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MENTORIA DIREITOS HUMANOS Polícia Civil MG – Todos os cargos 1 CAPÍTULO 06 – SISTEMAS REGIONAIS DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS (Europeu, Americano e Africano) 1. Sistemas Regionais de Proteção Internacional de Direitos Humanos Ao lado do sistema global, surgem sistemas regionais de proteção, que buscam internacionalizar os direitos humanos no plano regional. Surgem com a finalidade de garantir um controle mais eficaz dos direitos humanos, especialmente na América, Europa e África. Os autores mencionam ainda dois incipientes sistemas de proteção regional de direitos humanos: o árabe e o regional asiático. Os sistemas regionais convivem com o sistema global, numa relação de independência, possuindo cada um deles um aparato jurídico próprio. O Sistema Africano é formado pela Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos de 1981 (Carta de Banjul), que estabelece a Comissão Africana de Direitos Humanos, com sede em Gâmbia. Posteriormente, em 1998 foi criada, mediante protocolo, a Corte Africana de Direitos Humanos e dos Povos. O Sistema Europeu é o mais antigo e o mais avançado sistema de proteção. Em 1950, foi adotada a Convenção Europeia de Direitos Humanos (Tratado de Roma). Posteriormente, em 1998, através de um protocolo, foi reestruturada a Corte Europeia de Direitos Humanos. Atualmente, é o único sistema de proteção que permite, com previsão em tratado, o acesso judicial direto do indivíduo perante tribunais internacionais. MENTORIA DIREITOS HUMANOS Polícia Civil MG – Todos os cargos 2 2. Sistema Europeu – A Convenção Europeia dos Direitos Humanos, 1950 A Convenção para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais foi elaborada pelo Conselho da Europa (organização que representava a Europa ocidental, criada em 1949 para promover a unidade europeia, fomentar o progresso econômico e social e proteger direitos humanos) e celebrada em Roma, em 04 de janeiro de 1950. O texto da Convenção não trouxe grandes novidades e apenas prevê a proteção dos direitos individuais, o que significou um retrocesso, se comparado à Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948. Um Protocolo Adicional, de 1952, acrescentou à Convenção os direitos de propriedade (sem previsão da função social), instrução e o direito a eleições livres. O protocolo também não inovou se comparado a Constituição de Weimar, de 1919. Os direitos sociais, econômicos e culturais foram previstos na Carta Social Europeia, celebrada em Turim, em 1961, que entrou em vigor em 1965. O texto foi completado por um protocolo adicional, em 1988, que entrou em vigor em 1992, com quatro novos direitos: 1) direito à igualdade de tratamento em matéria de emprego e profissão; 2) direito dos trabalhadores à informação e à consulta no seio das empresas; 3) direito dos trabalhadores de participarem da determinação e da melhoria das condições de trabalho e do ambiente de trabalho; 4) direito das pessoas idosas a uma proteção social. Em 1996, surgiram novos direitos sociais, como o direito à dignidade no trabalho, proteção contra a pobreza e a exclusão social e direito à moradia, com a Carta Social Europeia Revista. Quanto à Convenção Europeia, ressalta-se que seus artigos 5.º, 6.º e 7.º reforçaram as medidas tradicionais de proteção da liberdade e da segurança pessoal. O texto prevê as condições de legalidade da prisão, direitos do acusado em processos criminais (de forma ampliada), o princípio nullum crimen sine lege, com a possibilidade de punição por crimes que, embora não previstos em lei ou tratados internacionais, sejam assim reconhecidos pelos princípios gerais de direito reconhecidos pelas nações civilizadas. A Convenção trouxe novidades que contribuíram muito para o desenvolvimento do sistema internacional de proteção dos direitos humanos: criou órgãos com a função de fiscalizar violações de direitos humanos e reconheceu o indivíduo como sujeito do direito internacional (mudando o foco do direito internacional, que girava em torno dos Estados apenas). O texto trouxe um órgão intermediário entre o indivíduo queixoso e o tribunal, a Comissão Europeia de Direitos Humanos, com a função de analisar MENTORIA DIREITOS HUMANOS Polícia Civil MG – Todos os cargos 3 as denúncias formuladas, investigar os fatos e apresentar sua conclusão acerca da violação ou não dos direitos humanos. As denúncias contra o Estado-parte poderiam ser feitas por qualquer pessoa, organização não-governamental ou grupo de pessoas. Também um Estado-parte poderia formular denúncia contra outro Estado-parte. Para conciliar tais novidades com a soberania estatal, o texto determina que tais denúncias só podem ser aceitas contra um Estado que, previamente, reconheceu a competência da Comissão para analisá-las (ver artigos 24 e 25 da Convenção). Além disso, a Comissão pode poderia propor uma ação contra um Estado- parte, perante o Tribunal Europeu de Direitos Humanos (art. 48, a), se o Estado tivesse previamente reconhecido a jurisdição do Tribunal (cláusula de reconhecimento facultativo da jurisdição obrigatória, prevista no artigo 46). Essa cláusula foi posteriormente revogada, pelo Protocolo n. 11 à Convenção, de 11 de maio de 1994, passando a ser obrigatório a todos os Estados-partes se submeterem às decisões do Tribunal Europeu. O mesmo protocolo trouxe uma previsão que extinguiu a Comissão Europeia de Direitos Humanos, transferindo suas atribuições para o Tribunal, o que gerou uma sobrecarga de trabalho e a diminuição da eficácia da sua atuação. Por outro lado, houve um grande avanço já que, a partir do Protocolo n. 11, os indivíduos, organizações não governamentais e grupos de indivíduos passaram a ter acesso direto à Corte Europeia, podendo, inclusive, iniciar um processo diretamente perante ela. Mais do que permitir às vítimas, seus familiares ou representantes legais participarem do processo em todas as suas etapas (locus standi), permitiu-se o ingresso direto dos indivíduos ante a Corte Europeia (jus standi) para ali interpor-se uma demanda. Infelizmente, ainda não tivemos esse avanço no sistema interamericano de direitos humanos, no qual os indivíduos apenas têm acesso direto à Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Seguem trechos do texto da Convenção Europeia: Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais Os Governos signatários, Membros do Conselho da Europa, Considerando a Declaração Universal dos Direitos do Homem proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948, Considerando que esta Declaração se destina a assegurar o reconhecimento e aplicação universal e efetiva dos direitos nela enunciados, Considerando que a finalidade do Conselho da Europa é realizar uma união mais estreita entre os seus Membros e que um dos meios de alcançar esta finalidade é MENTORIA DIREITOS HUMANOS Polícia Civil MG – Todos os cargos 4 a proteção e o desenvolvimento dos direitos do homem e das liberdades fundamentais, Reafirmando o seu profundo apego a estas liberdades fundamentais, que constituem as verdadeiras bases dajustiça e da paz no mundo e cuja preservação repousa essencialmente, por um lado, num regime político verdadeiramente democrático e, por outro, numa concepção comum e no comum respeito dos direitos do homem, Decididos, enquanto Governos de Estados Europeus animados no mesmo espírito, possuindo um património comum de ideais e tradições políticas, de respeito pela liberdade e pelo primado do direito, a tomar as primeiras providências apropriadas para assegurar a garantia coletiva de certo número de direitos enunciados na Declaração Universal, Convencionaram o seguinte: Artigo 1.º (Obrigação de respeitar os direitos do homem) As Altas Partes Contratantes reconhecem a qualquer pessoa dependente da sua jurisdição os direitos e liberdades definidos no título I da presente Convenção. TÍTULO I (Direitos e liberdades) Artigo 2.º (Direito à vida) 1. O direito de qualquer pessoa à vida é protegido pela lei. Ninguém poderá ser intencionalmente privado da vida, salvo em execução de uma sentença capital pronunciada por um tribunal, no caso de o crime ser punido com esta pena pela lei. 2. Não haverá violação do presente artigo quando a morte resulte de recurso à força, tornado absolutamente necessário: a) Para assegurar a defesa de qualquer pessoa contra uma violência ilegal; b) Para efetuar uma detenção legal ou para impedir a evasão de uma pessoa detida legalmente; c) Para reprimir, em conformidade com a lei, uma revolta ou uma insurreição. Artigo 3.º (Proibição da tortura) Ninguém pode ser submetido a torturas, nem a penas ou tratamentos desumanos ou degradantes. Artigo 4.º (Proibição da escravatura e do trabalho forçado) 1. Ninguém pode ser mantido em escravidão ou servidão. 2. Ninguém pode ser constrangido a realizar um trabalho forçado ou obrigatório. 