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NOVOS CAMINHOS PARA PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO RODRIGO VINÍCIUS SARTORI Fundação Biblioteca Nacional ISBN 978-85-387-6609-4 9 7 8 8 5 3 8 7 6 6 0 9 4 Código Logístico 59295 Há algo em comum entre professores experientes e novatos, concursados com carreira estável em instituições públicas e ocasionais prestadores de serviço em instituições privadas, líderes acadêmicos e empreendedores educacionais: neste momento vivenciado, todos, em absoluto, são demandados a serem menos especialistas e mais generalistas. O cenário atual impõe cada vez mais funções agregadas ao papel de professor, que vê sua profissão passar por uma rápida e firme transformação. Diante dessa turbulência no campo profissional, abrem-se, ao mesmo tempo, diversas novas possibilidades de atuação do educador na sociedade atual, tema que é exaustivamente debatido neste livro. Novos caminhos esses que têm potencial de resultar em grande sucesso profissional se bem aproveitados. A expectativa é que essa obra possa contribuir com a formação de professores diferenciados, ainda mais competentes e que aproveitem todas as melhores oportunidades ao seu alcance. Novos caminhos para profissionais da educação Rodrigo Vinícius Sartori IESDE BRASIL 2020 Todos os direitos reservados. IESDE BRASIL S/A. Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 Batel – Curitiba – PR 0800 708 88 88 – www.iesde.com.br © 2018 – 2020 – IESDE BRASIL S/A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito do autor e do detentor dos direitos autorais. Projeto de capa: IESDE BRASIL S/A. Imagem da capa: plutmaverick/goodluz/Shutterstock CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ S26n Sartori, Rodrigo Vinícius Novos caminhos para profissionais da educação / Rodrigo Vinícius Sartori. - [2. ed.]. - Curitiba [PR] : IESDE, 2020. 192 p. : il. Inclui bibliografia ISBN 978-85-387-6609-4 1. Professores - Formação. 2. Prática do ensino. I. Título. 20-62817 CDD: 370.71 CDU: 37.026 Rodrigo Vinícius Sartori Doutor em Administração pela Universidade Positivo (UP). Mestre em Engenharia da Produção, especialista em Gestão do Conhecimento nas Organizações e engenheiro industrial elétrico pela Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR). Professor, pesquisador e consultor sênior de gestão nas áreas de qualidade e inovação, com vivência internacional (EUA e Espanha). Desenvolve trabalhos acadêmicos e empresariais em todo o Brasil. É autor de livros para o ensino superior. Agora é possível acessar os vídeos do livro por meio de QR codes (códigos de barras) presentes no início de cada seção de capítulo. Acesse os vídeos automaticamente, direcionando a câmera fotográ�ca de seu smartphone ou tablet para o QR code. Em alguns dispositivos é necessário ter instalado um leitor de QR code, que pode ser adquirido gratuitamente em lojas de aplicativos. Vídeos em QR code! SUMÁRIO 1 Ser professor no século XXI 9 1.1 Os desafios do mundo contemporâneo 9 1.2 Ser professor na atualidade 13 1.3 Múltiplas competências para o novo educador 18 2 Repensando a formação docente 24 2.1 A formação continuada 24 2.2 O pesquisador autodidata 29 2.3 O professor aluno 34 3 Novas possibilidades de atuação docente 41 3.1 Planejando a carreira 41 3.2 O professor empreendedor 46 3.3 Marketing pessoal e network 53 4 A contribuição das TIC para a educação 60 4.1 A nova comunicação professor-aluno 60 4.2 A internet na sala de aula 66 4.3 Tecnologia como recurso didático 71 5 Novidades tecnológicas na sala de aula 80 5.1 EaD e Mooc 80 5.2 Realidade virtual 85 5.3 Realidade aumentada 92 6 Inovações na educação 100 6.1 Jogos educacionais 100 6.2 Aula invertida e ensino híbrido 107 6.3 Convivência com dispositivos móveis 112 7 Novas competências comportamentais 119 7.1 Liderança 119 7.2 Relacionamento interpessoal 125 7.3 Motivação 130 Agora é possível acessar os vídeos do livro por meio de QR codes (códigos de barras) presentes no início de cada seção de capítulo. Acesse os vídeos automaticamente, direcionando a câmera fotográ�ca de seu smartphone ou tablet para o QR code. Em alguns dispositivos é necessário ter instalado um leitor de QR code, que pode ser adquirido gratuitamente em lojas de aplicativos. Vídeos em QR code! 8 Noções de gestão para o professor 137 8.1 Qualidade e produtividade 137 8.2 Gestão de projetos 142 8.3 Gestão de conflitos 147 9 Tópicos especiais para o professor 156 9.1 A carreira internacional do professor 156 9.2 O papel do professor nos ecossistemas de inovação 163 9.3 O professor como agente político 168 10 A excelência docente 174 10.1 Leitura crítica 174 10.2 Maestria na escrita 181 10.3 Domínio da oratória 185 Há algo em comum entre professores experientes e novatos, concursados com carreira estável em instituições públicas e ocasionais prestadores de serviço em instituições privadas, líderes acadêmicos e empreendedores educacionais: neste momento vivenciado, todos, em absoluto, são demandados a serem menos especialistas e mais generalistas. O cenário atual impõe cada vez mais funções agregadas ao papel de professor, que vê sua profissão passar por uma rápida e firme transformação. Diante dessa turbulência no campo profissional, abrem-se, ao mesmo tempo, diversas novas possibilidades de atuação do educador na sociedade atual, tema que é exaustivamente debatido neste livro. Novos caminhos esses que têm potencial de resultar em grande sucesso profissional se bem aproveitados – o primeiro passo, naturalmente, é compreender o que ocorre com o mundo e com o trabalho do professor. É nesse sentido que o Capítulo 1 introduz essa reflexão sobre o que é ser professor no novo milênio: os desafios do mundo contemporâneo, ser professor na atualidade e as múltiplas competências para o novo educador. O objetivo do Capítulo 2 é repensar a formação docente. Por isso, uma análise crítica é realizada a respeito da formação continuada, do pesquisador autodidata e do professor aluno. Com um teor bastante prático, o Capítulo 3 descreve as novas possibilidades de atuação docente em termos de planejamento de carreira, de empreendedorismo, de marketing pessoal e networking. No Capítulo 4, analisando-se a nova comunicação professor aluno, a internet na sala de aula e a tecnologia como recurso didático, realiza-se, enfim, uma avaliação do grau de contribuição das tecnologias de informação e comunicação (TIC) para a educação. As novidades tecnológicas na sala de aula são o foco do Capítulo 5, que apresenta aspectos como EaD, Mooc, realidade virtual e realidade aumentada. O Capítulo 6 se ocupa de algumas inovações específicas no campo da educação, como os jogos educacionais, a aula invertida, o ensino híbrido e a convivência com dispositivos móveis. O propósito do Capítulo 7 é explorar as novas competências comportamentais necessárias ao educador da atualidade: liderança, relacionamento interpessoal e motivação. APRESENTAÇÃO No Capítulo 8, são apresentadas as noções essenciais de gestão para o professor, com foco nos elementos de qualidade, produtividade, gerenciamento de projetos e gerenciamento de conflitos. Reserva-se, no Capítulo 9, espaço para alguns tópicos especiais, que podem conduzir a carreira do professor à elevada distinção: a carreira internacional do professor, o papel do educador nos ecossistemas de inovação e a agência política desse profissional. Por fim, no Capítulo 10, descrevem-se atributos primordiais para o atingimento da excelência docente: a capacidade avançada na leitura, escrita e oratória. A expectativa é que essa obra possa contribuir com a formação de professores diferenciados, ainda mais competentes e que aproveitem todas as melhores oportunidades ao seu alcance. Bons estudos! Ser professor no século XXI 9 1 Ser professor no século XXI Por que algumas pessoasse tornam professores? Ou, ainda mais importante, por que alguns profissionais resolvem de maneira resoluta continuar sendo professores? Afinal, definitivamente essa não é uma ocupação para qualquer um, sobretudo no panorama atual (seja no Brasil ou mundo afora). A vocação para a educação é examinada pelas lentes das oportunidades que se apresentam atualmente, carregadas, todavia, de desafios à altura. Uma das mais formidáveis carreiras profissionais é cuidadosamente anali- sada nesta obra, em conjunto com as múltiplas competências a ela associadas. Afinal, uma sociedade em acelerado processo de transformação, em todas as instâncias, exige, mais do que nunca, uma geração de educadores de classe mundial. 1.1 Os desafios do mundo contemporâneo Vídeo De que forma mais desoladora um livro como este poderia iniciar, senão suscitando que máquinas inteligentes podem substituir, de ma- neira completa, os professores em sala de aula? Ao menos, esse é o cenário anunciado por Anthony Seldon, um dos dirigentes da Universi- dade de Buckingham, historiador que escreveu biografias de grandes nomes (como David Cameron e Tony Blair), além de ser um grande estudioso da educação. Para ele, esse movimento é irreversível e se iniciará até 2030 como parte de um novo paradigma de modelo educa- cional “um para um”: o máximo grau de personalização ou individua- lização do processo de aprendizagem, com base no impressionante avanço da tecnologia de inteligência artificial. Seldon (2018), que se diz “desesperadamente triste por isso”, mas receoso de estar certo, acredita que se vive o momento por ele de- 10 Novos caminhos para profissionais da educação nominado de quarta revolução educacional, conforme apresenta a linha do tempo a seguir. Primeira revolução educacional Segunda revolução educacional Terceira revolução educacional Quarta revolução educacional Caracterizou-se pela humanidade aprendendo os conceitos básicos de sobrevivência, como cultivar alimentos, caçar e construir abrigos – ou seja, uma protoeducação que garante minimamente estar vivo. Constituiu-se pelo compartilhamento organizado do conhecimento, mediante a elaboração dos sistemas de linguagem. Foi marcada pela célebre invenção de Johannes Gutenberg em 1450: a prensa móvel, que proporcionou a escrita como elemento central da cultura humana. Esboçada no momento presente, é a utilização massiva de máquinas inteligentes em sala de aula – embora a implicação seja tão disruptiva que o próprio conceito de sala de aula é desconstruído. disruptivo: que interrompe o seguimento normal de um processo; desestabilizador. Glossário Essa é uma visão que muitos podem acusar de pretensamente alar- mista, enquanto outros podem taxá-la de excessivamente fantasiosa. De todo modo, serve apenas como uma singela amostra do que é trata- do quando se evoca a análise dos desafios do mundo contemporâneo, os quais não são poucos, além de serem altamente perturbadores. Seldon (2018) pode não estar completamente correto em suas as- sertivas – ele mesmo procura nutrir alguma fé que tenta tranquilizá-lo nesse sentido. Independentemente disso, o cenário proposto é bastan- te útil para uma análise que conduza a repensar o papel do educador nos tempos atuais. Ao menos uma característica é essencialmente ver- dadeira quanto ao futuro: ele está aberto e é influenciado pelos esfor- ços que se conduzem desde o presente. Talvez o ponto de inflexão educacional, proposto por Seldon, não ocorra por volta de 2030 – é ver- dade que soaria como um apocalipse tecnológico imaginar que seria muito antes disso, mas, provavelmente, esse momento se manifeste poucas décadas à frente. O mundo real absorve cada vez mais as plenas possibilidades que ou- trora só poderiam ser especuladas no campo da ficção. Talvez, um dia, uma “pílula do conhecimento instantâneo”, ou algo do gênero, faça com que discutir educação como um processo perca todo o sentido. Talvez, um inflexão: mudança de direção. Glossário dia, professores artificiais façam o trabalho com uma maestria tal que se- quer se cogite a possibilidade de uma pessoa de carne e osso assumir no- vamente essa ocupação. Mas nada disso invalida a discussão atual acerca de uma melhor preparação dos professores para o futuro mais imediato (um horizonte que cobre, ao menos, os próximos dez anos). O campo educacional como um todo não pode se restringir a uma expectativa niilista, como alguém que adentra uma aguda crise exis- tencial (perguntando a si mesmo “para que viver, se afinal a morte é certa?”) e, assim, desiste de perseguir qualquer propósito. Desde 2016, quando o Fórum Econômico Mundial trouxe à tona o tema quarta revolução industrial (ou Indústria 4.0), muito se tem discu- tido sobre a automação dos empregos em todas as áreas imagináveis. O impacto sobre a educação é frontal, a começar pelo indicativo de que a maior parte das crianças de hoje, ao chegar ao mercado de trabalho, irá ocupar empregos que simplesmente não existem atualmente. Isso significa que a escola trabalha na atualidade conhecimentos que não terão adesão na realidade futura. Como consequência, não haverá ou- tro caminho senão a educação em regime permanente. Alguns podem, então, se perguntar com toda legitimidade: se o profes- sor perder seu emprego para uma máquina, o que se ensinará aos estu- dantes, afinal? Não fará sentido que a inteligência artificial os prepare para serem médicos, engenheiros, advogados, administradores ou qualquer outro tipo de emprego tradicional, uma vez que essa mesma tecnologia, que ameaça o protagonismo humano na docência, causa semelhante im- pacto em todas as outras profissões. Caso previsões, como as postuladas por Kurzweil (2005) e Schwab (2017), se ma- terializem quanto a um possível fu- turo em que máquinas trabalharão ao invés de pessoas (não cabendo aqui a preocupação com o desem- prego porque as máquinas existirão para servir à humanidade em todas as suas necessidades), a educação certamente caminhará do atual dominante direcionamento tec- nológico para uma pauta mais niilista: que nega tudo; pessimista. Glossário Os professores serão substituídos por máquinas inteligentes? Phonlamai Photo/Shutterstock Ser professor no século XXI 11 12 Novos caminhos para profissionais da educação humanística e filosófica, por exemplo, aprimorando a competência das pessoas para o autoconhecimento, o relacionamento interpessoal, a cari- dade e a convivência com a diversidade. Curiosamente, talvez se alcance o momento em que uma pessoa não ministre mais aulas – mas seja, para todos os efeitos, professor. É preciso ter em mente que, na perspectiva da função do educador, dar aulas é apenas uma das inúmeras atividades inerentes a essa ati- vidade profissional, algo, aliás, que este livro ocupa-se em examinar exaustivamente, ao oferecer uma análise pormenorizada da atuação do professor no mundo contemporâneo. Não se trata, portanto, de discutir uma mera estratégia de máxi- mo aproveitamento humano, enquanto a automação, silenciosamente, prepara o caminho para um implacável descarte de pessoas. No que se refere a novas tecnologias educacionais, os professores dispõem da oportunidade de liderarem a transformação, com discernimento para priorizar o que é necessário e apontar as direções que precisam ser percorridas. A equação que mescla o social, o tecnológico, o econômico e o ético é de difícil resolução e demanda o talento humano por exce- lência – ao menos, ainda por um bom tempo, suficiente para que os profissionais da educação se mobilizem pela sua própria capacitação e desenvolvimento de alto nível. Se os desafios da contemporaneidade, no que tange à tecnologia, são vultuosos, é preciso lembrar de que a variável tecnológica é apenas uma entre vários outros aspectos: o lado cultural também é preocupante. É fato incontestável que tal formação cultural não está relacionada à condição econômica de um indivíduo, como provam asinúmeras cele- bridades, expostas quase 24 horas por dia nas mídias de comunicação. Ter dinheiro para poder mandar um filho estudar no exterior não serve de muita coisa. A carência cultural que envolve a formação universitária não é um fenômeno unicamente brasileiro, mas um tanto quanto uni- forme no mundo atual. É verdade que algumas instituições do mais alto quilate em nível internacional – como o célebre Ivy League 1 – realizam um trabalho extraordinário, principalmente na formação de empreen- dedores e executivos de alto nível de desempenho. Contudo, preparar alguém para a melhor posição possível no mercado de trabalho ainda está a meio caminho de torná-lo um cidadão na plenitude do conceito. No filme Gênio Indomá- vel, um professor acaba descobrindo e lidando com a genialidade de um aluno, revelando que o imprevisível é quase sempre presente na carreira dos docentes, independentemente do nível de senioridade do profissional. Direção: Gus Van Sant. EUA: Miramax Films, 1997. Filme Ivy League é um grupo constituí- do por oito das universidades mais prestigiadas dos Estados Unidos: Brown, Columbia, Cornell, Dartmouth, Harvard, Princeton, Universidade da Pensilvânia e Yale. 1 Ser professor no século XXI 13 Levando em consideração as realidades de formação das universi- dades e faculdades de desempenho mediano, bem como a realidade da população em geral (que possui o típico dilema de trabalhar ou es- tudar, especialmente no Brasil) e as dificuldades inerentes a um país subdesenvolvido, o cenário mostra-se desalentador – pobreza cultural extrema pode tornar-se alienação social. De todo modo, a aversão que a população, em geral, demonstra por alta cultura não é um fenômeno isolado deste momento histórico, mas algo que atravessa gerações e não parece haver, nessa exclusão, injustiça ou perseguição. Em suma, ser professor implica conviver com desafios constantes, severos e que colocam verdadeiramente à prova a vocação para esse trabalho: há de se concordar com quem diz que ser professor é para quem nasceu para isso. O panorama tecnológico e o cultural, juntos, embora não representem a totalidade dos aspectos envolvidos, têm hoje um peso tal que acabam quase por ofuscar os demais (como va- lorização da profissão, mercado de trabalho, qualidade de vida etc.). Todas as pessoas já tiveram ao menos um professor que ficou marcado na memória por um bom motivo, e a razão disso não é o conteúdo programático oficial que foi repassado em uma aula, mas, sim, uma frase colocada de modo oportuno, um posicionamento preciso diante de um problema ou um incentivo para que enfrentas- se determinada situação da vida. Quando um professor se vê diante de uma turma, nunca sabe quem dali se tornará um empresário de sucesso, um governante ou um especialista consagrado em alguma área do conhecimento – ou, não menos importante, um cidadão de moral ilibada. Por vezes, o impulso decisivo na realização ou não das potencialidades de uma pessoa depende da sorte de contar com o professor certo, na hora certa. No Brasil, a Constituição Federal atualmente vigente (promulgada em 1988) define cultura como aquilo que dá testemunho do modo de ser de um povo, o que é, no mínimo, fortemente questionável: afinal, tal modo de ser carrega so- mente virtudes? É evidente que não, e os exemplos vexatórios que são admitidos certamente dispensam enunciação. Saiba mais Quais são alguns dos maiores desafios do mundo contemporâ- neo no que se refere à atividade de professor? Atividade 1 ilibado: puro, sem manchas. Glossário 1.2 Ser professor na atualidade Vídeo Se o discurso politicamente correto é o de que “ser professor é a mais nobre das profissões”, os momentos de intensa crise de desem- prego são úteis para escancarar, na prática, o menosprezo de muitos pela função docente. Em 2016, um jornal de circulação nacional no Bra- sil causou polêmica com uma reportagem cujo título era “Professores e garçons estão entre os bicos mais buscados”, completado pelo subtítu- lo: “Chance. Quantidade de trabalhadores informais cresceu de 668 mil 14 Novos caminhos para profissionais da educação para 746 mil, aponta a Acic. Medida é saída para o desemprego” (ME- TRO, 2016). Embora o teor da reportagem tenha se referido mais pre- cisamente à função de professor particular, a forma como a chamada da matéria foi estabelecida foi suficiente para uma reação incendiária à época, principalmente nas redes sociais. No ano seguinte, ocorreu uma nova polêmica: um grande grupo educa- cional brasileiro, recrutando uma das celebridades televisivas do momento, lançou seu curso de formação pedagógica na modalidade de educação a distância (EaD) com a chamada “Segunda graduação: torne-se um profes- sor e aumente sua renda! Não precisa de vestibular”. Como se fosse pou- co constrangimento, aconteceu, ainda, de um grupo concorrente plagiar a peça publicitária, lançando sua propaganda com exatamente os mesmos termos, trocando apenas a celebridade por outra de mesmo apelo popular. Ainda que não seja uma exclusividade dos profissionais da educa- ção, a “uberização” 2 de suas atividades, tal como denunciada por Silva (2019), pode contribuir para a precarização do trabalho dos professo- res – principalmente se estes forem inócuos na autogestão da carreira. De todo modo, embora o contingente de docentes no Brasil seja forma- do por todo tipo de perfil – desde os que sempre sonharam lecionar, até os que adotaram assumidamente a estratégia “se tudo mais der er- rado, eu me torno professor” –, não se pode desprezar os profissionais que tenham escolhido a função independentemente da razão, por uma única razão: a solução para o problema passa primeira e fundamental- mente pelo aperfeiçoamento individual. É de um em um que se des- perta a consciência do quanto é necessário assumir a responsabilidade pelo próprio aprimoramento como educador, por construir sua própria jornada para a excelência na ocupação, o que acabará por resultar em um quadro social profundamente diferente do vivido atualmente, afas- tando a vitimização complacente subentendida em Silva (2019). No artigo Os dilemas do professor iniciante: reflexões sobre os cursos de formação inicial, da autora Dulcinéia Souza, publicado na Revista Multidisciplinar da UNIESP, em 2009, explica-se que o iní- cio da carreira docente é marcado por crises, em um período de descoberta e de sobrevivên- cia, sendo imprescindíveis o conhecimento e a reflexão sobre essa fase profissional para que as instituições de formação superior em licenciatura e as instituições que recebem o professor iniciante possam oferecer apoio adequado a esse profissional. Acesso em: 21 fev. 2020. http://uniesp.edu.br/sites/_biblioteca/revistas/20180403122844.pdf Artigo O termo uberização, inspirado no conceito do aplicativo de transporte Uber, refere-se a uma nova forma de negócio, na qual coloca-se o produtor e o consumidor em contato direto, deixando os intermediários em segundo plano. 2 inócuo: inofensivo; que não causa dano moral ou material. Glossário Um profissional que circuns- tancialmente tenha se tornado professor como um “bico” tem futuro nessa carreira? Explique. Atividade 2 Ser professor no século XXI 15 Mundo afora, conforme explicam Bacila (2016) e Ball (2017), o exercício da atividade profissional na educação se distingue em mui- tos aspectos. Em Portugal, por exemplo, existe um estatuto docente, desenvolvido pelo Ministério da Educação, que conduz as políticas referentes ao sistema educacional. Além disso, a categoria é calçada por uma estrutura sindical forte, que contribui para que profissionais contem com a progressão de carreira. Estados Unidos e Inglaterra são alguns dos países em que o título profissional de professor só é alcan- çado após o doutoramento do educador. Para Evans (2016), a atualidade impõe seus desafios à atividade do- cente, cabendo refletir sobre os caminhos a seguir no que diz respeito ao propósito dosprofessores no século XXI. É de se admitir que, hoje, a evolução das carreiras e dos papéis acadêmicos tenha atingido um ponto crítico. Sendo assim, estaria o título de professor ameaçado de extinção? Há quem o critique como estritamente anacrônico, argu- mentando que não se cumpre mais seu propósito tradicional. Afinal, com a proliferação que se vê do professorado no mercado de trabalho, é difícil argumentar que o rótulo professor continue a sustentar a distin- ção que ele já mereceu um dia. De acordo com o mesmo autor, as instituições de ensino têm sido fundamentais no que se refere a ampliar os parâmetros do que a profissão de professor implica, em termos de propósito docente. Visando melhor aproveitar as habilidades e talentos de seus acadê- micos mais antigos – e talvez até mesmo justificando os salários e o status desses educadores experientes –, as escolas parecem ter rein- ventado o conceito de docência, em um movimento voltado a apoiar o cumprimento dos seus objetivos institucionais e a promulgação de suas estratégias organizacionais. Nesses termos, papéis que vêm sendo agregados à atividade docente incluem: zelador pela melhoria do status institucional; embaixador da instituição junto à comunida- de externa (incluindo relação direta com pais de alunos); informante público; repositório de conhecimento especializado; mentor; gera- dor de receita (ativo econômico); gestor; além de “líder acadêmico”, termo coringa (muitas vezes genérico e abstrato) no qual todas es- sas e outras possíveis funções podem ser agregadas. Para justificar a reinvenção do papel docente, as altas lideranças e gerências das instituições de ensino usualmente se valem do ar- gumento de que os dias do acadêmico “monofoco” desapareceram. anacrônico: retrógrado; contrário aos usos e costumes de uma época. Glossário 16 Novos caminhos para profissionais da educação Agora, todos os professores devem se esforçar para responder ao de- safio de uma adaptação ao ambiente dinâmico e modificado que é a escola do século XXI. Isso envolve expandir o repertório de habilidades e os parâmetros de seus domínios de conhecimento, aumentando o leque do que pode e deve ser coberto. Desse cenário, emerge a pres- são como um componente típico, por assim dizer, parte integrante de um ambiente de trabalho tão dinâmico. Na prática, isso pode denotar um fato inequívoco: nos dias atuais, se um professor não se sentir, de modo geral, estressado com seus afazeres no dia a dia, isso pode servir de alarme no que diz respeito à continuidade no emprego ou progres- são de sua carreira profissional. Segundo Evans (2016), esta tão bem quista adaptabilidade para os dias atuais é, por certo, um valor de difícil contestação. A dificul- dade também se impõe sobre a tentativa de se observar e concluir com segurança acerca da direção ante a qual os ventos da mudança estão soprando e seguindo seu curso. Representando uma adapta- bilidade consumada ao ambiente atual, as promoções e o acesso às melhores oportunidades na carreira docente vão exigindo foco, interesses e expertise mais amplos. Na escola do século XXI, a evidente vastidão e difusão do que seus titulares parecem aceitar como realidade do papel docente é uma questão que as instituições de ensino precisam levar a sério. Afinal, existe o risco de diluir o entendimento daquilo que é consensualmen- te reconhecido como o objetivo principal dos professores: o compro- metimento prioritário com pesquisas e estudos do mais alto nível, visando produzir e disseminar o estado da arte do conhecimento. Cumpre observar que, etimologicamente, professor é quem professa algo, e esse algo é, em última análise, a integridade do conhecimento. Ainda para Evans (2016), o impacto dessa diluição das atribuições já parece ser evidente: por sinal, estudantes que demonstram habi- lidades alternativas ou compensatórias ante aquilo que as institui- ções de ensino atualmente valorizam bastante – como capacidade de garantir financiamento para pesquisas, pensar estrategicamente, realizar apresentações públicas convincentes e bem articuladas, ou mesmo inspirar e motivar os outros – são facilmente encaminhados à docência. Vive-se, atualmente, uma democratização do professo- rado. Contudo, há que se levar em consideração que tal movimento é alinhado às necessidades atuais das instituições de ensino, tratan- quista: estimada. expertise: competência ou qualidade de especialista. Glossário Ser professor no século XXI 17 do-se, pois, de uma democratização muito mais baseada em habili- dades do que em termos de base social. A democratização abre portas, até então fechadas, ampliando o acesso à profissão. Quanto mais acesso, maior é o número de partici- pantes; e quanto maior o número de participantes, melhor diversida- de é conseguida, implicando, inevitavelmente, uma amplitude muito maior de competências docentes das mais diversas naturezas. Assim, percebendo uma necessidade ou aplicação para um conjunto de ha- bilidades mais amplo entre os professores do que era historicamen- te predominante, as instituições de ensino parecem ter estendido gradualmente os parâmetros dos papéis do professor, refazendo os propósitos desse profissional de acordo com as agendas institucionais pautadas na produtividade. Para Evans (2016), não resta dúvida de que extrair o melhor pro- veito do professorado passa por reavaliar o propósito e o papel des- se profissional. Ao menos duas perspectivas apresentam algumas maneiras possíveis de abordar essa questão fundamental. A primei- ra reconhece o propósito dos professores de envolver-se exclusiva- mente em atividades acadêmicas intelectualmente notáveis, gerando conhecimento inovador para o benefício intrínseco da disciplina e, por extensão, para o benefício extrínseco da própria instituição de ensino. Esse propósito envolveria um papel único, não ambíguo e sem complicações – o de pesquisador – e impediria a incorporação de quaisquer responsabilidades adicionais ou suplementares que os desviassem de seu objetivo, tornando os professores essencialmen- te profissionais especialistas. Isso, claro, transparece um retrocesso no redesenho da profissão imposto pelo mundo contemporâneo. Por sua vez, a outra perspectiva reconhece que, diante da crescente pressão para expandir suas próprias competências e seus propósi- tos, as instituições de ensino devem ampliar o foco e o repertório de atividades de seus professores. Em suma, ponderando vantagens e desvantagens, a carreira docen- te se mostra um funil: muitos a experimentam pelos mais variados mo- tivos, mas poucos se consolidam. Não há outro caminho para evoluir como professor senão desenvolver continuamente a competência para o exercício profissional – aliás, tantas são as atividades da profissão e tão diversos são os desafios associados que a prática acaba por exigir múltiplas competências simultâneas. 18 Novos caminhos para profissionais da educação 1.3 Múltiplas competências para o novo educador Vídeo Trabalhar como professor não se resume simplesmente a minis- trar aulas. Para Wilkerson (1999) e Arends (2014), o educador atua em quatro frentes de trabalho, quase sempre simultâneas: ensino, pesquisa, gestão e extensão. Portanto, o conjunto das inúmeras competências que o profissional precisa desenvolver está distribuí- do entre essas quatro dimensões. A começar pela mais óbvia, o ensino corresponde ao ato de le- cionar, ou seja, a tudo o que envolve o trabalho em sala de aula, ao relacionamento direto entre professor e aluno. Aqui, cabem a aborda- gem tradicional (do encontro em sala de aula) e as novas modalidades virtuais que a tecnologia passou a possibilitar (tanto aquelas em que professor e aluno mantêm um relacionamento estreito semelhante ao regime presencial, apesar da distância geográfica, quanto aquelas em que o professor não conhece as características individuais de seu aluno – apenas um perfil geral a respeito da turma). Mesmo sendo aborda- gens diferentes,o professor deve sempre aprimorar sua prática para garantir o conhecimento programado para determinado curso. A pesquisa é o campo de produção científica do professor. Me- diante a estrita aplicação de métodos qualitativos e quantitativos ho- mologados pela comunidade científica, problemas de pesquisa são estudados e equacionados, e soluções são propostas, tudo de maneira documentada em artigos científicos, publicados em veículos especiali- zados conhecidos como periódicos científicos (ou journals). A rigor, o co- nhecimento é produzido pela pesquisa científica. Naturalmente, como uma das possibilidades cobertas metodologicamente, aquilo que é dis- cutido e trabalhado em sala de aula pode, muitas vezes, ser útil para a produção de conhecimento – embora todo esse trabalho precise ser aplicado com o rigor metodológico necessário. Por esse motivo, a ideia de que conhecimento também é gerado na interação entre professor e aluno tem a justa ressalva anotada. Por atividades de gestão, entendem-se todas as atribuições de lide- rança executiva no meio acadêmico. Por exemplo, a coordenação de um curso, de um grupo de pesquisas, de um programa de graduação Ser professor no século XXI 19 ou pós-graduação, a chefia de um departamento acadêmico ou, até mesmo, a direção de uma instituição de ensino. Por fim, as atividades de extensão são aquelas que não se ca- racterizam, essencialmente, como ensino, pesquisa ou gestão. Tra- balhar em uma revista científica, no papel de revisor ou editor, por exemplo, é uma possibilidade. Outras alternativas podem ser: di- vulgação científica na internet, consultoria educacional, entre tantas outras inúmeras possibilidades. Sem dúvida, algo marcante na profissão de educador é a cres- cente complexidade das responsabilidades que se vão acumulando. Portanto, o primeiro exercício proposto a um professor que está se questionando o quanto sua carreira parece “parada”, é diagnosticar como está a distribuição de trabalho nas dimensões ensino, pes- quisa, gestão e extensão. É claro que ninguém consegue balancear com perfeição essas quatro frentes estratégicas – as demandas vão surgindo conforme são ditadas pelo mercado de atuação –, mas é imprescindível ficar alerta ao fato de que a nulidade de atividades em qualquer um dos quatro campos possivelmente faz com que o professor seja menos valorizado. Esse monitoramento da própria carreira, em busca de autodiagnóstico, é obviamente uma necessi- dade para a vida toda. Quanto ao conjunto de competências necessárias ao êxito profis- sional na atividade docente no século XXI, a atual dinâmica social talvez possa levar alguém a arriscar um diagnóstico: o professor tem de se atualizar, pois ninguém aguenta mais a aula tradicional. Os alunos mu- daram, eles estão conectados com a informação e não querem mais receber conteúdo pronto. Então, o professor deve se reinventar, ser criativo, propor desafios, aliar-se à tecnologia, saber trabalhar com pro- jetos e tornar-se, efetivamente, um mediador, e não um fornecedor de conteúdo – afinal, não é para isso que existe a internet? Em partes, sim. O professor deve ser hábil para dosar inteligentemente o apelo à novidade (que não pode ser meramente uma “mudança pela mudan- ça”) e o procedimento didático-pedagógico clássico que educou em alto nível e por várias gerações pessoas realmente bem-sucedidas (econo- micamente e/ou moralmente). Então, a despeito de todas as novas necessidades que surgem com a evolução da sociedade, não é verda- de que ninguém aguenta mais a aula tradicional, pois o que ninguém Quais são as quatro frentes de trabalho do professor? Atividade 3 nunca suportou é a aula ruim. Mais uma vez, recorrendo à memória individual, todos podem se lembrar de, ao menos, um professor em sua vida que tenha tornado cada encontro com a turma um momento inesquecível, por mais tradicional que fosse seu sistema de ensino. Por outro lado, a explosão dos cursos on-line e os mais variados recursos eletrônicos presentes hoje em dia confirmam a velha máxima de que quantidade não é qualidade, pois não é difícil encontrar aulas ofereci- das com tecnologia de ponta e conteúdo paupérrimo. Uma aula clássica ou tradicional e uma aula arcaica não são a mes- ma coisa. A última significa um total descompasso, uma inadequação insustentável entre, de um lado, o que e como se propõe a ensinar e, de outro, aquilo que é necessário aprender. O que as novas tecnologias no campo da educação estão trazendo não é uma denúncia ou con- denação do modelo clássico, mas, sim, maior produtividade por meio da potencialização de elementos que justamente residem no clássico: a figura do professor, a figura do aluno, o conteúdo sistematizado de conhecimento, as fontes extras de leitura, as formas de avaliação, os mecanismos de feedback etc. Que os alunos mudaram, é verdade. Há muito se discute, ou se pro- cura entender, o impacto do choque de gerações na educação, mais especificamente na relação professor e aluno. O professor, geralmen- te, será mais velho ao menos uma geração que os estudantes sob sua tutela e poderia, assim, estar em desvantagem em relação às pretensas novas aptidões e características dos alunos. Interessados nesse tema, Buckingham e Willett (2013) conduziram um estudo que procurou en- tender a fundo o fenômeno da geração digital representada pelos no- vos alunos que adentram as instituições de ensino. Entre suas conclusões, está a constatação de que os jovens possuem uma invejá- vel desenvoltura natural com as novidades tecnológicas. paupérrimo: extremamente pobre. Glossário feedback: resposta a uma atitude ou comportamento. Glossário 20 Novos caminhos para profissionais da educação Uso de tecnologias em sala de aula. Rawpixel.com/Shutterstock Ser professor no século XXI 21 Por outro lado, um dos grandes achados do estudo foi revelar que, a despeito de tanta novidade high-tech que os rodeia, os estudantes possuem características em comum com seus colegas de gerações passadas, como o anseio e a necessidade pelo conhecimento e a expectativa de serem atendidos por um educador que lhes mostre que é possível contornar os obstáculos e desafios de sua jornada. Uma vez que existe a internet, o professor precisa prover conteú- do? Sem dúvida alguma, encontrar qualquer tipo de informação na grande rede, de maneira absolutamente instantânea, é muito fácil. Avaliar a qualidade e a credibilidade da fonte acessada e do material disponibilizado, por outro lado, é bem mais difícil; principalmente em uma época que recebe o constrangedor rótulo de era da pós-verdade, imersa em fake news e na viralização dos boatos mais infundados. Existe, portanto, uma necessidade imperativa de o professor intervir no processo de livre acesso à informação que qualquer aluno do ensi- no fundamental, com seu celular em mãos, acredita ter. Não se trata, claro, de restringir o trabalho de pesquisa simples- mente fornecendo os endereços previamente homologados como sites críveis: é preciso deixar o aluno, em um primeiro momento, tra- zer o resultado de suas buscas espontâneas, mas, logo em seguida, mostrar a ele como qualificar a informação acessada, julgar as fontes, identificar discursos ideológicos eventualmente incorporados, entre outros critérios. Um aluno precisa de suporte direto do professor para, por exemplo, saber que uma informação presente em um livro tende a ser muito menos atualizada e mais opinativa do que em um artigo científico publicado. Além disso, ainda mais importante, o alu- no precisa do professor para compreender o porquê disso. Está fora de discussão que o professor deve, sim, usar as tecno- logias disponíveis como aliadas no processo de ensino e aprendi- zagem. As possibilidades de enriquecimento da experiência de aula com o uso de aparatos tecnológicos são vastíssimas – desde que devidamente orientadas. De nada adianta abarrotar a sala de aula com todo tipo de geringonça eletrônica se o professor não orques- trar a atividadeque seus alunos precisam desempenhar, estabele- cendo um propósito e as “regras do jogo” propriamente ditas, sem as quais a aula tende a desvirtuar para uma mera experimentação de curiosidades tecnológicas. high-tech: alta tecnologia; tecnologia avançada. Glossário fake news: notícias falsas que geram desinformação. Glossário críveis: dignos de crédito. Glossário 22 Novos caminhos para profissionais da educação Como demonstrado por Mishra e Koehler (2006), o professor de alto desempenho é aquele que consegue integrar três conjuntos de saberes: o do conteúdo propriamente dito (sua área de expertise), o pedagógico e o tecnológico. No caso do domínio tecnológico, um período de desa- tenção, no sentido de deixar de acompanhar as novidades da indústria, pode ser suficiente para o educador ficar em perigosa desvantagem no seu mercado de trabalho, visto que a evolução tecnológica se caracteriza por ser implacavelmente acelerada. E isso independe do quão tecnológi- ca é a área de conteúdo do docente; sem estar versado nas tecnologias educacionais (as quais não são apenas as digitais), sua empregabilidade é cada vez mais ameaçada. CONSIDERAÇÕES FINAIS Um dos motivos que levam os professores a desenvolverem e acu- mularem competências, de maneira vitalícia, é a evolução da socieda- de. Um conjunto específico de saberes pode até ter sido responsável pelo sucesso que um professor teve no passado, mas, ao mesmo tem- po, pode não significar nada para o seu futuro. Diante da missão – desafio maior, aliás – de tentar harmonizar o progresso tecnológico com a recuperação da alta cultura, o professor precisa primeiramente ser sensibilizado quanto à necessidade de in- vestir em sua própria formação, para, só então, começar a desenhar a estratégia que possibilita alcançar o alto desempenho na função do- cente; o que é possível por meio de inúmeras e diversificadas com- petências, integrando o conhecimento especializado, o pedagógico e o tecnológico nas quatro frentes de atuação de seu ofício, que são o ensino, a pesquisa, a gestão e a extensão. REFERÊNCIAS ARENDS, R. I. Learning to Teach. Columbus: McGraw-Hill Education, 2014. BACILA, C. R. Nos bastidores da sala de aula. Curitiba: Intersaberes, 2016. BALL, S. J. The Education Debate. Bristol: Policy, 2017. BUCKINGHAM, D.; WILLETT, R. Digital Generations: children, young people, and the new media. Florence: Routledge, 2013. EVANS, L. The Purpose of Professors: professionalism, pressures and performance. Stimulus paper. Leadership Foundation for Higher Education, 2016. KURZWEIL, R. The Singularity is Near: when humans transcend biology. New York: Viking, 2005. METRO. Professores e garçons estão entre os bicos mais buscados. 30 mai. 2016. Ser professor no século XXI 23 MISHRA, P.; KOEHLER, M. J. Technological pedagogical content knowledge: a framework for teacher knowledge. Teachers College Record, New York, v. 108, n. 6, p. 1017-1054, 2006. Disponível em: http://one2oneheights.pbworks.com/f/MISHRA_PUNYA.pdf. Acesso em: 21 fev. 2020. SCHWAB, K. The Fourth Industrial Revolution. New York: Crown Business, 2017. SELDON, A. The Fourth Education Revolution: how artificial intelligence is changing the face of learning. Milton Keynes: The University of Buckingham, 2018. SILVA, A. M. A uberização do trabalho docente no Brasil: uma tendência de precarização no século XXI. Trabalho Necessário, v. 17, n. 34, p. 229-251, set./dez. 2019. Disponível em: http://periodicos.uff.br/trabalhonecessario/article/download/38053/21780. Acesso em: 21 fev. 2020. WILKERSON, J. M. On research relevance, professors’ “real world” experience, and management development: are we closing the gap? Journal of Management Development, Bingley, 18, n. 7, p. 598-613, 1999. GABARITO 1. Alguns dos maiores desafios do mundo contemporâneo em relação à atividade de professor são: o acompanhamento das inovações tecnológicas (uma vez que elas ocorrem em ritmo acelerado) e o baixo nível cultural da sociedade (independente- mente da classe socioeconômica). 2. Sim, esse professor pode ter futuro. Não se pode desprezar os professores que te- nham entrado na função, mesmo pelas razões mais erráticas possíveis, por um moti- vo: a solução para o problema da baixa valorização do profissional começa pela inicia- tiva de aperfeiçoamento individual. 3. A atuação profissional do docente se faz presente nas frentes de ensino, pes- quisa, gestão e extensão. É importante estar preparado para atuar nessas três frentes para crescer profissionalmente. 