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Universidade de Brasília (UnB) Departamento de Línguas Estrangeiras e Tradução (LET) Letras-Tradução Inglês Paloma Galdino Heuser Tradução de quadrinhos: uma tradução comentada de Two Years of Underpants and Overbites Brasília 2021 Paloma Galdino Heuser Tradução de quadrinhos: uma tradução comentada de Two Years of Underpants and Overbites Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Departamento de Línguas Estrangeiras e Tradução da Universidade de Brasília como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Letras–Tradução Inglês. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Alice Ferreira Brasília 2021 Paloma Galdino Heuser Tradução de quadrinhos: Uma tradução comentada de Two Years of Underpants and Overbites Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Departamento de Línguas Estrangeiras e Tradução da Universidade de Brasília como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Letras–Tradução Inglês. Data de aprovação: _____/_____/_____ ___________________________________________________________________________ Alice Maria de Araújo Ferreira — Orientadora Doutora em Linguística Prof.ª do Departamento de Línguas Estrangeiras e Tradução (LET/UnB) ___________________________________________________________________________ Alessandra Ramos de Oliveira Harden — Avaliador 1 Doutora em Estudos Hispânicos e Lusófonos Prof.ª do Departamento de Línguas Estrangeiras e Tradução (LET/UnB) ___________________________________________________________________________ Hislla Suellen Moreira Ramalho — Avaliador 2 Mestra em Estudos de Tradução Prof.ª de inglês no Centro Interescolar de Línguas (CIL/SEEDF) AGRADECIMENTOS A todos os professores que, em 25 anos de caminhada estudantil, contribuíram para meu desenvolvimento como estudante e como cidadã consciente. Agradeço, em especial, à minha orientadora Alice Maria Ferreira, por fazer com que eu me sentisse capaz de concluir este projeto diante de todas as adversidades da vida cotidiana. À Jackie E. Davis, de Rochester – NY, que é a quadrinhista e a autora da obra Underpants and Overbites. Sou grata a ela não só pela gentileza de me ceder o material e de me permitir traduzir sua obra ainda inédita no Brasil, mas por toda a simpatia, boa vontade e confiança em minha honestidade e seriedade. Aos meus amigos da Universidade de Brasília que sempre me ajudaram quando eu me encontrava em apuros, em especial o Matheus Monteiro. À minha família que desde o princípio me mostrou a importância de estudar e me desenvolver intelectualmente. Ao meu pai Mauro Heuser por ser um eterno estudioso e alimentar esta característica em mim, investindo nos melhores colégios e fontes de cultura. À minha mãe Edilene Amaro, por me motivar todas as vezes que me senti cansada e com vontade de desistir. Agradeço especialmente ao meu irmão Andrey, por ter sido a primeira pessoa a investir na minha educação e por se orgulhar tanto da minha dedicação aos estudos. RESUMO O presente trabalho busca contribuir para os Estudos da Tradução, em particular com as pesquisas sobre tradução de quadrinho, a partir das questões levantadas pela tradução de Two Years of Underpants and Overbites, da quadrinhista estadunidense Jackie E. Davis. A obra reúne quadrinhos de dois anos de produção do webcomic Underpants and Overbites, publicado semanalmente pela autora nas redes sociais Facebook e Instagram, nos anos de 2017 e 2018. Pela primeira vez em língua portuguesa pela tradução extraoficial de Paloma Heuser (2021), a obra tem cerca de 138.000 leitores on-line em inglês. Como referencial teórico, as obras Comics in Translation (2008), de Federico Zanettin, e A leitura dos quadrinhos (2009), de Paulo Ramos, foram utilizadas para discutir a oralidade e o humor nas HQs. Para se pensar o processo tradutório, a obra Procedimentos técnicos de tradução: uma nova proposta (2004), de Heloísa Gonçalves Barbosa, foi utilizada. Palavras-chave: Quadrinhos. Estudos da Tradução. Tradução comentada. Two Years of Underpants and Overbites. ABSTRACT The present work seeks to contribute to Translation Studies, in particular to the research on comic book translation, based on the issues raised from the translation of Two Years of Underpants and Overbites, by the American comic artist Jackie E. Davis. The work brings together comics from two years of production by the webcomic Underpants and Overbites, published weekly by the author on the social networks Facebook and Instagram, in 2017 and 2018. For the first time in Portuguese by the unofficial translation by Paloma Heuser (2021), the work has about 138,000 readers online in English. As theoretical reference the works Comics in Translation (2008), by Federico Zanettin, and A leitura dos quadrinhos (2009), by Paulo Ramos, were used to discuss orality and humor in the comics. In order to think about the translation process, the work Procedimentos técnicos de tradução: uma nova proposta (2004), by Heloísa Gonçalves Barbosa, was used. Keywords: Comics. Translation Studies. Annotated translation. Two Years of Underpants and Overbites. LISTA DE FIGURAS FIGURA 1 – Balões ............................................................................................................. 11 FIGURA 2 – Requadro ......................................................................................................... 12 FIGURA 3 – Calha .............................................................................................................. 12 FIGURA 4 – Recordatório .................................................................................................... 12 FIGURA 5 – Onomatopeias .................................................................................................. 13 FIGURA 6 – Desenho .......................................................................................................... 13 FIGURA 7 – Narrativa visual ................................................................................................ 14 FIGURA 8 – Sprite Comic Kombat Pavilion................................................................................ 15 FIGURA 9 – Pixel Art do Game Dev Studio................................................................................ 15 FIGURA 10 – Webcomic de colagem, The New York Times ......................................................... 16 FIGURA 11 – Webcomic Sarah’s Scribbles ................................................................................ 16 FIGURA 12 – Juliana Lossio Art ............................................................................................... 17 FIGURA 13 – The Lump ......................................................................................................... 18 FIGURA 14 – Capa do livro..................................................................................................... 18 FIGURA 15 – Persépolis......................................................................................................... 21 FIGURA 16 – Jackie Evangelisti Davis ....................................................................................... 21 FIGURA 17 – Título em inglês ................................................................................................. 25 FIGURA 18 – Título: tradução 1 ..............................................................................................25 FIGURA 19 – Snoopy............................................................................................................. 26 FIGURA 20 – O menino maluquinho........................................................................................ 26 FIGURA 21 – Garfield ............................................................................................................ 26 FIGURA 22 – Mafalda ........................................................................................................... 26 FIGURA 23 – Calvin e Haroldo ................................................................................................ 27 FIGURA 24 – Título: tradução 2 .............................................................................................. 28 FIGURA 25 – Título: tradução 3 .............................................................................................. 28 FIGURA 26 – Sweet nothings ................................................................................................. 29 FIGURA 27 – Tradução de Sweet nothings............................................................................... 30 FIGURA 28 – Ortografia estilizada em inglês............................................................................. 31 FIGURA 29 – Ortografia estilizada na tradução ......................................................................... 31 FIGURA 30 – EN: Jackie protege intimidade ............................................................................. 32 FIGURA 31 – PT: Jackie protege intimidade .............................................................................. 