Figura 6). A memória imunológica ocorre parcialmente a cada exposição a um antígeno, havendo então expansão do clone de linfócitos específicos para aquele antígeno (ABBAS et al., 2008). Expansão clonal Como dito anteriormente, após exposição ao antígeno, ocorre proliferação dos linfócitos, e mais células expressam receptores idênticos para o antígeno (clone), processo chamado de expansão clonal. Células antígeno-específicas permitem que a resposta imune adquirida se mantenha atualizada (ABBAS et al., 2008). Especialização O sistema imunológico é eficiente nos mecanismos de defesa antimicrobianos, sendo capaz de distinguir entre os diferentes micro-organismos. As respostas da imunidade humoral e celular são desencadeadas por várias classes de micro-organismos ou pelo mesmo micro-organismo em diferentes estágios de infecção (extracelular e 30 UNIDADE I │ IMUNOLOGIA intracelular). Cada resposta em particular protege o hospedeiro contra aquela classe de micro-organismo (ABBAS et al., 2008). Autolimitação e homeostasia Após infecção e controle desta, as respostas imunológicas vão diminuindo, fazendo com que o sistema imunológico retorne ao seu estado basal, processo chamado de homeostasia (Figura 6). Essa manutenção da homeostasia ocorre porque, após eliminação da infecção, os linfócitos não são mais ativados, e aqueles que foram usados morrem por apoptose (ABBAS et al., 2008). Tolerância a antígenos próprios O sistema imunológico é capaz de reconhecer muitos antígenos estranhos (não próprios), responder a eles e eliminá-los, e isso ocorre sem desenvolver uma reação às substâncias antigênicas do hospedeiro (próprias). Essa tolerância a antígenos próprios (autotolerância) é regulada pelos mecanismos: » capacidade de eliminar linfócitos que expressam receptores específicos para antígenos próprios; » permissão para que os linfócitos encontrem outros antígenos próprios em situações de desativação funcional ou morte dos linfócitos autorreativos. Anormalidades na autotolerância conduzem a respostas imunológicas contra antígenos próprios, causando as doenças autoimunes (ABBAS et al., 2008). Em síntese, as características da imunidade adquirida são importantes para que o sistema imune desenvolva sua função normal: a. especificidade e memória geram respostas acentuadas em casos de estimulação persistente ou recorrente; b. diversidade é essencial para defender os indivíduos contra os vários patógenos; c. especialização permite que o hospedeiro combata melhor os diferentes tipos de micro-organismos; d. autolimitação permite que o sistema retorne a um estado de repouso após eliminar o antígeno estranho; e. autotolerância é a prevenção de reações contra as suas próprias células e tecidos (ABBAS et al., 2008). 31 IMUNOLOGIA │ UNIDADE I Fases da resposta imunológica adquirida O sistema da imunidade adquirida possui três estratégias para combater os micróbios: » anticorpos: bloqueiam a capacidade dos micróbios extracelulares de infectar células do hospedeiro e promovem sua ingestão; » fagócitos: ingerem os micróbios e os destroem; » células T citolíticas ou citotóxicos (CTLs): destroem as células infectadas por micróbios (ABBAS et al., 2008). A resposta adquirida tem por objetivo ativar um ou mais desses mecanismos de defesa contra diversos micróbios, e tais respostas se desenvolvem por etapas (ABBAS et al., 2008). As respostas imunológicas consistem em fases sequenciais: reconhecimento do antígeno, ativação dos linfócitos, eliminação do antígeno (fase efetora), declínio (homeostasia) e memória, exemplificados na figura 7. Figura 7. As fases da resposta imunológica adquirida que se aplicam à imunidade humoral e celular. Célula apresentadora de antígenosFase de reconhecimento do antígeno Fase de ativação do linfócito Fase eliminação do antígeno Declínio (homeostasia) Memória Células de memória sobreviventes APOPTOSE ELIMINAÇÃO ANTÍGENOS DIFERENCIAÇÃO EXPANSÃO CLONAL Linfócito T virgem Linfócito B virgem Dias após exposição ao antígeno Linfócito T efetor Produção anticorpos IMUNIDADE HUMORAL IMUNIDADE CELULAR Fonte: Abbas e Lichtman (2007). 