24 Novos caminhos para profissionais da educação 2 Repensando a formação docente Partindo da noção de que o professor precisa, por diversas razões, aprimorar e investir na sua formação para ampliar seus horizontes como profissional, a questão que se responde neste capítulo é: como fazê-lo? Afinal, o professor que estuda con- tinuamente é, sobretudo, um exemplo e uma inspiração para seus alunos. Felizmente, as novas tecnologias facilitam muito a capacitação constante que se exige durante toda a vida. Se antigamente uma formação de alto nível era exclusividade para os mais abastados, hoje se dispõe de uma gama de opções para todos os perfis socioeconômicos. 2.1 A formação continuada Vídeo Para que possa estar permanentemente capacitado, o professor deve considerar duas perspectivas de formação continuada, que não se excluem mutuamente: o programa stricto sensu e as formações com- plementares, que, juntas, constituem a espinha dorsal do currículo do docente. A primeira diz respeito ao mestrado e ao doutorado; já a segunda, a infinitas capacitações e certificações agregadas. É possível fazer uma analogia, ainda que rasa, com um atleta de alto nível, que precisa mesclar maratonas e olimpíadas (stricto sensu) com a frequên- cia assídua e, praticamente cotidiana, à academia de ginástica para que possa manter a forma física (formações complementares). Analisando a formação stricto sensu e concordando com Louzano et al. (2010), o fato é que o professor, principalmente do ensino superior, precisa considerar a obrigatoriedade de progredir seu nível acadêmico: se ainda não é mestre, precisa pensar em sê-lo; se ainda não é doutor, vale a pena pensar nessa possibilidade; e, mesmo para quem já alcan- çou o doutorado, o pós-doutorado pode estar no seu radar pessoal. Repensando a formação docente 25 Nesse aspecto, algumas considerações precisam ser feitas em relação à profissão de professor diante das demais. O que ocorre é que qualquer pessoa com curso superior pode fazer um mestrado ou mesmo um doutorado. Em tese, todas essas pessoas estão legal- mente habilitadas a se candidatar, pois possuem o requisito mínimo: a graduação completa. Na prática, principalmente no Brasil, dada a alta concorrência por essas posições, nos programas de pós-graduação de todas as instituições de ensino, sendo públicas ou privadas, o que se vê é que dificilmente pessoas sem um curso de especialização lato sensu conseguem êxito para ingressar no mestrado – da mesma forma, muito raramente se vê um doutorando que ainda não seja mestre. Então, se o objetivo é, no médio ou longo prazo, um doutoramento, certamen- te são necessárias etapas intermediárias de formação para conquistar com êxito essa meta. Para os profissionais em geral, como um fisioterapeuta, um ar- tista plástico ou um contador, o mestrado e o doutorado são ce- nários facultativos que eles podem considerar para suas carreiras – quando procuram esse caminho, é porque alguma inclinação existe, ainda que latente, para trabalhar no meio acadêmico. O fato é que, em última análise, até mesmo o curso de graduação básica, que permite a alguém dizer que tem ensino superior, não é, efetivamente, uma necessidade primordial. Muitas pessoas, depen- dendo de sua ocupação, valores pessoais e estilo de vida, podem viver perfeitamente bem, inclusive com pleno exercício da cidada- nia, sem ter um curso universitário. Não há motivo que justifique impor educação superioràs pessoas; o que se precisa assegurar é o pleno direito de acesso a quem se interessar por esse caminho. Já um cenário completamente diferente se apresenta a quem esco- lheu ser professor universitário. Nesse caso, em seu plano de carreira, deve-se ter por objetivo, sempre, o próximo grau acadêmico a ser con- quistado. Dependendo das circunstâncias de cada caso, pode ser um plano para curto, médio ou longo prazo, mas precisa ser um objetivo priorizado. Somente uma geração de profissionais capacitados pode- rá estabelecer condições estruturantes para mudar o quadro cultural no Brasil. Não se pode esperar que, da atual mentalidade de políticos, empresários e tecnocratas quaisquer, emerja a liderança para essa transformação, enquanto professores permanecem enclausurados em departamentos acadêmicos. Nesse campo, não há meia solução, pois Quais são as duas perspectivas de formação continuada que o professor deve considerar? Atividade 1 latente: oculta, escondida. Glossário tecnocratas: governantes que buscam apenas soluções técnicas. Glossário 26 Novos caminhos para profissionais da educação estacionar no progresso acadêmico, em uma zona de conforto que me- ramente garanta seu sustento familiar por algum tempo, conflita com a função social que o professor assumiu (consciente ou não disso). A situação ideal pode até não se realizar por um ou outro fator incidental, porém, é importante que seja perseguida com todo vigor e que, assim, todos os professores universitários do Brasil possam se tornar doutores, estando sempre envolvidos nas atividades de pós- doutoramento. Cumpre esclarecer que, diferentemente do que o senso comum possa imaginar, pós-doutorado não é um título que se conquiste ou um curso que se realize, como são o mestrado e o doutorado. O pós- doutoramento é uma atividade destinada, em geral, aos recém-doutores (para todos os efeitos, com menos de dez anos passados após a defesa da tese); não envolve cursar disciplinas e tampouco defender uma tese. O foco é, primordialmente, a pesquisa, com vistas à resolução de algum problema complexo, o que implica, na prática, a produção de publicações científicas mais amadurecidas (criar genuinamente conhecimento) ou, até mesmo, o desenvolvimento de tecnologia de ponta. Por isso, nesse regime de intensa pesquisa, a dedicação ao ensino, à gestão e à extensão é momentaneamente suprimida. Então, para começar a percorrer o caminho stricto sensu, os pro- fessores precisam planejar seu mestrado e doutorado. Os cursos são oferecidos pelos programas de pós-graduação de faculdades, centros universitários e universidades, da rede pública e privada. Não há outra alternativa, senão pesquisar. Desse modo, em função de sua área de predileção, o professor encontra nos sites das respectivas instituições as informações gerais sobre as ofertas de mestrado e doutorado. Nas instituições privadas, os cursos de mestrado e doutorado cos- tumam ser substancialmente caros, considerando o poder aquisitivo médio do brasileiro. Assim, é importante ficar alerta a ofertas que cos- tumam surgir, nas quais essas instituições podem oferecer cursos gra- tuitos. Muitas vezes, elas fazem isso por alguma política de subsídio ou como uma estratégia para conseguirem uma “massa crítica” de alunos formados naquela instituição, o que ajuda no estabelecimento de seu nome como uma marca presente no mercado. Há de se considerar, claro, que cursos gratuitos são muito mais concorridos que os pagos, como ocorre nas universidades e institutos federais. incidental: imprevisível, eventual. Glossário Repensando a formação docente 27 Dada a concorrência, um bom projeto de pesquisa é decisivo para ser aprovado como aluno de mestrado ou doutorado, de acordo com as linhas de pesquisa da instituição em que se disputa uma vaga. Quem fracassa no processo seletivo, muitas vezes, peca nesse aspecto; não é suficiente que o interesse particular de pesquisa do candidato tenha sido impecavelmente documentado em uma proposta de projeto, mas tor- na-se imprescindível que tal proposta tenha adesão temática ao que é trabalhado naquele programa de pós-graduação. Por isso, o candidato precisa ser estrategista. Uma vez determinado o programa como alvo, é necessário conhecer a respeito da linha de pesquisa e dos projetos em andamento na instituição – dados que podem ser levantados por meio de uma conversa direta com os professores desse programa. Uma vez aprovado como mestrando ou doutorando, há a pos- sibilidade de bolsas de estudo para ajudar a arcar com os custos (diretos e indiretos). Na maioria dos casos, o valor não é alto, mas ajuda o estudante a suportar a fase de sacrifício financeiro inerente a essa etapa da vida – a contrapartida costuma ser a exigência de permanência do estudante nas instituições. Ou seja, um mestrando ou doutorando bolsista acaba, na prática, por não se ausentar da instituição de ensino, visto que, quando não está em curso, está imerso em diversas outras atividades demandadas, principalmente as relacionadas aos grupos de pesquisa dos programas de pós-gra- duação. No Brasil, as bolsas de estudo são concedidas pelas agên- cias governamentais Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) e CNPq (Conselho Nacional de Desenvol- vimento Científico e Tecnológico). Dependendo do edital, o repasse pode ser direto ao pós-graduando ou ser intermediado pelo próprio programa da instituição, que recebe a verba governamental e sele- ciona, internamente, seus bolsistas. Assim, monitorar permanente- mente editais e chamadas é estritamente necessário. Finalmente, no que se refere à formação stricto sensu, o professor deve considerar ainda as possibilidades criadas pelas novas tecnologias: a novidade é que existem mestrados e doutorados na modalidade EaD. No Brasil, o Ministério da Educação homologou o Parecer n. 462/2017 1 , do Conselho Nacional de Educação, que autoriza esse tipo de oferta. Já as formações complementares, por sua vez, são bem diferentes dos mestrados e doutorados: enquanto estes exigem um longo, inten- Parecer disponível em: http:// portal.mec.gov.br/docman/ outubro-2017-pdf/73971-pces- 462-17-pdf/file. Acesso em: 21 fev. 2020. 1 28 Novos caminhos para profissionais da educação so e rigoroso período de dedicação (de dois a quatro anos, sem contar o eventual tempo de preparo antecipado), aquelas são curtas e, de- pendendo do caso, podem ocorrer em questão de meses, semanas, dias ou mesmo horas. Como há muito mais liberdade envolvida, em alguns casos, sequer é concedida a certificação. Quem procura cursos de formação complementar quase sempre o faz muito mais em função do conhecimento especializado que pode ser conquistado do que de títulos a acumular. Na busca de aprimoramento profissional, é natural que o profes- sor opte por formações rápidas, gratuitas ou de baixo custo. Isso passa pelos convencionais minicursos e palestras que os professores podem frequentar em regime presencial ou na sua própria instituição de tra- balho, ou pelo que o mercado dispõe. Contudo, mais recentemente, as plataformas ao estilo Massive open on-line courses (Mooc), ou cursos on- -line abertos e massivos em português, mostraram-se como inovações de estrondoso sucesso para fins de capacitação continuada. Uma dessas plataformas é o Coursera 2 , uma das principais referências em Mooc de nível internacional. Ela possui um respeitável portfólio de cursos livres voltados à capacitação continuada de educadores, incluindo o conheci- mento pedagógico. Contudo, ao procurar cursos de qualquer natureza (área de especiali- zação, tecnológica ou pedagógica) sem ficar restrito unicamente aos ofe- recidos com opção de legenda em português, o portfólio se torna quase que infindável. Isso conduz a um dos mais importantes aspectos estra- tégicos relacionados à formação continuada dos educadores: é impres- cindível saber inglês. Isso é algo que precisa ser priorizado na vida de um professor, considerandoque dominar uma língua estrangeira é mais uma competência cuja aquisição não é instantânea, mas, sim, trabalhada e aprofundada em regime permanente. Comprovando a limitação que é ficar restrito ao português, o exer- cício de procurar no Google por “Mooc for educators” resulta em uma listagem interminável de opções para capacitação docente nas mais diversas frentes. Vale muito a pena conhecer, em especial, as opções ofertadas por plataformas como Udemy, edX, Udacity, Codeacademy, Khan Academy, FutureLearn e Pluralsight, sendo essas algumas das mais em evidência. Em suma, talvez a grande dificuldade da formação continuada, atualmente, é fazer uma escolha, dada a explosão de ofer- tas absolutamente acessíveis a que se está submetido. O Veduca é uma plataforma brasileira que se apresenta como uma ótima alternativa para os professores que buscam apro- fundar seus conhecimentos em uma área específica de formação e/ou em tecnologia, embora não existam muitas ofertas de conteúdo pedagógico, como cursos voltados à educação. Disponível em: https://veduca. org. Acesso em: 21 fev. 2020. Site Plataforma disponível em: https://www.coursera.org. Acesso em: 21 fev. 2020. 2 Repensando a formação docente 29 2.2 O pesquisador autodidata Vídeo Existe, ainda, um forte componente de autoformação na função de professor: o aproveitamento da competência de saber aprender, a fim de se adquirir mais competências complementares. Afinal, se o aparato tecnológico atual faz com que qualquer criança recém-alfabe- tizada consiga encontrar, instantaneamente, informações sobre um termo qualquer na internet, os professores minimamente capacitados dispõem de aptidões cognitivas, que servem de filtro e de juízo crítico ao que encontram, além de uma estrutura dialética básica, que lhes permitem transitar pelo conhecimento mediante o que Hegel (1998) denomina de tese, antítese e síntese. Tese Antítese Síntese Ideia inicial seguida de pergunta que a contraponha. Nova ideia com base na resposta da pergunta inicial. Conclusão a partir da junção das duas ideias. Essa é a importância da pesquisa como competência a ser de- senvolvida e permanentemente aprimorada. Todo professor precisa pesquisar, ora para produzir o conteúdo para suas aulas, ora para a produção de seus próprios artigos científicos. Não existe a menor possibilidade de uma seriedade moral no desempenho da função de professor se não há sequer sensatez no pensamento – a integridade intelectual é a base de toda conduta docente, seja em suas práticas em sala de aula, seja nos seus estudos. Martins (2010), jornalista, his- 30 Novos caminhos para profissionais da educação toriador e crítico literário, relata que praticamente todas as ocupações intelectuais daqueles que precederam a sociedade brasileira, desde a colonização, consistem de futilidades que em nada contribuem para a alta cultura: cinco séculos de produção intelectual no país mostram- -se simplesmente irrelevantes na produção mundial de conhecimento. Como resultado, tem-se que, ao longo das décadas mais recentes, os artigos científicos publicados por pesquisadores brasileiros aumenta- ram em quantidade e diminuíram em qualidade. Sendo um fato objetivo, isso fica imune a qualquer discussão de natureza ideológica ou apelo nacionalista. Portanto, já citada a ne- cessidade de dominar o inglês como uma das competências centrais do professor da atualidade, outra competência se torna evidente: resistir à tentação de buscar conhecimento relevante (atualizado, de alto nível) nos materiais disponíveis em português só porque é “mais fácil”. Quando muito, nesses casos, o que se encontra, em grande parte, são meras traduções (nem sempre oficiais ou confiáveis) das fontes originais, as quais deveriam ser buscadas com prioridade. Quem ainda não domina suficientemente o idioma e precisa dar andamento às suas pesquisas enquanto resolve essa questão (afinal, proficiência em novo idioma é um trabalho para alguns anos de dedica- ção) pode considerar a utilidade dos tradutores on-line, como o Google Tradutor. Obviamente, não é a solução ideal, porque o atual estado da tecnologia ainda não é impecável na tradução, mas já fornece uma base para a compreensão. Fontes básicas para o professor fazer suas pesquisas, os artigos científicos publicados em periódicos internacionais são mais facil- mente identificados e acessados por buscadores especializados. O Google oferece uma excelente ferramenta para essa finalidade, que é o Google Scholar. Uma dica importante é usar sempre a opção de busca avançada, que permite uma pesquisa bem mais dirigida, por meio de palavras-chave associadas a um autor específico, a um deter- minado periódico ou a um intervalo de datas. Os resultados das bus- cas são apresentados com os links, tanto para o endereço do periódico quanto para, se disponível, o arquivo PDF com o artigo em questão. Outras bases de dados organizados por periódicos científicos que são de uso recorrente de pesquisadores acadêmicos são SciELO, PubMed, Medline, Redalyc, Web of Science, Scopus, Science Direct, entre inúmeras Repensando a formação docente 31 outras. Na prática, qualquer pesquisador com pretensão de alcançar alguma relevância com seu trabalho precisa investir algum tempo para se familiarizar com as bases de dados científicas, a fim de entender seu mecanismo de funcionamento e as suas funções possibilitadas. Afinal, uma das competências centrais de um pesquisador é a bibliometria, isto é, a capacidade de quantificar e de qualificar as fontes escritas de informação. Isso envolve identificar as tendências e o crescimento do conhecimento em uma determinada área. Na prática, isso significa que, quando um pesquisador precisa, por exemplo, encontrar informações sobre o movimento sindical no início do século XX, o mecanismo funcional das mitocôndrias ou a dinâmica do mercado de derivativos financeiros, sua primeira aptidão é a de ter um senso de relevância, ou seja, conseguir identificar quem são os respectivos autores mais citados nesses temas e quais periódicos reproduzem seus artigos. Por isso, um pesquisador acadêmico de alto nível (uma competência que se adquire com alguns anos de prática) é capaz de estudar a dispersão e as obsolescências dos campos científicos, medir o impacto das publicações e dos seus serviços de disseminação da informação, estimar a cobertura das revistas científicas e identificar os autores e instituições mais produtivos, bem como as revistas do núcleo de cada disciplina. Naturalmente, outras fontes de informação podem ser conside- radas pelo pesquisador, mas em um nível absolutamente secundá- rio de importância e de prioridade em relação aos artigos científicos (livros, revistas não científicas, jornais e canais de informação em geral disponíveis na internet). Uma fonte realmente formidável para se buscar conhecimento na atualidade é o YouTube, que funciona como a maior plataforma on-line de vídeos do mundo, com um volume de conteúdo disponível espantosa- mente gigante, crescendo cada vez mais. Segundo dados de 2020 4 , mais de 500 horas de vídeo são acrescentadas a cada minuto no YouTube, em uma base de mais de 2 bilhões de usuários, o que resulta em mais de 1 bilhão de horas de conteúdo vistas diariamente. É importante que os professores tenham o YouTube como um im- portante aliado para suas pesquisas. Para isso, a estratégia é inscre- ver-se nos canais de interesse. Esse registro faz com que a plataforma notifique o usuário cada vez que novos vídeos sejam lançados naque- obsolescência: processo de tornar-se obsoleto, ultrapassado. Glossário Dados disponíveis em: www. youtube.com/yt/about/ press/ e www.statista.com/ statistics/259477/hours-of-vi- deo-uploaded-to-youtube-e- very-minute/. Acesso em: 21 fev. 2020. 4 32 Novos caminhos para profissionais da educação les canais. Além disso, existe uma política de monetização: o YouTu- be paga aos responsáveis pelos canais de maioraudiência um valor originado dos anunciantes que fazem publicidade na plataforma. Por isso, atualmente, existem os chamados youtubers, influenciadores digi- tais que se dedicam profissionalmente (muitos em tempo integral) para manter seus canais com uma audiência fiel. A maioria dos youtubers, evidentemente, por não serem campeões de audiência, mantém outras ocupações profissionais que lhes servem de principal fonte de renda. É interessante observar a grande quan- tidade de professores e pesquisadores que atuam, entre tantas ou- tras atividades inerentes à profissão, como youtubers. Ao pesquisador autônomo, é altamente recomendável que crie seu respectivo canal, principalmente para divulgar os resultados de seus trabalhos, já que a exposição na plataforma é gratuita. Além disso, é um trabalho que potencializa as publicações científicas, visto que, enquanto os artigos em periódicos científicos alcançam uma audiência formada pela comu- nidade acadêmica, o uso do YouTube ajuda na divulgação para a socie- dade em geral, fazendo com que o fruto daquele trabalho tenha maior apelo com o público e maior relevância social, não se podendo ignorar, ainda, essa estratégia como algo que também favorece pleitear finan- ciamento (público ou privado) para futuras pesquisas. Aliás, a presença de conteúdo educacional no YouTube é tão for- te que foi criado, em 2013, o YouTube Edu, fruto de uma parceria do Google (proprietário do YouTube) com o Instituto Lemann. Com essa iniciativa, o Brasil tornou-se o segundo país, depois dos EUA, a partici- par do projeto que mantém um canal exclusivo de conteúdo educativo. De início, foram selecionados 8 mil vídeos de professores brasileiros, já reconhecidos na plataforma e com canal próprio e, assim, o YouTube Edu foi dividido por áreas, como biologia, matemática, língua portu- guesa, física e química, com foco principalmente no ensino médio e no preparatório para o Enem (em janeiro de 2020, o YouTube Edu contava com uma base de mais de 370 mil inscritos). De toda forma, o YouTube é uma plataforma tão imensa que mais do que concentrar conteúdos em canais especiais, como é o caso do Youtube Edu, estimula-se que, de maneira descentralizada e independente, os pro- fessores conteudistas criem e invistam no crescimento de seus próprios canais. Nesse sentido, a plataforma mantém tutoriais ensinando passo a passo a estruturar e gerenciar canais de conteúdo educativo 5 . monetização: transformar algo em dinheiro; converter lucro. Glossário Quando um determinado conteu- dista posta seus vídeos no You- Tube, eles ficam agrupados em uma estrutura que é conhecida como canal. Assim, os canais do YouTube são as coleções de vídeos que se encontram na plataforma. Existem muitos canais dedicados à filosofia, educação, ciência, tecnologia e inovação. Saiba mais O que é o YouTube Edu? Atividade 2 Tutoriais disponíveis em: creato- racademy.youtube.com/page/ lesson/edu--channel-start?hl- pt-BR. Acesso em: 21 fev. 2020. 5 Repensando a formação docente 33 Dada sua qualidade, alguns conteúdos do YouTube são de conheci- mento praticamente obrigatório para os professores. No Brasil, é pre- ciso destacar o trabalho relevante mantido pelo ScienceVlogs Brasil: de modo pioneiro no cenário de divulgação científica no país, alguns dos mais influentes canais brasileiros se reuniram a fim de criar um selo de qualidade para reconhecer o trabalho de conteudistas que di- vulgam a ciência com seriedade. Afinal, em um meio em que a propa- gação de desinformação e a pseudociência são igualmente difundidas rapidamente, alimentadas ora por desonestidade ora por ignorância, é importante que haja alguma forma de facilitar o acesso do público a fontes críveis de conhecimento. Em nível internacional, é preciso destacar a organização TED, que possui uma enorme coletânea de vídeos com palestras curtas (com duração máxima de 18 minutos) sobre diversos temas (ciên- cias, negócios, problemas globais etc.). Esses vídeos estão disponí- veis no respectivo canal do YouTube (que já conta com mais de 15 milhões de inscritos) e na sua plataforma própria de hospedagem de vídeos da organização. Quanto à eventual barreira que o idioma possa representar para parte dos professores, o YouTube conta com um recurso de legendas para todos os seus vídeos: é possível acionar a função para, por exemplo, acompanhar um vídeo narra- do em inglês com legenda em inglês ou, até mesmo, com legenda traduzida automaticamente para português (o que, às vezes, perde um pouco de qualidade devido à acuracidade da inteligência arti- ficial empregada para essa tradução). Em suma, dado todo o con- junto de seus recursos e características, o YouTube é indispensável para o professor do século XXI, tanto como consumidor quanto como gerador de conteúdo na plataforma. Finalmente, fruto da atual tecnologia digital, uma opção de pesquisa, que nenhum professor pode deixar de conhecer e de experimentar, são os passeios virtuais nos principais museus do mundo 6 . Instituições como Louvre, Solomon Guggenheim, British Museum, Smithsonian, Vaticano, entre tantas outras, mantêm sites com riquíssimos conteúdos, oferecendo uma excursão praticamente similar a uma visita presencial e a custo zero. A dica é que vale muito a pena proceder a visita digital munido de óculos de realidade virtual, o que potencializa magistralmente a experiência. Os museus virtuais são um esplêndido exemplo do que a humanidade pode alcançar, alinhando alta tecnologia com alta cultura. O canal BláBláLogia reúne material de vários conteudistas de excelente qualidade nas áreas da educação e da ciência, proporcionando um alcance muito maior, trazendo-lhes mais visibilidade junto ao público e, claro, contribuindo para que seus canais individuais ganhem mais visibilidade. Disponível em: https://www. youtube.com/channel/UC3Ooj_ iDWELBumIEDejyNHQ. Acesso em: 14 fev. 2020 Vídeo acuracidade: precisão e exati- dão de dados e informações. Glossário Seleção de passeios disponível em: mentalfloss.com/arti- cle/75809/12-world-class-mu- seums-you-can-visit-online. Acesso em: 21 fev. 2020. 6 34 Novos caminhos para profissionais da educação 2.3 O professor aluno Vídeo Por definição, todo professor também é aluno. Afinal, o conhe- cimento não é estático e já predeterminado; se fosse, essa situação poderia admitir que alguns só o fornecem e outros só o adquirem. O conhecimento está em eterna expansão, como sugeriu Isaac Ne- wton em sua célebre frase “O que sabemos é uma gota, o que igno- ramos é um oceano”. A perspectiva aqui analisada não é a da evidente condição formal dos professores como estudantes efetivamente matriculados em cursos de mestrado, doutorado ou qualquer curso complementar; embora seja pertinente destacar que a experiência de sentar nova- mente na carteira de aluno, independentemente do curso, faz com que todo professor estudante imediatamente reflita sobre o quanto dessa experiência pode ser considerado em suas próprias aulas mi- nistradas. É inevitável: quando um aluno é, coincidentemente, tam- bém um profissional docente, ele sempre fará essa reflexão visando o seu autoaprimoramento. Por outro lado, cabe uma ponderação sobre a máxima de que “quem ensina aprende ao ensinar”, pois tal mantra pode beirar à falácia se aceito e reproduzido cegamente sem a devida racionalização. Afinal, se durante o exercício de seu ofício o professor também aprende, ele aprende exatamente o quê? O próprio conteúdo que é ministrado? Conforme muito bem delineado por Mishra e Koehler (2006), a com- petência para o ensino de alto desempenho reside na qualidade da in- tegração entre três distintos domínios do conhecimento: o pedagógico, o tecnológico e o de conteúdo (que é a área de expertise do professor). Assim, quando leciona, talvez o que o professor menos aprenda seja aquilo que diz respeito ao conteúdo – isso dependente da natureza do conhecimento em questão, ou seja, da disciplina ministrada. É claroque “aprender lecionando”, no que diz respeito ao conhecimento do “conteúdo”, faz muito mais sentido em história da arte ou fenomeno- logia política do que em alfabetização elementar e matemática básica. Quanto a aprender conteúdo enquanto o ministra, é inegável que os entusiastas de uma nova forma de educação se sustentam, há déca- das, na pirâmide da aprendizagem (ou cone da aprendizagem), seja na versão de William Glasser, da National Training Laboratories, na de Ed- gar Dale, ou na de qualquer outra das inúmeras que proliferam mundo Repensando a formação docente 35 afora (NUNES; BESSA, 2017). A pirâmide de Glasser (1986) sustenta a tese de que as pessoas aprendem do seguinte modo: Figura 1 Pirâmide da aprendizagem de William Glasser quando veem e ouvem quando discutem com os outros quando fazem ou experimentam quando leem quando ouvem quando veem quando ensinam 80 % 70 % 50 % 30 % 20 % 10 % 90 % Fonte: Adaptada de Glasser, 1986. Isso, por si só, parece mais do que suficiente para condenar todo o modelo clássico de ensino ao devido ostracismo e instaurar a supremacia da revolucionária didática do novo milênio, dispensando qualquer necessidade de debater pormenores dessa mudança. É tão agradável ficar sabendo de tais índices percentuais de retenção de conhecimento ou aprendizado efetivo; é tão politicamente correto bradá-los nos cursos de formação de educadores que um não tão mero detalhe passou incólume ao longo das décadas: a pirâmide é falsa. Ao menos, no que diz respeito aos valores percentuais expressos, conforme denuncia com todo fundamento analítico Letrud (2012), pois não há fundamentação empírica nesses números e a própria National Training Laboratories, ostracismo: ato ou efeito de repelir; afastamento, repulsa. Glossário 36 Novos caminhos para profissionais da educação quando inquirida sobre as fontes que originaram a apresentação da pirâmide, confessa não as ter, pois são muito antigas. Convém esclarecer que isso não significa não admitir o valor de en- sinar o que se aprende como alguma forma válida de aprendizado. É preciso, porém, deixar as coisas no seu devido lugar. Desse modo, na falta de um estudo científico sério, sem viés de confirmação, o que se tem, por ora, é a sensação empírica de que tal prática do professor aluno deva produzir algum efeito benéfico a quem ensina, no tocante ao domínio do conhecimento. Ao mesmo tempo, sabendo que os má- gicos números da pirâmide são tão reais quanto a mágica per se, o real aprendizado oferecido dessa análise é a prudência de perceber que talvez o clássico não seja tão ruim assim e, provavelmente, as novas abordagens demandem mais aprofundamento científico para serem devidamente incorporadas ao sistema educacional. Essas são as considerações em relação a aprender enquanto se en- sina, no quesito do conteúdo. Quanto a aprender nos quesitos pedagó- gico e tecnológico, o cenário é totalmente outro, pois torna-se evidente que isso ocorre continuamente. No tocante ao aspecto tecnológico, a constatação é bastante obje- tiva: muitas vezes, o professor é de, pelo menos, uma geração anterior aos alunos da sua turma de trabalho. Buckingham e Willett (2013) expli- cam sobre as diferenças entre os nativos digitais e os imigrantes digitais, afirmando que, em relação às novas tecnologias, é óbvio que, quanto mais cedo haja seu manuseio, maior será o seu domínio. Dessa forma, é bastante natural que, assim que uma novidade tecnológica seja lan- çada no mercado, espera-se que o aluno, e não o professor, adentre o ambiente escolar com aquele novo dispositivo e/ou serviço inovador. Os alunos tendem a ser nativos em novas tecnologias; já os profes- sores, imigrantes, têm de se adaptarem à medida que as novidades em questão se mostrem úteis e relevantes para o processo de ensino e aprendizagem. Pela interação direta que ocorre entre professor e alu- no, principalmente no regime presencial de ensino, o professor usufrui da conveniente vantagem de poder aprender com seus alunos a res- peito das características, recursos e funcionalidades do que é trazido para sala de aula. Por isso, nos tempos atuais, embora a disciplina seja um valor inegociável no tocante ao bom comportamento em sala de aula e esteja a cargo do professor manter a turma disciplinada, é espe- per se: em si mesmo; intrinsecamente. Glossário Qual é a crítica mais séria que se faz à Pirâmide da Aprendizagem? Atividade 3 Repensando a formação docente 37 cialmente conveniente que o docente seja receptivo ao uso de equipa- mentos tecnológicos trazidos por seus alunos para a aula. Afinal, principalmente nos níveis escolares mais básicos, como ensi- no médio e graduação, quando o estudante traz espontaneamente seu smartphone para a sala de aula, por exemplo, provavelmente o faz por motivos não tão didáticos. Mas há opção, além da inflexível rigidez de proibir (e até de apreender) o aparelho quando percebido em sala de aula, pois eis ali um ponto de acesso à internet, que pode ser usufruído para fins mais nobres, especialmente quando o conteúdo da aula ver- sa sobre informações altamente dinâmicas, como o valor de mercado de determinada empresa; nesse caso, por exemplo, a oportunidade de consultar a informação em tempo real é bastante interessante. Assim, um professor que esteja expondo, por exemplo, que o Facebook é uma empresa que vale centenas de bilhões de dólares no mercado, pode afe- rir esse número com a colaboração de seus alunos, pedindo a um deles para checar pelo celular o valor exato naquela data específica em que se realiza a aula – iniciativa que torna a atividade mais envolvente e dinâmi- ca, impactando diretamente na motivação e na atenção da turma. Ainda explorando um pouco mais esse mesmo exemplo, os alu- nos podem perguntar onde exatamente na internet se busca essa informação sobre valor de mercado de uma empresa. Surgirão várias fontes e é uma oportunidade para que o próprio professor aprenda (ou, ao menos, atualize-se), pois se ele incentivar que os alunos busquem diferentes fontes de informação e as confrontem, certamente, alguns dos resultados serão fontes que o professor até então desconhecia, principalmente quando se trata de temas tão di- nâmicos e inovadores quanto discutir a “uberização” das empresas, o potencial do blockchain na área de serviços de saúde ou, ainda, o people analytics como nova competência de gestores de RH. É im- portante orientar os alunos para sites confiáveis, como de universi- dades, de bibliotecas, do Ministério da Educação, e orientá-los para evitar a Wikipédia e blogs, por exemplo. Finalmente, aprender conhecimentos de natureza pedagógica enquanto se dá aula é, certamente, o fato mais óbvio envolvendo a formação docente; nesse quesito, experiência conta sobremanei- ra. Por mais leitura, preparação e cursos que um candidato a professor tenha, ele não se tornará um docente sênior senão pelo tempo de ativi- dade na função. Isso, claro, vale para qualquer atividade humana, visto Blockchain: sistema de registro de informações, por exemplo, para transações de moedas virtuais. People analytics: uso de uma metodologia de análise de dados que é aplicada para o gerenciamento de pessoas. Glossário 38 Novos caminhos para profissionais da educação que ninguém aprende a nadar, por exemplo, apenas lendo manuais e tutoriais a respeito de natação; é preciso cair na água. Nonaka e Takeuchi (1995), pesquisadores consagrados mundial- mente na área de gestão do conhecimento, explicam que existe o conhecimento explícito, facilmente documentável e quase que instanta- neamente transmissível, e o conhecimento tácito, aquele know-how que uma pessoa detém, forjado com o tempo dedicado à atividade, que é impossível de traduzir em um manual ou em um procedimento, sendo que a única maneira de o transmitir com alguma eficácia é pela existên- cia de um aprendiz que se lance à imitação e à prática. Desse modo, como reconhece Ball (2017), quanto maistempo acu- mulado de aulas dadas, maior a probabilidade de um professor se de- parar com os mais distintos perfis comportamentais e cognitivos de seus alunos, assim como maior se torna sua capacidade de improviso ante a algumas situações inesperadas, com base em experiências an- teriores similares. Por isso, um professor mais experiente é, na maioria das vezes, sobretudo, um professor mais seguro, com maior enverga- dura pedagógica para lidar bem com quase todo tipo de situação, algo que os alunos, conscientemente ou não, percebem na prática e, por isso, dão o devido reconhecimento. Outro expediente usado com alguma frequência em instituições de ensino é fazer com que a prática da docência se inicie com um recém-formado auxiliando um professor titular. Assim, algumas dis- ciplinas são conduzidas por dois professores: às vezes, ambos estão presentes em sala de aula (ficando um deles até mesmo no papel ob- jetivo de aluno junto à turma); em outras, eles se revezam, seguindo uma programação voltada a dar ao professor em formação as condi- ções mínimas para ele dirigir sozinho as futuras aulas em que atuar como titular. Em suma, várias são as formas de se aprender enquanto se ensina, mas muito mais nos campos da didática e da tecnologia do que no con- teúdo propriamente dito, embora nesse último também se admita um aprimoramento acessório ao longo da prática docente. O que, objetivamente, um pro- fessor pode aprender enquanto ensina? Atividade 4 Repensando a formação docente 39 CONSIDERAÇÕES FINAIS A jornada que o docente precisa percorrer, visando se manter com- petitivo no mercado de trabalho (e intelectualmente íntegro), passa, con- cretamente, por alguns primeiros passos, verdadeiramente essenciais: assumir a formação contínua como inerente à sua condição de professor, ao papel de pesquisador autodidata e ao aprendizado que se conquista pela prática do ensino. Se a ocupação de docente tem seus dilemas e desafios de magnitude que poucas pessoas consideram suportáveis, é verdade, também, que o momento atual que se vive traz, sobretudo pelo desenvolvimento tecnológico, oportunidades ímpares para alcançar a maestria na profissão a quem decida pagar o preço (não só monetário) da busca pela excelência. Contudo, mesmo com pouca disponibilidade finan- ceira, como visto ao longo deste capítulo, é plenamente possível estabele- cer e seguir um plano de formação que transforme professores novatos em profissionais seniores e, esses últimos, em líderes intelectuais aptos a restaurar a tão necessária alta cultura na sociedade. REFERÊNCIAS BALL, S. J. The Education Debate. Bristol: Policy, 2017. BUCKINGHAM, D.; WILLETT, R. Digital Generations: children, young people, and the new media. Florence: Routledge, 2013. GLASSER, W. Control Theory in the Classroom. New York: Harper & Row, 1986. HEGEL, G. W. F. Phenomenology of Spirit. New Delhi: Motilal Banarsidass, 1998. LETRUD, K. A rebuttal of NTL Institute’s learning pyramid. Education, v. 133, n. 1, p. 114- 124, jan. 2012. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/285798853_A_ rebuttal_of_NTL_Institute’s_learning_pyramid. Acesso em: 21 fev. 2020. LOUZANO, P. et al. Quem quer ser professor? Atratividade, seleção e formação do docente no Brasil. Estudos em Avaliação Educacional, São Paulo, v. 21, n. 47, p. 543-568, set./dez. 2010. Disponível em: http://www.fcc.org.br/pesquisa/publicacoes/eae/arquivos/1608/1608.pdf. Acesso em: 21 fev. 2020. MARTINS, W. História da inteligência brasileira. Ponta Grossa: UEPG, 2010. MISHRA, P.; KOEHLER, M. J. Technological pedagogical content knowledge: a framework for teacher knowledge. Teachers College Record, New York, v. 108, n. 6, p. 1017-1054, 2006. Disponível em: http://one2oneheights.pbworks.com/f/MISHRA_PUNYA.pdf. Acesso em: 21 fev. 2020. NONAKA, I.; TAKEUCHI, H. The Knowledge-Creating Company: how Japanese companies create the dynamics of innovation. New York: Oxford University, 1995. NUNES, V.; BESSA, R. Metodologias ativas apoiadas por recursos digitais: usando os aplicativos Prezi e Plickers. In: CHALLENGES, 10, 2017. Anais [...] Braga: Universidade do Minho, 2017. 40 Novos caminhos para profissionais da educação GABARITO 1. O professor deve considerar duas perspectivas de formação continuada, que não se excluem mutuamente: o programa stricto sensu e as formações complementares. Essa é a espinha dorsal do currículo pessoal do docente. O primeiro caso diz respeito ao mestrado e ao doutorado; já o segundo, às infinitas capacitações, virtuais ou não, e certificações agregadas. 2. YouTube Edu é um canal brasileiro específico do YouTube, subsidiado pela própria plataforma de vídeos, que faz curadoria e promoção de conteúdo educacional gerado por professores de diversas áreas do conhecimento. 3. Os números envolvidos não se originaram de base científica consistente; embora se considere alguma admissibilidade à proposta hipotética da pirâmide, por ora ela é apenas empírica. 4. A experiência acumulada no ensino vai aprimorando as competências de natureza pedagógica, tecnológica e, em algum grau, de conteúdo. Esse é o aprendizado do pro- fessor aluno. Novas possibilidades de atuação docente 41 3 Novas possibilidades de atuação docente As quatro frentes de trabalho do professor universitário são o ensino, a pesquisa, a gestão e a extensão. Nessas categorias, há infindáveis formas de atuação docente – sem dúvida, vive-se atualmente a mais rica de todas as épocas para explorar diferentes atividades que aproveitam as competências do professor, graças ao desenvolvimento tecnológico e às inúmeras demandas da so- ciedade. Muitas delas, aliás, podem ser simultâneas, potencializan- do a produtividade e, claro, o ganho financeiro do professor. Para isso, é necessária mais uma competência central: desenvolver o tino estrategista, que é o que permite planejar inteligentemente a carreira, empreender e desenvolver o próprio mercado, ou seja, gerar demanda para seus serviços. 3.1 Planejando a carreira Vídeo As ferramentas clássicas de planejamento estratégico empresarial servem perfeitamente para a elaboração de um plano de carreira pro- fissional (FERREIRA, 2008; NECK, MANZ, 2012). Se para os professores que dominam o conteúdo da gestão empresarial isso parece bastante evidente, cabe recuperar os preceitos fundamentais envolvidos para que os docentes de outros ramos do conhecimento tenham a oportu- nidade de concretizar seu plano de carreira, para uma jornada profis- sional completa ao longo da vida. Isso é muito diferente de um plano de carreira institucionalizado de determinada organização, como o da instituição de ensino na qual o professor é funcionário, que serve ape- nas para sua permanência naquela companhia. Para Campos (2013), tanto em âmbito organizacional quanto pessoal, planejar (formalmente) o futuro é um importante meio de atingir aquilo 42 Novos caminhos para profissionais da educação que se pretende. De outra forma, ocupar toda a energia do dia a dia ape- nas em responder a demandas que vão aparecendo fortuitamente faz com que o caminho de desenvolvimento seja errático – muitas empresas e profissionais sem um norte para seguir, a médio e longo prazo, pare- cem andar aleatoriamente quando se leva em conta a distância entre o que sonham e o que de fato conquistam. Uma definição bastante pragmática de estratégia é aquela que a enuncia como a arte de selecionar e posicionar recursos de tal modo que objetivos e metas possam ser atingidos (WHITTINGTON, 1996). Portanto, é função do planejamento definir metas e métodos. Contudo, no jargão do mundo da gestão, é comum que as pessoas confundam os conceitos, até mesmo entre aqueles que se graduaram em Admi- nistração; o que mais se encontra é quem misture completamente o entendimento entre os termos objetivo, meta e método. Objetivo e meta são a mesma coisa? Sim e não. Sim, no sentido de que ambos representam a pretensão almejada, o resultado a ser conquistado.Contudo, eis a importante diferença: objetivo é sempre algo qualitativo; meta é sempre quantitativo. Segundo Campos (2013), meta é valor, número. É importante frisar que mesmo a ambição mais subjetiva pode ser expressa em números, afinal, uma data ou um pra- zo para determinada realização é um número. Por exemplo, fazer um mestrado em educação é um objetivo vazio se não for acompanhado de uma meta que defina se é algo para os próximos dois, quatro ou dez anos. Garantir um overall band score (nota geral) de, no mínimo, 7.0 no próximo exame IELTS 1 ; fazer o curso de como realizar apresentações de alto nível até dezembro do próximo ano; realizar a capacitação no sistema Moodle de EaD em até dois anos são bons exemplos de que objetivos e metas sempre coexistem – uma falha na especificação do quantitativo ou do qualitativo compromete o planejamento. Portanto, eis o primeiro passo para a definição do plano de carrei- ra docente: estabelecer concretamente seus objetivos e metas (NECK; MANZ, 2012). Para isso, convém traçar um horizonte de planejamento, isto é, o número de anos à frente que estarão sob estrito acompanha- mento da evolução da carreira. Um horizonte de planejamento muito curto, como seis meses ou um ano, é ineficaz para uma estratégia de carreira, pois o risco de andar em círculos é muito grande. Por outro lado, a pretensão de se exercer absoluto controle dos próximos 20 ou 30 anos é deveras fantasiosa, pois à medida que o futuro se alonga, O International English Language Testing System (IELTS) é um teste que avalia as condi- ções de uma pessoa de estudar e estagiar mantendo comunicação em língua inglesa. Por meio dele, é verificada a capacidade do indivíduo de ouvir, ler, escre- ver, falar e compreender inglês em um ambiente acadêmico ou de treinamento. 