32 FIGURA 32 – Super e soup ..................................................................................................... 33 FIGURA 33 – Tradução de super e soup ................................................................................... 33 FIGURA 34 – kite nice e in-tree-gue ........................................................................................ 34 FIGURA 35 – Tradução: kite nice e in-tree-gue.......................................................................... 34 FIGURA 36 – A-door e meat................................................................................................... 35 FIGURA 37 – Tradução: a-door e meat .................................................................................... 35 FIGURA 38 – Trocadilho: breast.............................................................................................. 36 FIGURA 39 – Tradução de breast ............................................................................................ 36 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO........................................................................................................... 9 2 O MERCADO DE QUADRINHOS NO BRASIL ......................................................... 10 2.1 Elementos básicos de uma HQ ...................................................................................... 11 2.2 Redes sociais e a difusão dos webcomics ........................................................................ 14 3 PROJETO DE ESCRITURA ..................................................................................... 18 3.1 A obra ....................................................................................................................... 18 3.1.1 Diário e quadrinhos autobiográficos ............................................................................... 19 3.2 A autora .................................................................................................................... 21 4 PROJETO DE TRADUÇÃO ...................................................................................... 23 4.1 A tradução do título do quadrinho.................................................................................. 24 4.2 Trocadilhos ................................................................................................................ 28 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 37 REFERÊNCIAS........................................................................................................ 38 ANEXOS..................................................................................................................... 40 APÊNDICES ................................................................................................................ 45 APÊNDICE A — ENTREVISTA EM INGLÊS COM JACKIE DAVIS .............................. 46 APÊNDICE B — ENTREVISTA TRADUZIDA COM JACKIE DAVIS ............................ 51 APÊNDICE C — HQs TRADUZIDAS .......................................................................... 56 9 1 INTRODUÇÃO Com um grande número de leitores das mais diversas faixas etárias e com temáticas que vão de críticas políticas à super-heróis, o mercado de quadrinhos desenvolveu-se ao longo do tempo e hoje tem aficionados pelo mundo inteiro, leitores e colecionadores que frequentam livrarias e eventos geek em busca de seus quadrinhos favoritos. No Brasil, os quadrinhos da Turma da Mônica, de Maurício de Souza, tiveram tanta repercussão que as obras foram traduzidas para o idioma de vários países, incluindo o Japão, que é um grande produtor de mangás. Para este trabalho foi selecionada a obra Two Years of Underpants and Overbites, livro que reúne tirinhas de humor de dois anos de trabalho, da quadrinhista nova-iorquina Jackie E. Davis. O livro apresenta-se como uma espécie de diário em quadrinhos e, portanto, pode ser classificado como uma HQ autobiográfica. Durante a pesquisa, a própria autora teve a generosidade de fornecer material de pesquisa ao aceitar ser entrevistada pela internet. Do ponto de vista do tradutor, a tradução de quadrinhos é um desafio e tanto, pois os quadrinhos têm características muito particulares. Durante o processo, o tradutor depara-se com diversos questionamentos, por exemplo, como conservar o humor na passagem de uma língua para outra sem perdas. Essa questão específica será abordada no capítulo sobre paronomásias. A primeira problemática que se apresentou diz respeito ao próprio gênero quadrinhos e os elementos que os compõem. Para refletir sobre essas questões, lançou-se mão das obras A Leitura dos Quadrinhos (2009), de Paulo Ramos; Comics in Translation (2008), de Federico Zanettin; e Procedimentos Técnicos de Tradução: Uma Nova Proposta (2004), de Heloísa Gonçalves Barbosa. Este trabalho estrutura-se em cinco capítulos divididos por subtemas. No primeiro capítulo, apresenta-se uma rápida discussão acerca do mercado de quadrinhos no Brasil, visto que a relação dos quadrinhos com os jornais e/ou revistas não é recente. No segundo, “Projeto de Escritura”, introduz-se a obra e a autora. Além disso, uma entrevista com a quadrinhista é disponibilizada a fim de enriquecer este trabalho. No terceiro, chamado de “Projeto de Tradução”, elege-se a questão do humor como o ponto central do projeto critico-criativo da autora. Para tal discussão, propõe-se uma reflexão à respeito do título da obra e dos trocadilhos. Como resultado da experiência de tradução das tirinhas para o português brasileiro, formulou- se algumas considerações sobre o processo tradutório e a proposta de tradução. 10 2 O MERCADO DE QUADRINHOS NO BRASIL Os quadrinhos surgiram na passagem do final do século XIX para o início do século XX nos Estados Unidos, com tirinhas que apareciam nos jornais. No Brasil, Angelo Agostini foi o pioneiro desse gênero com As aventuras de Nhô Quim, mas só a partir dos anos 1960 esse gênero “explodiu” no país, em razão do aparecimento de quadrinhistas como Ziraldo e Maurício de Souza. No final do século XX, a Editora Abril tornou acessívela leitura de quadrinhos internacionais de Walt Disney, Marvel e DC Comics. No capítulo “Os gêneros das histórias em quadrinhos”, Paulo Ramos (2009, p. 15) discorre sobre a dificuldade de definir os gêneros ligados às histórias em quadrinhos, dificuldade que se reflete na confusão terminológica (tira, tira cômica, tira jornalística etc.). Ramos utiliza como exemplo o ocorrido numa prova de vestibular da PUC-SP em 2006, na qual a mesma avaliação chama histórias em quadrinhos parecidas por denominações diferentes em duas questões distintas: charge ou tira em quadrinhos. Do ponto de vista do autor, isso é consequência de um desconhecimento das características das histórias em quadrinhos e de seus diversos gêneros. Ele afirma que: Do ponto de vista do leitor, essa pluralidade de rótulos pode até atrapalhar a leitura. Charge e tira cômica, por exemplo, são textos unidos pelo humor, mas diferentes no tocante às características de produção. Para ficar em apenas uma distinção: a charge aborda temas de noticiário e trabalho em geral com figuras reais representadas de forma caricata, como os políticos; a tira mostra personagens fictícios, em situações igualmente fictícias (RAMOS, 2009, p. 16, grifos do autor). O gênero quadrinhos pertencer ou não à literatura na condição de subgênero? O professor Paulo Ramos não considera os quadrinhos como literatura. Para o autor, os quadrinhos têm linguagem autônoma e chamá-los de literatura seria uma forma de procurar rótulos social ou academicamente aceitáveis: “Quadrinhos são quadrinhos. E como tais, gozam de uma linguagem autônoma, que usa mecanismos próprios para representar os elementos narrativos. Há muitos pontos comuns com a literatura, evidentemente. Assim como há também com o cinema, o teatro e tantas outras linguagens” (RAMOS, 2009, p. 17). Ramos utiliza como exemplo de comparação a literatura infantil, na qual há imagens para ilustrar trechos da história. Para o autor, a diferença está na expectativa do leitor. Diferentemente das imagens da literatura infantil, os desenhos dos quadrinhos têm uma intenção, não apenas o objetivo de expressar um trecho da história em imagens. Ramos (2009, p. 20) conclui que quadrinhos e literatura são linguagens distintas, cada qual abriga uma variedade de gêneros diferentes. Dessa forma, os quadrinhos não são um subgênero da literatura, mas sim um hipergênero que se divide em 11 diferentes tipos de gêneros, cada um com suas particularidades (tiras cômicas, cartuns, charges, tiras seriadas, entre vários outros modos de produção de quadrinhos com as mais variadas temáticas). Para o autor, a diferença está na expectativa do leitor. Diferentemente das imagens da literatura infantil, os desenhos dos quadrinhos têm uma intenção, não apenas o objetivo de expressar um trecho da história em imagens. Ramos (2009, p. 20) conclui que quadrinhos e literatura são linguagens distintas, cada qual abriga uma variedade de gêneros diferentes. Dessa forma, os quadrinhos não são um subgênero da literatura, mas sim um hipergênero que se divide em diferentes tipos de gêneros, cada um com suas particularidades (tiras cômicas, cartuns, charges, tiras seriadas, entre vários outros modos de produção de quadrinhos com as mais variadas temáticas). 