3. Não será considerado "trabalho forçado ou obrigatório" no sentido do presente artigo: a) Qualquer trabalho exigido normalmente a uma pessoa submetida a detenção nas condições previstas pelo artigo 5.º da presente Convenção, ou enquanto estiver em liberdade condicional; MENTORIA DIREITOS HUMANOS Polícia Civil MG – Todos os cargos 5 b) Qualquer serviço de carácter militar ou, no caso de objetores de consciência, nos países em que a objecção de consciência for reconhecida como legítima, qualquer outro serviço que substitua o serviço militar obrigatório; c) Qualquer serviço exigido no caso de crise ou de calamidade que ameacem a vida ou o bem-estar da comunidade; d) Qualquer trabalho ou serviço que fizer parte das obrigações cívicas normais. Artigo 5.º (Direito à liberdade e à segurança) 1. Toda a pessoa tem direito à liberdade e segurança. Ninguém pode ser privado da sua liberdade, salvo nos casos seguintes e de acordo com o procedimento legal: a) Se for preso em consequência de condenação por tribunal competente; b) Se for preso ou detido legalmente, por desobediência a uma decisão tomada, em conformidade com a lei, por um tribunal, ou para garantir o cumprimento de uma obrigação prescrita pela lei; c) Se for preso e detido a fim de comparecer perante a autoridade judicial competente, quando houver suspeita razoável de ter cometido uma infracção, ou quando houver motivos razoáveis para crer que é necessário impedi-lo de cometer uma infracção ou de se pôr em fuga depois de a ter cometido; d) Se se tratar da detenção legal de um menor, feita com o propósito de o educar sob vigilância, ou da sua detenção legal com o fim de o fazer comparecer perante a autoridade competente; e) Se se tratar da detenção legal de uma pessoa susceptível de propagar uma doença contagiosa, de um alienado mental, de um alcoólico, de um toxicómano ou de um vagabundo; f) Se se tratar de prisão ou detenção legal de uma pessoa para lhe impedir a entrada ilegal no território ou contra a qual está em curso um processo de expulsão ou de extradição. 2. Qualquer pessoa presa deve ser informada, no mais breve prazo e em língua que compreenda, das razões da sua prisão e de qualquer acusação formulada contra ela. 3. Qualquer pessoa presa ou detida nas condições previstas no parágrafo 1, alínea c), do presente artigo deve ser apresentada imediatamente a um juiz ou outro magistrado habilitado pela lei para exercer funções judiciais e tem direito a ser julgada num prazo razoável, ou posta em liberdade durante o processo. A colocação em liberdade pode estar condicionada a uma garantia que assegure a comparência do interessado em juízo. 4. Qualquer pessoa privada da sua liberdade por prisão ou detenção tem direito a recorrer a um tribunal, a fim de que este se pronuncie, em curto prazo de tempo, sobre a legalidade da sua detenção e ordene a sua libertação, se a detenção for ilegal. 5. Qualquer pessoa vítima de prisão ou detenção em condições contrárias às disposições deste artigo tem direito a indemnização. Artigo 6.º MENTORIA DIREITOS HUMANOS Polícia Civil MG – Todos os cargos 6 (Direito a um processo equitativo) 1. Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela. O julgamento deve ser público, mas o acesso à sala de audiências pode ser proibido à imprensa ou ao público durante a totalidade ou parte do processo, quando a bem da moralidade, da ordem pública ou da segurança nacional numa sociedade democrática, quando os interesses de menores ou a proteção da vida privada das partes no processo o exigirem, ou, na medida julgada estritamente necessária pelo tribunal, quando, em circunstâncias especiais, a publicidade pudesse ser prejudicial para os interesses da justiça. 2. Qualquer pessoa acusada de uma infracção presume-se inocente enquanto a sua culpabilidade não tiver sido legalmente provada. 3. O acusado tem, como mínimo, os seguintes direitos: a) Ser informado no mais curto prazo, em língua que entenda e de forma minuciosa, da natureza e da causa da acusação contra ele formulada; b) Dispor do tempo e dos meios necessários para a preparação da sua defesa; c) Defender-se a si próprio ou ter a assistência de um defensor da sua escolha e, se não tiver meios para remunerar um defensor, poder ser assistido gratuitamente por um defensor oficioso, quando os interesses da justiça o exigirem; d) Interrogar ou fazer interrogar as testemunhas de acusação e obter a convocação e o interrogatório das testemunhas de defesa nas mesmas condições que as testemunhas de acusação; e) Fazer-se assistir gratuitamente por intérprete, se não compreender ou não falar a língua usada no processo. Artigo 7.º (Princípio da legalidade) 1. Ninguém pode ser condenado por uma ação ou uma omissão que, no momento em que foi cometida, não constituía infracção, segundo o direito nacional ou internacional. Igualmente não pode ser imposta uma pena mais grave do que a aplicável no momento em que a infracção foi cometida. 2. O presente artigo não invalidará a sentença ou a pena de uma pessoa culpada de uma ação ou de uma omissão que, no momento em que foi cometida, constituía crime segundo os princípios gerais de direito reconhecidos pelas nações civilizadas. Artigo 8.º (Direito ao respeito pela vida privada e familiar) 1. Qualquer pessoa tem direito ao respeito da sua vida privada e familiar, do seu domicílio e da sua correspondência.2. Não pode haver ingerência da autoridade pública no exercício deste direito senão quando esta ingerência estiver prevista na lei e constituir uma providência que, numa sociedade democrática, seja necessária para a segurança nacional, para a segurança pública, para o bem-estar económico do país, a defesa da MENTORIA DIREITOS HUMANOS Polícia Civil MG – Todos os cargos 7 ordem e a prevenção das infracções penais, a proteção da saúde ou da moral, ou a proteção dos direitos e das liberdades de terceiros. Artigo 9.º (Liberdade de pensamento, de consciência e de religião) 1. Qualquer pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião; este direito implica a liberdade de mudar de religião ou de crença, assim como a liberdade de manifestar a sua religião ou a sua crença, individual ou coletivamente, em público e em privado, por meio do culto, do ensino, de práticas e da celebração de ritos. 2. A liberdade de manifestar a sua religião ou convicções, individual ou coletivamente, não pode ser objeto de outras restrições senão as que, previstas na lei, constituírem disposições necessárias, numa sociedade democrática, à segurança pública, à proteção da ordem, da saúde e moral públicas, ou à proteção dos direitos e liberdades de outrem. Artigo 10.º (Liberdade de expressão) 1. Qualquer pessoa tem direito à liberdade de expressão. Este direito compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber ou de transmitir informações ou ideias sem que possa haver ingerência de quaisquer autoridades públicas e sem considerações de fronteiras. O presente artigo não impede que os Estados submetam as empresas de radiodifusão, de cinematografia ou de televisão a um regime de autorização prévia. 2. O exercício desta liberdades, porquanto implica deveres e responsabilidades, pode ser submetido a certas formalidades, condições, restrições ou sanções, previstas pela lei, que constituam providências necessárias, numa sociedade democrática, para a segurança nacional, a integridade territorial ou a segurança pública, a defesa da ordem e a prevenção do crime, a proteção da saúde ou da moral, a proteção da honra ou dos direitos de outrem, para impedir a divulgação de informações confidenciais, ou para garantir a autoridade e a imparcialidade do poder judicial. Artigo 11.º (Liberdade de reunião e de associação) 1. Qualquer pessoa tem direito à liberdade de reunião pacífica e à liberdade de associação, incluindo o direito de, com outrem, fundar e filiar-se em sindicatos para a defesa dos seus interesses. 2. O exercício deste direito só pode ser objeto de restrições que, sendo previstas na lei, constituírem disposições necessárias, numa sociedade democrática, para a segurança nacional, a segurança pública, a defesa da ordem e a prevenção do crime, a proteção da saúde ou da moral, ou a proteção dos direitos e das liberdades de terceiros. O presente artigo não proíbe que sejam impostas restrições legítimas ao exercício destes direitos aos membros das forças armadas, da polícia ou da administração do Estado. Artigo 12.º (Direito ao casamento) MENTORIA DIREITOS HUMANOS Polícia Civil MG – Todos os cargos 8 A partir da idade núbil, o homem e a mulher têm o direito de se casar e de constituir família, segundo as leis nacionais que regem o exercício deste direito. Artigo 13.º (Direito a um recurso efetivo) Qualquer pessoa cujos direitos e liberdades reconhecidos na presente Convenção tiverem sido violados tem direito a recurso perante uma instância nacional, mesmo quando a violação tiver sido cometida por pessoas que atuem no exercício das suas funções oficiais. Artigo 14.