Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.1 Página | 1 PMSUS - Oficina 4 AS REDES DE ATENÇÃO EM SAÚDE 1) CONCEITUAR AS REDES, SUAS ESTRUTURAS, OBJETIVOS E DIRETRIZES; Pode-se definir as RASs como organizações poliárquicas de conjuntos de serviços de saúde, vinculados entre si por uma missão única, por objetivos comuns e por uma ação cooperativa e interdependente, que permitem ofertar uma atenção contínua e integral a determinada população, coordenada pela atenção primária à saúde – prestada no tempo certo, no lugar certo, com o custo certo, com a qualidade certa, de forma humanizada e com equidade – e com responsabilidades sanitária e econômica e gerando valor para a população. Conteúdos básicos das RASs: • Apresentam missão e objetivos comuns; • Operam de forma cooperativa e interdependente; • Intercambiam constantemente seus recursos; • São estabelecidas sem hierarquia entre os pontos de atenção à saúde, organizando-se de forma poliárquica; • Implicam um contínuo de atenção nos níveis primário, secundário e terciário; • Convocam uma atenção integral com intervenções promocionais, preventivas, curativas, cuidadoras, reabilitadoras e paliativas; • Funcionam sob coordenação da APS; • Prestam atenção oportuna, em tempos e lugares certos, de forma eficiente e ofertando serviços seguros e efetivos, em consonância com as evidências disponíveis; • Focam-se no ciclo completo de atenção a uma condição de saúde; • Têm responsabilidades sanitárias e econômicas inequívocas por sua população; • Geram valor para a sua população. Os objetivos de uma RAS são melhorar a qualidade da atenção, a qualidade de vida das pessoas usuárias, os resultados sanitários do sistema de atenção à saúde, a eficiência na utilização dos recursos e a equidade em saúde. As redes são relações não hierárquicas de compartilhamento de objetivos comuns entre vários atores, com troca de recursos entre si, no suposto de que a cooperação é a melhor forma de alcançar esses objetivos. Nas RASs, a concepção de hierarquia é substituída pela de poliarquia e o sistema organiza-se sob a forma de uma rede horizontal de atenção à saúde. Assim, nas redes de atenção à saúde não há uma hierarquia entre os diferentes pontos de atenção à saúde, mas a conformação de uma rede horizontal de pontos de atenção à saúde de distintas densidades tecnológicas e seus sistemas de apoio, sem ordem e sem grau de importância entre eles. Todos os pontos de atenção à saúde são igualmente importantes para que se cumpram os objetivos das redes de atenção à saúde; apenas se diferenciam pelas diferentes densidades tecnológicas que os caracterizam. Vistas de outra forma, as organizações hierárquicas ou piramidais corresponderiam a redes em árvore que se caracterizam pela limitação das conexões entre seus diversos ramos e onde predominam os fluxos hierárquicos, de um centro menor para seu superior e, não havendo caminhos alternativos, podem ocorrer pontos de estrangulamento, impedindo o acesso da população aos níveis superiores da hierarquia. Ao contrário, as redes poliárquicas ou redes em malha, em que cada nó se liga a vários outros, permitem percorrer caminhos variados entre esses nós de forma que os diversos ramos estão interconectados. As RASs constituem-se de três elementos fundamentais: uma população, uma estrutura operacional e um modelo de atenção à saúde. A população de responsabilidade das RAS não é a população dos censos demográficos, mas a população cadastrada e vinculada a uma unidade de APS. Essa população vive em territórios sanitários singulares, organiza-se socialmente em famílias e é cadastrada e registrada em subpopulações por riscos sociais e sanitários. As RASs estruturam-se para enfrentar uma condição de saúde específica, por meio de um ciclo completo de atendimento, o que implica a continuidade da atenção à saúde (atenção primária, atenção secundária e atenção terciária à saúde) e a integralidade da atenção à saúde (ações de promoção da saúde, de