2.1 Elementos básicos de uma HQ As histórias em quadrinhos (HQs) são narrativas contadas em sequências de textos verbais e não verbais, dispostos na direção horizontal ou vertical. A HQ contém enredo, desfecho e personagens que dialogam ou não, além de elementos gráficos característicos. Esses elementos são (TAYRA, 2012): balões, requadro, calha, recordatório, onomatopeia, desenho/imagem e narrativa visual. Os balões são utilizados para expressar a fala ou pensamento dos personagens e mensagens na história (TAYRA, 2012). O formato do balão muda de acordo com sua função. Balões com linhas curvas, por exemplo, expressam pensamentos ou sonhos, enquanto balões com bordas pontiagudas expressam gritos. FIGURA 1 – Balões Fonte: TAYRA, 2012 O requadro é o elemento que inspirou o nome histórias em quadrinhos. Consiste em conjuntos de linhas que separam uma cena da outra (TAYRA, 2012). Podem assumir diversos 12 formatos de acordo com o objetivo visual do quadrinhista, mas os mais comuns são quadrangulares e retangulares. FIGURA 2 – Requadro Fonte: TAYRA, 2012 A calha é o espaço entre um requadro e outro, sua largura pode ser utilizada como recurso para delimitar o tempo de forma mais visual. Quanto maior sua largura maior o tempo quanto menor mais rápida a passagem de tempo de uma cena para outra (TAYRA, 2012). FIGURA 3 – Calha Fonte: TAYRA, 2012 O recordatório é um painel utilizado pelo quadrinhista como um recurso para expressar algo do ponto de vista do narrador ou algo que não está visível no quadrinho (TAYRA, 2012). Geralmente, tem traços em tons mais acentuados. FIGURA 4 – Recordatório Fonte: TAYRA, 2012 A onomatopeia é a representação de diversos tipos de barulhos emitidos pelos personagens, objetos e outros elementos da cena (TAYRA, 2012). É desenhada bem próxima 13 ao emissor do som e escrita com letras estilizadas. Alguns exemplos de onomatopeias comuns são (RIGONATTO, 2021): sniff-sniff (choro); atchim (espirro); tic-tac (relógio); toc-toc (batida na porta); nhac (mordida); urgh (nojo); au-au (cachorro latindo); miau (gato); Zzzz (dormindo), entre outros. FIGURA 5 – Onomatopeias Fonte: Elo71 O desenho é um elemento primordial do quadrinho. Não segue nenhum padrão estético como regra e a qualidade do traço é menos relevante do que o roteiro (TAYRA, 2012). FIGURA 6 – Desenho Fonte: Pinterest2 A narrativa visual está relacionada as regras ou padrões a serem seguidos na construção de uma HQ. Um exemplo disso é o sentido de leitura tanto do texto quanto das imagens: no 1 Disponível em: https://bit.ly/3ws5RmB. Acesso em: 7 nov. 2021. 2 Disponível em: https://bit.ly/3EUPVwf. Acesso em: 7 nov. 2021. https://bit.ly/3ws5RmB https://bit.ly/3EUPVwf 14 Ocidente, os quadrinhos são lidos da esquerda para a direita, de cima para baixo; no Oriente, por sua vez, são lidos da direita para esquerda, que é o caso dos mangás, de cima para baixo. FIGURA 7 – Narrativa visual Fonte: TAYRA, 2012 2.2 Redes sociais e a difusão dos webcomics Depois de entender a estrutura básica de um quadrinho, pode-se voltar à discussão do mercado de quadrinhos no Brasil e do amadurecimento dele com a difusão dos quadrinhos digitais ou webcomics. A tecnologia tem ajudado muito no trabalho de tradução e divulgação de quadrinhos. Entretanto, com a “explosão” dos webcomics, as editoras estão buscando maneiras de cortar custos, o que está afetando os tradutores de HQs. Jotapê Martins, um dos tradutores de quadrinhos mais conhecidos do Brasil, reconhece os benefícios trazidos pela tecnologia, mas explica que o mercado não funciona mais da mesma maneira e que quando começou nesse ramo, em 1979, o retorno financeiro era muito maior para os tradutores: Eu paguei toda a minha faculdade traduzindo gibis”, afirma Martins na matéria de Alexandre de Paula, “hoje não se paga nem o aluguel de uma quitinete”. Martins explica que a tarefa de traduzir HQs está além da passagem de um texto de uma língua para outra. O desenho, o formato e até as cores influenciam no processo tradutório. Ele emenda: “A adaptação de quadrinhos não se limita apenas ao texto, traz para um formato novo. Às vezes, até recolorindo. Em quadrinhos, é preciso pensar tradução como algo maior do que só o texto (PAULA, 2016). Os webcomics são histórias em quadrinhos publicadas na internet, em páginas especializadas, aplicativos de celular e redes sociais. A mesma estrutura que seria criada para uma revista ou jornal é digitalizada e publicada em um site, geralmente do quadrinhista.Segundo Vitor (2017), há indícios de que as primeiras webcomics foram publicadas entre os anos de 1985 e 2000. A maior parte delas é criada em língua inglesa e divide-se em quatro principais estilos gráficos: 15 1 – Sprite Comic: são webcomics em que o quadrinhista retira personagens de jogos virtuais e insere nos quadrinhos para criar histórias. Um exemplo de Sprite Comic é esta tirinha intitulada “The Kombat Pavilion”, do site tabmok99.mortalkombatonline.com, que utiliza personagens do jogo “Mortal Kombat”. FIGURA 8 – Sprite Comic Kombat Pavilion Fonte: The Kombat Pavillion3 2 – Pixel Art: Webcomics em que o próprio quadrinhista cria os personagens com pixels, como no quadrinho abaixo, criado pelo Game Dev Studio. FIGURA 9 – Pixel Art do Game Dev Studio Fonte: YouTube4 3 – Fotografia ou Colagem: o artista utiliza fotos de si mesmo, de bonecos ou outras coisas e cola nos quadrinhos para fazer a história. Um exemplo de webcomic de colagem é este do site do jornal The New York Times. 3 Disponível em: https://bit.ly/3mbpJpl. Acesso em: 29 set. 2021. 4 Disponível em: https://bit.ly/3zO6Uxi. Acesso em: 29 set. 2021. https://bit.ly/3mbpJpl https://bit.ly/3zO6Uxi 16 FIGURA 10 – Webcomic de colagem, The New York Times Fonte: J.D. Biersdorfer5 4 – Desenho Digital ou Tradicional: são quadrinhos criados com desenhos feitos de maneira tradicional (como grafite, pintura ou aquarela) ou de maneira mais moderna (com programas de computador). Um exemplo desse tipo de webcomic são os quadrinhos da cartunista e ilustradora estadunidense Sarah Andersen, Sarah’s Scribbles, muito populares no Brasil por meio das redes sociais. FIGURA 11 – Webcomic Sarah’s Scribbles Fonte: El País6 5 BIERSDORFER, J.D. Create Your Own Digital Comics Whether You Can Draw or Not. The New York Times, 2020. Disponível em: https://nyti.ms/39Mxz33. Acesso em: 29 set. 2021. 6 SUCASAS, Ángel Luis. Sarah Andersen: “São os próprios millennials que dão voz a extremistas de direita”. El País, 2017. Disponível em: https://bit.ly/2XUUp5L. Acesso em:29 set. 2021 https://bit.ly/2XUUp5L 17 Nas redes sociais, é possível encontrar uma infinidade de quadrinhos com os mais variados temas: autobiográficos, críticas sociais, LGBTQIA+, entre outros. Os quadrinhos da ilustradora brasileira Juliana Lossio, por exemplo, são quadrinhos autobiográficos, inspirados nas experiências traumáticas da infância da ilustradora, que combatem a pedofilia. FIGURA 12 – Juliana Lossio Art Fonte: Juliana Losso Art7 7 Disponível em: https://bit.ly/3mbrt1R. Acesso em: 29 set. 2021. https://bit.ly/3mbrt1R 18 3 PROJETO DE ESCRITURA Como metodologia, este trabalho utilizou, além da leitura da obra Two Years of Underpants and Overbites, um conjunto de textos para que houvesse uma familiarização com o tema e para que houvesse uma maior compreensão do perfil dos personagens e do humor da quadrinhista. Fez-se uma pesquisa dividida em três etapas: (1) pesquisa sobre quadrinhos; (2) pesquisa acerca da obra; e (3) pesquisa a respeito da autora. Por fim, fez-se uma entrevista com a autora (ver Apêndices para ler a íntegra da entrevista em inglês ou traduzida). O processo de tradução só foi iniciado depois das etapas de pesquisa e resultou em uma tradução “definitiva”. 3.1 A obra Jackie E. Davis sempre teve o desejo de escrever um livro em quadrinhos, mas acreditava que, em razão do momento em que se encontrava na época, ainda não era capaz de desenvolver um projeto de tanta complexidade como um gibi. Sendo assim, decidiu fazer tirinhas e publicá-las na internet cada vez mais e com frequência. Foi com a criação da personagem The Lump (O Caroço), que posteriormente surgiu a ideia do webcomic Underpants and Overbites, que tinha como personagem principal nada mais nada menos que a personagem The Lump, um avatar dentuço e rechonchudo da própria autora Jack E. Davis. FIGURA 13 – The Lump Fonte: Twitter 8 FIGURA 14 – Capa do livro Fonte: site da livraria Quimby’s9 O webcomic Underpants and Overbites contém experiências pessoais, expressões da visão de mundo da autora, reflexões e questionamentos baseados na trajetória dela como 8 Disponível em: https://twitter.com/underpantsand. Acesso em: 25 abr. 2021. 