1 Novas possibilidades de atuação docente 43 o imponderável predomina, minando a coerência de qualquer plano (CAMPOS, 2013). Assim, é bastante típico (e recomendável) se fixar a um horizonte próximo, como cinco ou dez anos. Evidentemente, cada ano que se vai percorrendo faz com que os próximos anos sempre avancem progressivamente (plano 2020 a 2024 se atualiza no plano 2021 a 2025, depois 2022 a 2026, e assim por diante). Para Campos (2013), todo planejamento estratégico começa com uma questão provocadora para mexer nos brios: qual é o estado dese- jado para a posição profissional daqui a cinco anos? Todo profissional tem seu próprio nível de ambição: uns podem almejar viver e lecionar no exterior, outros podem querer talvez apenas uma progressão sala- rial ou mais autoconfiança diante dos alunos. Mas o importante é que a questão-chave já é suficientemente perturbadora para acabar com qualquer zona de conforto em que o professor eventualmente esteja. É essa visão de futuro que norteia o estabelecimento dos objetivos e metas para o horizonte de planejamento. Por isso, faz todo sentido que o seu desdobramento seja feito de trás para frente: se o horizonte de planejamento é de cinco anos, inicia-se pelos grandes números al- mejados para o ano cinco e as metas intermediárias vão sendo trazidas até o ano um. Isso faz com que o plano tenda a ser mais visionário, pois o contrário (expandir do ano um até o ano cinco) faz com que o plano seja mais conformista com a situação atual. Obviamente, o equilíbrio entre o arrojo e o conservadorismo é uma competência que o plane- jador só adquire com a prática, ou seja, só se aprende a fazer bons planos ao planejar e acumular experiências, que servirão de subsídio para os próximos ciclos. Assim, é preciso ficar atento a algumas considerações relevantes so- bre objetivos e metas: • O horizonte de planejamento pode fixar um mesmo objetivo, va- riando apenas a meta ano a ano. Por exemplo, se o objetivo for aumentar a popularidade entre os alunos, as metas podem ser: mínimo de 80% de alunos satisfeitos em pesquisa de opinião so- bre o professor para o ano 1; evoluindo para mínimo de 82%, para o ano 2; mínimo de 84%, para o ano 3; mínimo de 86%, para o ano 4; e mínimo de 88%, para o ano 5. • Uma quantidade muito pequena de objetivos torna o esforço de planejamento muito superficial. Por exemplo, um objetivo úni- imponderável: imprevisível. Glossário brio: sentimento de amor-próprio; expressão de honra, valor e dignidade. Glossário arrojo: comportamento de quem age de maneira ousada. Glossário 44 Novos caminhos para profissionais da educação co de “tornar-se um professor melhor” precisa ser traduzido ou desdobrado em pretensões mais objetivas. Por outro lado, uma quantidade muito grande de objetivos, como dez, doze ou mais, pulveriza os esforços estratégicos, comprometendo o foco no atingimento daquela visão declarada de carreira. Por isso, prin- cipalmente em um primeiro ciclo de planejamento de carreira, um bom número de objetivos a se considerar é algo em torno de quatro a seis. Segundo Campos (2013), uma vez definidos os objetivos e metas (o que conquistar), segue-se para a definição dos métodos (como con- quistar). Isto é, as ações concretas e objetivas que precisam ser execu- tadas para ser possível aproximar-se das metas definidas. Por assim dizer, meta é a linha de chegada e método é o caminho que leva até ela. Da mesma forma, há algumas considerações importantes sobre métodos a serem observadas: • Apesar de o horizonte de planejamento enxergar os próximos anos (cinco, dez etc.), a proposição de ações concretas deve se res- tringir ao ano mais imediato – principalmente se tratando de um primeiro ciclo de planejamento. Isso permite foco e assertividade na definição das ações, bem como maior comprometimento com sua realização, fazendo com que os números projetados para os anos à frente sirvam de inspiração (sempre relembrando a meta maior para o final daquele horizonte de planejamento). • Um mesmo par de objetivo e meta pode envolver mais de uma ação para sua consecução. Por exemplo, se o plano é fazer um curso fora do país daqui a dois anos, várias iniciativas, com prazos distintos, precisam ser tomadas para que, uma vez cumpridas em sua totalidade, tal ambição seja conquistada. • Os métodos devem incluir, sempre que possível, uma estimativa de orçamento para a realização daquelas ações, afinal, investir na carreira significa, na prática, despender dinheiro – e nada mais frustrante do que ficar impossibilitado de realizar uma dada ação em determinado momento porque, apesar de ter sido claramen- te planejada, não se reservou recurso financeiro para isso. A Figura 1 apresenta uma sugestão de estrutura de plano de car- reira, que pode ser ajustada conforme as necessidades e caracterís- ticas de cada profissional. Novas possibilidades de atuação docente 45 Figura 1 Modelo de plano de autogestão de carreira Plano de desenvolvimento profissional Horizonte de planejamento 2020 a 2024 Visão para 2024: Objetivo Meta 2020 2021 2022 2023 2024 (1) (2) (3) (4) Meta 2020 Ação Orçamento Prazo Status (1) (2) (3) (4) Fonte: Elaborada pelo autor. Em suma, um plano de autogestão de carreira, seja para a do- cência ou para qualquer outra ocupação profissional, envolve uma visão de futuro. Primeiramente, é necessário saber o que se quer e, depois, traçar ações concretas que permitam alcançar esse estado desejado (NECK; MANZ, 2012). Visto que é recomendável se concentrar em poucos objetivos e me- tas para o desenvolvimento da carreira, é importante ter um senso de priorização para que se invista naquilo que realmente é estratégico. 46 Novos caminhos para profissionais da educação Para isso, é necessário refletir a respeito de alguns aspectos que podem ser decisivos para a carreira docente, levando em consideração concretizar a visão de futuro: • Como está o nível de domínio do inglês? Que outras línguas estrangei- ras podem ser necessárias? • Como está o nível de competência tecnológica? Quais novas tecnolo- gias precisam ser monitoradas e aprendidas?• Como está o nível de competência didática? Como tem sido o desem- penho pedagógico? • Como está o nível de competência da área de conhecimento especia- lizado? Existem novidades no segmento que precisam ser mais bem acompanhadas? • Como está o nível de produção científica? Quantos artigos próprios já foram publicados? • Quão fácil ou difícil tem sido conquistar fontes públicas e priva- das de financiamento para pesquisa? O que precisa ser melhorado nesse aspecto? • Quais têm sido os empreendimentos próprios para que o sustento financeiro não dependa exclusivamente de prestação de serviços (in- dependentemente da forma de vínculo) a instituições de ensino? • Como está a rede de relacionamento para que mais oportunidades sejam fomentadas, tanto como prestador de serviços para institui- ções quanto para empreitadas próprias? Cabe destacar que, visando responder adequadamente tais ques- tionamentos, não se pode depender apenas de autoavaliação pelo ris- co de trazer uma visão enviesada da realidade – a opinião alheia, nesse caso, importa muito. 3.2 O professor empreendedor Vídeo Poucos profissionais reúnem tanto potencial para o empreen- dedorismo quanto os professores. Contudo, nesse mundo, não se pode depender de convites ou incentivos externos. O docente pre- cisa despertar em si esse ímpeto, o que, felizmente, é bastante fácil quando se começa a delinear seu plano de autogestão de carreira, pois ser visionário é uma característica de qualquer empreendedor (NECK; MANZ, 2012; COLLINS; PORRAS, 2005). Quais questionamentos o docente deve fazer para ter uma visão de futuro em relação ao seu plano de carreira? Reflita sobre eles, procurando aplicá-los à sua vida. Atividade 1 Novas possibilidades de atuação docente 47 No artigo A extensão universitária disseminando o empreendedorismo na educa- ção básica: relato do projeto “Empreendedor por um dia”, dos autores Silvana Martins et al., publicado na revista Em Extensão, em 2015, aponta-se em que aspectos os professores empreendedores fazem a diferença nas salas de aula do ensino básico, com evidências de que os alunos legitimam as metodologias utilizadas por esses professores e consideram que, com eles, ocorre efetiva aprendizagem. Acesso em: 21 fev. 2020. http://www.seer.ufu.br/index.php/revextensao/article/download/29687/pdf Artigo Para Jackson e Brown (1979), a possibilidade mais óbvia de desen- volver os próprios negócios é a consultoria especializada – vender conhecimento –, afinal, a mesma expertise que faz um professor ser referência para seus alunos é bastante apreciada pelo mercado em ge- ral, seja de clientes corporativos ou pessoas físicas. Por exemplo, um professor de finanças ou marketing pode desenvolver clientes corpo- rativos em empresas de qualquer ramo e porte; professores de língua portuguesa e matemática, embora sem tanto espaço nas corporações industriais, podem vender o serviço de aula particular. Pensar na concorrência nesse tipo de serviço pode ser desani- mador, assim, a saída costuma ser a inovação, pois iniciativas cria- tivas podem ajudar a atrair clientes (KIM; MAUBORGE, 2014). Os chamados mercados de nicho 2 se revelam como oportunidades for- midáveis; por exemplo: finanças para cooperativas ou food trucks, marketing para empresas de impressão 3D ou casas de câmbio, au- las de reforço escolar para crianças com necessidades cognitivas especiais, entre tantos outros. Na prática, algo que inibe os professores de fornecerem mais serviços especializados às empresas é o fato de que muitas delas, pela estrita observância das boas práticas fiscais e contábeis, só podem contratar fornecedores legalizados como pessoa jurídica, ou seja, que emitem nota fiscal. E muitos docentes têm a falsa im- pressão de que abrir uma empresa (ter seu próprio CNPJ) é algo demasiadamente caro, que pode ficar inviável se o nível de forneci- mento de serviço ao mercado for muito baixo ou ocasional. Contudo, na atualidade, é válido para o professor formalizar seu ne- gócio para poder aproveitar as demandas corporativas. Para Silva et al. (2016), a maior conveniência oferecida no Brasil é o regime conhecido Nichos de mercado são seg- mentos de mercado (grupos de consumidores com necessidades específicas) pouco explorados que representam vantagem competitiva, pois poucas empresas focam neles. 2 48 Novos caminhos para profissionais da educação como microempreendedor individual (MEI). Essa é uma forma para que um profissional da educação abra sua empresa com o mínimo de buro- cracia e com custos de manutenção mínimos. Para se tornar uma pessoa jurídica MEI e conquistar sua cidadania empresarial, basta preencher um formulário eletrônico no Portal MEI. A concessão do CNPJ é instantânea. O quesito essencial é que o CPF do professor não esteja relacionado à sociedade de qualquer outra em- presa registrada na Receita Federal. O portal não está configurado para um atendimento personalizado ao perfil de professores, uma vez que o MEI abarca inúmeras catego- rias profissionais. Por isso, as dicas a seguir são especialmente úteis para que um professor formalize seu empreendimento corretamente: • Não há liberdade para definir a razão social: no MEI, ela sempre será imposta pelo sistema com uma formação dada pelo nome completo do empreendedor mais seu CPF. A liberdade que se tem é a de registrar o nome fantasia, que pode ser trabalhado posteriormente como uma marca comercial. • Será necessário declarar o capital social da empresa. No caso do professor, o que pode ser considerado, na prática, é o valor equi- valente ao patrimônio utilizado diretamente em suas atividades profissionais. Assim, pode ser registrado, por exemplo, R$ 5 mil, a título de um notebook e um smartphone, não havendo necessida- de de comprovação com notas fiscais. • É preciso indicar quais são as atividades da empresa, a partir de uma lista bastante ampla de alternativas, selecionando uma única atividade como a principal e as demais deixadas como secundá- rias. Convém estimar em qual atividade haverá, provavelmente, a maior parte do faturamento para, então, indicá-la como principal. Na prática, há de se considerar que boa parte das instituições de ensino brasileiras, quando contratam serviços de professores por pessoa jurídica, requisitam que o faturamento seja feito pela atividade 85.99-6/99, descrita como atividades de ensino não espe- cificadas anteriormente. Além disso, para o professor que preten- de aproveitar ao máximo as possibilidades empreendedoras em ensino, pesquisa, gestão e extensão, as opções apresentadas no Quadro 1 devem ser priorizadas. O custo para manter uma pessoa jurídica MEI, que se aproveita do regime tributário do Simples Nacional, na modalidade de serviços oferecidos por um pro- fessor, é bastante atrativo. Ainda há a vantagem de contribuir com o INSS, o que assegura os direitos previdenciários asso- ciados. Também existem outros regimes de enquadramento das empresas, que não são pelo MEI e pelo Simples Nacional, para os quais a carga tributária proporcional é muito maior. Saiba mais No Portal do Empreendedor-MEI, concentram-se todas as infor- mações e funções relacionadas à modalidade MEI, de tal forma a facilitar a abertura e manutenção de microempreendimento pelo professor. Disponível em: http://www. portaldoempreendedor.gov.br. Acesso em: 21 fev. 2020. Site Novas possibilidades de atuação docente 49 Quadro 1 Atividades para registro do professor no MEI 85.99-6/03 Treinamento em informática 85.99-6/04 Treinamento em desenvolvimento profissional e gerencial 59.12-0/99 Atividades de pós-produção cinematográfica, de vídeos e de pro-gramas de televisão não especificadas anteriormente 82.19-9/99 Preparação de documentos e serviços especializados de apoio administrativo não especificados anteriormente 63.99-2/00 Outras atividades de prestação de serviços de informação não especificadas anteriormente 82.11-3/00 Serviços combinados de escritórioe apoio administrativo 58.19-1/00 Edição de cadastros, listas e de outros produtos gráficos 85.93-7/00 Ensino de idiomas 85.99-6/99 Outras atividades de ensino não especificadas anteriormente Fonte: Adaptado de CNAE, 2020. Nas principais cidades brasileiras, a emissão da nota fiscal ele- trônica se dá por portais on-line específicos do município de sede da empresa (normalmente, o próprio endereço residencial do pro- fessor). O uso desse sistema já está incluso no recolhimento men- sal fixo de ISS (imposto municipal). É comum que os profissionais que desconhecem os benefícios do MEI recebam por seus trabalhos autônomos, como professo- res e/ou consultores, pela modalidade de Recibo para Autônomo (RPA), que é a saída encontrada pelas empresas (instituições de en- sino, editoras ou de qualquer outro ramo) para poder pagar dire- tamente a pessoas físicas. No entanto, entre todas as alternativas, o professor precisa estar ciente de que essa é a pior, pois implica uma tributação da ordem de 20% a 30% do rendimento bruto. Além disso, como já vem descontado na fonte, muitos professores se- quer têm consciência de que o preço negociado por um serviço já levou em consideração, pelo seu contratante, essa diferença, que poderia ser muito bem incorporada, mesmo que parcialmente, no valor de recebimento pelo prestador de serviço MEI. Caso esteja trabalhando com carteira assinada e seja demitido, o trabalhador que tenha optado pelo MEI não terá direito ao seguro-desemprego. Importante 50 Novos caminhos para profissionais da educação Em suma, o bom planejamento tributário do professor é um dos primeiros passos para viabilizar financeiramente suas iniciativas em- preendedoras. Na prática, o professor deve sempre explorar com o contratante de seus serviços a possibilidade de receber por nota fiscal, pois não pode esperar que o cliente tome a iniciativa nesse sentido. O ramo de consultoria, principalmente quando devidamente for- malizado como pessoa jurídica, abre um campo gigantesco de oportu- nidades no mercado corporativo. Em especial, os professores precisam ficar conscientes de que, já com um simples MEI, podem atender inclu- sive o poder público, participando dos respectivos editais e licitações (SILVA et al., 2016). Por exemplo, o cadastro corporativo de fornecedores de bens e serviços da Petrobras precisa estar no radar de oportunidades de negócio de todo professor/consultor que formalizou sua empresa – e pouquíssimos o fazem. São centenas de itens de serviço 3 para os quais a empresa pública precisa manter fornecedores cadastrados e homo- logados para poder abrir à participação nos processos licitatórios. Há, inclusive, dispositivos legais que são aplicados para que uma licitação envolvendo empresas de diferentes portes favoreça o MEI, ou seja, uma empresa de grande porte pode perder a disputa para um MEI, mesmo oferecendo um preço menor. Outra possibilidade é ajudar as empresas a estruturarem suas uni- versidades corporativas, que é um campo de atuação da pedagogia empresarial. A iniciativa visa criar e manter uma estrutura dedicada para treinamento e capacitação interna nas organizações – não é uma universidade no sentido estrito do termo. Normalmente, isso ocorre com empresas de médio e grande porte, que costumam exigir de no- vos funcionários um conjunto de conhecimentos específicos de seus sistemas internos, como ocorre, por exemplo, no ambiente da indús- tria automotiva e da indústria de telecomunicações, em que dificilmen- te um candidato do mercado de trabalho já está pronto para assumir uma posição que exige domínio de técnicas e de sistemas que só exis- tem naquelas empresas (NEVES; BORBA; LOCATELLI, 2017). Outras iniciativas empreendedoras paralelas, além de complemen- tar o rendimento financeiro do profissional, podem favorecer o desen- volvimento de mercado para as atividades responsáveis pela renda principal. Por exemplo: ser um youtuber. Hoje em dia, não há razão que justifique um professor de alto nível, ou que vise sê-lo, não dispor de seu Página disponível em: https:// www.petronect.com.br/sap/bc/ webdynpro/sap/ypcad_lista_ fam_serv?sap-language=P#. Acesso em: 21 fev. 2020. 3 Novas possibilidades de atuação docente 51 próprio canal na plataforma mundial de vídeos (SEMICH; COPPER, 2017). A monetização não deve ser a principal motivação nessa empreitada, afinal, apenas canais com grande audiência conseguem um montante financeiro em tal nível que justifique cogitar dedicação exclusiva à ati- vidade. Além disso, nem todos os professores no YouTube conseguem fazer parte da iniciativa YouTube Edu, embora todos devessem consi- derar seriamente se candidatar a isso. Como estratégia, o importante na rede é produzir vídeos não muito curtos, com relativa frequência de novas postagens e com qualidade – felizmente, as tecnologias dispo- níveis hoje permitem a qualquer pessoa aprender rapidamente a usar recursos poderosos e gratuitos para essa finalidade. Para sua distinção no mercado, e também como um legado à so- ciedade, todo professor deveria considerar a possibilidade de escrever livros. Essa empreitada pode ser conduzida por duas possibilidades: procurar constantemente as editoras para verificar quais são os proje- tos de interesse delas (eventualmente, o perfil do professor pode ser exatamente o que se busca no mercado) ou contatá-las para oferecer os projetos de livro que tenha em mente (muitas vezes, embora não seja um projeto já considerado pela editora, a oportunidade pode ser desenvolvida ao se comprovar que um tema é inédito ou precisa ser atualizado para determinado público-alvo). A própria produção cientí- fica do professor, na forma de seus artigos, dissertações e teses, pode servir de base para a redação de livros – um trabalho que envolve a adaptação da linguagem científica para uma linguagem mais popular (embora ainda com abordagem educacional). A perspectiva financeira não deve ser a principal motivação do do- cente para esse tipo de empreendimento. Como modelo de negócio, normalmente, as editoras compram os direitos autorais por um valor não tão expressivo. Contudo, dispor em seu currículo de livros lança- dos é uma estratégia que precisa ser considerada (e o sucesso em um primeiro título sempre favorece demandas subsequentes). Tal marca, de ser um professor autor de livros, é bastante explorada em processos seletivos em instituições de ensino (inclusive em concursos públicos) e até mesmo para potencializar as palestras que o docente pode realizar. Vender cursos na internet é outra possibilidade empreendedora interessante para os docentes. É verdade que é um tanto quan- to difícil conseguir fazê-lo diretamente em grandes plataformas 52 Novos caminhos para profissionais da educação Mooc, pois estas já possuem estreito relacionamento com uma sé- rie de universidades ao redor do mundo que lhes servem de con- teudistas. Porém, o atual estágio da tecnologia digital permite que qualquer pessoa disponha de sua própria plataforma de cursos, que pode ser comprada/assinada por um preço bastante acessível. É o caso das plataformas de lojas virtuais que são comercializadas por grandes provedores de internet, por preços tão baixos como R$ 25 por mês (embora as estruturas mais profissionais costumem custar cerca de dez vezes mais) e das lojas virtuais “grátis” (o preço, na verdade, é submeter-se a ter anúncios comerciais de terceiros divulgados no portal) (SARTORI, 2019). Atualmente, não faz sentido que um professor se disponha a programar sua própria platafor- ma (ou contratar um programador para isso); sua energia deve ser concentrada no conteúdo a desenvolver e oferecer, enquanto a pla- taforma já pronta é oferecida de modo muito acessível no mercado. Muitas vezes, as empreitadas lideradas pelo professor se dão por uma triangulação entre professor, empresa parceira e fontes alter- nativas de financiamento (públicas ou privadas). Por exemplo, cabe monitorar editais públicos não tão bem divulgados,como o caso do Programa RHAE (Recursos Humanos em Áreas Estratégicas), mantido pelo CNPq. Já no aspecto de financiamento privado, o crowdfunding (financiamento coletivo junto à sociedade civil) pode ser o fator de- cisivo para viabilizar projetos propostos por professores a empresas e, nesse sentido, vale a pena avaliar desde os tradicionais sites de natureza generalista (como os consagrados Kickstarter, Catarse e Vakinha) até os que mais recentemente têm surgido, especificamen- te para fins de financiamento científico (como é o caso do SciFund Challenge e RedEmprendia) 4 . Na administração de seu portfólio de empreendimentos, o profes- sor também precisa considerar a estratégia freemium (a junção do free, gratuito, e do premium, pago). Isso consiste em ofertar alguns servi- ços sem custo que sirvam de propaganda para outros que são pagos (HSU; TSAI, 2017), como uma palestra gratuita sobre um tema especí- fico de um livro recém-lançado que pode promover as vendas desse livro; um vídeo no YouTube explicando determinado conceito que pode O Programa de Formação de Recursos Humanos em Áreas Estratégicas (RHAE) se trata de uma forma de inserir mestres e doutores em empresas privadas, com remuneração paga 100% com recurso público, desde que as atividades envolvam pesquisa científica e tecnológica. Disponível em: cnpq.br/ apresentacao-rhae. Acesso em: 21 fev. 2020 Saiba mais Plataformas disponíveis em: https://scifundchallenge.org e https://www.lanzanos.com/ redemprendia. Acesso em: 21 fev. 2020. 4 Novas possibilidades de atuação docente 53 favorecer a divulgação de cursos comercializados em alguma platafor- ma específica; e assim por diante. Ainda há de se considerar que nem todo empreendimento promo- vido por um docente é motivado por lucro financeiro e/ou status acadê- mico, e seu conhecimento pode ser aproveitado para projetos sociais. Assim, é uma opção também que o professor abra sua própria orga- nização não governamental (ONG) ou Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip), uma pessoa jurídica sem fins lucrativos no terceiro setor. É importante esclarecer que esse tipo de iniciativa não ne- cessariamente precisa trabalhar apenas com voluntariado; profissionais podem ser normalmente contratados e pagos, de modo assalariado, nessas instituições. Evidentemente, essas organizações trabalham com dinheiro (seja por doações ou por clientes que pagam por produtos e/ou servi- ços) e precisam ter, sim, lucro nas operações (excedente de caixa). A distinção é que não existe o ato de distribuição de lucro como dividendo a acionistas; todo o lucro é reinvestido na manutenção da organização. Logo, terceiro setor não significa, necessariamente, filantropia. Principalmente no caso de organizações estruturadas por docentes, é comum que algumas sejam prestadores de serviços técnicos especializados e muitas se aproveitam de vantagens legais para vender serviços a empresas públicas, inclusive com contratos sem licitação, algo que é justificado e legalizado (SZAZI, 2006). Como se dá a estratégia freemium para professores? Reflita sobre como aplicar essa estratégia para valorizar seus empreendimentos. Atividade 2 filantropia: caridade. Glossário 3.3 Marketing pessoal e network Vídeo A máxima do marketing de que quem não é visto não é lembrado, é algo que nenhum docente deve ignorar. Afinal, o professor deve en- tender que seu nome é sua marca e, como tal, precisa ser trabalhada com eficientes táticas de branding – o conjunto de atividades que se destinam exclusivamente à gestão de uma marca (TEMPLE, 2006). Um dos principais aspectos envolvidos é a exposição pública, que pre- cisa ser realizada de maneira simpática, constante e com alta qualidade. As redes sociais digitais favorecem sobremaneira essa tarefa. O que elas promovem é um salto em termos de exposição e interatividade se comparadas aos blogs pessoais clássicos, possíveis de serem criados com ferramentas como Wordpress e Webnode. O que acabou ocorren- do foi uma natural integração das principais redes sociais, tais como Facebook, YouTube, Twitter, LinkedIn e Instagram, às páginas dos blogs. Grande parte da audiência acompanha as novidades dos blogs não pelo acesso direto à sua página, mas por links reproduzidos nas redes sociais. A propósito, o YouTube é o que se costuma denominar de vlog (abreviação de videoblog), ou seja, um tipo de blog em que os conteúdos predominantes são os vídeos. Muitos docentes, na verdade, abdicam de ter uma página de blog como conteúdo central, dedicando-se a manter as próprias páginas nas redes sociais como principais canais de divulgação de suas postagens. Há quem adote uma política de separar as coisas, usando Facebook para postagens pessoais e LinkedIn para as profissionais; outros reproduzem conteúdo técnico em todas as suas mídias sociais. Como a quantidade de redes sociais é grande e ficar manualmente gerenciando as publica- ções de uma em uma demanda muito tempo, os professores podem considerar soluções interessantes do mercado, como o Hootsuite 5 e similares, sistemas capazes de reproduzir automaticamente uma única postagem em todas as redes sociais, deixando o trabalho de marke- ting do professor muito mais produtivo. Fora do ambiente digital, algumas iniciativas simples são altamente eficientes para manter uma boa imagem do professor perante seu mercado de atuação (sejam clientes atuais ou potenciais). Visitas de cortesia e lembranças em datas comemorativas (como aniversário e Natal) são algumas dessas medidas. Fundamentalmente, boa parte das práticas de marketing pessoal é amparada no network do profissional, ou seja, na rede de relacionamentos profissionais que ele mantém. Esse círculo de contatos corresponde a um ativo importante e precisa ser de- vidamente gerenciado para que cresça em quantidade e qualidade – o resultado natural é uma maior demanda de trabalhos para o professor, pois muitas decisões corpo- Um blog é um tipo de site com atualizações constantes. Geralmente, sua organização é cronológica inversa e seu tema é definido pelo organizador e mantido por todo seu conteúdo. Um blog pode ter suas postagens escritas por mais de uma pessoa. Saiba mais Plataforma disponível em: hootsuite.com/pt/. Acesso em: 21 fev. 2020. rvlsoft/Shutterstock 5 54 Novos caminhos para profissionais da educação Novas possibilidades de atuação docente 55 rativas no tocante à seleção de professores prezam pelo relaciona- mento estabelecido. É uma questão óbvia, inerente à credibilidade: antes de buscar desconhecidos, melhor confiar trabalho a quem já se conhece (BARREIRA, 2010). Além do mais, não se pode deixar o aluno de fora do escopo de rela- cionamento profissional. Embora popularidade não seja um quesito essencial para um professor se manter no cargo, evidentemente isso favorece a decisão por sua manutenção pelas instituições de ensino. Ser firme quanto à disciplina em sala de aula ao mesmo tempo que se nutre empatia junto à turma de estudantes é uma virtude apreciável no docente (ATAMIAN; GANGULI, 1993). Barreira (2010) e Berg (2014) concordam que relacionamento é a aptidão que faz decolar a profissão, embora muitos profissionais ignorem isso. Berg relata que o Instituto Dale Carnegie, dos Esta- dos Unidos, efetuou uma pesquisa com 10 mil pessoas, chegando a um resultado surpreendente: apenas 15% do sucesso das pes- soas estava relacionado à competência técnica e à habilidade no trabalho; os outros 85% eram fundamentados na personalidade e, sobretudo, na habilidade de saber se relacionar com pessoas. Exis- tem vários outros estudos feitos nos Estados Unidos e em outras partes do mundo que confirmam esses índices. Mesmo de maneira empírica, é possível constatar o fenômeno: as pessoas bem-sucedidas conhecidas não são superdotadas ou muito mais inteligentes do que os outros. Uma análise atenta mostra que a maioria delas, acima mesmo de suas competências profissionais, sabese relacionar com os demais, dialogar e ser convincente no trato com as pessoas. Ao mesmo tempo, uma das grandes dificuldades que os profis- sionais apresentam são problemas nas relações humanas, e eles pare- cem ainda não perceber que muitos dos seus fracassos surgem por não saberem se relacionar apropriadamente com os outros. Berg (2014) propõe um instrumento de autodiagnóstico dessa competência de relacionamento social na forma de um questioná- rio (Quadro 2). Para respondê-lo, é importante ter em conta como escopo: espaço ou oportunida- de para uma atividade. Glossário Quais as principais ações de branding (gestão da marca) do professor? Atividade 3 56 Novos caminhos para profissionais da educação se age normalmente, e não como gostaria ou deveria ser em uma visão idealizada. Quadro 2 Autodiagnóstico da capacidade de relacionamento social Legenda: S = sim, N = não, AV = às vezes 1. Sou uma pessoa fácil de me relacionar com os outros. S N AV 2. Eu genuinamente me interesso pelas pessoas e pelos seus problemas. S N AV 3. É comum eu ver defeitos no meu chefe e nos meus colegas de trabalho. S N AV 4. Escuto atentamente quando as pessoas falam comigo e demonstro isso. S N AV 5. Tenho facilidade de conversar e trocar ideias com as pessoas. S N AV 6. Trato sempre de ver algo de bom nas pessoas, mesmo que não goste de alguém. S N AV 7. Dou sempre a outras pessoas o crédito pelo trabalho que elas fizeram. S N AV 8. Tenho o hábito de elogiar as pessoas por algo de bom que fizeram. S N AV 9. Piso no amor-próprio da outra pessoa. S N AV 10. Invariavelmente trato os outros do jeito que quero ser tratado. S N AV 11. Trato as pessoas com educação e gentileza. S N AV 12. Mantenho a calma mesmo que alguém seja grosseiro comigo. S N AV 13. Mesmo que eu discorde de alguém, respeito o seu ponto de vista. S N AV 14. Digo o que penso de uma pessoa mesmo que isso possa ofendê-la. S N AV 15. Sou colaborativo e habitualmente ajudo meus colegas no trabalho. S N AV 16. As pessoas costumam me procurar quando estão em dificuldades. S N AV 17. Sou impaciente com as pessoas. S N AV 18. Contribuo ativamente para a tranquilidade e harmonia da equipe de trabalho. S N AV 19. Detesto boatos e fofocas e não as espalho. S N AV 20. Mantenho sempre a conversação em um clima positivo. S N AV 21. Guardo mágoas por ofensas que recebi. S N AV 22. Sou impulsivo e digo coisas das quais me arrependo. S N AV 23. Se eu tiver que criticar ou chamar a atenção de alguém no trabalho, faço-o com respeito e educadamente, sem ofender ou humilhar. S N AV 24. Sou, normalmente, bem-humorado. S N AV 25. Aceito críticas sem me ofender. S N AV Fonte: Adaptado de Berg, 2014, p. 18. Novas possibilidades de atuação docente 57 Berg instrui a fazer a contagem de pontos e interpretar seu resulta- do com base nestes critérios: marcar um ponto para cada resposta sim dadas às afirmações 1, 2, 4, 5, 6, 7, 8, 10, 11, 12, 13, 15, 16, 18, 19, 20, 23, 24, 25; marcar um ponto para cada resposta não dada às afirmações 3, 9, 14, 17, 21, 22; e marcar meio ponto para cada resposta às vezes. Somando-se os pontos, o diagnóstico é: • De 21 a 25 pontos: ótimo – o profissional domina os princípios e técnicas das relações humanas e sabe como utilizá-los positiva- mente; demonstra interesse e respeito pelas pessoas. • De 17 a 20,5 pontos: bom – o profissional conhece os fundamentos que norteiam o bom relacionamento, dá valor a isso e o demonstra pelo seu comportamento; mas pode melhorar em alguns pontos. • De 13 a 16,5 pontos: razoável – o profissional apresenta alguns pon- tos em que vai bem e outros em que não vai muito bem. Isso pode implicar algumas dificuldades de relacionamento. • Abaixo de 13 pontos: insuficiente – é preciso melhorar a habilidade de relacionamento interpessoal. Provavelmente, o profissional não se interessa ou não dá muita abertura para interagir com pessoas. O profissional que se dispõe a ser realmente bem-sucedido nas rela- ções humanas precisa aprender a ganhar o coração das pessoas, mais do que suas mentes. Afinal, é preciso reconhecer que o sucesso e a prosperi- dade de uma pessoa depende, em grande parte, de outros indivíduos. Isso é válido tanto para viabilizar novas empreitadas quanto para manter os trabalhos atuais, sendo essencial, portanto, para a efetiva progressão na carreira docente planejada. Berg (2014) ainda sintetiza dois pontos fundamentais das relações hu- manas. Um deles é que, no convívio com pessoas, todos querem alguma coisa uns dos outros. O chefe quer lealdade e produtividade dos subordi- nados, e os subordinados querem reconhecimento e segurança na empre- sa; os pais querem que os filhos obedeçam, e os filhos querem que os pais os amem e protejam; os casais querem afeto e amor mútuo; o vendedor quer que os clientes comprem, e os clientes desejam satisfação com a com- pra; e assim por diante. De tal modo, não é difícil constatar que ter sucesso nas relações humanas significa dar ao outro algo que ele deseja em troca do que é desejado para si; isso é uma visão lúcida e inteligente que expres- sa a essência da arte de saber conviver e aprender com as pessoas. 58 Novos caminhos para profissionais da educação Outro ponto fundamental das relações humanas é que todos possuem em abundância várias coisas que as outras pessoas precisam ou gostariam de ter. Assim, ao se proporcionar a elas essas coisas, a reciprocidade será natural. Portanto, cabe ao docente se aperfeiçoar e se aprimorar, pessoal e profissionalmente, para que tenha muito a contribuir com as outras pes- soas. Uma pessoa próspera tem maior possibilidade de beneficiar os ou- tros do que um indivíduo fracassado; da mesma forma, uma pessoa feliz tem muito mais chances de disseminar felicidade do que um indivíduo in- feliz – eis aí uma justa visão de futuro para um professor. CONSIDERAÇÕES FINAIS Não se terceiriza a gestão de uma carreira. Se alguns educadores tal- vez pensem que, por se dedicarem a uma área especializada de conhe- cimento, não são as pessoas certas para planejar e executar os passos de desenvolvimento de sua própria jornada profissional, isso precisa ser corrigido de imediato. Professores que investem em sua capacitação na área de conhecimento especializado, bem como em prática pedagógica e domínio de novas tecnologias, possuem todas as possibilidades de cons- truir ativamente seu próprio futuro, o que envolve também dirigir seus empreendimentos e desenvolver os próprios mercados em que prestarão seus serviços educacionais, científicos e tecnológicos. REFERÊNCIAS ATAMIAN, R.; GANGULI, G. Teacher popularity and teaching effectiveness: viewpoint of accounting students. Journal of Education for Business, Abingdon, v. 68, n. 3, p. 163- 169, 1993. BARREIRA, V. A. Business networking: as necessidades de aquisição de competências dos executivos em Portugal. Lisboa, 2010. Dissertação (Mestrado em Marketing) – Instituto Universitário de Lisboa. Disponível em: http://hdl.handle.net/10071/3939. Acesso em: 21 fev. 2020. BERG, E. A. O livro das relações humanas: seu manual para obter sucesso com as pessoas. Curitiba: Juruá, 2014. CAMPOS, V. 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Quais novas tecnologias precisam ser moni- toradas e aprendidas? Como está o nível de competência didática? Como tem sido o desempenho pedagógico? Como está o nível de competência da área de conhecimen- to especializado? Existem novidades no segmento que precisam ser melhor acompa- nhadas? Como está o nível de produção científica? 2. Essa estratégia consiste em ofertar alguns serviços sem custo, que sirvam de propa- ganda para outros que são pagos. Por exemplo: uma palestra gratuita sobre um tema específico de um livro recém-lançado pode promover as vendas desse livro; um vídeo no YouTube explicando determinado conceito pode favorecer a divulgação de cursos comercializados em alguma plataforma específica; e assim por diante. 3. Um dos principais aspectos envolvidos é a exposição pública, que precisa ser reali- zada de maneira simpática, constante e com alta qualidade. As redes sociais digitais favorecem sobremaneira essa tarefa. Fora do ambiente digital, algumas iniciativas simples são altamente eficientes para manter uma boa imagem do professor perante seu mercado de atuação (sejam clientes atuais ou potenciais). Além do mais, não se pode deixar o aluno de fora do escopo de relacionamento profissional. Embora po- pularidade não seja um quesito essencial para um professor se manter no cargo, isso favorece a decisão por sua manutenção por parte das instituições de ensino. Ser tão firme quanto à disciplina em sala de aula ao mesmo tempo que se nutre uma empatia junto à turma de estudantes é uma virtude apreciável no docente. 60 Novos caminhos para profissionais da educação 4 A contribuição das TIC para a educação A expressão tecnologias de informação e comunicação (TIC) é bas- tante abrangente, de maneira proporcional ao amplo significado da palavra tecnologia, a qual é o conjunto de conhecimentos apli- cados à resolução prática de algum dado problema ou demanda da sociedade. Assim, no que se refere à perspectiva da informação e da comunicação, se óculos de realidade virtual são TIC, os tradi- cionais livros e cadernos, nada informatizados, também são. Este capítulo ocupa-se em examinar o papel das TIC no aprimoramento da comunicação entre professor e estudantes, com a devida ênfa- se que os atuais processos e recursos digitalizados naturalmente merecem no campo da educação. 