prevenção das condições de saúde e de gestão das condições de saúde estabelecidas por meio de intervenções de cura, cuidado, reabilitação e paliação). A estrutura operacional das RASs compõe-se de cinco componentes: 1. O centro de comunicação, a APS; 2. Os pontos de atenção à saúde secundários e terciários; Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.1 Página | 2 3. Os sistemas de apoio (sistema de apoio diagnóstico e terapêutico, sistema de assistência farmacêutica e sistema de informação em saúde); 4. Os sistemas logísticos (cartão de identificação das pessoas usuárias, prontuário clínico, sistemas de acesso regulado à atenção e sistemas de transporte em saúde); e 5. O sistema de governança. Os três primeiros correspondem aos nós das redes e, o quarto, às ligações que comunicam os diferentes nós. O subsistema de transporte em saúde de pessoas opera com ações primárias e secundárias. O transporte em saúde primário faz-se da residência ou do local de adoecimento ou do trauma até uma unidade de saúde; o transporte secundário faz-se entre duas unidades de saúde distintas. O terceiro elemento constitutivo das RAS são os modelos de atenção à saúde. Os modelos de atenção à saúde são sistemas lógicos que organizam o funcionamento das RAS, articulando, de forma singular, as relações entre os componentes da rede e as intervenções sanitárias, definidos em razão da visão prevalecente da saúde, das situações demográfica e epidemiológica e dos determinantes sociais da saúde, vigentes em determinado tempo e em determinada sociedade. Os modelos de atenção à saúde são de dois tipos: os modelos de atenção aos eventos agudos e os modelos de atenção às condições crônicas. 2) COMPREENDER A CLASSIFICAÇÃO DAS REDES (CEGONHA, URGÊNCIA E EMERGÊNCIA, ATENÇÃO PSICOSSOCIAL, DEFICIÊNCIA E DOENÇAS CRÔNICAS) E ESPECIFICAR SEUS PROBLEMAS; Após a publicação da Portaria GM/MS n. 4.279/2010 que organiza no SUS as RAS, cinco redes temáticas prioritárias foram pactuadas para serem implantadas nas regiões de saúde do país: • Rede Cegonha, por meio da Portaria n. 1.459 de 24 de junho de 2011 (BRASIL, 2011b); • Rede de Urgência e Emergência (RUE), por meio da Portaria GM/MS n. 1.600 de 7 de julho de 2011(BRASIL, 2011c); • Rede de Atenção Psicossocial para as pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas (Raps), pela Portaria GM/MS n. 3.088 de 23 de dezembro de 2011 (BRASIL, 2011d); • Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiências (Viver Sem Limites), Portaria GM/MS n. 793 de 24 de abril de 2012 (BRASIL, 2012a); • Rede de Atenção à Saúde das Pessoas com Doenças Crônicas, no âmbito do Sistema Único de Saúde, Portaria GM/ MS n. 483 de 1o de abril de 2014. A Rede Cegonha, primeira rede a ser pactuada, consiste em uma rede de cuidados que visa assegurar à mulher o direito ao planejamento reprodutivo e atenção humanizada à gravidez, ao parto e ao puerpério, bem como à criança o direito ao nascimento seguro, ao crescimento e ao desenvolvimento saudáveis e tem como objetivo, além de fomentar a implementação de novo modelo de atenção à saúde da mulher e à saúde da criança, reduzir a mortalidade materna e infantil com ênfase no componente neonatal. A portaria da Rede Cegonha prevê que a operacionalização se dá em cinco fases: (1) adesão e diagnóstico; (2) desenho regional da Rede Cegonha; (3) contratualização dos Pontos de Atenção; (4) qualificação dos componentes; e (5) certificação. A organização da Rede Cegonha se dá a partir de quatro componentes: (1) Pré-Natal; (2) Parto e Nascimento; (3) Puerpério e Atenção Integral à Saúde da Criança; (4) Sistema Logístico. A Rede de Urgência e Emergência(RUE), também chamada Rede Saúde Toda Hora, tem como diretrizes a ampliação do acesso e o acolhimento aos casos agudos demandados aos serviços de saúde em todos os pontos de atenção, contemplando a classificação de risco e a intervenção adequada e necessária aos diferentes agravos, com garantia da universalidade, equidade e integralidade no atendimento às urgências clínicas, cirúrgicas, gineco-obstétricas, psiquiátricas, pediátricas e às relacionadas a causas externas (traumatismos, violências e acidentes). As prioridades dessa rede temática são as linhas de cuidados cardiovasculares, cerebrovasculares e traumatológicos. Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.1 Página | 3 Os Componentes da RUE são: (1) Promoção, Prevenção e Vigilância à Saúde; (2) Atenção Primária à Saúde; (3) Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU- 192) e suas Centrais de Regulação Médica das Urgências e emergências; (4) Sala de Estabilização; (5) Força Nacional de Saúde do SUS; (6) Unidades de Pronto Atendimento (UPA 24h) e o conjunto de serviços de urgência 24 horas; (7) Hospitalar; (8) Atenção Domiciliar. A Rede de Atenção Psicossocial, possui finalidade de criação, ampliação e articulação de pontos de atenção à saúde para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, no âmbito do SUS. Essa rede tem como diretrizes para o seu funcionamento: (1) o respeito aos direitos humanos, garantindo a autonomia e a liberdade das pessoas; (2) a promoção da equidade, reconhecendo os determinantes sociais da saúde; (3) o combate a estigmas e preconceitos; (4) a garantia do acesso e da qualidade dos serviços, ofertando cuidado integral e assistência multiprofissional, sob a lógica interdisciplinar; (5) atenção humanizada e centrada nas necessidades das pessoas; (6) diversificação das estratégias de cuidado; (7) desenvolvimento de atividades no território, que favoreça a inclusão social com vistas à promoção de autonomia e ao exercício da cidadania. Tem como componentes: (1) Atenção Primária em Saúde; (2) Atenção Psicossocial Especializada (Os CAPS); (3) Atenção a Urgência e Emergência; (4) Atenção Residencial de Caráter Transitório; (5) Atenção Hospitalar; (6) Estratégias de Desinstitucionalização e Reabilitação Psicossocial. Os pontos de atenção da Atenção Primária em Saúde são formados pelas Unidades Básicas de Saúde; equipe de atenção básica para populações específicas, que são formadas pelas Equipes de Consultório na Rua e Equipes de apoio aos serviços do componente Atenção Residencial de Caráter Transitório; e Centros de Convivência. A Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência faz parte do Programa Viver Sem Limites (VSL). Os objetivos dessa rede são ampliar o acesso e qualificar o atendimento às pessoas com deficiência temporária ou permanente, progressiva, regressiva ou estável, intermitente ou contínua, no âmbito do SUS. Tem como uma das diretrizes gerais o respeito aos direitos humanos, com garantia de autonomia, independência e de liberdade às pessoas com deficiência para fazerem as próprias escolhas. As fases de operacionalização são: (1) diagnóstico e desenho regional da Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência; (2) adesão; (3) contratualização dos pontos de atenção; (4) implantação; (5) acompanhamento pelo grupo condutor. O Componente Atenção Especializada em Reabilitação Auditiva, Física, Intelectual, Visual, Ostomia e em Múltiplas Deficiências conta com os seguintes pontos de atenção: estabelecimentos de saúde habilitados em apenas um Serviço de Reabilitação (auditiva, física, intelectual, visual, ostomia ou múltiplas deficiências, que já existiam na data da publicação da portaria); Centros Especializados em Reabilitação (CER); e Centros de Especialidades Odontológicas (CEO). Esses pontos de atenção poderão contar com serviço de Oficina Ortopédica, fixo ou itinerante. A Oficina Ortopédica constitui-se em serviço de dispensação, de confecção, de adaptação e de manutenção de Órteses, Próteses e Meios Auxiliares de Locomoção (OPM). A Triagem Auditiva Neonatal é uma estratégia que permite identificar os neonatos e lactentes para diagnóstico da deficiência auditiva. O diagnóstico e a intervenção precoces são determinantes para a aquisição da linguagem oral dessas crianças, sendo necessário