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1 UNIVERSIDADE SÃO JUDAS TADEU RAPHAEL FREITAS TANNURI LEHMAN BROTHERS E A MODERNIDADE DO MERCADO FINANCEIRO SÃO PAULO 2021 RAPHAEL FREITAS TANNURI LEHMAN BROTHERS E A MODERNIDADE DO MERCADO FINANCEIRO Monografia apresentada à Universidade São Judas Tadeu como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Ciências Econômicas. Orientador: Prof. Carlos Alberto Penha Filho SÃO PAULO 2021 Freitas Tannuri, Raphael. Lehman Brothers e a Modernidade do Mercado Financeiro / Raphael Freitas Tannuri. – São Paulo: [s.n.], 2021. p. 33 Orientador: Prof. Carlos Alberto Penha Filho Monografia – Universidade São Judas Tadeu, São Paulo, 2021 Título em inglês: Lehman Brothers and the Modernity of the Financial Market 1. Mercado de Capitais. 2. Crise Bancária. 3. Especulações. 4. Títulos Hipotecários RAPHAEL FREITAS TANNURI “LEHMAN BROTHERS E A MODERNIDADE DO MERCADO FINANCEIRO” MONOGRAFIA UNIVERSIDADE SÃO JUDAS TADEU São Paulo, 15 de dezembro de 2021 ______________________________________ Prof. Carlos Alberto Penha Filho Orientador – Departamento de Economia – USJT DEDICATÓRIA Aos meus pais. “It's funny how the colors of the real world only seem really real when you watch them on a screen.” ― Anthony Burgess RESUMO Os bancos de investimentos tiveram um dinâmico e intenso percurso durante a segunda metade da década de 2000, em especial o gigante Lehman Brothers que se deparou no meio de uma onda de descensão, sofrendo efeitos anteriores ao passo em que causou eventos subsequentes. De modo que explore a crise de 2008 em seus detalhes, a análise será baseada em diversos trabalhos elaborados por aqueles que participaram e foram afetados pela bolha. Com passagens críticas e explicações pouco simplistas e mais simplificadas, apresenta uma análise fundamentalista desde o início do mercado de títulos hipotecários no final da década de 70, coletando explicações para eventos consecutivos e esclarecendo os produtos financeiros mais cogitados no mercado imobiliário e de capitais. Explorando a história do banco Lehman e as consequências do impacto da bolha, é possível formular um senso argumentativo em relação não só à causa e efeito que a crise proporcionou, mas também formas de evitar pequenos erros sem deixar de investir nos campos alavancados do mercado financeiro. ABSTRACT The investment banks had a dynamic and intense ride during the second half of the 2000s, especially the great Lehman Brothers which found itself in the midst of a downturn, suffering previous effects while causing subsequent ones. In order to explore the 2008 crisis in its details, the analysis will be based on several works written by those who participated and were affected by the bubble. With critical passages and less simplistic but more simplified explanations, it presents a fundamentalist analysis since the beginning of the mortgage bond market in the late 70s, collecting explanations for consecutive events and clarifying the most popular financial products in the real estate and capital markets. Exploring the history of the Lehman bank and the consequences of the bubble's impact, it is possible to formulate an argumentative sense regarding not only the cause and effect that the crisis provided, but also ways to avoid small mistakes without ceasing to invest in the leveraged fields of the financial market. SÍGLAS MBS – Mortgage-backed Securities CDO – Collateralized Debt Obligation FDIC – Federal Deposit Insurance Corporation FGC – Fundo Garantidor de Crédito CRI – Certificado de Recebíveis Imobiliários US$ - Dólar Americano CDS – Credit Default Swap IJAR – International Journal of Advanced Research ABS – Asset-backed security BTO – Bespoke Tranche Opportunity SUMÁRIO INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 9 CAPÍTULO I - A CRISE DE 2008 ...................................................................................... 11 I.I Produtos Financeiros .................................................................................................... 11 I.I.I Mortgage-backed Securities .......................................................................................... 11 I.I.II Collateralized Debt Obligation .................................................................................... 13 I.II Subprime .................................................................................................................... 14 I.III Credit Default Swap .................................................................................................. 16 I.IV O Momento em que a Música Parou de Tocar ........................................................... 18 CAPÍTULO II – O BANCO LEHMAN BROTHERS .......................................................... 20 II.I Os Irmãos Lehman ...................................................................................................... 20 II.II A Lei Glass-Steagall .................................................................................................. 21 II.III Lehman Brothers no Período Pré-Crise .................................................................... 22 II.IV A Relação Bear Stearns e Lehman Brothers ............................................................. 23 CAPÍTULO III – A QUEDA DOS BANCOS ...................................................................... 25 III.I A Falência ................................................................................................................. 25 III.II Retaguardas.............................................................................................................. 27 III.II.I Os Big Five ................................................................................................................. 27 III.II.II O Oráculo de Omaha ................................................................................................ 28 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 30 REFERÊNCIAS .................................................................................................................. 