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Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.1 1 PMSUS – Oficina 2 EPIDEMIOLOGIA E SISTEMAS DE INFORMAÇÃO EM SAÚDE . 1. APRESENTAR A HISTÓRIA NATURAL DA DOENÇA (CONCEITO, FASES, PERÍODOS, AGENTES, HOSPEDEIROS, AMBIENTE). O desenvolvimento do modelo de História Natural da Doença está relacionado ao conceito de constituição epidêmica, que referia-se a um conjunto de condições chamadas “atmosférico-cósmico-terrestres” que determinava que algumas doenças ocorressem em determinadas condições. Apesar dos seus limites, o modelo de HND, com adaptações e aperfeiçoamentos, acabou por ser definitivamente incorporado à medicina e à saúde pública no mundo e no Brasil, e tem sido amplamente utilizado para a sistematização de conhecimentos, para a organização de ações preventivas em programas e serviços de saúde e para o ensino das relações entre epidemiologia, prevenção e promoção da saúde na formação de profissionais em diferentes áreas. PERÍODO PRÉ-PATOGÊNICO E PATOGÊNICO O esquema HND permite distinguir analiticamente dois períodos envolvidos na gênese e desenvolvimento dos adoecimentos: pré-patogênico e patogênico. O período pré-patogênico refere-se aos determinantes que potencializam o surgimento da doença; o período patogênico diz respeito às evoluções possíveis da doença em curso. No período pré-patogênico, distinguimos três grupos de fatores determinantes: • Fatores relativos ao agente. • Fatores relativos ao hospedeiro. • Fatores relativos ao meio. O período pré-patogênico se caracteriza por existência de fatores de risco e proteção em processo dinâmico que definem a chance da doença ocorrer. O conhecimento dos aspectos relativos ao agente, hospedeiro e meio é, como pode ser visto, fundamental para a prevenção. Quanto melhor os conhecermos maior será nossa chance de intervir positivamente, evitando a ocorrência de agravos e favorecendo modos de vida mais saudáveis. Fatores hereditários, congênitos ou adquiridos a partir de doenças anteriores configuram-se como pré-condições internas para a gênese da doença. No período patogênico distinguimos quatro fases de evolução: • A patogenia inicial, ou período de alterações pré-clínicas. • A patologia precoce, após a doença transpor o horizonte clínico, isto é, após o aparecimento de sintomas e/ou sinais perceptíveis à observação comum. • A doença avançada, quando a síndrome e as alterações morfo-funcionais mais características da doença já estão plenamente instaladas. • O desfecho, isto é, o modo como o processo deadoecimento se resolve ou estabiliza. NÍVEIS DE PREVENÇÃO Leavell e Clark articularam ao modelo de HND a sistematização das diferentes oportunidades de prevenção que se abrem a cada momento da evolução de uma doença. Agrupam, então, as ações de prevenção segundo três fases, correspondentes a cada um dos períodos de evolução da doença definidos no modelo de HND, conforme representado na Figura 1 abaixo. Essas três fases da prevenção – primária, secundária e terciária – admitem ainda subdivisões internas, a partir das quais definem-se cinco níveis de prevenção. Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.1 2 2. DIFERENCIAR OS NÍVEIS DE PREVENÇÃO EXISTENTES (PRIMÁRIO, SECUNDÁRIO, TERCIÁRIO , QUATERNÁRIO). A prevenção primária refere-se a ações relacionadas aos determinantes de adoecimentos ou agravos que incidem sobre indivíduos e comunidades de modo a tentar impedir os processos patogênicos antes que eles se iniciem. Refere-se, portanto, ao período pré-patogênico do modelo da HND, e diz respeito a ações voltadas à intervenção sobre os agentes patógenos e seus vetores, sobre os hospedeiros, ou indivíduos e comunidades, e sobre o meio que os expõe a esses patógenos. A prevenção primária subdivide-se, por sua vez, em dois níveis: a promoção da saúde e a proteção específica. PROMOÇÃO DA SAÚDE Esse primeiro nível de prevenção refere-se às ações que incidem sobre melhorias gerais nas condições de vida de indivíduos, famílias e comunidades, beneficiando a saúde e a qualidade de vida de modo geral, obstaculizando um grande número de diferentes processos patogênicos. Alguns exemplos de ações de promoção da saúde que, ao longo do tempo, foram sendo incorporados às práticas de prevenção são: saneamento básico, com distribuição de água potável e esgotamento sanitário; disposição e coleta de lixo adequadas; boas condições de moradia, nutrição, trabalho e transporte; acesso a serviços, informações e insumos em educação, saúde, lazer e cultura; controle da qualidade do ar, do nível de ruído, da radiação e de outras fontes de poluição ambiental; regulação dos