ampliar a integração e articulação dos serviços de reabilitação com a APS e outros pontos de atenção especializados, bem como ampliar o acesso de neonatos e lactentes à atenção à saúde auditiva no País. São objetivos gerais da Rede de Atenção às Doenças Crônicas: realizar a atenção integral à saúde das pessoas com doenças/condições crônicas, por meio da realização de ações e serviços de promoção e proteção da saúde, prevenção de agravos, diagnóstico, tratamento, reabilitação, redução de danos e manutenção da saúde. Consideram-se doenças crônicas as doenças que apresentam início gradual, com duração longa ou Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.1 Página | 4 incerta, que, em geral, apresentam múltiplas causas e cujo tratamento envolva mudanças de estilo de vida, em um processo de cuidado contínuo que, usualmente, não leva à cura. Exemplos: Hipertensão Arterial, Diabetes Mellitus, Obesidade, Doença Renal Crônica e Câncer. Os componentes dessa rede são: (1) Atenção Primária em Saúde; (2) Atenção Especializada (Ambulatorial, Hospitalar, Urgência e Emergência; (3) Sistemas de Apoio; (4) Sistemas Logísticos; (5) Regulação; (6) Governança. A implantação da Rede dá-se por meio da organização e da operacionalização de linhas de cuidado específicas, considerando os agravos de maior magnitude. 3) ENTENDER A ESTRUTURAÇÃO DAS RAS EM TORNO D A ATENÇÃO PRIMÁRIA, SECUNDÁRIA E TERCIÁRIA; As RASs apresentam uma singularidade: seu centro de comunicação situa-se na APS. O centro de comunicação das redes de atenção à saúde é o nó intercambiador no qual se coordenam os fluxos e os contrafluxos do sistema de atenção à saúde e é constituído pela APS (Unidade de APS ou equipe do PSF). As dificuldades de entender o papel protagonista da APS envolvem as dimensões política, cultural e técnica. Mas há de se reconhecer que a hegemonia dos sistemas fragmentados de atenção à saúde, voltados prioritariamente para a atenção às condições agudas e aos eventos agudos das condições crônicas, está na base da desvalorização da APS. O que é fortalecido por um sistema de pagamento por procedimentos baseado na densidade tecnológica dos diferentes serviços. A interpretação da APS como estratégia de organização do sistema de atenção à saúde implica entendê-la como uma forma singular de apropriar, recombinar, reorganizar e reordenar todos os recursos do sistema para satisfazer as necessidades, demandas e representações da população, o que resulta em sua articulação como centro de comunicação das redes de atenção à saúde. Atributos da APS nas RAS: • Primeiro contato; • Longitudinalidade; • Integralidade; • Coordenação; • Focalização na família; • Orientação comunitária; • Competência cultural. Funções da APS nas RAS: • Resolubilidade: A função de resolubilidade, inerente ao nível de atenção primária, significa que ela deve ser resolutiva, capacitada, portanto, cognitiva e tecnologicamente, para atender mais de 85% dos problemas de sua população. A função de responsabilização implica o conhecimento e o relacionamento íntimo, nos microterritórios sanitários, da população adscrita e o exercício da responsabilização econômica e sanitária em relação a ela. • Comunicação: A função de comunicação expressa o exercício, pela APS, de centro de comunicação das RASs, o que significa ter condições de ordenar os fluxose contrafluxos das pessoas, dos produtos e das informações entre os diferentes componentes das redes. • Responsabilização: A função de responsabilização implica o conhecimento e o relacionamento íntimo, nos microterritórios sanitários, da população adscrita e o exercício da responsabilização econômica e sanitária em relação a ela. Trazendo essas considerações para a realidade brasileira do SUS, a implantação dessa nova APS significará superar o modelo atual da atenção básica e instituir, em seu lugar, um novo modelo, o da atenção primária à saúde. As RASs determinam a estruturação dos pontos de atenção à saúde, secundários e