4.1 A nova comunicação professor-aluno Vídeo As novas TIC, caracterizadas por seu formato digital, revelam-se ferramentas com múltiplas capacidades e utilidades para o processo de ensino e aprendizagem. A atual disponibilidade de recursos edu- cacionais digitais é tão ampla que já excede muito a mera discus- são sobre o uso de computador em sala de aula, que, assim como um smartphone, é apenas um item entre tantos outros elementos das TIC educacionais (CHICKERING; EHRMANN, 1996). Por sinal, muito do que se acessa em sala de aula é remoto; a visualização pode até ocorrer em aparelhos dentro da escola, mas o processa- mento e a armazenagem ocorrem fora dali, naquilo que caracteriza o paradigma computacional da nuvem, possibilitado pela internet (RITTINGHOUSE; RANSOME, 2016). Qualquer estratégia instrucional pode ser amparada por diversas tecnologias, muitas vezes contrastantes (entre as novas e as clássicas), bem como qualquer tecnologia pode ser empregada para viabilizar di- ferentes estratégias instrucionais. De todo modo, o fato é que, para uma dada estratégia instrucional, algumas tecnologias são mais apro- priadas que outras – em uma útil analogia, é melhor apertar um para- fuso com uma chave de fenda em vez de usar um martelo para isso. Até mesmo uma pequena moeda pode servir para apertar um parafuso no improviso, mas é inegável que a chave de fenda é a tecnologia ideal para essa situação. Na perspectiva da boa comunicação professor-aluno (competência indispensável para qualquer docente), é possível traçar algumas obser- vações sobre o uso da informática, levando em consideração aspectos como relação custo-benefício e adequação. Para Chickering e Ehrmann (1996), existem alguns elementos decisi- vos para esse tipo de análise. Primeiramente, há de se considerar que algumas boas práticas melhoram o relacionamento entre alunos e pro- fessores. De fato, o contato frequente entre eles, dentro e fora da escola, é um fator importante para a motivação e engajamento dos estudantes. Algo que se espera de bons professores é que eles ajudem seus alunos no enfrentamento dos inevitáveis percalços ao longo do curso, a fim de que se possa seguir trabalhando para concluir os estudos com sucesso. No livro Novas tecnologias e linguagens educacionais, aprofunda-se o exame das novidades no campo da educação trazidas pelas inovações em TIC, possibilitando que o professor se torne mais aderente ao atual con- texto tecnológico no seu campo de atuação. SARTORI, R. Curitiba: Iesde, 2018. Livro Andrey_Popov/Shutterstock Quando os estudantes têm um relacionamento mais estreito com alguns de seus professores, o compromisso intelectual desses alunos é favorecido, pois são encorajados a refletir sobre seus próprios valores e planos. A contribuição das TIC para a educação 61 62 Novos caminhos para profissionais da educação As tecnologias de comunicação, ao ampliarem o acesso dos estu- dantes ao corpo docente, ajudam os professores a compartilharem recursos úteis que se disponham à resolução conjunta de problemas e que democratizem o aprendizado. Dessa forma, há um consequente aumento também na interação presencial, dentro e fora da escola. Ao oferecem uma fonte de informação mais “distante”, essas tecnologias tendem a fortalecer a interação entre professores e alunos. Servem, ainda, muito convenientemente, aos mais tímidos estudantes que, fre- quentemente, relutam em se manifestar em sala de aula para refutar alguma informação proferida publicamente ou até mesmo para fazer uma simples pergunta. Em algumas situações, é mais fácil discutir va-lores e preocupações pessoais por escrito do que conversar a respeito. Além de que uma questão geralmente subjugada na prática – que é o fato de sempre existirem alunos que acabam cumprindo uma jornada parcial das aulas em função de compromissos profissionais e familia- res (saindo mais cedo ou faltando em muitos encontros) – consegue ser melhor administrada com as possibilidades proporcionadas pelas TIC. Algo que as TIC trouxeram ao campo da educação foi o melhor aproveitamento da comunicação assíncrona. Essa comunicação se ca- racteriza por não ter os interlocutores dialogando em tempo real – é aquela disposição em que um fala ou escreve quando pode e outro escuta ou lê também quando puder, portanto, em momentos distintos. No feedback (retorno) da comunicação, novamente ocorre esse assin- cronismo, invertendo-se, entre os interlocutores, os papéis de quem transmite e de quem recebe a informação. Muito antes da era informatizada, isso já ocorria no campo da educação. Tradicionalmente, essa modalidade de comunicação professor-aluno sempre se deu pelo artifício do dever de casa. Essa comunicação assíncrona pode ser entendida como uma forma mais empobrecida de conversa, tipicamente limitada a três estágios: o professor faz uma pergunta ou solicita uma tarefa (1), o aluno res- ponde, fazendo sua lição de casa (2), o professor responde algum tem- po depois com a correção, trazendo os comentários e uma nota (3). Normalmente, a conversação se limita a isso e, no momento em que a nota e os comentários são recebidos, o aluno já está com sua aten- ção desviada a um novo tópico do curso. refutar: contestar, rejeitar. subjugada: ignorada, diminuída. Glossário A contribuição das TIC para a educação 63 Em tempos de alta informatização, a comunicação assíncrona entre professor e aluno ganha muito mais qualidade. Seja por e-mail, chat, sites de disciplinas, entre tantas outras possibilidades, há uma proliferação de oportunidades de contato direto entre estudantes e corpo docente para conversar (formal e informalmente) muito mais rapidamente do que antes. O ganho não é só na velocidade, mas tam- bém no nível mais aprofundado de discussão e até mesmo de forma mais segura, se comparado à interação presencial direta em sala de aula ou em qualquer outro ambiente escolar. É, portanto, uma nova realidade de comunicação que desperta nos estudantes uma percepção de aprendizado mais efetivo e motivador. Algumas boas práticas também servem para desenvolver a recipro- cidade e a cooperação entre os estudantes. O aprendizado é mais po- tencializado quando é fruto de um trabalho em equipe do que de uma jornada solitária. Estudar é uma forma de trabalho humano e, como todo bom trabalho, atinge melhores resultados com iniciativas colabo- rativas e sociais, mais do que com competição e individualismo. O fato é que trabalhar com outras pessoas normalmente aumenta o compro- metimento e o envolvimento no aprendizado. Compartilhar ideias com colegas e responder às ideias alheias melhora o pensamento crítico, com consequente aprofundamento do entendimento. Por essas razões, os professores precisam incentivar e permitir tan- to quanto seja possível que os seus estudantes se engajem em ativida- des coletivas nos cursos, pois a melhoria da comunicação entre eles se correlaciona com a própria comunicação entre a turma e o professor. Felizmente, as ferramentas informatizadas facilitam substancialmente práticas como grupos de estudo e pesquisa, aprendizado colaborativo, resolução de problemas em grupo e discussão coletiva da apresenta- ção das tarefas dos alunos. Não por acaso, os atuais softwares e aplicati- vos educativos parecem se render cada vez mais à mentalidade da rede social digital das funções curtir, comentar e compartilhar. Chickering e Ehrmann (1996) consideram que a extensão na qual as ferramentas computadorizadas encorajaram a colaboração espon- tânea dos estudantes foi uma das primeiras boas surpresas a respeito da informática. Não resta dúvida quanto ao papel primordial das mais recentes TIC para a mundialização do processo de ensino e aprendiza- 64 Novos caminhos para profissionais da educação gem. Muito diferente do cenário de até bem poucas décadas atrás, é plenamente possível, hoje, que um aluno selecione os mais adequados cursos e professores ao seu interesse de aprendizado, independente- mente de onde no planeta estejam esses professores, e não impor- tando nem mesmo a língua que o professor estrangeiro adote. Por exemplo, se um estudante brasileiro resolver assistir a uma determi- nada aula que só é ministrada em russo e/ou se precisar interagir com um colega chinês para uma atividade em grupo, a eventual falta do domínio na língua deixa de ser uma barreira intransponível diante de possibilidades como a nova função do Skype e do Google Tradutor de tradução simultânea de conversas em tempo real. Na atualidade, as boas práticas de ensino fazem uso de metodo- logias ativas. Afinal, não se garante aprendizado com um aluno me- ramente de corpo presente em sala de aula, sentado, quieto, apenas escutando aquilo que o professor tenta transmitir. Os estudantes preci- sam falar a respeito do que estão aprendendo, escrever reflexivamente sobre isso, relacionar novos conhecimentos com experiências práticas já vivenciadas, para que o que foi transmitido em aula seja passível de ser aplicado no dia a dia deles. Em suma, os estudantes devem fazer com que aquilo que foi aprendido se torne parte deles mesmos. É realmente surpreendente a gama de novas tecnologias que in- centivam a aprendizagem ativa. Basicamente, as inúmeras opções do mercado (entre gratuitas e pagas) se encaixam em três categorias: fer- ramentas e recursos para o learn by doing (aprender fazendo, na tradu- ção para o português), comunicação assíncrona e conversa em tempo real. É interessante observar que não necessariamente precisam ser softwares ou aplicativos dedicados ou construídos especificamente para o ambiente educacional, pois existe uma vasta gama de aplica- ções genéricas (chamadas, algumas vezes, de worldware). Os softwares (como processadores de texto, planilhas eletrônicas e apresentação de conteúdo) podem ser originalmente desenvolvidos para outros fins, mas acabam por incorporar tantas funções avançadas e úteis que po- dem ser perfeitamente utilizados no campo da instrução de pessoas (CHICKERING; EHRMANN, 1996). A crescente digitalização do ensino e da aprendizagem acarreta também maior prontidão de feedback. Afinal, saber exatamente o que se conhece e o que não se conhece dá maior foco ao aprendi- Qual é a importância das metodologias ativas no processo de comunicação entre professor e aluno? Atividade 1 A contribuição das TIC para a educação 65 zado. No início dos estudos, os alunos precisam, naturalmente, de suporte para que se deem conta de seus atuais limites de conhecimento e de com- petências, a partir dos quais as aulas servirão de aprimoramento do saber. E assim, nas aulas, os estudantes precisarão dispor de várias oportunidades para dar e receber feedbacks. São muitos os momentos durante o curso, além do próprio evento de sua conclusão, em que os alunos precisam refle- tir sobre o que aprenderam, o que ainda precisam ganhar de conhecimento e como eles podem se avaliar a esse respeito. Há diversos meios pelos quais as TIC podem prover feedbacks – alguns são bastante óbvios; outros, mais sutis. Uma ferramenta como o e-mail é especialmente útil, por exemplo, para um processo mais formal e individual de feedback entre professor e aluno. Já o uso de comunicado- res instantâneos (como WhatsApp, Facebook Messenger e afins) parece adequado para situações mais informais de comunicação entre discen- tes e docentes. É preciso reconhecer, ainda, que os recursos computa- cionais têm tido papel cada vez mais relevante na gravação e na análise de desempenhos pessoal e profissional. No geral, por meio do aparato tecnológico, os professores podem registrarobservações críticas para um aprendiz; por exemplo, o vídeo é altamente pertinente de ser utili- zado quando houver a necessidade de avaliar um professor assistente, um ator ou um atleta. A tecnologia lhes serve igualmente bem para suas próprias autoavaliações. Uma situação bastante corriqueira no ensino e na pesquisa é a produção textual. Nos processadores de texto, existe o útil recurso de anotações e comentários de revisores (que podem ser, por exemplo, colegas de curso e/ou o próprio professor). Essas observações adicio- nais ao texto original podem ter sua visualização facilmente ativada ou desativada, de modo que o autor original disponha de uma versão lim- pa e de uma com comentários para prosseguir com seu trabalho. Nos sistemas mais modernos, baseados em computação em nuvem, por exemplo o Google Docs, não existe mais a antiga restrição de um aces- so de edição por vez (quem tentasse editar ao mesmo tempo aquele arquivo recebia somente a autorização de leitura para acessar o do- cumento). A edição pode ser simultânea, com o trabalho de diversos editores e revisores operando em tempo real com o autor original do documento, o que favorece um grande salto em produtividade (ISHTAI- WA; ABUREZEQ, 2015). 66 Novos caminhos para profissionais da educação Finalmente, não se pode deixar de reconhecer a especial utilida- de das novas TIC em outros aspectos também cruciais na comuni- cação entre professor e aluno, como no gerenciamento do tempo alocado nas atividades, a diversidade de perfis cognitivos e com- portamentais em uma dada turma de alunos e a questão da inclu- são, com melhores possibilidades de aproveitamento pelos alunos com deficiências físicas e/ou intelectuais. 4.2 A internet na sala de aula Vídeo Uma vez que se tenha acesso à internet na sala de aula, o profes- sor evidentemente não tem mais o controle absoluto da atenção de seus alunos – e há de se discutir sobre o lado bom e o lado ruim dessa realidade onipresente nos dias atuais. Sem dúvida, uma competência apreciável do professor contemporâneo é saber como lidar da melhor maneira com o fato de que os alunos estão permanentemente conec- tados (RAVIZZA; HAMBRICK; FENN, 2014). Apesar de o uso de notebooks e smartphones aumentarem cada vez mais em sala de aula, a percepção dos professores não é unísso- na quanto ao nível de distração e prejuízo ao aprendizado que esses dispositivos proporcionariam. Evidentemente, o que se discute é o uso não escolar que se faz da internet, pois, por mais que existam sites es- pecíficos e recursos determinados a serem utilizados conforme o plano de aula, a grande rede de computadores é uma porta aberta a qual- quer tipo de conteúdo que algum aluno se proponha a acessar. Entre aqueles docentes que são mais tolerantes quanto aos acessos à internet durante suas aulas, há os que cogitam que os alunos, muitos deles expoentes da geração digital, seriam naturalmente multitarefas, a ponto de conseguir transitar bem entre, por exemplo, acompanhar o conteúdo da aula, responder a mensagens no WhatsApp e acompa- nhar postagens em redes sociais. Estudos mostram que o advento da tecnologia dos dispositivos móveis, como tablets e smartphones, impactou drasticamente a realidade do ambiente de sala de aula; mais de 60% dos estudantes confessam que utilizam os meios eletrôni- cos para propósitos não escolares enquanto conduzem suas atividades dentro da escola ou mesmo nas tarefas de casa, evidenciando um estilo de estudo que mescla interrupções e distrações frequentes. A contribuição das TIC para a educação 67 Quase todos os alunos levam para a sala de aula seus próprios celulares e qua- se um terço deles costuma frequentar aulas com notebooks particulares. Os mesmos estudos têm concluído que os dispositivos de acesso à internet pre- sentes em sala de aula trazem tanto aspectos favoráveis quanto desfavoráveis. Do lado positivo, evidencia-se um maior engajamento e participação dos alunos nas atividades de classe, principalmente quando munidos de notebook. Até mesmo me- lhores notas são obtidas, dentro de um ambiente de ensino com parâmetros muito bem planejados para o direcionamento do uso da internet. Contudo, sem a devi- da supervisão, as desvantagens podem superar muito os benefícios potenciais: os dispositivos móveis podem servir de maior fonte de distração se usados de modo descontrolado e sem um direcionamento contextual bem definido – direcionamen- to esse que cabe, naturalmente, ao professor, como o responsável maior pelo que ocorre em sala de aula. Os dispositivos móveis facilitam sobremaneira que os alunos en- viem e recebam mensagens. Com a mesma facilidade, eles podem se envolver em atividades alheias à programação didática, como fazer uso de jogos eletrônicos, comprar pela internet, ler notícias, acessar redes sociais, assistir a transmissões esportivas e conferir e-mail. Segundo Chartrand (2016), pensar em uma solução, como implan- tar um firewall ou medida semelhante que permita apenas acesso a conteúdo previamente autorizado, tornou-se, na atualidade, uma me- dida inofensiva, pois, cada vez mais, o acesso clandestino à internet não se dá pelo wi-fi local da instituição de ensino, mas pela conexão Sy da P ro du ct io ns /S hu tte rs to ck Admitindo que praticamente todos levam o próprio celular para a sala de aula, cada estudante é um virtual ponto de conexão, independentemente da internet via wi-fi – longe do alcance de qualquer filtro que a área de TI da instituição possa tentar aplicar. firewall: função programável em uma rede de computadores, servindo como filtro do que se pode ou não acessar pelos computadores conectados a essa rede. Glossário 68 Novos caminhos para profissionais da educação particular 3G/4G do próprio dispositivo móvel do aluno. Os dispositivos móveis dos alunos convivem à revelia da rede administrada pela equi- pe de tecnologia da informação (TI) local. Além do mais, com a função de hotspot que os modernos smartphones possuem, na prática, é ne- cessário apenas um celular com conexão móvel própria para que, uma vez assim configurado, sirva de ponto de acesso para todos os demais dispositivos em sala de aula, inclusive notebooks (CHARTRAND, 2016). Nesse sentido, estando o aluno irremediavelmente conectado o tem- po todo à internet, independentemente de qualquer ação de seu pro- fessor, cabe ao docente gerir a situação para que, com seus poderes de influência e empatia com os estudantes, possa atenuar as aplicações não escolares da rede e concentrar seu uso para os propósitos da aula que está sendo ministrada. As pesquisas mais recentes têm demonstrado que, dentro das variações de perfis mais cinestésicos, mais auditivos ou mais vi- suais da população e diante dos vários graus de inteligência distri- buídos entre os alunos em uma classe, para uma dada aula, sempre haverá aquela parcela de estudantes que acompanhará visualmen- te cada movimento do professor na sala. Há, ainda, aqueles que precisam se certificar de que entenderam cada palavra que é pro- nunciada, ao mesmo tempo que existem outros que, seja por de- sinteresse, seja por dislexia, serão parcial ou totalmente distraídos na primeira oportunidade que aparecer, recorrendo, naturalmen- te, ao que têm no bolso ou às mãos (celular ou outro dispositivo eletrônico) (FONSECA, 2009; RAVIZZA; HAMBRICK; FENN, 2014). Estudos 1 mostram que, apesar de realmente existir uma parcela de alunos que mereça a alcunha de multitarefas (podendo, em tese, acom- panhar razoavelmente uma aula enquanto transita pelo Facebook e Twitter, por exemplo), a excessiva tolerância com eles pode resultar em má influência para os demais (sem tanto traquejo multitarefas assim), sendo estes severamente prejudicados em sua aprendizagem. Contudo, segundo os mesmos estudos, até os mais desenvoltos alunos, que conseguem realizar uma série de atividades ao mesmo tempo (estudar, inclusive), poderiam apresentar um rendimento inte- lectual muito maior caso fossemmais focados em uma única tarefa de cada vez. Nesse aspecto, é necessário o professor ter em mente que, mais importante do que garantir que um aluno atinja a nota mínima para mera aprovação na disciplina, uma das mais nobres funções da hotspot: ponto de acesso wi-fi. Glossário Por qual motivo o acesso à internet em sala de aula é praticamente inevitável? Atividade 2 cinestésico: que percebe o mundo por meio do movimento e do tato. dislexia: que apresenta dificuldades para ler, por não reconhecer a correspondência entre letra e som. Glossário Sendo eles: Jacobsen; Forste, 2011; Aguilar-Roca; Williams, O’Dowd, 2012; Tindell; Bohlan- der, 2012; Carvalho, 2013; Ravizza; Hambrick; Fenn, 2014. 1 A contribuição das TIC para a educação 69 educação é extrair o melhor de cada indivíduo, para que ele alcan- ce a mais plena evolução intelectual e cultural. Essa oportunidade arrisca ser desperdiçada caso o professor nivele “por baixo” seus melhores alunos ao não lhes fornecer desafios cognitivos à altura. Assim, o problema não se resume a uma mera questão de ordem disciplinar. Com efeito, estudantes mais jovens, como crianças, neces- sitam de maior imposição de controle de comportamento em sala de aula, o que muitas vezes se traduz em um monitoramento em regi- me permanente. Mas é equivocado pensar que, em um ambiente mais adulto, como no ensino superior, o professor pode abrir mão dessa preocupação. As distrações trazidas pelos dispositivos móveis conti- nuam existindo, mudando talvez apenas sua natureza, de motivações mais pueris para os problemas práticos que as pessoas enfrentam no dia a dia (contas a pagar, cobranças profissionais, conflitos familiares, problemas de saúde, angústia por precisar sair mais cedo para pegar o filho pequeno na escola etc.). Sensível a essa realidade, cabe também a esse professor conduzir suas aulas com alguma desenvoltura para a boa utilização da internet. Entretanto, para alguns estudiosos do fenômeno da internet em sala de aula, à medida que as gerações se sucedem, os nativos digitais vêm provando que fazem, de fato, cada vez mais uso responsável dos dispositivos móveis em ambiente escolar. Isso significa que, mesmo sem a solicitação do professor para fazê-lo, mais e mais estudantes tomam a iniciativa de consultar seus equipamentos para ter acesso à informação relacionada ao conteúdo ministrado. Por exemplo, em uma aula sobre cultura bizantina, é justamente o grande interesse que o professor pode despertar no aluno que o levará, eventualmente, a procurar vídeos no YouTube ou fotos no Google Ima- gens para contextualizar a informação, compartilhando com a turma um material que se destaque ou que gere alguma dúvida pertinente ao assun- to – uma ótima oportunidade de o professor garantir ainda mais atenção à disciplina. Em outro exemplo, em uma aula sobre economia ou finanças, o professor pode pedir aos alunos que estejam conectados levantarem informações em tempo real (por exemplo, cotação do dólar ou índice da bolsa de valores) para melhor contextualização do conteúdo. Segundo Song e Kong (2016), diante da realidade da internet em sala de aula, instituições de ensino mais vanguardistas vêm promo- vendo a política que, no mundo corporativo em geral (em escolas ou 70 Novos caminhos para profissionais da educação qualquer tipo de empreendimento), ganhou o nome de bring your own device (Byod), ou traga seu próprio dispositivo, em tradução livre para o português. Trata-se de uma diretriz que não se resume apenas aos alu- nos, mas também aos professores e demais funcionários das institui- ções de ensino, que são estimulados ou incentivados a levarem para o local seus próprios dispositivos móveis. Apesar dos desafios de nature- za operacional que essa medida representa para os departamentos de TI das instituições (responsáveis, naturalmente, pelo uso e desempe- nho da rede de informática no ambiente organizacional), os benefícios trazidos pela medida são a maior justificativa para esse tipo de política. A mais evidente vantagem da política Byod é potencializar ao má- ximo a comunicação dentro e fora do ambiente escolar. Com efeito, os docentes passam a dispor também de canais de comunicação com seus estudantes, seja em sistemas genéricos como as diversas redes sociais (por exemplo, YouTube), seja nos ambientes virtuais de aprendi- zagem (por exemplo, Moodle), a qualquer tempo e em qualquer lugar. Como visto na seção anterior, é bastante interessante que o profes- sor fomente o uso de metodologias ativas, dentre as quais uma ganha um formidável campo de aplicação com as TIC: trata-se da aprendizagem baseada em problemas, a metodologia problem based learning (PBL), ou aprendizagem baseada em problemas, em português. E como garantir uma participação efetiva dos alunos em eventos de apresentações de grande porte, como palestras, aulas magnas e ou- tros tipos de atividades especiais? Afinal, tradicionalmente, é difícil para o instrutor garantir pessoalmente a atenção uniforme de um público grande, como 100 ou 200 pessoas presentes. Contudo, com recursos como comunicadores instantâneos e afins, há maior possibilidade de gerir mais adequadamente essa audiência. Em modelos de ensino a distância e nas modalidades híbridas, é sempre importante uma meta de diminuição do descompasso que pode haver entre aulas e tutorias. A aplicação de respostas on-line co- letadas dos alunos via levantamentos eletrônicos consegue conduzir a um melhor aproveitamento, na forma de refinar discussões e debates nos tutoriais, melhorando o nível das aulas. No geral, as TIC são recursos cada vez mais imprescindíveis para o efetivo monitoramento do aprendizado dos estudantes dentro e Quais são as vantagens de uma política “traga seu próprio dispo- sitivo” no ambiente escolar? Atividade 3 híbrida: que mescla dois modelos diferentes. Glossário A contribuição das TIC para a educação 71 fora da sala de aula, qualquer que seja a modalidade de educação. As respostas on-line guiam os ajustes pedagógicos eventualmente necessários de maneira mais tempestiva. Há de se enaltecer o importante aspecto da motivação dos alunos para o aprendizado e, com as TIC, os docentes dispõem de mais opções para motivar seus estudantes. Isso pode ocorrer, ao se permitir que eles usem seus aplicativos favoritos para fins de experimentação, construção, criação e demonstração dos resultados das atividades que lhes foram demanda- das. Além dessa liberdade de sistemas que o próprio aluno pode escolher, também convém que o professor planeje atividades colaborativas de mais alto nível usando, por exemplo, o sistema prescrito pelo instrutor, como o Google Forms ou similar, mas deixando que cada aluno o faça com o dispositivo que achar mais adequado. 4.3 Tecnologia como recurso didático Vídeo As possibilidades de aplicação das TIC no meio educacional são vir- tualmente ilimitadas. Contudo, é possível reconhecer algumas boas práticas que podem levar um professor ao notório reconhecimento e destaque pelos seus alunos e pela sua própria instituição de traba- lho. Entre elas, a capacidade de deixar suas aulas com uma roupagem tecnológica atualizada e inovadora. Não se trata aqui, evidentemente, da mera utilização dos sistemas informatizados oficiais impostos pela instituição de ensino, mas, sim, do “algo a mais”, que depende da cria- tividade e do conhecimento do próprio profissional. Este dispõe, na prática, de um amplo arsenal de ferramentas de TIC, algumas de custo muito acessível e outras completamente gratuitas (SANDRELLI; JEREZ, 2007; ISHTAIWA; ABUREZEQ, 2015; SONG; KONG, 2016). No artigo As novas tecnologias e aprendizagem: desafios enfrentados pelo professor na sala de aula, dos autores Ione Silva, Tatiane Prates e Lucineide Ribeiro, publicado na revista Em Debate, em 2016, pondera-se que, embora o professor te- nha consciência da importância do uso das novas tecnologias em sala de aula, ele ainda se depara com os desafios deassociar o conteúdo pedagógico aos instrumentos tecnológicos. Isso reforça a ideia de que é preciso fazer uma busca permanente de capacitação do docente, que seja realmente significativa, para desenvolver habilidades e técnicas necessárias a uma aprendizagem, utilizando as tecnologias digitais em sala de aula. Acesso em: 21 fev. 2020. https://periodicos.ufsc.br/index.php/emdebate/article/download/1980-3532.2016n15p107/33788 Artigo 72 Novos caminhos para profissionais da educação Criar e manter um site para uma disciplina é uma dessas possibi- lidades e pode ser feito totalmente sem custo e sem que o professor precise de conhecimentos específicos de linguagem de programa- ção de computadores. Um site específico da disciplina de trabalho do professor pode representar uma excelente conveniência aos alunos (e ao próprio docente) ao servir de canal de comunicação centralizado das informações mais importantes daquela disciplina. Além dos dados básicos de identificação (nome da disciplina, nome do professor, instituição de ensino etc.), essas informações podem reunir, por exemplo, os materiais de apresentação das aulas (como os arquivos de PowerPoint e similares), textos de materiais com- plementares para leitura, links para outros sites de interesse da dis- ciplina, calendário de eventos, controle de frequência e notas dos alunos, repositório de trabalhos encaminhados pelos alunos, plano de aula, listagem de bibliografia geral e complementar, correção de provas/gabarito, entre outras informações de interesse. A vantagem de se construir um site específico para a discipli- na é a total liberdade de moldá-lo ao gosto do docente, tanto em termos de formato quanto de conteúdo. Quando são usados siste- mas já existentes, como as páginas das instituições de ensino ou as ferramentas de redes sociais, as restrições são muito maiores, especialmente no quesito de formato empregado. Entre as opções gratuitas (que são várias), uma das mais difundidas é a ferramen- ta Google Sites, que é uma parte do pacote de aplicações G Suite (anteriormente conhecido como Google Apps). Assim como qual- quer pessoa pode manter, gratuitamente, uma conta de e-mail do Google, o mesmo ocorre para os demais serviços associados a essa conta, como é o caso do Google Sites. As etapas operacionais para um professor criar um site para sua disciplina nessa plataforma são bastante intuitivas e o básico pode ser sintetizado nos passos a seguir: (1) acessar sites.google.com; (2) logar com a conta do Google, que pode ser criada na hora, se necessário; e (3) clicar em criar, na versão clássica. A contribuição das TIC para a educação 73 Fonte: Google. Divulgação. Dentre as duas opções oferecidas – tanto no Google Sites clássico quanto no novo Google Sites –, sugere-se dar preferência à primeira delas. Apesar de ser a mais antiga, e, por isso, oferecer um visual mais rústico, há funções exclusivas disponibilizadas, como recursos de múl- tiplas subpáginas para o site, que não se encontram no novo Google Sites. Este, por sua vez, tem um visual mais bem elaborado, contudo, menos funcional. Para aplicações como portais de disciplinas acadêmi- cas, as múltiplas subpáginas mostram-se recursos bastante valiosos. Na página seguinte, o professor atribui um nome ao seu site, por exemplo, “Matemática: Prof. Cristóvão”, e escolhe seu próprio endere- ço na internet (que será um complemento de https://sites.google.com/ site/). Quanto ao modelo (template) a ser empregado, há total liberda- de para escolher uma das centenas de opções oferecidas pelo Google ou começar com um modelo em branco, que é totalmente adequado principalmente para quem está experimentando pela primeira vez esse tipo de serviço on-line. Após as seleções do modelo, nome e endereço do site, deve-se assinalar a opção não sou um robô (4) e clicar no bo- 74 Novos caminhos para profissionais da educação tão vermelho criar (5), que executa a construção em poucos segundos, dando-se, assim, a imediata disponibilização on-line. Fonte: Google. Divulgação. Uma vez com o site já criado e disponível on-line, o professor tem a liberdade de editá-lo a qualquer momento, quantas vezes forem neces- sárias. Para tanto, convém observar as ferramentas básicas de gestão, que ficam no canto superior direito da tela. O primeiro ícone ( ) ativa ou desativa o modo de edição: uma vez ativado, o que for escrito no teclado é reproduzido no site; desativado, o que se visualiza é o que os terceiros (por exemplo, os alunos) irão enxergar ao acessá-lo. O segundo ícone ( ) permite a criação de uma subpágina. Usan- do o Google Sites clássico, a conveniência é que se pode estrutu- rar subpáginas dentro de subpáginas, com tantos níveis quanto o professor julgar necessário. O terceiro ícone ( ) é o das configu- rações gerais do site, em que é possível, por exemplo, renomeá-lo, mudar de modelo (template), apagar subpáginas, permitir que ter- ceiros (alunos) postem comentários no site, habilitar visualização de arquivos em anexo, entre diversas outras funções de grande versatilidade para a personalização que o professor precisar. A contribuição das TIC para a educação 75 O quarto ícone ( ) edita as opções de compartilhamento do site. Por padrão, assim que o site é criado, ele é público (qualquer pessoa no mundo pode acessá-lo). O professor pode aplicar a restri- ção de deixá-lo privado (somente seu proprietário o acessa) ou, então, fazer com que apenas as pessoas que conhecerem o endereço do site possam acessá-lo (ele não fica visível nos mecanismos de busca da in- ternet, sendo a opção frequentemente adotada pelos professores, que usualmente divulgam o endereço do site apenas aos seus alunos). Em resumo, a ferramenta do Google Sites é apenas uma entre tantas outras disponíveis na internet que permitem, de modo gratuito, que um site com funcionalidade de uma verdadeira intranet seja disponibilizado para a disciplina de trabalho do professor. Por isso, é bastante recomen- dável que os professores explorem e conheçam mais esse tipo de TIC. Por outro lado, dada sua relevância e impacto na sociedade em ge- ral, algo que pode ser chamado de um fenômeno à parte na internet, nos dias atuais, são as redes sociais – também especialmente úteis para aplicações no campo da educação (ALKHATHLAN; AL-DARAISEH, 2017). Esses ambientes virtuais são serviços on-line que oferecem às pes- soas a construção de um perfil público. O usuário pode optar pela ex- posição total ou parcial de seus dados pessoais para terceiros (outros utilizadores da rede social). De fato, cada perfil criado se associa a uma lista de outros perfis (demais usuários). A denominação de rede social é justamente pelo critério de as associações demandarem um comparti- lhamento de conexão, com base em determinada afinidade social (fa- miliares, colegas, amigos etc.). No que diz respeito ao emprego de redes sociais digitais para finalidade educacional, é possível identificar dois ti- pos de sistemas: as redes sociais padrão e as intencionalmente construí- das para suporte ao ensino e aprendizagem. Fenômeno curioso, os sistemas originalmente concebidos como comunicadores pessoais, como Skype, Telegram, Viber e WhatsApp, acabaram sendo aprimorados com o tempo, integrando novas funcio- nalidades, como o recurso de grupos. Assim, passaram a também ser opções de redes sociais. Especialmente no Brasil, o WhatsApp e o Tele- gram acabaram ganhando enorme difusão, de modo que é bem corri- queiro que seus usuários mantenham a prática de estabelecer grupos para família, trabalho e escola. Nessa última categoria, professores e Intranet: conteúdo on-line acessado pelos navegadores de internet, mas com acesso restrito a um grupo predeterminado de usuários. Glossário 76 Novos caminhos para profissionais da educação alunos costumam ser membros, resultando, assim, em mais um canal, mesmo que informal, de comunicação entre eles. Não é comum que uma rede social genérica seja utilizada como o canalprincipal de relacionamento entre os corpos docente e discente. De todo modo, há certa predileção dos alunos por buscarem informa- ções nos portais mais frequentados na internet; por isso, os sites ofi- ciais acadêmicos tendem a ter menos visitas que as correspondentes páginas nas redes sociais. Boa parte do fenômeno se explica em função de que, na mais consagrada das redes sociais, o Facebook, existe o con- veniente recurso de criação de páginas temáticas. No cenário acadêmico, é bastante recorrente o hábito de se man- ter páginas oficiais das instituições de ensino ou mesmo de disciplinas ou cursos específicos, o que estabelece, desse modo, comunidades virtuais em torno delas. De fato, pode-se mensurar a qualidade ou a reputação das instituições de ensino muito pelo que divulgam nesses canais, afinal, as páginas são públicas e os comentários (favoráveis ou desfavoráveis) circulam livremente nesses domínios. Convém lembrar que a prática de uma instituição de ensino de apagar comentários ne- gativos na sua página, mantendo apenas os que forem elogiosos, é algo muito malvisto pela sociedade em geral, que adotou como prática mo- ral o repúdio a esse tipo de censura (BLACKSHAW, 2008). Contudo, de especial interesse para os professores, um recurso do Facebook que merece atenção são os grupos – versáteis, podem ser con- figurados como públicos ou restritos, permitindo ainda que se anexem e compartilhem arquivos de qualquer formato. É essa razão que faz com que os grupos do Facebook também sejam empregados como canal de comu- nicação entre os professores e seus alunos. Usualmente, o moderador do grupo é o professor, atuando como um curador dos conteúdos que ali tran- sitam. Funções adicionais, como calendário de eventos, tornam essa rede bastante interessante para fins acadêmicos. O Twitter é outra rede social de grande popularidade, que se man- tém no formato de um microblog, permitindo postagens com, no má- ximo, 280 caracteres. Um dos destaques do serviço é a associação de palavras com o símbolo hashtag (#), mecanismo pelo qual os trending A contribuição das TIC para a educação 77 topics (assuntos mais comentados) são acompanhados nacional e in- ternacionalmente. O professor tem à sua disposição diferentes es- tratégias criativas para o uso do Twitter em atividades. Por exemplo, ele pode pedir aos seus alunos práticas de como sintetizar conteúdos (atendendo ao limite de caracteres aplicado pelo sistema), pesquisar na rede determinada hashtag de assunto abordado em aula e, claro, pode usar o canal como mais um meio de propagar seus comunicados e informações da disciplina. Podcasts (conteúdos transmitidos apenas por áudio) são apa- ratos já há muito tempo presentes na internet, mas o fato é que, mais recentemente, eles ganharam maior apelo de popularidade – provavelmente em função de novos canais que potencializam sua experiência. É o caso dos podcasts disponíveis no Spotify, muitos deles voltados a temas da educação – a exemplo do interessante Papo de Educador 2 . E, melhor ainda, oferecer um podcast no Spo- tify é simples e gratuito. Por sua vez, outra categoria de redes sociais digitais trata daque- les sistemas que foram construídos para aplicações específicas. Esses sistemas são mais recentes na indústria e se inspiram, em seu con- ceito, nas funcionalidades mais populares das redes genéricas, como YouTube, Facebook, WhatsApp e Twitter. Assim, da mesma forma que existe o LinkedIn como a rede social dos profissionais em geral, no campo da educação, figuram nomes como Passei Direto, Academia. edu, Edmodo e GoConqr, nomes que devem estar no radar das tecno- logias a conhecer dos professores atuantes no século XXI. Em suma, no que diz respeito ao processo de ensino e aprendiza- gem, as redes sociais digitais cativam professores e alunos em função de seu poder de interatividade. Além de terem um apelo democrático, permitem que os próprios estudantes criem e compartilhem informa- ções. É preciso reconhecer que muitos alunos podem se sentir des- motivados ou desconfortáveis com os sistemas mais tradicionais, que impõem um fluxo unilateral, em que somente os docentes têm per- missão de postar seus conteúdos oficiais – algo que não se deve mais ignorar no relacionamento com as novas gerações. Descreva algumas formas de o professor empregar o Twitter em suas aulas. Atividade 4 Você pode conhecer esse podcast por meio do link: https://open. spotify.com/show/06h0a4pvB- CUVb5tJ9SYP3m. Acesso em: 21 fev. 2020. 2 Conheça melhor a ferramenta de podcasts com o tutorial a seguir, que ensina a inseri-los no Spotify. Disponível em: https://tec- noblog.net/274710/como-colo- car-o-seu-podcast-no-spotify/. Acesso em: 14 fev. 2020. Saiba mais 78 Novos caminhos para profissionais da educação CONSIDERAÇÕES FINAIS A informática é uma excelente mediadora operacional dos processos de ensino e aprendizagem. Como o docente é o mediador de mais alto nível, sendo o estrategista que conduz de modo diligente as atividades em sala de aula, as TIC se apresentam como poderosas ferramentas de apoio, voltadas à melhoria da produtividade e à qualidade das práticas acadêmicas. O profes- sor do século XXI, para ser bem-sucedido em sua carreira, não pode jamais perder de vista a evolução que as ferramentas digitais apresentam – e elas evoluem de maneira contínua graças aos avanços tecnológicos –, pois, assim, poderá ter sucesso longevo em suas práticas profissionais. REFERÊNCIAS AGUILAR-ROCA, N. M.; WILLIAMS, A. E.; O’DOWD, D. K. The impact of laptop-free zones on student performance and attitudes in large lectures. Computers & Education, v. 59, n. 4, p. 1300-1308, 2012. Disponível em: https://escholarship.org/uc/item/5r163125. Acesso em: 21 fev. 2020. ALKHATHLAN, A. A.; AL-DARAISEH, A. A. An analytical study of the use of social networks for collaborative learning in higher education. 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Um único aluno que entre na sala de aula com seu celular e conexão própria à internet já torna a conexão clandestina praticamente inevitável de ser distribuída a todos os colegas. 3. A melhoria da comunicação dentro e fora da escola é a vantagem mais evidente, com recursos de comunicação síncrona e assíncrona. 4. Solicitar aos alunos que façam resumos pelo Twitter, pesquisar na rede determinada hashtag de assunto abordado em aula e usar o canal como mais um meio de propagar seus comunicados e informações da disciplina. 80 Novos caminhos para profissionais da educação 5 Novidades tecnológicas na sala de aula A onda de digitalização da sociedade impactou, inevitavelmente, o campo da educação e, com bastante ênfase, o trabalho dos pro- fessores. Tecnologias de ponta surgem para modificar drasticamen- te a rotina do dia a dia do docente, redefinindo o conceito de sua atividade profissional. Entre as tecnologias disruptivas que deram uma nova roupagem ao processo de ensino e aprendizagem, são discutidos, neste capítulo, a educação a distância (EaD), os Moocs (cursos abertos on-line massivos), a realidade virtual e a realidade aumentada. É importante esclarecer, logo de início, que as tecnolo- gias de realidades virtual e aumentada, embora de certa forma rela- cionadas, são conceitos distintos. Dominar essas novas tecnologias faz com que o professor encontre mais e melhores oportunidades de atuação em seu mercado de trabalho no século XXI. 5.1 EaD e Mooc Vídeo Desde meados da década de 1990, observam-se mudanças expres- sivas na área de EaD, em função dos avanços da tecnologia da informa- ção. É preciso levar em consideração que a tecnologia da EaD é muito mais antiga que a computação: ela remonta aos tempos do ensino via correspondência, posteriormente alcançando rádio e TV. Então, grada- tivamente, as instituições que trabalham essa modalidade mudaram de um modo de entrega impresso (meio físico em papel) para um de entrega on-line, caracterizado pelo uso de ambientes virtuais de apren- dizagem (AVA) e pela grande variedade das tecnologias web. Portanto, são a flexibilidade e a adaptabilidade do design instrucional que distinguem a EaD do século XXI dos equivalentes sistemas mais antigos do ensino e aprendizado a distância. Com efeito, as sucessivas revoluções Design instrucional: conjunto de técnicas e recursos para adequação e facilitação do conteúdo para o leitor em qualquer situação de ensino. Glossário Novidades tecnológicas na sala de aula 81 industriais, que convergem na atualidade para a Indústria 4.0, tendem a deixar os procedimentos de criação e entrega dos conteúdos de EaD cada vez mais padronizados, normatizados e formalizados. Contudo, ao mesmo tempo, a EaD em ambiente on-line também se caracteriza por seus limites cada vez mais indefinidos entre o desenvolvimento e a entrega dos cursos. As atividades de aprendizado virtual são organizadas em torno dos recursos web, integrando discussões on-line que tornam o conteúdo do curso mais fluído e dinâmico, em virtude de ser criado durante atividades colaborativas síncronas (em tempo real) e assíncronas (momentos distin- tos). Por assim dizer, o muitas vezes imprevisível direcionamento de uma discussão em fórum on-line é, com toda legitimidade, conteúdo do respec- tivo curso (SHANA, 2009; ARINTO, 2013). Com o ensino digital, agrega-se ao docente a indispensável função do tutor a distância – com todo o seu conjunto de competências específicas (KLIMOVA; POULOVA, 2011). Mas o que as pesquisas têm mostrado é que a seletividade da tecnologia é responsável por modificar ainda mais o papel do professor no processo de ensino e aprendizagem. Em alguns casos, é dada grande ênfase ou são ampliadas algumas competências, enquanto em outros, competências são inibidas, limitadas ou mesmo excluídas. O papel de criação de atividades, por exemplo, é algo poten- cializado na EaD. É claro que esse tipo de atribuição é uma característica comum na docência em geral, no entanto, no e-learning 1 , a necessidade do design instrucional se torna muito mais óbvia e premente. Enquanto na modalidade presencial as abordagens podem certamen- te ser ajustadas de imediato para atender às necessidades pontuais dos alunos (e avaliadas diretamente no desempenho deles), na EaD, as ativida- des aparentemente triviais, como agrupar alunos, fazer perguntas, dispo- nibilizar recursos e outras tarefas típicas de sala de aula, demandam uma capacidade muito maior de planejamento e antecipação de situações. Ao mesmo tempo que se caracteriza por tais desafios, a EaD da atualidade conta com as vantagens de operar sob novas tecnologias digitais, que vêm possibilitando o “design de curso sob demanda”. As- sim, a tendência é que, cada vez menos, os cursos nessa modalidade sejam predeterminados, e cada vez mais, que eles sejam definidos ou atualizados a cada momento em que precisem ser ministrados, prin- cipalmente em função das discussões e atividades que acontecem no AVA (ambiente virtual de aprendizagem). Modalidade de ensino que tem sua distribuição por meio de dispositivos conectados à internet. 