espaços públicos em relação à segurança quanto a acidentes e violências; promoção e proteção dos direitos humanos entre outros. PROTEÇÃO ESPECÍFICA Este nível de prevenção também se refere às ações que incidem no período pré-patogênico, isto é, ações que querem se antecipar à instalação dos processos patogênicos. A diferença é que aqui as ações são dirigidas a grupos específicos de processos saúde-doença. As ações de proteção específica também podem ser dirigidas primordialmente ao agente, ao hospedeiro ou ao meio. O exemplo clássico de ação preventiva para proteção específica é a vacinação, ação que imuniza os suscetíveis contra um agente infeccioso, reduzindo as chances de que, ao entrar em contato com esse agente, os indivíduos sejam infectados, adoeçam, ou desenvolvam formas graves da doença. Outra ação de proteção específica voltada para agentes infecciosos é a quimioprofilaxia, como a prescrição de izoniazida a alguns contactantes de pacientes com tuberculose pulmonar, ou rifampicina para os contactantes de doença meningocócica, ou de AZT para recém-nascidos de mães infectadas pelo HIV etc. Podemos, ainda, citar como exemplos de medidas de proteção específica, o combate aos criadouros domiciliares do aedes aegypti para o controle da dengue; a fluoração da água para o combate à cárie dentária; adição de iodo ao sal para combate do bócio endêmico; a distribuição de camisinhas para a prevenção das doenças sexualmente transmissíveis; fornecimento de material de injeção descartável a usuários de drogas para reduzir a transmissão de aids e hepatites; controle de bancos de sangue para prevenir doenças transmitidas por sangue e hemoderivados; medidas ergonômicas no ambiente de trabalho para reduzir a ocorrência de acidentes; obrigatoriedade do uso do cinto de segurança para redução de morbi-mortalidade em acidentes de trânsito; adoção de legislação punitiva específica para coibir a violência doméstica dentre outras. A prevenção secundária atua no período patogênico, isto é, nas situações onde o processo saúde-doença já está instaurado. Ela visa, fundamentalmente, dois objetivos. Um deles é propiciar a melhor evolução clínica para os indivíduos afetados, conduzindo ao máximo o processo para os melhores desfechos, de preferência evitando a transposição do horizonte clínico ou, pelo menos, minimizando a sintomatologia. O outro é interromper ou reduzir a disseminação do problema a outras pessoas. Para atingir esses objetivos, são definidos também dois níveis de prevenção de fase secundária. DIAGNÓSTICO PRECOCE E TRATAMENTO IMEDIATO O primeiro nível de prevenção secundária está localizado no período anterior ao horizonte clínico, que se caracteriza pela fase de incubação. As medidas de diagnóstico precoce e tratamento imediato, como o próprio nome indica, devem detectar o mais rapidamente possível processos patogênicos já instalados. Assim, mesmo antes de um agravo em curso cruzar o horizonteclínico, já é possível, em muitos casos, diagnosticá-lo e adotar medidas protetoras para os indivíduos afetados e para terceiros. Exemplos de ações de diagnóstico precoce são os rastreamentos, ou screenings. A busca ativa de contactantes ou suscetíveis a partir de um diagnóstico de doença infecciosa é também uma relevante medida de prevenção secundária. Há ainda diversos outros rastreamentos, para além daqueles vinculados à vigilância epidemiológica de doenças infecciosas, que, com maior ou menor grau de evidência, demonstram beneficiar a prevenção de agravos entre indivíduos e comunidades, como o exame de Papanicolau entre mulheres sexualmente ativas, a mamografia em mulheres acima de cinquenta anos ou de alto risco (história prévia ou familiar próxima), dosagem de glicemia e colesterol em indivíduos obesos ou com história de risco aumentado para doenças cardiovasculares e diabetes tipo 2, aferição da pressão arterial em adultos etc. É preciso lembrar que este nível de prevenção é extremamente importante para a saúde pública. Embora, em termos ideais, o período pré-patogênico constitua o melhor momento para a prevenção, o Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.1 3 fato é que ações de prevenção primária são, muitas vezes, de uma amplitude e natureza tais que implicam investimentos caros e retornos de longo prazo. Nessas situações, a prevenção secundária pode assumir um caráter estratégico, permitindo focalizar locais e pessoas mais suscetíveis, o que favorece a efetividade das ações de saúde enquanto não se logra realizar os controles mais radicais, relacionados à prevenção primária. LIMITAÇÃO DE INCAPACIDADE Este nível de prevenção refere-se às medidas aplicadas aos