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HOR 01 - Quem fomos ns no sculo XX (1)

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1
 
Quem fomos nós no século XX: 
As grandes interpretações do Brasil 
 
 
Alberto da Costa e Silva 
 
 
 
Na manhã do primeiro dia de 1901, um brasileiro, sentado ao lado da 
estante, abria as páginas do último livro recebido de Paris, sem ter grandes 
esperanças, ao meditar sobre o Brasil. Ali estava, nos trópicos malsãos, cercado 
de gente que a ciência já situara nos patamares inferiores da humanidade - 
negros, índios, mulatos, caboclos, cafuzos - e ele próprio sem muita coragem de 
olhar-se ao espelho. 
 
Se fosse mulato escuro ou negro, como aquele catarinense que alguns 
consideravam um grande poeta, é provável que o dilacerasse o conflito entre o 
que sabia pela vida, pela inteligência e pelo coração e o que lhe afiançavam os 
sábios da Europa, e talvez se sentisse a reescrever mentalmente "O 
emparedado", de Cruz e Sousa, juntando à palavra "África" as duas sílabas de 
"Brasil". Ainda que os vizinhos lhe sorrissem e os alunos se levantassem, quando 
entrava na classe, sabia que o olhavam como alguém diferente. A cor da pele, a 
carapinha, as forma nariz e dos lábios, tudo nele afirmava que descendia de 
escravos. E o escravo está sempre fora da sociedade para a qual foi arrastado. A 
ela só se incorpora, e muito lentamente, depois de liberto ou, na maior parte das 
vezes, nas pessoas de seus netos ou bisnetos. E mal se tinham passado 12 anos 
da abolição da escravatura no Brasil. 
 
Branco ou tido por branco, ele olharia para o vizinho escuro como um 
problema. Este era um ex-escravo ou o filho de um ex-escravo e, portanto. um ex-
estrangeiro, e um ex-estrangeiro dele fisicamente distinto, que tinha de ser 
 2
absorvido e, em algum caso, europeizado. Pois o Brasil era um país europeu na 
América. Europeu e branco, ainda que quem pensasse assim fosse um mestiço. 
A este brasileiro que lia livros não o tranqüilizariam as notícias de que 
continuavam a chega imigrantes europeus ao país. Se esse sangue novo podia 
contribuir para apurar a qualidade das populações, nem sempre era ele do melhor, 
pois predominavam nos recém-vindos os portugueses, italianos e espanhóis, 
muitos deles da parte meridional de seus respectivos países e, por isso, por 
atarracados, morenos e com jeito de mouros, distantes dos tipos que a eugenia 
desejava peIos parâmetros do que se tinha por ciência, a geografia e a mistura de 
raças condenavam o Brasil, mais do que ao atraso, à barbárie. 
 
É possível, porém, que o nosso brasileiro tivesse sobre a mesa um 
exemplar de Por que me ufano de meu país (1900), publicado havia poucos 
meses. E que, ao reagir, como o conde Afonso Celso, ao que lhe impunham como 
cientificamente inexorável, passasse a repetir aqueles versos de Olavo Bilac: 
"Ama com fé e orgulho a terra em que nasceste, / criança, não verás país nenhum 
como este". Se mulato, ele se diria mameluco. E, mesmo se branco, com avós 
chegados do Minho, da Beira ou de Trás-os-Montes, procuraria uma antepassada 
tupi que se tivesse enlaçado ao seu João Ramalho, ao seu Caramuru ou ao seu 
Jerônimo de Albuquerque. Pois a Antigüidade na terra e a ligação de sangue com 
os que dela tinham sido os primeiros senhores vestiam de nobreza quem podia 
alegá-Ia. 
 
Esse nacionalismo em busca não apenas de origens que o justificassem e 
aristocratizassem, mas também do autenticamente brasileiro, sofreria, em Triste 
fim de Policarpo Quaresma (1915), de Lima Barreto, um ataque impiedoso, 
amargo e sofrido de um escritor com profundo senso de realidade ou, na visão 
ufanista, de um mulato magoado, invejoso e ressentido. 
 
Não é de excluir-se tampouco que o nosso brasileiro, sentado ao lado da 
estante, procurasse, entre o ufanismo e o desalento, um espaço mental de 
 3
observação, de investigação e de reflexão com um mínimo de peias. Este e 
aquele logravam observar o país sem os óculos europeus do fim do Oitocentos e 
investigar com a inteligência aberta. No entanto, ao organizar o material reunido e 
ao analisá-Io, era-Ihes quase impossível pôr-se de fora das estruturas intelectuais 
prevalecentes ou chocar-se com a verdade dos livros de prestígio. Assim se 
passou com Nina Rodrigues. São exemplares a empatia, a objetividade e o rigor 
com que reuniu, nas ruas e nas casas de Salvador, o material que seria publicado, 
depois de sua morte, em Os africanos no Brasil (1932). Quando descreve o que 
viu, ouviu e pressentiu, molda um negro rico de sua história e de sua cultura, 
criativo, plástico, inteiro. Mas, então, se recorda de que era um homem de ciência 
e repete os estereótipos racistas de seu tempo, reduz o negro e castiga de 
degenerado o mestiço que ele próprio era. 
 
Um outro mestiço, Euclides da Cunha, não escaparia disto em Os sertões 
(1902). Não deixou ele de compreender, como, meio século antes, João Francisco 
Lisboa, no Jornal de Timon, que eram os negros, os caboclos, os mulatos, os 
cafuzos, os pardos indefinidos e os brancos pobres os construtores do país e as 
grandes vítimas de sua história. Para Lisboa, nossos males não provinham deles, 
mas dos desmandos, da usura, da ignorância e da desordem do poder. Como 
Euclides da Cunha testemunhou em Canudos. Este, porém, ainda que 
reconhecesse no sertanejo "um forte" e nessa "rocha viva" visse o bisneto 
abandonado dos que haviam feito o mapa do Brasil, não deixou de contagiar de 
racismo a sua análise. Cedeu ao que se tinha por ciência e anatematizou, nas 
duas primeiras partes de seu livro, a terra e a gente brasileiras. Mais do que 
ninguém, pela recepção estrondosa que teve sua obra, difundiu ele a teoria de 
que, na mistura de raças, "ainda quando haja sobre o produto o influxo de uma 
raça superior, despontam vivíssimos estigmas da inferior" e, por isso, "o mestiço 
[...] é, quase sempre, um desequilibrado". Se faz o elogio do sertanejo, não deixa 
de tê-lo como um "retardatário", antes de o confrontar com "o raquitismo exaustivo 
dos mestiços neurastênicos do litoral". Ou seja, do mulato. 
 
 4
Força é não esquecer que esse livro, Os sertões, causou sobre a 
inteligência brasileira um impacto sem precedentes e que talvez só se tenha 
repetido, trinta anos mais tarde, com Casa-grande & senzala. Na desgraça de 
Canudos reproduzia-se, localizada, a desdita do pais: com esse inventário de 
gente inferior instalada nos trópicos não era possível colocar o Brasil a par com a 
Europa. Não podíamos ter um futuro melhor do que o presente, pois a ciência 
marcava os nossos tristes limites. A menos - e esta foi a saída de Sílvio Romero, 
inconformado com o destino que nos estava previsto - que a miscigenação se 
fosse processando com um contínuo aumento do sangue branco. Havia que 
clarear o brasileiro. E difundiu-se popularmente a aspiração de "melhorar a raça". 
 
