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Conteudista: Prof.ª M.ª Elisangela Pereira de Queiros Mazuelos Revisão Textual: Thaís Teixeira Tardivo Stringaci Objetivos da Unidade: Adquirir conhecimentos a propósito da trajetória terminológica da Questão Social; Entender as articulações com a política social e os entraves impostos pelo neoliberalismo na política; Refletir a profissão de assistente social como prática técnica operativa e reflexiva na política de seguridade social na direção do projeto ético-político profissional. Material Teórico Material Complementar Referências Questão Social e Assistência Social no Brasil Análise da Construção do Conceito de Questão Social e suas Implicações para a Operatividade Reflexiva da Política Social “A tontura da fome é pior do que a do álcool. A tontura do álcool nos impele a cantar. Mas a da fome nos faz tremer. Percebi que é horrível ter só ar dentro do estômago” (JESUS, 2014). O recorte do livro da escritora Carolina Maria de Jesus “O Quarto de Despejo” nos convida a refletir questões fundamentais para a sobrevivência de qualquer ser humano, que é alimentar- se. Embora possa parecer algo recorrente na vida de qualquer pessoa, nem todos tem acesso à segurança alimentar. Nesta obra, a autora relata sua vida como moradora de uma comunidade carente, mulher pobre, preta e chefe de família, sem trabalho formal na década de 1950, narrando os desafios de viver à margem da sociedade sem apoio social. Esses apontamentos levam a compreender que a questão da pobreza e da exclusão social está presente na sociedade brasileira desde sua colonização. Para nos ajudar nessas discussões para a análise da construção do conceito de Questão Social, bem como as implicações para a sua operatividade, é relevante a aproximação da compreensão do sistema econômico de produção e reprodução de mercadorias e como o(a) trabalhador(a) está nesse cenário desse modo, uma vez que para que as pessoas tenham acesso ao básico é necessário o trabalho. Assim, Marx (1982) relata que o capitalismo, que é o sistema econômico e que se utiliza da exploração da força de trabalho para o acúmulo de capital por meio da mais valia, contribui para as distorções sociais. A definição de mais valia é a disparidade entre o salário pago e o valor produzido pelo trabalho, base da exploração e alienação. Essas TEMA 1 de 3 Material Teórico contradições são consideradas fundamentais ao capitalismo e que deflagram as expressões da questão social. Segundo Iamamoto (1999, p. 27), a Questão Social pode ser definida como: Desse modo, torna-se relevante a reflexão sobre o direito de todo ser humano: - COUTO, 2004, p. 34 “O conjunto das expressões das desigualdades da sociedade capitalista madura, que têm uma raiz comum: a produção social é cada vez mais coletiva, o trabalho torna- se mais amplamente social, enquanto a apropriação dos seus frutos se mantém privada, monopolizada por uma parte da sociedade.” “Existem dois paradigmas para compreender a ideia que iluminou o movimento de conquistas de direitos. O primeiro é o defendido pelos jus naturalistas, que compreendia o campo dos direitos como algo inerente a condição humana [...] a natureza humana por si só é detentora de direitos. O segundo, representado pela ideia de que os direitos são resultados do movimento histórico em que são debatidos, correspondendo a um homem concreto e as suas necessidades [...] os direitos dos homens são direitos históricos que emergem gradualmente das lutas que o homem trava por sua própria emancipação e das transformações das condições de vida que essas lutas.” Nessa perspectiva, observa-se duas linhas vinculadas ao Direito que percorreram as sociedades: a primeira compreendia que o ser humano era portador de direitos, afinal, somos humanidade; a segunda linha vincula-se à análise de que os direitos, sejam eles quais forem, são conquistados historicamente, na maioria das vezes envolvendo conflitos e guerras. Percebe-se, portanto, que a ideia de direito não é simples. Uma vertente expressava que os seres humanos nascem com direitos, e a outra compreendia que todos os direitos são adquiridos historicamente, diferentes entendimentos em torno da mesma questão. Com o passar do tempo, as sociedades foram desenhando suas diretrizes em torno do que é direito, entretanto, parece que a segunda linha encontrou maior consonância com a humanidade. Vídeo A História dos Direitos Humanos Assista o documentário a seguir, produzido por United for the Human