terciários. Esses são os únicos elementos temáticos das RASs e, por isso, são considerados como serviços de atenção especializada. Esses pontos de atenção à saúde se distribuem, espacialmente, de acordo com o processo de territorialização: os pontos de atenção secundária, nas microrregiões sanitárias, e os pontos de atenção Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.1 Página | 5 terciária, nas macrorregiões sanitárias. Além disso, articulam-se com os níveis de atenção à saúde: os pontos de atenção secundária compõem o nível de atenção secundária (“média complexidade”) e os pontos de atenção terciária integram o nível de atenção terciária (“alta complexidade”). Conceitualmente, os pontos de atenção secundária e terciária são nós das RASs em que se ofertam determinados serviços especializados, gerados através de uma função de produção singular. Eles se diferenciam por suas respectivas densidades tecnológicas, sendo os pontos de atenção terciária mais densos tecnologicamente que os pontos de atenção secundária e, por essa razão, tendem a ser mais concentrados espacialmente. Contudo, na perspectiva das redes poliárquicas, não há, entre eles, relações de principalidade ou subordinação, já que todos são igualmente importantes para se atingirem os objetivos comuns das RASs. A partir desse conceito pode-se concluir que os pontos de atenção à saúde não são, necessariamente, iguais a estabelecimentos de saúde. Por exemplo, um hospital, por ser uma unidade de saúde que oferta muitos produtos diferenciados, pode conter vários pontos de atenção à saúde: a unidade de terapia intensiva de neonatologia e a maternidade são pontos de atenção à saúde de uma rede de atenção à mulher e à criança; o centro cirúrgico e as enfermarias de clínica médica são pontos de atenção à saúde de uma rede de atenção às doenças cardiovasculares; a unidade de quimioterapia e radioterapia são pontos de atenção de uma rede de atenção às doenças oncológicas; a unidade de terapia intensiva de adultos é um ponto de atenção da rede de atenção às urgências e às emergências etc. Conforme a natureza da rede temática de atenção à saúde, definem-se os pontos de atenção secundária e terciária: os Centros de Apoio Psicossocial (CAPSs), nas redes de atenção à saúde mental; os Centros de Especialidades Odontológicas (CEOs), nas redes de atenção à saúde bucal; as Unidades de Terapia Renal Substitutiva (TRSs), nas redes de atenção às doenças renais; o Centro de Referência de Atenção aos Idosos, nas redes de atenção aos idosos; as maternidades nas redes de atenção às mulheres e às crianças etc Em geral, os pontos de atenção secundária e terciária são constituídos por unidades hospitalares e por unidades ambulatoriais, estas últimas, podendo estar situadas no hospital ou fora dele. O sistema de pagamento dos centros de especialidades médicas é, em geral, realizado por procedimentos. Esse sistema de pagamento traz incentivos perversos aos prestadores, induzindo-os a produzir mais procedimentos, especialmente os de maior densidade tecnológica, para que maximizem suas rendas. Nos pontos de atenção secundária de uma RAS, o sistema de pagamento deve ser por orçamento global ou por capitação ajustada por gênero e idade, já que essas formas de pagamento invertem o sinal do incentivo e fazem com que os prestadores apliquem mais esforços nas ações de promoção, prevenção e de contenção do risco evolutivo em condições de saúde de menores riscos. Os hospitais, como integrantes de uma RAS, desempenham funções diferenciadas em relação aos hospitais nos sistemas fragmentados de atenção à saúde. A razão é clara: as RASs caracterizam-se pela poliarquia, o que é incompatível com hospitalocentrismo que marca os sistemas fragmentados. Os hospitais, nas RASs, devem cumprir, principalmente, a função de responder às condições agudas ou aos momentos de agudização das condições crônicas, conforme estabelecido em diretrizes clínicas baseadas em evidências. Para isso, os hospitais em redes devem ter uma densidade tecnológica compatível com o exercício dessa função e devem operar com padrões ótimos de qualidade. Nas RASs, construídas com o centro de comunicação na atenção primária à saúde, os acessos interníveis para os procedimentos eletivos serão regulados, principalmente, por esse nível de atenção à saúde, articulados com centrais de agendamento eletrônico. 