1 82 Novos caminhos para profissionais da educação Arinto (2013) propõe níveis de desenvolvimento de competências docentes para tutores do ensino on-line, em que busca refletir melhor sobre o atual paradigma de ensino aberto e a distância, conforme des- crito no Quadro 1. Divididas entre os níveis de desenvolvimento básico, intermediário e avançado, as áreas de competências são o desenvolvi- mento de conteúdo, o planejamento de atividades de aprendizado, as estratégias de ensino e a avaliação. Quadro 1 Desenvolvimento de competências em ensino aberto e a distância Área Nível de desenvolvimento Básico Intermediário Avançado Desenvolvimento de conteúdo • Atualizar conteúdos usan- do recursos web. • Selecionar recursos web tendo em mente resulta- dos de aprendizado. • Escrever guias de estudo. • Respeitar direitos au- torais, explorando suas exceções. • Selecionar recursos web em todo tipo de mídia. • Incluir recursos para estudo complementar (paralelos aos recursos principais). • Usar repositórios de recursos educacionais abertos. • Selecionar recursos web para atender a diferen- tes perfis de alunos. • Produzir recursos ope- racionais abertos. Planejamento de atividades de aprendizado • Criar atividades de apren- dizado on-line para engajar os alunos e facilitar a com- preensão do conteúdo. • Escrever guias de estudo. • Prover recursos e ferra- mentas. • Criar atividades de aprendizado on-line para promover diálogo e investigação. • Criar atividades de aprendizado de geração de conhecimento cola- borativo on-line. Estratégias de ensino • Diferenciar os papéis do professor on-line e do professor presencial. • Prover instrução direta on-line. • Gerenciar as tarefas do site do curso. • Estabelecer a presença docente. • Desempenhar novos papéis de ensino on-line. • Organizar e conduzir discussões on-line. • Adotar pedagogias de participação (alunos como cocriadores). • Ensinar com os outros (ensinar em rede). Avaliação • Criar avaliações soma- tivas. • Escrever guias de avaliação (incluindocritério para marcação de respostas). • Prover feedback construti- vo e em tempo hábil. • Criar avaliações forma- tivas. • Assegurar equilíbrio e coerência entre avaliações somativas e formativas. • Usar avaliação alterna- tiva, incluindo autoa- valiação pelo aluno e avaliação por colegas. • Criar avaliações flexíveis. Fonte: Adaptado de Arinto, 2013. Quais são as principais áreas a se considerar para o desenvol- vimento das competências docentes em um modelo de educação aberto e a distância? Atividade 1 Novidades tecnológicas na sala de aula 83 Seguindo o princípio defendido por Mishra e Koehler (2006) de que fazer uso eficiente da tecnologia no processo de ensino e aprendiza- gem requer a plena integração dos conhecimentos de conteúdo, de pedagogia e de tecnologia, o Quadro 1 não discrimina separadamen- te as competências tecnológicas das pedagógicas e de conteúdo. Ao contrário, as competências indicadas para cada uma das quatro áreas em determinado nível de desenvolvimento são as competências inte- gradas. Por exemplo, a seleção de recursos da web tendo em mente os resultados de aprendizagem (em desenvolvimento de conteúdo bá- sico) requer que um designer instrucional integre o conhecimento de um curso ou uma disciplina específico e seus resultados de aprendiza- do em um programa de estudo com o conhecimento de como o curso é melhor ensinado e/ou como melhores resultados de aprendizagem são alcançados (conhecimento pedagógico). Essas questões devem estar aliadas ao conhecimento de como identificar e acessar recursos da web (conhecimento tecnológico, em particular, habilidades de internet), avaliando sua relevância para o pro- pósito de ensino, bem como sua utilidade no que diz respeito a ajudar os estudantes a atingirem os resultados de aprendizagem desejados. Os níveis de especialização (básico, intermediário e avançado) in- dicam os graus de complexidade do conhecimento e das habilidades necessárias para cada área. Todas as competências listadas para as quatro áreas no nível básico compreendem as competências mínimas para o ensino de um curso on-line de educação a distância. Assim, qual- quer docente que seja designado a produzir conteúdo para EaD deve levar em consideração essas competências mínimas. Deve-se notar, ainda, que a estrutura apresenta apenas as principais habilidades, que podem ser expandidas conforme cada situação. Em termos gerais, as competências docentes são mais desafiado- ras na EaD do que na modalidade tradicional presencial. No Mooc, o panorama é igualmente árduo – senão mais. Atualmente, proliferam no Brasil e no mundo ofertas desse tipo de proposta, em que as marcas mais famosas são nomes como Coursera, FutureLearn, edX e Udacity. Nesse tipo de produto, o alcance de número de alunos cos- tuma ser bem maior, e não raro acontece de cursos serem acompa- nhados, simultaneamente, por dezenas de milhares de estudantes (DANIEL; CANO; CERVERA, 2015). 84 Novos caminhos para profissionais da educação É exagero pensar que o formato Mooc viva, hoje em dia, seu mo- mento de crise: a adesão do mercado a que se destina (alunos com interesse em estudar a um custo muito baixo ou mesmo a custo zero) é cada vez maior. Dados de 2019 contabilizam mais de 13,5 mil produtos desse tipo no mercado 1 . Contudo, o grande questionamento que se faz é em relação à sua proposta original: o Mooc foi criado para ser gra- tuito, mas, na prática, as grandes marcas do mercado vêm trabalhando na estratégia “freemium” (free + premium). Então, um dos grandes desa- fios é que as ofertas gratuitas tenham o mínimo de qualidade que um produto educacional deve garantir. Nesses termos, o trabalho do professor conteudista/tutor a dis- tância ganha um requisito adicional: o da viabilidade comercial, que precisa ser alinhada, evidentemente, com a instituição responsável pela oferta do curso na modalidade Mooc (GODWIN-JONES, 2014; DANIEL, CANO, CERVERA, 2015). Em suma, o formato Mooc passa, nos dias atuais, por um processo de validação de mercado, que pode resultar em ajustes ou, até mesmo, em abandono de sua proposta de pretender ser algo à parte do concei- to de EaD digital convencional. Como ironiza Godwin-Jones (2014), em muitas circunstâncias, é importante comercialmente “repaginar” um curso tradicional e vendê-lo como Mooc – embora possa não ser nem aberto nem massivo. Críticos avaliam que, na prática, muitos Moocs são ofertados como uma mera coleção de vídeos on-line que dispõem de fórum para concentrar a interação dos alunos, mesclando, assim, alguns dos tradicionais elementos dos modelos de EaD, mas sem pro- mover um aprendizado adaptativo ou personalizado. Esse tipo de curso certamente pode ter um papel formativo na educa- ção superior, não apenas nos países em que os Moocs já são um produto ofertado (caso do Brasil), mas também nos países muito menos desen- volvidos. Fruto da filosofia da educação aberta, os Moocs foram criados, originalmente, para contemplar um papel social: o de ser mais um meio de levar a educação aos locais em que ela nunca havia chegado. Então, para que tal caráter formativo possa ser efetivamente garantido, é pre- ciso que os cursos dessa modalidade adotem diferentes estratégias de ensino, a fim de que consigam promover o aprendizado personalizado, com a garantia de alguma forma de acreditação ou certificação, tendo em vista o significado prático que o diploma ainda representa para o aluno quando se considera o mercado de trabalho convencional. Dados disponíveis em: https:// www.classcentral.com/report/ mooc-stats-2019/. Acesso em: 21 fev. 2020. 1 Novidades tecnológicas na sala de aula 85 Na perspectiva do profissional docente, o mínimo que precisa ser considerado no momento de produzir material para essa modalidade de ensino é que a linguagem e os contextos devem ser universais, na medida do possível. Em função da grande distância estabelecida entre professor e aluno no formato Mooc, muito mais do que textos obrigató- rios para leitura, é vital que o “olho no olho” seja estabelecido mediante vídeo com a imagem do professor falando (McCONNELL et al., 2013). É certo que a maioria dos professores brasileiros, uma vez que se- jam demandados como conteudistas/tutores, vai se sentir mais confor- tável em produzir os materiais, gravar aulas e/ou interagir nos fóruns com os alunos no idioma nativo (português). Contudo, é indispensá- vel que, ao menos, se garanta a devida legenda em inglês, sabendo que um produto Mooc é virtualmente acessado de qualquer parte do mundo. Da mesma forma como já se faz no EaD digital convencional, quando um professor evita termos regionais no seu conteúdo para tornar a aula plenamente compreensível em escala nacional, cuidado semelhante deve ser adotado ao produzir Moocs, pois é preciso cuidar com os exemplos e as explicações para que um aluno estrangeiro, que não conheça especificidades da realidade brasileira, possa também ter êxito em sua aprendizagem. 5.2 Realidade virtual Vídeo Ao transformar a interação social, os ambientes de realidade virtual utilizados na educação dispõem da peculiar capacidade de alterar a di- nâmica do aprendizado. Essa é uma das principais razões pelas quais tal tecnologia encontra alta receptividade desde a educação básica até o ensino superior, resultando em uma série de benefícios, entre eles, uma atenção mais equânime do professor aos alunos, a oferta aos es- tudantes de uma visão sobre o tema desenvolvido mais próxima da perspectiva do professor, além dos evidentes ganhos ao poder aces- sar o conteúdo virtualmente de qualquer local do mundo (ou até fora dele) com o uso de óculos especiais e outros dispositivos associados (BAILENSON et al., 2008; CHEN; CALINGER; HOWARD, 2010). Não por acaso, atualmente, a realidade virtual é um dos campos de pesquisa mais promissores na área da educação. Muitos dos estudos dizem respeito à análise da viabilidade de ambientes virtuais. Esses am- bientes resultam de simulações digitaisque envolvem a representação de professores, de alunos e, especialmente, do conteúdo ministrado. De fato, a habilidade dos professores e alunos de usar tecnologia para alterar suas representações e seus contextos on-line, visando melhorar a aprendizagem, é uma interação social transformada. Há evidências, originadas de uma série de estudos empíricos, que demons- tram que a quebra do ambiente convencional de ensino e aprendizagem pode melhorar o desempenho de professores e de alunos – embora a realidade virtual não seja ainda uma tecnologia tão facilmente adquirida pelas instituições de en- sino em geral. De qualquer modo, a tendência é de grande proliferação de tec- nologia educacional de realidade virtual ao longo dos próximos anos, principalmente dado o gradativo barateamento de custos que sem- pre ocorre concomitante à maior difusão de uma nova tecnologia. Isso torna o tema estratégico para qualquer docente da atualidade – quer o profissional já utilize essa tecnologia no seu dia a dia ou não. Afinal, se ainda não teve essa experiência no seu trabalho, é bastante provável que terá, mais cedo ou mais tarde (BAILENSON et al., 2008; CHEN; CALINGER; HOWARD, 2010). O uso da realidade virtual para a prática educacional encontra res- paldo tanto na convencional pedagogia, do consumo do conhecimento já estabelecido, quanto na construção do conhecimento sob demanda. Freeograph/ Shutterstoc k 86 Novos caminhos para profissionais da educação Estudante experimentando óculos de realidade virtual. Novidades tecnológicas na sala de aula 87 Por exemplo, na educação infantil, um ambiente virtual lúdico, como uma casa de bonecas ou um playground, que insere as crianças como agentes ativos da experiência, pode naturalmente encorajá-las a contar histórias para seus colegas, promovendo, assim, competências literárias (CASSELL, 2004). A realidade virtual se difere de outros tipos de ambientes de apren- dizagem multimídia por prover informação sensorial artificial – uma forma de levar à percepção de ambientes e de seus conteúdos como se eles fossem naturais. Os recursos digitais da computação avançada são o fundamento dessa tecnologia, que possibilita gerar as informações sensoriais com fluxo em tempo real para uma melhor interação entre os usuários e o respectivo ambiente simulado. Assim, as pessoas podem interagir em uma realidade virtual usando variados dispositivos, que servem como canais de percepção simulada, tais como óculos especiais (para efeito visual), fones de ouvido (para efeito sonoro), luvas especiais (para efeito tátil) e até mesmo dispositi- vos para o nariz, como uma espécie de máscara nasal, ou colar espe- cial no pescoço, que exala odores de maneira programada, visando ao efeito olfativo (BAILENSON et al., 2008). Uma das últimas fronteiras em matéria de realidade virtual é a inclusão de dispositivos que simulam o paladar: atualmente, pesquisadores testam protótipos que recorrem à eletroestimulação da língua, entre outras abordagens experimentais, visando concluir a cobertura por essa tecnologia dos cinco sentidos hu- manos (PORCHEROT et al., 2018, NAKANO et al., 2019). Segundo Bailenson et al. (2008), um ambiente virtual imersivo é aque- le que envolve o usuário perceptualmente, aumentando sua sensação de presença naquele cenário. Por exemplo, ao se considerar um videoga- me infantil convencional, o ato de jogar usando um joystick e um monitor é um tipo rudimentar de ambiente virtual. Contudo, se a criança dispor de equipamentos especiais que lhe permitam assumir o ponto de vista real do personagem principal do jogo, ou seja, controlar os movimentos desse personagem com seus próprios movimentos, eliminando, ainda, a percepção do mundo real que a circunda naquele momento, então, pode-se dizer que se trata de um ambiente virtual imersivo. Considerando que essa tecnologia envolve os movimentos do usuário, uma sugestão de uso são as aulas de Educação Física; afinal, nessa disciplina, a tecnologia pode trabalhar conceitos de O site Porvir - Inovações em Educação traz uma ampla gama de ideias e notícias sobre a realidade virtual que pode ser aplicada em sala de aula, tanto na educação básica quanto na educação superior. Disponível em: https://porvir. org/?s=&c=&cs=tecnolo- gia-e-infraestrutura&t=&pg=1. Acesso em: 21 fev. 2020. Site 88 Novos caminhos para profissionais da educação dança, esportes, lutas, tudo por meio de movimentos unidos à rea- lidade virtual em um ambiente imersivo. Em suma, no ambiente virtual imersivo, equipamentos especiais per- mitem que o usuário tenha sua percepção do mundo físico real suspensa temporariamente (principalmente não enxergando e/ou não escutando o que está ao seu entorno). Isso, aliado aos estímulos da tecnologia di- gital, favorece que a informação sensorial emulada psicologicamente seja bem mais envolvente que a informação sensorial do mundo real – e, temporariamente, a única informação sensorial presente. Para que tal efeito seja possível, os ambientes virtuais imersivos cos- tumam dispor de duas características essenciais. A primeira é de que há um absoluto monitoramento das atividades da pessoa enquanto estiver imersa em sua experiência virtual (incluindo orientação da cabeça, posi- ção do corpo e até mesmo direção do olhar). Tais informações são regis- tradas em tempo real pelo sistema eletrônico, que, em resposta, atualiza instantaneamente o ambiente virtual. Assim, como efeito prático, a cena virtual sempre corresponde à posição e orientação do usuário naquele meio. Por exemplo, em um ambiente fulldome 2 , costumam ser minis- tradas aulas de astronomia, explorando as fronteiras do sistema solar e outras formações cósmicas. A diferença para a tecnologia mais recente é que a infraestrutura física, razoavelmente cara de um fulldome, conse- gue ser emulada por equipamentos individuais de realidade virtual, na forma de óculos e capacetes especiais. Uma segunda característica é que as informações sensoriais do mun- do físico são mantidas em um patamar mínimo. Esse aspecto diz respeito à necessidade do isolamento do meio externo. Por exemplo, trabalhando com imagens digitais, os óculos virtuais, além de projetá-las, impedem que a pessoa continue enxergando o meio físico real que a circunda; dessa forma, aprofunda-se o envolvimento na experiência simulada. Uma categoria especial de ambientes virtuais imersivos é a dos am- bientes virtuais colaborativos, que envolvem mais de um usuário. Esse tipo de ambiente, de especial aplicação no campo da educação, faz uso do recurso de avatares para possibilitar a interação dos usuários entre si e com o sistema. O avatar é o personagem digital criado no ambiente virtual e que se comunica com os demais usuários e com o próprio am- biente simulado, não só via comandos escritos, mas, principalmente, por movimentos, gestos, expressões e sons. Fulldome é uma estrutura formada por uma tela em formato semiesférico que possibilita projeção em 180 e 360 graus, oferecendo uma completa imersão ao colocar o espectador dentro do cenário como personagem. 2 emulada: imitada; simulada. Glossário Novidades tecnológicas na sala de aula 89 Ainda, segundo Bailenson et al. (2008), um aspecto bastante inte- ressante dessa tecnologia diz respeito aos colegas de um estudante em um ambiente virtual: eles podem ser totalmente virtuais, ou seja, não necessariamente outros colegas humanos reais (emulados por avatares no meio digital), mas, sim, colegas diretamente simulados pelo computador, com comportamento tal que passa despercebido ao estudante – que não sabe se está de fato interagindo com um companheiro de estudos ou com mais uma simulação digital daque- le ambiente. Essa função é importante porque, em geral, as pessoas aprendem melhor em condições de estudo coletivo do que indivi- dualmente. Assim, percebe-se o quanto as tecnologias de realidade virtual e inteligência artificial tendem a convergir. Uma das vantagens dos ambientesvirtuais digitais é que cada uma das ações captadas pelo sistema precisa ser registrada para fornecer a devida resposta ao usuário. Então, todas as ações de- sempenhadas pelos estudantes e pelo professor – desde um ní- vel micro, como gestos não verbais, até um nível macro, como um desempenho em um teste – são permanentemente armazenadas. Com a assimilação e o processamento desses dados pela computa- ção envolvida, os ambientes virtuais tendem a ser continuamente aprimorados pela criação de perfis comportamentais e rotei- ros aprendidos em uma escala que não se compara à experiência do ensino presencial. Algumas disciplinas pa- recem ser mais favorá- veis ao uso de realidade virtual como prática di- dática, como a Biologia. ABO PHOTOGRAPHY/Shutterstock A capacidade de visualizar, criar, alterar e rotacionar em tempo real uma estrutura química em três dimensões pode facilitar a compreensão de conceitos abstratos. 90 Novos caminhos para profissionais da educação Isso pode contribuir também para a visualização das moléculas em Química, com a visualização microscópica, para a visualização de maquetes virtuais em Arquitetura, entre outras. Os ambientes vir- tuais podem oferecer uma amplitude de visualizações e alternati- vas de perspectivas bastante úteis na apreciação de informações de alto grau de complexidade. As aulas em formato de simulação para atividades perigosas ou ca- ras são outra vantagem incontestável da tecnologia. Isso engloba, por exemplo, projetar e testar sistemas totalmente imersivos para treinar a resposta de emergência de diferentes perfis profissionais, como bom- beiros, pilotos de avião e autoridades policiais. O alto poder computa- cional a que já se chegou consegue oferecer uma riqueza de detalhes e um realismo na simulação digital de tal forma que os aprendizes po- dem sentir verdadeiramente o caos e os fatores de estresse que tipica- mente estão presentes em situações críticas de suas atividades. Uma aplicação que tem ganhado muita aderência dos profissionais nos últimos tempos é o uso de realidade virtual para simulações em treinamento de cirurgiões, com uma vantagem bastante evidente: a al- ternativa convencional ao procedimento, que é o uso de cadáveres, é algo que demanda recursos muito mais raros e caros. Já os pacientes virtuais, uma vez construídos por prévia programação, são extrema- mente baratos em termos de replicação (BAILENSON et al., 2008). A integração da tecnologia da realidade virtual com a tecnologia da EaD acena para um esplêndido futuro na educação de todos os níveis e de todas as áreas. Afinal, a EaD digital convencional – se é que já se pode chamar de convencional algo não tão antigo assim no mundo da educação – conseguiu equacionar o problema da substituição da forma tradicional da aula, que é o ambiente físico em que docente e estu- dantes precisavam estar simultaneamente presentes para que a aula ocorra. Os recursos tecnológicos atualmente explorados na EaD possi- bilitam que o professor e seus respectivos alunos estejam espalhados literalmente por qualquer parte do mundo, desde que atendidos por uma conexão à internet. Essencialmente, a interação da EaD fica limitada ao vídeo, em que o professor é visto pelos alunos (embora o contrário não ocorra), e à troca de informações nos fóruns da tutoria on-line. Contudo, com a adição da tecnologia de realidade virtual, a EaD é potencializada, principalmente Por que disciplinas técnicas são um excelente campo de apli- cação educacional da realidade virtual? Atividade 2 Novidades tecnológicas na sala de aula 91 por dar aos participantes (professor e alunos) a percepção de estarem, para todos os efeitos, em uma mesma sala de aula (simulada digitalmen- te), com os óbvios ganhos que isso proporciona ao poderem estabele- cer comunicação não verbal (por exemplo, gestos e expressões) com os avatares uns dos outros, entre outras conveniências até então somente presentes no encontro presencial da sala de aula física convencional. Em algumas situações, como em uma classe numerosa de estudan- tes, há até quem defenda que o modelo de EaD mesclado à realidade virtual possa ser muito mais efetivo do que uma aula física nos mol- des tradicionais, porque, entre outros fatores, o professor tem suporte computacional que aumenta sua percepção sobre cada um dos alunos, com mais fácil detecção de quem está mais atento, mais distraído, pre- cisando se manifestar etc. Nesse tipo de cenário produzido por sistemas de alta capacidade computacional, uma vez que as pessoas veem a si mesmas e aos ou- tros como avatares digitais com plena capacidade de interação, o que o professor passa a dispor como recurso didático excede, em muito, a mera lousa: vídeos podem ser manuseados em meio à sala virtual e objetos virtuais podem ser construídos e manejados pelos participan- tes – até mesmo com efeito de holograma. Em especial, o grande apelo de popularidade da tecnologia se dá pelo fato de que é possível experimentar viagens virtuais para outros ambientes conectados. Isso se dá, por exemplo, com aulas de História, valendo-se de museus digitais, que oferecem reprodução idêntica aos seus originais no mundo real. Todos os grandes museus pelo mundo, como Smithsonian e Louvre, em seus sites oficiais, já dispõem de apli- cativo para acesso ao equivalente ambiente virtual. Outras viagens si- muladas de grande utilidade para aulas de Geografia, por exemplo, são aquelas realizadas em regiões extremas do planeta, como os polos, os cumes de montanhas e as áreas desérticas. A tecnologia da realidade virtual, como toda tecnologia digital, está em evolução, e algumas de suas novas possibilidades desper- tam ainda mais o interesse de educadores. Um dos exemplos é a possibilidade de que transmissões ao vivo sejam viabilizadas nessa tecnologia; assim, eventos reais que ocorram em qualquer parte do mundo podem ser acompanhados mediante o uso dos devidos equipamentos de realidade virtual. Dessa forma, professores e alu- holograma: imagem tridi- mensional obtida por projeção de luz. Glossário Nos Emirados Árabes Unidos, 17 escolas já se uniram a um projeto piloto que incorpora realidade virtual ao currículo. Lá, os alunos embarcam em expe- dições virtuais para ambientes que, de outro modo, eles jamais iriam, por serem demasiada- mente perigosos. O Ministério da Educação local planeja expandir a realidade virtual para muito mais instituições de ensino superior nos próximos anos. Curiosidade 92 Novos caminhos para profissionais da educação nos têm à sua disposição, como parte do conteúdo didático, por exemplo, o lançamento de um satélite artificial, em tempo real, tal como se estivessem fisicamente no local de realização do evento. O que torna possível alcançar esse feito é a integração de mais tecnologias digitais de última geração, como internet de altíssima ve- locidade e câmeras de elevada resolução que operam em 360 graus, gerando e transmitindo as imagens. A capacidade da rede de transmitir um volume massivo de dados é determinante para o sucesso dessa ini- ciativa. A necessidade é justificada tecnicamente: é preciso considerar que um vídeo convencional ocupa bem mais largura de banda do que uma imagem simples, como uma fotografia. Assim, um vídeo em 360 graus proporcionalmente requer muito mais tráfego de dados para sua transmissão que um vídeo convencional (que dispõe de uma única perspectiva de visualização). Esses ainda são desafios tecnológicos importantes nos dias atuais, mas que vêm sendo rapidamente viabilizados com as suces- sivas inovações tecnológicas que incorrem na indústria. Por isso, não restam dúvidas sobre o futuro ainda mais promissor da reali- dade virtual na educação. 5.3 Realidade aumentada Vídeo Ao contrário da realidade virtual, que opera deslocando a pessoa do mundo real para o mundo simulado eletronicamente, a realidade aumentada proporciona precisamente o inverso: os elementos virtuais (objetos, animações etc.), criadosdigitalmente, são transpostos para visualização no mundo real. Por isso, tratam-se de inovações tecno- lógicas de funções bastante complementares e especialmente úteis nos processos de ensino e aprendizagem, pois, ao mesmo tempo que se aumenta o potencial das ferramentas de trabalho à disposição dos docentes, abrem-se mais canais para aprendizagem dos alunos (CHEN; CALINGER; HOWARD, 2010; WU et al., 2013; BACCA et al., 2014). O termo realidade aumentada não tem a mesma ressonância popu- lar que realidade virtual, raparentando ser ainda algo demasiadamente técnico e longe do dia a dia para muitas pessoas. Mas essa é uma falsa No vídeo Realidade Virtual, publicado pelo canal Ner- dologia, são explorados alguns aspectos bastante interessantes acerca des- sa tecnologia, incluindo limitações importantes, como as questões da latência e da sincronia espectador-cenário, além de curiosidades, como o fato de se poder andar em linha reta em um ambiente virtual ao mes- mo tempo que se anda em círculos no ambiente físico. Disponível em: https://www.you- tube.com/watch?v=FuuirfHFG2M. Acesso em: 21 fev. 2020. Vídeo Novidades tecnológicas na sala de aula 93 impressão: em termos práticos, no cenário atual, trata-se de uma tec- nologia já incorporada aos dispositivos móveis, como os smartphones e tablets, mesmo que as pessoas não tenham consciência disso. Eis o que bem sintetiza a realidade aumentada: sobreposição de imagens, mesclando, na mesma perspectiva de um observador, o real e o virtual. Za pp 2P ho to /S hu tte rs to ck Fundamentalmente, essa modalidade tecnológica torna possí- vel amplificar a visão que se tem da realidade ao redor, por meio de informações e objetos virtuais adicionados e sobrepostos a um am- biente real. Na prática, possibilita uma nova forma de interação entre as pessoas e as informações de interesse. Não por acaso, a realidade aumentada é considerada um dos mais importantes instrumentos de transformação digital da sociedade em geral. Pelos olhos “alimentados” com a realidade aumentada, a contemplação de qualquer cenário, como um campo de futebol, um equipamento de produção fabril ou um animal selvagem solto na natureza, é potencializada com cargas de informação adicional apresentadas em forma digital. Considerando seu propósito de funcionar como uma interface, a realidade aumentada se mescla a outras aplicações e tecnolo- gias, tais como atuadores, controles, indicadores de desempenho, big data, simulações em geral e aplicações multimídia. Em suma, interface: elemento que proporciona uma ligação física ou lógica entre dois sistemas ou partes de um sistema que não poderiam ser conectados diretamente. atuador: dispositivo que converte energia em movimento. Glossário 94 Novos caminhos para profissionais da educação trata-se de uma maneira inovadora de acessar informações, o que revoluciona a formação de capacidades técnicas e, evidentemente, a própria produção de conhecimento. Até governos, mundo afora, perceberam o fantástico potencial das tecnologias de realidade aumentada para o propósito de educação e treinamento. Em anos mais recentes, diversos países realizaram inte- ressantes iniciativas nesse sentido (WU et al., 2013; BACCA et al., 2014): • O Departamento de Educação dos EUA organizou uma campa- nha fomentando inovação educacional com desenvolvedores da indústria de tecnologia da informação, na qual o destaque foi a companhia Osso VR. Trata-se de uma plataforma de treinamento que possibilita a médicos e outros profissionais da saúde ganha- rem experiência prática em técnicas que representam o estado da arte nos seus campos de atuação, como em cirurgias virtuais. • Mais de 170 instituições de pesquisa e empresas chinesas juntaram esforços para acelerar o ritmo de desenvolvimento das tecnologias de realidade virtual e de aumentada, formando uma aliança estratégica chamada Industry of Virtual Reality Alliance (Ivra) – em tradução livre para o português, aliança da indústria de realidade virtual. Iniciativas locais daquele país, como o Instituto Chinês de Realidade Virtual, têm recebido substanciais investimentos para pesquisa e desenvolvimento de um verdadeiro ecossistema de inovação em realidade mesclada (virtual e aumentada). • O Ministério da Educação da França incluiu a realidade aumen- tada no currículo do ensino médio, visando encorajar o desen- volvimento de competências de solução de problemas por meio dessa tecnologia. Os estudantes são orientados a identificar um problema, propor uma solução e concebê-la adotando ferramen- tas de realidade aumentada. • A Coreia do Sul planeja investir milhões de dólares na indústria da realidades virtual e aumentada em um curto horizonte de tempo. Nesse país, foi lançado, em 2017, o Korean Virtual Reality/ Augmented Reality Complex (Kovac 3 ) – em tradução livre para o português, complexo de realidade aumentada/realidade virtual coreano, na cidade de Seul. Essa estrutura foi estabelecida a fim de prover recursos para diversas indústrias absorverem melhor tais tecnologias, incluindo o ramo da educação. De acordo com o relatório da consultoria norte-americana especializada em novas tecnologias digitais, Digi-Capital (2017), a realidade aumentada alcançará, até 2021, 3,5 bilhões de dispositivos. Em comparação, é esperado que a realidade virtual tenha um desenvolvi- mento mais tímido, com até 60 milhões de dispositivos. Por isso, grandes empresas estão fazendo seus movimentos de mercado em direção a serviços suportados por essas tecnologias. Curiosidade Saiba mais em: https://www. digitalavmagazine.com/ pt/2017/02/21/seul-fomenta- -la-investigacion-en-realidad- -virtual-y-aumentada-con-un- -centro-especializado. Acesso em: 21 fev. 2020. 3 Novidades tecnológicas na sala de aula 95 Ao incorporar a realidade aumentada, o processo de ensino e aprendizagem é beneficiado com alguns importantes ganhos, es- pecialmente sob a perspectiva do trabalho conduzido pelo profes- sor. Um dos mais óbvios é de que os professores não precisam mais se debater com a tarefa de usar quadros bidimensionais para ilustrar estruturas em 3D. E, inquestionavelmente, uma melhor vi- sualização conduz a um melhor entendimento pelos alunos, contri- buindo com a retenção de conhecimento. O aspecto lúdico também não deve ser negligenciado. Uma vez que as tecnologias de realidade mesclada são bastante recentes, elas soam como novidades que despertam interesse, especialmente nas mentes jovens. Assim, os alunos tendem a ficar mais inclinados a usar e a ex- perimentar essas tecnologias, e a prerrogativa de ter de aprender algo novo é uma das boas justificavas para fazê-lo. Do mesmo modo que ocorre na realidade virtual, a aumentada ganha um espaço privilegiado de aplicação no ensino de conteúdos mais com- plexos, como as áreas técnicas de conhecimento. Por isso, ela é tão apre- ciada na formação de engenheiros e médicos, por exemplo. Na educação básica, a tecnologia de realidade aumentada pode ser implementada, em tese, em qualquer conteúdo de qualquer dis- ciplina, por meio da criatividade que o professor empregue para a exploração. Afinal, ao trazer para o mundo real imagens e anima- ções que permitam aos alunos brincar com objetos, como números, cores, formas geométricas ou mesmo um sistema solar completo orbitando em meio aos estudantes em sala de aula, é dada uma maior ênfase lúdica aos conteúdos, o que po- derá estimular as pessoas a aprenderem mais e melhor. Apesar disso, a tecnologia também sofre críticas. Há quem sinalize para o perigo da deterioração das re- lações humanas, uma vez que a realidade virtual e a aumen- tada tenderiam a isolar a pes- soa em um mundo virtual, desfavorecendo, assim, as relações pessoais, que são, desde sempre, um com- Gorodenkoff/Shutterstock Estudante utilizando a tecnologia de realidade aumentada. 96 Novos caminhos para profissionais da educação ponente indissociável do processo de aprendizagem.Esses detrato- res da tecnologia, até mesmo a possibilidade dos “colegas virtuais” emulados por computador (comentada na seção anterior), são vis- tos com desconfiança: nada substituiria a relação humana direta. O temor é de que, por exemplo, crianças que conduzam seus estu- dos amparadas por essas tecnologias se tornem adultos antissociais (CHEN; CALINGER; HOWARD, 2010; WU et al., 2013; BACCA et al., 2014). Outro ponto levantado é o cibervício. Se a internet e o smartphone, com suas poucas décadas de utilização, já transformaram profundamente os comportamentos das pessoas, muitos acreditam que a realidade mesclada tenha o potencial de ser ainda mais viciante. O argumento é, se o mundo virtual parece ser mais estimulante e acolhedor, o escapismo digital pode representar uma tendência verdadeiramente ameaçadora. No artigo Geração digital, geração net, millennials, geração Y: refletindo sobre a relação entre as juventudes e as tecnologias digitais, da autora Cristina Martins, publicado na revista Diálogo, em 2015, discute-se o quão suspeito é generalizar o comportamento de toda uma juventude frente às questões da digitalização do ensino e da aprendizagem, levando a importantes reflexões sobre o grau de absorção tecnológica a se empregar no campo da educação. Acesso em: 21 fev. 2020. https://www.revistas.unilasalle.edu.br/index.php/Dialogo/article/download/2238-9024.15.7/pdf Artigo A falta de uma homogeneização de hardware e software também pode ser um problema significativo, especialmente no campo educa- cional. Uma vez que a tendência não é a do fornecimento dos equipa- mentos pela instituição de ensino, mas a liberalidade de permitir que professores e alunos utilizem seus dispositivos pessoais (já que tudo parece orbitar em torno dos smartphones), problemas de compatibi- lidade e principalmente de desempenho (processamento/armazena- mento) podem tornar a experiência infrutífera nas atividades escolares. Evidentemente, a realidade mesclada no campo educacional não pode exigir o uso exclusivo de dispositivos superpotentes, à disposição de poucos privilegiados, pois a realidade socioeconômica, principalmente em países atrasados como o Brasil, é a do difícil acesso da população em geral à tecnologia de ponta. No caso da educação infantil, o uso de tecnologias dessa natureza precisa ser muito bem ponderado. Afinal, principalmente no caso de crianças na primeira infância (até os seis anos de idade), existe a inca- pacidade de separar realidade da fantasia. Uma vez que a realidade virtual e a aumentada oferecem uma imersão completa, a experiência pode ser tão intensa para esse público que as crianças podem confun- di-la com situações da vida real. Certamente, conteúdos que remetam à violência ou ao medo acabam sendo especialmente danosos. Perigos podem surgir das mais insuspeitas situações; por exemplo, manusear uma aranha ou qualquer outro animal peçonhento em ambiente virtual e fazê-lo no ambiente real levam a consequências drasticamente diferentes. Por isso, o acompanhamento e o monitoramento de responsáveis precisa ser muito bem executado. Ainda, o componente motivacional pode ser muito bem explo- rado por essas novas tecnologias. Afinal, é a motivação associada ao interesse: se, tradicionalmente, muitos estudantes lutam com a tentação de procrastinar seus deveres por serem demandas que lhes parecem tediosas, árduas e/ou desnecessárias, a realidade vir- tual e a realidade aumentada garantem um meio mais estimulante de fazer os alunos terem mais interesse em aprender e se tornar profissionais bem-sucedidos. Quais são alguns cuidados que precisam ser tomados quanto às tecnologias digitais de realidade mesclada no campo da educação infantil? Atividade 3 Crianças observando borboletas com óculos de realidade aumentada. LightField Studios/Shutterstock Novidades tecnológicas na sala de aula 97 98 Novos caminhos para profissionais da educação CONSIDERAÇÕES FINAIS A tecnologia redefine o conceito de trabalho do professor, não apenas ao fornecer mais campo de atuação, como é o caso da educação a dis- tância – que pode ser feita com alunos que provavelmente o profissional jamais encontre pessoalmente –, mas também o próprio encontro pre- sencial em sala de aula, que passa a dispor de ferramentas digitais avan- çadas. Transformação digital é pauta obrigatória de qualquer organização empresarial que opere nos dias atuais, e a mesma pressão se aplica ao profissional docente, para que esse aprimore e adapte suas competên- cias diante desse novo cenário. Quando se reflete sobre as aplicações educacionais, um possível ques- tionamento pode ocorrer: afinal, o que é melhor: realidade aumentada ou realidade virtual? Evidentemente, o melhor é trabalhar, sempre que possível, com uma realidade mesclada, ou seja, a combinação das duas abordagens tecnológicas educacionais. REFERÊNCIAS ARINTO, P. A framework for developing competencies in open and distance learning. The International Review of Research in Open and Distributed Learning, v. 14, n. 1, p. 167-185, 2013. Disponível em: http://www.irrodl.org/index.php/irrodl/article/view/1393/2450. Acesso em: 21 fev. 2020. BACCA, J. et al. Augmented reality trends in education: a systematic review of research and applications. Journal of Educational Technology & Society, Athabasca, v. 17, n. 4, p. 133, 2014. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/286049823_Augmented_ Reality_Trends_in_Education_A_Systematic_Review_of_Research_and_Applications. Acesso em: 21 fev. 2020. BAILENSON, J. N. et al. The use of immersive virtual reality in the learning sciences: digital transformations of teachers, students, and social context. 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Outro ponto é o cibervício. Se a internet e o smartphone já levaram a uma profunda transformação comportamental das pessoas, existe o risco de que as realidades virtual e aumentada possam ser ainda mais viciantes. Mais uma questão é o mundo virtual parecer ser mais estimulante e acolhedor. Nesse caso, o escapismo digital pode representar uma tendência verdadeiramente ameaçadora. Principalmente no caso de crianças na primeira infância (até os seis anos de idade), existe a incapacidade de separar realidade da fantasia, e a experiência de imersão pode ser tão intensa que os pequenos podem confundi-la com situações da vida real. 100 Novos caminhos para profissionais da educação 6 Inovações na educação Qualquer professor já em nível de senioridade, lecionando há, pelo menos, algumas décadas, pode relatar quão dramáticas são as mudanças e quão impactantes são as novidades surgidas na forma de se dar aula em anos mais recentes. Verdadeiras inova- ções no processo de ensino e aprendizagem, jogos educacionais, aula invertida, ensino híbrido e a inevitável convivência com novos dispositivos eletrônicos em sala de aula são responsáveis por pro- fundas modificações no relacionamento entre professor e aluno. Não se trata de modismo, mas, como ocorre em toda inovação legítima, de recursos que se mostraram úteis para a melhoria da educação, razão pela qual se difundiram tão facilmente em nível global nas instituições de ensino. 6.1 Jogos educacionais Vídeo Por mais que cada professor se esforce para ministrar sua disciplina apelando a toda empatia que seja possível estabelecer com a turma, fazendo o máximo para que a motivação seja alta e constante durante a aula, o fato é que alguns alunos perdem ou nem conquistam o gosto pelos estudos. Mesmo quando as disciplinas são tratadas de maneira empolgante e por professores mais animados, há sempre a necessida- de de abordar conteúdos mais tediosos ou menos atraentes. É diante desse quadro que surgem, como alternativa, os jogos educacionais, que são uma maneira de tentar garantir ou potencializar o aprendizado por meio da exploração lúdica das atividades escolares (BEAVIS; MUS- PRATT; THOMPSON, 2015; DICHEVA et al., 2015; WATSON; YANG, 2016). Um jogo educacional não é necessariamente um jogo eletrônico. De qualquer modo, é preciso reconhecer que os jogos educacionais em forma da mais refinada tecnologia digital são de uma predileção prati- Inovações na educação 101 camente irresistível, sobretudo entre os estudantes mais jovens. Afinal, vive-se os tempos da chamada geração digital, na qual as pessoas, seja na escola, no trabalho ou no tempo livre, dão ampla preferência às ati- vidades cujo suporte se dê em meio eletrônico. Isso explica a grande difusão das tecnologias digitais em meio às ofertas de jogos educativos (BUCKINGHAM; WILLETT, 2013). É preciso reconhecer que a estratégia de incluir jogos durante as atividades de ensino não é algo que funciona bem apenas para crianças e jovens. O fato é que, assim como acontece com qualquer esforço do dia a dia humano em busca de determinado objetivo a ser alcançado, o estudo pode ser tomado do ponto de vista de um trabalho como qualquer outro. Reconheça-se, ainda, que o cenário mais comum é o de pessoas que estudam e trabalham, o que torna presente o quadro de esgotamento físico e mental de muitos em ban- cos escolares (BEAVIS; MUSPRATT; THOMPSON, 2015; DICHEVA et al., 2015; WATSON; YANG, 2016). É sabido que o revezamento, em ciclos, entre as atividades de alta concentração (desgastantes) e os momentos de puro ócio (revigo- rantes) favorece o desempenho intelectual. Ao mesmo tempo, o que se observa é que o ato de se deslocar entre casa, trabalho e escola é usualmente acompanhado de equipamentos eletrônicos portáteis. Há até quem aproveite os pequenos ócios do cotidiano (intervalo para ba- nheiro, lanche etc.) para recorrer aos dispositivos eletrônicos à mão. Portanto, boa parte da estratégia dos jogos educativos, na atualidade, é aproveitar os próprios equipamentos pessoais de cada um (hardware), para lhes oferecer (por apps) uma experiência mais natural e despertar mais engajamento dos usuários. Os jogos educativos, desse modo, têm o propósito principal de con- solidar o aprendizado do conteúdo formal das disciplinas. Contudo, eles carregam consigo alguns benefícios adicionais: minimizam a des- motivação com os estudos, controlam a indisciplina em sala de aula e até mesmo servem de instrumentos de combate à evasão escolar. O necessário, evidentemente, é uma liderança sobre esse pro- cesso. O professor é o responsável pelo devido planejamento da in- tensidade e da forma de utilização dos jogos educativos em meio às suas aulas. Obviamente, não é toda aula de uma disciplina que pre- cisa dispor desse tipo de recurso. Assim, deduz-se mais uma com- app: aplicativo. Glossário petência a ser desenvolvida para a docência na atualidade, que é o planejamento para a utilização dos jogos educativos. Por meio do correto planejamento, garantem-se experiências mais proveitosas desse tipo de recurso nas aulas, aumentando a participação dos alunos em classe e a maior interação destes com os colegas – algo que todo professor espera proporcionar a cada aula ministrada. Os jogos oferecem, ainda, o complemento pedagógico para melhor atender àquela parcela da turma que, devido a características cogni- tivas específicas, tem mais dificuldade em compreender o conteúdo quando este é exposto apenas na forma de aulas tradicionais. Por ser o ato de brincar associado imediatamente ao público infan- til, foi inevitável que se concretizasse a tendência de incluir jogos no currículo dos cursos de nível fundamental, um movimento percebido com mais ênfase nas instituições particulares de ensino. Tem-se perce- bido um movimento no sentido de aproveitar os jogos educativos como estratégias de ensino em disciplinas centrais, como é o caso da Mate- mática, da Língua Inglesa e da Língua Portuguesa (BEAVIS; MUSPRATT; THOMPSON, 2015; DICHEVA et al., 2015; WATSON; YANG, 2016). A educação infantil, potencializada pelos jogos educativos, faz com que as crianças mal percebam que as atividades em que estão ocupa- das têm cunho de aprendizado; não raro, ao se perguntar como foi o dia para uma delas, a resposta é algo como “Ah, foi legal! Muitas brin- cadeiras o dia todo”. Eisso ocorre mesmo em meio aos cálculos exe- cutados, às iniciativas de planejamento e controle, à negociação entre colegas e aos demais processos cognitivos de alto nível: os jogos educa- tivos permitem aprender sem perceber que se está aprendendo. Contudo, o uso do lúdico, mesclado a atividades mais tradicio- nais, é algo passível de ser explorado em todas as faixas etárias, que, usualmente, respondem bem à proposta. Entre jovens e adul- tos, é evidente que esse tipo de abordagem metodológica, eventualmente adotada pelo professor, vai ser inequivoca- mente compreendida pelos estudantes como uma for- ma de promover a mediação Os mais variados jogos digitais convivem com os clássicos jogos off-line, como o tradicional xadrez. Romrodph oto/Shutt erstock 102 Novos caminhos para profissionais da educação Inovações na educação 103 pedagógica, de modo diferente das crianças, que não têm ainda o pensamento crítico que lhes permita refletir sobre o que é conteúdo central e o que é método para fazer o conteúdo ser melhor assimi- lado. As pesquisas em educação, como as de Watson e Yang (2016), Beavis, Muspratt e Thompson (2015) e Dicheva et al. (2015), por sua vez, têm mostrado que essa consciência do jogo não torna os partici- pantes menos engajados. Essa adesão é proporcional ao nível de qua- lidade da atividade proposta em sala de aula. Além do mais, é certo que jovens e adultos têm uma maior sensibilidade quanto à necessi- dade de se alternar momentos de concentração e descontração para o bem de sua própria aprendizagem e retenção de conhecimento. A autorregulação é um efeito prático bastante interessante como proposta pedagógica, pois, em determinadas situações, quando os alunos procedem seus cálculos ou julgam e decidem em meio ao in- formal e espontâneo clima da brincadeira, o docente tem uma carga de controle atenuada. Afinal, ele não precisa policiar em demasia se determinado resultado atingido por um estudante está ou não correto, porque muitas das situações são percebidas e alertadas pelos próprios colegas. Se é uma atividade com disputa entre equipes, por exemplo, é natural que os membros do time zelem pelo desempenho da equipe pela qual respondem como corresponsáveis. Se é uma atividade em que a refutação da proposta ou do resultado de outra equipe faz parte do jogo, por meio da devida fundamentação no conteúdo ministrado em aula, isso será feito sempre que necessário a fim de se garantir pontos na competição. Competição, aliás, é um aspecto bastante importante para ser ana- lisado no que se refere a jogos educacionais. De fato, há muitos edu- cadores incomodados com esse tipo de atividade justamente por se promover, efetivamente, uma concorrência em sala de aula – e a figura de vencedores e vencidos pode ser demasiada cruel. Contudo, é mais que evidente que a competição não deve ser o elemento que protago- niza uma atividade de jogo educativo – talvez, a única exceção, mais que justificada por motivos óbvios, seja o ensino do empreendedoris- mo. Além disso, existem formas de organizar os jogos educacionais de modo que, de várias etapas a serem cumpridas, a competitividade se concentre preferencialmente em apenas uma delas, deixando as de- mais explorarem o lúdico e o conteúdo de conhecimento, alvo daquela ação (FOSTER; ESPER; GRISWOLD, 2013; WATSON; YANG, 2016). No que diz respeito aos participantes de um jogo educacional, explique o aspecto de autorregulação. Atividade 1 104 Novos caminhos para profissionais da educação Psicologicamente, o que se desperta, por meio do estímulo dos jo- gos, é o desejo de vencer, muito mais do que um prêmio a usufruir por causa dessa vitória. A recompensa pode ser (e muitas vezes é) tão simbólica quanto uma mera salva de palmas; outras vezes, nem isso. Portanto, o que anima os participantes nesse tipo de atividade é saber que se aprende, mas com o adicional de se desfrutar da sensação de vitória e de buscá-la, pouco importando, efetivamente, se ela será al- cançada ou não. É como o insinuado em uma antiga música da banda Motörhead: “the chase is better than the catch [...]” 