32 UNIDADE I │ IMUNOLOGIA Captura e apresentação dos antígenos microbianos Células dendríticas têm a capacidade de capturar os micróbios, digerir suas proteínas e expressar, na sua superfície, peptídeos ligados a moléculas MHC, sendo essas moléculas especializadas na apresentação de peptídeos. Reconhecimento dos antígenos pelos linfócitos Quando um antígeno entra no organismo, os linfócitos são ativados. A ativação dos linfócitos T naïves (virgens) precisa do reconhecimento de complexos peptídeo-MHC apresentados nas células dendríticas. Os linfócitos B usam seus receptores a antígenos (moléculas de anticorpo ligadas à membrana) para reconhecer antígenos (ABBAS et al., 2008). Ativação dos linfócitos Na fase de ativação, os clones de linfócitos que encontraram antígenos passam por divisões celulares rápidas, gerando linfócitos efetores: » Linfócitos B: diferenciam-se em células efetoras que secretam anticorpos; » Linfócitos T: diferenciam-se em células que destroem células infectadas do hospedeiro (ABBAS; LICHTMAN, 2007). Eliminação do antígeno e memória As células efetoras e os seus produtos eliminam o patógeno, geralmente em conjunto com componentes do sistema imunológico inato. Quando a infecção é eliminada, o estímulo para a ativação dos linfócitos é eliminado. Assim, as células que foram ativadas pelos antígenos morrem (morte celular ou apoptose). Essas células mortas são retiradas pelos fagócitos sem desencadear uma reação danosa. As células que ficam nos organismos são os linfócitos de memória de longa duração, que podem sobreviver anos após infecção, e dessa maneira a homeostasia é restaurada (ABBAS; LICHTMAN, 2007; ABBAS et al., 2008). 33 CAPÍTULO 5 Imunoprofilaxia Imunoprofilaxia ou imunização são processos de prevenção os quais se utilizam de ativações do sistema imune. A imunidade contra um micro-organismo pode ser induzida pela resposta do hospedeiro a ele ou pela transferência de anticorpos ou de linfócitos específicos para o micro-organismo (figura 8). Figura 8. Imunidade ativa e passiva. Ambas conferem resistência a infecções, porém somente as respostas ativas geram memória imunológica. Imunidade ativa Imunidade passiva Antígeno – vacina ou infecção Exposição à infecção Recuperação (imunidade) Recuperação (imunidade) Exposição à infecção Soro (anticorpos) ou células (linfócitos T) de animal imune Transferência para animal sem imunidade Dias ou semanas Fonte: Abbas et al. (2008). A imunização ativa ocorre quando há produção de anticorpos próprios pelo organismo, de modo natural ou artificial. a. Imunização ativa natural: por meio de infecções, em que a própria doença desencadeia respostas imunes. b. Imunização ativa artificial: por meio de vacinas. Um indivíduo também pode se tornar imune pela transferência de plasma ou linfócitos de um indivíduo imunizado, processo chamado de transferência adotiva em situações experimentais. Nesse tipo de imunidade, chamada de imunidade passiva, ocorre resistência rápida (ABBAS et al., 2008). Portanto, a imunização passiva ocorre pelo recebimento de anticorpos prontos, de modo natural ou artificial. 34 UNIDADE I │ IMUNOLOGIA c. Imunização passiva natural: por meio da transferência de anticorpos maternos para o feto, pela placenta e pelo aleitamento. d. Imunização passiva artificial: por meio da administração de soros. A imunização passiva contra toxinas é um tratamento que pode salvar vidas no caso de infecções potencialmente letais. Emil Von Behring e Shibasaburo Kitasato, em 1890, demonstraram que o plasma de animais que haviam se recuperado de difteria poderia ser transferido para animais que não tiveram a infecção, e assim os animais receptores se tornariam resistentes à infecção pela difteria (ABBAS et al., 2008). Na prática clínica, a imunidade a um micro-organismo com o qual se teve contato anteriormente é medida de modo indireto: » ensaios para detectar a presença de produtos da resposta imunológica, como anticorpos plasmáticos; » administrando-se substâncias purificadas derivadas do micro-organismo e medindo-se as reações a essas substâncias (ABBAS et al., 2008). » Imunização passiva: › tempo de resposta curta; › não desenvolve memória; › usada para tratamento. » Imunização ativa: › tempo de resposta longa; › desenvolve memória; › usada para prevenção. Vacinação A vacinação dos animais é baseada em conceitos científicos e no entendimento dos agentes relacionados à geração de doenças. Esse conceito foi estudado e introduzido por Louis Pasteur na tentativa de combater uma série de enfermidades como a raiva, o carbúnculo hemático, a erisipela suína, a cólera aviária, entre outros. Os resultados obtidos