31 9 INTRODUÇÃO Na Grécia, cerca de 300 a.C., Hegestratos resolveu contratar uma apólice de um seguro comumente negociada chamada de “bodemeria” onde o titular recebe um montante em dinheiro pago à vista e que deve ser devolvido ao credor posteriormente, e por outro lado assegura ao credor um ativo do próprio titular caso a quantia não seja devolvida. Nesse caso, Hegestratos tomou um empréstimo como garantia de que faria a entrega de uma carga de milho, e caso não devolvesse ao credor, tanto a carga quanto o barco seriam tomados. A ideia do comerciante foi afundar o barco e vender a carga de milho, porém, na execução do plano, foi pego em flagrante e acabou morrendo afogado ao tentar fugir da tripulação. Hegestratos nos mostra que a história das fraudes financeiras é mais antiga do quepensávamos. Já no mundo moderno, no período pré-crise em 2007, o mercado financeiro e em especial os principais atuantes de Wall Street tiveram uma ideia semelhante à de Hegestratos, com a diferença de que alguns conseguiram “afundar o navio” sem que o fizessem por conta própria, e carregando o dinheiro. Por outro lado, empresas vieram à falência em meio a uma série de eventos que surgiam como corrente, e o banco Lehman Brothers, registrado como a maior falência bancária da história, foi um dos principais afetados, e causadores desses eventos. Dentre as interpretações sobre as causas e origens da crise de 2008, a maioria dos argumentadores apontam a oferta de derivativos como principal causador do colapso, enquanto outros preferem culpar o desgoverno e a liberdade do mercado americano. Nesse sentido, é interessante dissecarmos a crise pouco a pouco, em especial seus produtos e principais atuantes, para que tenhamos um senso crítico e o direito à liberdade para que atuemos no mercado alavancado. A pesquisa tem como objetivo e foco o desenvolvimento do banco Lehman Brothers com breves passagens em determinadas empresas e produtos financeiros, também o modo em que se comportaram perante o mercado hipotecário. Será realizada com base em trabalhos e publicações de diversos escritores experientes no mercado financeiro e com citações de pessoas ou personagens fortemente atrelados à causa e em meio à bolha imobiliária. A princípio, é necessário o entendimento dos principais produtos financeiros e como eles passaram a reagir até que fossem criados outros produtos como uma forma de contrarresposta. Com o tempo, estudar a história do banco Lehman e ter uma visão sobre como se envolveu na oferta destes 10 produtos, e por fim, a reação não só do mercado e do banco, mas também do governo no pico da crise. 11 CAPÍTULO I - A CRISE DE 2008 No final da década de 1970 o mercado de títulos imobiliários inaugurou-se inovador e um tanto conservador. Sempre foi, de fato, "por sua própria conta em risco", mas tinha como foco os tomadores de empréstimos que obtinham baixo risco de crédito e alta capacidade de pagamento, o ponto de virada deu-se à medida em que esse mercado cresceu envolto dos lucros obtidos e, como consequência, o lastro se expandiu para quem carregava menos crédito. Em 2008, por conta dessa bolha envolta nesse mercado, o mundo sofreu uma recessão em nível global deixando cerca de 30 milhões de desempregados, custando quase 8 trilhões de dólares e atingindo continentes terceiros, em especial a Europa. Tanto pelo desabono por parte do governo quanto dos grandes bancos e dos investidores, o banco Lehman Brothers se encontrou em um beco sem saída e decretou falência no dia 15 de setembro de 2008. O banco foi um dos maiores entre os big banks ofertantes desses títulos e consequentemente, no final da crise, seu setor mais corrompido foi o próprio setor imobiliário. I.I Produtos Financeiros I.I.I Mortgage-backed Securities Para entender o funcionamento do mercado hipotecário precisamos, primeiramente, compreender qual é o objetivo esperado por um investidor ao adquirir uma dívida de terceiros. Quando um título é emitido por um agente, sua intenção primária é arrecadar capital, seja para financiar um projeto, quitar suas dívidas ou até mesmo alocar recursos a curto prazo, com isso passa a ser o agente deficitário em busca de um credor, ou como muitos consideram, também um stakeholder (em sua tradução literal, um “detentor de carne”). Em teoria, o investidor como agente superavitário1 detém a carne, ou melhor, o dinheiro que aquele agente precisa. Ao emprestá-lo, recebe uma recompensa, assim a rentabilidade do título depende do 1 Por ser um agente superavitário, não necessariamente você tem um "superávit" em suas finanças. Foi divulgado pela Forbes (2020) que, em abril de 2007, alguns meses antes do estouro da bolha, 65% dos americanos obtinham ações em suas carteiras. Em contrapartida, segundo a Reserva Federal do Banco de Nova Iorque (2021), a dívida das famílias representou mais de 75% no mesmo período. Isso nos traz uma alíquota de, no mínimo, 53% de endividados investindo no mercado de ações. 12 risco que o investidor está disposto a correr. Nesse caso, é a chance de o investidor não receber o que realmente espera no final da aplicação. Se analisarmos de acordo com a relação risco- retorno do mercado financeiro, quanto maior o risco assumido, maior será a recompensa, e isso é aplicável também à situação oposta. No final, ele tem duas intenções, uma é alavancar o capital no futuro, isto é, no vencimento do título recebendo uma taxa de juros como uma forma de alíquota do seu capital investido (ou uma gordurinha a mais para sua carne), e o outro é para deter a posterior perda do devido valor de seu ativo (ou que sua carne estrague com o tempo), e de forma a evitar com que isso aconteça, o investidor tem intenção de proteger seu capital, isso tem o nome de hedge, e alguns títulos como os do governo podem oferecer essa proteção através de indexadores atrelados à taxa de juros, à inflação ou até mesmo ao câmbio. Nesse caso, quando os tomadores de empréstimo buscam o financiamento de uma residência à vista, o Banco como agente fiduciário e que tem o dinheiro necessário o oferece em troca de um acordo que conta com duas obrigações por parte do tomador, uma é a de pagar uma taxa de juros variável continuamente até o final do contrato, e a outra consiste em oferecer um lastro, que no caso poderia ser o próprio imóvel do cliente. Em teoria, para o banco, a liquidação completa da negociação será apenas no final do contrato, e por inúmeros motivos pode ter a necessidade de receber esse dinheiro antes, assim