Rights. A História dos Direitos Humanos (legenda) https://www.youtube.com/watch?v=uCnIKEOtbfc Somente nos séculos XVII e XVIII é que surgiu o reconhecimento de que o homem genérico é portador de direitos reconhecidos como individuais. Buscando uma aproximação histórica, a Europa, influenciada pelo Iluminismo, mudou a política, economia e a sociedade pela vertente do conhecimento, o que antes não era simples, já que as explicações para os desafios, guerras e desigualdades fundamentava-se na vertente religiosa. As sociedades se constituíram entre pensamentos distintos (filosofias). A palavra “filosofia” significa amor pela sabedoria, pelo conhecimento. Desse modo, o saber foi adentrando nas sociedades, e a reflexão em torno das desigualdades foi tomando consciência para as pessoas que sofriam dessa questão e que reivindicavam sua posição enquanto cidadãos. É importante analisar que, para se constituir como um ser, é necessário cuidados, sobretudo quando esse indivíduo está inserido em sociedades desiguais, como é o caso brasileiro. As ideias do Iluminismo contribuíram para avanços nas sociedades. Essa vertente propunha mudanças pelo conhecimento e pela razão, fundamentada em ideias, culturas e conhecimento, contrapondo-se ao domínio do clero. Figura 1 – Catedral de Santa Maria Dei Fiori, período da Renascença, origem do Iluminismo Fonte: Getty Images Outro pensamento que se disseminou pela Europa, e consequentemente pelo mundo, foi o liberalismo. Os adeptos dessa filosofia estavam insatisfeitos com o regime monarca, representado pela figura do Rei, que era comparada à de um deus. Esses súditos, exauridos pela exploração desse regime que não cuidava da população mais empobrecida, promoveram revoluções. Um dos seus pensadores era Adam Smith. As pessoas que seguiam o liberalismo comungavam da premissa da retração do Estado na vida comum e no mercado, hoje conhecido como neoliberalismo. O neoliberalismo caminha par e passo com o sistema econômico hegemônico e interfere demasiadamente na economia, trazendo pouca ressonância ao desequilíbrio estrutural do país, somado à história de colonização do Brasil, que contribuiu para o enraizamento da pobreza. O resultado é uma nação desigual. Essas desigualdades precisam ser arrefecidas. Para tanto, existem mecanismos de contenção que são as políticas sociais. Ocorre que as diferenças de posicionamentos ideológicos podem promover políticas sociais e as manter ou, a depender do poder político ideológico, retraí-las e as extinguir. Nesse contraponto, as manifestações e lutas sociais são fundamentais para garantir a manutenção e o aumento das políticas sociais. A título de ilustração, vamos entender introdutoriamente as lutas do Movimento Sem Terra (MST). Independentemente de questões políticas partidárias, esse movimento representa as desigualdades sociais na falta de moradia, para tanto é importante a pressão desse movimento por políticas públicas. Viana (2000, p. 50) entende que o palco dos movimentos sociais nos anos 1980 foi a cidade, as ruas; nos anos de 1990, foi o campo, com a força do MST colocando a reforma agrária na agenda política nacional, com suas marchas, bandeiras, ocupações e confrontos, resgatando “o velho problema fundiário brasileiro”, esquecido “pelos ventos da industrialização e da expansão urbana”. Saiba Mais Adam Smith foi escritor e filósofo, e seu tratado “A Riqueza das Nações” inspirou muitos seguidores. Os objetivos do MST, para além da reforma agrária, estão no bojo das discussões sobre as transformações sociais importantes ao Brasil, principalmente àquelas no tocante à inclusão social. Se por um lado existiram avanços e conquistas nessa luta, ainda há muito por se fazer em relação à reforma agrária no Brasil, seja em termos de desapropriação e assentamento, seja em relação à qualidade da infraestrutura disponível às famílias já assentadas. Segundo Caldart (2001, p. 210): Segundo Oliveira e Marinho (2012), as mobilizações foram frequentes na América Latina e Brasil no final desde 1970, nas quais se observou várias associações autônomas que exigiam mais atenção e cuidados com suas questões, tanto por habitação, saúde, assistência social ou educação quanto por demandas novas e outras já conhecidas juntas, ou seja, questões complexas da sociedade que se modificaram e, por serem urgentes, mereciam espaço e valorização. Nos anos de 1990, surgiram o Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua e as lutas dos aposentados e pensionista por seus direitos