casos que já ultrapassaram o horizonte clínico, encontrando- se o processo de adoecimento plenamente instalado. O impacto das ações de prevenção neste nível tende a ser menor, mas nem por isto menos relevantes. Aqui o objetivo é cuidar dos casos com os mais eficazes e adequados recursos para que o curso clínico possa ter, com foco para a cura total ou com poucas sequelas, ou reduzir e retardar ao máximo as complicações clínicas, nos casos de condições crônicas (como hipertensão primária, diabetes mellitus, certos distúrbios mentais) ou cronificadas com recurso a suportes terapêuticos (como a aids ou algumas doenças autoimunes). Assim, um cuidado integral, de natureza interdisciplinar, com alta qualidade técnica, sensível às necessidades e condições físicas, emocionais e sociais dos indivíduos, famílias e comunidades torna-se um instrumento da maior relevância, demonstrando a estreita relação entre assistência à saúde e prevenção. PREVENÇÃO TERCIÁRIA Este quinto nível de prevenção refere-se, finalmente, ao momento em que o processo saúde-doença alcançou um termo final ou uma forma estável de longo prazo, a cura com seqüelas ou a cronificação, as quais também reclamam cuidados preventivos específicos. Neste plano, o objetivo é conseguir que as limitações impostas pela condição provocada pelo adoecimento ou agravo prejudiquem o mínimo possível o cotidiano e a qualidade de vida das pessoas, famílias e comunidades afetadas. O alcance deste objetivo requer esforços que podem passar por medidas de reabilitação física, como no caso de restrições funcionais, sequelas neuromotoras ou necessidade de uso de próteses; apoios de caráter psico-emocional, como em mutilações físicas, alterações psicomotoras ou dificuldades emocionais que interfiram com a autoimagem, a identidade, o equilíbrio mental ou a sociabilidade dos afetados; até apoios de alcance social, como readaptação no trabalho, apoio previdenciário, ajustes no ambiente doméstico, suporte jurídico contra ações discriminatórias etc. Em relação às condições crônicas, destaca-se em particular a questão da difícil manutenção da adesão às ações de cuidado de longo prazo, assim como o desafio da acessibilidade e integração dos diferentes recursos necessários ao cuidado contínuo e integral. Como se vê, qualidade de vida é a expressão-chave aqui, e interdisciplinaridade e intersetorialidade são os meios indispensáveis para que se alcance esse ideal. PREVENÇÃO QUATERNÁRIA A prevenção quaternária é o último tipo de prevenção, não relacionada ao risco de doenças, e sim ao risco de adoecimento iatrogênico, ao excessivo intervencionismo diagnóstico e terapêutico e a medicalização desnecessária. Pode ser resumida como a prevenção de iatrogenias. Exemplos são excesso de programas de rastreamento, muitos deles não validados; medicalização de fatores de risco; solicitação de exames complementares em demasia; excessos de diagnósticos, com rotulagem de quadros inexplicáveis ou não enquadráveis na nosografia biomédica, medicalizações desnecessárias de eventos vitais ou adoecimentos benignos autolimitados (contusões, partos, resfriados, lutos etc.), pedidos de exames e ou tratamentos devido ao medo dos pacientes e ou pressão de pacientes muito medicalizados, intervenções em razão do medo dos médicos. Quando você faz educação em saúde e vacinação com pertinência, propõe medidas de rastreamento apenas se houver evidências científicas e custo-benefício comprovados, propõe terapias com eficácia comprovada, preocupa-se com a comunicação e com a individualização do cuidado, você está fazendo prevenção quaternária. 3. CARACTERIZAR A EPIDEMIOLOGIA QUANTO SEU CONCEITO, HISTÓRIA, SUA APLICAÇÃO NA SAÚDE E NA ATUALIDADE. A Epidemiologia é definida como o estudo da distribuição e dos determinantes das doenças ou condições relacionadas à saúde em populações especificadas. Mais recentemente, foi incorporada à definição de Epidemiologia a “aplicação desses estudos para controlar problemas de saúde”. Estudo inclui vigilância, observação, pesquisa analítica e experimento. Distribuição refere-se à análise por tempo, local e características dos indivíduos. Determinantes são todos os fatores físicos, biológicos, sociais, culturais e comportamentais que influenciam a saúde. Condições relacionadas à saúde incluem doenças, causas de mortalidade, hábitos de vida (como tabagismo, dieta, atividades físicas, etc.), provisão e uso de serviços de saúde e de medicamentos. Populações especificadas são aquelas com características identificadas, como, por exemplo, determinada faixa etária em uma dada população. Normalmente, os estudos epidemiológicos na área do envelhecimento