são criados os títulos hipotecários como formas de securities (ou títulos), onde um título pode ser transferido para outro. Nesse caso, por se tratar de valores mobiliários lastreados em imóveis, duas grandes clearing houses chamadas Fannie Mae e Freddie Mac transferem essa dívida para o novo credor, ou agente superavitário, (que receberá o valor, acrescido dos juros da aplicação periodicamente, no vencimento pós determinado) e fica com a liquidação de imediato. O título hipotecário, diferente dos títulos de dívida comuns, trata de uma participação nos fluxos de caixa de milhares de hipotecas, isso com a simulação de um risco elevado e, simultaneamente, com a ideia histórica que corre nos Estados Unidos desde a Segunda Guerra Mundial de que é consideravelmente raro um cidadão norte americano não honrar com o pagamento de seus imóveis. Os investidores têm interesse nesse título em específico justamente pela ideia de que os devedores poderiam quitar com o banco a qualquer momento (e o faziam quando a taxa de juros caía), assegurando a referida taxa ao aplicador. Por mais que isso acarrete, na maioria das vezes, em deságio no recolhimento da aplicação, o investidor tem a garantia da liquidação do 13 título a juros compostos. A princípio, os títulos contavam com o FDIC (equivalente ao FGC que é utilizado no Brasil) caso o banco quebre ou o investidor tome um calote, mas passaram a ser negociados sem a garantia do governo, levando a uma exposição maior perante o risco. Como um amante de filme de terror que decide assistir a um thriller no cinema, o fato de correr o risco de levar um susto acaba garantindo mais entretenimento, e o mercado financeiro como um todo não é muito diferente, a busca por mais risco é o que atrai os investidores mais arrojados, justamente pela alta recompensa que a alavancagem carrega. E são as mortgage-backed securities, ou em português, “títulos lastreados em hipotecas”, que dão a partida para a crise de 2008. No Brasil, os mesmos títulos de captaçãosão chamados de CRI (Certificados de Recebíveis Imobiliários), com a diferença que existem dois tipos de classificação de MBS, residencial ou corporativo. Os CRIs passam a ser híbridos, e uma utilização sua muito comum é o financiamento de shoppings centers ou lojas. I.I.II Collateralized Debt Obligation “Quem diabos não paga hipotecas?” disse o personagem de Lewis Ranieri interpretado por Rudy Eisenzopf no filme A Grande Aposta, 2015. A incerteza sobre a data da liquidação dos títulos é uma característica muito comum nesse mercado, e devido a essa incerteza, durante a gestão no Salomon Brothers, Lewis Ranieri criou uma prática inovadora de securitização que consiste em coletar um apanhado enorme de empréstimos e dividir seus pagamentos em tranches, de modo que os interessados se beneficiassem de acordo com a busca pela rentabilidade. As tranches eram niveladas, quem quisesse optar por receber maiores taxas de juros passavam a receber o título liquidado antes do restante, já o último a receber teria a menor taxa, como uma cadeia, e para grande parte dos investidores desses títulos era muito mais interessante receber o título o mais tarde possível justamente pelos períodos contínuos onde a alíquota se desenvolve exponencialmente, contando com o famoso “juros sobre juros”, isto é, a alíquota que o investidor receberia estaria atrelada ao valor do título em tempo real, e não ao valor aplicado. “O comprador da primeira tranche era como o proprietário de um imóvel no piso térreo em uma enchente: era atingido pela primeira onda de pagamentos antecipados de hipotecas. Em troca, recebia uma maior taxa de juros.” Como indica Lewis (2010, p. 28), “O investidor no último andar do prédio recebia a 14 menor taxa de juros, mas tinha a maior garantia de que seu investimento não terminaria antes que desejasse”. Essa inovação foi apelidada de CDO, e esse mercado garantiu uma maior alavancagem no mundo de capitais. Em 2019, a Reuters, agência de notícias americana fundada pelo alemão Paul Reuters, estimou que o mercado de CDOs alcançou acumulado um valor estimado de US$ 640 bilhões de dólares apenas em 2007. Com o tempo, ao reconhecer a importância da taxa de juros para a liquidação do valor, as partes interessadas (que, no caso, são a oferta e a demanda direta ou indireta desses títulos) concordaram com a expansão dos empréstimos imobiliários para um público que possivelmente passasse a quitar em algum momento futuro, e esse público era formado tanto pela a população mais vulnerável financeiramente, quanto pelos imigrantes, e esse último é um tanto especial devido ao fato de que as chances de compreenderem de fato os contratos e sua linguagem jurídica seriam menores, logo receberiam um choque ao ver o real valor após a fatura chegar, podendo alcançar 3 vezes mais. Embora tenha sido divulgada como uma inovação, a ideia de CDO já não era mais uma inovação com promessas de alta rentabilidade, mas passou a ser o pesadelo dos investidores, e posteriormente dos grandes bancos. Toda aplicação financeira tem risco, seja de crédito, de mercado ou de liquidez (e isso também se aplica aos títulos públicos). Um ponto importante dos CDO’s é o fato de que você se expõe com mais intensidade ao risco de mercado, que nesse caso é o risco de arcar com os prejuízos antecipadamente, como um efeito dominó, e aquele que recebe o valor líquido por último é também o último a ser atingido pela onda de inadimplências. (LEWIS, 2010). I.II Subprime Prime, que vem do verbo “primar”, que possui prioridade ou destaque em excelência e qualidade, é como é referenciada a modalidade ofertada à clientela de uma instituição credora com alta capacidade de saldar suas obrigações financeiras, ou em poucas palavras, aquele que tem condições de pagar. 