º (Proibição de discriminação) O gozo dos direitos e liberdades reconhecidos na presente Convenção deve ser assegurado sem quaisquer distinções, tais como as fundadas no sexo, raça, cor, língua, religião, opiniões políticas ou outras, a origem nacional ou social, a pertença a uma minoria nacional, a riqueza, o nascimento ou qualquer outra situação. Artigo 15.º (Derrogação em caso de estado de necessidade) 1. Em caso de guerra ou de outro perigo público que ameace a vida da nação, qualquer Alta Parte Contratante pode tomar providências que derroguem as obrigações previstas na presente Convenção, na estrita medida em que o exigir a situação, e em que tais providências não estejam em contradição com as outras obrigações decorrentes do direito internacional. 2. A disposição precedente não autoriza nenhuma derrogação ao artigo 2.º, salvo quanto ao caso de morte resultante de atos lícitos de guerra, nem aos artigos 3.º, 4.º (parágrafo 1) e 7.º 3. Qualquer Alta Parte Contratante que exercer este direito de derrogação manterá completamente informado o Secretário-Geral do Conselho da Europa das providências tomadas e dos motivos que as provocaram. Deverá igualmente informar o Secretário-Geral do Conselho da Europa da data em que essas disposições tiverem deixado de estar em vigor e da data em que as da Convenção voltarem a ter plena aplicação. Artigo 16.º (Restrições à atividade política dos estrangeiros) Nenhuma das disposições dos artigos 10.º, 11.º e 14.º pode ser considerada como proibição às Altas Partes Contratantes de imporem restrições à atividade política dos estrangeiros. Artigo 17.º (Proibição do abuso de direito) Nenhuma das disposições da presente Convenção se pode interpretar no sentido de implicar para um Estado, grupo ou indivíduo qualquer direito de se dedicar a atividade ou praticar atos em ordem à destruição dos direitos ou liberdades reconhecidos na presente Convenção ou a maiores limitações de tais direitos e liberdades do que as previstas na Convenção. Artigo 18.º MENTORIA DIREITOS HUMANOS Polícia Civil MG – Todos os cargos 9 (Limitação da aplicação de restrições aos direitos) As restrições feitas nos termos da presente Convenção aos referidos direitos e liberdades só podem ser aplicadas para os fins que foram previstas. [...] 3. Sistema Regional Africano O grande documento deste sistema regional é a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Direitos dos Povos, conhecida como Carta de Banjul, por ter sido aprovada em Banjul, Gâmbia, em janeiro de 1981. Foi adotada na 18ª Conferência de Chefes de Estado e Governo, em Nairóbi, Quênia, em junho de 1981. Trouxe como novidade a afirmação que os povos são também titulares de direitos humanos, além de serem titulares do direito à autodeterminação, como previsto nos Pactos da ONU. Prevê ainda os direitos dos povos à sua existência (art. 20), à livre disposição de suas riquezas e recursos naturais (art. 22), à paz e à segurança (art. 23) e à preservação do meio ambiente sadio (art. 24). Persiste a dificuldade na definição de povo. O termo é utilizado, com diferentes sentidos, em vários documentos internacionais. O mais prudente parece ser considerar o termo povo como um conceito que depende do contexto. Assim, pode ter diferentes signficados, a depender da situação concreta. Surge uma outra questão: povo não é unidade jurídica autônoma, não tem personalidade. Assim, quem iria representar o povo? Quem teria legitimidade para exercer os direitos do povo? Comparato lembra a figura processual da substituição, que poderia ser a solição adequada. É o que ocorre, por exemplo, nas class actions norte-americanasou na possibilidade prevista no protocolo ao PIDCP, de terceiros apresentarem ao Comitê de Direitos Humanos, denúncias por violação de direitos de indivíduos. Esse mesmo mecanismo deveria ser criado para o exerício dos direitos do povo, no cenário internacional. O documento não menciona o direito à própria identidade cultural, o direito à diferença. Entretanto, tal direito foi afirmado na Declaração sobre Raça e Preconceito Racial, aprovada pela UNESCO, em 1978, segundo o qual: “Todos os povos têm o direito de ser diferentes, de se consideraram diferentes e de serem vistos como tais”. O direito à existência, previsto no artigo 20, não se confunde com o direito à autodeterminação dos povos, que é meramente político. O direito à existência é o direito fundamental dos povos de não ser vítima de ações genocidas. O direito ao desenvolvimento, no artigo 22, envolve o direito de participar de um processo, de longo prazo, que envolve políticas públicas nos campos MENTORIA DIREITOS HUMANOS Polícia Civil MG – Todos os cargos 10 econômico (crescimento sustentável), social (condições básicas de igualdade) e político (realização da vida democrática). Esbarramos aqui no problema da realização efetiva desse direito, já que, a organização constitucional dos Estados não prevê uma representação popular que viabilize o exercício do direito. Também são necessários mecanismos para o controle judicial de políticas públicas, à luz do direito ao desenvolvimento, a exemplo do tradicional mecanismo de controle de constitucionalidade das leis. O direito à paz e à segurança, previsto no artigo 23, é outro direito que carece de definição do seu objeto. O texto teria sido mais eficaz, para reforçar o alcance desse direito, se indicasse a ligação entre segurança e regime democrático e impusesse, para manutenção da paz, mecanismos de controle do comércio de armamentos, inspeção internacional sobre gastos militares e obrigação incondicional de se recorrer à arbitragem para solucionar conflitos. É a primeira convenção internacional a resguardar o direito dos povos à preservação do equilíbrio ecológico (art. 24), afirmando a tese do desenvolvimento sustentável. Considerando desestruturação social do continente, consequência do colonialismo, a Carta Africana tem um capítulo dedicado aos deveres. Seguem trechos do texto da Carta Africana: CARTA AFRICANA DOS DIREITOS HUMANOS E DOS POVOS Carta de Banjul Aprovada pela Conferência Ministerial da Organização da Unidade Africana (OUA) em Banjul, Gâmbia, em janeiro de 1981, e adotada pela XVIII Assembleia dos Chefes de Estado e Governo da Organização da Unidade Africana (OUA) em Nairóbi, Quênia, em 27 de julho de 1981. Preâmbulo Os Estados africanos membros da Organização da Unidade Africana, partes na presente Carta que tem o título de "Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos", Lembrando a decisão 115 (XVI) da Conferência dos Chefes de Estado e de Governo, na sua XVI sessão ordinária realizada em Monróvia (Libéria) de 17 a 20 de julho de 1979, relativa à elaboração de "um anteprojeto de Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, prevendo nomeadamente a instituição de órgãos de promoção e de proteção dos Direitos Humanos e dos Povos"; Considerando a Carta da Organização da Unidade Africana, nos termos da qual "a liberdade, a igualdade, a justiça e a dignidade são objetivos essenciais para a realização das legítimas aspirações dos povos africanos"; MENTORIA DIREITOS HUMANOS Polícia Civil MG – Todos os cargos 11 Reafirmando o compromisso que eles solenemente assumiram, no artigo 2º da dita Carta, de eliminar sob todas as suas formas o colonialismo da África, de coordenar e de intensificar a sua cooperação e seus esforços para oferecer melhores condições de existência aos povos da África, de favorecer a cooperação internacional tendo na devida atenção a Carta das Nações Unidas e a Declaração Universal dos Direitos Humanos; Tendo em conta as virtudes das suas tradições históricas e os valores da civilização africana que devem inspirar e caracterizar as suas reflexões sobre a concepção dos direitos humanos e dos povos; Reconhecendo que, por um lado, os direitos fundamentais do ser humano se baseiam nos atributos da pessoa humana, o que justifica a sua proteção internacional, e que, por outro lado, a realidade e o respeito dos direitos dos povos devem necessariamente garantir os direitos humanos; Considerando que o gozo dos direitos e liberdades implica o cumprimento dos deveres de cada um; Convencidos de que, para o futuro, é essencial dedicar uma particular atenção ao direito ao desenvolvimento; que os direitos civis e políticos são indissociáveis dos direitos econômicos, sociais e culturais, tanto na sua concepção como na sua universalidade, e que a satisfação dos direitos econômicos, sociais e culturais garante o gozo dos direitos civis e políticos; Conscientes do seu dever de libertar totalmente a África cujos povos continuam a lutar pela sua verdadeira independência e pela sua dignidade, e comprometendo- se a eliminar o colonialismo, o neocolonialismo, o apartheid, o sionismo, as bases militares estrangeiras de agressão e quaisquer formas de discriminação, nomeadamente as que se baseiam na raça, etnia, cor, sexo, língua, religião ou opinião política; Reafirmando a sua adesão às liberdades e aos direitos humanos e dos povos contidos nas declarações, convenções e outros instrumentos adotados no quadro da Organização da Unidade Africana, do Movimento dos Países Não-Alinhados e da Organização das Nações Unidas; Firmemente convencidos do seu dever de assegurar a promoção e a proteção dos direitos e liberdades do homem e dos povos, tendo na devida conta a primordial importância tradicionalmente reconhecida na África a esses direitos e liberdades, Convencionaram o que se segue: [...] Artigo 19º Todos os povos são iguais, gozam da mesma dignidade e têm os mesmos direitos. Nada pode justificar a dominação de um povo por outro. Artigo 20º 1.Todo povo tem direito à existência. Todo povo tem um direito imprescritível e inalienável à autodeterminação. Ele determina livremente o seu estatuto político e assegura o seu desenvolvimento econômico e social segundo a via que livremente escolheu. MENTORIA DIREITOS HUMANOS Polícia Civil MG – Todos os cargos 12 2.Os povos colonizados ou oprimidos têm o direito de se libertar do seu estado de dominação recorrendo a todos os meios reconhecidos pela comunidade internacional. 