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DOCÊNCIA EM SAÚDE FARMACOLOGIA GERAL 1 Copyright © Portal Educação 2012 – Portal Educação Todos os direitos reservados R: Sete de setembro, 1686 – Centro – CEP: 79002-130 Telematrículas e Teleatendimento: 0800 707 4520 Internacional: +55 (67) 3303-4520 atendimento@portaleducacao.com.br – Campo Grande-MS Endereço Internet: http://www.portaleducacao.com.br Dados Internacionais de Catalogação na Publicação - Brasil Triagem Organização LTDA ME Bibliotecário responsável: Rodrigo Pereira CRB 1/2167 Portal Educação P842f Farmacologia geral / Portal Educação. - Campo Grande: Portal Educação, 2012. 246p. : il. Inclui bibliografia ISBN 978-85-66104-38-7 1. Farmacologia. 2. Medicamentos. I. Portal Educação. II. Título. CDD 615.3 2 SUMÁRIO 1 HISTÓRICO DA FARMACOLOGIA ........................................................................................... 7 2 CONCEITOS BÁSICOS EM FARMACOLOGIA ....................................................................... 10 2.1 A NATUREZA DAS DROGAS ................................................................................................... 11 2.2 RELAÇÕES ENTRE FARMACOCINÉTICA E FARMACODINÂMICA ....................................... 12 2.3 FARMACOLOGIA CLÍNICA ....................................................................................................... 18 2.4 BIODISPONIBILIDADE DE DROGAS ....................................................................................... 20 2.5 AVALIAÇÃO DE BIODISPONIBILIDADE E BIOEQUIVALÊNCIA ............................................. 26 2.5.1 Relativa à mesma dose e via de administração......................................................................... 30 3 NOÇÕES GERAIS DE TOXICOLOGIA .................................................................................... 32 3.1 ÁREAS DA TOXICOLOGIA ....................................................................................................... 33 3.2 AGENTE TÓXICO (AT) ............................................................................................................. 34 3.2.1 Classificação dos agentes tóxicos (AT) ..................................................................................... 34 3.3 TOXICIDADE ............................................................................................................................. 36 3.3.1 Fatores que influem na toxicidade ............................................................................................. 37 3.4 RISCO E SEGURANÇA ............................................................................................................ 38 4 INTOXICAÇÃO ......................................................................................................................... 40 4.1 DISTINÇÃO ENTRE EFEITOS ADVERSOS E NÃO ADVERSOS ............................................ 41 4.2 EFEITOS TÓXICOS .................................................................................................................. 42 4.2.1 Classificação dos efeitos tóxicos ............................................................................................... 42 5 VIAS E SISTEMAS DE ADMINISTRAÇÃO DE DROGAS ........................................................ 47 5.1 FORMAS FARMACÊUTICAS .................................................................................................... 48 3 5.2 PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DAS VIAS DE ADMINISTRAÇÃO DE DROGAS ............... 49 5.3 ADMINISTRAÇÃO ENTERAL (ORAL) ...................................................................................... 50 5.3.1 Via Sublingual ............................................................................................................................ 54 5.4 ADMINISTRAÇÃO RETAL ........................................................................................................ 54 5.5 ADMINISTRAÇÃO PARENTERAL ............................................................................................ 55 5.5.1 Intravenosa ................................................................................................................................ 56 5.5.2 Subcutânea ............................................................................................................................... 57 5.5.3 Injeção Intramuscular ................................................................................................................ 58 5.5.4 Via Intra-arterial ......................................................................................................................... 58 5.5.5 Intratecal .................................................................................................................................... 59 5.5.6 Anestesia Peridural ou Epidural ................................................................................................ 60 5.5.7 Anestesia Intra-aracnóidiana ..................................................................................................... 60 5.5.8 Intraperitoneal ............................................................................................................................ 61 5.6 ABSORÇÃO PULMONAR ......................................................................................................... 61 5.7 APLICAÇÃO TÓPICA ................................................................................................................ 62 5.7.1 Fatores que influem na absorção cutânea ................................................................................. 63 5.8 CARACTERÍSTICAS DAS VIAS DE ADMINISTRAÇÃO DE DROGAS .................................... 66 6 FARMACOCINÉTICA ............................................................................................................... 68 6.1 ABSORÇÃO DE DROGAS ........................................................................................................ 68 6.1.1 Membranas Biológicas .............................................................................................................. 70 6.1.2 Propriedades físico-químicas das drogas que interferem na absorção ..................................... 73 6.1.3 Características dos mecanismos de Transporte através de membranas .................................. 74 6.1.4 Difusão por meio dos Lipídios ................................................................................................... 77 4 6.1.5 pH e Ionização ........................................................................................................................... 78 6.2 DISTRIBUIÇÃO DE DROGAS ................................................................................................... 81 6.2.1 Competição entre drogas pela ligação a proteínas plasmáticas ................................................ 85 6.2.2 Volume de Distribuição Aparente (Vd) ....................................................................................... 87 6.3 METABOLIZAÇÃO OU BIOTRANSFORMAÇÃO DE DROGAS ................................................ 91 6.3.1 Reações de Fase I do Metabolismo .......................................................................................... 93 6.3.2 Reações de Fase II do Metabolismo ......................................................................................... 95 6.3.3 Inibição Enzimática .................................................................................................................... 97 6.3.4 InduçãoEnzimática ................................................................................................................... 98 6.3.5 Cinética do Metabolismo .......................................................................................................... 100 6.4 EXCREÇÃO DE DROGAS ....................................................................................................... 101 6.4.1 Excreção Renal ........................................................................................................................ 103 6.4.2 Depuração (“Clearance”) .......................................................................................................... 106 6.4.3 Meia-vida de drogas (T1/2) ....................................................................................................... 107 6.5 ÍNDICE TERAPÊUTICO ........................................................................................................... 109 7 FARMACOLOGIA .................................................................................................................... 111 7.1 EFEITOS DAS DROGAS NOS SISTEMAS BIOLÓGICOS ...................................................... 112 7.2 ESPECIFICIDADE DAS DROGAS ........................................................................................... 114 7.3 PROTEÍNAS-ALVOS PARA A LIGAÇÃO DE DROGAS .......................................................... 115 7.4 ENZIMAS COMO ALVOS PRIMÁRIOS PARA A AÇÃO DE DROGAS .................................... 116 7.5 CANAIS IÔNICOS COMO ALVOS PRIMÁRIOS PARA A AÇÃO DE DROGAS ....................... 117 7.6 MOLÉCULAS TRANSPORTADORAS COMO ALVOS PRIMÁRIOS PARA A AÇÃO DE DROGAS ............................................................................................................................................ 119 5 7.7 RECEPTORES COMO ALVOS PRIMÁRIOS PARA A AÇÃO DE DROGAS ........................... 120 7.7.1 Propriedades dos Receptores .................................................................................................. 