15 Em meados de 2002 começam a suceder as primeiras empresas a conceder empréstimos para um público mais desfavorecido (os famosos “subprime”), em especial a Household Financial Corporation, adquirida posteriormente pelo HSBC por mais de 15 bilhões de dólares, que tinha como promessas aos seus clientes a oferta de concessão sob alíquotas em torno de 7%, não obstante o pagamento real beirava um pouco abaixo do que o dobro. Deveria ter ficado claro desde o início que muitos destes devedores subprime se encontrariam em dificuldades no final, isso se as taxas de juros, habitualmente muito baixas nos primeiros anos, fossem aumentadas de acordo com o contrato. No entanto, por outro lado, pelo fato de que mesmo que os devedores não pudessem mais pagar suas prestações, o credor ainda teria o imóvel com o qual os empréstimos foram garantidos, e essa visão foi compartilhada junto à experiência americana de que, embora venha a queda regional de preços dos imóveis, nunca será em todo o país. Os credores teriam apenas que assegurar uma ampla diversificação regional dos empréstimos que concedem para controlar seus riscos. No entanto, os primeiros especialistas alertaram sobre o rápido crescimento da bolha imobiliária nos EUA no começo da década de 2000, e os preços dos imóveis realmente atingiram o pico em meados de 2006 caindo rapidamente um pouco depois. Isso tornou obsoleta a ideia do mercado estável e o boom do subprime rapidamente veio à tona trazendo aqueles que começaram a apostar contra. Nas décadas anteriores à crise, a política dos Estados Unidos desregulamentou os mercados financeiros. Os bancos foram capazes de explorar brechas com instituições não regulamentadas no exterior para assumir cada vez mais riscos e obter lucros elevados. A desregulamentação do sistema financeiro aliado a extensão da produção imobiliária foi impulsionada pelas consequências econômicas dos ataques terroristas de 11 de setembro de 2001 e a queda dos preços das ações das novas empresas de Internet na virada do milênio. Esses eventos ameaçaram mergulhar o país em uma crise econômica. O banco central, o Fed, para evitar isso, passou a imprimir cada vez mais dinheiro desde 2001, enquanto as taxas de juros caíam ao mesmo tempo. Isso permitiu que pessoas de baixa renda contraíssem empréstimos e comprassem casas, embora muitos não pudessem apresentar as garantias que os bancos obteriam em caso de inadimplência. 16 A ideia dos tomadores de empréstimos se baseava em utilizar o lastro e suas casas, que em potencial contavam com pagamentos atrasados, como aluguel de modo que pudessem refinanciar suas dívidas anteriores, e isso com uma motivação por parte dos funcionários dos grandes bancos, tanto os de varejo em concordar com o financiamento quanto os de investimento em vender os produtos financeiros sem fazer uma análise precisa sobre o perfil do cliente. O "sonho americano" de possuir uma casa passou a se tornar realidade para o maior número possível, os bancos achavam que isso era bom porque ganhavam dinheiro com cada empréstimo que davam. O fato de as taxas de juros serem fixadas por pouco tempo nos EUA não os incomodou no início, pois era possível agrupar os empréstimos com outros produtos melhores em títulos, assim como os CDOs, e vendê-los no mundo todo. O risco de um empréstimo não ser pago, na teoria, era do mutuante, ou seja, dos bancos. Porém, na verdade, a restrição desses negócios arriscados fica por conta das agências de classificação que passaram a dar notas extremamente otimistas para produtos financeiros que na verdade eram inseguros, em sua grande maioria, avaliavam como “AAA” (ou triple A), a nota mais alta de uma análise de risco, o que significava que o risco de crédito seria o menor possível. Antes da crise financeira, as grandes agências classificavam os pacotes de empréstimos imobiliários como de “baixo risco” mesmo que não estivessem cobertos. Muitos empréstimos “ruins” entraram em circulação e a bolha imobiliária se desenvolveu. Posteriormente, o governo dos Estados Unidoschegou a processar a Standard & Poor's, uma das principais agências de classificação de risco, por classificações incorretas que teriam contribuído para a crise. I.III Credit Default Swap Entre 2004 e 2006, o banco central americano sob a administração de Ben Bernanke aumentou a taxa básica de juros, o que também fez com que as taxas hipotecárias subissem e muitos mutuários não pudessem mais pagar suas hipotecas. Eles não tiveram escolha a não ser vender sua nova casa novamente, porque muitos não tinham nenhum outro seguro. No início foi fácil porque os preços dos imóveis ainda estavam em alta. Com a venda da casa, o empréstimo poderia ser pago sem grandes perdas, abaixo um gráfico indicando os preços de 17 vendas das hipotecas nos Estados Unidos elaborado por Mariana Fix, professora de Arquitetura e Urbanismo: Preços medianos de vendas das moradias novas e usadas em milhares de dólares Gráfico: FIX, M. de A. B. Financeirização e Transformações Recentes no Circuito Imobiliário no Brasil. 2001. 288 p. Tese (Doutorado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Economia, Campinas, 2011. No entanto, quanto mais os devedores tiveram de vender suas casas, mais os preços dos imóveis caíram em todo o país. A venda da propriedade, portanto, não trouxe mais dinheiro suficiente para pagar os empréstimos. Isso deu espaço para que os especuladores do mercado conectassem as notícias e tabelas enormes de dados disfarçados de modo a acreditar que o mercado entraria em colapso, foi então que Michael Burry sugeriu ao banco JP Morgan uma criação de um seguro atrelado ao mercado imobiliário, com a promessa de que o banco transferiria essa dívida para uma seguradora e, caso os CDS em específicos por escolha de Burry ficassem inadimplentes a ponto dos tomadores dos títulos deixarem de receber seu dinheiro, a AIG, a contraparte por meio da negociação, deveria depositar o valor acordado referente aos mesmos títulos. E esse seguro foi nomeado como “CDS”. (LEWIS, 2010) Um credit default swap (CDS) é um contrato de derivativo de crédito no qual um 18 beneficiário paga uma taxa periódica (spread de CDS) à outra parte, que garantiria um valor cheio de compensação em caso de inadimplência ou evento de crédito semelhante. Não é necessário que o comprador de proteção realmente sofra uma perda em um evento de crédito incorrido, o que muitas vezes era o caso. Os CDS não são um seguro clássico de inadimplência, eles não exigem que você seja um parceiro de contrato de crédito. Esses contratos são interessantes porque os especuladores apreciam a enorme alavancagem. Se você o contrata cedo o suficiente, o valor do CDS é relativamente inferior, e somente quando o que foi assegurado ameaça perder valor é que o valor do CDS aumenta. O especulador