3.Todos os povos têm direito à assistência dos Estados Partes na presente Carta, na sua luta de libertação contra a dominação estrangeira, quer seja esta de ordem política, econômica ou cultural. Artigo 21º 1.Os povos têm a livre disposição das suas riquezas e dos seus recursos naturais. Este direito exerce-se no interesse exclusivo das populações. Em nenhum caso o povo pode ser privado deste direito. 2. Em caso de espoliação, o povo espoliado tem direito à legítima recuperação dos seus bens, assim como a uma indenização adequada. 3. A livre disposição das riquezas e dos recursos naturais exerce-se sem prejuízo da obrigação de promover uma cooperação econômica internacional baseada no respeito mútuo, na troca equitativa e nos princípios do direito internacional. 4.Os Estados Partes na presenteCarta comprometem-se, tanto individual como coletivamente, a exercer o direito de livre disposição das suas riquezas e dos seus recursos naturais com vistas a reforçar a unidade e a solidariedade africanas. 5.Os Estados Partes na presente Carta comprometem-se a eliminar todas as formas de exploração econômica e estrangeira, nomeadamente a que é praticada por monopólios internacionais, a fim de permitir que a população de cada país se beneficie plenamente das vantagens provenientes dos seus recursos nacionais. Artigo 22º 1.Todos os povos têm direito ao seu desenvolvimento econômico, social e cultural, no estrito respeito da sua liberdade e da sua identidade, e ao gozo igual do patrimônio comum da humanidade. 2.Os Estados têm o dever, separadamente ou em cooperação, de assegurar o exercício do direito ao desenvolvimento. Artigo 23º 1.Os povos têm direito à paz e à segurança, tanto no plano nacional como no plano internacional. O princípio da solidariedade e das relações amistosas implicitamente afirmado na Carta da Organização das Nações Unidas e reafirmado na Carta da Organização da Unidade Africana deve dirigir as relações entre os Estados. 2.Com o fim de reforçar a paz, a solidariedade e as relações amistosas, os Estados Partes na presente Carta comprometem-se a proibir: a) que uma pessoa gozando do direito de asilo nos termos do artigo 12º da presente Carta empreenda uma atividade subversiva contra o seu país de origem ou contra qualquer outro Estado Parte na presente Carta; b) que os seus territórios sejam utilizados como base de partida de atividades subversivas ou terroristas dirigidas contra o povo de qualquer outro Estado Parte na presente Carta. Artigo 24º MENTORIA DIREITOS HUMANOS Polícia Civil MG – Todos os cargos 13 Todos os povos têm direito a um meio ambiente geral satisfatório, propício ao seu desenvolvimento. Artigo 25º Os Estados Partes na presente Carta têm o dever de promover e assegurar, pelo ensino, a educação e a difusão, o respeito dos direitos e das liberdades contidos na presente Carta, e de tomar medidas para que essas liberdades e esses direitos sejam compreendidos, assim como as obrigações e deveres correspondentes. Artigo 26º Os Estados Partes na presente Carta têm o dever de garantir a independência dos tribunais e de permitir o estabelecimento e o aperfeiçoamento de instituições nacionais apropriadas encarregadas da promoção e da proteção dos direitos e liberdades garantidos pela presente Carta. Capítulo II DOS DEVERES Artigo 27º 1.Cada indivíduo tem deveres para com a família e a sociedade, para com o Estado e outras coletividades legalmente reconhecidas, e para com a comunidade internacional. 2.Os direitos e as liberdades de cada pessoa exercem-se no respeito dos direitos de outrem, da segurança coletiva, da moral e do interesse comum. Artigo 28º Cada indivíduo tem o dever de respeitar e de considerar os seus semelhantes sem nenhuma discriminação e de manter com eles relações que permitam promover, salvaguardar e reforçar o respeito e a tolerância recíprocos. Artigo 29º O indivíduo tem ainda o dever: 1.De preservar o desenvolvimento harmonioso da família e de atuar em favor da sua coesão e respeito; de respeitar a todo momento os seus pais, de os alimentar e de os assistir em caso de necessidade. 2.De servir a sua comunidade nacional pondo as suas capacidades físicas e intelectuais a seu serviço. 3.De não comprometer a segurança do Estado de que é nacional ou residente. 4.De preservar e reforçar a solidariedade social e nacional, particularmente quando esta é ameaçada. 5.De preservar e reforçar a independência nacional e a integridade territorial da pátria e, de uma maneira geral, de contribuir para a defesa do seu país, nas condições fixadas pela lei. 6.De trabalhar, na medida das suas capacidades e possibilidades, e de desobrigar-se das contribuições fixadas pela lei para a salvaguarda dos interesses fundamentais da sociedade. 7.De zelar, nas suas relações com a sociedade, pela preservação e reforço dos valores culturais africanos positivos, em um espírito de tolerância, de diálogo e de MENTORIA DIREITOS HUMANOS Polícia Civil MG – Todos os cargos 14 concertação e, de uma maneira geral, de contribuir para a promoção da saúde moral da sociedade. 8.De contribuir com as suas melhores capacidades, a todo momento e em todos os níveis, para a promoção e realização da Unidade Africana. [...] 4. Sistema Americano de proteção dos direitos humanos 4.1 Convenção Americana de Direitos Humanos Antes de estudarmos a Convenção Americano dos Direitos Humanos, o famoso Pacto de San Jose da Costa Rica, vamos ver as informações básicas sobre o sistema americano, ou interamericano, para entender a origem desse documento. Dentre os sistemas regionais, o americano é o que mais nos interessa, já que, é o sistema regional do qual participamos. O primeiro documento que podemos mencionar, no Sistema Regional Americano, é a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem. Foi adotada e aprovada na IX Conferência Internacional Americana, reunida em Bogotá, em abril e maio de 1948. Revela uma ampla gama de direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais. Surgiu com a fundação da Organização dos Estados Americanos (OEA), criada pela Carta da OEA, em 1948. Posteriormente, surge o documento mais importante do Sistema Americano, a Convenção Interamericana de Direitos Humanos ou Pacto de San Jose da Costa Rica, adotada em 22 de novembro de 1969. Somente entrou em vigor em 18 de julho de 1978, devido à necessidade de um número mínimo de signatários (11 ratificações). Apenas Estados-membros da OEA têm o direito de aderir à Convenção Americana, que conta, atualmente, com 24 Estados-partes (do total de 35 Estados-membros da OEA. Trinidad e Tobago denunciou a Conveção, em 1998). Foi ratificada pelo Brasil em 25 de setembro de 1992 e entrou em vigor através do Decreto n. 678/92. O Brasil foi um dos países que mais tardiamente ratificou a Convenção. O Brasil fez reserva da cláusula facultativa do artigo 45, n.1, referente à competência da Comissão Interamericana de Direitos Humanos para examinar queixas apresentadas por Estados sobre o não cumprimento das obrigações impostas pela Convenção (comunicações interestatais), bem como da cláusula facultativa do artigo 62, n. 1, sobre a jurisdição obrigatória da Corte Interamericana de Direitos Humanos. MENTORIA DIREITOS HUMANOS Polícia Civil MG – Todos os cargos 15 A competência obrigatória da Corte apenas foi reconhecida em 1998 (Decreto Legislativo n. 89) e a promulgação do reconhecimento se deu em 2002 (Decreto n. 4463). Ao ratificar a Convenção, os Estados assumem o compromisso de respeitar e efetivar os direitos e liberdades estabelecidos no tratado, sem qualquer tipo de discriminação, e adotar medidas legislativas e outras que sejam necessárias para garantir a concretização de tais previsões (arts. 1.º e 2.