122 7.8 RELAÇÃO LINEAR ENTRE OCUPAÇÃO DO RECEPTOR E RESPOSTA MÁXIMA .............. 125 7.9 CURVA DOSE-REPOSTA ........................................................................................................ 126 7.10 AGONISTAS PARCIAIS ........................................................................................................... 127 7.11 RELAÇÃO NÃO LINEAR ENTRE A OCUPAÇÃO DO RECEPTOR E A RESPOSTA .............. 129 7.12 AGONISTAS INVERSOS ......................................................................................................... 132 7.13 ANTAGONISMO ENTRE DROGAS ......................................................................................... 132 7.14 DESSENSIBILIZAÇÃO E TAQUIFILAXIA ................................................................................ 137 7.15 EFEITOS RESULTANTES DA INTERAÇÃO DE AGENTES QUÍMICOS................................. 138 7.16 ASPECTOS MOLECULARES DA AÇÃO DAS DROGAS ........................................................ 139 7.17 TIPOS DE RECEPTORES ....................................................................................................... 141 7.18 MECANISMOS DE TRANSDUÇÃO DE SINAIS EM RECEPTORES ACOPLADOS À PROTEÍNA G ...................................................................................................................................... 145 7.19 O SISTEMA ADENILATO CICLASE / AMPC ........................................................................... 149 7.20 O SISTEMA DE FOSFOLIPASE C/FOSFATO DE INOSITOL ................................................. 152 7.21 DESSENSIBILIZAÇÃO DOS RECEPTORES ACOPLADOS A PROTEÍNAS G ....................... 155 7.22 MECANISMO DE FOSFORILAÇÃO DE PROTEÍNAS E CASCATA DAS QUINASES ............ 158 8 INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS ....................................................................................... 164 8.1 CLASSIFICAÇÃO E MECANISMOS DAS INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS ..................... 170 8.2 INTERAÇÕES FÍSICO-QUÍMICAS ........................................................................................... 171 8.3 INTERAÇÕES FARMACOCINÉTICAS .................................................................................... 172 8.4 INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS ENVOLVENDO A ABSORÇÃO DA DROGA ................. 177 6 8.5 ADMINISTRAÇÃO ORAL ......................................................................................................... 177 8.6 O ESTUDO DAS INTERAÇÕES FARMACOCINÉTICAS ENVOLVENDO A ABSORÇÃO ...... 179 8.7 MECANISMOS DE INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS NA ABSORÇÃO ............................. 180 8.8 INTERAÇÕES FARMACODINÂMICAS .................................................................................... 195 9 ALIMENTOS, MEDICAMENTOS E SUAS INTERAÇÕES....................................................... 197 9.1 TIPOS DE INTERAÇÕES E FATORES DE RISCO ................................................................. 198 10 INTERAÇÕES DO ÁLCOOL COM OUTRAS DROGAS .......................................................... 204 10.1 METABOLISMO DO ÁLCOOL.................................................................................................. 205 10.2 INTERAÇÕES FARMACOCINÉTICAS .................................................................................... 206 10.3 INTERAÇÕES FARMACOCINÉTICAS NO SISTEMA HEPÁTICO MICROSSOMAL .............. 207 10.4 INTERAÇÕES FARMACODINÂMICAS .................................................................................... 208 10.5 EXEMPLOS DE INTERAÇÕES ÁLCOOL-DROGA .................................................................. 208 ANEXOS ............................................................................................................................................. 216 REFERÊNCIAS .................................................................................................................................. 244 7 1 HISTÓRICO DA FARMACOLOGIA A palavra Farmacologia vem do grego pharmakon e pode ser definida como o estudo do mecanismo pelo qual a função dos sistemas vivos é afetada por agentes químicos. É uma ciência muito jovem, tendo pela primeira vez obtido o reconhecimento independente no final do século XIX, na Alemanha. Porém, existem registros mostrando que o homem pré-histórico já conhecia os efeitos benéficos ou tóxicos de materiais de origem vegetal e animal, descritos na China e no Egito. Porém, pouco se sabia e boa parte dos remédios tornava-se inútil na cura de algumas doenças, outros até eram prejudiciais. Muitos medicamentos baseados em ervas eram amplamente usados ou mesmo estratégias terapêuticas bizarras eram indicadas, como mistura de elementos como vermes, esterco, urina, entre outros. Somente no final do século XVII, o recurso da observação e do experimento começou a substituir a teoria da medicina, colocando em prática esta experiência, iniciou-se, então, o desenvolvimento da Farmacologia. Foi Virchow o primeiro a motivar estas condutas, com a posição de que a terapêutica deveria ser abordada por meio de uma associação entre prática clínica e a fisiologia e ser elevada a uma ciência. Naquela época, o conhecimento do funcionamento normal e anormal do corpo humano era precário demais para fornecer mesmo uma base grosseira para a compreensão dos efeitos das drogas.Havia também uma forte crença de que doença e morte eram temas semissagrados, apropriadamente tratados por doutrinas autoritárias e não científicas. Os avanços da Química e da Fisiologia, por volta do fim do século XVIII e início do século XX, proporcionaram a base necessária para compreender os mecanismos de atuação das drogas nos tecidos e órgãos. A concepção científica da ação farmacológica é o tipo de compreensão que nos possibilita preverquais os efeitos farmacológicos que uma nova substância química tende a produzir. Para compreender o mecanismo pelo qual a administração de uma substância química específica afeta o funcionamento de qualquer célula ou órgão é necessário um conhecimento detalhado do mecanismo bioquímico e fisiológico normal. Deve ser lembrado que a fisiologia só começou a ser estudada intensivamente há pouco mais de cem anos, e a bioquímica há aproximadamente cinquenta anos. 8 Há cerca de cinquenta anos, iniciaram-se os esforços no campo de pesquisa por parte da indústria Farmacêutica, foi quando os remédios mais confiáveis começaram a surgir, com novos conceitos e novas técnicas. FIGURA 1 FONTE: Disponível em: < http://hilltopresort.com.au/oakville-family-rudolf-virchows/>. Acesso em: 13 dez. 2011. Rudolf Ludwing Karl Virchow (1821 - 1902) é considerado o pai da Patologia Moderna. Foi o primeiro a publicar um trabalho científico sobre leucemia. Em 1858, estabeleceu o conceito de Teoria Celular, pelo qual todas as formas de lesão orgânica começam, com alterações moleculares ou estruturais das células. Em 1874, padronizou a técnica de necropsia, cuja base é utilizada até os dias atuais. Fundou as disciplinas de Patologia Celular e Patologia Comparativa. O sucesso terapêutico do tratamento de doenças em humanos depende de bases farmacológicas que permitam a escolha do medicamento correto, de forma científica e racional. Mais do que escolher o fármaco adequado (“certo”) pretendendo reverter, atenuar ou prevenir um determinado processo patológico; o clínico, ao prescrever, também, precisa selecionar o 9 mais adequado às características fisiopatológicas (idade, sexo, peso corporal e raça do paciente). Como a intensidade dos efeitos, terapêuticos ou tóxicos, dos medicamentos depende da concentração alcançada em seu sítio de ação, é necessário garantir que o medicamento escolhido atinja, em concentrações adequadas, o órgão ou sistema suscetível ao efeito benéfico requerido. Para tal é necessário escolher doses que garantam a chegada e a manutenção das concentrações terapêuticas junto aos sítios moleculares de reconhecimento no organismo, também denominados sítios receptores. Se quantidades insuficientes estão presentes no sítio receptor, o medicamento pode parecer ser ineficaz mesmo sendo o “certo”, falseando, assim, a eficácia do fármaco escolhido; em uma situação como esta, o fármaco pode ser descartado erroneamente, sendo que o sucesso terapêutico poderia ser alcançado se a dose e/ou o intervalo de administração (posologia) correta fossem prescritos. Do mesmo modo, esquemas posológicos inapropriados podem produzir concentrações excessivas no sítio receptor, o que acarretaria a produção de toxicidade e, mais uma vez, o medicamento “certo” pode erroneamente ser descartado, por apresentar excessivas concentrações no organismo. 10 2 CONCEITOS BÁSICOS EM FARMACOLOGIA • Droga: qualquer substância química, exceto alimentos, capaz de produzir efeitos farmacológicos, ou seja, provocar alterações em um sistema biológico. • Fármaco: sinônimo de droga. • Forma Farmacêutica: forma de apresentação do medicamento: comprimido, drágea, pílula, xarope, colírio, entre outros. • Remédio: palavra usada pelo leigo como sinônimo de medicamento e especialidade farmacêutica. Remédio refere-se a qualquer procedimento que possa ser usado para tratamento de patologias. • Medicamento: droga ou preparação com drogas usadas terapeuticamente. • Nome químico: diz respeito à constituição da droga. • Farmacopéia: livro que oficializa as drogas/medicamentos de uso corrente e consagradas como eficazes. • Dose: é a quantidade a ser administrada de uma vez a fim de produzir efeitos terapêuticos. • Dose letal: leva o organismo a falência (morte) generalizada. • Dose máxima: é a maior quantidade de uma droga capaz de produzir efeitos terapêuticos.Dose mínima: é a menor quantidade de uma droga capaz de produzir efeitos terapêuticos. • Dose tóxica: é a maior quantidade de uma droga que causa efeitos adversos. • Posologia: é o estudo das doses. • Pró-droga: substância química que precisa transformar-se no organismo a fim de tornar-se uma droga ativa. • Latrogenia: problemas ou complicações resultantes de tratamentos clínicos ou cirúrgicos. • Placebo: palavra derivada do latim que significa “vou agradar”. Em farmacologia significa uma substância inativa administrada para satisfazer a necessidade psicológica do paciente. 