1 (perseguir é melhor que conquistar, em tradução livre). Reforça-se que o bom planejamento preza por um dimensiona- mento adequado das atividades, evitando excessos. As recomen- dações práticas, por um lado, chamam a atenção a fim de não se perder em demasia no aspecto lúdico, deixando que este ofusque o conteúdo a ser ministrado; por outro lado, há de se evitar exagero de regras no jogo que possam comprometer a própria diversão ine- rente à atividade planejada. Muitas questões de ordem prática só são contempladas efetiva- mente após algumas experiências não tão bem-sucedidas, fazendo com que a experimentação e o erro sirvam de aprendizagem ao pro- fessor condutor dos jogos. Por exemplo: caso determinada atividade faça uso de cálculos, não sendo de Matemática e afim ao conteúdo principal da disciplina, é necessário ajustar o nível de dificuldade; do contrário, pode-se incorrer no real risco de os alunos com mais facili- dade para contas serem privilegiados. Qualquer professor com alguma experiência em mesclar jogos educativos com os conteúdos de suas aulas sabe (muitos por vivência própria) que nenhum jogo educativo é bem-sucedido se a motivação de alguns participantes custar a desmotivação de outros. Não é a mais fácil das tarefas, mas a competência de se saber trabalhar com jogos educativos passa justamente pela de dosar adequadamente a compe- tição entre os estudantes. Com dezenas de alunos em sala de aula, é estatisticamente espera- do que se encontrem no grupo diferentes perfis de alunos, cada qual com seus próprios níveis de capacidade cognitiva e poder de atenção. Nesse sentido, uma proposta de aula que combine parte do ensino convencional com jogos educativos tem a vantagem de aumentar a Música da banda Motörhead, lançada em 1980 como parte do álbum Ace of Spades. 1 Inovações na educação 105 probabilidade de que todos os estudantes encontrem os seus devidos momentos de maior identificação e engajamento com o que é pratica- do em classe (CHARMAN et al., 2011; BEAVIS; MUSPRATT; THOMPSON, 2015; DICHEVA et al., 2015; WATSON; YANG, 2016). Quanto a essa diversidade, é necessário destacar que algumas pa- tologias têm sido cada vez mais recorrentes na sociedade, como é o caso da condição conhecida como transtorno de espectro autista. Por espectro, deve-se entender que não há um diagnóstico simplório de um indivíduo ser autista. Sem dúvida, os casos de autismo moderado a severo são muito mais facilmente evidenciados, o que leva os indiví- duos nessa condição (especialmente em idade escolar) a um mais rápi- do tratamento – embora se discuta que tratamento seja algo destinado a doentes, e autismo não é uma doença passível de cura, mas, sim, uma condição neurológica tipificada (CHARMAN et al., 2011). Na prática, a grande preocupação é voltada aos graus mais leves ou tênues de autismo, pois, na distribuição na sociedade, eles são muito mais frequentes e, ao mesmo tempo, de muito mais difícil percepção. Não raro, docentes, pais e o próprio aluno em questão podem nem mesmo desconfiar de viver essa condição. Por analogia, do mesmo modo que etnias puras na raça humana simplesmente não existem, é possível considerar que, em estrita análise, todas as pessoas são au- tistas em algum grau. Obviamente, a maior parte da população é por- tadora de nível insignificante dessa condição e, assim, são tidos, para todos os efeitos, como indivíduos normais. Segundo Charman et al. (2011), essa é uma discussão oportuna ao menos por duas razões. Primeiramente, o autismo implica uma gran- de dificuldade de comunicação, prejudicando diretamente, por conse- quência, o desempenho na forma convencional de se assistir às aulas. A segunda razão é que são justamente os jogos educacionais que os especialistas recomendam como uma das melhores propostas didáti- cas que podem ser desenvolvidas em turmas nasquais se encontram autistas (de todos os níveis). Para esses alunos especiais, os jogos costumam ser a maior moti- vação para o aprendizado, resultando, assim, em uma ótima respos- ta deles às atividades. É verdade que existem, no mercado 2 , jogos educacionais especialmente projetados para o público autista, mas, em determinadas situações (dependendo da condição dos indivíduos Segundo dados oficiais, no final dos anos 1980, uma em cada 500 crianças era diagnosticada com autismo. Na atualidade, essa taxa evoluiu para uma em cada 68 crianças. Para saber mais, acesse: https://nacoesunidas.org/ rejeitar-pessoas-com-autismo- -e-um-desperdicio-de-poten- cial-humano-destacam-repre- sentantes-da-onu. Acesso em: 14 fev. 2020 Saiba mais Para exemplos de jogos educa- tivos voltados especificamente para o público autista, considere as opções disponíveis em portais especializados, como é o caso do Whiz Kid Games. Geralmente, esses jogos são compostos por opções mais restritas ou simples para tomada de decisão do jogador/estudante. Disponível em: http://www. whizkidgames.com. Acesso em: 21 fev. 2020. 2 106 Novos caminhos para profissionais da educação envolvidos), o mesmo jogo, seja ele digital ou convencional), pode ser aplicado tanto aos alunos autistas quanto aos seus colegas com capa- cidade cognitiva plena. Ainda quanto à explicação dos fatores de sucesso dos jogos para atividades educacionais, há de se considerar que o gosto das pessoas pelo ato de jogar, somado ao momento histórico atual de digitalização generalizada do mundo, resultou em um interessante fenômeno co- nhecido por gamification – em português, ludificação, ou também a im- provisada forma gamificação, que se tornou a mais difundida. Surgida em 2008, a gamification é o uso do ambiente de jogos em um contexto alheio a essa finalidade, como na indústria, na escola ou até mesmo nas academias de ginástica (DICHEVA et al., 2015). Sua proposta é que qualquer atividade humana possa ser tomada como um jogo: estudar, trabalhar, cuidar da saúde, acumular patrimô- nio etc. Isso levaria, então, a uma maior motivação na busca por atingir os objetivos pretendidos, e o que ocorreu no mundo corporativo foi uma rápida difusão da prática em ambientes organizacionais dos mais diversos, começando pelas grandes empresas. A gamification transfor- ma o trabalho do dia a dia em campanhas motivacionais, com o ape- lo de um jogo: existem pontuação, objetivos a serem conquistados e, também, as devidas recompensas no caso de sucesso. De fato, o sucesso da gamification no mundo das grandes corpora- ções se tornou tão substancial que, no mercado, já são encontrados softwares especialmente dedicados a essa finalidade. Usualmente, apresentam-se como redes sociais corporativas. Nesses ambientes, desenhados para oferecer, simultaneamente, descontração e pro- fissionalismo, os funcionários ganham seus perfis individuais, quase sempre como avatares (personagens) de jogos eletrônicos. Eles são, mediante essa plataforma, recrutados pelos colegas para campanhas (projetos da empresa), acumulam pontos, aparecem em rankings lista- dos publicamente, contam com bônus e poderes especiais concedi- dos pelo “jogo que não é jogo”, entre outras amenidades. Ao mesmo tempo, esse sistema provê os recursos convencionais de uma rede social interna (incluindo o curtir/comentar/compartilhar). Boa parte do sucesso desses sistemas junto aos funcionários se explica em função da característica de mobilidade. Como apps em smartphones, o jogo está sempre presente nas atividades profissionais da pessoa (dentro ou fora da sede da empresa). No livro Gamificar: como a gami- ficação motiva as pessoas a fazerem coisas extraordinárias, que conta com um grande número de exemplos e miniestudos de caso, são analisados os resultados do uso da estratégia da gamificação, permitindo constatar o que pode ser feito para envolver pessoas na obtenção de objetivos individuais e comuns, algo de particular interesse no campo da educação. BURKE, B. São Paulo: DVS, 2015. Livro Inovações na educação 107 Sendo assim, inevitavelmente, a gamification acabou por encontrar fértil terreno também na indústria da educação. No geral, as platafor- mas de e-learning costumam ser adaptadas para o visual de jogo, em ação parecida com o que ocorre nas redes sociais corporativas das em- presas em geral. Tendo, entre seus avatares, professores e alunos, os ambientes educacionais eletrônicos gamificados, mesmo nas modali- dades de EaD e Mooc, proporcionam uma experiência lúdica e pedagó- gica, simultaneamente. Nesses termos, a grande recompensa é o nível de qualidade de aprendizado que se garante aos estudantes. 6.2 Aula invertida e ensino híbrido Vídeo Aula invertida é uma tradução literal do termo original em inglês flipped classroom, que se refere a uma estratégia de ensino e aprendi- zagem que altera o tradicional pressuposto de ir para aula para apren- der e fazer atividades extraclasses para consolidar o conhecimento. Na aula invertida, o que ocorre é que, fora da sala de aula, o estu- dante estabelece seu primeiro contato com um novo conhecimento e, em seguida, dentro da sala, esse conhecimento é melhor trabalhado em discussões e atividades de mais alto nível. Na prática, isso significa uma preparação prévia do aluno para poder aproveitar o encontro pre- sencial (KING, 1993; ROEHLING et al., 2017). Essa alteração traz importantes impactos sobre o papel do estudante e do docente. Aliás, é interessante observar que a aula invertida, em seu conceito central, não está relacionada, necessariamente, ao emprego da tecnologia da informação. Contudo, na prática, o maior nível de informa- tização costuma ser associado a condições mais favoráveis para explorar essa modalidade de ensino. Isso se explica em função das tecnologias digitais oferecerem uma ampla gama de alternativas, tanto para a pre- paração do estudante para o encontro presencial (estudo prévio) quanto para dinamizar as próprias atividades em sala de aula. Da mesma forma que essa modalidade exige mais do aluno, ao professor, também é demandado um melhor preparo para o exer- cício de sua atividade de ensino. Afinal, nos encontros presenciais, se, por um lado, o docente pode melhor aproveitar o tempo, alivia- do da carga de transmitir um conteúdo básico, a contrapartida é oferecer atividades de mais alto nível, que se traduzem em contex- tualizar o conhecimento junto à turma, fomentar a análise crítica Explique qual é a “inversão” proposta pela aula invertida. Atividade 2 do conteúdo, promover discussões em grupo e estimular ações de significar o aprendido; enfim, uma mentoria que explora o máximo do potencial do profissional de educação. A aula invertida aposta no esgotamento do modelo clássico de instrução, conhecido por colocar o professor como foco de atenção. Na aula expositiva convencional, o conteúdo é essencialmente transmitido pelo docente, sen- do o final da aula destinado a esclarecer eventuais dúvidas. A desvantagem é que, normalmente, há pouco espaço para atividades mais elaboradas no encontro presencial, uma vez que a prioridade é aproveitar o tempo dispo- nível para repassar o conteúdo da disciplina; para alunos que não tiveram, até então, contato com o objeto do conhecimento, praticamente a totalida- de da aula é consumida nessa atividade de instrução básica. Por outro lado, a aula invertida não significa a condenação absoluta do modelo tradicional que imperou ao longo das últimas décadas. É fato que muitas pessoas de grande sucesso foram educadas segundo a forma con- vencional de ensino. Não existem modelos absolutamente perfeitos e, em resposta a críticas associadas a uma maior passividade dos alunos na aula tradicional, a aula invertida se propõe a, deliberadamente, deslocar a instru- ção para uma alternativa mais centrada no estudante, o que é importante, sem abrir mão da função do professor. Essa nova abordagem pedagógica se destaca justamentepelo aproveitamento do tempo em sala de aula para uma exploração mais aprofundada e de maneira contextualizada do con- teúdo disciplinar (KING, 1993; ROEHLING et al., 2017). No artigo Contributo das tecnologias digitais para o desenvolvimento de compe- tências do século XXI em uma aula invertida, da autora Adelina Silva, publicado na revista Arquivo Brasileiro de Educação, em 2015, a transformação digital do ensino e da aprendizagem é avaliada pela perspectiva da aula invertida, revelando importantes pontos de atenção para o educador contemporâneo. Acesso em: 14 fev. 2020. http://periodicos.pucminas.br/index.php/arquivobrasileiroeducacao/article/view/P.2318-7344.2015v3n6p65/10170 Artigo Syda Productions/Shutterstock Na aula invertida, o estudante estabelece seu primeiro contato com um novo conhecimento e, em seguida, dentro da sala, esse conhecimento é melhor trabalhado em discussões e atividades de mais alto nível. 108 Novos caminhos para profissionais da educação Inovações na educação 109 A informatização realmente potencializa as formas como o aluno trabalha o conteúdo fora de sala de aula. Prova disso são os vídeos on- -line, com recursos bastante avançados, como alta definição, interativi- dade, dublagem ou tradução multilíngue (o que inclui Libras 3 e demais línguas de sinais), apenas para citar algumas das possibilidades. Para muito além dos vídeos, outras práticas recorrentes são utilização de discussões colaborativas em ambiente on-line, pesquisas pela internet e acesso a material para leitura com design responsivo, ou seja, quando a tela do dispositivo utilizado, como TV, tablet e smartphone, adapta-se automaticamente para oferecer uma melhor leitura. A discussão sobre melhor efetividade entre o método conven- cional e a aula invertida precisa considerar o grau de educação envolvido. Uma vez que o propósito da alternativa pedagógica é o desenvolvimento de uma capacidade intelectual avançada, em tese, o público universitário responde melhor que estudantes em nível de educação infantil básica. Para crianças, não parece fazer muito sentido uma preparação, fora de sala de aula, para conteúdos como matemática básica ou mesmo alfabetização fundamental. Existem alguns pontos desfavoráveis na modalidade de aula inverti- da; um deles é a questão da inclusão digital. Em regiões mais carentes do Brasil, por exemplo, ter acesso a computador e internet ainda é um luxo que muitas pessoas só podem usufruir, quando muito, dentro do ambiente escolar. A consequência é que uma aula invertida pautada em recursos informatizados implica o risco de se excluir uma parcela dos es- tudantes, que não poderiam realizar sua preparação extraclasse. Nesses casos, não parece haver muita alternativa ao professor, senão fornecer materiais impressos para seus alunos lerem em casa, o que se traduz em custos indesejáveis à instituição de ensino e, sem dúvida alguma, custos inviáveis para que o professor absorva por conta própria. Críticos também apontam o despreparo de alguns estudantes, so- bretudo nos níveis iniciais, em ter que assumir, subitamente, a res- ponsabilidade pelo autodesenvolvimento, principalmente se já estão habituados, há um bom tempo, com o modelo convencional de en- sino. Teme-se que, caso eles fiquem desmotivados com a nova pro- posta, abandonem o curso. Visando evitar a evasão escolar por esse motivo, é recomendável que os professores e as instituições de ensino promovam, gradativamente, a adoção da aula invertida (KING, 1993; ROEHLING et al., 2017; TONDEUR et al., 2017). Libras é a sigla para Língua Brasileira de Sinais, adotada pela maioria dos surdos brasileiros e reconhecida pela Lei Federal n. 10.436/2002. 3 110 Novos caminhos para profissionais da educação Os professores também se veem desafiados a uma melhor prepara- ção para lograr êxito com essa modalidade didática. Afinal, o tempo de preparação de aula pode ser muito maior que o utilizado para as aulas convencionais, porque a tarefa envolve desenvolvimento de materiais, como conteúdos multimídia. Não se pode ignorar que precisa ser de- vidamente contabilizado o treinamento docente em novas tecnologias digitais, por exemplo, para operar lousas eletrônicas e sistemas de edi- ção de vídeo, quando houver. Esses pontos sensíveis justificam a cautela com que a aula invertida deve ser trabalhada nas instituições de ensino. Não raro, haverá uma sensação de estranheza, mesmo que temporária, por parte de docen- tes e discentes nessa nova forma de realizar a aula. O novo contexto educacional faz com que o aluno se veja obrigado a “aprender a apren- der” nessa modalidade, bem como o professor precisa se preocupar em “aprender a ensinar” nesses termos. Essa ponderação entre vantagens e desvantagens leva a uma con- clusão importante: melhor que optar pela exclusividade de um ou ou- tro modelo, parece ser bastante útil saber como mesclar o melhor de ambas as propostas, visando somar os pontos favoráveis e anular ou minimizar os aspectos desfavoráveis. Por isso, a discussão a respeito de aula invertida conduz, invariavelmente, à análise do assim chama- do ensino híbrido (LINDER; WEHLBURG, 2017; ROEHLING et al., 2017; TONDEUR et al., 2017). A pedagogia de abordagem híbrida faz uso da tecnologia para ofe- recer uma ampla variedade de ambientes de aprendizagem para os alunos. Os docentes, ao adotarem essa linha de trabalho, podem fo- mentar a capacidade de aprendizado dos estudantes quanto à sua di- versidade de preferências e costumes. Na aula híbrida, combinam-se atividades presenciais com outras mediadas por tecnologias digitais. Isso proporciona melhor aproveitamento dos momentos presenciais, ao mesmo tempo que se garante uma orientação mais precisa das atividades extraclasse. Assim, os cursos híbridos também buscam a redução do tempo investido em encontro presencial, preservando ao máximo a sua qualidade. A diversidade dos perfis de estudantes em uma turma é melhor atendida com o modelo híbrido de aula. Quanto mais numeroso é um grupo de alunos, mais comum é encontrar os tipos extremos: de Inovações na educação 111 um lado, aqueles que são exageradamente comunicativos; de outro, aqueles que nunca se manifestam. Existem alunos que podem ter o raciocínio mais ágil até mesmo que o do professor que ministra deter- minado conteúdo. Já outros estudantes podem necessitar de muitas explicações e demonstrações para conseguir entender o tema estu- dado e, mesmo assim, talvez, sem a garantia de uma compreensão plena. Nesses termos, o que se conclui é que o uso de diversas tecno- logias educacionais em classe é bastante oportuno, pois as necessida- des pontuais dos diferentes perfis de alunos são atendidas, mesmo que em momentos distintos. A proposta híbrida é interessante aos professores por oferecer op- ções no gerenciamento do aprendizado de seus alunos, principalmente no que se refere à realização de atividades extraclasse. Algumas das iniciativas à disposição são comunidades on-line de aprendizagem, de- bates síncronos e assíncronos, entre tantas outras formas de colabo- ração digital, para estimular os alunos a um melhor aproveitamento do material didático. Uma tática que costuma ser bem-sucedida é, por exemplo, depois de uma palestra ou exposição gravada na internet, o docente indicar material complementar, como sites, infográficos, vídeos de curta duração, canais especializados no YouTube, textos opcionais, entre outras possibilidades, para que os estudantes possam ir mais a fundo na exploração de determinado tema. Na ótica dos estudantes, um atrativo do ensino híbrido é o self-pace (autorritmo, em português), uma forma de respeitar as condições in- dividuais de aprendizado de cada indivíduo. Colocar a ideia em ação envolve algumas iniciativas simples. Por exemplo: ao se dispor de um material didático on-line, destinado a ser acessado fora do horário do encontro presencial, um aluno consegue repetir seu estudo tantas ve- zes quanto seja necessáriopara garantir seu aprendizado. Dessa for- ma, em uma abordagem híbrida, mesmo que o “cada um no seu ritmo” tenha seus limites (pois sempre existe um conteúdo mínimo e um pra- zo máximo a serem atendidos), deixar cada aluno ajustar ou regular seu progresso de aprendizado justifica a boa receptividade que o ensi- no híbrido encontra na sociedade. Em suma, a proposta híbrida pode ser entendida como um momen- to histórico de transição na história da educação. Nos dias atuais, ocorre um inegável confronto entre as promissoras (mas talvez utópicas) novas tecnologias e a realidade socioeconômica de países em desenvolvimen- Explique o motivo de o modelo de ensino híbrido atingir melhores resultados em turmas com perfis diversificados de estudantes. Atividade 3 112 Novos caminhos para profissionais da educação to, como o Brasil. O híbrido é, essencialmente, uma etapa estratégica nesse movimento de gradual digitalização da sociedade, que envolve por completo e irreversivelmente a indústria da educação. De qualquer modo, alguns dos fundamentos essenciais do processo de ensino e aprendizado convencionais devem perdurar ainda por muito tempo. 6.3 Convivência com dispositivos móveis Vídeo Os tempos são outros. Jogos eletrônicos e sistemas portáteis de som são apenas alguns dos recursos que, nos dias atuais, apresentam- -se com acesso instantâneo por meio de um único dispositivo portátil: um smartphone, onipresente nas mãos dos estudantes. Mas existe uma boa variedade de equipamentos eletrônicos, dos próprios alunos, que transitam de modo cada vez mais frequente nos ambientes escolares. No geral, são tratados como gadgets. Os gadgets levam as instituições de ensino ao fenômeno da clandestinidade tecnológica: os ambientes passam a contar com equipamentos trazidos e mantidos pelos estu- dantes à revelia do professor e da escola. Esses equipamentos intera- gem fortemente com os próprios dispositivos oficiais da instituição de ensino, causando, por exemplo, uma sobrecarga no wi-fi ou na rede local da escola (ELLOUZE et al., 2015; OSICEANU, 2015; SONG; KONG, 2017). Há uma série de implicações disso sobre o processo de ensino e apren- dizagem, revelando um quadro complexo que não permite uma resposta tão trivial à questão sobre continuar, ou não, proibindo o uso desses equi- pamentos e penalizando aos que desobedecerem a essa norma. De todo modo, é uma questão sobre a qual os professores da atualidade precisam se envolver, pois, da complexidade mencionada, emanam vantagens e desvantagens na política de tolerar esses equipamentos. O fato é que um smartphone nas mãos de quase todas as pessoas es- pelha a realidade da computação móvel e ubíqua (onipresente) na socie- dade. Esses equipamentos acompanham seus proprietários não apenas na escola, mas virtualmente em todas as atividades do dia a dia. Já há muito tempo, o objeto não se resume mais a um aspecto de ostentação efêmera, mas sim de um aliado essencial para a comunicação cotidiana. Existem evidências que sustentam esse estilo de vida digital ubíquo, de estar conectado com tudo e todos a todo momento, e cada vez mais gadget: termo em inglês que descreve qualquer tipo de equipamento eletrônico portátil de uso individual. Glossário Inovações na educação 113 os alunos também procuram usar seus equipamentos para buscar informações relacionadas à aprendizagem. A tolerân- cia do professor, portanto, deve ser na medida da percepção de responsabili- dade da turma sob seus cuidados. O simples veto inegociável ao uso desses equipamentos acaba por se mostrar contraproducente na prática. Isso ocorre por uma razão bastante contun- dente: vive-se a era da Internet das Coisas 4 . Nesse cenário, não há medidas de controle absoluto sobre tudo o que um indivíduo – o aluno, nessa análise – carrega consigo que representa uma conexão à internet (e a tudo o que por ela se acessa). Diante de uma tendência irrefreável e totalmente envolvente em termos da sociedade em geral, melhor que um pontual e inútil comba- te reacionário à novidade que se apresenta é utilizá-la para os fins que se deseja. Isso é especialmente aplicável aos professores, que podem aproveitar para “surfar na onda” do tsunami tecnológico da Internet das Coisas (KIM; MAUBORGNE, 2014; SONG; KONG, 2017). Nesse tocante, as oportunidades são as mais variadas possí- veis. A começar pela questão da comunicação dentro e fora da sala de aula. Os docentes ganham mais opções para se comunicar com os estudantes a qualquer tempo e em qualquer lugar. Alguns exemplos são as mais diversas plataformas de redes sociais (sen- do a maior delas o Facebook) e os sistemas de gestão de aprendi- zagem (Moodle e congêneres). Há algum tempo, muito se discute nos círculos pedagógicos so- bre o melhor uso da aprendizagem baseada em problemas (do inglês problem-based learning). Os gadgets podem, então, representar uma excelente oportunidade para expandir a aprendizagem baseada em problemas dentro e fora da sala de aula, com os professores exploran- do esse recurso ao longo de todo o curso. Um fato que chama a atenção é a possibilidade de melhor en- gajamento dos estudantes nas apresentações e nos eventos de Jogos eletrônicos e sistemas portáteis são apenas alguns dos recursos que, nos dias atuais, apresentam-se com acesso instantâneo por meio de um único dispositivo portátil. karelnoppe/Shutterstock Internet das Coisas é um termo que designa uma nova fase da computação móvel, transformando qualquer artefato em um objeto conectado à rede; por exemplo: canetas, relógios, roupas, eletrodomésticos, automóveis, entre outros. 4 114 Novos caminhos para profissionais da educação grande porte. Afinal, os docentes podem melhor se comunicar com sua plateia; de outro modo, era até então pouco provável que um aluno mais tímido ou inseguro se manifestasse em uma palestra ou aula magna com 200 ou mais pessoas. Com um smartphone em mãos, em uma situação como essa, todos na plateia ficam com as mesmas oportunidades de, por exemplo, mandar uma mensagem com uma questão e serem atendidos. Os gadgets podem, certamente, diminuir a eventual defasagem entre as aulas e as tutorias, pois respostas on-line, como as que são obtidas em questionários eletrônicos, podem ser imediatamente apro- veitadas para conduzir discussões nos tutoriais, ajudando a regular o nível das aulas ao perfil dos alunos que assistem a elas. Não restam dúvidas sobre o potencial de melhoria do monitoramen- to do processo de aprendizado dos alunos. Isso se justifica porque as respostas on-line conseguem ser utilizadas para acompanhar o progres- so de aprendizado dos alunos, permitindo que se façam ajustes na for- ma de conduzir o curso ou a disciplina sempre que isso seja necessário. O apelo lúdico das novas tecnologias também prevalece para con- tribuir com a motivação dos alunos, tendo em vista seu aprendizado. Nesse sentido, os docentes motivam a turma para aprender ao permi- tir que seus apps favoritos sejam empregados para experimentação, construção, criação e demonstração das entregas das atividades de aula (ELLOUZE et al., 2015; OSICEANU, 2015; SONG; KONG, 2017). Recursos como Dropbox e Google Drive são alguns dos exemplos em que se podem conceber atividades mais colaborativas, o que ajuda no envolvimento dos alunos mediante seus próprios dispositivos de acesso. As demais sugestões práticas são: • oferecer aos estudantes acesso a recursos e informações rela- tivos ao curso ou à disciplina, dentro e fora da sala de aula, em regime permanente (24 horas por dia, 7 dias por semana); • melhorar a interação dos estudantes com o trabalho dos seus co- legas, dentro e fora da sala de aula, mediante compartilhamento, revisão e comentário do resultado das atividades uns dos outros; • garantir a continuidade do trabalho da turma após o encon- tro presencial. Discorra sobre explorar o lado lúdico dos gadgets dos alunos em sala de aula. Atividade 4 Inovaçõesna educação 115 Em compensação, os inevitáveis aspectos negativos de conviver com os gadgets dos alunos exigem uma grande desenvoltura do professor para endereçar algumas questões de ordem técnica, social e pessoal. No que se refere à natureza técnica, é preciso reconhecer os limites de funcionalidades dos aplicativos. Ocorre que algumas versões de apps móveis, como planilhas eletrônicas e editor de texto, por exemplo, não se mostram totalmente funcionais, especialmente no que diz respei- to aos recursos mais avançados, quando comparados aos aplicativos originais para desktop. Isso pode levar alguns alunos a encontrarem dificuldade na realização de determinadas atividades. Outro problema relevante é que muitos sistemas eletrônicos de ges- tão de aprendizagem não foram projetados originalmente para outros dispositivos que não a tradicional estação de trabalho fixa, ou seja, não são mobile-friendly, termo original em inglês que designa a abordagem que adapta o uso para dispositivos móveis. Além do mais, ocorre que os aplicativos em versão de navegador web podem, algumas vezes, não exibir corretamente caracteres especiais, como letras gregas, por exemplo, muito presentes em disciplinas como Matemática e Física. O tamanho limitado das telas dos dispositivos móveis é algo realmente relevante: uma vez que os gadgets são usualmente me- nores que computadores convencionais, o tamanho das telas pode implicar em problemas de visualização e/ou navegabilidade para o usuário, devido à menor capacidade de apresentar informações simultâneas. Por exemplo, não é possível ler adequadamente um questionário eletrônico ou documento PDF. Não é só no Brasil que a infraestrutura de wi-fi é um problema de ordem prática; é bastante comum que redes corporativas de wi-fi não sejam estáveis (devido à imensa quantidade de acessos simultâneos e à área muito grande de cobertura de sinal). O que o professor deve sempre considerar como plano de contingência é o uso de conexões in- dividuais (3G/4G), visando evitar problemas como carregamento lento de conteúdo on-line e falhas repetitivas de conexão. Às vezes, os obstáculos surgem das situações mais impensadas, como a quase sempre estrutura insuficiente para recarga de bate- rias, pois simplesmente não há tomadas para todos. A autonomia das baterias é um problema de ordem maior dos dispositivos mó- veis. Eles exigem recargas frequentes e, usualmente, as salas de desktop: computador de mesa. Glossário 116 Novos caminhos para profissionais da educação aula não dispõem de uma relação 1:1 entre número de alunos e número de tomadas disponíveis. Ainda na categoria técnica, o poder computacional se revela um problema que não se pode ignorar. Principalmente em cursos da área de tecnologia da informação, os alunos tendem a preferir os tradicio- nais desktops dos laboratórios de informática, tanto em razão da ca- pacidade de hardware (armazenamento/processamento) quanto pelo conforto ergonômico de um teclado convencional. Na categoria social, a equidade, o suporte técnico e a menor comu- nicação presencial são os principais elementos a considerar. Quanto à equidade, é preciso reconhecer que, quando os estudantes são deman- dados a trazer seus próprios dispositivos, é provável que alunos em melhor situação socioeconômica disponham de máquinas melhores, e a diferença de desempenho entre elas é uma questão a ser adminis- trada. No tocante ao suporte técnico, o que ocorre é que os setores de suporte de informática das escolas precisam, inevitavelmente, dispor de mais pessoal para atender aos chamados de docentes e discentes. Finalmente, quanto à menor comunicação presencial, não há dúvidas de que a interação pessoal diminui à medida que a digital aumenta, com riscos, por exemplo, de uma maior burocratização das relações entre as partes envolvidas. Finalmente, as questões de ordem pessoal envolvem, primeiramen- te, analisar a competência técnica da equipe de professores. É claro que será mais difícil para aqueles docentes que não têm muita intimi- dade com a informática ter que, subitamente, conviver com estudan- tes que se acostumem cada vez mais a usufruir de recursos originados desses novos canais digitais de relacionamento. Não se pode fazer vista grossa à própria questão da competência técnica dos alunos. Afinal, os estudantes, provavelmente, demanda- rão algum tempo para que fiquem familiarizados com seus próprios dispositivos móveis sendo utilizados na aula a que assistem. Normal- mente, os celulares inteligentes possuem muito mais recursos do que aqueles que são usados de fato no dia a dia. Muitos desses recursos, portanto, existem, mas são obscuros para os proprietários dos apa- relhos. Pode ocorrer que algum aluno seja um exímio digitador de mensagens em redes sociais ou WhatsApp no seu equipamento, mas, ao mesmo tempo, nunca tenha passado pela situação de digitar uma equidade: respeito à igualdade de direitos. Glossário Inovações na educação 117 equação no seu celular durante uma atividade na aula de Matemática (ELLOUZE et al., 2015; SONG; KONG, 2017). É inegável, também, que existem professores naturalmente mais resistentes ou desconfortáveis em utilizar dispositivos móveis para atividades em sala de aula, pelos mais variados motivos. Isso pode ser razão suficiente para nunca elevar uma política de re- ceptividade aos gadgets em classe como algo institucionalizado de maneira geral em uma escola. O professor precisa ter alguns critérios bastante práticos; por exemplo, o fator do consumo de tempo. Sem dúvida, algumas si- tuações podem despender mais tempo para sua realização em dispositivos móveis do que nos computadores convencionais, uma típica situação em que é necessário ponderar se uma atividade nesses meios ajuda ou atrapalha. Finalmente, reconheça-se que nem todo curso ou disciplina pode comportar essa prática com os mesmos bons resultados esperados. Mais uma vez, é uma atribuição do docente se antecipar quanto a cená- rios indesejados dos gadgets dos alunos no processo de ensino e apren- dizado, sob o risco de comprometer a qualidade de sua aula. No vídeo Estamos ficando mais burros?, publicado pelo canal Nerdologia, são discutidas questões como foco, nível de atenção, presença de dispositivos eletrônicos em sala de aula, flexibilidade mental e algumas ponderações sobre o efeito Flynn (o aumento constante do índice de acerto médio da população mundial nos testes de QI), permitindo direcionar debates mais assertivos sobre a questão dos gadgets em ensino e aprendizagem. Disponível em: https://www. youtube.com/watch?v=nW- -Mqe9Tgjc. Acesso em: 21 fev. 2020. Vídeo CONSIDERAÇÕES FINAIS Jogos educacionais, aula invertida, ensino híbrido e gadgets como re- cursos a serem utilizados em sala de aula são apenas algumas das inova- ções que se observam no cenário da educação nos dias atuais. O profissional da educação precisa ter em mente que modismo e inovação são conceitos diferentes; enquanto o primeiro é pueril e insus- tentável, o segundo demonstra que uma determinada prática foi verda- deiramente incorporada em definitivo pelo mercado, que ganhou difusão e estabeleceu-se como um novo padrão. A importância de se estar cons- ciente disso é a garantia de manter a competitividade do professor no mercado de trabalho, buscando as competências adicionais que subi- tamente se façam necessárias, mas que o profissional ainda não tenha desenvolvido. Assim, é vital que o professor acompanhe periodicamente o que vai surgindo de inovação no seu campo de atuação, um monitora- mento que, evidentemente, nunca tem fim. 118 Novos caminhos para profissionais da educação REFERÊNCIAS BEAVIS, C.; MUSPRATT, S.; THOMPSON, R. ‘Computer games can get your brain working’: student experience and perceptions of digital games in the classroom. Learning, media and technology, v. 40, n. 1, p. 21-42, 2015. BUCKINGHAM, D.; WILLETT, R. Digital generations: children, young people and the new media.New York: Routledge, 2013. CHARMAN, T. et al. What is good practice in autism education? Autism Education Trust, London: IOE London, 2011. Disponível em: https://research-management.mq.edu.au/ws/ portalfiles/portal/83300571/82950951.pdf. Acesso em: 21 fev. 2020. DICHEVA, D. et al. Gamification in education: a systematic mapping study. Journal of Educational Technology & Society, v. 18, n. 3, p. 75-88, 2015. ELLOUZE, F. et al. Cyberaddiction chez les étudiants. 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Na prática, a aula invertida pressupõe uma melhor preparação do estudante para o encontro presencial, pois o contato inicial com o conhecimento é feito fora da sala de aula, e o aprofundamento conceitual se dá no encontro com o professor. 3. Quanto mais numerosa for uma turma, maior é a probabilidade de se encontrar perfis distintos de alunos, dos mais comunicativos aos mais introvertidos. Uma diversidade de ofertas tecnológicas, portanto, tem mais chance de atender às necessidades pon- tuais dos estudantes. 4. A liberdade que o professor dá aos alunos para que eles empreguem seus próprios apps favoritos no desempenho de suas atividades de aula é um importante aspecto motivacional que explora o apelo lúdico das novas tecnologias. Novas competências comportamentais 119 7 Novas competências comportamentais É possível elaborar uma lista virtualmente infindável de quali- dades a serem desenvolvidas no aspecto comportamental para que um professor seja um profissional de reconhecida distinção. Muitas dessas qualidades são inter-relacionadas e é admissível que alguns atributos sejam mais valorizados em determinadas si- tuações profissionais do que em outras. Assim, este capítulo se ocupa em focar três competências abso- lutamente universais para os professores do século XXI: liderança, relacionamento interpessoal e motivação. Juntas, elas promovem a formação de educadores do mais alto nível e bem-sucedidos em suas carreiras profissionais. À parte da discussão sobre vocação, o que importa é que são competências que podem ser aprendidas e desenvolvidas por qualquer perfil de profissional docente. 7.1 Liderança Vídeo Uma vez que as atividades de docência podem ser categorizadas entre as funções de ensino, pesquisa, gestão e extensão, muitos pro- fessores deduzem, com razão, dois fatos incontestáveis: o primeiro é que a maior responsabilidade em gestão normalmente significa me- lhor remuneração; o segundo é que as oportunidades de trabalhar com gestão vão naturalmente surgindo, conforme o grau de liderança que o profissional consegue desenvolver ao longo da sua atuação. Assim, grande parte dos profissionais da educação associam a necessidade de aprimorar sua liderança a um mais profícuo plano de carreira, em que alguma posição de chefia seja um marco determinante (WILKERSON, 1999; DONALDSON JR., 2007; ARENDS, 2014). profícuo: que é frutífero; proveitoso. Glossário Enganam-se, porém, aqueles que pensam que apenas os profes- sores gestores são efetivamente líderes. Diferentes atributos levam um professor a ser verdadeiramente um líder, qualquer que seja sua frente mais destacada de atuação entre ensino, pesquisa, gestão e extensão. Em todos os campos profissionais, é sabido que nem todos os perfis de indivíduos são compatíveis com posições de gestão; isso não é diferente no ramo da educação. Então, o que acontece é que muitos professores conseguem ser muito bem-sucedidos em seu tra- balho, mesmo que não tenham atribuições de gestor. Essa liderança mais ampla, que excede as atribuições meramente administrativas, é a que merece ser analisada. Segundo Donaldson Jr. (2007), talvez poucos profissionais tenham uma oportunidade tão clara de desenvolvimento de liderança no seu dia a dia quanto o professor no exercício de suas atividades em sala de aula. Diante da turma de alunos, o seu papel de conduzir as ati- vidades em classe naturalmente determina que ele é a maior autori- dade naquele ambiente. Algumas autoridades se impõem pelo medo que os alunos têm de serem repreendidos ou penalizados; outras são conquistadas por meio do sentimento de respeito genuíno transmitido pela conduta adotada em classe. Esse é um bom indicativo preliminar de liderança para o professor: quanto mais ele precisa impor seu poder disciplinar para controlar uma turma, pedindo silêncio, repreendendo e penalizando, menor parece ser seu poder de liderança efetiva. Líderes são seguidos espontaneamente por seus liderados, que entendem que faz sentido escolher seguir alguém que lhes inspira algo positivo. 