previdenciários, juntamente com as iniciativas do segmento denominado “melhor idade”, que pressionava pela efetivação de direitos sociais. Derivou desse movimento o Estatuto do Idoso. O associativismo das pessoas com deficiências e doenças graves visava a garantia de direitos e acesso a medicamentos e tratamentos, como um conjunto de ações coletivas distintas, algumas “A formação dos Sem Terra nos remete a um processo de fazer-se humano na história que está produzindo e sendo produzido em um movimento de luta social, também constituído como parte de um movimento socio-cultural mais amplo; mesmo sem que os Sem Terra tenham plena consciência disso, tal movimento extrapola seus interesses corporativos e projeta novos contornos para a vida em sociedade.” com alto grau de institucionalização, não se constituindo, necessariamente, em lutas de escopo emancipatório. Para Viana (2000, p. 48), as redes de movimentos sociais são “articulações despreocupadas com o formalismo organizacional e que têm como objetivo se constituírem em força de pressão institucional e de mobilização” de maior escopo, o que só aconteceu na medida em que essas experiências não avançaram para intervenções mais críticas e menos imediatas, no sentido de combater a fome pelas raízes que a engendram. Essas observações estão imergidas na forte presença neoliberal que recrudesce a questão social e gera desigualdades na produção e reprodução de mercadorias. Essas desigualdades são manifestadas no cotidiano das pessoas, e os(as) assistentes sociais atuam exatamente nessa assimetria na tentativa de efetivar os direitos sociais destinados à população. O pensamento neoliberal defende uma segmentação entre as esferas do Estado e do mercado. O neoliberalismo entende a existência e permanência das questões econômicas no âmbito do mercado, enquanto ao Estado cabem os processos da política formal e, eventualmente, algumas atividades sociais. Desse modo, trata-se de uma concepção de o Estado como público, e de tudo o que não é estatal como privado. - IAMAMOTTO, 2011, p. 169 “[...] o enfrentamento da voga neoliberal em suas características conservadoras e primitivas, que reduzem o cidadão à figura do consumidor ao erigir o mercado como eixo regulador da vida social, obscurecendo as funções públicas do Estado a favor de sua privatização.” Para Netto (2000), as concepções liberais clássicas foram destruídas quando o capitalismo entrou na sua fase monopolista, evento que ocorreu no final do Século XIX. O que se convencionou chamar de “livre mercado” transformou-se em mero discurso, já que o próprio capital exigiu um Estado necessariamente intervencionista, capaz de regular “a seu contento” as relações sociais. E a fórmula liberal, pela qual os interesses particulares em disputa produziriam automaticamente (naturalmente) o bem público e o equilíbrio social, mostrou-se igualmente falsa. Ainda no entendimento do que é a corrente liberal que comunga com o sistema econômico, este após a Segunda Guerra adentrou com força nos países capitalistas. A ofensiva neoliberal agarrou-se a essa falsificação histórica para, logo em seguida às crises aqui discutidas, erguer-se e impor-se mundialmente. Aproveitou-se de crises que, aparentemente, comprovavam as ideias neoliberais de que “economias planejadas não se sustentam” (NETTO, 2000, p. 35), “estados intervencionistas não sustentam o crescimento econômico e o bem-estar”. Com isso, conseguiu a façanha de esconder sua própria “folha- corrida” burguesa da primeira metade do Século XX (guerras mundiais, nazifascismos, ditaduras, aumento desmedido da desigualdade social no mundo, destruição dos recursos naturais). Para Faleiros (1997, p. 37): “A expressão questão social é tomada de forma muito genérica, embora seja usada para definir uma particularidade profissional. Se for entendida como sendo as contradições do processo de acumulação capitalista, seria, por sua vez, contraditório colocá-la como objeto particular de uma profissão determinada, já que se refere a relações impossíveis de serem tratadas profissionalmente, através de estratégias institucionais/relacionais próprias do próprio desenvolvimento das práticas do Serviço Social. Se forem as manifestações dessas contradições o objeto profissional, é preciso também qualificá-las para não colocar em pauta toda a Figura 2 – Criança em situação de pobreza Fonte: Getty Images Com o apoio de autores que debatem esta temática, como Iamamoto (2005); Faleiros (1997) e Netto e Braz (2006), pode-se