9 Disponível em: https://www.quimbys.com/store/8986. Acesso em: 25 abr. 2021. https://twitter.com/underpantsand https://www.quimbys.com/store/8986 19 quadrinhista. Reunindo cerca de mais de 150.000 seguidores no Instagram, segundo dados da própria rede social em 2021, Underpants and Overbites tem leitores de diversos lugares do mundo. Com muito humor e sensibilidade, o quadrinho desperta a empatia do público, que constantemente se identifica com a temática das tirinhas e faz comentários na página em que eles são publicados. O Instagram é uma rede social de compartilhamento de fotos e vídeos, lançada em outubro de 2010, e reúne usuários ao redor do mundo, que utilizam a rede social como hobby ou como vitrine para expor algum tipo de trabalho. A página de Jackie E. Davis, que leva o nome de sua obra Undepants and Overbites, é onde a autora publica suas tirinhas, anúncios de workshops ministrados pela mesma, e fotos intimistas do seu cotidiano. As HQs de Underpants and Overbites são feitas a partir de um extenso processo de criação que começa com planejamento; esboço e ilustração manual com pintura em aquarela; e contorno em caneta. Com a reunião das tirinhas publicadas em dois anos de produção, Jackie E. Davis deu origem ao livro Two ears of Underpants and Overbites, uma espécie de diário em quadrinhos com temáticas que vão desde momentos da infância e adolescência da quadrinhista e suas experiências na área de ilustração até sua vida cotidiana com o marido Pat, que aparece no livro como personagem também. Para uma melhor compreensão da estrutura da obra Two years of Underpants and Overbites, faz-se necessário definir o que é um diário e o que são quadrinhos autobiográficos. 3.1.1 Diário e quadrinhos autobiográficos Diário é um gênero textual de caráter pessoal e com escrita informal em primeira pessoa. Um diário pode conter desenhos, reflexões, anotações de lembranças ou quaisquer informações que seu dono deseje registrar (SIGNIFICADOS, 2021). Um diário só pode ser lido por quem o escreve ou por quem recebeu a autorização do proprietário desse material para lê-lo. Às vezes, os escritores criam diários fictícios escritos do ponto de vista de um personagem e os publicam como livro. Em outros casos, o escritor cria um blog, uma espécie de diário na internet, no qual compartilha conteúdos com o público. A estrutura mais comum de um diário consiste em: local e data de onde o autor escreve ou de quando determinada situação aconteceu; vocativo (“querido diário”; “meu amigo diário” etc.); desenvolvimento (a própria narração do acontecimento por parte do autor); e, algumas vezes, a assinatura do autor (SIGNIFICADOS, 2021). 20 A autobiografia é um gênero literário no qual o escritor narra sua própria vida ou acontecimentos específicos dela. Pode ser escrita como diário, em forma de músicas, poemas e até desenhos. No caso dos quadrinhos autobiográficos, o quadrinhista cria o cenário de suas lembranças através das imagens e reproduz diálogos verdadeiros ou hipotéticos. Em seu artigo “Discurso Autobiográfico, um elemento das histórias em quadrinhos”, Costa (2014, p. 77-78) discorre sobre o surgimento dos quadrinhos autobiográficos no capítulo “O surgimento de um novo formato: Partindo da ideia de um quadrinho mais autoral e livre de qualquer restrição editorial, as comix obtiveram grandes conquistas para o meio como: maior liberdade artística, (o quadrinhista passa a trabalhar sozinho ou em colaborações espontâneas), rompimentocom a serialização periódica das HQs (venda quinzenal ou mensal), passando-se a valorizar a história fechada e completa. Com o declínio das comix na década de 1980, o quadrinho alternativo passa a ocupar esse espaço. Esse formato surge com uma ênfase de uma proposta artística mais forte e marcada por um interesse de se fazer HQs de temas mais sérios e cravar de vez o marco na autonomia do artista. [...] A consequência dos quadrinhos alternativos foi o surgimento da novela gráfica, uma vez que o termo ‘alternativo’ não mais se justificava. O novo formato atendeu aos principais anseios das gerações anteriores, a liberdade artística e principalmente a elevação do status das HQs. [...] A autobiografia foi inicialmente usada na obra Binky Brown meets the Holy Virgin Mary (1972), de Justin Green. Seu uso foi uma grande influência para a produção de Will Eisner e de outros quadrinistas. Apresentando-se como “artéria principal da novela gráfica atual” (García, 2012: 216), a autobiografia, chamada por Santiago García como o ‘antigênero’, é o recurso usado pelos quadrinhos para a produção de uma narrativa mais pessoal e íntima. A novela gráfica apropria -se da escrita de si para uma produção mais madura, uma fuga de um meio de entretenimento de apelo meramente visual e focado na ação. No entanto, a autobiografia quando usada na linguagem dos quadrinhos, apresenta algumas particularidades em relação a suas versões em prosa e poética. A obra Two Years of Underpants and Overbites se difere de outras obras na área de quadrinhos porque, além de ser um trabalho criado por uma mulher em um mercado dominado, em sua maioria, por homens, apresenta um humor introspectivo e reflexivo contagiante, que foge das temáticas habituais de quadrinhos conhecidos mundialmente (super-heróis, animais e crianças). Durante a leitura, é possível enxergar a obra como um diário desenhado, podendo, portanto, ser classificado como quadrinho autobiográfico. Um exemplo de quadrinho autobiográfico é a obra Persépolis de Marjane Satrapi, que aborda, de forma introspectiva e reflexiva, questões políticas e culturais da vida da autora. Diferentemente de Marjane Satrapi, as reflexões de Jackie E. Davis giram em torno de seus problemas de ansiedade, trivialidades do seu dia a dia e sua empreitada na indústria de quadrinhos. 21 FIGURA 15 – Persépolis Fonte: site da Amazon10 3.2 A autora FIGURA 16 – Jackie Evangelisti Davis Fonte: Writers & Books11 Nascida em Great Falls, Virginia, e formada em artes visuais (bacharelado em Belas Artes com especialização em ilustração) pela Universidade de Siracusa (Syracuse University), a quadrinhista Jackie Evangelisti Davis começou a desenhar personagens aos 5 anos de idade, motivada por uma vaquinha de pelúcia (Butter Udder) que ganhou de presente certa vez. Ao longo do tempo, Davis começou a desenhar quadrinhos mais pessoais, inspirados no seu dia a dia e na sua percepção do mundo. 10 Disponível em: https://amzn.to/3ySOZ9q. Acesso em 25 abr. 2021. 11 Disponível em: https://wab.org/person/jackie-davis/. Acesso em 25 abr. 2021. https://amzn.to/3ySOZ9q https://wab.org/person/jackie-davis/ 22 Depois de se formar, Jackie E. Davis foi barista em diversas cafeterias para se sustentar. Enquanto isso, desenhava quadrinhos depois do expediente ou quando tinha tempo livre. Jackie começou a ler quadrinhos por incentivo do marido Pat. Antes, ela acreditava que quadrinhos se resumiam a super-heróis, o que a fazia não se interessar tanto por esse tipo de leitura, mas depois de explorar as estantes das bibliotecas e livrarias locais, Davis tornou-se aficionada por histórias em quadrinhos. Isso serviu como bagagem para seu desenvolvimento tanto como ilustradora quanto como futura quadrinhista. Quanto ao processo criativo de seus quadrinhos, Davis divide sua criação em três etapas, como ela mesma explica neste trecho de sua entrevista concedida especialmente para esta monografia (ver Apêndices para ler a íntegra da entrevista em inglês ou traduzida): “(1) reunião de ideias: durante meu dia a dia, registro todo tipo de ideias. Tenho um caderno de desenho grande, um caderninho que fica na minha mochila, outro que fica na minha mesa de cabeceira e, constantemente, registro notas num aplicativo do meu celular. (2) Esboço: sempre que preciso fazer um quadrinho ou que me sinto inspirada, sento-me e vasculho os esboços que guardo. Às vezes, nesse processo, uma ideia nova surge na minha cabeça e começo a desenvolvê -la. No fim desse processo, normalmente tenho um quadrinho acabado que está pronto para o próximo passo, mas é aí que a sequência de fatos varia porque muitas ideias não dão certo, ou eu as abandono ou perco o interesse, é uma grande bagunça, na verdade. Mas, em geral, tenho, pelo menos, uma ideia que sinto que valha a pena investir e desenvolvê-la. (3) Processo de Quadrinho: meço o papel aquarela de forma ineficiente, com base em quantos requadros serão. Talvez um dia eu tenha um molde, mas hoje não é esse dia. Depois, desenho no papel aquarela e contorno o desenho. Em seguida, apago a parte à lápis e começo a pintar. Assim que termino, digitalizo a pintura, ajusto quaisquer manchinhas no Photoshop e público na internet ou formato para um livro”. 