120 Novos caminhos para profissionais da educação Monkey Business Images/Shutterstock Novas competências comportamentais 121 Diz-se que, nas profissões em geral, líderes são difíceis de serem encontrados. Afinal, eles exibem uma mistura singular de carisma, vi- são e caráter, o que faz com que as pessoas de seu convívio se sintam atraídas para segui-los. Então, no ambiente de sala de aula, com uma convivência intensa e constante entre professor e alunos, é bastante natural que os docentes que fazem seu trabalho com qualidade sejam reconhecidos como líderes pelos estudantes. Nesse aspecto, preservar um bom relacionamento com os alunos é fundamental para o docente que busca aprimorar continuamente a sua liderança. A liderança não é um papel que alguém clama para si sem a devida legitimação dos liderados, mas não é por isso que o líder fica alheio a essa sua condição de escolhido. Os líderes reconhecem que eles pre- cisam, sim, atrair seguidores. De fato, os seguidores são o fator-chave para se compreender a liderança. Afinal, para seguir alguém, as pes- soas precisam confiar na direção para a qual o líder aponta e, para que proporcionem esse nível de confiança, os líderes precisam, sobretudo, comunicar claramente o propósito da direção que seguem, os resulta- dos almejados naquela empreitada e as principais estratégias a adotar para que tais resultados possam ser realmente alcançados. De acordo com Donaldson Jr. (2007), um professor líder é aquele que convence seus alunos não por manipulação, mas por persuasão. Ele os engaja no propósito do curso ou da disciplina que ministra. Um aluno engajado está sensibilizado quanto ao que precisa serfeito, como fazê-lo e o significado de atingir o resultado planejado de seu aprendizado. Reconhece-se, ainda, que se as melhores oportunidades de desenvolver a liderança do docente nascem em meio aos seus alu- nos na sala de aula, tal capacidade de influência para um propósito comum pode ser estendido aos seus pares (os colegas de profissão), seja para o aprimoramento profissional ou qualquer outro propósito que o grupo tenha interesse. Ainda de acordo com Donaldson Jr., diante dos problemas do cotidia- no, uma das virtudes do líder – qualidade, aliás, imediata e facilmente per- cebida por seus seguidores – é que seu foco de interesse está no fato e no processo deficiente, e não nas pessoas a se culpar. Com efeito, um dos maiores temores das pessoas subordinadas a lideranças autocráticas é o clima de “caça às bruxas” que é instaurado, o que é ruim, pois quem se sente ameaçado tende a acobertar problemas para evitar maiores desconfortos. As lideranças legítimas, por sua vez, conduzem à situação No livro Ensinando inteligência: manual de instruções do cérebro de seu aluno, sustenta-se a tese de que inteligência aprende-se, estimula- -se e ensina-se. Essa perspectiva é bastante interessante para os líderes educacionais. PIAZZI, P. São Paulo: Aleph, 2009. Livro lideranças autocráticas: tipo de liderança em que o poder de decisões está centralizado no líder. Glossário 122 Novos caminhos para profissionais da educação oposta, pois as pessoas se sentem incentivadas a relatar ocorrências e até a identificar problemas, porque sabem que serão amparadas pela filosofia de melhoria contínua que o líder procura trabalhar perma- nentemente. Em suma, mais importante do que “quem cometeu esse erro?” é “o que podemos fazer para resolver isso?”. Tal abordagem não é útil apenas para manter a qualidade, mas tam- bém para buscar a inovação nas atividades propostas. Afinal, a tolerância ao erro e à experimentação (que pode, na maior parte das vezes, não produzir resultados desejados) é fundamental para que inovações sejam desenvol- vidas. Atingir os resultados, em algum momento, é o que se busca; então, o líder precisa ser hábil em dosar seu estímulo à experimentação e tolerância ao erro com o pragmatismo de se buscar e realmente atingir aquilo que foi proposto. Enfim, em um ambiente escolar, como durante a realização de uma aula ou de uma pesquisa científica, os meios podem ser os mais variados, mas o fim deve ser garantido. Para Donaldson Jr. (2007), o líder genuíno conhece as expectativas de seus liderados e sabe que precisa gerenciá-las. Os seguidores preci- sam estar seguros de que, ao final da jornada, o líder irá reconhecer e recompensar a contribuição de cada um deles. Isso, portanto, vai muito além da mera aprovação por atribuição de nota. A recompensa envolve mexer nos brios dos liderados (os alunos), mostrando-lhes o que ga- nham ao atingir um determinado intento de aprendizagem, seja a en- trega de um mero trabalho acadêmico ou a própria conclusão do curso. Por tudo isso, o líder é, sobretudo, muito mais que um motivador; é um estrategista. Sendo assim, é importante para o professor que busca desen- volver sua liderança conhecer alguns aspectos essenciais relacionados à es- tratégia, a começar por sua definição. Estratégia pode ser sintetizada como a arte de posicionar recursos de tal forma que os objetivos sejam atingidos. Evidentemente, uma pesquisa pela literatura revela inúmeras outras defini- ções, embora todas se alinhem, de alguma forma, com esse pensamento. Segundo Chiavenato (2008), um líder não adota um mero discurso de al- cance de metas, ele é, de fato, um realizador dessas metas, mais um motivo para que existam seguidores, pois eles percebem que há no líder coerência entre o que pensa, fala e faz. Outro aspecto essencial do estrategista é ter em mente uma defini- ção clara de propósito em termos de missão (o papel presente do gru- po liderado) e a visão (o vislumbre do futuro que se deseja alcançar). pragmatismo: ponto de vista prático. Glossário Novas competências comportamentais 123 Para tanto, o líder trabalha constantemente o comportamento missio- nário das pessoas (relembrá-las de quais atribuições elas são respon- sáveis por meio do trabalho e da atividade conjunta), bem como zelar pelo caráter visionário. Mais produtivo que controlar pessoas por re- gras burocráticas e hierarquia de comando é compartilhar um compro- misso com a visão compactuada. Quando as pessoas conhecem a visão pretendida e concordam com ela, os líderes se ocupam muito mais em acalmar a ansiedade dos liderados do que empurrá-los para agirem. O Quadro 1 apresenta uma síntese dos atributos de liderança do- cente, conforme o papel de liderança que os professores ocupam. Quadro 1 Síntese dos atributos de liderança docente Professores líderes natu- rais ou informais Professores líderes formal- mente designados Administradores ou direto- res escolares Construção de relações sociais (+) Acontece naturalmente; há um forte senso voluntário e permissivo. (+) Pequenos times; a colabo- ração emerge do trabalho em comum. (+) Pessoas compartilhando uma concessão comum; valo- rização institucional dos rela- cionamentos. (-) Ocorre em “panelinhas”; não garante uma colabora- ção generalizada com toda a escola. (-) As equipes podem se sentir forçadas a colaborar; há uma percepção de autoridade incerta. (-) O poder intimida; a equipe subordinada é demasiadamen- te grande para se confiar ple- namente; os relacionamentos tendem a ser abertos. Aumento do comprometimento junto a um propósito (+) Os grupos se formam na- turalmente em torno de inte- resses em comum. (+) Dão forma à missão dos times de trabalho; mantêm os membros das equipes focados. (+) Têm a atenção de todos; podem patrocinar propó- sitos bem mais ambiciosos ou vanguardistas. (-) O interesse pode não es- tar necessariamente alinhado aos propósitos institucionais oficiais da escola. (-) Podem desenvolver propó- sitos cruzados, alheios à equi- pe ou instituição. (-) Conseguem mais confor- midade do que comprometi- mento; a equipe subordinada é muito grande para testar o propósito e reafirmar com- prometimento. Fomento de ações em comum (+) Compartilhamento e apoio naturais levam à inovação e ao crescimento; ação espon- tânea. (+) As equipes de trabalho ino- vam juntas; acesso a recursos. (+) Promoção e coordenação de aprendizado e inovação em nível institucional; com- prometimento em fornecer recursos para viabilizar as ações. (-) Aleatoriedade; não se inclui todo mundo; pode não refor- çar a melhoria dos estudantes. (-) Podem desenvolver novas práticas que conflitam com ou- tras equipes; podem resistir a li- deranças e prioridades formais. (-) Conformidade em lugar de aprendizado; conseguem coer- ção e não inspiração autêntica. Fonte: Adaptado de Donaldson Jr., 2007, p. 138. 124 Novos caminhos para profissionais da educação No Quadro 1, os elementos são apresentados de forma análoga a um demonstrativo contábil, em que o (+) significa um ativo (um aspec- to favorável) e o (-) significa um passivo (um aspecto desfavorável). Os papéis de liderança vão desde uma posição informal e espontânea, de um lado, até as designações formais dos cargos de chefia, de outro. As atribuições de liderança foram agrupadas, essencialmente, em cons- trução de relações sociais, aumento do comprometimento com um propósito e fomento de ações em comum, mas a principal mensagem desse quadro é que o trabalho conjunto entre as lideranças é essencial para o sucesso das instituições de ensino; não há como depender ape- nas do trabalho dos altos gestores em lideranças institucionalizadas, tampouco das lideranças informais que surgem espontaneamente na equipe. O alinhamento de iniciativas entre todas as lideranças tende a minimizar os aspectos desfavoráveis listados no quadro e a potenciali- zar os aspectos favoráveis. É importante observar que, apesar de a liderançaser uma virtude que pode ser desenvolvida em qualquer profissional, os perfis indi- viduais tendem a inclinar os líderes para algum tipo determinado de atuação. Por exemplo: é comum que lideranças informais surjam na- turalmente em meio aos professores mais destacados junto às suas respectivas turmas de estudantes. Contudo, elevar automaticamente um professor que é de liderança informal para um cargo de chefia (li- derança institucionalizada pela escola) não é prudente, pois a liderança espontânea não garante a ninguém aptidão para gestão. Todo gestor precisa reunir competências de liderança, mas também uma série de outras qualidades específicas para a função. De outro modo, corre-se o risco de que a instituição de ensino, agindo sem maiores critérios, possa perder um excelente professor e, ao mesmo tempo, ganhar um péssimo gestor (DONALDSON JR., 2007). É possível listar uma série de características indispensáveis ao professor líder. Entre elas, estão: escolher ser um líder, portar-se como uma pessoa que os outros escolham seguir, oferecer uma visão de futuro ao grupo, inspirar os demais, fazer as pessoas se sentirem importantes e reconhecidas, viver seus valores de manei- ra ética e dar às pessoas oportunidade para crescer. fomento: estímulo, impulso. Glossário Em síntese, quais são os atribu- tos da liderança docente? Atividade 1 Novas competências comportamentais 125 7.2 Relacionamento interpessoal Vídeo Seja no campo pessoal ou profissional, saber se relacionar com ou- tras pessoas é aspecto decisivo para o sucesso de qualquer indivíduo e, é claro, isso não seria diferente na perspectiva profissional da carreira de um professor. Trabalhar na área da educação conduz, naturalmen- te, a excelentes oportunidades de aprimorar a capacidade e a qualida- de do relacionamento com os demais, e a sala de aula é um dos mais evidentes laboratórios nesse sentido (FRYMIER; HOUSER, 1999; ALMEI- DA; PLACCO, 2004; WUBBELS et al., 2012). Para esses autores, há toda uma corrente pe- dagógica que sustenta que o bom relacionamento entre professor e aluno acaba por ser obliterado pela relação de poder e autoridade que natural- mente prevalece entre eles. Contudo, uma visão mais ampla do relacionamento social leva ao en- tendimento de que o bom convívio entre os indivíduos não se dá exclusivamente quando estes são nivelados em rigorosas condições de igualdade (que, em última análise, inexistem). Um bom relacio- namento não se traduz necessariamente em amizade íntima. O que é suficiente para uma harmoniosa convivência entre as pessoas não é que todos sejam amigos por igual, mas, sim, que haja a empatia necessária, mesmo entre diferentes níveis, como é o caso da figura do professor e do aluno. Ainda segundo esses autores, o fato incontestável é que existe um fluxo principal de construção e transmissão de conhecimento em classe que vai do professor ao aluno, embora existam inúmeras circunstân- cias em que o docente também aprende e que o discente também ensi- na; mas são fluxos secundários em intensidade e importância. O canal principal é estabelecido pelo professor que conduz e os alunos que são conduzidos. Portanto, há sim a prevalência de um indivíduo em meio aos demais na sala de aula, com poder e autoridade diferenciados, o que pode afetar, mas não dinamitar por completo, a sustentação de um bom relacionamento entre professor e aluno. A boa relação entre eles é tão natural e possível quanto a boa relação entre patrão e empregado, médico e paciente ou entre um policial e um cidadão qualquer. obliterado: destruído, eliminado. Glossário 126 Novos caminhos para profissionais da educação No artigo Bullying e relação professor-aluno: percepções de estudantes do ensino fundamental, dos autores Karen Lamas, Eduarda Freitas e Altemir Barbosa, publicado na revista Psico, em 2013, avalia-se a afinidade e o conflito dos alu- nos com os professores. A pesquisa sugere que as intervenções devem ser focadas nos papéis dos professores em sala de aula e devem ser adaptadas às necessidades de cada ano. Acesso em: 21 fev. 2020. https://dialnet.unirioja.es/descarga/articulo/5631468.pdf Artigo Obviamente, a empatia com os alunos começa a ser construída pela prática do diálogo. Impor explicitamente a autoridade que é conferida ao professor traz prejuízo ao bom relacionamento; deixá-la implícita, sem que tenha que se recorrer a ela, é algo aprendido na competên- cia de liderança. O professor não pode se colocar na posição de quem sabe tudo (até porque isso nunca corresponde à estrita verdade), em- bora seja notório que, normalmente, o docente saiba muito mais que o aluno a respeito do conteúdo desenvolvido em aula. Isso não é para ser traduzido em opressão, mas, sim, em motivação para o aluno aprender mais a respeito do tema desenvolvido. Visto ser o maior responsável por tudo o que ocorre em classe, cabe ao professor, naturalmente, tomar a iniciativa no sentido de nutrir boas relações com os alunos, desde o momento do primeiro encontro com a turma. É por isso que algumas das ações típicas de um primeiro dia de aula são, antes de iniciar com o conteúdo propriamente dito, destinar um tempo às apresentações mútuas e ao fomento de um bom clima de trabalho junto aos estudantes. Dados os diferentes perfis de indivíduos em classe, sempre have- rá os mais receptivos às intenções de proximidade que o professor manifesta, assim como os mais refratários e contestadores. Inde- pendentemente dos motivos desse último grupo de alunos, a boa prática docente é a de procurar dar a todos o mesmo tratamento respeitoso e a atenção necessária. Jamais se pode cair na armadi- lha de isolar o grupo dos mais amigos do professor, dedicando-lhes exclusividade ou preferência na interlocução durante a aula. Da mesma forma, é inconcebível que o professor passe ao embate, à perseguição ou à discriminação, mesmo que de modo sutil, contra os eventuais detratores da turma. Visando ao bom relacionamento interpessoal, quais são as boas práticas em um primeiro encontro do professor com a turma de alunos? Atividade 2 Novas competências comportamentais 127 O aprendizado certamente é percebido como mais atrativo quando o aluno se sente competente; isso pode ser conseguido pelas atitudes e métodos adequados de motivação. Reconhece-se que o prazer pelo aprender não é algo que brota espontaneamente nos estudantes. Para eles, o aprendizado é uma obrigação, portanto, o relacionamento entre professor e aluno é mediado pelas táticas de empatia e de despertar a curiosidade nos estudantes, tanto sobre as atividades quanto sobre os resultados delas decorrentes. O bom relacionamento do professor com os alunos se expressa também pela relação que o docente tem com a sociedade e com a cultura em geral. Por esse motivo, a relação entre professor e aluno depende bas- tante do clima que se estabelece em classe. O desenvolvimento de um bom ambiente de aula envolve a relação empática com os estudantes, a aptidão em ouvir, refletir e discutir o nível de compreensão da turma, assim como algo que pode ser chamado de “criação de pontes” entre o conhecimento do docente e o conhecimento da turma. Neste mundo em acelerado ritmo de mudanças e inovações, os alunos precisam se sentir seguros de que podem confiar em seu professor como o orien- tador de ações para plena cidadania e busca de novos conhecimentos no ambiente externo desafiador que se apresenta. Daí nasce, senão a genuína amizade, ao menos um tipo de relacionamento mais perma- nente, que excede o mero tempo destinado às aulas. É certo que a relação entre professor e aluno em sala é um processo complexo, a despeito da boa vontade do professor. Afinal, é preciso que sejam considerados inúmeros aspectos que vão além da consecução dos objetivos determinados no plano de aula. Tal relação é amparada pelo reconhecimento dos progressos e dos sucessos, pelo estímulo à autoconfiança dos estudantes, bem como pela manutenção de cordialidadee respeito no trato com a turma. É certo que nenhum professor tem a obrigação de se portar como um humoris- ta ou ser excessivamente afetivo. Fundamentalmente, cada aula tem um objetivo a ser atingido, e é isso que precisa ser garantido. Durante um curso ou disciplina, é natural que haja momentos de maior relaxamento e de trabalho mais árduo intercalados. Destaca-se que a participação ativa em sala de aula, com o claro engajamento dos alunos naquilo que se apresenta em classe, é um dos momentos mais almejados pelo docente. Isso, de fato, parece co- consecução: realização, conquista. Glossário 128 Novos caminhos para profissionais da educação roar os esforços do professor em busca de se estabelecer e manter um bom relacionamento com a turma. Também serve de importante alerta, pois, caso haja participação muito baixa da turma nas atividades propostas, isso pode ser um indício de que o bom relacionamento está apenas nas aparências, comprometendo a qualidade do trabalho de- senvolvido em sala de aula. A dosagem entre capacidade técnica e apreço pelos outros é bas- tante importante para o professor desenvolver seu bom relacionamen- to interpessoal. Ocorre que, dificilmente, algum estudante aponta um professor como bom profissional se o docente não demonstrar amplo conhecimento de sua matéria de ensino e maestria na forma de orga- nizar e conduzir as aulas. Contudo, é muito mais raro que um professor seja apontado como o preferido entre os alunos se ele não lhes for simpático. Os professores de predileção dos alunos, normalmente, são elogiados como amigos, compreensivos, que demonstram preocupa- ção com a turma, acessíveis mesmo fora de horário, em prontidão para ajudar quem os acione, entre outros. Distinguem-se a participação, a colaboração, o incentivo e o es- tímulo como elementos determinantes para a manutenção do bom relacionamento entre docentes e discentes. Tais competências, usualmente, são mais bem consolidadas com a prática. Não raro, professores iniciantes, mesmo que de inquestionável capacidade técnica no campo de conhecimento específico que lecionam, costu- mam passar por dificuldades no que se refere a animar a turma nas atividades desenvolvidas em classe. Existem mais algumas atitudes que podem ser entendidas como facilitadoras da construção da melhor relação entre professor e alu- no. A começar pelo aspecto da congruência, conceito que implica estar em concordância com a percepção que a pessoa tem de si mesma e da sua própria atividade no mundo, garantindo que haja entre elas consistência e coerência. De outra forma, a pessoa incon- gruente demonstra traços de tensão e confusão interna. Por isso, o bom professor não age apenas por aparências; os sentimentos que ele vivencia são compartilhados com seus alunos. Apesar da distân- cia hierárquica ou funcional entre professor e aluno, a comunicação se dá, nesse aspecto, de uma forma direta, sem barreiras, de ser humano para ser humano. Explique a importância da congruência no relacionamento interpessoal. Atividade 3 Novas competências comportamentais 129 Uma atitude de veracidade do docente melhora a comunicação en- tre as partes. Para além dos fatos e dados, os sentimentos, ideias e inquietudes comunicados aos alunos legitimam o relacionamento in- terpessoal em sala de aula. Isso promove, ainda, uma reciprocidade, estimulando que o aluno também se manifeste quanto ao que pensa e ao que sente. Uma vez que esses dois papéis – de professor e de alu- no – existem em classe, o diálogo é o que permite que as atividades de ensino e de aprendizagem se coadunem, e todo diálogo legítimo não deixa de carregar também o teor de sentimentos dos interlocutores. O relacionamento interpessoal estabelece uma percepção de mú- tua credibilidade entre as partes. Essa aceitação ou consideração posi- tiva é a crença de que o outro é digno de confiança. O professor, assim, respeita o estudante, envolvendo-o em um regime de confiança, dife- rentemente, porém, de um mero gesto de piedade ou de uma atitude paternalista (ALMEIDA; PLACCO, 2004; WUBBELS et al., 2012). Um elemento que nutre o bom relacionamento entre as partes é, sem dúvida alguma, a empatia. Quando o professor é sensível no que diz respeito a compreender as reações e a situação geral do aluno, é certo que a probabilidade de se conseguir oferecer uma aprendizagem significativa aumenta. É importante, de qualquer modo, reconhecer a dificuldade de o docente praticar, de manei- ra contínua, essas atitudes, afinal, em determinadas situações, isso pode se traduzir em conflitos internos com seus valores pessoais e sua própria identidade. Desse modo, não há, na prática, como ser impecavelmente em- pático e congruente sempre. De outra forma, aceitar incondicional- mente as demandas do aluno em todas as suas manifestações seria negar a própria natureza de individualidade humana – nesse caso, a do professor. Ser comedido no que aceitar e no que não abrir mão, então, parece ser mais uma indispensável qualidade a desenvolver para melhor efetividade da relação entre as partes. Em suma, quando se prescreve como boa prática compartilhar o po- der em sala de aula, mediante atitudes facilitadoras – especialmente as que se referem à empatia e à aceitação –, não se cogita que o professor perca a sua legítima autoridade. A autenticidade como atitude facilita- dora que é traz à tona a possibilidade de diálogo que contemple esta- belecer ou negociar limites na situação de aprendizagem. Sem dúvida coadunar: harmonizar; ato de se juntar; incorporar. Glossário comedido: moderado, contido. Glossário 130 Novos caminhos para profissionais da educação alguma, é mais que desejável que isso fique suficientemente explícito por todo o tempo do curso ou da aula. Alerta-se, porém, quanto a uma possível má interpretação que o conceito de autenticidade possa ganhar nesse contexto, o que pode desfavorecer a implementação das atitudes facilitadoras ana- lisadas. Visto que a autenticidade do educador é um ativo valioso, todo professor deveria ser um profissional muito bem preparado em trabalhá-la. Mas não se pode confundir autenticidade com inva- são da vida particular do profissional. De fato, a distinção entre as dimensões pessoal e profissional precisa ficar transparente para o professor e explícita na relação professor-aluno. Por certo, não é a exposição de questões particulares do professor que garante sua autenticidade como profissional. A sua coerência nas atividades de educador é o que determina essa qualidade. 7.3 Motivação Vídeo Os motivos que levam à ação docente surgem ainda antes de o educador ingressar nessa ocupação profissional. Do ponto de vista da socialização, é inegável que isso remete à infância, na época em que o então professor era um aluno em sua escola de formação fundamental (JESUS; SANTOS, 2004; ARENDS, 2014). Segundo Jesus e Santos (2004), as motivações docentes são variadas ao longo da carreira profissional, correspondendo a fases do desenvol- vimento da profissão – ao menos quatro delas costumam ser mais evi- dentes. A primeira dessas fases é a chamada pré-formação, época em que ainda se é aluno, recebendo, então, forte influência dos modelos de ensino a que se é submetido. A segunda fase pode ser chamada de pré-serviço, no momento da formação específica que precede as pri- meiras aulas ministradas. Nela, ocorre a aquisição da base de conheci- mento teórico subjacente ao que será ensinado. A chamada indução é a terceira fase, que acontece nos anos iniciais de atividade como profes- sor e é caracterizada pelo desenvolvimento de estratégias particulares de ensino, considerando o modo peculiar como o professor endereça os problemas enfrentados no seu dia a dia. Finalmente, a quarta e úl- tima fase pode ser denominada serviço pleno, que é todo o restante da carreira docente, com os educadores aperfeiçoando continuamente sua competência profissional. No vídeo Raciocínio motivado: por que o juiz sempre roubamais para o time adversário?, publicado pelo canal Minutos Psíquicos, é demonstrado como a motivação pode ter um viés racional, algo útil para educadores terem em mente, a fim de melhor desempenharem suas funções. Disponível em: https://www. youtube.com/watch?v=qLuYX- pVJ18s. Acesso em: 21 fev. 2020. Vídeo Novas competências comportamentais 131 As sequências do desenvolvimento do profissional da educação se su- cedem conforme a trajetória percorrida ao longo da carreira, tomando di- ferentes caminhos mediante sucessos e fracassos enfrentados. A primeira delas, de exploração, dá-se logo no período de início da profissão, notada- mente durante os primeiros dois a três anos de docência. Nela, o professor experimenta diferentes papéis, a fim de avaliar por si mesmo sua compe- tência profissional. O resultado são três possíveis configurações motivacio- nais: sobrevivência, descoberta ou indiferença. A sobrevivência se associa ao confronto problemático com a rea- lidade escolar, com insucessos na dinâmica estabelecida de ensino e aprendizagem. Por sua vez, a descoberta é caracterizada pelo su- cesso, pelo entusiasmo e pela satisfação diante das experiências. Finalmente, o professor que escolhe esse seu ganha-pão por falta de outras alternativas profissionais retrata indiferença e até mesmo uma certa frustração (JESUS; SANTOS, 2004). Na prática, as motivações de descoberta e de sobrevivência inter- calam-se: a primeira tolera a segunda, mas quase sempre há a pre- valência de um desses perfis. À primeira vista, pode parecer possível estabelecer correspondência entre essas três perspectivas motivacio- nais e o padrão comportamental dos docentes, desde aqueles insatis- feitos, que adotam uma conduta inconstante, até os que se sentem verdadeiramente realizados por serem professores, incluindo os que não se envolvem além do mínimo necessário nas suas atribuições pro- fissionais. Mas é importante não ser excessivamente reducionista na análise, pois o comportamento não ocorre de forma estritamente li- near, afinal, muitos dos docentes hoje desmotivados podem ter se en- contrado altamente empolgados no início de suas carreiras. A estabilização, algo que ocorre entre quatro e seis anos no exercício da função, traduz-se no definitivo compromisso com a profissão escolhida. É quando o “estou professor” se transmuta no “sou professor”; ou seja, assume-se uma identidade profissional que é claramente comunicada socialmente. Esse é o momento da carreira que é coroado pelos sentimentos de segurança e autocon- fiança profissional. Encontra-se e vivencia-se um estilo pessoal de exercer a função de educador, com consequente relativização dos insucessos. O professor entende que não é responsável por literal- mente tudo o que ocorre na sala de aula e passa a conviver melhor com as expectativas e frustrações típicas desse trabalho. 132 Novos caminhos para profissionais da educação Para Jesus e Santos (2004), é certo que alguns professores al- cançam a estabilidade mais cedo e outros, mais tarde; há também aqueles que jamais se estabilizam por nunca se identificarem de fato com a profissão de educador. Contudo, para quem se estabiliza, ou- tras frentes motivacionais se apresentam. Entre sete e vinte e cinco anos de exercício da profissão, o professor experimenta um salto em dinamismo, o que realça suas qualidades profissionais, adotan- do definitivamente seu próprio estilo de trabalho. Isso pode levá-lo a ser reconhecido ou alcançar prestígio entre alunos, colegas e insti- tuição de ensino. Contudo, diversos fatores (inclusive problemas na vida pessoal) podem minar essa escalada na carreira, situação que normalmente se percebe pela inibição generalizada do educador e mero cumprimento da rotina de trabalho. No período entre 25 e 35 anos acumulados como educador, há uma maior tendência de se predominar uma postura de conservadorismo e rigidez. Nesse momento, são frequentes as lamentações, especialmen- te sobre os alunos e sobre a política e pode ocorrer um maior distancia- mento no relacionamento interpessoal com os alunos. Essa é a fase da carreira associada à serenidade e à autoaceitação. O investimento na carreira diminui porque os professores entendem não ter que provar mais nada a ninguém (nem a si mesmos). A derradeira fase é o desinvestimento, o que ocorre até os 45 anos de serviços prestados. É o momento de um balanço geral da carreira. Isso pode se dar de uma forma serena, sem grandes la- mentações ou, então, de maneira amarga, caso impere nessa re- trospectiva o sentimento de desilusão e frustração por nunca ter atingido determinado objetivo profissional e já ser demasiado tar- de para fazê-lo. A integridade ou o desespero nessa fase da vida correspondem, enfim, a esse desinvestimento. O desinvestimento profissional dos docentes mais experientes, em comparação àqueles em início de carreira, decorre principalmente da falta de incentivos que permitiriam mantê-los na ativa. O que se obser- va como quadro geral é que, com o passar dos anos, os professores di- minuem a sua dedicação e o seu envolvimento profissional, passando a ser mais suscetíveis aos aspectos negativos do ambiente organizacio- nal. Nesse enrijecimento emocional, céticos, os professores passam a um desinvestimento progressivo, no qual a inovação é cada vez menor. Em termos motivacionais, como funciona a fase de estabilização do professor? Atividade 4 Novas competências comportamentais 133 As limitações aos recursos gerais de trabalho e a remuneração não tão atrativa conduzem muitos educadores a direcionar esforços para ativi- dades fora da escola, sejam elas em outros campos profissionais (como consultorias), atuação na comunidade (como voluntários) ou maior tempo dedicado à família, empenhando-se, então, somente o mínimo para manterem suas posições como professores. Para Lens, Matos e Vansteenkiste (2008), manter professores moti- vados é, em última análise, uma importante questão de responsabili- dade social devido a um legítimo e evidente motivo: os professores são grande fonte de motivação para os estudantes. Neles, fundamentam- -se o “quê” e o “porquê” da aprendizagem dos alunos. Esse efeito de viralização da motivação – se consideradas as proporções típicas entre professor e alunos em uma sala de aula (algo como 1 para 30 ou 1 para 40, por exemplo) – é a chave para o sucesso dos modelos de educação. Não se discute que é importante, para os estudantes de todos os graus, sentirem-se suficientemente motivados para seu trabalho de estudar. O que precisa ser considerado não é apenas a eviden- te constatação de que a motivação influencia diretamente o tempo dedicado pelas pessoas em seus estudos e os seus resultados de notas e frequências e as próprias conquistas acadêmicas que vão se acumulando em suas vidas. A motivação é aspecto-chave também no que se refere à satisfação pela vida que se leva, ou seja, pessoas que se sentem realizadas não apenas pelo que já conquistaram, mas também pelo próprio caminho que trilham em busca de seus objetivos perseguidos. Disso decorre que o sentimento de frustração e insatisfação, traduzido, muitas vezes, em um comportamento antissocial, pode nascer justamente de estudantes desmotivados, obrigados a passar muito tempo na escola e em sala de aula em meio a atividades que não lhes despertam grande interesse. O que precisa ser esclarecido é que a motivação não é traço estável da personalidade de uma pessoa. Não há dúvida de que ela é fruto de um processo psicológico no qual interagem as características ambientais com as mais diversas características de personalidade. Alguns exemplos são anseios, razões, interesses, habilidades e visão de futuro. Então, a implicação direta é que a motivação dos estudantes seja passível de alteração pela mudança na própria mentalidade dos alunos (como ao 134 Novos caminhos para profissionais da educação conseguirem reduzir a ansiedade em época de provas e aumentar a au- toconfiança quantoà eficácia escolar); bem como por meio de modifica- ções no ambiente de aprendizagem, o que inclui a cultura escolar (por exemplo, conteúdo curricular e clima motivacional em sala de aula, sen- do esse último aspecto um fator primordial de atenção dos professores). Os profissionais da educação como um todo – não somente os pro- fessores em sala de aula, mas também diretores, orientadores educa- cionais, entre tantos outros – têm em suas mãos o poder de modificar os níveis de motivação dos alunos. Com suas ações, podem influir nos aspectos determinantes para a motivação dos discentes, o que merece ser lembrado quanto ao seu conjunto de responsabilidades. É preciso considerar que a motivação pode ser entendida como uma força psicologicamente dirigida. Assim, na distribuição de perfis entre os estudantes, existem os mais e os menos motivados para estudar, bem como os diferentes cursos produzem diferentes moti- vações. Mas é preciso assumir que distinguir entre motivação mais intrínseca ou mais extrínseca é tarefa menos relevante quando se consideram os diferentes tipos de regulação comportamental. Sem dúvida nenhuma, aquilo que mais importa é justamente o que regula a ação de um determinado indivíduo. É de se questionar: qual seria a causa ou a razão envolvida? A reflexão considera as al- ternativas entre ser uma parte integrada própria do sujeito em si (a chamada motivação autônoma) ou algo que se experimenta como externo ao indivíduo (portanto, a motivação controlada). Resumidamente, o que realmente importa não é apenas a força mo- tivacional que os próprios alunos trazem por si. As instituições de ensi- no, no geral, e especialmente os professores atuantes em suas salas de aula devem se ocupar de zelar por um ambiente de aprendizagem que ressalte a mais alta qualidade em motivação. Na prática, isso pode ser feito ao se ajudar os estudantes a conseguirem ser mais autônomos em seu processo de aprendizado, assim como ao vivenciar as boas prá- ticas em liderança e relacionamento interpessoal. Novas competências comportamentais 135 CONSIDERAÇÕES FINAIS Liderança, relacionamento interpessoal e motivação se intercalam como aspectos decisivos para um professor bem-sucedido em sua car- reira. O exercício dessas competências comportamentais, ao longo dos anos, vai produzindo uma rica experiência, que é preciosa aos profissio- nais de educação já em nível sênior e tão ambicionada pelos educadores mais jovens. A teoria a respeito dessas qualidades docentes pode, no má- ximo, inspirar os profissionais a darem mais atenção a esses fatores de desenvolvimento de carreira, mas, por sua natureza, é apenas a prática contínua que proporciona trilhar o caminho do docente. Não há contro- vérsias sobre isso, pois inexistem profissionais de alto quilate que se sus- tentem apenas em competência de domínio técnico de um determinado conhecimento. O segredo de muitos renomados educadores é sua exce- lência comportamental. REFERÊNCIAS ALMEIDA, L. R.; PLACCO, V. M. N. de S. As relações interpessoais na formação de professores. 2. ed. São Paulo: Loyola, 2004. ARENDS, R. I. Learning to teach. New York: McGraw-Hill Higher Education, 2014. CHIAVENATO, I. Gestão de pessoas. 3. ed. Rio de Janeiro: Elsevier Brasil, 2008. DONALDSON JR., G. A. What do teachers bring to leadership? In: Uncovering teacher leadership: essays and voices from the field. Thousand Oaks: Corwin, 2007. FRYMIER, A. B.; HOUSER, M. L. The teacher student relationship as an interpersonal relationship. Communication Education, v. 49, n. 3, p. 207-219, 1999. JESUS, S N. de.; SANTOS, J. C. V. Desenvolvimento profissional e motivação dos professores. Educação, Porto Alegre, v. 27, n. 52, p. 39-58, 2004. Disponível em: http://revistaseletronicas. pucrs.br/ojs/index.php/faced/article/viewFile/373/270>. Acesso em: 21 fev. 2020. LENS, W.; MATOS, L.; VANSTEENKISTE, M. Professores como fontes de motivação dos alunos: o quê e o porquê da aprendizagem do aluno. Educação, Porto Alegre, v. 31, n. 1, p. 17-20, 2008. Disponível em: revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/faced/article/ download/2752/2100+&cd=1&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br. Acesso em: 21 fev. 2020. WILKERSON, J. M. On research relevance, professors’ “real world” experience, and management development: are we closing the gap? Journal of Management Development, v. 18, n. 7, p. 598-613, 1999. WUBBELS, T. et al. Interpersonal relationships in education. Rotterdam: Sense Publishers, 2012. 136 Novos caminhos para profissionais da educação GABARITO 1. Construir relações sociais, aumentar o comprometimento junto a um propósito e fo- mentar ações em comum. 2. Visto ser o maior responsável por tudo o que ocorre em classe, cabe ao professor, naturalmente, tomar a iniciativa de nutrir boas relações com os alunos, desde o mo- mento do primeiro encontro com a turma. É por isso que algumas das ações típicas de um primeiro dia de aula são, antes de iniciar com o conteúdo propriamente dito, destinar um tempo às apresentações mútuas e ao desenvolvimento de um bom clima de trabalho com os estudantes. A boa prática docente é a de procurar dar a todos o mesmo tratamento respeitoso e a atenção necessária. Jamais se pode cair na arma- dilha de isolar o grupo dos mais amigos do professor, dedicando-lhes exclusividade ou preferência na interlocução durante a aula; da mesma forma, é inconcebível que o professor passe ao embate, perseguição ou discriminação, mesmo que de modo sutil, contra os eventuais detratores da turma. 3. A congruência é um conceito que implica estar em concordância com a percepção que a pessoa tem de si mesma e da sua própria atividade no mundo, garantindo que haja entre elas consistência e coerência. De outra forma, a pessoa incongruente demonstra traços de tensão e confusão interna. Por isso, o bom professor não age apenas por apa- rências; os sentimentos que ele vivencia são compartilhados com seus alunos. A despei- to da distância hierárquica ou funcional entre professor e aluno, a comunicação se dá, nesse aspecto, de uma forma direta, sem barreiras, de ser humano para ser humano. 4. A estabilização, algo que ocorre entre quatro e seis anos no exercício da função, tra- duz-se no definitivo compromisso com a profissão que se escolheu. É quando o “es- tou professor” se transmuta no “sou professor”, ou seja, assume-se uma identidade profissional que é claramente comunicada socialmente. Esse é o momento da carreira que é coroado pelos sentimentos de segurança e autoconfiança profissional, afinal, encontra-se e vivencia-se um estilo pessoal de exercer a função de educador, com consequente relativização dos insucessos. O professor entende que não é responsá- vel por literalmente tudo o que ocorre na sala de aula e passa a conviver melhor com as expectativas e frustrações típicas desse trabalho. Noções de gestão para o professor 137 8 Noções de gestão para o professor Independentemente de ocupar ou não uma posição formal de chefia, convém a todo professor dispor de um mínimo de competências gerenciais, a fim de conduzir com maior eficácia e eficiência suas atividades diárias. Sob certa perspectiva, é possível afirmar que todo professor é gestor de seus próprios projetos e processos, mas quando o docente não provém da área de formação de administração, até mesmo os jargões e termos recorrentes em gestão soam confusos. Afinal, qual é a diferença entre projeto e processo? Assim, é importante co- nhecer as noções essenciais de gestão, para que seja possível extrair o máximo de sua atividade profissional – mesmo que ela esteja restrita à sala de aula – e transitar melhor entre os gestores educacionais aos quais os professores respondem. 8.1 Qualidade e produtividade Vídeo Segundo Campos (2002, 2004), cabe ao professor, olhando com as lentes de gestão, reconhecer que a escola é primordialmente uma organização empresarial como qualquer outra, seja ela uma instituição privada ou pública. A partir daí, convida-se à reflexão sobrea mais básica das questões no mundo corporativo: afinal de contas, para que serve uma empresa? Qual é o propósito, qual é a finalidade de um empreendimento? Pensando a respeito, uma con- clusão se torna evidente: independentemente do porte ou do ramo de atuação, todas as empresas, sem exceção, servem a um único objetivo: atender às necessidades de seus clientes. É importante ter em mente que a função das empresas não é gerar dinheiro. O lucro, nesse caso, é o meio, não o fim; ele é o modo pelo 138 Novos caminhos para profissionais da educação qual o propósito maior é permanentemente garantido. É necessário es- clarecer que não se está questionando qual é o objetivo de um empre- sário, ou qual é sua intenção (explícita ou não). Embora as pessoas, em geral, sejam motivadas a trabalhar por dinheiro, o propósito de qual- quer organização empresarial é estar sempre alinhada e corresponder às expectativas de seus clientes, e isso ocorre tanto para empresas pri- vadas e públicas quanto para o terceiro setor 1 . Para Campos (2002, 2004), as empresas existem para satisfazer as necessidades dos consumidores do negócio. Então, faz sentido pergun- tar: quem são esses consumidores? Quais são exatamente essas neces- sidades? Naturalmente, o que primeiro vem à tona quando se fala de consumidores do negócio são os clientes externos, os quais, no final do processo, pagam pelo produto ou serviço. No caso das escolas, eles são os alunos, e também seus pais ou responsáveis. Embora eles não se- jam os únicos consumidores do negócio, convém pensar, em primeira análise, a respeito desses clientes externos. Eles esperam, e não podia ser diferente, receber seus produtos comprados ou serviços contrata- dos. Só isso? Não; esperam também que esses produtos ou serviços tenham qualidade. Esses clientes desejam receber os produtos ou serviços (aulas, no caso de estudantes) da melhor forma, ou seja, com o melhor preço, o melhor desempenho funcional e um atendimento cortês e simpático. Os clientes externos querem a devida atenção que merecem em vários atributos. Isso, por si só, já leva a uma profunda reflexão sobre o que se faz necessário para que um negócio ou uma marca seja visto com simpatia pelo público consumidor. Porém, o desafio, na perspectiva empresarial, é muito maior. Quem são os consumidores do negócio? São os clientes externos? São eles, mas não apenas. Os colaboradores e a equipe interna da empresa também são con- sumidores do negócio; são os chamados clientes internos. É inegável que as pessoas que trabalham na empresa também esperam algo dela, como oportunidade de crescimento profissional, um bom ambiente para se tra- balhar (saudável e seguro), condições salariais dignas e motivadoras, reco- nhecimento pelas pequenas conquistas cotidianas e pelas grandes metas do ano etc. (CAMPOS, 2002, 2004). Existem mais consumidores do negócio? Sem dúvida, sim. Os acio- nistas e os donos do negócio, por exemplo, também possuem necessi- Terceiro setor é o termo utilizado para definir organizações de iniciativa privada, sem fins lucrativos e que prestam serviços de caráter público. 