11 2.1 A NATUREZA DAS DROGAS Uma droga pode ser definida como qualquer substância capaz de produzir uma alteração em determinada função biológica por suas ações químicas. Na maioria dos casos, a molécula da droga interage com uma molécula específica no sistema biológico, que desempenha um papel regulador, isto é, faz o papel de uma molécula receptora. FIGURA 2 FONTE: Disponível em: < http://dc112.4shared.com/doc/kvP9tH6t/preview.html>. Acesso em: 13 dez. 2011. A fim de tornar cada vez mais previsíveis os efeitos das drogas, os farmacologistas tentam quantificar todas as fases da interação droga-organismo. Apesar da dificuldade inerente ao problema, pois talvez a variação biológica jamais possa ser totalmente enquadrada nos Efeito benéfico Efeito adverso FARMACOLOGIA TOXICOLOGIA Fármaco Agente tóxico DROGA 12 métodos matemáticos atuais, alguns resultados interessantes têm sido obtidos, determinando os efeitos benéficos e efeitos adversos das drogas. 2.2 RELAÇÕES ENTRE FARMACOCINÉTICA E FARMACODINÂMICA Em 1953, Dost propôs o termo farmacocinética para descrever o movimento da droga pelo organismo. Até essa época, mesmo depois, empregava-se a palavra farmacodinâmica para indicar não só o movimento da droga no organismo, mas também seu mecanismo de ação e seus efeitos terapêuticos e tóxicos. Atualmente, os campos da farmacocinética e farmacodinâmica estão mais bem definidos didaticamente. Farmacocinética é o caminho que a droga faz no organismo. Note que não é o estudo do seu mecanismo de ação, mas sim as etapas que a droga percorre desde a administração até a excreção, são elas: absorção, distribuição, biotransformação e excreção. Uma vez que a droga encontra-se no organismo, essas etapas ocorrem de forma simultânea sendo essa divisão apenas de caráter didático. Farmacodinâmica é a área da farmacolgia que estuda o efeito de uma determinada droga (ou fármaco, ou medicamento) em seu tecido-alvo, ou simplesmente estuda como uma droga age no tecido-alvo. Entende-se tecido-alvo como o orgão ou sítio onde uma determinada droga tem efeito. 13 FIGURA 3 Na interação droga-organismo, a farmacocinética estuda a ação do organismo sobre a droga, e, na farmacodinâmica, observa-se a ação da droga sobre o organismo (PENILDON, 2006). O estabelecimento de esquemas posológicos padrão e de seus ajustes na presença de situações fisiológicas (idade, sexo, peso, gestação), hábitos do paciente (tabagismo, ingestão de álcool) e algumas doenças (insuficiência renal e hepática) é orientado por informações provenientes de uma importante subdivisão da farmacologia, a FARMACOCINÉTICA. O termo CINÉTICA refere-se a um objeto em movimentação. Farmacocinética é a disciplina que usa modelos matemáticos para descrever e prever a quantidade dos medicamentos e suas concentrações em vários fluidos do organismo e as mudanças nestas quantidades com o tempo. Para fins didáticos e conceituais, o comportamento das substâncias ativas, após administração, dentro do corpo humano é usualmente dividido, de uma maneira arbitrária, em processos de absorção, distribuição, biotransformação e excreção. Devemos ter clara a ocorrência simultânea destes processos no organismo vivo, apesar de que, muitas vezes, assumimos a independênciade cada um destes processos em relação aos outros; as variações nas concentrações dos fármacos em alguns fluidos corporais são sempre o resultado da 14 simultaneidade da ocorrência destes processos, o que ocasiona taxas que estão continuamente sendo alteradas. A farmacocinética é definida como o estudo quantitativo do desenvolvimento temporal dos processos de absorção, distribuição, biotransformação e excreção dos fármacos. Nestes estudos, os teores dos fármacos e seus metabólitos (produtos da biotransformação) no organismo são determinados, permitindo a obtenção de importantes dados sobre estas substâncias, tais como: Condições para seu uso adequado, pela determinação da via de administração, posologia (doses e intervalo entre as doses) e variações correlatas em função de patologias como insuficiência renal, alterações hepáticas e outras. Previsão de outros efeitos em potencial, como os colaterais, por exemplo, no caso de acúmulo do fármaco em determinado compartimento (organotropismo); ou ainda os oriundos de interações medicamentosas dos processos de absorção, distribuição, biotransformação e excreção. Determinação dos principais sítios de biotransformação. Determinação das vias de excreção. Assim, podemos afirmar que a compreensão e a aplicação cuidadosa dos princípios farmacocinéticos podem frequentemente auxiliar no estabelecimento e manutenção de quantidades terapêuticas e não tóxicas dos medicamentos no organismo; isto por permitir uma escolha racional da dose, frequência e via de administração. Além disso, como referido, em muitos casos as características dos pacientes são reconhecidamente responsáveis por alterações do movimento do fármaco naquele organismo, ou seja, das propriedades farmacocinéticas desta substância em particular. Ajustes apropriados na dose ou frequência de administração podem ser realizados, para compensar estas mudanças, evitando, assim, os problemas potenciais da ineficácia terapêutica ou toxicidade. Em uma ampla visão, a compreensão da farmacocinética pode favorecer as chances de segurança e eficácia da terapêutica medicamentosa. A farmacocinética estabelece estreita relação com duas outras importantes áreas do estudo farmacológico: a biofarmácia e a farmacodinâmica. O efeito ou resposta terapêutica é o 15 resultado dos fenômenos que ocorrem após a administração de um medicamento e estes dependem, por sua vez, das características do fármaco, das características do indivíduo e, o mais importante, da interação entre estes dois fatores: fármaco e indivíduo. Didaticamente, podemos dividir o estudo da resposta terapêutica em três fases: 1. Fase Farmacêutica. 2. Fase farmacocinética. 3. Fase farmacodinâmica. FIGURA 4 - POSSÍVEIS INTERFERENTES DA FARMACOCINÉTICA FONTE: Disponível em: <http://mmspf.msdonline.com.br/pacientes/manual_merck/secao_02/cap_008.html>. Acesso em: 13 dez. 2011. 16 A. Características do Paciente Idade; Sexo; Peso corporal total; Tabagismo; Consumo de álcool; Obesidade; Outros medicamentos em uso. B. Estados Patológicos Disfunção hepática (cirrose, hepatite); Insuficiência cardíaca; Infecção; Queimaduras severas; Febre anemias. As três fases da reposta terapêutica: 1. Fase farmacêutica: estuda a liberação do fármaco a partir do produto farmacêutico. É constituída pelo conjunto de fenômenos compreendidos entre a administração do medicamento e a absorção propriamente dita, os quais determinam a intensidade e velocidade com que ocorre a entrada da substância ativa no organismo. Estes fenômenos compreendem basicamente a liberação e a dissolução do fármaco contido no produto farmacêutico. Liberação: ao ser administrado, o fármaco encontra-se em uma forma farmacêutica (F.F.) a partir da qual deve ser liberado. Dependendo da F.F. empregada (comprimido, cápsula, suspensão, xarope, supositório, etc.) e da via de administração utilizada, esta etapa pode ser mais ou menos complexa, rápida ou completa. A liberação ocorrerá sob influência do meio biológico de aplicação (por exemplo: pH e peristaltismo do trato gastrintestinal – TGI nas vias enterais – oral e retal), principalmente para formas farmacêuticas sólidas, que necessitam 17 desintegrar-se para, então, liberar a substância ativa. A finalidade desta etapa é obter uma dispersão no estado sólido do fármaco, no meio aquoso de administração, o que permitirá o cumprimento da etapa posterior de dissolução. Dissolução: esta etapa, por sua vez, compreende a formação de uma dispersão molecular na fase aquosa, ou seja, a dissolução progressiva do fármaco, essencial para sua posterior absorção, desde que seja requerida uma ação sistêmica e não local. A dissolução, muitas vezes, é a etapa determinante da velocidade do processo de absorção. A fase farmacêutica, importante etapa do estudo da resposta terapêutica, é um dos objetos de estudo da Biofarmácia, disciplina que vem despontando como um ramo importantíssimo da investigação de fármacos. Além de estudar esta fase de liberação e dissolução da substância ativa, a biofarmácia compreende também a avaliação das interações, entre o fármaco e o organismo (local de administração), que determinam sua biodisponibilidade. Este último termo define uma característica biofarmacêutica de um medicamento administrado a um organismo vivo intacto e que expressa, simultaneamente, a quantidade e velocidade na qual o princípio ativo (fármaco) alcança a circulação sanguínea geral, a partir de seu local de administração. Em virtude de sua extrema importância e, principalmente, tendo em vista a regulamentação de medicamentos genéricos em nosso país (Lei n0 9787 de 10/02/99 e Resolução n0 16 de 02/02/07), a biodisponibilidade de fármacos será estudada em um tópico em separado, logo à frente nesta apostila. 