A apologia do branqueamento impregnaria, mais tarde, a importante obra 
de análise social de Oliveira Viana. Tiveram leitores apaixonados os seus livros 
Populações meridionais do Brasil (1920) e Evolução do povo brasileiro (1923). 
Neles, destacava-se que o Brasil se fizera apesar dos índios, dos negros e dos 
mestiços, tudo devendo aos brancos. E se prognosticava uma nação 
embranquecida. Contava ele, para isso, com o aumento da imigração européia, 
com a fecundidade dos brancos, maior do que a das raças inferiores - a população 
negra, escrevia, estacionara -, e com a preponderância de cruzamentos felizes, 
nos quais os filhos de casais mistos acompanhassem as características superiores 
do pai ou da mãe branca. Embora posteriormente Oliveira Viana viesse a corrigir 
sua posição, persistiu na mente da maioria essa leitura de seus livros. 
 
A visão de que as raças formadoras do país e a sua mistura condicionavam 
negativamente o nosso destino permeia boa parte do que se escreveu na primeira 
metade do século. Está, por exemplo, nas três raças tristes do Retrato do Brasil 
(1920), de Paulo Prado. Mas nunca foi sequer considerada por Capistrano de 
Abreu, que não acreditavaem raças superiores nem inferiores. Para Capistrano, o 
Brasil autêntico tinha sido formado pelos mamelucos, ao conquistar o sertão. 
Haviam sido eles os primeiros brasileiros, numa história que teve os negros por 
atores secundários e não menos estrangeiros do que os portugueses. Era ao 
 5
caboclo que devíamos a unidade nacional, construída do interior para a costa, 
uma costa dominada pelos reinóis e os seus mulatos. Todo o enredo violento e 
heróico de ocupação da terra devia-se "ao sertanejo, ao bandeirante, ao vaqueiro, 
ao desbravador. E estes se haviam oposto de forma consistente às cidades 
litorâneas e mineiras, que não se autogovernavam como as fazendas do interior e 
não tinham outra vontade que não a da metrópole. Quem lesse os Capítulos de 
história colonial (1907), antes ou depois de Os sertões, talvez não escapasse da 
impressão de que a campanha de Canudos fora o episódio final, e trágico, de um 
processo de reversão que se reforçara com a transferência da família real para o 
Rio de Janeiro, quando a metrópole, sem deixar de ser metrópole, se instalou 
entre nós, conforme historiara Oliveira Lima em D. João VI no Brasil (1908). 
 
Seria nesse corte da evolução natural para a independência, causado pela 
vinda da casa de Bragança, que Alberto Torres e Manuel Bonfim veriam o início 
dos desacertos brasileiros. Para o primeiro, cujos livros A organização nacional 
(1914) e O problema nacional brasileiro (1914) tiveram grande audiência entre as 
elites, não precisávamos mudar de antepassados nem nos tornar num povo 
distinto do que éramos, para ocupar espaço entre as grandes nações. Um espaço, 
por sinal, que já tínhamos por nosso, apesar do curtíssimo período de ação livre, 
das péssimas condições de competência com outros países e dos defeitos de 
nossas estruturas sociais e de nosso sistema político. Alberto Torres não 
acreditava numa hierarquia de raças, tendo no cume o dolicocéfalo louro, nem na 
degenerescência do mestiço. Do mesmo modo que alguns de seus mais atentos 
leitores, como Plínio Salgado e os integralistas, de cuja agenda constavam a 
valorização do mestiço e a dignificação do negro. 
 
Na sua prosa exaltada, Manuel Bonfim rasgava fundo: o racismo e as 
teorias científicas que o amparavam compunham o processo de dominação do 
resto do mundo pela Europa e seu prolongamento norte-americano. Serviam para 
justificar o imperialismo: os europeus, por superiores, estavam fadados a conduzir 
os inferiores ou a substituí-los nas terras que ocupavam. Os povos, porém, não se 
 6
diferençavam pelas raças; diferençavam-se pelas culturas. Entre eles, o que havia 
eram dessemelhanças de tradições, direção, perspectivas e, em última análise, 
momentos históricos. O branco não era, assim, em nada superior ao ameríndio ou 
ao negro. Os defeitos que no último se apontavam, se os tinha, não eram dele, 
mas do regime de escravidão a que fora submetido. Quanto aos mestiços, não os 
considerava desfibrados, mas enérgicos, e o provava a gesta heróica da ocupação 
do território brasileiro. O autor de O Brasil na América (1929) mais do que 
acompanhava Capistrano de Abreu: escrevia com entusiasmo sobre o século XVII, 
quando se formou o brasileiro. Os problemas com que, depois, se defrontaria o 
país seriam devidos não ao seu povo, mas à ganância da metrópole e aos 
desacertos das elites que a substituíram no mando. 
 
Também para Alberto Torres os problemas do Brasil eram de natureza 
política e econômica. Derivavam da organização desastrada do Estado e da 
produção. Um país só é rico quando gera riqueza. Nós não só não a produzíamos 
na quantidade necessária, como, dadas as nossas estruturas sociais defeituosas, 
tomávamos a terra "pobre para a sua gente". 
 
Fora das cidades, essa gente que tinha a pobreza dentro de si e ao 
derredor confluiu para um personagem de um artigo, incluído num livro de contos, 
Urupês (1918), e que, de uma hora para outra, se voltaria em símbolo e tornaria 
famoso o seu autor. Refiro-me a Jeca Tatu. Monteiro Lobato não permite dúvida 
de que pretendia satirizar a ufanização do caboclo e devolvê-Io à realidade, de 
cócoras, a deixar passar, apático, a vida. Não falta no texto o seu toque de 
preconceito racial, como dele não estará isento o convívio de tia Nastácia com 
Emília e d Benta. O resto da obra de Lobato nos explica, no entanto, que Jeca 
Tatu não chega a camponês, ficando em caipira, porque sem terra, sem saúde, 
sem socorro e sem ter o que fazer com o que colhe, quando toma coragem e 
planta. Não era assim, no entanto, por determinismo de sangue ou clima. Tanto 
que Lobato passou a vida a ensinar-nos que Jeca Tatu podia ser resgatado e que 
era não só possível, mas provável que o Brasil se pudesse tornar uma grande 
 7
nação - rica, justa, harmoniosa e criadora. Essa imagem de um Brasil que seria 
conforme o esforço que nele puséssemos, individual e coletivamente, Lobato 
passou para a maior audiência que um escritor jamais teve no país - uma 
audiência que se acrescentava a cada ano. 
 
Ninguém exerceu influência mais profunda e mais duradoura sobre as 
crianças e os jovens e, portanto, sobre os adultos, no Brasil do século XX. Ainda 
quando nos apartamos de muitas de suas concepções, fica-nos a valorização de 
todo tipo de trabalho, o respeito pelo fazer bem, o aguçamento do olhar crítico, a 
dúvida diante das idéias feitas, a recusa do conformismo, a confiança na 
fecundidade da ação, o desgosto com o cerceamento das opiniões e da liberdade, 
o sentimento de que a imaginação encharca cotidianamente a vida. O mundo é 
feérico, imprevisível e admirável - ele insistia em seus livros infantis, ao trazer o 
Sítio do Pica-pau Amarelo para dentro da rotina das casas brasileiras. E não 
cansava de dizer-nos que o país poderia ser mudado, se cada criança, ao crescer, 
desse a sua contribuição para lhe modernizar a agricultura, racionalizar a 
exploração dos recursos minerais e crivá-lo de indústrias. 
 