º). A Convenção reproduz a maior parte dos direitos constantes do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, da ONU, de 1966. No que tange aos órgãos de monitoramento, a Convenção se aproxima mais do modelo da Convenção Europeia de Direitos Humanos, de 1950. Pensando em obter maior adesão pelos países, em especialdos Estados Unidos, a Convenção não desenvolveu os direitos sociais, econômicos e culturais. Esses direitos são mencionados no art. 26 da Convenção Americana, entretanto, o tratado não cuida de sua proteção específica, fazendo alusão apenas ao direito ao desenvolvimento progressivo. Posteriormente, tais direitos foram desenvolvidos no Protocolo de San Salvador, adotado em 17 de novembro de 1988, com vigência a partir de 16 de novembro de 1999. Este protocolo conta com 16 Estados participantes, um número menor que o número de participantes da Convenção Americana. O Pacto de San Jose tem ainda um protocolo adicional relativo à abolição da pena de morte, aprovado na Conferência Interamericana de Assunção, em 08 de junho de 1990. O Brasil ratificou ambos os protocolos. Os principais direitos protegidos pela Convenção Americana são: ✓ Reconhecimento da personalidade jurídica, vida, integridade pessoal; ✓ proibição da escravidão, liberdade pessoal, garantias judiciais, legalidade e irretroatividade das leis; ✓ indenização por erro judiciário, proteção da honra e da dignidade; ✓ liberdade de consciência e religião, de pensamento e expressão e de retificação ou resposta; ✓ direito de reunião e de associação; ✓ direitos de proteção da família, do nome e da criança; ✓ direito de nacionalidade; ✓ propriedade privada, de circulação e residência; ✓ direitos políticos, igualdade perante a lei, de proteção judicial. Alguns direitos da Convenção merecem uma atenção especial, inclusive pela frequência com que aparecem nas questões. Lembrando que no caso de vigência simultânea de vários sistemas normativos (nacional e internacional) ou de vários tratados internacionais, em MENTORIA DIREITOS HUMANOS Polícia Civil MG – Todos os cargos 16 matéria de direitos humanos, deve ser aplicada a norma que melhor proteja a pessoa (princípio da norma mais favorável ou direitos mais vantajosos para a pessoa). Vejamos os dispositivos da Convenção: Convenção Americana sobre Direitos Humanos Pacto de San José da Costa Rica Adotada e aberta à assinatura na Conferência Especializada Interamericana sobre Direitos Humanos, em San José de Costa Rica, em 22 de novembro de 1969. PREÂMBULO Os Estados Americanos signatários da presente Convenção, Reafirmando seu propósito de consolidar neste Continente, dentro do quadro das instituições democráticas, um regime de liberdade pessoal e de justiça social, fundado no respeito dos direitos essenciais do homem; Reconhecendo que os direitos essenciais do homem não derivam do fato de ser ele nacional de determinado Estado, mas sim do fato de ter como fundamento os atributos da pessoa humana, razão por que justificam uma proteção internacional, de natureza convencional, coadjuvante ou complementar da que oferece o direito interno dos Estados americanos; Considerando que esses princípios foram consagrados na Carta da Organização dos Estados Americanos, na Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem e na Declaração Universal dos Direitos do Homem, e que foram reafirmados e desenvolvidos em outros instrumentos internacionais, tanto em âmbito mundial como regional; Reiterando que, de acordo com a Declaração Universal dos Direitos do Homem, só pode ser realizado o ideal do ser humano livre, isento do temor e da miséria, se forem criadas condições que permitam a cada pessoa gozar dos seus direitos econômicos, sociais e culturais, bem como dos seus direitos civis e políticos; e Considerando que a Terceira Conferência Interamericana Extraordinária (Buenos Aires, 1967) aprovou a incorporação à própria Carta da Organização de normas mais amplas sobre direitos econômicos, sociais e educacionais e resolveu que uma convenção interamericana sobre direitos humanos determinasse a estrutura, competência e processo dos órgãos encarregados dessa matéria; Convieram no seguinte: PARTE I DEVERES DOS ESTADOS E DIREITOS PROTEGIDOS Capítulo I ENUMERAÇÃO DE DEVERES Artigo 1º - Obrigação de respeitar os direitos 1. Os Estados Partes nesta Convenção comprometem-se a respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que esteja sujeita a sua jurisdição, sem discriminação alguma por motivo MENTORIA DIREITOS HUMANOS Polícia Civil MG – Todos os cargos 17 de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social. 2. Para os efeitos desta Convenção, pessoa é todo ser humano. Artigo 2º - Dever de adotar disposições de direito interno Se o exercício dos direitos e liberdades mencionados no artigo 1º ainda não estiver garantido por disposições legislativas ou de outra natureza, os Estados Partes comprometem-se a adotar, de acordo com as suas normas constitucionais e com as disposições desta Convenção, as medidas legislativas ou de outra natureza que forem necessárias para tornar efetivos tais direitos e liberdades. O tratado proclama o dever dos estados de assegurar os direitos nele elencados a todos os indivíduos que estejam sob a sua jurisdição, adotando medidas necessárias para tanto, que podem ser legislativas, administrativas ou judiciais. O texto tem uma particularidade: define que pessoa é todo ser humano. O Estado se obriga a adequar seu direito interno para garantir o cumprimento do tratado. Essa obrigação inclui também o dever de proteger os indivíduos contra a violação de direitos perpetrada por entes privados. As obrigações são tanto de natureza negativa quanto de natureza positiva. Ao impor a obrigação imediata de assegurar e respeitar os direitos nele previstos, o pacto mostra sua autoaplicabilidade. Capítulo II DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS Artigo 3º - Direito ao reconhecimento da personalidade jurídica Toda pessoa tem direito ao reconhecimento de sua personalidade jurídica. Artigo 4º - Direito à vida 1. Toda pessoa tem direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente. 2. Nos países que não houverem abolido a pena de morte, esta só poderá ser imposta pelos delitos mais graves, em cumprimento de sentença final de tribunal competente e em conformidade com lei que estabeleça tal pena, promulgada antes de haver o delito sido cometido. Tampouco se estenderá sua aplicação a delitos aos quais não se aplique atualmente. 3. Não se pode restabelecer a pena de morte nos Estados que a hajam abolido. 4. Em nenhum caso pode a pena de morte ser aplicada por delitos políticos nem por delitos comuns conexos com delitos políticos. 5. Não se deve impor a pena de morte a pessoa que, no momento da perpetração do delito, for menor de dezoito anos, ou maior de setenta, nem aplicá-la a mulher em estado de gravidez. MENTORIA DIREITOS HUMANOS Polícia Civil MG – Todos os cargos 18 6. Toda pessoa condenada à morte tem direito a solicitar anistia, indulto ou comutação da pena, os quais podem ser concedidos em todos os casos. Não se pode executar a pena de morte enquanto o pedido estiver pendente de decisão ante a autoridade competente. A Convenção menciona a proteção à personalidade jurídica, direito que não encontra previsão expressa no nossotexto constitucional. Temos aqui o famoso “direito a ter direitos”, como dito por Hanah Arendt, o direito de ser reconhecido como pessoa. A denegação desse direito pode ser observada, de forma radical, com a escravidão. O escravo é, juridicamente, considerado como coisa, objeto. Em sociedades nas quais existiu a escravidão, como na brasileira, nota-se que a consciência de igual dignidade de todas as pessoas vai ser formando muito lentamente. O direito à vida é protegido, segundo o tratado, em geral, desde a concepção. A expressão “em geral” parece possibilitar exceções à regra. Assim, os países poderiam, excepcionalmente, reconhecer como constitucionais algumas situações, como o aborto, em situações específicas, e as pesquisas com células tronco-embrionárias. Essa é a interpretação dada ao artigo pela Corte Interamericana. Dessa forma, as decisões do STF (anencefalia, pesquisas com célula-tronco, aborto), não violariam o Pacto de San Jose, como sugerem alguns, em função da interpretação dada pelo Corte Interamericana, que garante aos países uma certa margem de liberdade para decidir sobre o tema. Quanto à pena de morte, existe um objetivo de abolição progressiva da mesma. A ideia é que os países que já a tiverem abolido, ao ratificarem a Convenção Americana, não poderão restabelecê-la. Aos que já previam a pena de morte em alguma situação, permite-se que mantenham a previsão, sem, contudo, ampliá-la. A Convenção traz alguns limites à aplicação da pena de morte: ✓ não pode ser aplicada a delitos de natureza política (nem comuns conexos aos políticos); ✓ não pode ser aplicada a menores de 18 anos, maiores de 70 anos e mulheres grávidas; (Atenção! O PIDCP não menciona os maiores de 70 anos) ✓ o condenado deve ter resguardado o direito de pedir anistia, indulto e comutação da pena. (muito questionado em provas!) Com o advento do Protocolo à Convenção, em 1990, os Estados americanos que o ratificarem ficam proibidos, em quaisquer hipóteses, de aplicar a pena MENTORIA DIREITOS HUMANOS Polícia Civil MG – Todos os cargos 19 de morte, considerando-se revogadas as disposições do direito interno que a cominassem. Cabe ressaltar que o Brasil ratificou esse protocolo fazendo a única ressalva admitida pelo texto e, conseguindo manter, portanto, a pena de morte em caso de guerra declarada (art. 5.