após vacinação no caso da raiva dos cães tornaram esse exemplo 35 IMUNOLOGIA │ UNIDADE I o mais representativo do sucesso da técnica, bem como da capacidade de Pasteur. O sucesso no controle da raiva em cães propiciou o desenvolvimento de novas tecnologias para a produção de vacinas, permitindo o controle de diversas doenças infecciosas dos animais que não possuíam cura. Assim, a vacinação se tornou um instrumento importante no combate às enfermidades e amplamente divulgado entre a população (AMARO et al., 2016). Não existe nenhum protocolo vacinal que seja ideal a todos os animais. As vacinas devem ser analisadas e recomendadas para cada paciente, assim como outras intervenções médicas, considerando seu estilo de vida, benefícios e riscos envolvidos. O sucesso dos programas vacinais e a descoberta de novas vacinas devem ser avaliados, assim como a busca pela maior resistência dos animais e menor desafio no ambiente. Esses dois fatores citados anteriormente, associados ao estudo dos reservatórios selvagens, podem exigir protocolos e produtos diferenciados, culminando com o sucesso desse segmento na prática veterinária (AMARO et al., 2016). A vacinação tem por objetivos a proteção do indivíduo contra determinada infecção, bloqueio da transmissão ou prevenção dos sintomas de determinada doença. Para definir melhor o esquema de vacinação, alguns fatores devem ser verificados: » vacina; » enfermidade; » hospedeiro. As vacinas existentes hoje podem ser classificadas em duas classes principais: » vacinas replicativas – o antígeno vivo está na forma atenuada ou vetorizada. Exemplos: brucelose (bovinos), cinomose, IBR (bovino), erisipela (suínos) e doença de Marek (aves); » vacinas não replicativas – podem ser compostas por micro-organismos inativados, por frações ou proteínas extraídas, por proteínas virais recombinantes, por peptídeos sintéticos e por DNA ou RNA que codifica a proteína de interesse. Exemplos: raiva, febre aftosa, leptospirose. O sistema imune do animal pode responder de diferentes formas a cada classe de vacinas. As não replicativas são consideradas mais seguras, uma vez que não há riscos de o agente vacinal voltar à sua forma patogênica, pois ele está morto ou 36 UNIDADE I │ IMUNOLOGIA em frações. As vacinas não replicativas proteicas têm a função de gerar memória, e ocorre produção de anticorpos em resposta à reexposição ao agente presente. Já as vacinas replicativas induzem as respostas humoral e celular citotóxica (AMARO et al., 2016). Existe a necessidade de uma dose de reforço para ambos os tipos de vacinas, uma vez que, na primeira aplicação, a produção de anticorpos geralmente não é suficiente, sendo que, na segunda aplicação, a produção de anticorpos será maior e mais rápida, gerando memóriaimunológica (AMARO et al., 2016). 37 UNIDADE IIBIOLOGIA MOLECULAR A Biologia Molecular estuda as bases moleculares das atividades biológicas entre as biomoléculas que compõem uma célula, focando principalmente os ácidos nucleicos (DNAs e RNAs), proteínas e sua biossíntese, bem como a regulação dessas interações. Essa área traz frequentemente técnicas e ideias combinadas com a microbiologia, a biologia celular, a bioquímica, a química, a genética, a biofísica e mais atualmente a bioinformática e a biologia computacional, além dos componentes bioéticos quando algumas técnicas são colocadas em prática. Portanto, a biologia molecular é uma área nova, com diversas aplicações que possibilitaram grandes avanços nos últimos anos. Com isso, seremos incapazes de estudar todas as definições, componentes biológicos, interações, regulações e técnicas que essa área possui. Por isso, aconselho sempre a se aprofundar nos tópicos mais relevantes para a sua carreira, sendo este material um guia de consulta. 