Essa idéia do Brasil como um constante projeto, como uma tarefa a ser 
cumprida, estava no cerne da vontade de alguns jovens seus coetâneos, que com 
ele, contudo, jamais se entenderam. Foram esses jovens responsáveis pelo que 
quiseram que fosse um escarcéu publicitário e que, tendo sido, no momento em 
que se deu, um escândalo de província, se tomou um prolongado escândalo 
nacional, pela lembrança ampliada que dele os seus participantes não cessaram 
de reproduzir: a Semana de Arte Moderna. Foi ela um golpe de mestre de rapazes 
persuadidos de que estavam descobrindo o Brasil ou, quando menos, o 
procurando. E que convenceram todo o mundo de que com eles se fizera a grande 
ruptura entre o Brasil que se ignorava e o Brasil que começava a ser, 
 
O país estava à nossa espera, cheio de juventude. O que se concebera 
como uma diretriz estética, a Antropofagia, na realidade definia o Brasil. Como 
 8
provava o abrasileiramento, logo na primeira geração, dos filhos dos quase quatro 
milhões de imigrantes desembarcados em nossos portos entre 1860 e 1922. 
Éramos uma nação antropófaga, devoradora de tudo que vinha de fora, capaz de 
assimilar e reproduzir, modificados e enriquecidos, os valores que nos 
interessavam, eliminando o resto. A teoria do Brasil canibal ficou em linguagem de 
manifesto - quem a formulou, Oswald de Andrade, era um mestre das poucas 
palavras carregadas de certeza -, porém foi de uma fecundidade enorme. Ajudou, 
por algum tempo, a varrer para longe os determinismos pessimistas. 
 
O Brasil, contudo, não era só futuro. Tinha um passado de invenção e 
beleza, que necessitava ser revelado ou revalorizado - como o Barroco Mineiro. E 
tinha um presente riquíssimo, o seu povo. O caipira não era incapaz de arte. O 
mestiço do litoral não era um desfibrado. Nem o sertanejo, um seco fanático. Ali 
estavam as cavalhadas, os fandangos, os maracatus, as máscaras dos ticunas, os 
santos de nó de pau, os exus de ferro, osex-votos, o romance de d. Barão e o da 
Nau Catarineta, os desafios de violeiros. Ali estava todo um extraordinário material 
ao aguardo dos artistas urbanos e dos estudiosos. E Mário de Andrade, sem 
perder um só momento a sua intuição de poeta e sem abandonar, enquanto 
artista, o rigor do erudito, não só saiu atrás de tudo isso, mas, graças a uma 
liderança epistolar sem igual, pôs toda a sua geração, e a geração seguinte, a 
redescobrir o Brasil pelas criações de seu povo. 
 
No seu entusiasmo, os modernistas pareciam não aceitar que não se 
tivesse esperado por eles para proceder ao mapeamento do Brasil, um 
mapeamento que já começara a ser feito desde havia muito - e com dedicação e 
competência. Não punham o menor esforço em lembrar-nos, por exemplo, de que 
Barbosa Rodrigues publicara na Poranduba amazonense (1890) os contos 
indígenas que recolhera nas suas viagens pelo interior do Brasil, escrevera a 
importantíssima Sertum Palmarum Brasiliensium e deixara de herança uma 
monumental Iconographie des Orchidées du Brésil. Era como se Celso de 
Magalhães nunca tivesse escrito A poesia popular brasileira, nem Sílvio Romero, 
 9
os seus Cantos populares do Brasil (1883), Contos populares do Brasil (1885) e 
Estudos sobre a poesia popular do Brasil (1888). De relações praticamente 
cortadas com os mais velhos ou "passadistas", não queriam dar-se conta de que 
um amigo desses, Rodolfo von Ihering, já havia publicado o Atlas da fauna do 
Brasil (1916), assim como a primeira versão do que viria a ser o seu Dicionário 
dos animais do Brasil (1914), e simulavam ignorar o Folclore pernambucano 
(1908), de Pereira da Costa, O tupi na geografia nacional (1901), de Teodoro 
Sampaio, ou Cantadores (1921), de Leonardo Mota. Mais: deixavam-nos na 
ignorância de que das páginas de Rã-txa-hu-ni-ku-i ou a língua dos caxinauás 
(1914), de Capistrano de Abreu, e das Lendas em nheengatu e português (1926), 
de Antônio Brandão de Amorim, vários heróis sem nenhum caráter acenavam para 
o Macunaíma que Mário de Andrade encontrou como um arecuná, em Koch-
Grünberg, e transformou em arquétipo e metáfora. 
 
O que era novo nos modernistas era a maneira de olhar. E o meditar 
apaixonado sobre o que se olhava. E o escrever sem colete. A imagem que o 
brasileiro fazia de si próprio e de seu país começava a mudar. E mudaria de modo 
ainda mais radical e num ritmo ainda mais rápido, a partir de 1933, graças a Casa-
grande & senzala. Neste livro, Gilberto Freire declarava em voz alta que o Brasil 
não era uma nação branca que tinha negros. O negro estava em todos nós e sem 
o negro não teria havido nem havia o Brasil. Bernardo Pereira de Vasconcelos já 
dissera, em 1843, que a África civilizava o país. Gilberto Freire apresentava as 
provas disso e punha o negro no centro do cenário, retirando-o da posição ancilar 
em que o tinham Capistrano de Abreu e Manuel Bonfim. Éramos todos mestiços 
na cultura. E era a cultura o que importava, a cultura que movimenta a nossa 
mente e o nosso corpo e, não, a cor da pele ou a textura dos cabelos. Tão intensa 
fora a nossa mestiçagem cultural, que era quase impossível medir-se, sobretudo 
no cotidiano doméstico, o que se devia ao ameríndio, ao africano e ao europeu. 
 
Algumas décadas mais tarde, talvez fosse difícil perceber a revolução que 
representou Casa-grande & senzala. Isto porque muitas de suas idéias e do 
 10
vocabulário em que eram expressas se incorporaram ao dia-a-dia brasileiro. 
Repetiam o que vinha no livro até os que nunca o tinham lido. Citava-se Gilberto 
Freire como se ia "embora p'ra Pasárgada", ou se reclamava: "um urubu pousou 
na minha sorte". Isto é, sem consciência de que se declamavam versos de Manuel 
Bandeira e Augusto dos Anjos. E também porque, na esteira de Casa-grande & 
senzala, veio toda uma seqüência de criações tendo por sujeito o negro - o que já 
havia sido antecipado pelo poema emblemático de Jorge de Lima, "Essa negra 
Fulô". 
 
O próprio impacto do livro de Gilberto Freire e as discussões que provocou 
mostravam que o Brasil não era uma democracia racial, como ele propugnava. 
Não era, mas, a partir de então, passou a querer ser. Ser uma democracia racial 
tornou-se uma das grandes aspirações nacionais. Passáramos a não ter medo de 
nossa mestiçagem e a esgrimi-Ia como uma vantagem. O mulato patológico de 
Aluísio Azevedo, Adolfo Caminha e Euclides da Cunha tornava-se um dos erros 
mais grotescos de todos os que importáramos. Em Casa-grande & senzala 
reaprendíamos que o grande útero da nação tinha sido a cunhã, a mulher 
ameríndia. E que tinha sido com o índio que o português aprendera a viver no que 
viria a ser o Brasil. 
 
Não havia escapado à intuição de alguns que o negro não fora apenas os 
braços e as pernas do branco, mas mudara neste a maneira de comportar-se, de 
pensar e de sentir. Rui Barbosa já reconhecera no escravo o nosso primeiro 
operário, o criador primeiro da riqueza nacional. Mas é com Gilberto Freire que ele 
perde as feições de selvagem que lhe colaram ao rosto, pois nos mostra que os 
africanos, ao chegar ao Brasil, sabiam manejar o gado, trabalhar o ferro, abrir 
galerias para minas, batear o ouro, irrigar o solo, adubá-lo e cuidá-lo como 
mandava o trópico, fazer fortificações e organizar as tropas para o combate. 
Todos vinham de povos com história e traziam consigo formas próprias de estar 
no mundo. Não faltava sequer quem lesse o Alcorão ou escrevesse em arábico, 
ao passo que o seu dono mal conseguia desenhar o nome. Quanto ao senhor, 
 11
ainda que um proscrito, não era necessariamente um criminoso nem a escória da 
metrópole. O degredo aplicava-se aos cristão-novos, aos ciganos, aos dissidentes 
políticos, aos homossexuais, aos adúlteros, aos bígamos e aos que cometiam 
delitos que não conseguimos, hoje, colocar entre os malfeitos. 
 