ª, inciso XLVII da CF/88). Artigo 5º - Direito à integridade pessoal 1. Toda pessoa tem direito de que se respeite sua integridade física, psíquica e moral. 2. Ninguém deve ser submetido a torturas nem a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes. Toda pessoa privada da liberdade deve ser tratada com respeito devido à dignidade inerente ao ser humano. 3. A pena não pode passar da pessoa do delinquente. 4. Os processados devem ficar separados dos condenados, salvo em circunstâncias excepcionais, e ser submetidos a tratamento adequado à sua condição de pessoas não condenadas. 5. Os menores, quando puderem ser processados, devem ser separados dos adultos e conduzidos a tribunal especializado, com a maior rapidez possível, para seu tratamento. 6. As penas privativas da liberdade devem ter por finalidade essencial a reforma e a readaptação social dos condenados. Além da proteção à integridade pessoal e proibição da tortura, temos o princípio da pessoalidade ou intranscendência da pena e a preocupação com o tratamento dispensado às pessoas privadas de liberdade, que devem ser tratadas com respeito e dignidade. Cabe destacar aqui, recente e importante decisão do STJ, que acatou resolução da Corte Interamericana para determinar contagem de prazo em dobro no cumprimento de pena em condições degradantes. Essa decisão, certamente, será cobrada em provas. Vejamos um breve resumo. No dia 18 de junho de 2021, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou recurso do Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) e confirmou decisão monocrática do ministro Reynaldo Soares da Fonseca, que concedeu, em maio de 2021, habeas corpus para que seja contado em dobro todo o período em que um homem esteve preso no Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho, no Complexo Penitenciário de Bangu, localizado na Zona Oeste do Rio de Janeiro. Esta é a primeira vez que uma Turma criminal do STJ aplica o Princípio da Fraternidade, para decidir pelo cômputo da pena de maneira mais benéfica ao condenado que é mantido preso em local degradante. A decisão caracteriza um importante precedente possível de ser aplicado para a resolução de situações semelhantes. https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/07052021-Ministro-manda-contar-em-dobro-todo-o-periodo-de-pena-cumprido-em-situacao-degradante-.aspx https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/07052021-Ministro-manda-contar-em-dobro-todo-o-periodo-de-pena-cumprido-em-situacao-degradante-.aspx MENTORIA DIREITOS HUMANOS Polícia Civil MG – Todos os cargos 20 A unidade prisional objeto do recurso sofreu diversas inspeções realizadas pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), a partir de denúncia feita pela Defensoria Pública do Rio de Janeiro sobre a situação degradante e desumana em que os presos se encontravam. Essas inspeções culminaram na edição da Resolução CIDH de 22 de novembro de 2018, que proibiu o ingresso de novos presos na unidade e determinou o cômputo em dobro de cada dia de privação de liberdade cumprido no local, salvo para os casos de crimes contra a vida ou a integridade física, e de crimes sexuais. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) aplicou a contagem em dobro apenas para o período de cumprimento de pena posterior à data em que o Brasil foi notificado formalmente da resolução da CIDH, porque a resolução não faz referência expressa ao termo inicial da determinação. Após a decisão liminar do ministro Reynaldo, o MPRJ recorreu para que esse entendimento fosse restabelecido, sob o argumento de que a decisão da CIDH teria a natureza de medida cautelar provisória, motivo que impediria a produção de efeitos retroativos. Ele sustentou essa tese no fato de a resolução mencionada estabelecer prazos para o seu cumprimento. Reynaldo Soares da Fonseca ponderou que, ao aplicarem a resolução apenas a partir da notificação oficial feita ao Brasil, as instâncias anteriores deixaram de cumpri-la, pois as más condições do presídio, que motivaram a determinação da CIDH, já existiam antes de sua publicação. Sabemos que, com base no princípio interpretativo “pro homine”, as sentenças da CIDH devem ser interpretadas da maneira mais favorável possível para quem teve seus direitos violados. Além disso, o relator ressaltou que as autoridades locais devem observar os efeitos das disposições da sentença internacional e adequar sua estrutura interna "para garantir o cumprimento total de suas obrigações frente à comunidade internacional", no intuito de diminuir violações e abreviar as demandas internacionais. Durante o julgamento na Quinta Turma, os demais ministros do colegiado destacaram o caráter histórico da decisão. O ministro Ribeiro Dantas ressaltou "a importância e a profundidade do voto", e afirmou ter certeza de que se tornará um acórdão de referência no tratamento desses temas. O ministro Joel Ilan Paciornik afirmou que, "numa hipótese onde se detecta flagrante violação a direitos humanos pelas condições degradantes e desumanas existentes em determinados estabelecimentos prisionais, a invocação do Princípio da Fraternidade é extremamente procedente".Por fim, o ministro João Otávio de Noronha observou que o voto "consagra um princípio já agasalhado na Constituição Federal [o Princípio da Fraternidade], em que os direitos e garantias expressos na Constituição não excluem outros https://www.corteidh.or.cr/ https://www.corteidh.or.cr/docs/medidas/placido_se_03_por.pdf https://www.corteidh.or.cr/docs/medidas/placido_se_03_por.pdf MENTORIA DIREITOS HUMANOS Polícia Civil MG – Todos os cargos 21 decorrentes do regime e princípios por ela adotados ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte", afirmou. Com a decisão unânime da Quinta Turma, o STJ fixou a contagem em dobro para todo o período. Segundo a defesa, o condenado poderá alcançar o tempo necessário para a progressão de regime e o livramento condicional. Essa análise caberá à justiça do Rio de Janeiro. O artigo prevê ainda a separação entre os presos condenados e não condenados, salvo em situações excepcionais e a necessidade de um tribunal especializado para processar menores, se o país permitir que sejam processados. Fiquem atentos à finalidade essencial de tais penas, que são reforma e a readaptação social dos condenados. (Sempre cobrado nas questões). Artigo 6º - Proibição da escravidão e da servidão 1. Ninguém pode ser submetido a escravidão ou a servidão, e tanto estas como o tráfico de escravos e o tráfico de mulheres são proibidos em todas as suas formas. 2. Ninguém deve ser constrangido a executar trabalho forçado ou obrigatório. Nos países em que se prescreve, para certos delitos, pena privativa da liberdade acompanhada de trabalhos forçados, esta disposição não pode ser interpretada no sentido de que proíbe o cumprimento da dita pena, imposta por juiz ou tribunal competente. O trabalho forçado não deve afetar a dignidade nem a capacidade física e intelectual do recluso. 3. Não constituem trabalhos forçados ou obrigatórios para os efeitos deste artigo: a) os trabalhos ou serviços normalmente exigidos de pessoa reclusa em cumprimento de sentença ou resolução formal expedida pela autoridade judiciária competente. Tais trabalhos ou serviços devem ser executados sob a vigilância e controle das autoridades públicas, e os indivíduos que os executarem não devem ser postos à disposição de particulares, companhias ou pessoas jurídicas de caráter privado; b) o serviço militar e, nos países onde se admite a isenção por motivos de consciência, o serviço nacional que a lei estabelecer em lugar daquele; c) o serviço imposto em casos de perigo ou calamidade que ameace a existência ou o bem-estar da comunidade; e d) o trabalho ou serviço que faça parte das obrigações cívicas normais. Entende-se que esse artigo, que veda a escravidão, a servidão, o tráfico de escravos e mulheres, vedaria também, em uma interpretação atualizada, o tráfico de pessoas, de forma geral. MENTORIA DIREITOS HUMANOS Polícia Civil MG – Todos os cargos 22 Apesar de proibir os trabalhos forçados, a Convenção Americana explicita o que não se considera trabalho forçado. Essas ressalvas devem ser memorizadas porque são muito frequentes em questões. Artigo 7º - Direito à liberdade pessoal 1. Toda pessoa tem direito à liberdade e à segurança pessoais. 