obtém, posteriormente, um lucro considerável na saída e só teve que pagar um certo prêmio durante o período de detenção. Quando o banco central dos EUA aumentou as taxas de juros em 2006, muitos proprietários de casas americanos começaram a entrar em default, os preços das casas caíram e esses títulos se revelaram, de fato, muito arriscados e estava claro que havia perdas consideráveis no sistema. Mas não estava claro onde estavam todos esses títulos tóxicos e cujos balanços foram destruídos por dívidas incobráveis. Os bancos começaram a cobrar altas taxas de juros para emprestar a outros bancos e instituições com a suspeita de que poderiam estar enfrentando enormes perdas não reconhecidas. Essa foi a fase de “crise de crédito”. I.IV O Momento em que a Música Parou de Tocar “Chuck Prince disse que temos que dançar até que a música pare. Na verdade, a música já havia parado quando ele disse isso.” Frase dita por George Soros enquanto estava sendo entrevistado para o documentário Inside Job, publicado em 2010. A principal seguradora americana, a AIG, acabou se revelando o marco zero da crise como a mais interconectada de todas as empresas de serviços financeiros, em grande parte porque havia decidido bancar muitos desses riscos arcando com os CDS. Após determinado período os próprios bancos passaram a emitir CDS e comprar de si mesmos, inclusive negociando a compra dos mesmos CDS que venderam aos especuladores, e sem informar a AIG, passou a buscar rentabilidade às custas da seguradora. 19 O colapso da AIG em 16 de setembro de 2008 pegou quase todos de surpresa. Na verdade, o desmoronamento do setor mobiliário sob a administração de Henry Paulson Jr. como Secretário do Tesouro foi um terremoto de tal magnitude que o conselho do Fed decidiu resgatar muitas das contrapartes comerciais da AIG por completo. Quem eles eram e quanto receberam foi mantido em segredo de Estado2 por meses. A combinação da falência do Lehman Brothers Holdings e as experiências de quase falência da AIG e da Merrill Lynch & Co. naquele fim de semana de setembro de 2008 levaram diretamente à decisão de Bernanke, presidente do Federal Reserve, e Paulson, então secretário do Tesouro, para exigir que o Congresso dos EUA promova o que ficou conhecido como Troubled Assets Relief Program (ou Programa de Alívio de Ativos Problemáticos) de 700 bilhões de dólares. “De todos os eventos e todas as coisas que fizemos nos últimos 18 meses, o único que me deixa mais furioso, o que mais me angustia, é a intervenção com a AIG”, disse Ben Bernanke no programa de televisão 60 Minutes da rede CBS transmitido em março de 2009 e disponível para assistir no serviço de streaming “Paramount+”. “Aqui estava uma empresa que fazia todos os tipos de apostas inescrupulosas, então, quando essas apostas derem errado, tivemos uma situação em que o fracasso dessa empresa teria derrubado o sistema financeiro”. Bernanke, 2009. Os primeiros grandes bancos hipotecários dos EUA faliram no início de 2007 e a crise atingiu seu primeiro clímax em fevereiro de 2008 com a falência do poderoso banco de investimentos de Wall Street Bear Sterns, que foi adquirido pelo grande banco JP Morgan com auxílio estatal. Os bancos nunca recuperaram o dinheiro emprestado e uma quebra de banco seguiu-se à outra. 2 Um outro fato interessante que destaca o papel do estado na crise foi ressaltado por Cláudio César de Paiva em sua tese sobre a diáspora do mercado imobiliário em 2007 “o Estado tem um papel fundamental no processo de acumulação do capital financeiro imobiliário, tendo em vista que o mesmo é cooptado tanto para promover a flexibilização da legislação urbana em nome de uma pseudo modernização, maximizadora da atratividade local para o investimento capitalista, que transformaria áreas urbanas num espaço de empreendedores e a cidade numa ‘máquina de crescimento’, quanto para manter a estabilidade macroeconômica, de modo que não ocorram grandes flutuações na taxa de câmbio e na taxa de juros. Em outras palavras, o Estado assume o papel de viabilizador de interesses privados sobre os ativos imobiliários e de sancionador de lucros no circuito imobiliário.” (PAIVA, 2007: PÁGINA 56) 20 CAPÍTULO II – O BANCO LEHMAN BROTHERS II.I Os Irmãos Lehman Lehman Brothers começou com a família Lehman em Rimpar, na Bavaria, perto de Würzburg. No início do século 19, os judeus alcançaram a igualdade com a população cristã em muitas áreas da vida pública, mas cada vila e cidade só tinha permissão para ter um número limitado de judeus assentados. Isso não apenas dificultou a escolha de um lugar para morar, mas também dificultou o casamento e o planejamento familiar. Por volta de 1830, isso se tornou um problema tão urgente para a geração mais jovem que uma verdadeira onda de emigração percorreu a Bavaria. Milhares de judeus deixaram sua pátria alemã, entre eles os três irmãos Henry, Emanuel e Mayer Lehman, três filhos do comerciante de gado Abraham Löw Lehmann. HenryLehman tinha 23 anos na época. Em 1844, após a chegada nos Estados Unidos, Henry Lehman fundou um armazém com seus irmãos no Alabama. Poucos anos depois, a “Lehman Brothers” entrou no comércio de matéria-prima aceitando o algodão como meio de pagamento em seu negócio e vendendo-o ou trocando-o por terceiros. Isso criou uma corretora de algodão muito lucrativa. Em 1858, um escritório foi aberto em Nova York. Sem dinheiro, os imigrantes ashkenazes se tornaram ricos empresários. Após o fim da Guerra Civil Americana em 1865, o número de americanos ricos que queriam investir no comércio de títulos ferroviários disparou com o boom da expansão da ferrovia em todo o país. O Lehman Brothers viu a oportunidade e entrou no mercado de valores mobiliários. Em 1889 , o Lehman Brothers mergulhou e expandiu seus negócios em todo o mundo no início do século XX. Nos anos seguintes, o Lehman Investment Bank trouxe empresas como a Woolworth para a bolsa de valores. Os negócios floresceram e os descendentes dos Lehman Brothers não apenas ganharam fama como empresários de sucesso, mas também entraram na política. Em 1932, Herbert Lehman foi eleito governador de Nova Iorque. Em 1969 , morreu Bobby Lehman, o último da família que cuidava da fortuna do banco. A empresa tradicional inicialmente permaneceu no caminho do sucesso. Em 1977, o Lehman Brothers fundiu-se com o Kuhn, Loeb & Co, outro banco de investimento americano com sede em Nova York. O novo CEO, Peter Peterson, trouxe tempos prósperos para o Lehman. 