38 CAPÍTULO 1 Princípios básicos da biologia molecular e suas aplicações na medicina veterinária A biologia molecular como conhecemos tornou-se uma ciência a partir da descoberta do DNA. Um breve histórico sobre os acontecimentos aponta que, em 1869, Johann F. Miescher estudou o núcleo de glóbulos brancos apontando para a existência de uma nucleína rica em fosfato e nitrogênio. Em 1880, Albrecht Kossel afirmou que a nucleína tinha bases nitrogenadas, e, em 1889, Richard Altmann mostrou que a nucleína tinha natureza ácida. Em 1912, Phoebus Levine e Walter Jacobs estudaram a estrutura dos nucleotídeos. Em 1943, Oswald Avery provou que o DNA carregava informação genética. Em 1948, Linus Pauling descobriu que muitas proteínas tinham a forma de uma hélice alfa e espiralada. Em 1950, Erwin Chargaff descobriu que o arranjo das bases nitrogenadas no DNA variava muito, mas a quantidade de certas bases sempre ocorria em uma proporção de um para um. A partir disso, no início dos anos 50, começou uma corrida para descobrir a estrutura do DNA: » Universidade de Cambridge (Inglaterra) – Francis Crick e James Watson se impressionaram com o trabalho de Pauling e se interessaram pelo assunto. Eles trabalhavam com modelos físicos para criar uma figura da molécula; » King´s College of London (Inglaterra) – Maurice Wilkins e Rosalind Franklin também estudavam o DNA, trabalhando com abordagens experimentais, buscando imagens de difração de raio-X do DNA. Franklin, trabalhando praticamente sozinha, descobriu, por meio das fotografias de difração de raios-X, que a forma do DNA tinha todas as características de uma hélice. Ela suspeitava que todo o DNA fosse uma hélice, mas não quis anunciar sua descoberta até que tivesse evidência suficiente sobre a outra forma também. Nessa época, seu relacionamento profissional com Wilkins era delicado, e ele se sentia frustrado. Em 1953, Wilkins mostrou a Watson, sem o consentimento de Franklin, uma fotografia muito boa que ela havia tirado de seus experimentos com raio-X. Após ver a imagem, teve uma ideia. Watson e Crick começaram então a montar um modelo de molécula de DNA constituída de duas cadeias de nucleotídeos, cada 39 BIOLOGIA MOLECULAR │ UNIDADE II um em uma hélice (como Franklin havia descoberto), porém uma numa direção e a outra na direção oposta. Crick acabara de conhecer as descobertas de Chargaff sobre os pares de bases em 1952. Acrescentou essa informação ao modelo, de forma que o pareamento das bases se entrecruzava no meio da dupla hélice para manter a distância entre as cadeias constante. Watson e Crick mostraram que cada fita da molécula de DNA era um molde para a outra. Durante a divisão celular, as duas fitas se separam, e cada fita “constrói” a outra metade. Dessa forma, o DNA pode ser replicado sem alterar sua estrutura – a não ser em casos de mutações, por exemplo. Em 1953, Crick e Watson publicaram a estrutura do DNA na revista Nature. Para discutirmos as moléculas, mecanismos e técnicas que envolvem a Biologia Molecular, primeiramente precisamos definir alguns conceitos: a. ácidos nucleicos: macromoléculas formadas por cadeias de nucleotídeos unidos por ligações fosfodiéster, especializadas no armazenamento, na transmissão e no uso da informação genética. Existem dois tipos de ácidos nucleicos: DNA (ácido desoxirribonucleico) e RNA (ácido ribonucleico); b. nucleotídeos: nucleosídeos com um ou mais grupos fosfato, com ligações éster à molécula de açúcar. DNA e RNA são polímeros de nucleotídeos; c. DNA (ácido desoxirribonucleico): polinucleotídeo formado por desoxirribonucleotídeos ligados covalentemente, servindo como armazenamento da informação hereditária e carreador dessa informação para outras gerações; d. gene: região do DNA transcrita que carrega informações sobre uma característica hereditária particular, geralmente corresponde a um único RNA ou (conjunto de RNAs relacionados) ou a uma única proteína (ou conjunto de proteínas relacionadas); e. cromossomo: molécula de DNA muito longa com proteínas associadas, de forma a conter toda ou parte da informação genética de um organismo; f. RNA (ácido ribonucleico): monômeros de ribonucleotídeos ligados covalentemente; g. proteína: polímero linear de aminoácidos ligados por ligações peptídicas em uma sequência específica. É o principal componente macromolecular das células. Algumas proteínas são denominadas enzimas ou catalisadoras biológicas, pois facilitam/aceleram reações bioquímicas; 40 UNIDADE II │ BIOLOGIA MOLECULAR a. vias metabólicas: interação de proteínas para processos bioquímicos que ocorrem em uma célula; b. fenótipo: as vias metabólicas influenciadas pelo ambiente e por processos biológicos internos geram as diferentes características/carácter observável nas espécies (figura 9) (ALBERTS et al., 2011). Mais detalhes desses conceitos serão vistos nos próximos capítulos. Figura 9: Fluxo da informação genética até a apresentação do fenótipo. DNA RNA Proteína Vias Metabólicas Fenótipo