O Brasil e os brasileiros não éramos a simples junção das três raças tristes 
do soneto de Olavo Bilac e do livro de Paulo Prado. Resultávamos de um encontro 
muito mais complexo - ou mais rico - de culturas. Aqui, minhotos vindos de 
diferentes vilarejos somavam semelhanças e trocavam diferenças, e o mesmo se 
passava entre eles e transmontanos de encostas e vales distintos, e com beirões, 
alentejanos, algarvios, estremenhos, ribatejanos, açorianos e madeirenses. O que 
era difícil de dar-se no próprio Portugal, aqui se passava corriqueira e facilmente. 
E o mesmo se repetia com as mulheres e os homens trazidos da África, que não 
se viam como africanos, mas como gente de sua aldeia, a quem os outros 
chamavam jalofos, bamuns, mandingas, papéis, bijagós, fantes, achantis, gãs, 
fons, guns, baribas, gurúnsis, quetos, ondos, ijexás, ijebus, oiós, ibadãs, benins, 
hauçás, nupês, ibos, ijós, calabaris, teques, iacas, anzicos, congos, andongos, 
songos, pendes, lenjes, ovimbundos, ovambos, macuas, mangajas, cheuas - cada 
qual com seus valores e costumes próprios, muitas vezes tão distantes uns dos 
outros quanto um russo de um siciliano ou um escocês de um andaluz. Não era 
diferente a situação dos ameríndios nem dos demais europeus e dos asiáticos que 
emigraram para o Brasil - e de toda essa profusão de gentes e culturas Artur 
Ramos faria o inventário na sua Introdução à antropologia brasileira (1942-1947). 
Parafraseando Mário de Andrade, cada um de nós era trezentos, era trezentos e 
cinqüenta. 
 
Deixávamos de nos ver como um povo cabisbaixo, votado inexoravelmente 
à tristeza. Pessoalmente, podíamos, de vez em quando, ser tomados pela 
saudade e o banzo. Este seria ensimesmado, mas aquele tinha no rosto o 
desenho do riso. O que não se poderia mais dizer é que não amávamos o zé-
pereira, a festa, os animais com arreios floridos, as casas pintadas de cores vivas, 
 12
as procissões barulhentas, os tetos forrados de bandeirinhas, as mesas cheias de 
doces, os estampados vistosos, o frevo, as lapinhas mecânicas, as rendas e as 
estórias maravilhosas. Tínhamosde sobra tudo isso e mais isto, como passaria a 
mostrar, incansavelmente Luís da Câmara Cascudo. 
 
No seu ciclorama, projetou-se a vida brasileira em toda a sua copiosa 
variedade, de Roraima ao Rio Grande do Sul e do Acre a Natal, onde morava. Do 
pelo - sinal na testa do recém-nascido às "excelências" dos velórios. Da praça ao 
claustro. Do botequim à sacristia. Da sala de visitas à cozinha. E do alpendre ao 
fundo do quintal. Sem a preocupação de teorizar sobre o Brasil, filmou-o com 
palavras no espaço e no tempo. Contou-nos o que viu, ouviu e tocou. Repetiu-nos 
em miúdos o que leu - e leu praticamente tudo sobre o povo brasileiro -, depois de 
confrontar os textos entre si e com sua experiência pessoal. Comparou nossas 
festas com as dos outros povos, e nossas comidas, e nossas crenças, e nossas 
canções, e nossas danças, e nossos brinquedos infantis, e nossas casas, e 
nossos objetos, e nossos ritmos de viagem, e nossos hábitos de trabalho, e 
nossos jeitos de conviver, e nossos medos. Ao sistematizar o que se sabia sobre 
nossa gente e ao ampliar com sua própria pesquisa esse conhecimento, Câmara 
Cascudo alargou, aprofundou e modificou a idéia que se tinha do Brasil. A sua 
ambição era a de que os brasileiros gostassem de verdade de sua pátria, e até de 
seus defeitos, e a quisessem como era e não como uma repetição ou, pior, um 
simulacro dos Estados Unidos ou da Alemanha. 
 
Outros desciam o olhar dos chapéus deslumbrantes e dos rostos floridos 
dos guerreiros das Alagoas para os seus pés descalços. O Brasil estava errado e 
havia que descobrir as razões de seu atraso e de suas injustiças Que provinham 
de suas próprias raízes. E assim se chamou, Raízes do Brasil (1936), o livro em 
que Sérgio Buarque de Holanda nos propôs uma nova interpretação do país. 
 
Como Manoel Bonfim e Gilberto Freire, Sérgio Buarque de Holanda 
ressaltava a indecisão da lbéria entre a Europa e a África muçulmana. Mas, 
 13
enquanto o primeiro via o Portugal dos descobrimentos à frente da Europa, graças 
à sua intimidade com a grande civilização do Islã - não havia nada no resto do 
continente que pudesse sequer ombrear com Córdoba e Granada, em riqueza, 
requinte de vida, avanços técnicos, filosofia, ciência e arte-, Buarque de Holanda 
considerava que os ibéricos se desenvolviam à margem da Europa e das 
mudanças que se processavam em suas formas de vida social. Não negava que 
os portugueses tivessem, no fim do século XV, se adiantado aos europeus, ao 
criar Estados de expressão política e econômica moderna. Mas, em 
compensação, não se haviam organizado de forma coesa e solidária. A aspiração 
de cada pessoa era a de bastar-se a si própria. A esse individualismo exacerbado, 
aliava-se, numa península onde todos queriam ser barões, o desprezo pelo 
esforço manual, pelo trabalho. Daí que a expansão portuguesa tenha sido só 
aventura, sem constância no esforço, sem método e sem rumo. Todo o contrário 
pensava Manuel Bonfim. Para ele, a conquista do Atlântico e do Índico não se 
explicava apenas pelos grandes avanços técnicos conseguidos pelos 
portugueses, mas pela obstinação em cumprir um projeto, o do primeiro império 
moderno, que teria de ser ultramarino e assentado no comércio. Se Bonfim julgava 
que o enriquecimento das navegações, ao degenerar em cobiça e parasitismo, 
esgotara o impulso criador português, não tinha dúvidas de que este se encarnara 
em quem se ia tomando o brasileiro. 
 
Para Sérgio Buarque de Holanda, o português era aventureiro e criativo. 
Aceitava riscos e ignorava obstáculos. Plástico, adaptava-se sem dificuldade à 
geografia e aos modos de vida locais e se entendia e misturava com os nativos, 
porém era incapaz do trabalho sistemático, lento e seguro. Queria enricar 
depressa e voltar o mais rápido possível para a sua terra. A sua moral era a da 
aventura e não a do trabalho. Por isso e porque acostumado a estruturas sociais 
frouxas, com a prevalência das relações pessoais e familiares sobre os interesses 
da grei, o português não foi capaz de formar no Brasil uma sociedade marcada 
pela organização, pela associação e pelo planejamento. Cada colono, se tinha 
força para isso, instalava-se na sua casa-grande, sem cuidar dos vizinhos e sem 
 14
saber da coroa. Foi-se montando assim um país às avessas, no qual as cidades 
dependiam do campo. Ao refazer o enredo, Buarque de Holanda discordava 
fundamentalmente de Capistrano de Abreu: tinha sido um mal que o país tivesse 
sido construído do interior para a costa, contra as cidades que representavam a 
metrópole. Entre outras razões, porque a família patriarcal dos sertões tornara-se 
mais forte do que o Estado. Por isso mesmo, acentuou-se no Brasil a propensão 
lusitana para confundir os domínios do privado e do público, este constantemente 
invadido por aquele. Os valores afetivos impuseram-se sobre os da razão coletiva. 
E o compadrismo tornou-se norma. Bem como a total ausência de solidariedade e 
responsabilidade fora dos laços de família. 
 
