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Naturalismo O naturalismo foi uma corrente literária que prezava pela representação objetiva da realidade, utilizando uma abordagem biológica, científica e patológica das personagens. Imprimir Texto: A+ A- PUBLICIDADE O naturalismo, tendência estética e literária em voga no último quartel do século XIX, surgiu na França e é entendido por muitos críticos como uma corrente mais extremada do movimento realista, sendo muitas vezes também chamado de realismo-naturalismo. O termo naturalismo foi utilizado como vertente artística pelo escritor Émile Zola, inspirado no método de investigação das ciências naturais que se estabelecia desde o século XVII: “O Naturalismo, nas letras, é igualmente o retorno à natureza e ao homem, a observação direta, a anatomia exata, a aceitação da pintura do que existe.” |1| Empenhados em escrever um retrato fidedigno da realidade, ao contrário do universo idealizado e subjetivo do romantismo, os naturalistas desenvolveram um estilo literário objetivo e, como postulou o próprio Zola, anatômico: o “retorno à natureza” focalizava o lado mais animalesco do homem, em frequentes descrições patológicas – doenças, hereditariedade, influências do meio, em uma constante luta pela sobrevivência. Retrato de Émile Zola, fundador da escola naturalista. Tópicos deste artigo · 1 - Contexto histórico · · 2 - Principais características do naturalismo · 3 - Principais autores do naturalismo · Émile Zola (Paris,1840-1902) · Aluísio Azevedo (São Luís-MA, 1857 – Buenos Aires, 1913) · Adolfo Caminha (Aracati-CE, 1867 – Rio de Janeiro, 1897) · · 4 - Naturalismo no Brasil · · 5 - Naturalismo e realismo · Contexto histórico A Europa do século XIX vivenciava profundas transformações econômicas, políticas e sociais, proporcionadas por dois grandes eventos do século XVIII: a Revolução Industrial e a Revolução Francesa. Com a industrialização, surgiam os primeiros centros urbanos e a nova ordem econômica do capitalismo financeiro, dividindo a sociedade entre burguesia, a nova classe dominante após o fim do Antigo Regime, e proletariado, classe dos trabalhadores assalariados, que operavam o maquinário industrial. Não pare agora... Tem mais depois da publicidade ;) Essas oposições e as condições degradantes de trabalho da época propiciaram matéria-prima para as teorias socialistas de Karl Marx, cuja perspectiva classista influenciou diretamente a estética naturalista. A burguesia consolidava-se no poder, o que propiciava o movimento da Segunda Revolução Industrial, que levaria à exploração do aço, do petróleo e da eletricidade. O entusiasmo das novas invenções e descobertas levava o cientificismo, em voga desde o século XVII, ao seu ápice: o método das ciências naturais era tido como a principal maneira de compreender a realidade. Essa mentalidade deu origem também ao positivismo, doutrina de Auguste Comte que dividia a humanidade em três estágios, sendo o científico o mais evoluído dos três. A teoria defendia que a única maneira de se chegar à verdade era por meio da investigação científica – ou seja, acredita-se apenas naquilo que é passível de comprovação pelos meios da ciência. Auguste Comte é considerado um dos pais da Sociologia e desenvolveu a teoria positivista. Foi nessa época que Charles Darwin propôs sua teoria da evolução das espécies e que Mendel postulou suas leis da hereditariedade, grandes influenciadoras da corrente naturalista, que entendia o homem como um produto da natureza – portanto, sujeito à seleção natural e herdeiro de características das gerações anteriores. Também em voga na época foi o determinismo de Hippolyte Taine, corrente de pensamento que entendia o contexto, o meio em que o indivíduo vive, como determinante de suas ações. Taine postulou que o meio, a raça e o momento são os três fatores que determinam as atitudes e o caráter dos indivíduos, teoria que também influenciou diretamente o naturalismo (e acabou por também dar espaço para correntes teóricas do racismo científico, por exemplo). Principais características do naturalismo · Ênfase no lado mais animalesco do homem: a fome, o instinto, a parte “não civilizada”, a sexualidade etc., bem como a zoomorfização de personagens; · Determinismo: o indivíduo não é mais sujeito, mas um figurante da história, resultado das influências do meio; · Cientificismo: o homem é entendido como produto das leis naturais; · Patologias sociais: as obras naturalistas enfatizam esses temas, trazendo à tona tópicos como as taras sexuais, os vícios, as doenças, o incesto, o adultério; · Objetividade e impessoalidade narrativas; · Preferência por temas cotidianos, frequentemente priorizando as relações e vivências das classes “inferiores”; · Predominância da forma descritiva; · Obras comumente engajadas, denúncias de aspectos socialmente retrógrados, da miséria e do sistema de desigualdades que fundamentava o capitalismo que surgia. Leia mais: Parnasianismo no Brasil: corrente poética contemporânea ao naturalismo Principais autores do naturalismo · Émile Zola (Paris,1840-1902) Considerado o fundador da estética naturalista, foi romancista, contista, dramaturgo, poeta, jornalista e crítico literário. Entendido como pai do romance experimental, Zola tencionava fazer da literatura um instrumento efetivo de luta para mudanças sociais. Autor prolífico, de sua vasta obra destacam-se os títulos A Taberna (1886), Naná (1880), Germinal (1885), A besta humana (1890) e J’accuse (1898). Exerceu influência decisiva na maioria dos escritores naturalistas. · Aluísio Azevedo (São Luís-MA, 1857 – Buenos Aires, 1913) Aluísio Azevedo é autor de obras naturalistas marcantes. Aluísio Azevedo – escritor, dramaturgo, pintor, caricaturista e, no final de sua carreira, diplomata – foi o autor que inaugurou a estética naturalista no Brasil. Sua obra O Mulato (1881) é tida como o primeiro expoente dessa corrente literária, que alcançou o seu auge com o célebre O Cortiço (1890), romance em que descreve em minúcias (patológicas) a organização social da periferia carioca, onde o português é o dono do imóvel, dividido em porções menores e alugado aos brasileiros das classes mais baixas, que se veem diante de diversas barreiras sociais, como o preconceito e a exploração constantes. · Adolfo Caminha (Aracati-CE, 1867 – Rio de Janeiro, 1897) Escritor, jornalista e oficial da Marinha do Brasil, sua morte precoce por tuberculose não o impediu de ser um dos mais veementes naturalistas do cânone nacional. Estreou em 1886 com a publicação em versos Voos Incertos, mas foi com a obra A Normalista (1893) que se consolidou como autor naturalista: trata-se de uma chocante narrativa cujo enredo centra-se em uma relação incestuosa. Aclamado por suas descrições minuciosas, o mais famoso romance de Caminha é O Bom Crioulo (1895), protagonizado por um oficial da Marinha que se envolve amorosa e sexualmente com um grumete (graduação mais inferior das praças da Armada). Trata-se da primeira obra brasileira centrada em uma relação homossexual. Naturalismo no Brasil Desde a década de 1870, o Brasil passava por ebulições políticas e sociais: o Segundo Reinado via-se ameaçado por crises diversas, que incluíam a longa duração da Guerra do Paraguai (1864-1870) e pela pressão em prol da abolição da escravatura – sendo o Brasil o último país a banir essa prática, que era embasada em distinção racial. Os naturalistas brasileiros foram, grosso modo, abolicionistas e engajados no movimento republicano, de modo que a tendência estética de origem francesa ganhou aqui as cores e os problemas nacionais: o racismo, a herança colonial das relações de trabalho e da apropriação da terra, a mestiçagem etc. As questões universais das diferenças sociais misturaram-se às questões locais que urgiam reflexão. Saiba também: Castro Alves: o poeta romântico defensor das causas abolicionistas Naturalismo e realismo O naturalismo é entendido como uma corrente mais radical do realismo. As duas escolas compartilham, portanto, algumas premissas: o retrato verossímil da realidade, a preferência por cenas cotidianas, aobjetividade das obras, o desprezo pelas idealizações românticas – retratando