Organismo Fonte: autoria própria, 2019. Na Medicina Veterinária, a Biologia Molecular tem uma série de funções, sendo usada: » na genética de resistência a doenças; » no diagnóstico de doenças parasitárias e infecciosas; » no desenvolvimento de proteínas terapêuticas; » no desenvolvimento de vacinas; » terapia gênica; » na genotipagem de patógenos; » na reprodução animal: inseminação artificial; sexagem de sêmen; embriões ou fetos; transferência e criopreservação de embriões; teste de paternidade (análise do patrimônio genético da progênie) e outros. Algumas técnicas de Biologia Molecular aplicadas à Medicina Veterinária: » PCR e eletroforese de DNA; » Southern blot; » digestão de DNA; 41 BIOLOGIA MOLECULAR │ UNIDADE II » eletroforese de proteínas; » Western blot; » imunoprecipitação de proteínas; » clonagem gênica; » sequenciamento de DNA; » PCR em tempo real; » e muitas outras. 42 CAPÍTULO 2 Dogma central da biologia molecular e suas principais macromoléculas Dogma Central O dogma central da biologia molecular, proposto por Francis Crick em 1958 e publicado ou reafirmado em artigo na revista Nature em 1970, consiste em explicar como as informações contidas no DNA podem ser transmitidas dentro da célula, ilustrando os mecanismos de transmissão e expressão da hereditariedade. Em síntese, o fluxo da informação genética, de uma maneira bem simples, ocorre da seguinte forma: DNA – RNA – Proteína. Acreditava-se que o fluxo da informação genética era unidirecional, mas esse conceito foi revisto após a descoberta da transcrição reversa. Vejamos: a. o DNA pode produzir outra molécula de DNA idêntica à original pelo processo de Replicação ou Replicação do DNA; b. o DNA promove a produção de RNA pelo processo de Transcrição; c. RNA codifica a produção de proteínas pelo processo denominado Tradução; d. o processo de replicaçãodo RNA também é observado em alguns vírus (retrovírus) que utilizam uma RNA replicase; e. a enzima transcriptase reversa é capaz de sintetizar DNA a partir da molécula de RNA, processo chamado de Transcrição Reversa. Esse processo acontece principalmente em vírus; f. por fim, já foi demonstrado em situação experimental que DNA pode produzir diretamente proteína, processo chamado de Tradução Direta (Figura 10). Finalmente, é possível observar que uma proteína é formada a partir de ácidos nucleicos, mas um ácido nucleico ou uma fita contendo ácidos nucleicos não podem ser formados a partir de uma proteína (CRICK, 1970). 43 BIOLOGIA MOLECULAR │ UNIDADE II Figura 10: Dogma Central da Biologia Molecular. Setas em preto representam o fluxo geral da informação genética. As setas em vermelho indicam casos especiais de transferência da informação genética presentes em vírus. Por fim, a seta em verde, proposta por Crick como no caso especial de transferência do fluxo genético, pode ocorrer em laboratório (sistema in vitro). DNA RNA Proteína TRANSCRIÇÃO TRADUÇÃO REPLICAÇÃO DO DNA REPLICAÇÃO DO RNA TRANSCRIÇÃO REVERSA DNA – PROTEINA (Tradução direta) Fonte: Crick (1970). Macromoléculas biológicas Agora apresentaremos as principais macromoléculas biológicas estudadas na biologia molecular, fazendo um passo a passo dos componentes, ligações e reações existentes, apontando para a função biológica. Comecemos pelos nucleosídeos, que são formados pela base nitrogenada + açúcar, e os nucleotídeos, constituídos da base nitrogenada + açúcar + fosfato (Figura 11). Lembrando que os nucleotídeos são as subunidades dos ácidos nucleicos. Figura 11: Nucleosídeo, à esquerda, e nucleotídeo, à direita. Base Açúcar P Base Açúcar Fonte: Alberts et al. (2011). As bases nitrogenadas são compostos que contêm anéis heterocíclicos de carbono e nitrogênio, tanto pirimidinas quanto purinas. 44 UNIDADE II │ BIOLOGIA MOLECULAR » Purinas: adenina [A] e guanina [G]. Constituídas de dois anéis fundidos de 5 e 6 átomos. » Pirimidinas: timina [T], citosina [C] e uracila [U]. Possuem um único anel de 6 átomos (figura 12). Apenas quatro tipos diferentes de bases são encontrados em um polímero de ácido nucleico: nos DNAs encontramos as bases A, G, C, e T, enquanto nos RNAs A, G, C, e U. Uracila e Timina são moléculas parecidas, mas diferem pelo grupo metila do átomo C5. Figura 12. Bases nitrogenadas. Adenina Guanina Purina Pirimidina Citosina Uracila Timina Fonte: adaptado de Voet et al. (2013). O açúcar é formado por 5 carbonos (pentose) e são de dois tipos: β-D-ribose, usada no ácido ribonucleico (RNA), e β-D-2-desoxirribose, usada no ácido desoxirribonucleico (DNA) (Figura 13). Elas se diferem pela presença ou ausência do grupo hidroxila no C2’ da pentose. Os fosfatos normalmente são ligados no C5 hidroxila da ribose ou da desoxirribose. O fosfato faz com que o nucleotídeo seja carregado negativamente. 