2. Ninguém pode ser privado de sua liberdade física, salvo pelas causas e nas condições previamente fixadas pelas constituições políticas dos Estados Partes ou pelas leis de acordo com elas promulgadas. 3. Ninguém pode ser submetido a detenção ou encarceramento arbitrários. 4. Toda pessoa detida ou retida deve ser informada das razões da sua detenção e notificada, sem demora, da acusação ou acusações formuladas contra ela. 5. Toda pessoa detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada pela lei a exercer funções judiciais e tem direito a ser julgada dentro de um prazo razoável ou a ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo. 6. Toda pessoa privada da liberdade tem direito a recorrer a um juiz ou tribunal competente, a fim de que este decida, sem demora, sobre a legalidade de sua prisão ou detenção e ordene sua soltura se a prisão ou a detenção forem ilegais. Nos Estados Partes cujas leis preveem que toda pessoa que se vir ameaçada de ser privada de sua liberdade tem direito a recorrer a um juiz ou tribunal competente a fim de que este decida sobre a legalidade de tal ameaça, tal recurso não pode ser restringido nem abolido. O recurso pode ser interposto pela própria pessoa ou por outra pessoa. 7. Ninguém deve ser detido por dívidas. Este princípio não limita os mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar. Esse artigo é de extrema importância no nosso estudo. Resguarda a liberdade e segurança pessoais, com várias garantias a serem observadas pelos Estados- partes. Destaco, no item 5, a previsão que originou a realização das audiências de apresentação, chamadas, no Brasil, de audiências de custódia. Tais audiências passaram a acontecer em 2015, por determinação do STF, no bojo da ADPF 347, que reconheceu o Estado de Coisas Inconstitucional, quanto ao sistema penitenciário brasileiro (Informativo 798, 09/09/2015). O Estado de Coisas Inconstitucional ocorre quando verifica-se a existência de um quadro de violação generalizada e sistêmica de direitos fundamentais, causado pela inércia ou incapacidade reiterada e persistente das autoridades públicas em modificar a conjuntura, de modo que apenas transformações MENTORIA DIREITOS HUMANOS Polícia Civil MG – Todos os cargos 23 estruturais da atuação do Poder Público e a atuação de uma pluralidade de autoridades podem modificar a situação inconstitucional. As penas privativas de liberdade aplicadas em nossos presídios acabem sendo penas cruéis e desumanas. Vale ressaltar que a responsabilidade por essa situação deve ser atribuída aos três Poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário), tanto da União como dos Estados-Membros e do Distrito Federal. A ausência de medidas legislativas, administrativas e orçamentárias eficazes representa uma verdadeira "falha estrutural" que gera ofensa aos direitos dos presos, além da perpetuação e do agravamento da situação. Assim, cabe ao STF o papel de retirar os demais poderes da inércia, coordenar ações visando a resolver o problema e monitorar os resultados alcançados. Diante disso, o STF concedeu parcialmente medida cautelar, na ADPF 347, determinando que: • juízes e Tribunais de todo o país implementem, no prazo máximo de 90 dias, a audiência de custódia; • a União libere, sem qualquer tipo de limitação, o saldo acumulado do Fundo Penitenciário Nacional para utilização na finalidade para a qual foi criado, proibindo a realização de novos contingenciamentos. Na ADPF havia outros pedidos, mas estes foram indeferidos, pelo menos na análise da medida cautelar. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) regulamentou tais audiências através da Resolução n. 213/2015. Com a Lei n. 13.964/2019 (Pacote Anticrime), a audiência de custódia passou a ser expressamente prevista nos artigos 287 e 310 do Código de Processo Penal. Desde fevereiro de 2015, foram realizadas 758 mil audiênciasde custódia em todo o país, com o envolvimento de pelo menos 3 mil magistrados, contribuindo para a redução de 10% na taxa de presos provisórios no país. Com o advento da pandemia de Covid-19, o Judiciário brasileiro está se adaptando para garantir a apresentação do preso a um juiz observando de forma conjunta regras de segurança sanitária e garantia de direitos da pessoa presa, o que incluiu a aprovação de normativa para a realização do instituto por videoconferência. A Resolução do CNJ n. 357/2020 admite a realização por videoconferência das audiências de custódia, quando não for possível a realização, em 24 horas, de forma presencial. MENTORIA DIREITOS HUMANOS Polícia Civil MG – Todos os cargos 24 Com a derrubada dos vetos à Lei 13.964/2019, Pacote Anticrime, voltou a valor o parágrafo 1.º do artigo 3.º-B, do Código de Processo Penal, que veda a realização de audiência de custódia por videoconferência. Entretanto, em 28 de junho, o STF deferiu liminar para suspender a eficácia da vedação e autorizar as audiências de custódia de forma virtual, enquanto durar a pandemia de Covid-19. Existe posicionamento em sentido contrário, afirmando que a realização da audiência nesse formato iria desnaturar a principal finalidade do ato, que é o contato diretamente com a autoridade judiciária. Ademais, o Plenário Virtual do Supremo Tribunal Federal irá julgar uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI 6841) para avaliar a constitucionalidade do parágrafo 1º do artigo 3-B do CPP, que veda a promoção de audiência de custódia por videoconferência. Devemos acompanhar o julgamento. Conforme o item 7, ninguém deve ser detido por dívidas. Este princípio não limita os mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar. Notem que o Pacto de San Jose faz uma ressalva que não aparece no artigo 11 do PIDCP. Tal previsão suscitou, no ordenamento jurídico brasileiro, um grande questionamento acerca da legalidade da prisão do depositário infiel, prevista no art. 5.º, LXVII da CF/88. O depositário é aquela pessoa que recebe um bem para guardar, por contrato ou determinação judicial, e quando é chamado para devolver o bem, não o faz, sem qualquer justificativa razoável. Assim, essa pessoa se torna um depositário infiel. Essa prisão vinha acontecendo no Brasil, entretanto a sua legalidade foi questionada no STF (RE 466343/SP), já que, o Brasil ratificou a Convenção Americana, que não prevê esse tipo de prisão (só prevê a prisão do devedor de pensão alimentícia) e o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, que veda qualquer tipo de prisão por descumprimento de obrigação contratual. Como este tratado versa sobre direitos humanos, o STF entendeu que, não pode ter status de emenda, por ser anterior ao par. 3.º do art. 5.º, mas, deve ter caráter supralegal. Ou seja, estaria acima das outras leis infraconstitucionais. Dessa forma, o Pacto de San Jose da Costa Rica, apesar de não ter força para revogar o texto constitucional, invalida as leis infraconstitucionais que regulam a prisão do depositário infiel, impedindo que sejam aplicadas (eficácia paralisante). Em 2009, o STF publicou a Súmula Vinculante n. 25 que diz: "É ilícita a prisão civil do depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito". Dessa forma, apesar de prevista no texto constitucional, a prisão do depositário infiel não MENTORIA DIREITOS HUMANOS Polícia Civil MG – Todos os cargos 25 ocorre na prática. (Atenção! É ilícita, e não inconstitucional, já que, tal hipótese continua prevista no texto da CF/88). Artigo 8º - Garantias judiciais 1. Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza. 2. Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas: a) direito do acusado de ser assistido gratuitamente por tradutor ou intérprete, se não compreender ou não falar o idioma do juízo ou tribunal; b) comunicação prévia e pormenorizada ao acusado da acusação formulada; c) concessão ao acusado do tempo e dos meios adequados para a preparação de sua defesa; d) direito do acusado de defender-se pessoalmente ou de ser assistido por um defensor de sua escolha e de comunicar-se, livremente e em particular, com seu defensor; e) direito irrenunciável de ser assistido por um defensor proporcionado pelo Estado, remunerado ou não, segundo a legislação interna, se o acusado não se defender ele próprio nem nomear defensor dentro do prazo estabelecido pela lei; f) direito da defesa de inquirir as testemunhas presentes no tribunal e de obter o comparecimento, como testemunhas ou peritos, de outras pessoas que possam lançar luz sobre os fatos; g) direito de não ser obrigado a depor contra si mesma, nem a declarar-se culpada; e h) direito de recorrer da sentença a juiz ou tribunal superior. 3. A confissão do acusado só é válida se feita sem coação de nenhuma natureza. 4. O acusado absolvido por sentença transitada em julgado não poderá ser submetido a novo processo pelos mesmos fatos. 