perceber que a Questão Social tem sua origem na desigualdade da formação econômica. O sistema capitalista, na sua concepção, precisava de trabalho braçal. Ao utilizar-se desse trabalho, extraía o que Karl Marx (1982) denominou de mais-valia. Com o avançar do sistema econômico e as novas tecnologias, a mão de obra da classe trabalhadora é cada vez menos utilizada ou subutilizada, todavia, a maneira de extrair a mais-valia não mudou. heterogeneidade de situações que, segundo Netto, caracteriza, justamente, o Serviço Social.” Impactos no mundo do trabalho interferem na vida das pessoas. O trabalho nas sociedades é constitutivo do ser social, é construção de identidade, valor, manutenção da vida, portanto, a falta desse elemento ou trabalhos precários atingem as sociedades e transformam as relações sociais. Percebe-se que esse mecanismo de trabalho permeado de concepções embutiu ao longo da história a naturalização de que todos(as) devem trabalhar independentemente das condições do trabalho, da saúde de quem executa ou dos meios de acesso. O trabalho é inerente às sociedades, o que não faz parte dessa natureza é a exploração, o não cuidado com o trabalhador é conviver com crianças que trabalham ou naturalizar meios de exploração. Esses posicionamentos precisam ser revisitados e redefinidos, não se pode naturalizar a exploração, o trabalho infantil e o não cuidado com os mais vulneráveis. É importante utilizar os retrovisores da história para evitar erros que aconteceram na Revolução Industrial. Sabe-se que o trabalhador executava suas tarefas de 12 a 14 horas diárias, sem descanso remunerado, trabalhavam homens, mulheres, crianças e idosos. Esses operários, por mais horas que trabalhassem, não enriqueciam; ao contrário, o aumento da pobreza se espalhou por toda a Europa. Porquanto, é relevante refletir que a Questão Social é consequência do sistema capitalista, o operário que depende da venda da sua força de trabalho para sobreviver fica subordinado a ele, a “acumulação do capital é, portanto, multiplicação do proletariado” explorado (MARX, 1996, p. 246). Segundo Montaño (1997), com o aprofundamento do capitalismo e do pensamento neoliberal, o Estado se ausenta da responsabilidade das práticas sociais reduzindo as verbas e investimentos nos setores públicos de saúde, habitação e assistência, aumentando, por consequência, a desigualdade já existente em nosso país e fazendo aumentar a divisão de classe social. A trajetória das políticas sociais no Brasil se iniciou de forma tardia, o modo de produção capitalista também. Enquanto na Europa ocorria a II Revolução Industrial e a passagem do capitalismo concorrencial para o capitalismo monopolista, período em que a industrialização é expandida, a economia brasileira do início do Século XX permanecia em torno da produção agrícola e da exportação de café. Vídeo A Revolução Industrial O documentário a seguir explica sobre o crescimento industrial nos Estados Unidos, e as mudanças ocorridas na Inglaterra durante o Século XIX: A Revolução Industrial - Documentário https://www.youtube.com/watch?v=7h8E_LV6VQY O início da assistência social ocorreu com a regulamentação de um campo de práticas beneméritas que podem ser identificadas como assistência social, que aparecem pela mediação do Conselho Nacional de Serviço Social (CNSS). Esse conselho é o que se entende como a primeira forma do Estado na prática da assistência, todavia, ressalta-se que a operação da assistência social estava imersa a um caráter religioso e assistencialista nos primórdios do Serviço Social no Brasil. Em 1942, no Governo Getúlio Vargas, cria-se a Legião Brasileira de Assistência (LBA). Essa instituição evidenciou a figura das primeiras-damas com a assistência social e “caracterizava- se pelo assistencialismo envolvendo as religiosas e o primeiro damismo. Esse modelo predominou até o Golpe de 1964” (FALEIROS, 1997, p. 46). Historicamente, a Igreja era a responsável em administrar a pobreza. Essa prática comum estava na identificação da Igreja com o voluntariado e o trabalho com a pobreza no Brasil. É importante Livro Relações Sociais e Serviço Social no Brasil: Esboço de uma Interpretação Histórico-metodológica IAMAMOTO, M.; CARVALHO, R. Instituições Assistenciais e Serviço Social. In: IAMAMOTO, M.; CARVALHO, R. Relações Sociais e Serviço Social no Brasil: Esboço de uma Interpretação Histórico- metodológica. São Paulo: Cortez, 2012. que todos(as) entendam a história do Brasil para avançar na compreensão da