23 4 PROJETO DE TRADUÇÃO Para começar a tradução e a análise do processo tradutório de Two Years of Underpants and Overbites, foram utilizadas como embasamento teórico a leitura sobre os tipos de tradução definidos por Roman Jackobson e explicados por Federico Zanettin em Comics in Translation, no tópico “Comics in Translation: An Overview”. Vinda do latim traducere, a palavra traduzir tem muitos significados, entre eles os significados “transferir” e “explicar”. Roman Jackobson (1969), em seus estudos de tradução, separou o ato de traduzir em três tipos: intralingual; interlingual e intersemiótico. A tradução intralingual (ou reformulação) é a interpretação de signos verbais por meio de outros signos verbais da mesma língua. O segundo tipo, tradução interlingual (ou tradução propriamente dita), é a interpretação dos signos verbais de uma língua pelos signos verbais de outra língua. O terceiro tipo, tradução intersemiótica (ou transmutação), se define como a interpretação de signos verbais de uma língua por signos não verbais. Um exemplo de tradução intersemiótica é a adaptação de um livro para uma peça teatral. Na obra Comics in Translation, Federico Zanettin cita os estudos de tradução de Roman Jakobson, em especial suas definições de tipos de tradução, mas ressalta que, quando Jakobson argumenta sobre a tradução intersemiótica, o termo “tradução” é utilizado no sentido de “interpretação”. Zanettin (2008) afirma que todas as línguas usadas em quadrinhos podem ser traduzidas em sistemas semióticos, isto é, para ele, de um ponto de vista semiótico, a tradução de quadrinhos envolve diversas camadas de atividades interpretativas que podem ser definidas como intersemióticas ou sistêmicas. Mais do que transferir informações de uma língua para outra, o processo tradutório de quadrinhos transporta o tradutor ao ponto inicial de criação dos quadrinhos, fazendo-o traduzir imagens em palavras, pois há perdas semânticas que ocorrem na passagem de uma língua para outra. Desse modo, a tradução de quadrinhos envolve as traduções interlingual e intersemiótica. O processo de criação e tradução de uma história em quadrinhos para outros países passa pelos conceitos de tradução interlingual e intersemiótica o tempo inteiro. Durante a criação do quadrinho, o quadrinhista “traduz” palavra em imagem e vice-versa, para que, no fim, a junção de tudo resulte na intencionalidade desejada, que confere aos quadrinhos humor ou reflexão no que diz respeito a um assunto específico. Nesse caso, quando falamos em traduzir a imagem, entende-secomo interpretar a imagem, pois a leitura de uma imagem é algo intuitivo. Para o tradutor da obra pronta, o processo é ainda mais complexo, pois cada língua tem suas particularidades e não é sempre que o mesmo jogo de palavras inerente a um quadrinho consegue ser traduzido de forma exata, de modo a conservar o humor. Para exemplificar tais 24 questões, foi feita a análise das páginas 9, 15, 197, 198, 199, e 200 do quadrinho Two Years of Underpants and Overbites. 4.1 A tradução do título do quadrinho Para o processo tradutório do título, utilizou-se como embasamento teórico a proposta de recategorização de procedimentos técnicos de tradução, formulada por Heloísa Gonçalves Barbosa na obra Procedimentos técnicos de tradução: uma nova proposta (2004). Ph.D. em Estudos da Tradução pela Universidade de Warwick, Inglaterra, Heloísa Gonçalves Barbosa observou que em suas contribuições para a Teoria da Tradução, grandes nomes como Eugene Nida, Peter Newmark, J. C. Catford e Gerardo Vázquez-Ayora propuseram modelos de tradução dicotômicos, que se dividiam apenas entre os grupos tradução literal e não literal. Por acreditar que esses modelos abrangiam de forma superficial os procedimentos técnicos de tradução, Barbosa pensou em uma proposta de recategorização dos procedimentos técnicos. No presente trabalho, foram utilizados dois desses procedimentos de tradução: palavra por palavra e adaptação. O vocábulo Underpants é definido como “peça de roupa íntima que cobre a área entre a cintura e a parte de cima das pernas” (UNDERPANTS, 2021, tradução nossa)12. Já o vocábulo Overbites serve para definir uma condição ortodôntica: “posição dos dentes em que a arcada dentária superior cobre a arcada dentária inferior quando um indivíduo encosta os dentes superiores nos inferiores ao fechar a boca ou a distância que os dentes superiores estão em relação aos inferiores” (OVERBITE, 2021, tradução nossa)13. Na Tradução 1, optou-se por fazer uma tradução palavra por palavra (convergência do sistema linguístico, do estilo e da realidade extralinguística), sem que fosse levado em consideração o público -alvo, comercialização e sonoridade. Roupas de Baixo e Mordida Profunda é uma tradução pouco harmônica e não transmitia o teor cômico infantil da obra, que, na realidade, tem um público- alvo muito abrangente por não ter nenhum conteúdo adulto explícito. 12 Em inglês: “a piece of clothing that you wear next to your skin, on the lower part of your body. 13 Em inglês: “the position of the teeth in which the upper teeth go over the lower teeth when a person bites the teeth together, or the degree to which the upper teeth are in front of the lower teeth”. 25 FIGURA 17 – Título em inglês Fonte: DAVIS, 2018, capa FIGURA 18 – Título: tradução 1 Fonte: elaboração própria Na Tradução 2 e na Tradução 3 (tradução final), utilizou-se como procedimento técnico tradutório a adaptação, mas de duas maneiras distintas. Na Tradução 2, a ideia foi ignorar qualquer ideia de equivalência ao título em inglês da obra e simplificar a tradução, utilizando os nomes dos dois personagens principais, Jackie e o marido dela, Pat, como no caso do quadrinho Peanuts, que algumas vezes aparece com o nome do personagem mais marcante da obra, isto é, o cachorro Snoopy. É comum ver quadrinhos com o nome de seus personagens principais, por exemplo: O menino maluquinho (Ziraldo, 1996); Garfield (Jim Davis, 1978); Mafalda (Quino, 1973) e Calvin and Hobbes (Bill Watterson, 1985), adaptado para o Brasil como Calvin e Haroldo. 26 FIGURA 19 – Snoopy Fonte: site da Revista Museu14 FIGURA 20 – O menino maluquinho Fonte: site das Lojas Americanas 15 FIGURA 21 – Garfield Fonte: site da Amazon16 FIGURA 22 – Mafalda Fonte: site da Amzon17 14 Disponível em: https://bit.ly/2RZSk5Y. Acesso em: 2 fev. 2021. 15 Disponível em: https://cutt.ly/LkDFmIH. Acesso em: 2 fev. 2021. 16 Disponível em: https://cutt.ly/NkDZimJ. Acesso em: 2 fev. 2021. 17 Disponível em: https://cutt.ly/NkDJ8Ve. Acesso em: 2 fev. 2021. https://cutt.ly/NkDZimJ https://cutt.ly/NkDJ8Ve 27 FIGURA 23 – Calvin e Haroldo Fonte: site da livraria Saraiva18 Entretanto, adaptar o título da obra para “Jackie & Pat” acabaria com o protagonismo da personagem Jackie e tornaria confusa a ideia de diário em quadrinhos do livro, pois tiraria o personagem Pat do papel de coadjuvante e a obra passaria a ter dois personagens principais, o que não é verdade. No caso da Tradução 3, fez-se uma adaptação completa do título da obra baseando-se no contexto e características dos personagens. Na página 176, a autora brinca com a “quarta parede” com quadrinhos em um diálogo sobre a criação de um nome aleatório para a obra: Underpants and Overbites. Entretanto, o nome Underpants and Overbites não foi criado de forma totalmente aleatória, pois tem conexão com características da personagem principal, Jackie. Na Tradução 3, optou-se pelo nome Dois Anos de Cuecas e Dentuços, pois a personagem Jackie tem dentes proeminentes como resultado de sua condição ortodôntica de mordida profunda (overbite), condição esta que a própria autora satiriza ao relembrar um episódio de sua infância na página 51. Quanto ao vocábulo Underpants, seria possíver traduzi- lo tanto como “calcinhas” quanto como “cuecas”. Optou-se pelo vocábulo “cuecas”, pois em uma de suas tirinhas a personagem Jackie veste uma das cuecas de Pat, pois suas roupas íntimas estão sujas. A tradução Cuecas e Dentuços conserva um tom de humor que transita entre o adulto e o infantil, característica muito marcante da personagem Jackie. 18 Disponível em: https://bit.ly/3ijNSca. Acesso em: 2 fev. 2021. https://bit.ly/3ijNSca 28 FIGURA 24 – Título: tradução 2 Fonte: elaboração própria FIGURA 25 – Título: tradução 3 Fonte: elaboração própria 4.2 Trocadilhos Na página 9, foram feitas duas traduções diferentes, uma parcialmente literal e outra adaptada para preservar o humor. No quarto quadrinho, a autora brinca com o sentido literal da expressão sweet nothings, que confere o sentido cômico ao diálogo. A expressão da língua inglesa sweet nothings define-se como palavras trocadas entre dois amantes, normalmente usadas em histórias durante uma cena de intimidade ou quando um casal está reunido (SWEET, 2021). A primeira ideia de vocábulo para substituir sweet nothings foi galanteio, definido como “namorar”, “cortejar”, “dizer galanteios” (GALANTEIO, 2020), mas ele não conservaria o sentido da tirinha. Em seguida, optou-se pela tradução da expressão sweet nothings como “coisas doces” na fala da personagem Jackie e a conservação da tradução literal da fala do personagem Pat, mas ainda assim a tradução não conseguiu manter o humor da ambiguidade do jogo de palavras do diálogo, pois as estruturas sugar oblivion, candied void e honeyed vacuum só conservam o sentido de humor quando estabelecem conexão com a expressão sweet nothings. Portanto, optou-se pela adaptação completa do diálogo, traduzindo-se sweet nothings como coisas doces e traduzindo as estruturas sugar oblivion, candied void e honeyed vacum por rosquinha açucarada, bombom trufado e bolinhos de mel, respectivamente. Na sequência de quadrinhos da página 9, a autora cria um diálogo entre Jackie e Pat, no qual a mulher pede ao marido que diga coisas românticas ao pé do ouvido dela, mas o marido, sonolento e brincalhão, diz coisas aleatórias relacionadas ao sentido literal da expressão sweet nothings. As adaptações feitas não evitam a perda semântica do processo tradutório, mas a tradução 29 intersemiótica do quadrinho sugeriu uma possibilidade de adaptação do diálogo na tradução interlingual, o que fez com que os quadrinhos não perdessem o humor e o sentido no contexto. FIGURA 26 – Sweet nothingsFonte: DAVIS, 2018, p. 9 30 FIGURA 27 – Tradução de Sweet nothings Fonte: elaboração própria Na página 15, é muito fácil manter o sentido porque as palavras não têm ambiguidade, o humor da tirinha vem dos desenhos e da ortografia estilizada (quinto quadrinho) com coraçãozinho, que foi conservada na tradução, pois intensifica o sentido da atitude da personagem. 