Aí estavam as raízes do atraso brasileiro. Tínhamos de conhecê-Ias, para 
recusá-Ias e cortá-Ias, ou, ao menos, esquecê-Ias, a fim de impedir que o passado 
continuasse a atuar sobre o inconsciente brasileiro. A modernização passava, 
assim, pelo abandono das nossas características ibéricas e pela adoção de um 
novo estilo de vida coletiva, o americano, no qual o público se impusesse sobre o 
privado e o racional sobre o afetivo. Tínhamos, em última análise, de deixar de ser 
portugueses transplantados nos trópicos. Porque isto éramos, e não mestiços 
culturais, uma vez que os ameríndios e os africanos não chegaram a constituir um 
contrapeso em nossa formação e se ajustaram ao molde lusitano. 
 
Na realidade, estávamos, havia muito, a processar essas mudanças. Desde 
1850, ou talvez antes, desde a chegada de d. João VI ao Rio de Janeiro, as 
cidades haviam começado a se impor sobre o isolamento e a auto-suficiência dos 
casarões rurais. E desde então, continuara, ainda que sem grandes abalos 
aparentes, a revolução brasileira, que consistia nesse cortar de raízes impróprias, 
que explicavam o nosso atraso e as injustiças a que condenávamos a maior parte 
de nossa população, todos aqueles que, nas senzalas, nos mocambos, nas 
palhoças e casas de sopapo, não receberam a menor parcela da herança e dos 
cuidados da casa-grande. 
 
 15
A guerra de 1939 a 1945 acentuou a percepção de nossas carências. Mas 
tornou claro também que a maneira de viver dos brasileiros se alterara 
substancialmente e continuava a modificar-se com grande rapidez. Outros eram 
os parâmetros de conduta de um país que se industrializava e que estava 
deixando de ser um arquipélago. À vontade de progresso e à euforia das 
mudanças aliava-se, entretanto, o sentimento de que algo se fora para sempre - 
um tipo de vida sem pressa, sem regras, sem desprezo pelo ócio, e no qual os 
contatos humanos eram cordiais, quando não afetuosos. A nostalgia desse 
passado alimentará os poemas itabiranos de,Carlos Drummond de Andrade, os 
romances sobre engenhos, bangüês e usinas de açúcar de José Lins do Rego, os 
contos de Marques Rebelo sobre os subúrbios cariocas e tantas páginas de outros 
poetas, ficcionistas, memorialistas e ensaístas, nas quais se perguntava se valia a 
pena trocar pela eficiência do modelo norte-americano o compasso lento e 
dengoso de nossa vida de esquina. 
 
A pergunta era não só irrelevante, mas também anacrônica. Não havia volta 
atrás. Quando muito, poder-se-ia procurar, como preconizava o Tristão de Ataíde 
dos Estudos, preservar os valores da grande família as aspirações à pequena 
empresa contra a ética protestante norte-americana, que favorecia a grande 
empresa, a pequena família e a impessoalidade nas relações sociais. Exatamente 
o contrário do que muitos desejavam - pensaria o nosso brasileiro, ou o seu filho, 
sentado ao lado da estante, no começo da segunda metade do século,a abrir o 
último livro publicado no Brasil, antes dos recebidos de Nova York ou de Paris. 
 
Estávamos, havia décadas, a tocar o fundo de nós mesmos - e disso dava 
sinal um livro como A cultura brasileira (1943), de Fernando de Azevedo. Nossa 
criação artística tornara-se ainda mais o desenho de nossa realidade, e estavam 
no auge de suas forças, entre tantos outros, Villa-Lobos, Francisco Mignone, 
Brecheret, Portinari, Goeldi, J. Carlos, Nássara, Cecília Meireles, Nélson 
Rodrigues, Jorge Amado e Graciliano Ramos. Poucos tinham dúvidas do que 
éramos, mas mediam de modo diferente as nossas forças e fraquezas. E de modo 
 16
diferente lhes identificavam e interpretavam as origens. Pois de suas convicções 
políticas, ou seja, do projeto adotado para o futuro do país e do mundo, dependia 
a maneira de explicar o Brasil. 
 
Se fosse marxista, é provável que visse o nosso passado como feudal e 
adotasse como primeiro remédio para os males a eliminação dos restos do 
feudalismo, simbolizados no latifúndio. Ou que definisse como sistema escravista 
de produção o prevalecente na colônia e no império. Mas é possível também que 
tivesse do país a imagem que lhe ficara de Evolução política do Brasil (1933) e 
Formação do Brasil contemporâneo (1942), de Caio Prado Júnior. Nesses livros, 
não só se fazia uma leitura materialista dialética da história brasileira, uma história 
que nos era contada a partir da produção, da distribuição e do consumo da 
riqueza, como se ampliavam as suas dimensões. O Brasil surgira como parte da 
expansão mercantil do nascente capitalismo europeu. O país fundara-se, de fora 
para dentro, para fornecer açúcar e bens tropicais. E a sua história não era mais 
do que um capítulo da história maior do comércio europeu e fora dela não se 
explicaria. 
 
O seu enredo, no entanto, não foi tecido apenas por esses interesses, mas 
pelas classes sociais em luta. Nele entram, sofridas, machucadas, resignadas ou 
insubmissas, as massas de escravos e semi-escravos, de pobres, explorados e 
empobrecidos. E passam a ocupar o espaço que dantes só cabia às elites 
dirigentes. No retábulo de nossa história, abrem-se painéis para as rebeliões da 
gentalha, dos cabanos e dos balaios, e tornam-se mais nítidos os traços e as 
cores dos praieiros e dos farroupilhas. Não éramos portugueses desterrados, mas 
um povo que fora adquirindo, ao longo da história, fisionomia própria. Desde a 
colônia, havíamos-nos organizado de forma original, diferente da indígena e da 
portuguesa e, conseqüentemente, começáramos a desenvolver uma mentalidade 
coletiva singular. 
 
 17
Éramos um só povo, ou cada vez mais um só povo - pensava o nosso 
brasileiro que lia livros -, mas nos vestíamos conforme o lugar. Tendíamos a olhar 
o país da janela de nossa província ou região. O nortista que reconhecia o Brasil 
no Raimundo Morais de Na planície amazônica (1925) e O país das pedras verdes 
(1930), acercava-se da paisagem e da humanidade de Vida e morte do 
bandeirante (1929), de Alcântara Machado, com a sensação de distância. E a um 
gaúcho poderia escapar o que um pernambucano ou um alagoano encontravam 
em Nordeste (1937), de Gilberto Freire. Pois lemos com os olhos que o menino e 
o moço que fomos derramaram ao derredor, com as experiências que tivemos nos 
lugares onde nos foi dado viver e com as memórias de nossos pais e avós. 
 