5. O processo penal deve ser público, salvo no que for necessário para preservar os interesses da justiça. O item 1 assegura os princípios de acesso à justiça e juiz natural. O segundo item traz o princípio de presunção de inocência. Percebam que o texto fala em comprovação legal da culpa e não em trânsito em julgado da decisão, como está previsto na CF/88. As alíneas asseguram o direito ao contraditório e à ampla defesa. Notem que, na alínea e, o Pacto assegura o direito a um defensor, independente da situação econômica da pessoa. MENTORIA DIREITOS HUMANOS Polícia Civil MG – Todos os cargos 26 Na alínea g, destaca-se o direito à não-autoincriminação, vez que, tal direito não está expresso na CF/88. Encontra-se implícito no nosso direito fundamental de permanecer calado. O direito ao duplo grau de jurisdição está assegurado na alínea h. Vale ressaltar que o STF não o reconhece como um direito fundamental, e sim como uma garantia que será assegurada sempre que possível (não existirá nos casos de competência originária do STF, por exemplo). O respeito à coisa julgada é previsto no item 4, consistindo em uma novidade, em matéria penal, nos textos internacionais. É a regra do ne bis in idem. Também essa garantia não se encontra expressamente prevista no nosso texto constitucional. Por fim, o item 5 assegura a publicidade do processo, com algumas ressalvas, como ocorre no nosso texto constitucional. ATENÇÃO! A motivação das decisões judiciais não consta nesse artigo como garantia judicial! Isso já foi cobrado em prova. Artigo 9º - Princípio da legalidade e da retroatividade Ninguém pode ser condenado por ações ou omissões que, no momento em que forem cometidas, não sejam delituosas, de acordo com o direito aplicável. Tampouco se pode impor pena mais grave que a aplicávelno momento da perpetração do delito. Se depois da perpetração do delito a lei dispuser a imposição de pena mais leve, o delinquente será por isso beneficiado. O artigo consagra os princípios da anterioridade penal e da irretroatividade da lei penal mais gravosa, com a obrigatoriedade de aplicação da lei mais benéfica. Artigo 10º - Direito a indenização Toda pessoa tem direito de ser indenizada conforme a lei, no caso de haver sido condenada em sentença passada em julgado, por erro judiciário. Essa garantia também está prevista na CRFB/88. Artigo 11º - Proteção da honra e da dignidade 1. Toda pessoa tem direito ao respeito de sua honra e ao reconhecimento de sua dignidade. 2. Ninguém pode ser objeto de ingerências arbitrárias ou abusivas em sua vida privada, na de sua família, em seu domicílio ou em sua correspondência, nem de ofensas ilegais à sua honra ou reputação. 3. Toda pessoa tem direito à proteção da lei contra tais ingerências ou tais ofensas. MENTORIA DIREITOS HUMANOS Polícia Civil MG – Todos os cargos 27 Temos aqui a proteção à privacidade, explicitando sua ligação com a própria ideia de dignidade humana. A proteção abrange a família, o domicílio, a correspondência, a honra e reputação. Como ocorre no nosso ordenamento, a proteção não é absoluta, mas as ingerências não podem ser arbitrárias ou abusivas. Artigo 12º - Liberdade de consciência e de religião 1. Toda pessoa tem direito à liberdade de consciência e de religião. Esse direito implica a liberdade de conservar sua religião ou suas crenças, ou de mudar de religião ou de crença, bem como a liberdade de professar e divulgar sua religião ou suas crenças, individual ou coletivamente, tanto em público como em privado. 2. Ninguém pode ser objeto de medidas restritivas que possam limitar sua liberdade de conservar sua religião ou suas crenças, ou de mudar de religião ou de crenças. 3. A liberdade de manifestar a própria religião e as próprias crenças está sujeita unicamente às limitações prescritas pela lei e que sejam necessárias para proteger a segurança, a ordem, a saúde ou a moral públicas ou os direitos ou liberdades das demais pessoas. 4. Os pais, e quando for o caso os tutores, têm direito a que seus filhos ou pupilos recebam a educação religiosa e moral que esteja acorde com suas próprias convicções. Para o exercício da liberdade de crença, fazem-se necessárias a garantia da isonomia e a laicidade de Estado. Um Estado democrático deve resguardar sua neutralidade religiosa. Estados totalitários, que adotam religião oficial, acabam por interferir de forma indevida na vida privada. Artigo 13º - Liberdade de pensamento e de expressão 1. Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento e de expressão. Esse direito compreende a liberdade de buscar, receber e difundir informações e ideias de toda natureza, sem consideração de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro processo de sua escolha. 2. O exercício do direito previsto no inciso precedente não pode estar sujeito a censura prévia, mas a responsabilidades ulteriores, que devem ser expressamente fixadas pela lei e ser necessárias para assegurar: a) o respeito aos direitos ou à reputação das demais pessoas; ou b) a proteção da segurança nacional, da ordem pública, ou da saúde ou da moral públicas. 3. Não se pode restringir o direito de expressão por vias ou meios indiretos, tais como o abuso de controles oficiais ou particulares de papel de imprensa, de frequências radioelétricas ou de equipamentos e aparelhos usados na difusão de informação, nem por quaisquer outros meios destinados a obstar a comunicação e a circulação de ideias e opiniões. 4. A lei pode submeter os espetáculos públicos a censura prévia, com o objetivo exclusivo de regular o acesso a eles, para proteção moral da infância e da adolescência, sem prejuízo do disposto no inciso 2. MENTORIA DIREITOS HUMANOS Polícia Civil MG – Todos os cargos 28 5. A lei deve proibir toda a propaganda a favor da guerra, bem como toda apologia ao ódio nacional, racial ou religioso que constitua incitação à discriminação, à hostilidade, ao crime ou à violência. (Não tem correspondência na CRFB/88) A liberdade de expressão é assegurada nesse artigo com algumas restrições indiretas, previstas nos parágrafos 3.º e 4.º do artigo 13. Na visão de Fábio Konder Comparato, são restrições à liberdade de atividade empresarial em matéria de imprensa, rádio e TV, e não à liberdade pessoal. A Relatoria para Liberdade de Expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos já concluiu que as leis nacionais que estabelecem crimes de desacato são contrárias ao artigo 13 do Pacto de San Jose. Desta forma, ninguém poderia ser condenado criminalmente e ter a sua liberdade pessoal restringida por uma norma de direito interno que colidisse com a Convenção Americana. Conforme a Comissão: “Os funcionários públicos estão sujeitos a um maior controle por parte da sociedade. As leis que punem a manifestação ofensiva dirigida a funcionários públicos, geralmente conhecidas como “leis de desacato”, atentam contra a liberdade de expressão e o direito à informação.” No entanto, apesar de uma decisão isolada da Quinta Turma, em 2016, o STJ, em 2017 (3ª Seção. HC 379.269/MS, Rel. para acórdão Min. Antônio Saldanha Palheiro, julgado em 24/05/2017) , e o STF, em 2018 (Informativo 894), entenderam que o desacato continua sendo crime e que sua tipificação (art. 333 do Código Penal) não viola a liberdade de expressão. (Percebam que a orientação dos nossos tribunais superiores contraria a orientação da Comissão Interamericana. Não é possível dizer que contrarie entendimento da Corte Interamericana. Ainda não temos nada expresso nesse sentido). Artigo 14º - Direito de retificação ou resposta 1. Toda pessoa atingida por informações inexatas ou ofensivas emitidas em seu prejuízo por meios de difusão legalmente regulamentados e que se dirijam ao público em geral tem direito a fazer, pelo mesmo órgão de difusão, sua retificação ou resposta, nas condições que estabeleça a lei. 2. Em nenhum caso a retificação ou a resposta eximirão das outras responsabilidades legais em que se houver incorrido. 3. Para a efetiva proteção da honra e da reputação, toda publicação ou empresa jornalística, cinematográfica, de rádio ou televisão, deve ter uma pessoa responsável que não seja protegida por imunidades nem goze de foro especial. Temos aqui a afirmação do direito de retificação ou resposta, perante informações inexatas ou ofensivas, emitidas pelos órgãos de comunicação de MENTORIA DIREITOS HUMANOS Polícia Civil MG – Todos os cargos 29 massa. A legitimação para exercer o direito, na visão de Comparato, deveria ser atribuída também aos órgãos públicos e às organizações não-governamentais. Artigo 15º - Direito de reunião É reconhecido o direito de reunião pacífica e sem armas. O exercício de tal direito só pode estar sujeito às restrições previstas pela lei e que sejam necessárias, em uma sociedade democrática, no interesse da segurança nacional, da segurança ou da ordem públicas, ou para proteger a saúde ou a moral públicas ou os direitos e liberdades das demais pessoas. Artigo 16º - Liberdade de associação 1. Todas as pessoas têm o direito
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