31 FIGURA 28 – Ortografia estilizada em inglês Fonte: DAVIS, 2018, p. 15 FIGURA 29 – Ortografia estilizada na tradução Fonte: elaboração própria Nas páginas 197 a 200, a autora mostra desenhos antigos com “cantadas” relacionadas aos desenhos com ideias de cartões de Valentine’s Day (Dia dos Namorados) e, em seguida, aparece um desenho da personagem Jackie reclamando, pois ninguém devia ver os desenhos — o que é bem interessante por acentuar o formato de “diário em quadrinhos” do livro. 32 FIGURA 30 – EN: Jackie protege intimidade Fonte: DAVIS, 2018, p. 201 FIGURA 31 – PT: Jackie protege intimidade Fonte: elaboração própria O uso de paronomásia — palavras com significados diferentes, mas que se escrevem e se pronunciam de modo parecido — é o que garante o tom humorístico dos quadrinhos dessas páginas. Isso remete ao trocadilho, ou seja, um jogo de palavras. A definição de trocadilho é: “jogo ambíguo de palavras com sons parecidos ou iguais, mas com significados e aplicações diferentes” (TROCADILHO, 2021). Nas páginas 197 e 200, os desenhos são colocados de forma independente, sem nenhuma relação entre si. Durante o processo tradutório deles, tentou- se ser fiel ao sentido dos quadrinhos, conservando o valor semântico das palavras e mantendo os trocadilhos originais, mas devido a barreiras linguísticas, não foi possível ser fiel à língua e manter o humor simultaneamente. Por isso, as adaptações feitas levaram em consideração o aspecto intersemiótico da tradução, isto é, a importância da relação texto-imagem. Na página 197, a proximidade das palavras soup e super do inglês com as palavras “sopa” e “super” do português fez com que o mesmo trocadilho fosse mantido. Apesar disso, a pronuncia americana de soup e super, por terem uma sonoridade parecida, faz com que o trocadilho soe mais fluido. Já no português, “sopa” e “super” não têm sonoridades tão próximas, o que faz com que o trocadilho aconteça, mas de forma menos harmônica. Nos países de língua inglesa, a frase You’re super é muito comum. No caso em questão, a palavra super é utilizada como adjetivo. Na língua portuguesa, por sua vez, embora seja comum a utilização da palavra “super” como adjetivo, tal uso é inadequado segundo a norma culta, pois o referido vocábulo é um prefixo. Sendo assim, a solução proposta foi adicionar o adjetivo “especial”, transformando “sopar” em prefixo. Ao fim do processo de tradução desse requadro, surgiu a ideia de fazer uma adaptação por completo: substituir a expressão “Você é SOPARespecial” pela expressão “Você dá um caldo” para acentuar o caráter de humor de cantada do desenho. Nesse sentido, optou-se 33 por um distanciamento do valor puramente semântico do texto e, de certa forma, pela domesticação desse trecho do texto. FIGURA 32 – Super e soup Fonte: DAVIS, 2018, p. 197 FIGURA 33 – Tradução de super e soup Fonte: elaboração própria No quadrinho 1, FIGURA 10, a autora faz um trocadilho com os vocábulos kite (pipa) e quite (bastante, bem). Para manter a relação dos desenhos, optou-se por usar o vocábulo pipa na substituição do adjetivo em si; no lugar de nice, colocou-se supipa (supimpa). No segundo quadrinho, FIGURA 10, o trocadilho ocorre com os vocábulos tree (árvore) e intrigue me (“intriga-me”, “desperta minha curiosidade”), apresentados com in-tree-gue-me. Na tradução foi feito um trocadilho com os vocábulos árvore e desarvora. Enquanto o original tem o sentido mais sutil de despertar interesse, a tradução possui o sentido mais intenso de “perder as estribeiras, enlouquecer”. 34 FIGURA 34 – kite nice e in-tree-gue Fonte: DAVIS, 2018, p. 198 FIGURA 35 – Tradução: kite nice e in-tree-gue Fonte: elaboração própria No primeiro quadrinho da página 198, a autora fez um rocadilho com os vocábulos door (porta) e adore (adorar, gostar). Não foi possível, durante o processo tradutório, encontrar uma solução que conservasse o valor semântico do trocadilho com o vocábulo “porta”, então optou- se por conservar o sentido de humor de cantada infantil, mas alterando parcialmente a cantada. No quadrinho original a declaração de afeto é mais intensa, já na tradução isso ocorre de forma mais sutil. No livro, esse quadrinho faz parte de um antigo caderno com desenhos da personagem Jackie. Já no segundo quadrinho, o trocadilho é feito com os vocábulos meet (conhecer) e meat (carne), que possuem ortografias diferentes mas que são palavras homófonas. Novamente foi impossível manter o trocadilho de forma completamente fluida, pois as palavras carne e conhecer da língua portuguesa são completamente diferentes. Sendo assim, optou-se por inventar um solução que lembrasse os vocábulos “carne” e “conhecer” para conservar o humor do desenho de amizade entre as coxas de frango (chicken legs). 35 FIGURA 36 – A-door e meat Fonte: DAVIS, 2018, p.199 FIGURA 37 – Tradução: a-door e meat Fonte: elaboração própria O trocadilho da página 199 ocorre entre os vocábulos da língua inglesa best (melhor) e breast (seio, peito). No processo tradutório, optou-se por conservar o trocadilho com a palavra peito para manter o humor do desenho. Para isso, o trocadilho foi por meio da expressão “amigo do peito”. 36 FIGURA 38 – Trocadilho: breast Fonte: DAVIS, 2018, p. 200 FIGURA 39 – Tradução de breast Fonte: elaboração própria 37 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS O objetivo deste trabalho foi buscar contribuir com os Estudos Tradutórios por meio da tradução comentada da obra estadunidense Two Yearas of Underpants and Overbites, inédita em língua portuguesa, de autoria da quadrinhista Jackie E. Davis, além de chamar a atenção para os quadrinhos como mercado, já que ganham relevância em âmbito nacional e internacional. Outro objetivo deste trabalho foi apontar o crescimento dos webcomics, que hoje desempenham um papel de conscientização e entretenimento muito grande numa sociedade cada dia mais virtual. No Brasil, é muito comum se encontrar quadrinhos em jornais, revistas, redes sociais, bancas de revista, escolas, materiais didáticos, livrarias, sebos e diversos sites. Sendo assim, fez-se a tradução da obra Two Years of Underpants and Overbites, com ênfase na conservação do caráter cômico da HQ. A obra foi integralmente traduzida, mas encontram-se nos anexos e apêndices deste trabalho apenas algumas páginas com trechos que exemplificassem, de forma mais incisiva, as escolhas feitas pela tradutora. Ao fim deste trabalho, concluiu-se que a tradução de quadrinhos se respalda no conceito de tradução intersemiótica e, por isso, talvez exija ainda mais habilidade do tradutor justamente por envolver a observação da relação entre elementos verbais e não verbais. Fez-se aqui uma pequena demonstração do que é necessário para traduzir uma obra em quadrinhos, tendo em vista a grande proporção desse mercado na atualidade (2021). A tradução comentada da obra selecionada pode servir como motivação para o desenvolvimento do tema em estudos posteriores, gerando contribuições teóricas tanto para os estudos tradutórios quanto para os quadrinhísticos. 38 REFERÊNCIAS AIDAR, Laura. Histórias em quadrinhos. Toda Materia, 2021. Disponível em: https://www.todamateria.com.br/historia-em-quadrinhos/. Acesso em: 7 nov. 2021. BARBOSA, HeloisaGonçalves. Procedimentos técnicos da tradução: Uma nova proposta. 2. ed. Campinas: Pontes, 2004. BIERSIDORFER, J. D. Create your own digital comics whether you can draw or not. The New York Times, 2021. Disponível em: https://www.nytimes.com/2020/04/29/technology/personaltech/create-your-own-digital- comics-whether-you-can-draw-or-not.html. Acesso em: 7 nov. 2021. COSTA, Bernard Martoni Mansur Corrêa da. Discurso autobiográfico, um elemento recriador das histórias em quadrinhos, p. 72-86. In: Aguiar, Daniella; Queiroz, João (Eds.). 