Os brasileiros éramos nós, os daqui, e os outros. Os vários outros. Talvez 
tivéssemos, por isso, de renunciar a uma interpretação que abrangesse o Brasil 
inteiro. Talvez fosse mais realista analisar o país a partir de seus vários núcleos 
culturais, como propôs Viana Moog, em Uma interpretação da literatura brasileira 
(1943). Para Moog, seriam sete esses núcleos - Amazônia, Nordeste, Bahia, 
Minas Gerais, São Paulo, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro -, embora ele 
reconhecesse as peculiaridades do Maranhão e o fato de muito da terra 
fluminense pertencer culturalmente à área açucareira do Nordeste. 
 
Uma dúzia de anos depois, Viana Moog, sem abandonar a sua tese do 
Brasil como arquipélago cultural se renderia à sereia das explicações globais, com 
Bandeirantes e pioneiros (1955), um livro em que procurou mostrar por que o 
Brasil, embora saindo um século na frente, não logrou o êxito, o bem-estar e a 
posição central no mundo conseguidos pelos Estados Unidos da América. Já 
então, os Estados Unidos se apresentavam como modelo e meta das classes 
médias brasileiras, que iam adquirindo intimidade com os modos de vida norte-
americanos e a eles se afeiçoando, não só por causa do cinema, mas também 
graças a outros fatores, entre os quais não seriam de desprezar-se um programa 
de rádio de enorme audiência, "A família Borges", e os testemunhos de Érico 
 18
Veríssimo em Gato preto em campo de neve (1941) e A volta do gato preto 
(1946). 
 
O leitor abria Bandeirantes e pioneiros e deparava dois grandes murais, um 
defronte ao outro. No primeiro, viam-se os recém-chegados diante de amplas 
planícies, que, após a breve interrupção de uma cadeia de montanhas, voltavam a 
estender-se para o interior. Entravam eles por rios que conduziam, quase sem 
cortes de corredeiras, ao coração do continente. Por toda a parte encontravam 
solos profundos, semelhantes aos mais férteis da Europa, e nos quais o clima 
permitia que cultivassem o trigo, o centeio e a cevada a que estavam 
acostumados. E deparavam jazidas de carvão de alta qualidade logo ao lado das 
minas de ferro. Tinham eles saído de suas terras, porque não suportavam as suas 
abominações, e traziam como objetivo e sonho construir uma nova pátria. Nenhum 
pensava em regressar à Europa e todos se faziam prontamente senhores da terra, 
com uma determinação que se coadunava com a ética do trabalho que neles 
estava entranhada, assim como a convicção calvinista de que a riqueza era um 
sinal da graça divina. Tiveram a América como tarefa. E se empenharam em 
cumpri-Ia, enriquecendo pela agricultura, o pastoreio, a navegação e o comércio. 
Foram, assim, ocupando o continente, como colonos, cultivadores, pioneiros e, 
desde o início, americanos. 
 
No outro mural, os recém-vindos tinham de escalar, logo após uma faixa 
litorânea em geral estreita, as escarpas que conduziam ao planalto. Se subiam os 
rios, logo adiante assustavam-se com a força dos cachões, quedas- d'água e 
corredeiras que lhes cortavam caminho. Rasos eram, em sua maioria, os solos e 
não se prestavam em geral ao arado. E o clima era tão distinto do europeu, que 
naquelas terras se viam obrigados a mudar de cultivos. Quase tudo nelas exigia 
novas técnicas, que tinham de ser aprendidas dos nativos - como o plantio da 
mandioca e o fabrico do beiju ou da farinha - ou transplantadas das ilhas atlânticas 
- como o engenho de açúcar. Quando necessitaram de carvão e ferro, as jazidas 
de um e outro estavam a longa distância, e as daquele eram de má qualidade. 
 19
Trabalhavam o solo, ou, melhor, punham os seus escravos a trabalhar o solo, 
porque necessitavam de alimentos ou, no caso da cana, porque esta substituíra, 
nas regiões de solos mais gordos, a ambição da prata e do ouro. Pois não tinham 
atravessado o oceano, para continuar labregos, mas, sim, para enriquecer o mais 
depressa possível. Para eles, o trabalho era um castigo, o comércio, uma 
atividade ignóbil, e o lucro e o juro matéria do pecado. Adentraram o continente 
em busca dos metais preciosos e, enquanto não o encontravam, do índio para 
escravo. Como soldados, conquistadores, bandeirantes. Não pretendiam instalar-
se produtivamente nas terras que desbravavam, mas delas recolher o butim e 
voltar ao ponto de partida. Se tivessem êxito, tudo a que aspiravam era retornar, 
prósperos, a Portugal, a que continuaram - e, por muito tempo, também os seus 
filhos mazombos-ligados. 
 
O contraste entre os dois murais explicaria o descompasso histórico entre 
os Estados Unidos e o Brasil. Ao contráriodeste, que não se sentia convocado a 
inventar nada, aqueles, com seu amor pelas mãos, ideavam constantemente 
novos utensílios, novas máquinas e novas técnicas. 
 
A geografia, o modo de ocupar a terra e a cultura explicavam muito, mas 
não tudo - talvez pensasse o nosso brasileiro, sentado junto à estante. Pois o 
Brasil não era uma ilha; e fora ligado, desde o início, por numerosíssímos istmos 
não só à Europa e à África, mas também à Índia e ao resto do Oriente, qual se 
mostrava em Sobrados e mucambos (1936), de Gilberto Freire. A sua fundação 
podia até ser vista - conforme reclamara Caio Prado Júnior - como um episódio do 
expansionismo comercial europeu do Quatrocentos e do Quinhentos. 
 
Não só o era, confirmava Celso Furtado em Formação econômica do Brasil 
(1959), como as prosperidades, as estagnações e os declínios do país 
dependeram, durante mais de trezentos anos, de decisões sobre os seus produtos 
de exportação, tomadas nos mercados europeus. Desde o início, por exemplo, a 
produção de açúcar no Brasil foi financiada, refinada e comercializada pelos 
 20
flamengos. O negócio do açúcar era mais deles do que dos portugueses, por isso 
que o quanto de mascavo embarcado para a Europa se definia em Antuérpia e, 
depois, em Amsterdã, e não em Lisboa ou, muito menos, em Salvador ou Olinda. 
A unidade produtora (engenho, casa-grande e senzala) era altamente 
especializada e quase auto-suficiente. Não criava mercado para os produtos do 
país, pois nela praticamente não se adquiriam mais do que lenha para as caldeiras 
e animais de carga e corte. Só após a descoberta do ouro, com a urbanização 
propiciada pelas atividades mineiras, é que o Brasil conheceria o surgimento de 
um incipiente mercado interno. Para as vilas e cidades próximas aos garimpos 
passaram a afluir produtos de outras regiões, criando-se a base do que viria a ser 
uma economia nacional. Mas as minas eram também regidas de fora, o que 
impediu que delas saíssem impulsos para as atividades manufatureiras, pois o seu 
controle e de toda a economia da colônia ficava em Lisboa, e Portugal havia 
renunciado, no início do século XVIII, à industrialização. 
 
Após a independência, a demanda externa continuou a condicionar a 
estrutura e o desempenho de nossa economia. Quem não produzia para exportar, 
produzia para o seu próprio sustento e para alguns poucos vizinhos. O quadro 
modificar-se-ia, porém, com o café, cuja comercialização estava, em geral, nas 
mãos dos que o cultivavam, e com a substituição da escravatura pelo trabalho 
assalariado. Criou-se então, no leste e sul do Brasil, uma massa de consumidores 
e uma verdadeira economia de mercado interno. E pela primeira vez, as decisões 
econômicas passaram a ser tomadas dentro do país, com o governo a controlar a 
oferta internacional do café e a amparar a industrialização. 
 