centram-se nos seguintes temas: investigação dos determinantes da longevidade e das transições demográfica e epidemiológica; avaliação de Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.1 4 serviços de saúde; e investigações da etiologia e história natural das doenças/condições relacionadas à saúde comuns entre idosos. “Os vapores nocivos, que causam doenças, são conhecidos como miasmas. O miasma se espalha pelo ar e, conforme o aspira, o ser humano é tomado pela enfermidade”. Essa era explicação que cientistas, no início do século 19, elaboraram para explicar a origem das doenças, como cólera e a peste negra. Jonh Snow: Aos 14 anos, virou aprendiz de um médico em Newcastle e foi lá que encontrou o fantasma que o assombraria pelo resto da vida: o cólera. O cólera é uma doença cruel. Nos casos mais graves, um paciente adulto pode perder 20 litros de água em apenas um dia, até sua pele inchar e seu sangue engrossar a ponto de não conseguir mais correr pelas veias e artérias, por conta de todo o líquido perdido. John Snow aplicou todo o conhecimento que recebeu na época de seu treinamento. Sangrias, ópio, ervas aromáticas para afastar o miasma, nada disso surtia efeito, e as pessoas continuavam morrendo. Mesmo sem estar contaminado com o cólera, John Snowsentia aquilo nas entranhas. Em 1836, foi a Londres para completar sua formação em medicina. Após receber o doutorado, um novo surto de cólera se espalhou por Londres. Ele sabia que o cólera não era resultado de um vapor maligno e estava determinado em prová-lo. Teorizou que a diarreia, causada pelo cólera, poderia não ser apenas um sintoma, mas também um meio de transmissão. A teoria microbiana, a ideia de que existem seres vivos pequenos demais para serem vistos a olho nu, não estava estabelecida na época e o termo “germes” era desprezado por muitos médicos. Para agradar a comunidade científica – e conseguir ser ouvido – ele começou escrevendo que a cólera era causada por um “veneno autorreplicante”, presente em água contaminada por matéria fecal. Para tentar provar sua hipótese, John fez um estudo de caso. Encontrou uma rua onde, num lado, todo o esgoto escorria para o poço de onde tiravam a água para beber. Enquanto, do outro lado, o esgoto escorria para longe do poço. Resultado? No lado onde a água se misturava com esgoto, quase todos os habitantes acabaram doentes. Do outro, apenas uma pessoa sucumbiu ao cólera. Empolgado, Snow mostrou seus resultados para seus colegas cientistas, que não concordaram com os achados. E mais outro surto de cólera atingiu Londres. Snow estava convencido de que fumaças imaginárias não causavam doenças, e desenhou um dos maiores experimentos estatísticos feitos até então. A capital inglesa recebia água de duas empresas: a Southwark & Vauxhall Cia. de Água – vamos chamá-la de S&V – e a Lambeth Cia. Ambas usavam água do rio Tâmisa, mas a S&V e a Lambeth tinham uma diferença chave, o que mudou o mundo para sempre. Na época, Londres não apenas tinha fossas sob as casas e detritos correndo pelas ruas, mas também um sistema de esgoto que escorria para o Tâmisa. Todo o esgoto da cidade era bombeado para o rio que até hoje corta a cidade, mas que felizmente não está mais poluído. E era do Tâmisa que a maioria dos habitantes obtinha água pra beber. Pois bem, a grande diferença entre a S&V e a Lambeth é que a primeira captava água no final do curso, onde o rio já estava saturado de esgoto. Já a Lambeth estava localizada em uma região rio acima, antes da contaminação começar para valer. John tinha o estudo de causa conhecido como A e B perfeito. Esse teste é uma maneira de comparar duas situações que diferem em um único ponto. No estudo liderado por Snow, a diferença seria a presença, ou não, de esgoto na água. Essa era a única grande variação entre as águas, pois ambas eram coletadas do rio Tâmisa. Tudo que precisava fazer para testar sua hipótese sobre a causa do cólera era comparar as taxas de infecção dos abastecidos pela S&V à dos abastecidos pela Lambeth. Uma parcela grande dos moradores de Londres também não tinha a menor ideia de qual companhia abastecia a própria residência. Ir de porta em porta perguntando não estava deixando nosso herói mais sábio. Seria mais fácil perguntar para a água de onde ela vinha. E foi exatamente o que Snow fez. Analisando amostras d’água da empresa S&V, Snow descobriu que esta continha 4 vezes mais sal do que a água da Lambeth. Ele poderia coletar um pouco de água de cada residência e realizar as análises em seu laboratório. Seus relatórios estavam completos. Trinta e oito das 44 mortes por cólera ocorridas no mês tinham sido de clientes da