assistência social e o lastro da política assistencialista. O avanço do capitalismo industrial na década de 1930 acarretou a intensificação da exploração da força de trabalho no país e o agravamento significativo nos níveis de desigualdade social, ocasionando um aprofundamento das expressões da questão social, principalmente a pobreza. No Brasil, com recorte para a década de 1930, período em que surgiu a profissão de Serviço Social, esse profissional objetivava administrar o avanço da pobreza, obviamente vinculado à ação social da Igreja e imerso nas filosofias iniciais da profissão, como o Tomismo, positivismo e a influência americana. As filosofias iniciais da profissão caracterizavam a forma de atender e interpretar determinada questão. Nesse início, os(as) assistentes socais não tinham bagagem teórica suficiente e prática para uma interpretação crítica da sociedade. Deste modo, é imperativo compreender que as posições políticas e ideológicas determinam a forma que uma sociedade é. No Brasil, as desigualdades sociais quase sempre eram tratadas com elementos da caridade, e a elite dominante reforçou o assistencialismo ao longo do tempo. Como o ato de dar aos pobres é parte cultural das sociedades elitizadas e estratégia benemérita, a política social como direito demorou para se concretizar. Desta feita, ao tornar a política de assistência social um direito, é importante destacar que a seguridade social está relacionada à emergência da questão social, haja vista a necessidade crescente de proporcionar alguma proteção social em uma nação extremamente desigual. Com a promulgação da Constituição de 1988 e a regulamentação da Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS) em 1993, a assistência social como direito passou a ser reconhecida. A LOAS estabelece os objetivos, princípios e diretrizes das ações. A Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988) instituiu uma série de direitos e reordenamentos que tiveram rebatimentos na dinâmica do gasto social federal. Pode-se destacar a redefinição das funções entre as esferas governamentais, que implicou numa redistribuição dos poderes de decisão e, principalmente, de recursos do governo central para os estados e municípios, tendo, como resultado, o fortalecimento fiscal e financeiro das esferas subnacionais. A política de assistência social significa garantir a todos os necessitados uma proteção sem que seja exigida contribuição prévia. Essa política permite a padronização, melhoria e ampliação dos serviços de assistência no país, respeitando as diferenças territoriais. Em 2005, o Sistema Único de Assistência Social (SUAS) foi implementado e passou a articular meios, esforços e recursos para a execução dos programas, serviços e benefícios socioassistenciais. O SUAS é composto de um conjunto de ações como serviços, programas, projetos, benefícios e transferências de renda. A Constituição Federal de 1988 determina a integração de duas ferramentas de gestão vitais para o Poder Público. A Política Nacional de Assistência Social (PNAS) e a Norma Operacional Básica (NOB/SUAS), que amplia a concepção trazendo para a área outros instrumentos de gestão do SUAS, como a informação e o monitoramento. Mesmo com a mudança de conceito a partir da Constituição de 1988, colocando a assistência social como parte da segurança social dos brasileiros que dela necessitar, ainda temos no contexto muitas pessoas que associam à política de direito ao assistencialismo. Esse ponto é uma barreira que os profissionais e a população precisam ultrapassar. Nesse sentido, é relevante diferenciar os termos. Diferenciação entre Serviço Social, Assistente Social e a Política Social no Brasil - SANTOS, 1987, p. 35 “Política Social é um termo largamente usado, mas que não se presta a uma definição precisa. O sentido em que é usado em qualquer contexto particular é em vasta matéria de conveniência ou de convenção [...] e nem uma, nem outra, explicará de que trata realmente a matéria.” Serviço Social é uma profissão de nível superior regulamentada pela Lei 8.662/1993. (O)A assistente social é o(a) profissional que executa a profissão. É exigida graduação universitária, e o registro profissional deve ser homologado em um Conselho Regional de Serviço Social (CRESS), que é o órgão responsável por fiscalizar o(a) profissional. Na atualidade, após o movimento de reconceituação, esse(a) técnico(a) atua com a política social e tem um projeto voltado para uma sociedade mais igualitária. O projeto