45 BIOLOGIA MOLECULAR │ UNIDADE II Figura 13. Ribose, à esquerda, e desoxirribose, à direita. Fonte: Voet et al. (2013). Os nucleotídeos são ligados entre si por fosfodiéster entre os átomos de carbono 5’ e 3’, formando os ácidos nucleicos. A sequência de nucleotídeos normalmente é abreviada por um código de uma letra, por exemplo A-T- G-C-T-T-A-C-A, no caso de DNA, e U-G-C-A-A-U-C, no caso de RNA, com extremidade 5’ colocada à esquerda (figura 14). Figura 14. Nucleotídeos ligados entre si. Molécula de DNA, à esquerda, e de RNA, à direita. DNA RNA Fonte: Nelson e Cox (2008). A molécula de DNA é formada normalmente por uma longa hélice dupla cujas cadeias são unidas por pontes de hidrogênio entre purinas e pirimidinas complementares. Adenina sempre pareia com timina (ligação com duas pontes de hidrogênio), e guanina com citosina (ligação com três pontes de hidrogênio) (figura 15). É uma molécula 46 UNIDADE II │ BIOLOGIA MOLECULAR estável e com regularidade estrutural (figura 16, à direita). Já os RNAs normalmente são moléculas de fita única (figura 16, à esquerda), constituídos de ribose, sendo mais reativos, flexíveis e menores que os DNAs. Figura 15. Ligação A-T e C-G. Citosina Guanina Adenina Timina Fonte: Voet et al. (2013). Figura 16. Estrutura do RNA, à esquerda, e do DNA, à direita. Nucleotídeos Par de base Hélice de açúcar-fosfato RNA DNA Fonte: adaptado de Jefferson (2018). 47 CAPÍTULO 3 Organização da informação: genes, cromossomos e genoma Genes A vida depende da capacidade da célula de armazenar e traduzir informações genéticas necessárias. Essas informações são passadas de uma célula para sua célula-filha e armazenadas nos genes. Portanto, o DNA contém uma sequência linear de nucleotídeos (gene específico) que corresponderá à sequência linear de aminoácidos em uma proteína (Figura 17). Em eucarioto, o DNA é localizado no núcleo celular, podendo ocupar cerca de 10% do volume celular total. Já os procariotos possuem DNA circular, que está localizado junto ao citoplasma cercado pela membrana celular (não têm compartimentos celulares separados, como o núcleo). Um gene é definido como um segmento de DNA que contém as informações necessárias para se produzir uma proteína (ou proteínas relacionadas). Mas alguns genes produzem RNA em vez de proteínas como produto final, sendo que esses RNAs desempenham funções estruturais e catalíticas (ALBERTS et al., 2011). Figura 17. Correlação entre a informação genética contida no DNA e as proteínas. Gene A Gene B Gene C Expressão gênica Proteína A Proteína B Proteína C Dupla fita de DNA Fonte: Alberts et al. (2011). Cromossomos Nos eucariotos, o DNA nuclear se divide em vários cromossomos, cada qual com uma única e enorme molécula de DNA linear com proteínas associadas. O complexo 48 UNIDADE II │ BIOLOGIA MOLECULAR DNA + proteínas é denominado cromatina. O cromossomo também está associado a proteínas e moléculas de RNA necessárias para a expressão gênica, replicação e reparo do DNA. Em bactérias, os genes estão em uma única molécula de DNA, normalmente circular. O DNA está associado a proteínas que empacotam e condensam o DNA, mas a estrutura do “cromossomo” bacteriano é completamente diferente dos cromossomos eucarióticos e também se sabe pouco sobre o processo de empacotamento. Os cromossomos carregam os genes, e existe uma correlação entre a complexidade de um organismo e o número de genes. Por exemplo, algumas bactérias têm 500 genes, enquanto humanos têm 25 mil genes. O número e como os cromossomos são divididos diferem de uma espécie para outra. Humanos têm 46 cromossomos; uma espécie de cervo pequeno tem 6 cromossomos, e uma espécie de carpa tem mais de 100 cromossomos. Mesmo espécies relacionadas podem ter números e tamanhos de cromossomos distintos (Figura 18). Não existe correlação entre número de cromossomos e a complexidade da espécie. Estudos com leveduras, que possuem cromossomos relativamente pequenos e fáceis de manipular, revelaram três tipos de sequências nucleotídicas especializadas no DNA, responsáveis pela replicação (ALBERTS et al., 2011): » origens de replicação do DNA; » centrômero; » telômeros. Figura 18. Duas espécies de cervos relacionados, mas com diferentes números de cromossomos. As duas espécies possuem quase o mesmo número de genes. Os cromossomos do cervo chinês se fundiram sem causar efeitos nos animais. Cervo chinês à esquerda e cervo indiano à direita. Fonte: Alberts et al. (2011). 