o adultério em oposição à realização amorosa matrimonial e o fracasso social ao contrário do herói idealizado –, a crítica da moralidade burguesa e a impessoalidade. O que diferencia o naturalismo é a abordagem patológica das personagens e situações. Enquanto o realismo privilegia mergulhos psicológicos nas personagens, o naturalismo possui um olhar anatômico, ressaltando a doença e o aspecto animalesco do ser humano. As personagens são abordadas de fora para dentro, enfatizando as ações exteriores, sem preocupação com o aprofundamento psicológico. O realismo retrata o homem psicológico, enquanto o naturalismo propõe o homem biológico. Se o realismo propõe retratar o homem em interação com seu meio, o naturalismo vai ainda um pouco além: expõe o indivíduo como um produto biológico, cujo comportamento é determinado a partir dessas relações com o meio e de acordo com suas características hereditárias. Notas |1| ZOLA, Émile. O Romance Experimental e o Naturalismo no Teatro. São Paulo: Perspectiva, 1982, p. 92. Por Luiza Brandino Professora de Literatura Gostaria de fazer a referência deste texto em um trabalho escolar ou acadêmico? Veja: BRANDINO, Luiza. "Naturalismo"; Brasil Escola. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/literatura/o-naturalismo.htm. Acesso em 08 de março de 2023. Videoaulas Lista de exercícios Exercício 1 Ver Todos (Unifesp-2003) O cortiço Fechou-se um entra-e-sai de marimbondos defronte daquelas cem casinhas ameaçadas pelo fogo. Homens e mulheres corriam de cá para lá com os tarecos ao ombro, numa balbúrdia de doidos. O pátio e a rua enchiam-se agora de camas velhas e colchões espocados. Ninguém se conhecia naquela zumba de gritos sem nexo, e choro de crianças esmagadas, e pragas arrancadas pela dor e pelo desespero. Da casa do Barão saíam clamores apopléticos; ouviam-se os guinchos de Zulmira que se espolinhava com um ataque. E começou a aparecer água. Quem a trouxe? Ninguém sabia dizê-lo; mas viam-se baldes e baldes que se despejavam sobre as chamas. Os sinos da vizinhança começaram a badalar. E tudo era um clamor. A Bruxa surgiu à janela da sua casa, como à boca de uma fornalha acesa. Estava horrível; nunca fora tão bruxa. O seu moreno trigueiro, de cabocla velha, reluzia que nem metal em brasa; a sua crina preta, desgrenhada, escorrida e abundante como as das éguas selvagens, dava-lhe um caráter fantástico de fúria saída do inferno. E ela ria-se, ébria de satisfação, sem sentir as queimaduras e as feridas, vitoriosa no meio daquela orgia de fogo, com que ultimamente vivia a sonhar em segredo a sua alma extravagante de maluca. Ia atirar-se cá para fora, quando se ouviu estalar o madeiramento da casa incendiada, que abateu rapidamente, sepultando a louca num montão de brasas. (Aluísio Azevedo. O cortiço) O caráter naturalista nessa obra de Aluísio Azevedo oferece, de maneira figurada, um retrato de nosso país, no final do século XIX. Põe em evidência a competição dos mais fortes, entre si, e estes, esmagando as camadas de baixo, compostas de brancos pobres, mestiços e escravos africanos. No ambiente de degradação de um cortiço, o autor expõe um quadro tenso de misérias materiais e humanas. No fragmento, há várias outras características do Naturalismo. Aponte a alternativa em que as duas características apresentadas são corretas. a) Exploração do comportamento anormal e dos instintos baixos; enfoque da vida e dos fatos sociais contemporâneos ao escritor. b) Visão subjetivista dada pelo foco narrativo; tensão conflitiva entre o ser humano e o meio ambiente. c) Preferência pelos temas do passado, propiciando uma visão objetiva dos fatos; crítica aos valores burgueses e predileção pelos mais pobres. d) A onisciência do narrador imprime-lhe o papel de criador, e se confunde com a ideia de Deus; utilização de preciosismos vocabulares, para enfatizar o distanciamento entre a enunciação e os fatos enunciados. e) Exploração de um tema em que o ser humano é aviltado pelo mais forte; predominância de elementos anticientíficos, para ajustar a narração ao ambiente degradante dos personagens.