Ninguém mais pensava com seriedade que o Brasil devesse os seus 
problemas a defeitos de origem em sua terra ou na conformação de seu povo. 
Nosso atraso e nossas disparidades de desenvolvimento regional - deixava claro 
Celso Furtado - encontravam explicação na história de nossa economia. Os 
remédios, muitos dos quais já vinham sendo aplicados, tinham de ser, por isso 
mesmo, de natureza econômica. Entre eles, o do fortalecimento e ampliação do 
 21
mercado interno, o que dependia de se corrigirem as grandes desigualdades entre 
as regiões mais atrasadas, como o Nordeste, e as mais adiantadas como o Sul. 
 
A ligá-Ias pelo interior, os sertões. Que adquiriam uma outra imagem, 
distinta e até inversa à de Euclides da Cunha. Pois Miguilim, ao pôr os óculos pela 
primeira vez, descobrira que a paisagem ao derredor era bela, era mais que bela, 
era belíssima. Agora, não apenas ele, mas todos nós sabíamos. Como 
aprendêramos, com Soropita e Doralda, que a pobreza não impede os dias e as 
noites de mel e alegria. O sertão era terrível, mas era o nosso sertão, o de nossas 
navegações, o de nossa aventura, nossa, pois éramos Diadorim e Riobaldo. 
Guimarães Rosa, em Corpo de baile (1956) e Grande sertão: veredas (1956), nos 
convencia de que nada tínhamos a invejar dos antigos gregos, porque os heróis 
estavam aqui, de olhos abertos para os mistérios e o esplendor do mundo. E não 
só nos sertões, mas também nos pampas e nas coxilhas, pois recebiam a mesma 
graça de convívio com o deslumbramento e o trágico os habitantes do primeiro 
volume de O tempo e o vento (1949-1962), de Érico Veríssimo. 
 
Não mereciam o desânimo o país que nos fora dado nem o povo de que 
éramos parte. E disso nos tornávamos mais conscientes à medida que 
avançávamos no levantamento e na análise de tudo o que tínhamos feito no correr 
da história. A partir do século XVIII, havíamos desenvolvido uma literatura com 
feição e cânones próprios, uma literatura visceralmente nacional - como acentuava 
Antonio Candido em Formação da literatura brasileira (1959) -, e passáramos a 
julgar o que líamos pelo metro de nossa tradição e de seus valores. E o mesmo se 
passava em outros campos da criação artística e da investigação intelectual. 
 
O Aleijadinho, contudo, não justificava a escravidão. E do alto de seus 
cavalos, Medeiro Vaz e Joca Ramiro punham o olhar sobre crianças nuas e 
mulheres maltrapilhas. Para o leitor urbano de classe média, uma grande parte de 
nossa gente vivia como as personagens de Morte e vida severina (1965), de João 
Cabral de MeIo Neto, e mais parecia servir de exemplo para as teses de Geografia 
 22
da fome (1942) Josué de Castro punha a maior parte do país num círculo vicioso: 
a pobreza extrema e a subalimentação dela decorrente, por carência de comida 
ou hábitos de nutrição desenvolvidos na penúria, impediam o crescimento 
econômico, e a ausência deste perpetuava a fome. 
 
Havia que romper em algum ponto o círculo, mas essa não era a prioridade 
dos que, como estamento dominante e, depois, como classe, se tinham, ao longo 
da história, apoderado política e patrimonialmente do país. "Donos da vida", 
chamava-Ihes Mário de Andrade; Donos do poder (1958) seria o título do livro em 
que Raymundo Faoro lhes estudou a história, as técnicas de mandonismo e as 
astúcias de perpetuação hegemônica. Essa minoria comportava-se como se a 
nação começasse e terminasse nela, ignorando ou menoscabando o resto do 
país. 
 
Não podia ser de outra forma - argumentava Florestan Fernandes -, pois o 
passado escravista, com toda a sua violência, não nos dissera adeus. O negro 
continuava à margem do corpo social e a ter de render-se aos valores do branco 
para em seu universo, a duras penas, ingressar (O negro no mundo dos brancos, 
1972). Eram também cidadãos de segunda, o índio, os mestiços e o branco 
encardido, porque pobre. A iniqüidade permeava a vida brasileira. 
 
O Brasil - argumentava no ensaio introdutório da segunda edição de 
Mudanças sociais no Brasil (1974) e em A revolução burguesa no Brasil (1974) – 
transitara do regime colonial ao capitalismo sem romper a situação e dependência. 
Eram os interesses externos, das potências dominantes, que e determinavam as 
decisões nacionais. Instalados no próprio país, esses interesses cooptaram a 
antiga oligarquia agrária e a nova burguesia urbana, que, por sua vez, já se 
haviam sucessivamente entendido, aliado e fundido. Estávamos condenados a 
essa subordinação, e ao atraso e à injustiça social que trazia jungidos, a menos 
que conseguíssemos o feito de - para usar a imagem de Carlos Drummond de 
Andrade - "dinamitar a ilha de Manhattan". Pois, sem a quebra do sistema 
 23
capitalista internacional, a situação de dependência ver-se-ia sempre renovada e 
revigorada. 
Enquanto empilhava os novos volumes que iam sendo publicados sobre o 
Brasil, à lembrança de nosso leitor voltaram os determinismos e os vaticínios do 
início do século. Também eles vinham investidos de prestígio intelectual. Não 
seria de afastar-se, por isso, que muitas das análisese conclusões fundadas nas 
ciências sociais de nosso tempo acabassem por revelar - se igualmente abstratas, 
eurocêntricas e redutoras da realidade a esquemas mentais preconcebidos. Pelas 
páginas cheias de categorias analíticas de numerosos desses livros, só de raro 
em raro passavam seres humanos. Parecia estranho, por exemplo, o não se topar 
um único escravo ou senhor de escravo, a não ser como idéia ou como número, 
numa obra sobre a escravidão. Em outras, porém, estavam a espiar, meio 
escondidos no canto de uma construção teórica, ou a nos olhar de frente, bem no 
meio da página, os Caxias, os malandros e os renunciadores que Roberto 
DAMATTA encontrou a servir de parâmetros para o brasileiro. Em carnavais, 
malandros e heróis (1979), ele convocava a nossa atenção para as paradas 
militares, os desfiles de escola de samba e as procissões, a fim de melhor 
ressaltar um dia-a-dia dividido entre a casa e a rua, um cotidiano no qual 
permanentemente conflitam e se combinam uma ideologia igualitária e as 
estruturas hierarquizantes de nossa sociedade, cada um tem e sabe o seu lugar. 
Mas onde, em compensação, o filho de uma liberta com um marujo pode 
transformar-se, para os seus descendentes, em um sir inglês, como aquele 
personagem de João Ubaldo Ribeiro, em Viva o povo brasileiro (1984). 
 
Quem nos olhava no meio da página podia ser um brancoso louro. Ou um 
preto. Ou um nisei. Ou um bugre de gravata. Ou um mulato, um cafuzo, um 
curiboca, um pardo, um melado. Ou uma dessas mesclas de bisavós libaneses, 
bávaros, normandos, canelas, galegos, transmontanos, beirões, fons e sefardins, 
que fazem um brasileiro. Qualquer funcionário de imigração sabe, aliás, disto: não 
há tipo humano que não caiba num passaporte do Brasil. Pois o brasileiro é, antes 
de mais nada, um mestiço - e Darci Ribeiro, sobretudo em O povo brasileiro 
 24
(1995), retomou, com desbordante entusiasmo, essa tese por alguns esquecida. 
Nascemos do que ele chamou de "ninguendade": o mameluco não era português, 
como o pai, nem índio, como a mãe, e o mulato não era europeu nem africano, e, 
por não serem uma coisa nem outra, tornaram-se os primeiros brasileiros. A 
mestiçagem foi e continua a ser o nosso processo de fazimento: é por meio dela 
que nos construímos, que vamos, a partir da matriz latina, ibérica e lusitana, 
formando com as diferenças dos povos uma nação. Nossa aventura histórica é, 
por isso, singular. Por isso e por realizar-se nos trópicos, ela é inteiramente nova. 
E "melhor, porque tem mais humanidade incorporada". Se nossas classes 
dominantes se revelam infecundas, o mesmo não se passa com o povo, no seu 
processo de autocriação. E é com essa vantagem de sermos mestiços que vamos 
chegar ao futuro. 
 