49 BIOLOGIA MOLECULAR │ UNIDADE II Genomas O genoma é a informação genética total de uma célula ou de um organismo em particular; a informação mantida no DNA. Geralmente, as sequências dos genes são mais conservadas do que a estrutura do genoma total. Existem grandes diferenças entre os genomas de espécies vivas. Por exemplo, as diferenças entre os genomas de humanos e de galinhassão devido às múltiplas mutações (ALBERTS et al., 2011). Os tamanhos de alguns genomas são (VOET et al., 2013): » Haemophilus influenzae – 1 cromossomo, genoma de 1.830 kilobases (1 kb = 1000 pares de nucleotídeos); » Saccharomyces cerevisiae – 16 cromossomos, genoma de 12.070 kb; » Arabidopsis thaliana – 5 cromossomos, genoma de 119.200 kb; » Zebra fish – 25 cromossomos, genoma de 1.700.000 kb; » Galinha – 40 cromossomos, genoma de 1.200.000 kb; » Camundongo – 20 cromossomos, genoma de 2.500.000 kb; » Homem – 23 cromossomos, genoma de 3.038.000 kb. Em eucariotos, uma característica interessante é que apenas uma parte pequena do genoma codifica proteínas. Além disso, no gene, existem partes codificantes (éxons) e não codificantes (íntrons), sendo a maior parte formada por íntrons. A maioria dos genes de organismos com genoma compacto não possui íntrons. Por fim, cada gene está associado a sequências de DNA reguladoras, que asseguram que cada gene seja ativado e desativado no devido tempo (figura 19) (ALBERTS et al., 2011). 50 UNIDADE II │ BIOLOGIA MOLECULAR Figura 19. Organização dos genes em um cromossomo humano. Cromossomo 22 humano Duas moléculas de DNA 10% do braço do cromossomo com ~40 genes 1% do cromossomo contendo 4 genes Expressão gênica Proteína Fonte: adaptado de Alberts et al. (2011). 51 CAPÍTULO 4 Replicação, transcrição e tradução Replicação Na replicação do DNA ocorre a autoduplicação do material genético a fim de manter o padrão de herança ao longo das gerações. Tal processo deve ocorrer com extrema precisão antes de a célula produzir duas células-filhas geneticamente iguais. Nesse processo deve ocorrer a separação das duas fitas da hélice de DNA, permitindo pareamento com o nucleotídeo livre a ser incorporado. A enzima que polimeriza DNA é a DNA polimerase, e os nucleotídeos livres servem como substrato para essa enzima. Na reação, cada uma das fitas originais atua como molde para a formação de uma fita inteiramente nova. Dessa maneira, diz-se que a replicação é semiconservativa (Figura 20) (ALBERTS et al., 2011). Figura 20. Replicação semiconservativa. Fita velha Fita velha Fita velha Fita velha Fita nova Fita nova Fonte: Voet et al. (2013). 52 UNIDADE II │ BIOLOGIA MOLECULAR Na abertura da fita de DNA, forma-se uma estrutura com forma de “Y”, chamada de forquilha de replicação. Na forquilha, complexo multienzimático contendo DNA-polimerase, ocorre a síntese das duas novas fitas. As fitas de DNA têm orientação antiparalela, e seria necessário que uma fita fosse sintetizada na direção 5’-3’ e outra na direção 3’-5’, mas isso não ocorre, uma vez que as DNA-polimerases sintetizam apenas na direção 5’-3’. Nesse caso, uma das fitas (fita-líder ou fita contínua) é sintetizada continuamente, enquanto que a outra fita (fita retardada ou descontínua) é sintetizada de modo descontínuo por meio de uma série de pequenas moléculas de DNA (fragmentos de Okasaki) que permitem a síntese da sequência de DNA (figura 21) (ALBERTS et al., 2011). A dupla fita de DNA é estável sob condições normais, sendo necessária a atuação da proteína DNA-helicase e das proteínas ligadoras de DNA de fita simples (SSB, single strand DNA-binding) para abertura da dupla- hélice. A DNA-ligase tem por objetivo ligar os fragmentos descontínuos de DNA formados na fita descontínua, e as DNAs-topoisomerases aliviam a tensão causada pelo enrolamento helicoidal do DNA (ALBERTS et al. , 2011). Figura 21. Estrutura de uma forquilha de replicação de DNA. Fita líder Fita retardada com os fragmentos de Okasaki Fitas parental Fonte: Voet et al. (2013). Transcrição De 1954 a 1966, muita discussão e experimentos foram feitos para elucidar a síntese de proteína a partir do DNA. Já se sabia da existência de uma molécula que poderia estabelecer a complementaridade entre as bases dos ácidos nucleicos e os aminoácidos das proteínas, e essa ideia era pautada na existência da molécula de RNA como intermediária. Uma molécula longa de DNA pode ser copiada sob a forma de RNA, em um processo chamado transcrição. Portanto as cópias de RNA de segmentos de DNA são usadas diretamente como moldes para direcionar a síntese proteica. 