água da S&V. Isso significava que você tinha 93% de chance de morrer, só tendo a empresa errada abastecendo sua casa. John estava convencido de que o cólera era transmitido pela água. E mais um surto atingiu Londres, no ano de 1854. Dessa vez John decidiu criar um mapa e anotar todas as mortes causadas pela doença, para verificar se alguma região específica do bairro de Soho estava sendo mais afetada do que outra. Então percebeu que a bomba de Broad Street era praticamente a arma do crime com fumaça saindo do cano. O que chamou a atenção de John é que, se a teoria do miasma estivesse correta, os trabalhadores que eram 532 num mesmo alojamento deveriam encontrar muito mais Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.1 5 casos de cólera entre esses trabalhadores, contudo poucos casos de morte haviam sido reportados lá. O que era de se esperar, uma vez que a casa ficava bem próxima à bomba de Broad Street e muitos dos trabalhadores passavam por lá todos os dias. Snow descobriu que a casa possuía abastecimento próprio e não recebia na água contaminada. Um bebê infectado que sobreviveu por pelo menos quatro dias de muita diarreia e vômito, segundo sua mãe, teria sido o caso nº1 dessa epidemia. As fraldas teriam sido jogadas em uma fossa, que ao ser analisada possuía rachaduras, dessa forma o material infectado teve contato com as águas da bomba. 4. DISCUTIR AS FERRAMENTAS E OS MÉTODOS DE INVESTIGAÇÃO UTILIZADAS NA EPIDEMIOLOGIA. Os estudos epidemiológicos podem ser classificados em observacionais e experimentais. De uma maneira geral, os estudos epidemiológicos observacionais podem ser classificados em descritivos e analíticos. ➜ ESTUDOS DESCRITIVOS Os estudos descritivos têm por objetivo determinar a distribuição de doenças ou condições relacionadas à saúde, segundo o tempo, o lugar e/ou as características dos indivíduos. Ou seja, responder à pergunta: quando, onde e quem adoece? A epidemiologia descritiva pode fazer uso de dados secundários (dados pré-existentes de mortalidade e hospitalizações, por exemplo) e primários (dados coletados para o desenvolvimento do estudo). A epidemiologia descritiva examina como a incidência (casos novos) ou a prevalência (casos existentes) de uma doença ou condição relacionada à saúde varia de acordo com determinadas características, como sexo, idade, escolaridade e renda, entre outras. Quando a ocorrência da doença/condição relacionada à saúde difere segundo o tempo, lugar ou pessoa, o epidemiologista é capaz não apenas de identificar grupos de alto risco para fins de prevenção (por exemplo: na cidade de Bambuí, verificou-se que idosos com renda familiar inferior a três salários mínimos ingeriam menos frutas e legumes frescos e praticavam menos exercícios físicos do que aqueles com renda familiar mais alta), mas também gerar hipóteses etiológicas para investigações futuras. ➜ ESTUDOS ANALÍTICOS Estudos analíticos são aqueles delineados para examinar a existência de associação entre uma exposição e uma doença ou condição relacionada à saúde. Os principais delineamentos de estudos analíticos são: a) ecológico; b) seccional (transversal); c) caso-controle (caso-referência); e d) coorte (prospectivo). Nos estudos ecológicos, tanto a exposição quanto a ocorrência da doença são determinadas para grupos de indivíduos. Nos demais delineamentos, tanto a exposição quanto a ocorrência da doença ou evento de interesse são determinados para o indivíduo, permitindo inferências de associações nesse nível. As principais diferenças entre os estudos seccionais, caso-controle e de coorte residem na forma de seleção de participantes para o estudo e na capacidade de mensuração da exposição no passado ➜ ESTUDOS ECOLÓGICOS Nos estudos ecológicos, compara-se a ocorrência da doença/condição relacionada à saúde e a exposição de interesse entre agregados de indivíduos (populações de países, regiões ou municípios, por exemplo) para verificar a possível existência de associação entre elas. Em um estudo ecológico típico, medidas de agregados da exposição e da doença são comparadas. Nesse tipo de estudo, não existem informações sobre a doença e exposição do indivíduo, mas do grupo populacional como um todo. Uma das suas vantagens é a possibilidade de examinar associações entre exposição e doença/condição relacionada na coletividade. Isso é particularmente importante quando se considera quea expressão coletiva de um fenômeno pode diferir da soma das partes do mesmo fenômeno. Por outro lado, embora uma associação ecológica possa refletir, corretamente, uma associação causal entre a exposição e a doença/condição relacionada à saúde, a possibilidade do