2. Fase Farmacocinética: como já foi dito, esta etapa corresponde ao estudo da evolução temporal do movimento do fármaco in vivo, que esquematicamente pode resumir-se nos processos de absorção, distribuição, biotransformação e excreção de fármacos. Esta fase consiste, portanto, na identificação e quantificação da passagem do fármaco pelo organismo. 3. Fase Farmacodinâmica: estuda a interação de um fármaco específico com seu receptor, ou seja, a ação do fármaco em seu sítio receptor com as alterações moleculares e celulares correspondentes (efeito farmacológico), o que culmina no aparecimento do efeito terapêutico requerido. 18 O controle das concentrações plasmáticas constitui, na atualidade, uma prática habitual na terapia com diferentes classes de fármacos, visando ao estabelecimento de regimes de dosagem apropriados para determinados pacientes. Isto porque as concentrações de um fármaco no plasma correlacionam-se melhor com a resposta farmacológica que a dose administrada, uma vez que esta relação não é afetada pelas variações individuais dos processos farmacocinéticos de absorção, distribuição, biotransformação e excreção que, como sabemos, influi na resposta do paciente. 2.3 FARMACOLOGIA CLÍNICA A aplicação generalizada desta importante ferramenta na terapia clínica tem sido possível graças ao desenvolvimento de métodos analíticos que permitem o doseamento de substâncias ativas com precisão em diferentes líquidos biológicos e à possibilidade de expressar em termos quantitativos os processos que experimentam os fármacos após sua administração; isto permite a determinação de regimes de dosagem que se ajustam às necessidades dos pacientes. A utilidade clínica da farmacocinética reside fundamentalmente nestes aspectos, ou seja, a aplicação dos princípios farmacocinéticos no manejo, ajuste da terapêutica em diferentes pacientes, e isto é o que constitui a disciplina de Farmacocinética Clínica. O princípio básico da farmacocinéticaclínica é que a magnitude tanto da resposta desejada quanto da toxicidade são funções da concentração do fármaco em seu sítio de ação. No entanto, sabemos que raramente podemos dosar diretamente a concentração do fármaco neste local; por isso, as concentrações são normalmente medidas em um sítio alternativo e mais acessível, o plasma. Desta forma, podemos dizer que a hipótese fundamental em farmacocinética clínica é a relação existente entre os efeitos farmacológicos ou tóxicos de um medicamento e a concentração dele neste sítio facilmente acessível do organismo. Esta hipótese tem sido documentada para inúmeros fármacos, embora para alguns não exista esta clara relação entre os efeitos farmacológicos e as concentrações sanguíneas. Na maioria dos casos a concentração 19 na circulação geral estará relacionada com a concentração no sítio de ação. Os efeitos farmacológicos podem incluir efeitos tóxicos em adição aos efeitos clínicos desejados. O clínico precisa avaliar o potencial tóxico de uma determinada dose e a sua eficácia clínica para determinar a utilidade do agente em uma situação clínica específica. A farmacocinética exerce um papel importantíssimo na promoção da eficácia dos fármacos ao fornecer relações quantitativas entre a eficácia e a dose utilizada. Pelas avaliações das concentrações nos fluidos biológicos, conseguimos reduzir a toxicidade relacionada com os níveis sanguíneos aumentando a segurança da utilização dos medicamentos. O conhecimento da relação entre a eficácia e as concentrações dos medicamentos nos fluidos biológicos permite ao clínico levar em consideração as características fisiológicas ou patológicas de um paciente, o que o torna diferente dos indivíduos normais na resposta a uma determinada dose de um fármaco. A consciência dos benefícios da compreensão da farmacocinética e das relações entre concentração-resposta do fármaco tem levado, principalmente nesta última década, à aplicação destas informações pela indústria farmacêutica no planejamento, seleção e desenvolvimento de novos fármacos. A farmacocinética é ferramenta básica nas diferentes fases da investigação farmacológica de um novo fármaco: Fase pré-clínica, na qual os estudos são realizados em animais. Esta fase permite a seleção não somente do composto terapeuticamente mais promissor, mas também a previsão de uma faixa de doses seguras para uma primeira aplicação em humanos. Fase clínica, com estudos em humanos, compreende o estudo de Fase I, usualmente realizada em voluntários sadios, na qual a farmacocinética, aliada à avaliação de alguns efeitos colaterais produzidos, ajuda a definir formas e regimes de dosagem para avaliação na Fase II. Nesta fase, os estudos são conduzidos em um pequeno número de pacientes e os trabalhos são dirigidos para a definição do regime de dosagem mais seguro e eficaz, o qual será usado na Fase III, de triagem clínica, que frequentemente envolve centenas de pacientes. Finalmente, o fármaco que demonstrar eficácia terapêutica e segurança será aprovado para uma determinada indicação clínica, por autoridades que regulamentam o uso de fármacos naquele país. Vigilância pós-comercialização – Farmacovigilância, após a liberação para comercialização, o medicamento deve ser continuamente avaliado, visando, além de um 20 aprimoramento em seu perfil farmacoterapêutico, à garantia de eficácia e segurança para o paciente, no que se referem os efeitos tardios ou raros que estes possam induzir. 2.4 BIODISPONIBILIDADE DE DROGAS A Biodisponibilidade refere-se à fração de uma dose ingerida de uma substância que tem acesso à circulação sistêmica na forma quimicamente inalterada. A Biodisponibilidade é calculada comparando os níveis plasmáticos da droga, após ser usada uma determinada via de administração (VO, IM, SC), com os níveis dessa droga atingidos no plasma após injeção IV, na qual a totalidade do agente entra na circulação. Fatores que interferem na biodisponibilidade da droga: Efeito de primeira passagem; Solubilidade da droga; Instabilidade química; Fórmula farmacêutica; Características individuais do paciente. O tema biodisponibilidade de fármacos merece destaque, tendo em vista que, segundo a Lei n0 9.787 de 10/02/99 e a Resolução n0 16 de 02/03/07, a implantação do uso de medicamentos genéricos em nosso país é “prioridade política de medicamentos do Ministério da Saúde” e, tendo também em conta, a necessidade de assegurar a qualidade, eficácia e segurança destes medicamentos, garantindo sua intercambialidade com o medicamento referência. A biofarmácia, como já exposto, é uma disciplina voltada à determinação da variabilidade da ação farmacológica como consequência dos aspectos ligados à formulação e processo tecnológico dos medicamentos; ela não se ocupa da atividade do fármaco em si, mas do modo com que ele é introduzido no organismo. Seu objetivo final é escolher as condições de administração em função da disponibilidade fisiológica da substância ativa, uma vez que sua 21 atividade farmacológica depende principalmente da quantidade do fármaco disponível para absorção e para atingir seu sítio receptor. Em suma, a principal função da biofarmácia é a determinação, interpretação e modulação da disponibilidade biológica (biodisponibilidade) dos medicamentos, objetivando a melhor forma farmacêutica para efeito terapêutico máximo. A biodisponibilidade é uma característica do medicamento administrado a um sistema biológico intacto e indica, simultaneamente, segundo que cinética e que proporção um fármaco alcança a circulação geral a partir da dose contida no medicamento administrado. A partir deste conceito, podemos observar que a biodisponibilidade compreende dois aspectos distintos e importantíssimos: velocidade e intensidade. O estudo da biodisponibilidade, portanto, consiste em uma avaliação das características quantitativas e cinéticas de um medicamento administrado a um organismo concreto, excluindo a utilização de estudos in vitro. A noção de disponibilidade da substância ativa a partir de um medicamento nasceu da observação de não equivalência terapêutica entre formulações contendo o mesmo fármaco, em um mesmo teor e forma farmacêutica, até então consideradas substituíveis. Vários incidentes (ineficácia) ou acidentes (toxicidade) foram a origem desta observação. Em 1968-69, apareceram vários comunicados a respeito de uma epidemia de intoxicação por anticonvulsivantes em epilépticos australianos. O surto foi investigado em Brisbane, onde todos os pacientes afetados estavam tomando medicamentos à base de fenitoína, a redução da dose aboliu os sintomas. Observou-se que o excipiente nas cápsulas de fenitoína implicadas havia sido mudado de sulfato de cálcio para lactose alguns meses antes do surto, e que tal mudança podia resultar em uma biodisponibilidade alterada do fármaco e, consequentemente, em toxicidade. Em 1971, pesquisadores finlandeses mostraram que os níveis sanguíneos de digoxina, resultantes da administração contínua de dois preparados comerciais eram pronunciadamente diferentes, com as disparidades sendo suficiente para intoxicar alguns pacientes, supostamente recebendo uma quantidade da preparação com maior biodisponibilidade, equivalente a uma dose anteriormente demonstrada como suficiente para a manutenção. Aproximadamente na mesma época, uma mudança aparentemente pequena no processo de fabricação do Lanoxin® (preparação de digoxina feita na Inglaterra pela Wellcome) resultou em perda de potência consequente à baixa biodisponibilidade. Essas alterações 22 chamaram a atenção para a não equivalência dos comprimidos de digoxina disponíveis no Reino Unido e alertaram os médicos para a toxicidade potencial do tratamento com diferentes formulações de digoxina. Sabe-se hoje que as marcas de digoxina variampronunciadamente entre si e, até mesmo, de um lote para outro, quando da mesma fabricação. 