4) DIFERENCIAR O MODELO HEGEMÔNICO DO MODELO DE REDES; Os sistemas fragmentados de atenção à saúde, fortemente hegemônicos, são aqueles que se organizam através de um conjunto de pontos de Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.1 Página | 6 atenção à saúde, isolados e incomunicados uns dos outros, e que, por consequência, são incapazes de prestar uma atenção contínua à população. Em geral, não há uma população adscrita de responsabilização. Neles, a atenção primária à saúde não se comunica fluidamente com a atenção secundária à saúde e, esses dois níveis, também não se articulam com a atenção terciária à saúde, nem com os sistemas de apoio, nem com os sistemas logísticos. Diferentemente, os sistemas integrados de atenção à saúde, as RASs, são aqueles organizados através de um conjunto coordenado de pontos de atenção à saúde para prestar uma assistência contínua e integral a uma população definida. 5) DIFERENCIAR A DENSIDADE E COMPLEXIDADE TECNOLÓGICA; Confunde-se frequentemente complexidade com densidade tecnológica. Muitos acreditam que, quanto maior o aparato tecnológico aplicado a um determinado nível de atenção, mais complexo ele é. Na realidade, em saúde, essa fórmula não se aplica. Não é verdade que a APS seja menos complexa que os cuidados ditos de média e alta complexidades. É a APS que deve atender mais de 85% dos problemas de saúde; é aí que situa a clínica mais ampliada e onde se ofertam, preferencialmente, tecnologias de alta complexidade, como aquelas relativas a mudanças de comportamentos e estilos de vida em relação à saúde: cessação do hábito de fumar, adoção de comportamentos de alimentação saudável e de atividade física etc. Os níveis de atenção secundários e terciários constituem-se de tecnologias de maior densidade tecnológica, mas não de maiores complexidades. Tal visão distorcida de complexidade leva, consciente ou inconscientemente, os políticos, os gestores, os profissionais de saúde e a população, a uma sobrevalorização, seja material, seja simbólica, das práticas que são realizadas nos níveis secundários e terciários de atenção à saúde e, por consequência, a uma banalização da APS. 6) EXPLICAR A INFLUÊNCIA DA TRIPLA CARG A NA REDE DE ATENÇÃO (DOENÇAS CRÔNICAS E AGUDAS); A análise da carga de doença, medida em anos de vida perdidos ajustados por incapacidade, demonstra que 14,7% dessa carga são por doenças infecciosas, parasitárias e desnutrição; 10,2% por causas externas; 8,8% por condições maternas e perinatais; e 66,3% por doenças crônicas. O somatório das suas últimas, que são condições crônicas, revela que 75% da carga de doença no país são determinados por condições crônicas. A situação epidemiológica brasileira se define poralguns atributos fundamentais: a superposição de etapas, com a persistência concomitante das doenças infecciosas e carenciais e das condições crônicas; as contratransições, movimentos de ressurgimento de doenças que se acreditavam superadas, as reemergências de doenças como a dengue e febre amarela; a transição prolongada, a falta de resolução da transição num sentido definitivo; a polarização epidemiológica, representada pela agudização das desigualdades sociais em matéria de saúde; e o surgimento das novas doenças ou enfermidades emergentes. Essa complexa situação tem sido definida, recentemente, como tripla carga de doenças porque envolve, ao mesmo tempo: uma agenda não concluída de infecções, desnutrição e problemas de saúde reprodutiva; o desafio das doenças crônicas e de seus fatores de riscos, como o tabagismo, o sobrepeso e a obesidade, a inatividade