viés ecológico é sempre lembrada como uma limitação para o uso de correlações ecológicas. O viés ecológico – ou falácia ecológica – é possível porque uma associação observada entre agregados não significa, obrigatoriamente, que a mesma associação ocorra em nível de indivíduos. ➜ ESTUDOS SECCIONAIS Nos estudos seccionais, a exposição e a condição de saúde do participante são determinadas simultaneamente. Em geral, esse tipo de investigação começa com um estudo para determinar a prevalência de uma doença ou condição relacionada à saúde de uma população especificada (por exemplo, habitantes idosos de uma cidade). As características dos indivíduos classificados como doentes são comparadas às daqueles classificados como não doentes. ➜ ESTUDOS CASO-CONTROLE Os estudos caso-controle e os estudos de coorte podem ser utilizados para investigar a etiologia de doenças ou de condições relacionadas à saúde entre idosos, determinantes da longevidade; e para avaliar ações e serviços de saúde. Os estudos de coorte também podem ser utilizados para investigar a história natural das doenças. Nos estudos caso-controle, primeiramente, identificam-se indivíduos com a doença (casos) e, para efeito de Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.1 6 comparação, indivíduos sem a doença (controles). Depois, determina-se (mediante entrevista ou consulta a prontuários, por exemplo) qual é a Odds da exposição entre casos (a/c) e controles (b/d). Se existir associação entre a exposição e a doença, espera-se que a Odds da exposição entre casos seja maior que a observada entre controles, além da variação esperada devida ao acaso. ➜ ESTUDOS DE COORTE Nos estudos de coorte, primeiramente, identifica-se a população de estudo e os participantes são classificados em expostos e não expostos a um determinado fator de interesse. Depois, os indivíduos dos dois grupos são acompanhados para verificar a incidência da doença/condição relacionada à saúde entre expostos (a/a + d) e não expostos (c/c + d). Se a exposição estiver associada à doença, espera-se que a incidência entre expostos seja maior do que entre não expostos, além da variação esperada devida ao acaso. Nesse tipo de estudo, a mensuração da exposição antecede o desenvolvimento da doença, não sendo sujeita ao viés de memória como nos estudos caso- controle. Além disso, os que desenvolveram a doença e os que não desenvolveram não são selecionados, mas sim identificados dentro das coortes de expostos e não expostos, não existindo o viés de seleção de casos e controles. Os estudos de coorte permitem determinar a incidência da doença entre expostos e não expostos e conhecer a sua história natural. A principal limitação para o desenvolvimento de um estudo de coorte, além do seu custo financeiro, é a perda de participantes ao longo do seguimento por conta de recusas para continuar participando do estudo, mudanças de endereços ou emigração. Os custos e as dificuldades de execução podem comprometer o desenvolvimento de estudos de coorte, sobretudo quando é necessário um grande número de participantes ou longo tempo de seguimento para acumular um número de doentes ou de eventos que permita estabelecer associações entre exposição e doença. Os estudos experimentais ou de intervenção têm por objetivo tentar mudar uma variável em um ou mais grupos de pessoas. Isso pode signifcar a eliminação de um fator alimentar relacionado a uma causa alérgica ou o teste de um novo tratamento para um grupo selecionado de pacientes. Os efeitos de uma intervenção são medidos através da comparação do desfecho nos grupos experimental e controle. Uma vez que são determinados estritamente pelo protocolo de estudo, considerações éticas são de extrema importância nesse tipo de estudo. Por exemplo, a nenhum paciente deveria ser negado o tratamento apropriado em função de sua participação em um experimento, e o tratamento a ser testado deve ser aceitável à luz dos conhecimentos atuais. Nesse tipo de estudo, o consentimento informado por parte dos participantes é sempre necessário. ➜ ENSAIO CLÍNICO RANDOMIZADO O ensaio clínico randomizado é um experimento epidemiológico que tem por objetivo estudar os efeitos de uma intervenção em particular. Os indivíduos selecionados são aleatoriamente alocados para os grupos intervenção e controle, e os resultados são avaliados comparando-se os desfechos entre esses grupos. ➜ ENSAIOS DE CAMPO Ensaios de campo, em contraste com os ensaios clínicos, envolvem pessoas que estão livres de doença, mas sob risco de desenvolvê-la. Os dados são coletados “no campo”, usualmente entre pessoas da população geral não institucionalizadas. Uma vez que os