23 FIGURA 5 Com os exemplos supracitados, percebemos que a origem dos estudos de biodisponibilidade deu-se a partir de relatos de problemas de ineficácia ou toxicidade com o uso de determinados medicamentos que, até então, eram tidos como substituíveis. Desde então, estudos no sentido de garantir ao paciente eficácia terapêutica vêm sendo amplamente realizados mundialmente. Em nosso país, nos últimos dois anos, trabalhos têm sido efetivamente realizados pelo Governo Federal neste sentido, por meio de seus órgãos competentes, como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), bem como no sentido de garantir ao paciente um menor custo do medicamento. Alguns conceitos básicos, importantes para compreensão dos estudos de biodisponibilidade, são frequentemente confundidos ou trocados e, por isso, devem aqui ser esclarecidos; segundo a Resolução n0 16 de 02/03/07: Equivalentes farmacêuticos - são medicamentos que contêm o mesmo fármaco, isto é, mesmo sal ou éster da mesma molécula terapeuticamente ativa, na mesma quantidade e forma farmacêutica, podendo ou não conter excipientes idênticos. Devem cumprir com as mesmas especificações atualizadas da Farmacopéia Brasileira e, na ausência destas, com as de outros códigos autorizados pela legislação vigente ou, ainda, com outros padrões aplicáveis de 24 qualidade, relacionados à identidade, dosagem, pureza, potência, uniformidade de conteúdo, tempo de desintegração e velocidade de dissolução, quando for o caso. Medicamentos bioequivalentes - Medicamentos equivalentes farmacêuticos ou alternativos farmacêuticos, que ao serem administrados na mesma dose molar e condições experimentais, não demonstram diferenças estatisticamente significativas em relação à biodisponibilidade. Medicamento similar - aquele que contém o mesmo ou os mesmos princípios ativos, apresenta a mesma concentração, forma farmacêutica, via de administração, posologia e indicação terapêutica, e que é equivalente ao medicamento registrado no órgão federal responsável pela vigilância sanitária, podendo diferir somente em características relativas ao tamanho e forma do produto, prazo de validade, embalagem, rotulagem, excipientes e veículos, devendo sempre ser identificado por nome comercial ou marca. Medicamento inovador - Medicamento apresentando em sua composição ao menos um fármaco ativo que tenha sido objeto de patente, mesmo já extinta, por parte da empresa responsável pelo seu desenvolvimento e introdução no mercado no país de origem e disponível no mercado nacional. Medicamento de referência - Medicamento inovador registrado no órgão federal responsável pela vigilância sanitária e comercializado no País, cuja eficácia, segurança e qualidade foram comprovados cientificamente junto ao órgão federal competente, por ocasião do registro. Medicamento genérico - Medicamento similar a um produto de referência ou inovador, que pretende ser com este intercambiável, geralmente produzido após a expiração ou renúncia da proteção de patentes ou de outros direitos de exclusividade, comprovada a sua eficácia, segurança e qualidade e designado pela Denominação Comum Brasileira (DCB) – denominação do fármaco aprovada pelo órgão federal responsável pela vigilância sanitária – ou, na sua 25 ausência, pela Denominação Comum Internacional (DCI) – denominação do fármaco recomendada pela Organização Mundial de Saúde. Existe hoje, prova indubitável de que a biodisponibilidade de diferentes produtos farmacêuticos varia de maneira significativa e a lista de medicamentos para as quais isso vem sendo demonstrado aumenta a cada ano. É importante distinguir entre bioinequivalência, uma diferença estatisticamente significativa na biodisponibilidade, e inequivalência terapêutica, uma diferença clinicamente significativa na biodisponibilidade. A frequência com que ocorre a bioinequivalência, apesar de não conhecida, provavelmente é muito comum. A inequivalência terapêutica, por sua vez, é nitidamente menos comum e o grau de diferença na biodisponibilidade, que precisa existir para que se manifestem consequências terapêuticas, irá variar com o fármaco. Grandes diferenças de biodisponibilidade serão sempre significativas. Diferenças pequenas provavelmente terão consequências para o fármaco com uma curva de dose e resposta íngreme ou um índice terapêutico pequeno. Problemas de bioinequivalências têm sido observados entre vários produtos, o que justifica a importância dos estudos comparativos de diferentes preparações quanto à biodisponibilidade, denominados estudos de bioequivalência, no intuito de garantir ao paciente equivalência terapêutica entre os diferentes medicamentos comercializados principalmente, em terapias de risco, em que as substituições entre formulações podem resultar em falhas graves. Em geral, os estudos de biodisponibilidade atendem a diferentes objetivos: 1. Realizar estudos de bioequivalência; 2. Avaliar medicamentos que contêm novas substâncias ativas em terapêutica; 3. Avaliar novas formulações contendo substâncias ativas já conhecidas; 4. Determinar as alterações no perfil de absorção causadas por formas farmacêuticas de liberação controlada, em relação às formulações normais; 5. Avaliar medicamentos com vários fármacos; 6. Avaliar mudanças na formulação; 7. Orientar mudanças de posologia /esquema terapêutico. 26 2.5 AVALIAÇÃO DE BIODISPONIBILIDADE E BIOEQUIVALÊNCIA Os estudos de biodisponibilidade e bioequivalência devem ser realizados em humanos, voluntários, adultos, sadios e em condições padronizadas. O emprego de pacientes poderia acarretar variações na biodisponibilidade e eliminação em função das doenças, bem como risco de interações medicamentosas, nos casos de administrações concomitantes. Em geral, doses únicas dos produtos são analisadas, com o objetivo de avaliar o desempenho das mesmas nas condições padronizadas; raramente a biodisponibilidade é avaliada em esquemas de doses múltiplas. Os sujeitos devem ser selecionados com base em exame médico satisfatório, tendo funções hepáticas e renais normais. A idade deve ser mantida na faixa de dezoito a cinquenta anos, reduzindo, assim, respostas anômalas idade-dependente. Mesmo assim, variações intra e intersujeitos comumente ocorrem. O número de voluntários para os estudos de biodisponibilidade, segundo a Resolução n0 1.170 de 19/04/06 é de, no mínimo, doze do sexo masculino (exceto para os casos em que o medicamento seja indicado apenas para mulheres); já para os estudos de bioequivalência o número mínimo de voluntários sadios previsto é de 24, não sendo feita exigência de sexo, porém, quando ambos são usados, o número de homens e mulheres deve ser igual. Em qualquer dos casos, os voluntários devem dar seu consentimento à realização do trabalho, após terem sido conscientizados ou informados das reais condições do mesmo. O peso dos voluntários deverá estar em um limite de aproximadamente 10% do peso considerado normal para homens e mulheres, levando-se em consideração a altura e a estrutura física. Não fumantes são preferidos e a ingestão de álcool deve ser proibida. A padronização das atividades dos voluntários durante o período de realização dos experimentos também é de crucial importância. Jejum de dez a doze horas deve ser feito antes da administração do produto e as refeições, após a administração e durante o período de coleta das amostras, devem ser padronizadas. Outros fármacos não devem ser administrados paralelamente e, preferencialmente, o voluntário não deve ter tomado outra medicação no 27 período de uma semana antes da realização do experimento, evitando, assim, alguma interação do tipo indução enzimática, competição por proteínas plasmáticas,entre outras. O plano experimental inclui, necessariamente, o desenho do experimento, que deve identificar e isolar as fontes de variação dos dados em estudo que podem ser: variações entre sujeitos e intrassujeitos, em diferentes períodos do trabalho; efeito dos períodos de administração, causado pela ação residual dos tratamentos; variabilidade do tratamento ou do próprio produto por diferentes doses ou formulações; erro residual ou experimental, que inclui qualquer fonte de variação que não tenha sido identificada, tal como erro no método de análise. O estudo de bioequivalência é do tipo aberto, aleatório, cruzado, no qual os voluntários recebem os medicamentos teste e referência em ocasiões separadas (períodos); o número de períodos e de sequências do estudo será determinado em função do número de medicamentos em análise, de forma a assegurar a validade estatística. O intervalo entre os períodos deve ser de, no mínimo, cinco meias-vidas de eliminação do fármaco ou seu metabólito, quando o mesmo for ativo. O desenho experimental mais comumente utilizado e citado como apropriado para avaliação de bioequivalência entre formulações é o tipo cross-over. Delineamentos, nos quais todos os sujeitos recebem cada produto, denomina-se cross-over completo, sendo seu objetivo o de que cada indivíduo funcione como seu próprio controle, com base no fato de que a variação intrassujeitos é bem menor que a intersujeitos. Em estudos de biodisponibilidade, após o planejamento e delineamento do experimento, os indivíduos recebem as formulações em horário e condições predeterminadas e é submetido a coletas de sangue, fluido biológico normalmente utilizado para quantificação das concentrações das substâncias ativas em questão. O cronograma de coleta das amostras deverá contemplar um tempo igual ou superior a 3-5 vezes a meia-vida de eliminação do fármaco ou do metabólito quando este for ativo. Em estudos de doses simples, um número suficiente de amostras deve ser coletado para descrever, adequadamente, as fases críticas da curva de concentração versus tempo: absorção, permitindo, assim, comparação qualitativa da velocidade da disponibilidade; tempo em que ocorre o pico de concentração máxima; declínio da concentração na fase de eliminação. Para evitar problemas de interação entre as próprias formulações testadas, em geral, intervalos de uma semana são respeitados entre uma administração e outra. 