física, o estresse e a alimentação inadequada; e o forte crescimento da violência e das causas externas. Essa situação de saúde de tripla carga de doença, com predomínio das condições crônicas não pode ser enfrentada com sucesso por sistemas de atenção à saúde fragmentados e voltados para a atenção às condições agudas. O modelo de atenção (terceiro elemento constitutivo das RAS) à saúde é um sistema lógico que organiza o funcionamento das redes de atenção à saúde, articulando, de forma singular, as relações entre a população e suas subpopulações estratificadas por riscos, os focos das intervenções do sistema de atenção à saúde e os diferentes tipos de intervenções sanitárias, definidos em função da visão prevalecente de saúde, das situações, demográfica e epidemiológica, e dos determinantes sociais da saúde vigentes em determinados tempo e sociedade. Os modelos de atenção à saúde são de dois tipos: os modelos de atenção aos eventos agudos e os modelos de atenção às condições crônicas. A necessidade de se mudarem os sistemas de atenção à saúde para que possam responder com efetividade, eficiência e segurança a situações de saúde dominadas pelas condições crônicas levou ao desenvolvimento dos modelos de atenção à saúde. Por isso, eles têm sido Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.1 Página | 7 dirigidos, principalmente, para o manejo das condições crônicas. Esse modelo compõe-se de seis elementos, subdivididos em dois grandes campos: o sistema de atenção à saúde e a comunidade. No primeiro, as mudanças devem ser feitas na organização da atenção à saúde, no desenho do sistema de prestação de serviços, no suporte às decisões, nos sistemas de informação clínica e no auto-cuidado apoiado. Na comunidade, as mudanças estao centradas na articulação dos serviços de saúde com os recursos da comunidade. Esses seis elementos apresentam inter- relações que permitem desenvolver usuários informados e ativos e equipe de saúde preparada e pró-ativa para produzir melhores resultados sanitários e funcionais para a população. Há evidências abundantes e robustas, na literatura internacional, sobre os efeitos positivos do modelo de atenção crônica, seja na sua avaliação conjunta, seja na avaliação de seus elementos separadamente. 7) EXPLICAR O FUNCIONAMENTO DO COAP E SUAS DIRETRIZES. O COAP é um acordo entre os gestores dos municípios de uma mesma região de saúde, do estado e da União, definindo-se de forma colaborativa as responsabilidades e os recursos financeiros de cada signatário para a organização e a integração das ações e serviços em uma Região de Saúde, garantindo a integralidade da assistência aos usuários. Além disso, são pactuados indicadores e metas de saúde, critérios de avaliação de desempenho, forma de controle e fiscalização de sua execução e demais elementos necessários ao cumprimento do acordo. O COAP é: • Instrumento jurídico que explicita os compromissos pactuados em cada região de saúde; • Instrumento que retrata a situação atual e as intervenções necessárias para uma situação futura e expressa a programação geral de ações e serviços de saúde para a região; • Instrumento de alocação de recursos das três esferas de Governo. O COAP deve ser elaborado de acordo com a realidade local e com as competências de cada ente federado, fortalecendo a governança regional, dando destaque: • à garantia de efetividade do direito à saúde da população brasileira mediante novos arranjos organizacionais no âmbito do SUS, discutidos e pactuados nas comissões intergestores; • à definição e compartilhamento das responsabilidades sanitárias de forma solidária e cooperativa, de modo a regular as relações de interdependência dos entes na rede de atenção à saúde, consolidando acordos interfederativos, com base no planejamento em saúde e nas diretrizes dos planos nacional e estaduais de saúde aprovadas pelos respectivos conselhos de saúde; • à segurança jurídica, com definição das responsabilidades sanitárias