denomina-se ético-político do Serviço Social, uma vez que ele trata de mudanças em várias esferas da vida, transformação de cultura, de modo de produção, buscando uma sociedade mais justa. Refletir sobre o projeto é buscar a origem da palavra. Projeto é algo que se pretende realizar, e é possível também denominar de plano. As sociedades são constituídas de ideias, projetos ou planos, e ao longo do tempo observamos vários exemplos do desenvolvimento de instituições e sociedades que nasceram primeiro na perspectiva do projeto, da ideia. Desse modo, nas sociedades existem projetos, chamados de projetos societários. Para identificá-los, deve-se observar e analisar a conjuntura preliminarmente. A ordem vigente é um projeto ultraliberal que tem concentração no desenvolvimento da economia, com explícito protecionismo ao capital. Consequentemente, a desigualdade social se concentra cada vez mais. Contrário a esse projeto de sociedade, o Serviço Social tem como matriz a justiça social, a mudança radical da exploração social e a luta pela igualdade. O projeto ético-político tem: - NETTO, 1999, p. 104‐105 “Autonomia, a emancipação e a plena expansão dos indivíduos sociais. Consequentemente, o projeto profissional vincula -se a um projeto societário que propõe a construção de uma nova ordem social, sem dominação e/ou exploração de classe, etnia e gênero.” Portanto, como qualquer projeto, deve-se observar como alcançá-lo e quais são os elementos essenciais para que se chegue ao objetivo de uma sociedade mais justa. Os projetos são como uma “fotografia” da profissão, e o sujeito ao aderir a determinada categoria profissional deve se reconhecer no compromisso assumido pela categoria profissional. Em 1993, consolida-se a implementação do Código de Ética do Assistente Social, firmando o compromisso de uma sociedade emancipada em busca da conquista, e a garantia de direitos e da democracia foi formalizada e legitimada. Ou seja, o Serviço Social tem o papel de organizar e assessorar os movimentos sociais, fortalecendo a classe trabalhadora e resguardando os diretos violados ou enfraquecidos pelo Estado ou organizações privadas. Todo projeto insere-se nas contradições econômicas e políticas em meio às ideias e classes sociais de ideias e filosofias contrárias. Com o projeto profissional do Serviço Social não é diferente, como nos lembra Iamamoto (1999), ao tratar da prática profissional, uma dimensão - ABEPSS, 2015, p. 14 “De acordo com a Lei de Regulamentação da Profissão do Serviço Social e o Código de Ética Profissional, ambos em 1993, e as Diretrizes curriculares da Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS) de 1996, há um compromisso dessa categoria profissional com a defesa dos direitos humanos, os interesses da classe trabalhadora, suas organizações e movimentos sociais. Para realizar tal tarefa, têm nos pressupostos do paradigma do materialismo histórico- dialético as bases de sustentação das análises críticas sobre o sistema capitalista.” política é definida pela inserção sociotécnica do Serviço Social entre os distintos e contraditórios interesses de classes. Porquanto, o Serviço Social tem sua história construída e teoricamente fundada na teoria social crítica e está gabaritado a discutir estratégias e técnicas da intervenção profissional considerando ações para a operacionalização da própria política social. Para tanto, desenvolve múltiplas competências ao longo da graduação. Um profissional comprometido com as questões sociais, atendendo as demandas dessas ações, atua com famílias, grupos e indivíduos, além de comunidades. As experiências do Serviço Social foram intensas a partir da década de 1990. Aconteceu a revisão do código de ética em 1993 (CFESS, 2012), que não respondia à nova metodologia proposta da profissão e às mudanças no cenário social, econômico e político e que culminou na efetivação da Constituição de 1988. Isso contribuiu para que a profissão tivesse um novo desenho de ação e uma metodologia próxima aos ideários de justiça social e equidade, buscando romper com o modo capitalista. Profissão foi reconhecida como parte da especialização do trabalho, regulamentada pela Lei 8662/1993 e vinculada aos Direitos Humanos, a defesa intransigente da democracia, da liberdade e com projeto de uma sociedade mais equilibrada socialmente. - CFESS, 2012, p. 23 “Ampliação e consolidação da cidadania, considerada tarefa primordial de toda sociedade, com vistas à garantia dos direitos civis, sociais e políticos das