21 Após o sucesso inicial, a maré mudou e o Lehman Brothers ameaçou ser esmagado entre as disputas de corretores e banqueiros de investimento. Durante a primeira crise sob o sucessor de Peterson, Lewis Glucksman, o banco foi vendido a uma ramificação do grupo American Express em 1984. Mas o Lehman Brothers recuperou sua independência apenas dez anos depois, quando a American Express decidiu se desfazer de seus negócios de corretagem e bancos. II.II A Lei Glass-Steagall À medida que a economia dos Estados Unidos crescia e prosperava, o Lehman Brothers crescia e prosperava com ela, embora todo crescimento tenha seus desafios. Lehman Brothers sobreviveu a muitos dos maiores desastres do mundo moderno, incluindo duas guerras mundiais, a Grande Depressão e diversas outras crises. No entanto, foi seu empreendimento excessivamente alavancado e pesado em empréstimos subprime que causou sua queda final. Muitos especialistas financeiros acreditam que o primeiro fator que contribuiu para o fim do Lehman Brothers foi a revogação da Lei “Glass-Steagall”, aprovada na esteira da Grande Depressão da década de 1930, que separou os interesses dos bancos comerciais e de investimento impedindo que as corretoras de valores e bancos de investimento recebessem depósitos, e os bancos comerciais membros do Federal Reserve de se afiliarem a empresas envolvidas em atividades de investimentos. De acordo com essa legislação, os bancos comerciais geralmente administravam investimentos de capital intensivo como investimentos corporativos e imobiliários, enquanto os bancos de investimento administravam investimentos de alta liquidez e poucos ativos. Isso basicamente evitou a concorrência entre bancos comerciais e de investimento e protegeu seus balanços, permitindo que todos se concentrassem em suas áreas mais fortes. Joseph Stiglitz, ganhador do prêmio Nobel, argumenta em seu artigo Capitalist Fools publicado na Vanity Fair em 2008 que "quando a revogação do Glass-Steagall uniu os bancos comerciais e de investimento, a cultura do banco de investimento saiu vitoriosa. Havia uma 22 demanda pelo tipo de alto retorno que só poderia ser obtido por meio de alta alavancagem e grande risco”. Além de separar os interesses dos bancos comerciais e de investimento, o Glass Steagall Act foi uma forma de proteger a economia do colapso em massa. Se um setor falhasse, essa legislação mantinha o outro forte e arrastava para baixo, evitando o colapso de toda a economia. Em 1999, entretanto, o presidente Clinton assinou a Lei Gramm-Leach-Bliley, que mais uma vez permitiu que bancos comerciais e de investimento competissem diretamente entre si suspendendo algumas das severas restrições financeiras impostas pela Lei Glass-Steagall, mudando fundamentalmente as regras bancárias nos Estados Unidos e expandindo a capacidade de criar e operar conglomerados financeiros. A competição resultante seria desastrosa não apenas para o Lehman Brothers, mas também para a economia global. II.III Lehman Brothers no Período Pré-Crise Depois que a Lei Glass-Steagall foi revogada, o Lehman Brothers se voltou com grande intensidade ao mercado imobiliário dos EUA, que estava em alta na virada do século. Em meados dos anos 2000, o boom imobiliário estava com força total, e o Lehman, como muitas outras empresas, estava se tornando cada vez mais envolvido na emissão de MBSs e CDOs. No entanto, o banco avançou para o próximo nível entre 2003 e 2004, estendendo-se à originação de empréstimos adquirindo, entre três outros credores, BNC Mortgage e Aurora Loan Services, ambos especializados em empréstimos subprime. Entre 2004 e 2006, o mercado de capitais cresceu devido aos negócios imobiliários do Lehman, fazendo com que a empresa se tornasse um dos negócios de banco de investimento e gestão de ativos de crescimento mais rápido do que qualquer outro. Em 2007, o Lehman registrava grandes números, com US$ 19,3 bilhões em receitas e uma receita líquida recorde de US$ 4,2 bilhões. (IJAR, 2016). Porém, por várias razões, incluindo credores inadimplentes em empréstimos de risco e hipotecas subprime insustentáveis, o mercado imobiliário começou a quebrar em 2006, mas, 23 sem se intimidar, o Lehman Brothers continuou a aumentar, chegando a dobrar sua participação no bolo imobiliário ao longo de US$ 111 bilhões em ativos e valores mobiliários em 2007. (HISTORY, 2008) Em fevereiro de 2007, o preço das ações da empresa disparou para uma alta histórica de US$ 86,18 por ação, e apesar dos ganhos extraordinários e da alta no preço das ações do Lehman Brothers, ficou claro que o mercado imobiliário dos EUA estava à beira de estourar uma bolha. No primeiro trimestre de 2007, a inadimplência das hipotecas subprime atingiu seu nível mais alto em 7 anos. Em 13 de março de 2007, apenas um dia antes do Lehman Brothers registrar receita e lucro recorde no primeiro trimestre de 2007, a ação registrou sua maior queda diária em cinco anos, em meio a preocupações crescentes com o aumento das taxas de inadimplência das hipotecas subprime. No entanto, o CFO da empresa garantiu aos acionistas que as inadimplências foram bem contidas e que as inadimplências no mercado subprime não se espalhariam para o resto do mercado imobiliário. À medida que ficava cada vez mais claro, esses empréstimos eram mal aconselhados e prejudiciais à saúde das empresas, o Bear Stearns descobriu primeiro da maneira mais difícil. II.IV A Relação Bear Stearns e Lehman Brothers Apesar do lucro recorde do Lehman no primeiro trimestre de 2007, o ano foi dinâmico para as empresas financeiras do ramo imobiliário. Em agosto de 2007, dois fundos de hedge operados pelo banco Bear Stearns faliram completamente, o “Bear Stearns High-Grade Structured Credit Fund” e o “Bear Stearns High- Grade Structured Credit Enhanced Leveraged Fund”. Stearns era o maior rival do Lehman Brothers em Wall Street na época. O fracasso de dois fundos de hedge minou a confiança dos investidores no mercado, e as ações do Lehman caíram drasticamente. 