28 O projeto de pesquisa, o protocolo experimental e o termo de consentimento dos voluntários devem ser submetidos a um Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) credenciada no Comitê Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) do Conselho Nacional de Saúde do Ministério da Saúde (MS). O sangue, plasma ou soro, como já mencionado, é o fluido biológico de escolha para quantificação do fármaco ou metabólito ativo nos estudos de biodisponibilidade e bioequivalência. Dados urinários também podem ser utilizados, no entanto, os métodos de avaliação, por dados de excreção urinária, estão sujeitos à maior variação e erro em relação aos que empregam técnicas de análise no sangue; devem ser utilizados para estudos de fármacos extensamente eliminados pela urina na forma não metabolizada e o período aconselhado de coleta de amostras é de, pelo menos, sete meias-vidas biológicas do fármaco. Assim, o melhor caminho para avaliar a biodisponibilidade de um fármaco é a medida de seus níveis sanguíneos. Nestes estudos, sempre que possível faz-se referência aos níveis plasmáticos resultantes da administração intravenosa do fármaco, já que esta via apresenta biodisponibilidade de 100%. Caso a administração não seja possível, a preparação referencial pode ser uma solução administrada por via oral ou outra preparação do fármaco de comprovada eficiência. Uma vez obtidos os dados dos teores do fármaco na circulação, curvas de concentração sanguínea versus tempo são traçadas e parâmetros farmacocinéticos extraídos para determinação da biodisponibilidade e/ou bioequivalência. Três parâmetros que descrevem a curva de nível sanguíneo são considerados importantes nestes estudos. Concentração plasmática máxima (Cmáx) Este parâmetro representa a maior concentração sanguínea alcançada pelo fármaco após administração oral, sendo, por isso, diretamente proporcional à absorção. Desta forma, depende diretamente da extensão e velocidade de absorção, porém, também da velocidade de eliminação, uma vez que esta se inicia assim que o fármaco é introduzido no organismo. Esta medida não deve ser avaliada por si só, pois pode conduzir a conclusões errôneas. Para efeito terapêutico ótimo e seguro, este parâmetro deve estar posicionado, na curva de concentração 29 sanguínea versus tempo, entre a concentração mínima efetiva (CME) e a concentração máxima tolerada (CMT). Tempo para alcançar a concentração máxima no plasma (Tmáx) Este parâmetro tem íntima relação com a velocidade de absorção do fármaco e pode ser usado como simples medida desta. É alcançado quando a velocidade de entrada do fármaco na circulação excede as velocidades de eliminação e distribuição; a absorção não pode, portanto, ser considerada completa neste estágio. Área sob a curva de concentração plasmática versus tempo (ASC) Representa a quantidade total de fármaco absorvido. Para fármacos administrados cronicamente, é um parâmetro mais crítico que a velocidade de absorção. É considerado o mais importante parâmetro na avaliação da biodisponibilidade, sendo expresso em quantidade/volume versus tempo (mg/mLversus h) e pode ser considerado representativo da quantidade total de fármaco absorvido após administração de uma só dose desta substância ativa. ASC é proporcional à quantidade de fármaco que entra na circulação sistêmica e independe da velocidade. Matematicamente, é obtida por cálculo pelo método da regra trapezoidal. Duas formulações são consideradas bioequivalentes quando liberam a substância ativa e esta alcança a circulação geral com a mesma extensão e velocidade relativa, ou seja, os perfis de níveis sanguíneos do fármaco, obtidos destas formulações, são “superponíveis” dentro de limites razoáveis; normalmente 20% é o valor de diferença aceito na comparação dos três parâmetros farmacocinéticos. A Resolução n0 1.170 de 19/04/06 determina que além dos três parâmetros acima descritos também devem ser determinados: a depuração, o volume aparente de distribuição e a meia-vida de eliminação. Na avaliação de biodisponibilidade de um fármaco, também o parâmetro biodisponibilidade absoluta deverá ser determinado, o qual corresponde à fração da dose 30 administrada do fármaco efetivamente absorvido. É calculada pela relação entre a Área Sob a Curva (ASC) obtida após a administração do medicamento teste, por via extravascular e a ASC obtida após administração do medicamento de referência, por via intravenosa. Caso a administração intravenosa não seja possível, pode-se empregar uma solução contendo o fármaco administrado por via oral. 2.5.1 Relativa à mesma dose e via de administração Como já referido, a biodisponibilidade é consequência precípua da formulação farmacêutica utilizada e, consequentemente, da fase farmacêutica do estudo da resposta terapêutica. No entanto, além dela, diferentes circunstâncias como patologias, a presença de alimentos para fármacos administrados por via oral ou outros medicamentos administrados concomitantemente, são fatores que podem interferir diretamente na absorção de fármacos (como anteriormente descrito) e, consequentemente, em sua biodisponibilidade. Didaticamente podem-se classificar os fatores que influem na biodisponibilidade de medicamentos em: farmacêuticos, fisiopatológicos e genéticos. Os fatores farmacêuticos, objeto de estudo da biofarmácia, estão particularmente relacionados com as formas farmacêuticas de administração,dentre os quais merecem destaque as características das matérias-primas (ativas ou não), as formulações e os processos tecnológicos. Os fatores fisiológicos estão relacionados com o peso corpóreo, idade, velocidade de esvaziamento gástrico, velocidade de fluxo sanguíneo, estado de nutrição, gravidez e outros; muitos deles discutidos no tópico sobre absorção de fármacos. Alterações biológicas derivadas de estados patológicos podem também interferir de forma significativa na biodisponibilidade de medicamentos, muito particularmente daqueles relacionados com doenças cardíacas e hepáticas. 31 Já os fatores genéticos estão relacionados com diferenças bioquímicas características de grupos étnicos, que se distinguem de estados patológicos, as quais, no entanto, podem promover significativas alterações na biodisponibilidade de medicamentos. 32 3 NOÇÕES GERAIS DE TOXICOLOGIA FIGURA 6 FONTE: Disponível em: <http://dizqueeumaespeciedecsi.blogspot.com/2009/01/toxicologia.html>. Acesso em: 13 dez. 2011. A toxicologia se ocupa da natureza e dos mecanismos das lesões tóxicas e da avaliação quantitativa do espectro das alterações biológicas produzidas pela exposição aos agentes químicos. É a ciência que tem como objeto de estudo o efeito adverso de substâncias químicas sobre os organismos vivos, com a finalidade principal de prevenir o aparecimento deste efeito, ou seja, estabelecer o uso seguro destas substâncias químicas. A toxicologia se apoia, então, em três elementos básicos: 1. O Agente Químico (AQ) capaz de produzir um efeito; 2. O Sistema Biológico (SB) com o qual o AQ irá interagir para produzir o efeito; 3. O efeito resultante que deverá ser adverso (ou tóxico) para o SB. 33 3.1 ÁREAS DA TOXICOLOGIA A toxicologia é uma ciência multidisciplinar, que abrange uma vasta área de conhecimento, relacionando-se estritamente com diversas outras ciências, pois, sem os conhecimentos inter-relacionados, dificilmente poderá atingir seus objetivos: prevenir, diagnosticar e tratar. A toxicologia é desenvolvida por especialistas com diferentes formações profissionais, oferecendo cada um, contribuições específicas em uma ou mais áreas de atividade, permitindo assim, o aperfeiçoamento dos conhecimentos e o desenvolvimento das áreas de atuação. No âmbito da toxicologia, distinguem-se várias áreas, de acordo com a natureza do agente ou a maneira como este alcança o organismo. Destacam-se entre outras: Toxicologia ambiental: estuda os efeitos nocivos produzidos pela interação dos contaminantes químicos ambientais com os organismos humanos. Toxicologia ocupacional: estuda os efeitos nocivos produzidos pela interação dos contaminantes do ambiente de trabalho, com o indivíduo exposto e o impacto sobre sua saúde. Toxicologia de alimentos: estuda os efeitos adversos produzidos por agentes químicos presentes nos alimentos sejam estes contaminantes ou de origem natural. É a área da toxicologia que estabelece as condições nas quais os alimentos podem ser ingeridos sem causar danos à saúde. Toxicologia de medicamentos: estuda os efeitos nocivos produzidos pela interação dos medicamentos com o organismo, decorrentes do uso inadequado ou da suscetibilidade individual. Toxicologia social: estuda os efeitos nocivos dos agentes químicos usados pelo homem em sua vida de sociedade, seja sob o aspecto individual, social (de relação) ou legal. 34 FIGURA 7 FONTE: Disponível em: < http://www.ccs.saude.gov.br/visa/humordown.html>. Acesso em: 13 dez. 2011. 