classes trabalhadoras.” No que se refere à política de assistência social no Brasil, antes da existência da própria profissão, como estudado, a assistência social estava associada à Igreja e ao trato com as pessoas empobrecidas. Com o avançar do tempo, os governos foram cuidando da questão da pobreza e/ou questão social como cada um entendia que era o correto e de acordo com seus posicionamentos ideológicos. O assistencialismo frequentemente é confundido com a política de assistência social, entretanto, após o advento da Constituição, essa política passou a ser direito do cidadão e dever do Estado. Essa confusão está relacionada ao início do Serviço Social, em que as chamadas Damas da Caridade atuavam com ações de doação e socorro aos mais necessitados. Assistencialismo é a ação de doar tempo ou recursos em prol da ajuda ao próximo, por vezes, a depender do momento, esse apoio pode estar associado a um viés político partidário e contribuir para confundir a assistência ao ato de doação. É comum a vinculação de assistencialismo à solidariedade, mas são palavras distintas. Solidariedade é amparo, apoio, identificação com o sofrimento do outro. Essa condição é inerente ao ser humano e muitas vezes é manifestada em catástrofes como alagamentos, desabamentos etc. Assistencialismo, segundo o dicionário, é doutrina, sistema ou prática (individual, grupal, estatal, social) que preconiza, organiza e/ou presta assistência a membros carentes continuamente sendo realizada (ASSISTENCIALISMO, C2022). O assistencialismo retira o direito da população e isenta o Estado e suas responsabilidades junto à sociedade. Você Sabia? A primeira escola de Serviço Social do mundo surgiu em Amsterdã, em 1899, para resolver a Trocando Ideias... Observar, descrever e refletir a construção do conceito de Questão Social não é tarefa fácil. Parte dos estudiosos aponta que o conceito é intrínseco às desigualdades sociais, ou seja, o sistema econômico ao mesmo tempo que cria tecnologias e empregos, também pela sua própria natureza explora trabalhadores e/ou dá prioridade a avanços tecnológicos, retirando trabalhos deles, uma contradição que necessita de estudos mais aprofundados para melhor análise. Perceber esses pontos certamente contribuem para executar e/ou operacionalizar as políticas sociais. Ter a dimensão e uma análise real de como a construção das políticas aconteceram é parte constitutiva da profissão de assistente social, por essa razão é exigida dos profissionais na atualidade a compressão exata do que cada terminologia significa. Quadro 1 – Informações das Profissões Serviço Social Profissão de nível superior. questão do disciplinamento do tempo do operário. Assistente Social Profissional graduado em Serviço Social com registro no CRESS. Política Social Conjunto de ações e programas que o profissional em Serviço Social, dentre outros, atua. Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Livros Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada JESUS, C. M. Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada. São Paulo: Ática, 2014. Vídeos Profissão Assistente Social | De Olho no Futuro TEMA 2 de 3 Material Complementar Pro�ssão Assistente Social | De Olho no Futuro https://www.youtube.com/watch?v=J0uOTxpINhE Podcast Fronteiras do Tempo #6 – Revolução Industrial Leitura Parâmetros para Atuação de Assistentes Sociais na Política de Assistência Social Clique no botão para conferir o conteúdo. ACESSE Fronteiras no Tempo #6 – Revolução Industrial Jun 2015 • Fronteiras no Tempo 1:04:45 Fronteiras no Tempo #6 – Revolução Industrial Jun 2015 • Fronteiras no Tempo 1:04:45 Fronteiras no Tempo #6 – Revolução Industrial Jun 2015 • Fronteiras no Tempo 1:04:45 Fronteiras no Tempo #6 – Revolução Industrial Jun 2015 • Fronteiras no Tempo 1:04:45 https://bit.ly/35dqOYM ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ENSINO E PESQUISA EM SERVIÇO SOCIAL (ABEPSS). Contribuição da ABEPSS para o Fortalecimento dos Programas de Pós-Graduação em Serviço Social no Brasil. Fórum Nacional de Coordenadores de Pós-Graduação da ABEPSS, 2015. Disponível em: <https://www.abepss.org.br/arquivos/anexos/contribuicao-da-abepss-para-o- fortalecimento-dos-programas--de-pos-revisto-201703241351072223440.pdf>. Acesso em 15/02/2022. ASSISTENCIALISMO. In: DICIO: Dicionário Online de Português. [S. l.: s. n.], c2022. Disponível em: <https://www.dicio.com.br/assistencialismo/>. Acesso em: 10/02/2022. BRASIL. 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