24 Naquele mesmo mês, o Lehman Brothers fechou sua unidade BNC Mortgage, cortou cerca de 2.500 empregos relacionados aos setores de hipotecas e fechou os escritórios da antiga financiadora Aurora em 3 estados. (BBC, 2009) Embora as condições do mercadonão pareçam promissoras, o Lehman Brothers não diminuiu o ritmo de seus títulos lastreados em hipotecas, naquele ano, a empresa era a maior seguradora de títulos lastreados em hipotecas, resultando em uma carteira de US$111 bilhões de dólares, quase quatro vezes o patrimônio da empresa (HISTORY, 2008). Ao mesmo tempo, os chefes da empresa repetidamente tranquilizaram a imprensa e os acionistas sobre a força financeira da empresa e minimizaram os temores de que as economias doméstica e global estivessem ameaçadas. No quarto trimestre de 2007 ocorreu uma recuperação temporária do mercado. Os preços de renda fixa se recuperaram, os mercados de ações globais atingiram novos máximos e as ações do Lehman se recuperaram, este foi o momento perfeito para a empresa reduzir seu portfólio de ativos ilíquidos de alto risco. Infelizmente, a empresa falhou em fazê-lo e, em retrospecto, esta deve ser a última chance do banco reduzir sua enorme carteira de hipotecas. 25 CAPÍTULO III – A QUEDA DOS BANCOS Quando o concorrente do Lehman Brothers, o Bear Stearns, afundou, sendo comprado pelo JP Morgan Chase em um negócio apoiado pelo Federal Reserve em 2008, o destino do Lehman foi colocado em questão. Enfraquecido por sua dependência de acordos de recompra que lhes deu financiamento de curto prazo para operações diárias, o Lehman teve que aumentar a confiança de seus investidores em um curto espaço de tempo, e tentou fazer isso levantando cerca de US$ 6 bilhões em patrimônio em junho de 2008. Mas isso não foi tão convincente quanto a empresa esperava. III.I A Falência O colapso do Bear Stearns gerou temores de que o Lehman Brothers seria a próxima empresa de Wall Street a quebrar, e suas ações caíram até 48%. No segundo trimestre de 2007, o Lehman Brothers registrou prejuízo de US$ 2,8 bilhões. (CFI, 2007) Para Lehman Brothers, a fase de negação e stress já havia passado, seu próximo passo foi a barganha. Dadas as perspectivas sombrias, o Lehman Brothers emitiu ações preferenciais que poderiam ser convertidas em ações do Lehman com um prêmio de 32%, ao fazer isso, a empresa levantou cerca de US$ 6 bilhões, ajudando a aumentar ligeiramente a confiança dos investidores na empresa, embora essa confiança tenha durado pouco. As condições do mercado de crédito continuaram a deteriorar-se e, no final do primeiro semestre de 2008, o preço das ações do Lehman Brothers havia caído 73% em comparação com o mês de janeiro do ano. (MANTELL, 2013) Pouco antes do prazo final do relatório do terceiro trimestre, o banco anunciou a estimativa de demissão de 1.500 funcionários, cerca de 6% da força de trabalho, assim como foi publicado pelo site de notícias Insider em agosto de 2008. Em 22 de agosto de 2008, houve relatos de que um acordo estava em andamento para a compra do Lehman Brothers pelo Banco de Desenvolvimento da Coreia, controlado pelo 26 estado. Esses relatórios fizeram com que as ações do Lehman subissem 5%. Infelizmente, esses ganhos foram rapidamente revertidos quando o Banco de Desenvolvimento da Coreia anunciou que estava lutando para se associar ao negócio e manter os reguladores felizes, em especial pelas incessantes ofertas dos ativos relacionados ao setor imobiliário do banco por parte de Richard Fuld, CEO de Lehman Brothers desde 1994. O setor corrompido era muito temido pelo time gestor, com a certeza de que não teria uma instituição sequer que arcaria com os prejuízos. Foi então que, em 9 de setembro, o Banco de Desenvolvimento da Coreia anunciou que havia suspendido as negociações, fazendo com que as ações do Lehman caíssem para US$ 7,79 dólares. Quando chegou a hora de divulgar suas demonstrações financeiras do terceiro trimestre fiscal, o banco registrou perdas adicionais de US$ 3,9 bilhões de dólares (The New York Times, 2008). O lançamento das demonstrações financeiras da empresa para o terceiro trimestre fez com que o preço das ações da empresa despencasse para US$ 3,64, uma queda de 94% em relação a janeiro do mesmo ano. Quando Richard Fuld viu que a empresa estava em apuros, ele tentou mantê-la à tona anunciando um plano para vender seus ativos imobiliários. Infelizmente, não houve compradores dispostos. Para piorar a situação, o Departamento do Tesouro dos EUA deixou claro que não interviria para salvar o Lehman Brothers. Por Lehman ser um banco de investimento, o governo não poderia nacionalizá-lo como fez com as empresas governamentais Fannie Mae e Freddie Mac. Em vez disso, incentivou outras instituições financeiras, como o Bank of America e o Barclays, a adquirir o Lehman Brothers e salvá-lo do colapso iminente. Nenhum comprador em potencial concordou com uma transação e, em última análise, o Lehman Brothers admitiu a derrota no domingo, 15 de setembro de 2008, e a conselho do Departamento do Tesouro dos EUA, a empresa entrou com um pedido de proteção contra falência Capítulo 11 antes da abertura do mercado na segunda-feira. O gráfico a seguir expressa tanto o valor das ações do Lehman Brothers (azul) quanto as do Bear Stearns (vermelho). 27 Gráfico: MANTELL, R. From 2008 to Now: Charts of the Financial Crisis. Market Watch, 2013. Disponível em: <https://www.marketwatch.com/story/from-2008-to-now-charts-of-the-financial-crisis-2013-09-18>. Acesso em: 3 de dezembro de 2021. III.II Retaguardas III.II.I Os Big Five Naquela semana que antecedia a falência do banco, Henry Paulson sabia que, se em algum momento resolvesse abrir as portas para salvar um único banco, os próximos viriam em seguida pedindo pela retaguarda do governo americano, e por 2008 ser um ano eleitoral, não demorou muito para que o reflexo da revolta da população ao ver o Departamento do Tesouro dos EUA salvando empresas financeiras “às custas do dinheiro público” como era muito falado, trouxesse as pessoas às ruas e, assim, era certeira que a ajuda do governo não era mais uma opção para Richard Fuld. Timothy F. Geithner, presidente do Federal Reserve de Nova York, convocou uma reunião às 18h, sob a liderança de Henry Paulson, para que os funcionários dos big five, ou os cinco maiores bancos de Nova Iorque pudessem revisar suas exposições financeiras ao Lehman Brothers