participantes estão livres da doença e o propósito é prevenir a ocorrência de doenças mesmo entre aquelas de baixa frequência, os ensaios de campo envolvem um grande número de pessoas, o que os torna caro e logisticamente complicados. Um dos maiores ensaios de campo já realizados foi para testar a vacina Salk para prevenção da poliomielite, que envolveu mais de um milhão de crianças. Os ensaios de campo podem ser utilizados para avaliar intervenções que objetivam reduzir a exposição sem necessariamente medir a ocorrência dos efeitos sobre a saúde. Por exemplo, diferentes métodos para proteção a exposição de pesticida têm sido testados dessa forma. Outro exemplo é a medida de chumbo sérico em crianças. Ensaios de campo mostraram que a exclusão do chumbo na composição das tintas utilizadas para pintar domicílios forneceu proteção às crianças. Esse tipo de estudo de intervenção pode ser realizado em pequena escala e com custos menores quer seja porque não envolvem acompanhamentos de longo período, quer seja porque não exigem a medida de doença como desfecho. ➜ ENSAIOS COMUNITÁRIOS Nesse tipo de experimento, os grupos de tratamento são comunidades ao invés de indivíduos. Esse delineamento é particularmente apropriado para doenças que tenham suas origens nas condições sociais e que possam ser facilmente infuenciadas por intervenções dirigidas ao comportamento do grupo ou do indivíduo. As doenças cardiovasculares são um bom exemplo de uma condição apropriada para ensaios comunitários, muitas das quais estão, agora, sob investigação. Limitações dos ensaios comunitários: Uma limitação desse tipo de delineamento é que somente um pequeno número de comunidades pode ser incluído e a alocação aleatória das comunidades não é muito prática. Assim, outros métodos são requeridos para assegurar que quaisquer diferenças encontradas ao fnal do estudo possam ser atribuídas à Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.1 7 intervenção e não a diferenças inerentes às comunidades. Além disso, é difícil isolar as comunidades onde a intervenção está sendo conduzida devido a mudanças sociais em curso. 5. PESQUISAR SOBRE O DATASUS, COMO CONSULTA -LÓ E SUA RELAÇÃO COM OS PROCESSOS DE GESTÃO NA SAÚDE. O Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS) surgiu em 1991 com a criação da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), pelo Decreto 100 de 16.04.1991, publicado no D.O.U. de 17.04.1991 e retificado conforme publicado no D.O.U. de 19.04.1991. Na época, a Fundação passou a exercer a função de controle e processamento das contas referentes à saúde que antes era da Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência Social (DATAPREV). Foi então formalizada a criação e as competências do DATASUS, que tem como responsabilidade prover os órgãos do SUS de sistemas de informação e suporte deinformática, necessários ao processo de planejamento, operação e controle. Em quase 25 anos de atuação, o DATASUS já desenvolveu mais de 200 sistemas que auxiliam diretamente o Ministério da Saúde no processo de construção e fortalecimento do SUS. Atualmente, o Departamento é um grande provedor de soluções de software para as secretarias estaduais e municipais de saúde, sempre adaptando seus sistemas às necessidades dos gestores e incorporando novas tecnologias, na medida em que a descentralização da gestão torna-se mais concreta. O DATASUS dispõe de duas salas-cofre, uma em Brasília e outra no Rio de Janeiro, nas quais são mantidos os servidores de rede que hospedam a maioria dos sistemas do Ministério da Saúde. A estrutura de armazenamento de dados (STORAGE) do Departamento tem condições de armazenar informações sobre saúde de toda população brasileira. Além disso, disponibiliza links espalhados em várias cidades brasileiras com conexões com todos os Núcleos Estaduais do Ministério da Saúde, Funasa, Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), Casa do Índio e com as 27 secretarias estaduais de saúde. O DATASUS está presente em todas as regiões do país por meio das Regionais que executam as atividades de fomento e cooperação técnica em informática nos principais estados brasileiros. MISSÃO Promover modernização por meio da tecnologia da informação para apoiar o Sistema Único de Saúde – SUS. São estas as competências definidas para o DATASUS pelo Decreto: I. fomentar, regulamentar e avaliar as ações de informatização do SUS, direcionadas para a manutenção e desenvolvimento do sistema de informações em saúde e dos sistemas internos de gestão do Ministério; II. desenvolver, pesquisar e incorporar tecnologias de informática que possibilitem a implementação de sistemas