Foi, aliás, em busca do futuro que passamos todo um século a indagar 
quem somos, e o que queremos ser, e a projetar imagens de nós mesmos, 
espelho contra espelho. A cada sístole e diástole desses cem anos 
corresponderam visões otimistas e pessimistas, barrocas e contidas, 
esperançosas e desalentadas. Pois cada momento - o da Belle Époque, o da 
Revolução de 30, o do Estado Novo, o da redemocratização, o do dia seguinte ao 
suicídio de Getúlio Vargas, o do desenvolvimentismo dos anos 50, o do regime 
militar e o da segunda redemocratização - refez o retrato do Brasil. Mudou, ao 
longo do tempo, a linguagem com que nos descrevemos. E mudou também o país 
sobre o qual se dissertava. Lidos um após outro, os nossos evangelistas soam 
dissonantes, mas, juntos, se corrigem ou polifonicamente se completam. Assim 
talvez venha a pensar um certo brasileiro, ao concluir a leitura destas páginas, na 
primeira manhã de 2001. 
 
 
 
 
 
 25
 
 
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 30
 
QUADRO SINÓPTICO DO TEXTO: Quem fomos nós no século XX: 
As grandes interpretações do Brasil: 
(Autor: Alberto da Costa e Silva) 
 
PERÍODO OBRAS AUTORES Retratos do Brasil 
 
Fato Histórico 
(importante no 
período) 
1900/1920 
 
Por que me ufano de meu 
país, Os Sertões Triste 
fim de Policarpo 
Quaresma, populações 
Meridionais do Brasil, 
Retrato do Brasil, A 
Organização nacional, 
Urupês, Atlas da Fauna 
Brasileira, Folclore 
Pernambucano, Rã txa 
hu-ni-ku-i ou A língua dos 
Caxinauás. 
 
Afonso Celso Euclides da 
Cunha, 
Lima Barreto, Oliveira 
Viana, Paulo Prado, 
Alberto Torres, Monteiro, 
Lobato, Rodolfo Von 
lhering; 
Pereira da Costa, 
Capistrano de Abreu. 
 
Ufanismo desalento 
-estereótipos racistas, 
considerando ao atraso, á barbárie, 
á pobreza; 
-contrapondo-se, a visão de que o 
sertanejo, ao bandeirante, ao 
vaqueiro, ao desbravador; 
- a análise de que os problemas 
brasileiros não são da raça mas da 
cultura e que, tais problemas 
decorrem da ganância da 
metrópole, desacertos das elites, 
organização desastrada do Estado 
e da produção. 
 
 
 
Revolta de 
Canudos 
1920/1940 O Brasil na América. Sítio 
do pica-pau amarelo, 
cantadores, lendas em 
nhengatu e português 
Macunaíma, Grande & 
Senzala, Vaqueiros e, 
Cantadores, Raizes do 
Brasil, Estudos, Evolução 
Política do, Brasil, 
Formação do Brasil 
Contemporâneo. 
 
Manuel Bonfim, 
Monteiro Lobato 
Leonardo Mota 
Antonio Brandão de 
Amorim 
Mário de Andrade 
Gilberto Freire 
Câmara Cascudo 
Sérgio Buarque 
De Holanda 
Tristão de Ataíde 
Caio Prado Junior 
-Aprofundamento da visão de que 
o Brasil será o resultado do esforço 
individual e coletivo do seu povo, 
independendo da sua raça; 
-revelação e revalorização do 
passado brasileiro das artes: o 
barroco mineiro, as cavalhadas, os 
fandangos, o maracatu, as 
máscaras dos ticuna, os santos de 
nó de pau. 
- busca de uma identidade nacional 
no campo das artes, com ápice na 
semana de arte moderna de 22. 
 
 
 
Semana 
de Arte Moderna 
Revolução de 30 
Estado Novo 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 31
PERÍODO 
 
OBRAS 
 
AUTORES 
 
Retratos do 
Brasil 
Fato Histórico 
(importante no 
Período) 
1920/1940 
 
Pág. anterior 
 
Pág. anterior 
 
-inicio da mudança da imagem 
que o brasileiro fazia de si 
mesmo: o brasileiro é um 
somatório de culturas; 
 
1940/1960 
 
Introdução á Antropologia 
Brasileira, contos 
tradicionais do Brasil, 
Geografia dos mitos 
Brasileiros, a cultura 
Brasileira, uma 
interpretação da literatura 
Brasileira, Bandeirantes e 
pioneiros, Formação 
Econômica do Brasil, 
Grande Sertão: Veredas, 
Geografia da fome, Donos 
do Poder, Gato Preto em 
campo de neve, A volta do 
Gato Preto, Formação da 
Literatura Brasileira. 
Artur Ramos, 
Câmara Cascudo 
Fernando 
Azevedo 
Viana Moog 
Celso Furtado 
Guimarães Rosa 
Josué de Castro 
Raymundo Faoro 
Érico Veríssimo 
Antônio Cândido 
-Continuidade da revisão do 
que o brasileiro pensa sobre o 
Brasil (defende-se a idéia de 
que o brasileiro ame o Brasil 
como ele é e não como 
simulacro de outros países); 
-Predominância dos valores 
afetivos sobre os da razão 
coletiva geram o compadrismo, 
considerado uma das razões do 
atraso brasileiro; 
-a guerra acentua a percepção 
de nossas carências e o inicio 
da industrialização continua a 
modificação do modo de viver 
dos brasileiros, que busca 
abandonar a vida sem pressa; 
-Criação artística brasileira se 
fortalece e se identifica com 
nossa realidade. 
Guerra de 1939 a 
1945 
 
Inicio da 
industrialização 
 
Desenvolvimento dos 
anos 50 
 
Suicídio de Getúlio 
Vargas 
 
Juscelino Kubichek 
1960/1980 
 
Morte e Vida Severina, O 
Negro no Mundo dos 
Brancos, A revolução 
Burguesa no Brasil, 
Carnavais, Malandros e 
Heróis, O tempo e o vento. 
João Cabral de 
Melo Neto 
Florestan 
Fernandes 
Roberto Damatta 
Èrico Veríssimo 
 
-Retorna a questão do ciclo 
vicioso: a pobreza extrema do 
povo brasileiro impede o 
crescimento econômico e a 
ausência deste perpetua a 
miséria, a fome 
-Retorna a tese de que somos 
um povo mestiço e é com esta 
característica que estamos 
construindo o Brasil 
 
 
Regime Militar 
1980/2000 
 
Viva o povo Brasileiro, O 
povo Brasileiro. 
Ubaldo Ribeiro 
Darcy Ribeiro 
-Fortalecimento do entusiasmo 
de sermos um povo mestiço, 
construtores de uma aventura 
história singular “se nossas 
classes dominantes se revelam 
infecundas, o mesmo não se 
passa com o povo no seu 
processo de autocriação. 
E é com essa vantagem de 
sermos mestiços que vamos 
chegar ao futuro.” 
 
 
 
 
Segunda 
Redemocratização 
Ao longo desses 100 anos tivemos, de nós mesmo, “visões otimista e pessimista, barrocas e contidas, 
esperançosa e desalentadas”.

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