53 BIOLOGIA MOLECULAR │ UNIDADE II Utilizando a técnica de hibridização, em 1961, Hall e Spiegelman demonstraram que o DNA era molde para a síntese de moléculas instáveis de RNA e que havia uma correlação entre o aumento de RNA instável e síntese proteica. Assim, muitas cópias idênticas de RNA podem ser produzidas a partir de um mesmo gene, e estas podem direcionar a síntese de várias moléculas idênticas de proteína. Entretanto, cada gene pode ser transcrito sob diferentes taxas, permitindo maior ou menor quantidade proteica. Isso que acabamos de descrever se chama expressão gênica e é muito usado em biologia molecular, uma vez que diferenças de expressão podem indicar algo. Por exemplo, tecidos normais e em processos patológicos podem ser expressos diferentemente, e isso pode ser analisado via técnica de biologia molecular em laboratório, com o uso de qPCR, Northern blot e bibliotecas. Também é possível analisar a regulação gênica. O primeiro passo na célula é a transcrição de uma parte do DNA, o gene, em forma de sequência de nucleotídeos de RNA. Lembrando que o RNA é formado por ribonucleotídeos e as bases A, U, G, C. Existem três diferentes moléculas de RNA nas células: » RNA mensageiro (mRNA): contém a informação genética que será traduzida em proteína; » RNA transportador (tRNA): transporta os aminoácidos específicos; » RNA ribossômico (rRNA): forma a estrutura básica do ribossomo e catalisa a síntese proteica. A transcrição começa com a abertura de uma pequena parte da dupla hélice de DNA. Uma das fitas de DNA age como molde para a síntese de uma molécula de RNA de fita simples. Assim como na replicação, aqui na transcrição a sequência de ribonucleotídeos será complementar à fita molde de DNA (ou fita antisenso) e idêntica à sequência da outra fita, com substituição de T por U. Como os RNAs são cópias de pequenos fragmentos de DNA, normalmente suas fitas são curtas. As enzimas que fazem a transcrição são denominadas RNA-polimerase (Figura 22). A transcrição começa quando a RNA polimerase reconhece e se liga a regiões específicas de nucleotídeos (região promotora) no início do gene. A partir daí, a RNA polimerase move-se ao longo do molde, sintetizando RNA, até encontrar uma sequência específica que sinaliza o término da transcrição (ALBERTS et al., 2011). 54 UNIDADE II │ BIOLOGIA MOLECULAR Figura 22. Processo de transcrição. “Bolha” da Transcrição Fita molde RNA polimerase RNA nascente Fonte: Voet et al. (2013). Em procariotos, a produção de RNA é muito simples, visto que não existe compartimentalização do genoma. Os processos de transcrição e tradução são acoplados, ou seja, antes de terminar a transcrição, a tradução já se inicia. Como consequência, os mRNAs de procariotos não sofrem modificações. Além disso só existe uma RNA polimerase. Já nos eucariotos, os processos de transcrição e tradução ocorrem em locais diferentes (transcrição no núcleo e tradução no citoplasma). Além disso, os genes de eucariotos podem ter íntrons (sequências não codificantes) e éxons (sequências codificantes). Depois, as duas extremidades do RNA são modificadas, uma pela adição de um “quepe” na extremidade 5’ e outra pela adição de poli A na extremidade 3’. Na sequência, os íntrons são removidos por um processo de splicing do RNA, e, dessa maneira, o mRNA resultante é transportado do núcleo para o citoplasma por meio de canais aquosos dos complexos do poro nuclear (NPC) da membrana nuclear (Figura 23). Esses eventos citados podem ocorrer simultaneamente. Outra diferença do complexo processo de transcrição de eucariotos é que existem três RNA polimerases – I, II, e III – que são relacionadas entre si (ALBERTS et al., 2011).
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