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My parents were supportive, but they were busy people and I was a weird kid. I mostly drew cows by myself. When I think back, I don’t really remember drawing with other people, except my mom sometimes. It was kind of lonely, but the fantasy world I made in my head is what made it worthwhile. That might’ve been the earliest obstacle, being so alone, or it might have been what gave me the space to explore creatively. It’s hard to know. As for other obstacles, oh sure, there are plenty. A big one is that to have a creative carreer, I have to make something people haven’t seen before, but how do I make it, if I haven’t seen it! I think that’s basically the dilemma of creative people. Following in the footsteps of people that have come before us, but at some point veering off the path and hoping we don’t perish in the unknown wilderness. Another obstacle is money. To get attention on social media, which is what I knew I had to do in order to get my art visible and possibly build an audience large enough to support me financially, I had to make art nearly full-time for 2+ years for no pay at all. During that time, I worked at a coffee shop and lived with my husband, who worked, so at least we could split our expenses. Self-doubt will always linger as an obstacle. Granted, I already am a professional illustrator, but some days I wake up and wonder, “Oh my gosh, what am I doing with my life?”. I usually take a deep breath, go for a walk, and make a comic about it. If I’m having these thoughts, I can’t be the only one. 47 What are your references as an illustrator, which people inspired you to pursue an illustrator career and more specifically as a comic artist? As a kid, I was deeply inspired by The Simpsons. I watched that show almost every night at 6pm for 10+ years. I also loved reading The Far Side by Gary Larson and I just generally loved cute characters from children’s books. I have an undying love for Lowly Worm from the Richard Scarry books. He’s a worm that walks upright and wears clothes. I remember marveling for hours thinking about how he gets his shoe on. Even though I drew a lot, I hadn’t really read many comics. My husband Pat was the one who encouraged me to read some graphic novels. It took me like 5 years to listen to him because I thought graphic novels were all about superheroes and I wasn’t too interested. When I finally picked up some autobiographical graphic novels at the library, I was like, “Oh my gosh, these are amazing!! This is whatI want to do with my life!!”. Then I rented like 500 more and nearly lost my job at the coffee shop because I was always late to work because I couldn’t stop reading them. Eventually I realized it would be too hard to make a graphic novel, so I decided to start by making comics! I was going to write my book, but in little bite size s, one panel at a time. I didn’t know him when I started making comics, but my friend Nicholas Gurewitch was invaluable to my comics journey. He makes The Perry Bible Fellowship and about 5 years ago I sent him an email to say hi. I’d read his comics in my college newspaper and I thought he might have some good feedback for my work. As I was looking up his email, I realized we lived in the same town, Rochester NY! We first met up at a coffee shop and talked about comics for hours. After that, we met up every week for about 4 years and called it Art Club. He has since moved away, but it was a great way to learn from an expert and make my first comics friend. What was the purpose of creating underpants and overbites? I created Underpants and Overbites because I wanted to make a career out of making whatever I wanted. At the point I’d started it, I’d mostly worked in coffee shops for about 6 years and I knew I didn’t want to do that forever, but I also knew I didn’t want to transition to a desk job at a different company. To be honest, I’m a pretty bad employee. I get the work done, but I just don’t have the drive to go above and beyond when I’m working for someone else. Deep down I knew I had to be self-employed if I wanted to really reach my potential. I had little experience and an unimpressive resume, so Underpants and Overbites was my chance to build something 48 from the ground up. Also, at that point I had become absolutely obsessed with comics. What a great way to follow my dreams and fix my career at the same time! How do you define your Underpants and overbites comics? Hmm if I had to define it, I’d say something like, comics about me, that help people feel less alone. Okay, maybe that’s not a real definition, but basically my comics are very human. They’re about my ordinary life, my thoughts, my feelings, my little everyday interaction with the world. They’re wholesome, cute, and feel-good, but also thought-provoking. I feel like I tackle some prickly topics, but in a soft way that helps the reader take them in without feeling threatened. My comics are about me, so people are welcome to view them as a window into my world or a mirror into their own. What are the target readers of Underpants and Overbites? I don’t target specific readers, but a lot of them I think are people like me because they relate to my work. I’m guessing nice, well-meaning people that struggle with some anxiety, self-doubt, and just how confusing it can be to be alive. They are on a journey to learning about themselves and feeling empowered, but they also love cute stuff and have a weak spot for the occasional poop joke. How does your creative process work up to the results we see in your books and social media? The process from having an idea in my head to it being viewed on a page in a book can vary wildly in length. But no matter the timeline everything undergoes basically the same process. Idea collection: During my day to day life, I record all kinds of ideas. I have a big sketchbook, a little notebook that lives in my backpack, another that lives on my nightstand, and I frequently record notes on an app in my phone. Sketching: Whenever I need to make a comic or am feeling inspired, I sit down and sift wildly through the sketches I’ve been collecting. Sometimes in th is process, a new idea pops into my head and I just start making that. By the end of this process, I usually have a finished comic that’s ready for the next step. But this is where the timeline varies because a lot of ideas 49 fail, or I abandon them, or I lose interest. It’s a hot mess really, but usually I have at least one idea that I feel is worth pursuing and take that to the next step. Comic Process: I measure out some watercolor paper in an inefficient way based on how many panels the comic will be. Maybe one day I’ll have a template, but today ain’t the day. Then I sketch onto the watercolor paper and ink over the sketch. Then I erase the pencil lines and get painting! Once I finish, I scan the painting, adjust any little smudges in Photoshop and feed it to the Internet or format it into a book. What are your goals in relation to Underpants and Overbites? My goal is to build a totally sustainable business that will deliver high-quality content people love, and employ me for the rest of my life. Honestly, what I’m doing right now is already so much more than I had imagined, so I kinda need to have a meeting (with myself) and reassess what I want the future to look like. I want to make something people love and continue to love. I want to work really hard, but also take some delicious time off to go camping and hang out with my family and friends. Do you define yourself more as an illustrator or writer? Five years ago I was convinced I was only an illustrator. One of my running dialogues was to stare at a blank piece of paper in despair saying, “But I can’t write!!”