e a disseminação de informações necessárias às ações de saúde; III. definir padrões, diretrizes, normas e procedimentos para transferência de informações e contratação de bens e serviços de informática no âmbito dos órgãos e entidades do Ministério; IV. definir padrões para a captação e transferência de informações em saúde, visando à integração operacional das bases de dados e dos sistemas desenvolvidos e implantados no âmbito do SUS; V. manter o acervo das bases de dados necessárias ao sistema de informações em saúde e aos sistemas internos de gestão institucional; VI. assegurar aos gestores do SUS e órgãos congêneres o acesso aos serviços de informática e bases de dados, mantidos pelo Ministério; VII. definir programas de cooperação técnica com entidades de pesquisa e ensino para prospecção e transferência de tecnologia e metodologias de informação e informática em saúde; VIII. apoiar Estados, Municípios e o Distrito Federal, na informatização das atividades do SUS; e IX. coordenar a implementação do sistema nacional de informação em saúde, nos termos da legislação vigente. 6. DISCORRER SOBRE OS SISTEMAS DE INFORMAÇÃO EM SAÚDE (SIS) NA ATENÇÃO BÁSICA, (CONCEITO, QUAIS SÃO ELES, OBJETIVOS, O CICLO, A IMPORTÂNCIA). O sistema utilizado atualmente em parte dos municípios para o acompanhamento das ESF é o SIAB (Sistema de Informação da Atenção Básica), porém, outro sistema irá substitui-lo, o e-SUS Atenção Básica (e-SUS AB), vamos conhecê-lo em linhas gerais, para depois focarmos no atual sistema, o SIAB. Na intenção de melhorar o uso das informações do SIAB para gestores, profissionais e cidadãos, o Departamento da Atenção Básica (DAB) adotou uma estratégia que foi denominada "e-SUS AB", cujos sistemas de captação de dados, Coleta de Dados Simplificada (CDS-AB) e Prontuário Eletrônico do Cidadão (PEC), que alimentará o Sistema de Informação em Saúde da Atenção Básica (SISAB) em substituição ao sistema vigente, SIAB (BRASIL, MS, 2014). Este sistema tem em sua formulação a proposta de registro das informações em saúde em caráter individual do cidadão, permitindo o acompanhamento do usuário em cada acesso Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.1 8 à rede de atendimento, não esquecendo o registro da produção de cada profissional da AB. O sistema ainda permite a interface com outros sistemas utilizados no SUS, evitando o retrabalho na alimentação de dados comuns na fichas/sistemas. O SISAB faz a integração de outros programas na AB, pois permite a inserção de informações relacionadas às equipe de Saúde da Família (ESF), às equipes dos Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF), equipe de Consultório na Rua (CnaR), equipes da Atenção Domiciliar (AD), também incluído informação relacionada às ações de outros programas do MS, tais como: Programa Saúde na Escola, no Programa Academia da Saúde e desenvolvidas pelas Equipes de Saúde no Sistema Prisional (ESP), (BRASIL, MS, 2014). As fichas propostas (dispostas nos anexos) captam informações relevantes para compor os indicadores de monitoramento e avaliação da assistência na atenção básica, as fichas propostas são: • Cadastro Domiciliar – utilizada pelo ACS para registrar as caraterísticas sociossanitárias dos domicílios no território, ou ainda fora de domicílios convencionais, por exemplo, o morador de rua; • Cadastro Individual – utilizada pelo ACS para registrar as características sociodemográficas, problemas e condições de saúde dos usuários no território, ressaltando que estas informações são autorreferidas; • Ficha de atendimento individual – cada profissional de nível superior tem sua ficha para registrar os atendimentos realizados, não substituindo a evolução clínica no papel, esta ficha não será utilizada pela Equipe de Saúde Bucal (ESB); • Ficha de atendimento odontológico individual – registra as informações do atendimento realizado pela ESB na atenção básica; • Ficha de procedimentos – utilizada pelos profissionais de nível superior e médio, exceto para coleta de dados dos procedimentos ambulatoriais realizados; esta ficha não será utilizada pela ESF e ACS; • Ficha de atividade coletiva – utilizada por todos os profissionais para registrar toda e qualquer atividade que tenham propósito organizar os processos de trabalho das equipes e ações voltadas para a comunidade (ex.: atividade de educação em saúde, atendimento em grupo, mobilizações sociais, entre outras); • Ficha de visita domiciliar – utilizada por todos os profissionais para registrar a visita domiciliar realizada ao usuário adscrito no território da unidade básica de saúde.
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