3.2 AGENTE TÓXICO (AT) É qualquer substância química que, interagindo com o organismo, é capaz de produzir um efeito tóxico, seja este uma alteração funcional ou morte. A maioria das substâncias químicas, consideradas como agentes tóxicos são substâncias exógenas conhecidas como xenobióticos. 3.2.1 Classificação dos agentes tóxicos (AT) Os AT podem ser classificados de diversas maneiras dependendo dos critérios utilizados. A seguir, são apresentadas classificações quanto às características físicas e químicas, e quanto ao tipo de ação tóxica. 35 Quanto às características físicas Gases: são fluidos sem forma, que permanecem no estado gasoso em condições normais de pressão e temperatura. Ex.: CO, NO e NO2, O3, etc. Vapores: são as formas gasosas de substâncias normalmente sólidas ou líquidas nas condições ambientais. Ex.: vapores resultantes da volatilização de solventes orgânicos como benzeno, tolueno, xileno, etc. Partículas ou aerodispersoides: partículas de tamanho microscópico, em estado sólido ou líquido. Ex.: poeiras e fumos; neblinas e névoas. Quanto às características químicas Esta classificação se baseia na estrutura química das substâncias que mais se destacam quanto ao interesse toxicológico. Ex.: Halogêneos; produtos alcalinos; hidrocarbonetos alifáticos; hidrocarbonetos aromáticos; metais; outros. Quanto ao tipo de ação tóxica (onde atuam ou órgão): Nefrotóxico,Neurotóxico,Hepatotóxico, e outros. 36 3.3 TOXICIDADE É a capacidade, inerente a um agente químico, de produzir danos aos organismos vivos, em condições padronizadas de uso. Uma substância muito tóxica causará dano a um organismo se for administrada em quantidades muito pequenas, enquanto que uma substância de baixa toxicidade somente produzirá efeito quando a quantidade administrada for muito grande. O conhecimento da toxicidade das substâncias químicas se obtém por meio de experimentos em laboratório utilizando animais. Os métodos são empregados com todo rigor científico com a finalidade de fornecer informações relativas aos efeitos tóxicos e principalmente para avaliar riscos que podem ser extrapolados ao homem. Os agentes químicos podem ser classificados em seis classes de toxicidade, de acordo com os valores de DL50 (Tabela 1). Esta classificação é utilizada para consultas rápidas, qualitativas, com finalidade de obter informações relativas à toxicidade intrínseca das substâncias. A falha desta classificação está no fato de ela se basear apenas na toxicidade intrínseca da substância que é um parâmetro extremamente variável, sendo influenciado por uma série de fatores, relacionados principalmente com o agente químico, o organismo e a exposição. Em situações práticas não se deve conhecer somente a toxicidade das substâncias, representadas geralmente pela DL50, pois tão importante como conhecer a toxicidade dos agentes químicos, é conhecer e saber avaliar o risco tóxico de uma substância química. 37 TABELA 1 - CLASSIFICAÇÃO QUANTO AO GRAU DE TOXICIDADE Categoria de Toxicidade DL50 – Rata (via Oral) Extremamente tóxico Altamente tóxico Moderadamente tóxico Ligeiramente tóxico Praticamente não tóxico Relativamente atóxico < 1mg/kg 1-50 mg/kg 50-500 mg/kg 0,5-5 g/kg 5-15 g/kg > 15 g/kg 3.3.1 Fatores que influem na toxicidade Fatores ligados ao agente químico Propriedade físico-química (solubilidade, grau de ionização, coeficiente de partição óleo/água, pka, tamanho molecular, estado físico, etc.); Impurezas e contaminantes; Fatores envolvidos na formulação (veículo, adjuvantes). Fatores relacionados com o organismo Espécie, linhagem, fatores genéticos; 38 Fatores imunológicos, estado nutricional, dieta; Sexo, estado hormonal, idade, peso corpóreo; Estado emocional, estado patológico. Fatores relacionados com a exposição Via de introdução; Dose ou concentração; Frequência. Fatores relacionados com o ambiente Temperatura, pressão; Radiações; Outros (luz, umidade, etc.). 3.4RISCO E SEGURANÇA O risco associado a uma substância química se define como a probabilidade de uma substância produzir um efeito adverso, um dano, sob condições específicas de uso. Nem sempre a substância de maior toxicidade é a de maior risco, ou seja, de maior “perigo” para o homem. Dependendo das condições de uso, uma substância classificada como muito tóxica (elevada toxicidade intrínseca) pode ser menos “perigosa” do que uma pouco tóxica. Existindo um risco associado ao uso de uma substância química, há a necessidade de estabelecer condições de segurança. Portanto, define-se como segurança, a certeza prática de que não resultarão efeitos adversos para um indivíduo exposto a uma determinada substância 39 em quantidade e forma recomendada de uso. Ou seja, quando se fala em risco e segurança, significa a possibilidade ou não da ocorrência de uma situação adversa. Um problema sério, no entanto, é estabelecer o que é um risco aceitável no uso de substância química. Esta decisão é bastante complexa e envolve o binômio risco-benefício, ou seja, altos riscos podem ser aceitáveis no uso das chamadas life saving drugs, ou seja, os fármacos essenciais à vida e não serem aceitáveis no uso de aditivos de alimentos, por exemplo. Na utilização das substâncias químicas para diversos fins, alguns fatores devem ser considerados na determinação de um risco aceitável: Necessidade do uso da substância; Disponibilidade e adequação de outras substâncias alternativas para o uso correspondente; Efeitos sobre a qualidade do ambiente e conservação dos recursos naturais; Considerações sobre o trabalho (no caso de ser usada no nível ocupacional); Avaliação antecipada de seu uso público (ou seja, o que ela poderá causar sobre a população em geral, onde existe, por exemplo, crianças, velhos, doentes, etc.); Considerações econômicas. 40 4 INTOXICAÇÃO É um conjunto de efeitos nocivos representado pelos sinais e sintomas que revelam o desequilíbrio orgânico produzido pela interação do agente químico com o sistema biológico. Corresponde ao estado patológico provocado pelo agente tóxico, em decorrência de sua interação com o organismo. Logicamente, o efeito tóxico só será produzido se a interação com o receptor biológico apropriado ocorrer em dose e tempo suficientes para quebrar a homeostasia do organismo. Existe, então, na maioria das vezes, uma série de processos envolvidos, desde o contato do agente tóxico com o organismo, até o sintoma clínico que revela esta interação. Isto permite dividir a intoxicação em quatro fases distintas, a saber: Fase de Exposição: corresponde ao contato do agente tóxico com o organismo. Representa a disponibilidade química das substâncias químicas e passíveis de serem introduzidas no organismo. Fase Toxicocinética: consiste no movimento do AT dentro do organismo. É formada pelos processos de absorção, distribuição, armazenamento e eliminação (biotransformação e excreção). Todos esses processos envolvem reações mútuas entre o agente tóxico e o organismo, conduzindo à disponibilidade biológica. Fase Toxicodinâmica: corresponde à ação do AT no organismo. Atingindo o alvo, o agente químico ou seu produto de biotransformação interage biologicamente causando alterações morfológicas e funcionais, produzindo danos. 41 Fase Clínica: corresponde à manifestação clínica dos efeitos resultantes da ação tóxica. É o aparecimento de sinais e sintomas que caracterizam o efeito tóxico e evidenciam a presença do fenômeno da intoxicação. 4.1 DISTINÇÃO ENTRE EFEITOS ADVERSOS E NÃO ADVERSOS O efeito adverso ou “anormal” com frequência é definido em relação à medição que está fora da amplitude “normal”. A amplitude “normal”, por sua vez, se define com base nos valores médios que se têm observado em um grupo de indivíduos presumivelmente sãos. No entanto, é praticamente impossível, em uma população geral, definir valores “normais”, onde se inclui grupos que podem ser especialmente sensíveis aos fatores ambientais, em especial as pessoas muito jovens e muito idosas, as afetadas por alguma enfermidade e as expostas a outros agentes tóxicos e tensões. Por isso, têm-se procurado formular critérios para determinar efeitos adversos baseados em considerações biológicas e não somente em diferenças estatisticamente significativas em relação a uma população controle. Sendo assim, o efeito não adverso é aquele que não reduz a capacidade funcional nem a capacidade para compensar tensões adicionais. São reversíveis logo após cessar a exposição, sem diminuição detectável da capacidade do organismo para manter a homeostase, e não realçam a suscetibilidade aos efeitos de outras influências ambientais. Por outro lado, se pode deduzir que os efeitos adversos são alterações biológicas que: Ocorrem com uma exposição intermitente ou continuada e que dão lugar à diminuição da capacidade funcional (determinada por parâmetros anatômicos, fisiológicos e bioquímicos ou de comportamento) ou a uma diminuição da capacidade para compensar tensões adicionais. 42 É reversível durante a exposição ou logo que cessada esta, quando tais alterações causam diminuições detectáveis da capacidade do organismo para manter a homeostase. Realçam a suscetibilidade do organismo aos fatores nocivos de outras influências ambientais. 4.2 EFEITOS TÓXICOS São os efeitos adversos causados por substâncias químicas. Assim, todo o efeito tóxico é indesejável e nocivo, mas nem todos os efeitos indesejáveis são tóxicos. 