. After a lot of years of comic-making though, now I would proudly say I’m both. I think my drawings are strengthened by my writing and my writing is strengthened by my drawing, so yep, I’m definitely both. What are some of the personal values that are very important to you? I really value putting art into the world that makes it a more cheerful place. I don’t need everything to be butterflies and rainbows all the time, but I just think people could really use some positive wholesome content and it’s a goal of mine to offer that. I also try to lead by example. Maybe sharing my authentic struggles and triumphs will encourage people to open up and share theirs. I try to find the beauty in small things and share that perspective with as many people as possible. I also value sustainability and only taking what I need. Sometimes it’s tempting to be the best and build an empire and beat out competition etc etc, but my philosophy is that I 50 don’t need to be the best to still be great. It’s enough to be one person at a little desk sharing my comics with the world. I really value people and taking the time to listen to them and help them out when I can. I’m only one person, so I can’t help infinitely, but when someone asks for something sincerely, I do my best to help them out. I love my family and friends and try to take frequent breaks from the Internet. The Internet is a super cool tool, but if I’m not careful, it can become a real burden. In relation to your book "Two years of Underpants and Overbites", how do you define this project? Tell us more about it. This is my first self-published book and is from the 2 years I worked at a coffee shop, while starting my comic. I published a comic every Tuesday for those years. It was just a random goal and time I set for myself to make sure that I was consistently making work. Often, I would publish it online from the bathroom of my coffee shop and then get lightly scolded for taking too long. 51 APÊNDICE B — ENTREVISTA TRADUZIDA COM JACKIE DAVIS Qual é o seu nome completo e onde você nasceu? Jackie Evangelisti Davis, Great Falls, Virginia, Estados Unidos. Você sempre quis ser ilustradora? Houve algum obstáculo antes de você se tornar ilustradora profissional? Quando eu era criança, sempre sonhei em ter como profissão desenhar e fazer quadrinhos. Eu não sabia o que isso exigia e não tinha um modelo a quem recorrer para me orientar nessa direção. Meus pais me apoiavam, mas erampessoas ocupadas e eu, uma criança esquisita, na maioria das vezes desenhava vacas sozinhas. Quando paro para pensar, não me lembro de desenhar com outra pessoa, a não ser com minha mãe às vezes. Era meio solitário, mas o mundo de fantasia que criei na minha cabeça valeu a pena. Ser tão sozinha pode ter sido o primeiro obstáculo ou pode ter me dado o espaço para explorar criativamente. É difícil saber. Quanto a outros obstáculos, é claro que houve vários! Um grande obstáculo foi, para ter uma carreira criativa, ter que fazer algo que as pessoas nunca tenham visto antes, mas como faço isso se eu nunca vi isso? Acho que esse é basicamente o dilema das pessoas criativas: seguir os passos das pessoas que vieram antes de nós, mas, em certo ponto, desviando do caminho e esperando que não morramos na selva desconhecida. Outro obstáculo é o dinheiro. Para conseguir atenção nas redes sociais, o que eu sabia que tinha que fazer para tornar minha arte visível e, possivelmente, construir um público grande o bastante para me manter financeiramente, tive que fazer arte, quase que em tempo integral, por mais de dois anos, sem ganhar nada. Durante esse tempo, trabalhei numa cafeteria e morei com meu marido, que trabalhava, então podíamos, pelo menos, dividir nossas despesas. Duvidar de si mesmo sempre permanecerá como um obstáculo. Reconheço que sou uma ilustradora, mas há dias em que acordo e penso: “Meu Deus, o que estou fazendo da minha vida?” Normalmente respiro fundo, saio para uma caminhada e escrevo um quadrinho sobre isso. Se estou tendo esses pensamentos, não posso ser a única. Quais são suas referências como ilustradora, que pessoas a inspiraram a correr atrás de uma carreira como ilustradora e, mais especificamente, como quadrinhista? 52 Quando criança, eu era profundamente inspirada por Os Simpsons. Assistia a esse programa quase toda noite, às 18h, por mais de 10 anos. Eu, também, adorava ler The Far Side, de Gary Larson, e, de modo geral, adorava personagens fofos de livros infantis. Tenho um eterno amor por Lowly Worm, dos livros de Richard Scarry. Ele é um verme que anda de pé e usa roupas. Lembro-me de ficar, por horas a fio, encantada e pensando em como ele calçava os sapatos. Apesar de desenhar bastante, não lia muitos gibis. Meu marido Pat foi quem me incentivou a ler umas histórias em quadrinhos. Demorei cinco anos para ouvi-lo porque achava que histórias em quadrinhos só se resumiam a super-heróis e eu não me interessava muito por isso. Quando finalmente peguei uns gibis autobiográficos na biblioteca, fiquei: “Meu Deus, estes gibis são muito bons! É isso o que quero fazer da vida!” Então peguei emprestado mais uns 500 e quase perdi meu emprego na cafeteria, porque estava sempre atrasada, já que não conseguia parar de lê-los. Por fim, cheguei à conclusão de que seria bem difícil fazer um gibi, então decidi começar fazendo tirinhas! Eu ia escrever meu livro, mas em pedacinhos, um requadro de cada vez. Eu não o conhecia quando comecei a fazer quadrinhos, mas meu amigo Nicholas Gurewitch foi imprescindível para minha jornada nos quadrinhos. Ele faz o The Perry Bible Fellowship. Há uns cinco anos, mandei um e-mail para ele. Eu costumava ler os quadrinhos dele no jornal da faculdade e pensei que ele poderia dar um bom feedback para meu trabalho. Enquanto lia o e-mail dele, percebi que morávamos na mesma cidade: Rochester, Nova Iorque! Nós nos encontramos pela primeira vez numa cafeteria e conversamos sobre quadrinhos por horas. Depois desse dia, nós nos reuníamos toda semana por uns quatro anos e chamávamos isso de “Clube de Arte”. Ele se mudou, mas foi uma ótima maneira de aprender com um especialista e fazer meu primeiro amigo na área de quadrinhos. OBS.: Nicholas Gurewitch é de Canandaigua (NY) e é o autor das obras The Perry Bible Fellowship (2009); Notes on a Case of Melancholia, Or: A Little Death (2020) e Melancholia ou Une Autre Mort (2018), sua versão em desenho também aparece como personagem conversando com a autora em algumas de suas tirinhas. Qual foi seu propósito ao criar Underpants and Overbites? 53 Criei Underpants and Overbites porque queria ter uma carreira trabalhando com o que quisesse. No momento em que comecei, trabalhei, na maioria das vezes, em cafeterias por uns seis anos e sabia que não queria fazer isso para sempre, mas sabia também que não queria mudar para um emprego de escritório em outra empresa. Para ser sincera , não sou uma boa funcionária. Faço o trabalho, mas não tenho a energia e a determinação de ir além quando estou trabalhando para outra pessoa. No fundo, sabia que tinha que trabalhar para mim mesma se quisesse alcançar meu potencial. Eu tinha pouca experiência e um currículo inexpressivo, então Underpants and Overbites foi minha chance de construir algo do zero. Além disso, nesse momento eu já estava absolutamente obcecada por quadrinhos. Que ótima maneira de seguir meus sonhos e organizar minha carreira ao mesmo tempo! Como você define Underpants and Overbites? Hã... se tivesse que defini-lo, diria algo do como: “Quadrinhos sobre mim, que ajudam as pessoas a se sentirem menos sozinhas”. Tudo bem, talvez essa não seja uma definição real, mas, basicamente, meus quadrinhos são muito humanizados. Eles são sobre minha vida comum, meus pensamentos, meus sentimentos minha pequena interação diária com o mundo. São saudáveis, fofos e para gerar bem-estar, mas, ao mesmo tempo, instigantes. Sinto que toco em alguns assuntos espinhosos, mas de um jeito leve, que ajuda o leitor a absorvê -los sem se sentir ameaçado. Meus quadrinhos são sobre mim, então as pessoas são bem-vindas para vê- los como uma vitrine do meu mundo ou um espelho do próprio mundo delas. Quem é o público-alvo de Underpants and Overbites? Não defino leitores específicos, mas acredito que muitos deles são pessoas como eu porque se identificam com meu trabalho. Acho que pessoas legais e bem-intencionadas, que lutam contra algum tipo de ansiedade, insegurança e como pode ser confuso viver. Eles estão numa jornada de autoconhecimento e se sentindo empoderados, mas gostam também de coisas fofas e têm um fraco por piadas de cocô. Como funciona o seu processo criativo para chegar aos resultados que vemos nos livros e redes sociais? 54 O processo de ter uma ideia na minha cabeça até ela ser vista na página de um livro pode variar muito de tamanho, mas não importa a sequência de fatos, tudo acaba seguindo basicamente o mesmo processo. Reunião de ideias: durante meu dia a dia, registro todo tipo de ideias. Tenho um caderno de desenho grande, um caderninho que fica na minha mochila, outro que fica na minha mesa de cabeceira e, constantemente, registro notas num aplicativo do meu celular. Esboço: sempre que preciso fazer um quadrinho ou que me sinto inspirada, sento-me e vasculho os esboços que guardo. Às vezes, nesse processo, uma ideia nova surge na minha cabeça e começo a desenvolvê-la. No fim desse processo, normalmente tenho um quadrinho acabado que está pronto para o próximo passo, mas é aí que a sequência de fatos varia porque muitas ideias não dão certo, ou eu as abandono ou perco o interesse, é uma grande bagunça, na verdade. Mas, em geral, tenho, pelo menos, uma ideia que sinto que valha a pena investir e desenvolvê-la. Processo de Quadrinho: meço o papel aquarela de forma ineficiente, com base em quantos requadros serão. Talvez um dia eu tenha um molde, mas hoje não é esse dia. Depois, desenho no papel aquarela e contorno o desenho. Em seguida, apago a parte à lápis e começo a pintar. Assim que termino, digitalizo a pintura, ajusto quaisquer manchinhas no Photoshop e público na internet ou formato para um livro. Quais são seus objetivos em relação ao quadrinho Underpants and Overbites? Meu objetivo é construir um negócio totalmente sustentável,
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