e elaborar planos de contingência sobre a possibilidade de que o governo precisasse 28 orquestrar uma liquidação ordenada de a empresa na segunda-feira. Entre eles estavam, Lloyd Blankfein do Goldman Sachs, James Dimon do JPMorgan Chase, John Mack do Morgan Stanley, Vikram Pandit do Citigroup e John Thain do Merrill Lynch. Representantes do Royal Bank of Scotland e do Bank of New York Mellon também estiveram presentes, já o Lehman Brothers, ausente nas negociações. O cenário era positivo, com as negociações à frente junto ao Bank of America e o britânico Barclays, Lehman comemorou antes da vitória, e sob pressão, os representantes dos 7 grandes bancos na mesa estavam prestes a fechar a compra dos ativos imobiliários corrompidos, porém se depararam com imprevistos. Bank of America já havia fechado negociações com Merril Lynch, que era previsto para ser o próximo a ver seus ativos “incendiarem” após Lehman, abandonando, assim, a proposta que negociava com Lehman Brothers, já Barclays, que carregava a imagem de um banco britânico que, apesar de dizer que sim, não fecha acordos, de fato, assim foi feito. III.II.II O Oráculo de Omaha Um texto foi publicado na revista Time em referência à entrevista em que Warren Buffet teve com a jornalista Carol Loomis descrevendo a história em paralelo à segunda semana de setembro de 2008. O texto, publicado exatamente 1 ano após o decreto de falência do banco Lehman Brothers, explica com as mais precisas palavras sobre a última chance que o banco teve de não quebrar. Buffett ouvia muitas pessoas naquele fim de semana louco, exatamenteum ano atrás, quando o mundo financeiro estava desmoronando. A AIG, desesperada para conseguir US$ 18 bilhões, implorou por sua ajuda. "Não perca seu tempo comigo", disse ele. "Eu não vou ser capaz de fazer nada por você." E por volta das 18h00 Naquela noite de sábado, quando Buffett estava correndo para um compromisso social em Edmonton, Alberta, ele recebeu um telefonema de Bob Diamond, o chefe do Barclays Capital. Diamond estava tentando comprar o Lehman Brothers e resgatá-lo do esquecimento, mas estava tendo problemas com as autoridades britânicas. Então, ele bolou outro plano, em que Buffett forneceria um seguro que faria tudo funcionar. Era muito complicado para Buffett atender a um telefonema rápido, então ele pediu a Diamond que lhe enviasse os detalhes por fax. Buffett voltou ao seu quarto de hotel por volta da meia-noite e ficou surpreso ao não encontrar ... nada. O Lehman afundou e, em poucos dias, o mundo estava em plena crise financeira. Avanço rápido de 10 meses. Buffett, que admite que nunca aprendeu o básico sobre seu telefone celular, perguntou a sua filha Susan sobre um pequeno indicador que ele notou na tela: "Você consegue descobrir o que está lá?" Era a mensagem de Diamond que ele estava esperando naquela noite. 29 Conversei com Buffett depois e perguntei-lhe se, em retrospecto, ele aceitaria o acordo. Ele puxou o pequeno telefone Samsung simples do bolso e ponderou por um momento. É totalmente possível, ele sugeriu. "Eu não sei." E nunca saberemos. (TUMULTY, 2009) 30 CONSIDERAÇÕES FINAIS Diante de sucessivas tentativas, Lehman Brothers enfrentava obstáculos financeiros, sociais, governamentais e comunicativos. Há um certo pessimismo na fala de Warren Buffet, as chances possivelmente seriam baixas de que um acordo seria feito, trazendo exemplos de diversas empresas que passaram horas, ou até mesmo dias buscando um investimento preciso em ativos específicos, que como conclusão, as tentativas acabaram malsucedidas. Muitas delas possivelmente pelo desincentivo por parte do governo ou legislações que passam a impedir a subscrição legal, outras por interesses próprios ou até de forma a evitar mais efeitos catastróficos, mas as chances, por si só, foram mínimas, em especial pela forte exposição do banco frente ao mercado imobiliário que já dava indícios de colapso bem no início do século. Levando em conta a crise e seus produtos, hoje em dia existem diversos investimentos semelhantes às MBS, na zona do Euro são muito utilizadas as ABS, já no Brasil, o mais semelhante é o CRI como foi destacado, e há décadas que o mercado imobiliário é utilizado, alavancado e “hedgeado”. No que diz respeito à causa da crise, é importante apontar a certa instabilidade política que existe não só no território brasileiro, mas nos Estados Unidos inclusive. No caso do governo americano, a busca pela apreciação e poder político é incessável, o que passa a comprometer, em grande parte, a economia doméstica e o mercado financeiro como um todo, e consequentemente, o mercado mundial justamente pela forte interconexão e interdependência que os países possuem, principalmente em relação aos EUA quando mencionamos o mercado de capitais. É valioso para uma economia financeirizada hoje em dia não apenas a busca pela liberdade financeira, mas sim que, ao mesmo tempo existem regras claras e supervisionadas de compliance. É interessante mencionar que, hoje em dia, um produto em que é constantemente comparado aos CDOs no mercado norte-americano chamado de Bespoke CDO, ou BTO que, de certa forma, está fortemente atrelado ao mercado de CDOs, com a diferença de que, ao invés de várias tranches, ao investir nesse produto, você pegaria apenas uma específica tranche. 31 REFERÊNCIAS 60 MINUTES. Ben Bernanke’s Greatest Challenge. CBS: Nova Iorque, Estados Unidos, 12 de março de 2009. Programa de TV. Paramount. BBC News. Lehman Brothers: Your Stories. 15 de setembro de 2009. Disponível em: <http://news.bbc.co.uk/2/hi/talking_point/8256409.stm>. Acesso em: 3 de dezembro de 2021. CFI. Lehman Brothers – A Fall from Grace. 30 de novembro de 2021. 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INTRODUÇÃO CAPÍTULO I - A CRISE DE 2008 I.I Produtos Financeiros I.I.I Mortgage-backed Securities I.I.II Collateralized Debt Obligation I.II Subprime I.III Credit Default Swap I.IV O Momento em que a Música Parou de Tocar CAPÍTULO II – O BANCO LEHMAN BROTHERS II.I Os Irmãos Lehman II.II A Lei Glass-Steagall II.III Lehman Brothers no Período Pré-Crise II.IV A Relação Bear Stearns e Lehman Brothers CAPÍTULO III – A QUEDA DOS BANCOS III.I A Falência III.II Retaguardas III.II.I Os Big Five III.II.II O Oráculo de Omaha CONSIDERAÇÕES FINAIS REFERÊNCIAS