dos entes federados na divisão de suas competências constitucionais e legais; • ao financiamento integrado e adequado às necessidades de saúde da população nos territórios regionalizados; • ao avanço no debate da saúde com envolvimento e comprometimento político dos chefes do Executivo, de forma a estabelecer e articular estratégias para reorganizar o SUS; • à maior transparência e publicidade dos compromissos e gastos com a saúde; • à melhoria da gestão pública, na medida em que permite uma nova forma de se relacionar no interior da própria Administração Pública com o intuito de torná-la mais eficiente. O ponto de partida para a discussão e elaboração do COAP é a manifestação da vontade política dos entes federados por meio do consenso na Região de Saúde. Essa vontade política deve estar acompanhada de condições técnico-administrativas que alicercem a sua futura celebração. O COAP será assinado pelos chefes do executivo (Prefeitos e Governador), Secretários Municipais e Estadual da Saúde e Ministro da Saúde. As Regiões de Saúdesão “espaços geográficos contínuos, constituídos por agrupamento de municípios limítrofes, delimitados a partir de identidades culturais, econômicas e sociais e de redes de comunicação e infraestrutura de transportes compartilhados, com a finalidade de integrar a organização, o planejamento e a execução de ações e serviços de saúde”, garantindo ao cidadão o direito igual a essas ações e serviços próximos de onde sua vida acontece, independentemente do lugar onde se encontre, diminuindo assim as diferenças territoriais municipais e gerando solidariedade sistêmica no SUS. Dentre os objetivos para a organização de uma Região de Saúde, destacam-se: Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.1 Página | 8 • garantir o acesso resolutivo da população, em tempo oportuno e com qualidade, às ações e serviços de promoção, proteção e recuperação da saúde, organizados em redes de atenção à saúde, assegurando-se um padrão de integralidade; • efetivar o processo de descentralização de ações e serviços de saúde entre os entes federados, com responsabilização compartilhada, favorecendo a ação solidária e cooperativa entre os gestores, evitando a duplicação de meios para atingir as mesmas finalidades; • buscar a racionalidade dos gastos, a otimização de recursos e eficiência na rede de atenção à saúde, por meio da conjugação interfederativa de recursos financeiros entre outros, de modo a reduzir as desigualdades locais e regionais. Para tanto, a Região de Saúde deve conjugar serviços de vários níveis de densidade tecnológica e ofertar um mínimo de ações e serviços de: • Atenção primária. • Urgência e emergência. • Atenção psicossocial. • Atenção ambulatorial especializada e hospitalar. • Vigilância em saúde. Cabe ao estado e à União o papel de promover a equidade regional, minimizando asdiferenças, transferindo recursos de acordo com as necessidades e as características regionais. O planejamento regional integrado ocorre na Região de Saúde e parte do reconhecimento da região como o território para a identificação das necessidades de saúde da população, com base no perfil epidemiológico, demográfico, socioeconômico; a articulação e coordenação interfederativa; a organização das ações e serviços de saúde em rede de atenção; e a alocação dos recursos de custeio e investimentos. A produção resultante desse processo compõe o COAP e expressa: • a identificação das necessidades de saúde da população e a análise da situação de saúde do território; • as diretrizes, os objetivos plurianuais e as metas anuais, bem como os prazos de execução, indicadores e responsabilidades dos entes federados; • a Programação Anual de Ações e Serviços de Saúde (PGASS), incluindo os componentes de promoção, proteção, recuperação e reabilitação em saúde, (assistência, vigilância em saúde - epidemiológica, sanitária e saúde ambiental - e assistência farmacêutica); • as responsabilidades pelo financiamento.
Compartilhar