4.2.1 Classificação dos efeitos tóxicos Efeito idiossincrático As reações idiossincráticas correspondem às respostas quantitativamente anormais a certos agentes tóxicos, provocados por alterações genéticas. O indivíduo pode ter uma resposta adversa com doses baixas (não tóxicas) ou então ter uma resposta extremamente intensa com doses mais elevadas. Exemplo: sensibilidade anormal aos nitritos e outros agentes formadores de meta-hemoglobina, em virtude da deficiência, de origem genética, na NADH-meta- hemoglobinaredutase. 43 Efeito alérgico Reações alérgicas ou alergia química são reações adversas que ocorrem somente após uma prévia sensibilização do organismo ao AT, ou a um produto quimicamente semelhante. Na primeira exposição, a substância age como um hapteno, promovendo a formação dos anticorpos, que em duas ou três semanas estão em concentrações suficientes para produzir reações alérgicas em exposições subsequentes. Alguns autores não concordam que as alergias químicas sejam efeitos tóxicos, já que elas não obedecem ou apresentam uma relação dose-resposta (elas não são doses dependentes). Entretanto, como a alergia química é um efeito indesejável e adverso ao organismo, pode ser reconhecido como efeito tóxico. Efeito imediato, crônico e retardado Efeitos Imediatos ou agudos São aqueles que aparecem imediatamente após uma exposição aguda, ou seja, exposição única ou que ocorre, no máximo, em 24 horas. Em geral, são efeitos intensamente graves. Efeitos crônicos São aqueles resultantes de uma exposição crônica, ou seja, exposição a pequenas doses, durante vários meses ou anos. O efeito crônico pode advir de dois mecanismos: a) Somatória ou Acúmulo do Agente Tóxico no Organismo: a velocidade de eliminação é menor que a de absorção, assim ao longo da exposição o AT vai sendo somado no organismo, até alcançar um nível tóxico. 44 b) Somatória de Efeitos: ocorre quando o dano causado é irreversível e, portanto, vai sendo aumentado a cada exposição, até atingir um nível detectável; ou, então, quando o dano é reversível, mas o tempo entre cada exposição é insuficiente para que o organismo se recupere totalmente. Efeitos retardadosSão aqueles que só ocorrem após um período de latência, mesmo quando já não mais existe a exposição. Por exemplo: efeitos carcinogênicos que têm uma latência a 20-30 anos. Efeitos reversíveis e irreversíveis A manifestação de um ou outro efeito vai depender, principalmente, da capacidade do tecido lesado em se recuperar. Assim, lesões hepáticas são geralmente reversíveis, já que este tecido tem grande capacidade de regeneração, enquanto as lesões no Sistema Nervoso Central (SNC) são geralmente irreversíveis, uma vez que as células nervosas são pouco renovadas. Efeitos locais e sistêmicos O efeito local refere-se àquele que ocorre no local do primeiro contato entre a AT e o organismo. Já o sistêmico exige uma absorção e distribuição da substância, de modo a atingir o sítio de ação, onde se encontra o receptor biológico. Existem substâncias que apresentam os dois tipos de efeitos (por exemplo: Benzeno, chumbo tetraetila, etc.). Efeitos resultantes da interação de agentes químicos O termo interação entre substâncias químicas é utilizado todas as vezes que uma substância altera o efeito de outra. A interação pode ocorrer durante a fase de exposição, 45 toxicocinética ou toxicodinâmica. Como consequências destas interações podem resultar diferentes tipos de efeitos: Adição: é aquele produzido quando o efeito final de dois ou mais agentes é quantitativamente igual à soma dos efeitos produzidos individualmente. Ex.: Chumbo e arsênio atuando na biossíntese do heme (aumento da excreção urinária da coproporfirina). Sinergismo: ocorre quando o efeito de dois ou mais agentes químicos combinados é maior do que a soma dos efeitos individuais. Ex.: A hepatotoxicidade, resultante da interação entre tetracloreto de carbono e álcool é muito maior do que aquela produzida pela soma das duas ações em separado, uma vez que o etanol inibe a biotransformação do solvente clorado. Potenciação: ocorre quando um agente tóxico tem seu efeito aumentado por atuar simultaneamente, com um agente “não tóxico”. Ex.: O isopropanol, que não é hepatotóxico, aumenta excessivamente a hepatotoxicidade do tetracloreto de carbono. Antagonismo: ocorre quando dois agentes químicos interferem um com a ação do outro, diminuindo o efeito final. É, geralmente, um efeito desejável em toxicologia, já que o dano resultante (se houver) é menor que aquele causado pelas substâncias separadamente. Existem vários tipos de antagonismo: a) Antagonismo químico (também chamado neutralização): ocorre quando o antagonista reage quimicamente com o agonista, inativando-o. Este tipo de antagonismo tem um papel muito importante no tratamento das intoxicações. Ex.: Agentes quelantes como o EDTA, BAL e penicilamina, que sequestram metais (As, Hg, Pb, etc.), diminuindo suas ações tóxicas. 46 b) Antagonismo funcional: ocorre quando dois agentes produzem efeitos contrários em um mesmo sistema biológico atuando em receptores diferentes. Ex.: Barbitúricos que diminuem a pressão sanguínea, interagindo com a norepinefrina, que produz hipertensão. c) Antagonismo não competitivo, metabólico ou farmacocinético: é quando um fármaco altera a cinética do outro no organismo, de modo que menos AT alcance o sítio de ação ou permaneça menos tempo agindo. Ex.: Bicarbonato de sódio que aumenta a secreção urinária dos barbitúricos; fenobarbital que aumenta a biotransformação do tolueno, diminuindo sua ação tóxica. d) Antagonismo competitivo, não metabólico ou farmacodinâmico: ocorre quando os dois fármacos atuam sobre o mesmo receptor biológico, um antagonizando o efeito do outro. São os chamados bloqueadores e este conceito é usado, com vantagens, no tratamento clínico das intoxicações. Ex.: Naloxona, no tratamento da intoxicação com opioides. Atropina no tratamento da intoxicação por organofosforado ou carbamato. FIGURA 8 FONTE: Disponível em: < http://www.ccs.saude.gov.br/visa/humordown.html>. Acesso em: 13 dez. 2011. 47 5 VIAS E SISTEMAS DE ADMINISTRAÇÃO DE DROGAS Nos últimos anos, as pesquisas e aplicações de novos sistemas de administração de drogas vêm se desenvolvendo em escala exponencial. Foi desenvolvida inclusive uma verdadeira especialidade desse tema, que faz parte da recém-criada Engenharia Biomédica. Prevê-se que no futuro será possível administrar as drogas no momento certo, na posologia certa em qualquer parte do corpo com alvo específico e eficiência. A escolha de determinada via ou sistema de administração das drogas, depende de vários fatores: a) efeito local ou sistêmico; b) propriedades da droga e da forma farmacêutica administrada; c) idade do paciente; d) conveniência; e) tempo necessário para o início do efeito; f) duração do tratamento; g) obediência do paciente ao regime terapêutico. FIGURA 9 - REPRESENTAÇÃO ESQUEMÁTICA DAS VIAS DE ADMINISTRAÇÃO DE DROGAS FONTE: Moreno (2007). 48 5.1 FORMAS FARMACÊUTICAS Uso Interno: expressão que indica a administração de medicamentos por via oral. Uso Externo: expressão usada para indicar aplicação local ou tópica de medicamentos. Uso Parenteral: indica o uso de medicamentos por via que não seja interna ou enteral: intravenosa, intramuscular, subcutânea. Via Oral: Sólidos: pós, granulados, comprimidos, pílulas, cápsulas, drágeas, pastilhas, bolos. Líquidos: soluções simples e compostas, xaropes, elixires, dispersões, emulsões e suspensões. Via Parenteral: Injeções e implantes (pellets). Intramuscular, intravenoso, subcutâneo, intradérmico, intrarraquidiano, intratecal, intraperitoneal, intracardíaco. Uso Tópico ou Externo: Cutâneo: pomadas, unguento, creme, loção, pós, gel, aerossóis. Retal: supositórios. Vaginal: óvulos, comprimidos, geleias, cremes, bolos. Oftálmicos: soluções, pomadas, gel. 49 5.2 PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DAS VIAS DE ADMINISTRAÇÃO DE DROGAS A administração de medicamentos deve ser realizada com eficiência, segurança e responsabilidade, a fim de que sejam alcançados os objetivos da terapêutica implementada e, dessa forma, haja uma melhora no quadro clínico do paciente. Para tanto, deve-se ter conhecimento de alguns dados quanto ao processo de administração: informações farmacológicas do medicamento (farmacocinética, farmacodinâmica, dose máxima e efetiva, além do intervalo entre as doses), bem como métodos, vias e técnicas de administração. O método de administração dos medicamentos depende da rapidez com que se deseja a ação da droga, da natureza e quantidade da droga a ser administrada e das condições do paciente. As condições do paciente determinam, muitas vezes, a via de administração de certas drogas. Todavia, inúmeros problemas limitam a administração de drogas, por isso as vias utilizadas para administração de fármacos apresentam contraindicações em alguns casos específicos. A seguir, serão abordadas algumas vias de administração com seus prós e contras. FIGURA 10 FONTE: Moreno (2007). 50 5.3 ADMINISTRAÇÃO ENTERAL (ORAL) A ingestão é o método mais comum de prescrição de um fármaco. Além disso, é o mais seguro, mais conveniente e o mais econômico. Muitas vezes, a via oral é contraindicada por: O medicamento irritar a mucosa gástrica; O medicamento interferir na digestão; O paciente não poder deglutir. Além disso, o paciente pode apresentar algum quadro cujas características o impedem de ingerir drogas, como, por exemplo, patologias do sistema digestivo. Algumas desvantagens da via oral incluem, portanto, a impossibilidade de absorção de alguns agentes por causa de suas características físicas, os vômitos em resposta à irritação da mucosa gastrintestinal, destruição de alguns agentes farmacológicos por enzimas digestivas ou pelo pH gástrico, irregularidades
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