1 Noções de gestão para o professor 139 dades legítimas a serem atendidas. O dono do negócio é um investidor que poderia aplicar seu dinheiro em qualquer outro tipo de serviço financeiro, mas escolheu colocá-lo na empresa – e em uma empresa específica. Não o faz, claro, por filantropia; há, portanto, uma justa ex- pectativa de retorno sobre o investimento. Os acionistas esperam que suas necessidades de rentabilidade sobre a aplicação e a trajetória de crescimento sejam as maiores possíveis. Por fim, deve-se reconhecer que a sociedade como um todo é uma legítima parte interessada, sendo ela certamente uma consumidora do negócio. Afinal, quantas pessoas trabalham em determinada empresa? Em função disso, quantas famílias são mantidas? Quantas crianças pos- suem chances de alimentação, educação, saúde e segurança adequa- das? O que as comunidades onde essas pessoas vivem ganham pela existência daquela organização no mundo? Quanto o poder público arrecada de tributação? Quantos postos de trabalho indiretos surgem? O que o mundo perderia se aquela empresa desaparecesse amanhã? São reflexões suficientes para deixar claro o que se quer dizer com a afirmação de que o objetivo de qualquer organização empresarial é atender às expectativas dos consumidores do negócio. É realmente algo bem amplo e, sem dúvida, altamente desafiador. É diante desse contexto que se introduz o tema qualidade para apreen- são pelo professor. Afinal, o que essa palavra representa de fato no mundo corporativo? Ocorre que se trata de algo subjetivo, sujeito, assim, a várias interpretações. A mais subjetiva de todas é: “não sei ao certo em que con- siste a qualidade, mas eu a reconheço quando a vejo”. Uma pessoa pode até não conseguir se exprimir com precisão por palavras, mas certamente tem toda a capacidade de sentir, detectar e avaliar algo que tem qualidade e algo que não tem. Outra definição, de natureza baseada no produto, é o que este possui de valor que os produtos similares não têm. Essa definição é fundamentada na perfeição: deve-se fazer a coisa certa, na primeira vez e sempre. Há, ainda, uma definição baseada no valor, a qual considera o produto ou serviço que tem a maior relação custo-benefício; afinal, nem sempre o mais caro é o melhor. Já a definição de qualidade baseada na ma- nufatura industrial se baseia na conformidade às especificações técnicas e aos requisitos declarados, além da ausência de defeito funcional. Não dá para ignorar, por fim, a qualidade baseada no cliente, que é a perfeita adequação ao uso ou consumo, ou a conformidade 140 Novos caminhos para profissionais da educação às exigências do consumidor. Em suma, qualidade significa entre- gar aquilo que se comprometeu a fazer. O entendimento conceitual sobre qualidade leva à compreensão de outro termo bastante relacionado a ela: produtividade. A produtividade é sempre expressa por um valor (número), sendo uma fração mate- mática. É o que se consegue de resultado, dividido pelo que teve de ser colocado como recurso. Para exemplificar, suponha que uma ins- tituição de ensino da rede privada disponha hoje de um faturamento de R$ 100 mil por mês. Faturar todo mês um valor desses parece ser algo bastante interessante. Entretanto, quanto custa esses R$ 100 mil? Nesse exemplo, considere que, somando tudo – encargos, salários, tri- butação, estoque, infraestrutura, financiamentos etc. –, gaste-se R$ 88 mil. Gastar todo mês R$ 88 mil já não parece ser tão atrativo assim. No entanto, é uma relação de troca: o que se coloca e o que se retira. Considerando a situação exposta nesse exemplo, qual é a produtivi- dade da instituição de ensino? Embora seja possível mensurar por uma série de aspectos, tome, por ora, apenas a dimensão financeira: 100 divi- dido por 88 resulta no número 1,14. Esta é a produtividade: 1,14. E como a qualidade afeta a produtividade? É possível resumir em dois aspectos: impacto no numerador (resultados) e impacto no denominador (custos). Produtividade é o quociente entre o que a organização produz e o que ela consome. Por meio do trabalho per- manentemente orientado à qualidade, a escola tende a produzir mais, ganhando mais capacidade produtiva. Ao mesmo tempo, no mercado, a marca é vista com simpatia e transmite confiança; mais e mais alu- nos são angariados, aumentando a necessidade de produzir mais – e melhor. A qualidade aumenta o numerador da equação. Se, em uma fração, o numerador aumenta, qual é o resultado geral? O quociente aumenta também. Por outro lado, no denominador custos, o trabalho essencial da qualidade é cortar esses custos. Cabe aqui um alerta importante, uma vez que a expressão cortar custos causa calafrios em muitas pessoas. Não se está, evidentemente, falando de autofagia corporativa, nem de cortar aquilo que é recurso produtivo essencial, desfazendo-se de máquinas e depessoas, ao simples acaso de uma equação matemática. autofagia: comer a si mesmo. Glossário Noções de gestão para o professor 141 A finalidade da qualidade é cortar os custos improdutivos, que existem em qualquer negócio. Em suma, se o denominador diminuir, o que acontece com o resulta- do da equação da produtividade? Mais uma vez, aumenta. A qualidade ataca a produtividade em duas frentes, aumentando consideravelmen- te seu resultado. Ela corta custos desnecessários ao mesmo tempo em que aumenta os resultados comerciais do negócio. Uma vez entendidos esses dois primeiros conceitos (qualidade e produtividade), avança-se para um terceiro, que é mais uma daquelas palavras largamente utilizadas no dia a dia das organizações: competi- tividade. Aos olhos da qualidade, o que significa ser competitivo? Não resta dúvida de que o termo está associado a uma forma de compe- tição, a corrida comercial. Do ponto de vista do cliente (por exemplo, um aluno escolhendo uma instituição de ensino para estudar), trata-se da situação mais cômoda possível, pois ele sempre tem opção (mais de um fornecedor a cogitar). Nessa guerra comercial, quem ganha é o cliente, pois o mercado nivela preços e outros atributos de qualidade, como prazo, forma de entrega, garantias, desempenhos funcionais etc. Compete-se, portanto, pelo cliente. Aqui, leva-se o conceito para o seguinte raciocínio: ser compe- titivo é ter maior produtividade que os concorrentes. O que real- mente garante, no longo prazo, a sobrevivência das empresas e a satisfação de todos os consumidores do negócio é a garantia de sua competitividade. Fica, então, estabelecida a relação entre qua- lidade, produtividade e competitividade. É importante que o professor perceba que, da mesma forma que uma organização empresarial (como a escola) se organiza para tra- balhar com qualidade, produtividade e competitividade, os conceitos apresentados se conformam perfeitamente à condição individual do profissional. É possível, então, traçar estratégias para ser um docente de alta qualidade, produtividade e, também, competitividade – ao con- siderar que existe um mercado de trabalho e uma disputa que envolve mais candidatos que vagas disponíveis (ARENDS, 2014). Qual a relação existente entre qualidade e produtividade? Atividade 1 No livro 100 Indicadores da gestão: key performance indicators, além de ser mostrada a importância da medição de desem- penho para tomada de ações da qualidade, são examinadas diferentes formas de realizar esse monitoramento nos mais diversos processos de uma organização empresarial, servindo, então, de referência para que o professor mapeie seus próprios indicadores prioritários. CALDEIRA, J. São Paulo: Actual, 2012. Livro 142 Novos caminhos para profissionais da educação 8.2 Gestão de projetos Vídeo Existe uma importante diferença entre processo e projeto. Processo é a denominação que se dá ao serviço contínuo, ou seja, uma ativida- de de duração permanente e/ou indeterminada – as rotinas diárias de uma empresa. Por isso, são exemplos de processos o recrutamento e a seleção de pessoal, as contas a pagar, as contas a receber, a produção e as atividades que ocorrem cotidianamente. Nas instituições acadê- micas, o ensino e a pesquisa são típicos processos inerentes a essas organizações (ARENDS, 2014; PMI, 2017). Segundo o Project Management Institute 2 (PMI, 2017), projeto é sempre um esforço temporário que é empreendido para criar um pro- duto, serviço ou resultado exclusivo. Curiosamente, se um determinado processo ainda não existe em uma empresa (por exemplo, a separação de lixo para gestão ambiental), é possível criar um projeto para o desen- volvimento e lançamento desse processo – o novo processo, então, é a entrega oferecida por tal projeto. É importante ressaltar que, dada a natureza temporária associada ao conceito de um projeto, ele sempre tem um início e um término determinados. Não existe um projeto contínuo, que nunca termina. A conclusão se dá quando os objetivos daquele projeto forem atingidos, ou quando o projeto é abortado porque os seus objetivos não têm mais condições de serem realizados. Às vezes, por mudanças internas na organização ou no mercado ao qual ele atende, o projeto deixa de fazer sentido, sendo essa outra razão pela qual ele é cancelado. Um projeto também pode ser encerrado no caso de uma das partes interessadas, como o cliente, o patrocinador ou o financiador, assim o desejar. Mas é importante esclarecer que algo temporário não implica ne- cessariamente uma atividade de curta duração. O termo temporário diz respeito ao engajamento do projeto e à sua longevidade. Alguns projetos podem durar anos ou décadas (cenário típico de alguns am- bientes de negócios mais complexos, como nos casos da indústria farmacêutica e da indústria petrolífera). No campo educacional, os esforços organizados para que uma faculdade ou universidade eleve sua nota no Ministério da Educação e/ou seja bem-sucedida em uma vindoura auditoria de avaliação podem ser entendidos, sem dúvida, O PMI (em português, Instituto de Gerenciamento de Projetos) é uma das maiores associações no mundo para profissionais de gerenciamento de projetos. Essa instituição busca formular padrões internacionais de gestão de projetos e oferece certifica- ções por meio de cursos. 2 vindouro: que está por vir ou por acontecer. Glossário Noções de gestão para o professor 143 como um projeto. Outro exemplo de projeto nesse âmbito é toda a mobilização que envolve a criação de um novo curso. No artigo Trabalho em projetos no pré-escolar, da autora Manuela Guedes, publicado na revista Escola Moderna, em 2011, são analisados três tipos de projetos aderentes à educação básica: os temáticos de estudo e/ou de inves- tigação científica, os técnico-artísticos e os de intervenção social, fornecendo importantes subsídios e critérios a serem observados pelo professor em suas atividades. Acesso em: 21 fev. 2020. http://centrorecursos.movimentoescolamoderna.pt/dt/1_2_2_trab_proj_coop/122_b_04_proj_preescolar_mguedes.pdf Artigo Por outro lado, segundo o PMI (2017), esse caráter temporário da realização do projeto normalmente não é aplicável ao produto, servi- ço ou processo por ele lançado. O fato é que a maioria dos projetos são concebidos visando criar um resultado razoavelmente duradou- ro. Por exemplo, um projeto de construção de um curso escolar cer- tamente objetiva que ele perdure por alguns bons anos no portfólio da instituição de ensino. É interessante observar, ainda, que os pro- jetos costumam oferecer impactos sociais, econômicos e ambientais com duração muito mais longa que o tempo ocupado pela execução daqueles mesmos projetos, o que justifica, em última análise, todo o esforço (incluindo o financeiro) envolvido. Uma nota importante: não existe, estritamente, a possibilidade de fazer de novo um mesmo projeto. Isso se justifica pelo fato de que cada projeto acaba por criar um produto, serviço ou processo de ca- ráter singular. E apesar de alguns elementos poderem se repetir em projetos parecidos, essa repetição não é suficiente para comprome- ter as características fundamentais e exclusivas de um determinado projeto. Por exemplo, a implementação de novos campi de uma uni- versidade em diferentes regiões de um estado ou país pode envolver processos similares e até mesmo ser realizada pelas mesmas equipes de trabalho. Entretanto, cada campus é inegavelmente único, envol- vendo endereço diferente, circunstâncias e situações das mais varia- das, partes interessadas distintas etc. O professor precisa considerar que, em função dessa natureza ex- clusiva dos projetos, é quase inevitável que existam incertezas ou dife- 144 Novos caminhos para profissionais da educação renças quanto aos produtos, serviços ou processos criados por eles. Na prática, as atividades do projeto podem não ser tão familiares para os integrantes de uma equipe relacionada, e isso costumarequisitar um planejamento muito mais delicado e minucioso do que outro trabalho de rotina (como é o caso dos processos, normalmente regidos por pro- cedimentos padrões). No processo, caso exista um erro qualquer de execução, há alguma chance de repará-lo no ciclo seguinte; por exem- plo, se uma fatura foi paga no setor financeiro sem o devido lançamen- to no sistema, a próxima fatura despertará atenção quanto à falha, o que serve até de treinamento e avaliação dos operadores. Contudo, no projeto, não há uma próxima vez, de tal forma que erros podem ser fatais para o objetivo almejado. De acordo com o PMI (2017), pela amplitude de seu conceito, projetos podem ser planejados e executados em qualquer nível da organização. Evidentemente, dada a escala envolvida, um projeto pode se restringir a uma única pessoa ou envolver uma vasta equi- pe de profissionais e, da mesma forma, pode ser conduzido por uma única organização ou mesmo por múltiplas empresas, como no caso dos consórcios empresariais e projetos de inovação aberta em um ecossistema de negócios. Especialmente útil ao visar aos projetos de pesquisa científica – com os quais muitos professores se envolvem, principalmente nos programas de pós-graduação stricto sensu das instituições acadê- micas – é reconhecer que o conceito de projeto oferece diferentes possibilidades de entrega de resultado. Pode ser um produto (item físico) na forma de componente de item alheio, uma melhoria de um item ou o próprio item como um todo. Pode ser a entrega de um serviço ou até mesmo a entrega da capacidade de realizar um determinado serviço, por exemplo, um processo organizacional que dê suporte à produção ou à distribuição da empresa. As melhorias, em geral, de produtos e serviços são alternativas le- gítimas para a estruturação de projetos. Ainda, é possível admitir um resultado na forma de produto ou documento. Um exemplo possível é um projeto de pesquisa científica que desenvolva o conhecimento a empregar para determinar se uma tendência é real ou se um novo processo industrial tem condições de beneficiar a sociedade, na forma de um artigo científico publicado em algum periódico especializado. Noções de gestão para o professor 145 Diante da complexidade organizacional (incluindo situações típicas do ambiente acadêmico), pode ser necessário trabalhar com conceitos complementares ao projeto, como o portfólio e o programa. Há um es- trito relacionamento conceitual entre portfólios, programas e projetos. Segundo o PMI (2017, p. 9), um portfólio é um grupo de projetos, programas, subportfólios e operações gerenciados em conjunto para se alcançar objeti- vos estratégicos. Por sua vez, programas são agrupados em um portfólio, englobando subprogramas, projetos ou outros traba- lhos que são gerenciados de maneira coordenada para dar su- porte ao portfólio. Os projetos individuais que estejam dentro ou fora do programa são, para todos os efeitos, parte integrante de um portfólio. Muito embora projetos e programas do portfólio possam não se encontrar necessaria- mente interdependentes ou relacionados diretamente, eles estão, em úl- tima análise, conectados ao plano estratégico da organização (realização da missão e visão organizacional) por meio do seu portfólio. Aliás, uma reflexão importante reside nessa análise, pois os processos ajudam fun- damentalmente na realização da missão de uma organização, mas são os projetos criadores de algo novo que sustentam a possibilidade de se atingir a visão organizacional, isto é, o estado desejado, que, obviamen- te, é uma perspectiva futura justamente porque determinadas iniciativas precisam ainda ser elaboradas. É diante desse esclarecimento conceitual que se apresenta a função de gestão de projetos. Gerenciá-los significa aplicar os de- vidos conhecimentos, habilidades, ferramentas e técnicas às ati- vidades do projeto, no intuito, essencialmente, de se atender aos seus requisitos (possibilitar a entrega dos resultados esperados nas condições determinadas). Entre os cinco grupos de processos de gestão de projetos estão: iniciação; planejamento; execução; monitoramento e controle; e encerramento. O trabalho de um gerente de projetos envolve, principalmente: identificar os requisitos aplicáveis; abordar e endereçar adequa- damente as diferentes necessidades, preocupações e expectativas das partes interessadas quanto ao planejamento e à execução da- quela empreitada; estabelecer, manter e executar a comunicação de modo ativo, eficaz e colaborativo entre as partes interessadas; Embora cada projeto seja estritamente único, a forma de conduzir diferentes projetos pode ser padronizada, razão pela qual é costume se referir à expressão processos de gestão de projetos. Saiba mais 146 Novos caminhos para profissionais da educação gerenciar as partes interessadas tendo em vista o atendimento aos requisitos do projeto e a garantia de suas entregas; e equilibrar restrições eventualmente conflitantes do projeto. Aliás, é necessário ressaltar que todo projeto é um trabalho complexo, pois sempre imperam restrições. As principais – foco de atuação obrigatória de todo gerente de projeto – dizem respeito a escopo, qualidade, cronograma, orçamento, recursos e riscos. Em projetos mais simples e em ambientes organizacionais mais infor- mais, ao menos três elementos concentram toda a atenção no que diz respeito ao gerenciamento de projetos: escopo (o que é para ser feito e o que não é para ser feito), tempo (cronograma) e custo (or- çamento), considerados muitas vezes como o tripé básico da condu- ção de um projeto qualquer. Os conflitos, na prática, costumam ser inevitáveis, pois se espera a maior qualidade possível de um projeto, mas a restrição de tempo impede seu alcance; a expectativa é de entregar no menor tempo, mas a limitação orçamentária costuma alongar prazos, e assim por diante. Segundo o PMI (2017), a complexidade da gestão de projetos se explica, ainda, devido a um fator altamente impactante e, na prática, bastante recorrente: mudanças que ocorrem durante o planejamento e execução. Por conviverem com essa expectativa sempre iminente, os responsáveis por desenvolver o plano de gerenciamento do proje- to sabem que essa atividade precisa ser iterativa, ou seja, elaborada de uma forma progressiva ao longo do ciclo de vida do projeto, es- tando sempre sujeita a ajustes e correções. A elaboração progressiva precisa considerar a melhoria contínua e o detalhamento do plano de trabalho, tendo em mente que estimativas mais exatas e informações mais detalhadas e específicas acabam por surgir, muitas vezes, quan- do o projeto já foi iniciado (muitas vezes, quase finalizado). Então, a elaboração progressiva permite que a equipe de trabalho defina e ge- rencie suas atividades com um nível suficiente de detalhes (e de se- gurança quanto ao que e como fazer), à medida que o projeto evolui, minimizando desperdícios de tempo e dinheiro. Assim, é importante desmistificar o papel do gerente de proje- tos em uma organização qualquer (como uma escola). Fundamen- talmente, deve-se ficar claro que não é apenas o profissional que ocupa uma posição gerencial na descrição de cargos e/ou organo- Qual prática se adota diante da probabilidade quase certa de mudanças que ocorrem ao longo do planejamento e da execução de um projeto? Atividade 2 Noções de gestão para o professor 147 grama da empresa que pode atuar como um gerente de projetos. Por definição, assim como um projeto tem início e fim, o trabalho de um gerente de projetos também encerra-se com aquele proje- to (embora o profissional possa receber a atribuição de cuidar de outro). Por isso, um professor que não tenha qualquer atribuição administrativa em uma instituição de ensino pode, com toda legiti- midade, exercer o papel de um gerente de projetos. Obviamente, a despeito do cargo que tenha, alguns atributos são importantes en- tre as competências que cada profissional oferece. Afinal, o gerentede projeto é a pessoa alocada pela empresa para servir de líder à equipe responsável por realizar os objetivos de dado projeto. É por isso que o papel do gerente de projetos é claramente diferente do de um gerente administrativo ou de operações. Para ficar claro, o gerente admi- nistrativo se ocupa da supervisão de uma unidade funcional ou de negócios, e os gerentes de operações são responsáveis pela eficiência das operações de negócios. Saiba mais 8.3 Gestão de conflitos Vídeo A competência gerencial de saber administrar conflitos é essencial no âmbito das organizações da atualidade e algo especialmente útil para a realidade de trabalho dos professores em geral. Primeiramente, con- vém entender do que se trata exatamente esse fenômeno sociológico e organizacional comum em qualquer tipo de empresa. Tome conflito como todo posicionamento divergente ou forma alternativa de ver ou interpretar um acontecimento qualquer. Diante disso, é inevitável que qualquer um que conviva em sociedade experimente recorrentemente situações de conflito, das mais tênues às mais intensas. Afinal, desde os conflitos tão típicos da infância, passando pelos dilemas pessoais da fase de adolescência, até a maturidade da vida adulta, as pessoas continuam a se digladiar com as formas intrapessoal e interpessoal de conflito. O conflito intrapessoal é caracterizado pelos dilemas de ir ou não ir, fazer ou não fazer, falar ou não falar, comprar ou não comprar, en- tre outros. Mas o foco de atenção, quando se refere à competência de gestão de conflitos para a atividade docente, são os embates diretos entre indivíduos, como desentendimento no trânsito, brigas familiares, guerras entre nações, além do desentendimento entre e com alunos. Para Chrispino (2007), é preciso reconhecer que o conflito é um componente que integra a vida em geral e a atividade social da humanidade desde tempos imemoriais. À luz da interpretação do 148 Novos caminhos para profissionais da educação conceito, é possível afirmar que a origem do conflito reside na di- ferença de interesses, desejos e aspirações. Percebe-se, portanto, que não prevalece, nesse contexto, um inequívoco juízo de erro e de acerto. O fato é que existem pessoas defendendo posições fren- te a entendimentos divergentes. Segundo o autor, um exemplo bastante contundente da dificul- dade enfrentada pelos profissionais ao tentar lidar com o conflito é precisamente a incapacidade de se identificar as circunstâncias de- rivadas da situação conflituosa, ou que nela redundam. Em franca análise, tanto no ambiente escolar quanto na vida em geral, a nítida percepção do conflito só ocorre quando surgem as indesejáveis e quase inevitáveis manifestações mais violentas. Ao menos duas lições são aprendidas dessa forma. A primeira delas mostra que a manifestação se torna violenta porque, em mo- mento anterior, já prevalecia alguma forma de divergência ou anta- gonismo, que acaba por ser agravada – e as pessoas envolvidas não sabem ou não têm preparação para identificar essa situação. Outro aspecto é que a reação mais natural diante de um conflito que se manifeste é agir visando apaziguar de imediato a manifestação vio- lenta. Contudo, ao proceder dessa forma, ignorando as causas que levaram ao fato, alimenta-se o risco de que problemas mal resolvi- dos se repitam, talvez de modo ainda pior. Então, ao se assumir a perspectiva de definir conflito como o resul- tado do choque de opiniões ou de interesses de duas ou mais pessoas, ou de todo um grupo social, pode-se transportar essa ideia ao ambien- te escolar, onde a divergência de opiniões entre estudantes e profes- sores, entre alunos e entre os próprios professores se torna a causa objetiva de conflitos nas instituições de ensino (CHRISPINO, 2007). Uma análise mais a fundo revela que uma causa essencial dos con- flitos é a dificuldade de comunicação. Falta nas pessoas maior assertivi- dade, o que mina as condições para o estabelecimento de um diálogo. No mundo acadêmico, observa-se que se, por um lado, a mas- sificação da educação (em grande parte, pelo advento das novas tecnologias digitais) democratizou o acesso universal dos alunos às escolas, é preciso reconhecer, em contrapartida, que as institui- ções de ensino ficaram expostas a um contingente de estudantes No vídeo O que é a personalidade histriônica?, publicado pelo canal Minutos Psíquicos, o dis- túrbio da grande necessi- dade de ser o centro das atenções é examinado. Esse é um conhecimento importante para que o professor se capacite para ser um melhor gestor de conflitos. Disponível em: https://www.you- tube.com/watch?v=ucEfefkq470. Acesso em: 21 fev. 2020. Vídeo Noções de gestão para o professor 149 cujo perfil bem mais diversificado não encontrou respaldo para uma mais adequada e completa absorção. Segundo Chrispino (2007), deve-se reconhecer que, antigamente, um perfil mais padronizado de estudante buscava a escola, com correspon- dente padronização em suas expectativas e em suas trajetórias de vida, o que conformava sonhos e limites mais aproximados. Em suma, os grupos de alunos costumavam compartilhar perfis pessoais bastante similares. Com o fenômeno contemporâneo da educação em massa, a implicação foi trazer, para dividir o mesmo espaço, alunos com as mais diferentes vivências, expectativas, sonhos, valores, hábitos e, até mesmo, culturas (considerando, inclusive, a internacionalização do ensino). Porém, nesse meio tempo, a escola permaneceu, essencialmente, a mesma. Não é difícil concluir que esse conjunto de diferenças é uma causa básica de conflitos. Pode não ser a única, mas, quando tais diferenças não são reconhecidas e devidamente trabalhadas, podem resultar em manifestações realmente violentas. Portanto, identifica-se, nesses ter- mos, uma das causas primordiais do fenômeno da violência escolar. Nos infelizes episódios de grandes massacres em escolas nos EUA (com um inequívoco reflexo em casos semelhantes nos estados do Rio de Janeiro e de São Paulo, há alguns anos), tal fato parece ficar frequente- mente obliterado por discussões que talvez não sejam tão consisten- tes, como discutir o desarmamento da população civil. Felizmente, a grande maioria das divergências nos relacionamen- tos entre as pessoas não evolui para as vias de fato. Pode-se esperar, com toda naturalidade, que, devido à diferença de mentalidade en- tre os indivíduos, sempre existam situações de conflito no ambiente escolar para serem tratadas. Um conflito tem origem na diferença de conceito ou pelo valor diferente que se atribuiu ao mesmo ato, como a qualidade da entrega de um determinado trabalho escolar. Pro- fessores e alunos podem dar valores diferentes à mesma ação (uma prova, por exemplo), reagindo de maneira distinta em função das expectativas criadas. Eis aí um conflito dos mais frequentes. Como a instituição de ensino convive historicamente com um tipo padrão de estudante, ela tende a apresentar a mesma regra, normalmente inegociável, com os demais alunos, na forma de um enquadramento automático, que nem sempre é o mais adequado. 150 Novos caminhos para profissionais da educação Não restam dúvidas de que quanto mais diversificado for o per- fil dos estudantes e dos docentes, maior a probabilidade de con- flito manifestado ou de uma diferença de opinião que tome corpo até uma futura manifestação mais contundente. Isso ocorre em ambiente institucional normalmente orientado à inibição do con- flito, por ele ser entendido como algo fundamentalmente ruim e anômalo ao controle social. Ao professor que desperta para a necessidade de se tornar também um gestor de conflitos, é importante saber que há algum tempo come- çou a ruir o mito criado em termos de que conflito é sempre algo ruim. Ou seja, nas abordagens mais atualizadas de gestão, o conflito pas- sou a ser entendido como uma manifestação eminentemente natural. Dessa forma, ele é tido como absolutamente necessário no sentido do pleno estabelecimentode relações entre as pessoas, os grupos sociais, os organismos políticos e as próprias nações. O bom gestor de conflitos não é aquele que abafa essas ocorrên- cias ao menor sinal de sua existência no ambiente de trabalho. Afinal, o conflito é inevitável, sendo equivocado tentar suprimir seus motivos. O conflito, ressalte-se, dispõe de inúmeras vantagens, que dificilmente poderiam ser percebidas por aquelas pessoas que enxerguem nele algo a ser evitado a qualquer custo. A lista dessas vantagens é extensa. Primeiramente, o conflito ajuda na regulação das relações so- ciais, pois, por mais irônico que pareça, ele pode nutrir a empatia, ao ensinar a enxergar o mundo pela perspectiva da outra pessoa. Ele permite o mapeamento e reconhecimento das divergências, não sob a forma de ameaça, mas como fruto do processo de interação social. O conflito é especialmente útil no que tange à definição das identi- dades das partes envolvidas na defesa de suas respectivas posições. Não se pode desprezar a utilidade em permitir perceber que outros indivíduos possuem percepções diferentes. Algo bastante nobre que pode ser percebido no conflito é a racionalização de estratégias de competência e de cooperação nas equipes de trabalho. Enfim, ele proporciona o aprendizado de que a controvérsia é uma legítima oportunidade de crescer e de amadurecer socialmente. Outro mito que foi construído em relação ao conflito, igualmente superado de modo gradativo, é a ideia de que ele é contrário à ordem. Quais vantagens são obtidas com o fomento controlado de conflitos em ambiente de trabalho, como nas instituições de ensino? Atividade 3 Noções de gestão para o professor 151 O que ocorre é que o conflito surge como manifestação da ordem em que ele próprio se originou, derivando daí suas consequências associa- das. Em uma visão política, é possível assumir o conflito como uma das mais puras manifestações de natureza democrática; por assim dizer, o conflito garante e sustenta a democracia. A conclusão não pode ser outra: a ordem e o conflito são resultado natural e previsível da interação entre os seres humanos. A ordem, va- lor tão bem quisto em toda a sociedade humana, é, em última análise, nada além de uma normatização do conflito. O conflito de ordem po- lítica pode servir de exemplo, pois, ainda que pareça uma ruptura da ordem anterior, existe continuidade e regularidade em determinados aspectos, considerados indispensáveis pela sociedade, pela exigência de ordem. Dessa pretensa e idealizada ordem, emergem os embates. Somente o estudo e a compreensão das relações que existem den- tro da ordem podem permitir o entendimento completo dos conflitos que nela se originam e que, por fim, são a razão de sua existência. Por exemplo, quanto aos sócios que brigam, é necessário ver as condições em que se fez a sociedade e as expectativas de seus fundadores. O conflito está permeado nos relacionamentos interpessoais, nas mais diversas situações, de tal modo que nem sempre parece tão evi- dente. Exemplos são as competições esportivas, em que a violência não é admitida, com determinação de um modelo de comportamento coo- perativo, mas que convive com interesses explicitamente conflitantes. Contudo, em muitas situações, o conflito é deflagrado e não há con- dições de se identificar exatamente o que o provocou. Daí o ditado que afirma que, em uma guerra, a primeira vítima fatal é sempre a verdade. O interesse é a motivação mais objetiva ou mais subjetiva de uma de- terminada conduta. Essa conduta se estrutura e se afasta da posição tomada, a forma exterior do conflito, resultando, assim, em omissão ou ocultamento do real interesse envolvido. Nos treinamentos de técnicas de negociação, os interlocutores têm interesses absolutamente confli- tantes: o vendedor deseja vender o mais caro que puder, enquanto o comprador faz questão de pagar o valor mais baixo possível. Todavia, tais interesses são claros e definidos para tais personagens. Isso é bem diferente do que ocorre no conflito causado por crianças disputando um pirulito – que o disputam mesmo tendo ao seu alcance doces até 152 Novos caminhos para profissionais da educação melhores. Objetivamente, a posição de possuir o pirulito tenta escon- der um interesse implícito: a sensação de vitória sobre o adversário, que é o prêmio usufruído por quem o ganhar. Quanto às causas, os conflitos podem ser classificados em es- trutural, de valor, de relacionamento, de interesse e quanto aos dados envolvidos, conforme a Figura 1. Figura 1 Classificação de conflitos De estrutura Padrões destrutivos de comportamento ou interação; controle, posse ou distribuição desigual de recursos; poder e autoridades desiguais; fatores geográficos, físicos ou ambientais que impeçam a cooperação; pressões de tempo. Quanto aos dados Falta de informação; informação errada; pontos de vista diferentes sobre o que é importante; interpretações diferentes dos dados; procedimentos de avaliação diferentes. De valor Critérios diferentes para avaliar ideias ou comportamentos; objetivos exclusivos intrinsecamente valiosos; modos de vida, ideologia ou religião diferentes. De interesse Competição percebida ou real sobre interesses fundamentais (conteúdo); interesses quanto a procedimentos; interesses psicológicos. De relacionamento Emoções fortes; percepções equivocadas ou estereótipos; comunicação inadequada ou deficiente; comportamento negativo/repetitivo. Conflito Fonte: Adaptado de Chrispino, 2007, p. 18. Noções de gestão para o professor 153 Uma tipologia ainda mais abrangente é apresentada na Figura 2. Figura 2 Tipologia de conflitos Conflito De interesses Interesses ou desejos são contrários aos do outro. De valores Os valores ou as crenças fundamentais estão em jogo. De autoestima O orgulho pessoal se sente ferido. De poder Alguém quer mandar, dirigir ou controlar o outro. De recursos escassos Algo que não existe em quantidade suficiente para todos. De norma Valores ou crenças fundamentais estão em jogo. De estrutura Problema cuja solução requer longo prazo, esforços importantes de muitos e meios, além de possibilidades pessoais. De identidade O problema afeta a maneira íntima de ser quem se é. De expectativas Não se cumpriu ou se fraudou o que um esperava do outro. De inadaptação Modificar as coisas produz uma tensão indesejável. De informação Algo que se disse ou não se disse ou que se entendeu de maneira errada. De inibição Claramente a solução do problema depende do outro. De relações pessoais Habitualmente os indivíduos não se entendem como pessoas. De legitimação O outro não está de alguma maneira autorizado a atuar como o faz, tem feito ou pretende fazer. De atribuição O outro não assume sua culpa ou responsabilidade em determinada situação. Fonte: Adaptado de Chrispino, 2007, p. 19. Parece plausível que as características peculiares da instituição es- colar ou do sistema educacional considerado favoreçam essa proposta de categorização, devido ao universo conhecido e formado por partici- pantes permanentes (alunos, professores, técnicos e comunidade) que dispõem de rotinas já definidas. O que irá variar é o modo de lidar com o conflito em âmbito escolar, uma vez que uma determinada escola perceba o conflito como instrumento de crescimento ou como uma ocorrência inadmissível que deva ser abafada. 154 Novos caminhos para profissionais da educação CONSIDERAÇÕES FINAIS Um professor com aptidões gerenciais, independentemente de ocu- par ou não alguma função administrativa na escola, é um profissional melhor preparado até mesmo para as atividades restritas à sala de aula. Afinal, o ensino e a pesquisa, por si só, demandam uma coordenação de atividades com os alunos que pode ser muito melhor desempenhada por meio das abordagens de natureza gerencial. Além disso, é evidente que uma eventual ambição por um cargo formal de gestão é favorecida pelas experiências bem-sucedidasno gerenciamento das atividades pelas quais se é responsável na instituição de ensino onde trabalha, sobretudo nas perspectivas de qualidade, produtividade, gestão de projetos e gestão de conflitos – competências que se mostram absolutamente indispensáveis. REFERÊNCIAS ARENDS, R. Learning to teach. 10. ed. New York: McGraw-Hill Higher Education, 2014. CAMPOS, V. Gerenciamento da rotina do trabalho do dia a dia. São Paulo: INDG, 2002. CAMPOS, V. Gerenciamento pelas diretrizes. São Paulo: INDG, 2004. CHRISPINO, A. Gestão do conflito escolar: da classificação dos conflitos aos modelos de mediação. Ensaio: avaliação e políticas públicas em educação, v. 15, n. 54, p. 11-28, jan./mar. 2007. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ensaio/v15n54/a02v1554.pdf. Acesso em: 21 fev. 2020. PMI. PMBOK: a guide to the project management body of knowledge. 6. ed. Philadelphia: Project Management Institute, 2017. GABARITO 1. A qualidade tem uma atuação dupla na equação da produtividade: por um lado, au- menta as entregas; por outro, reduz custos – assim, o efeito de aumento da produti- vidade é potencializado. 2. Por conviverem com essa expectativa sempre iminente, os responsáveis por desen- volver o plano de gerenciamento do projeto sabem que essa atividade precisa ser iterativa, ou seja, elaborada de uma forma progressiva ao longo do ciclo de vida do projeto, estando sempre sujeita a ajustes e correções. A elaboração progressiva pre- cisa considerar a melhoria contínua e o detalhamento do plano de trabalho, tendo em mente que informações mais detalhadas e específicas e estimativas mais exatas acabam por surgir, muitas vezes, quando o projeto já foi iniciado (muitas vezes, quase finalizado). Então, a elaboração progressiva permite que a equipe de trabalho defina e gerencie suas atividades com um nível suficiente de detalhes (e de segurança quanto ao que e como fazer), à medida que o projeto evolui. Noções de gestão para o professor 155 3. Primeiramente, o conflito ajuda na regulação das relações sociais, pois, por mais irônico que pareça, ele pode nutrir a empatia ao ensinar a enxergar o mundo pela perspectiva da outra pessoa. Ele permite o mapeamento e reconhecimento das diver- gências, não sob a forma de ameaça, mas como fruto de processo de interação social. O conflito é especialmente útil no que tange à definição das identidades das partes envolvidas na defesa de suas respectivas posições. Não se pode desprezar a utilidade em permitir reconhecer que outros indivíduos possuam percepções diferentes. Algo bastante nobre que pode ser percebido no conflito é a racionalização de estratégias de competência e de cooperação nas equipes de trabalho. Enfim, ele proporciona o aprendizado de que a controvérsia é uma legítima oportunidade de crescer e de ama- durecer socialmente. 156 Novos caminhos para profissionais da educação 9 Tópicos especiais para o professor Um mundo que caminha para a plena digitalização da so- ciedade, nesses tempos de hiperconexão de tudo e entre to- dos, não é, por isso, um mundo sem desafios. De fato, há quem pense que hoje se vivem os tempos mais complexos de toda a história da humanidade, considerando-se esse choque entre alta tecnologia e baixa cultura. A complexidade proveniente da combinação de toda ambigui- dade, incerteza e volatilidade presentes na vida das pessoas traz, contudo, novas oportunidades de atuação para o professor do século XXI. Sua carreira pode ganhar direções talvez nunca antes cogitadas, sendo algumas possibilidades exploradas nas seções deste capítulo, que examinam a internacionalização da carreira docente, a função que se pode exercer junto a um ecossistema de inovação e, também, a agência política do educador. 9.1 A carreira internacional do professor Vídeo A classe dos professores é somente mais uma a perceber as conse- quências da globalização que vem tomando o mercado de trabalho. Se, por um lado, as oportunidades de posição de alto nível parecem proli- ferar em quantidade e qualidade, o fato é que, por outro, os empregos se tornaram muito mais exigentes e instáveis. Como consequência do aumento da competitividade, o cenário geral é de que profissionais de todas as áreas são continuamente obrigados a adquirir conhecimentos e competências diferenciados para que possam ter oportunidade de acessar ou manter os melhores empregos. Tal fenômeno é bastante característico da atualidade, marcada pela transição não tão suave entre a terceira e a quarta revoluções Tópicos especiais para o professor 157 industriais. No topo desse movimento de instabilidade do mercado, estão as chamadas carreiras transnacionais, que correspondem às pessoas que procuram estar preparadas tanto para um trabalho lo- cal quanto para um que exija mobilidade total, em nível internacional ( POHLMANN; VALARINI, 2013; SCHWAB, 2016). O professor também está sujeito às possibilidades e exigências de um cenário transnacional. Para os educadores, a probabilidade de se conse- guir internacionalizar a carreira se torna mais forte em nível stricto sensu (mestrado e doutorado). Mesmo em nível de educação básica, algumas oportunidades se viabilizam – no ensino de línguas estrangeiras ou no trabalho com escolas internacionais e/ou ensino bilíngue, por exemplo. Um fato interessante é que esse movimento é visto com bons olhos pelas instituições de ensino, afinal, à medida que os professores conse- guem alçar atividades de cunho internacional, além da evidente melhoria que essa experiência causa na competitividade desses profissionais, seus contratantes passam a usufruir de melhor reputação no mercado educa- cional. Essas instituições passam a ostentar que possuem em seu quadro professores de quilate global, o que não é um marketing efêmero, mas um diferencial no que diz respeito à qualidade dos cursos e das atividades oferecidos (POHLMANN; VALARINI, 2013; ARENDS, 2014). Cumpre observar que viajar para o exterior, seja por estudos ou demais vivências acadêmicas, não é a única forma de proporcionar competências internacionais a um educador, pois pode-se afirmar que existem níveis de intensidade de internacionalização. Por exemplo, quando o professor participa, via internet, de um curso ministrado por um profissional ou instituição estrangeira, ele já alcançou um pequeno grau de internacionalização, mesmo sem nunca ter saído do país. Ou- tro aspecto que não pode ser ignorado é o fato de ser corriqueiro que os cursos de pós-graduação das instituições de alto nível do Brasil apre- sentem uma proposta de estudo baseada em negócios internacionais e temas globais. Portanto, o professor que pesquisa e leciona nesses campos também se ocupa de atividades de âmbito internacional, inde- pendentemente do deslocamento físico para fora do país. Na perspectiva global, a conexão permanente entre os países é sustentada pelo comércio internacional de produtos e serviços. Esse intercâmbio contínuo envolve, naturalmente, preparo para o tratamento de novas necessidades, não apenas de demandas do No vídeo Indústria 4.0: preparados para revolução?, publicado pelo canal Deloitte Brasil, são apresentadas cada uma das revoluções industriais, com ênfase à que corresponde ao momento atual (quarta revolução), que não está limitada à tecnologia da informação e tampouco à linha de produção de manufatura. Disponível em: https://www.you- tube.com/watch?v=DL-DS9A8nvE. Acesso em: 21 fev. 2020. Vídeo 158 Novos caminhos para profissionais da educação mercado, mas também de aspectos culturais que podem ser deter- minantes para viabilizar ou não um negócio. A globalização exige das empresas novos posicionamentos, embora o fenômeno não se restrinja unicamente a essa questão. Devido ao avanço e ao uso frequente das tecnologias digitais, or- ganizações de grande porte perderam a exclusividade de serem po- tencialmente globais da qual usufruíam, visto que os tempos atuais oferecem as born globals 1 , companhias ou startups 2 de basetecnoló- gica que já iniciam suas operações em diversos países. Muitas dessas empresas digitais, inclusive, têm seu modelo de negócio pautado em oferecer soluções para a indústria da educação (desenvolvedores de apps educacionais, por exemplo). Não é raro que professores e outros profissionais da área da educação trabalhem nessas organizações, sen- do, às vezes, seus próprios fundadores. Isso, entre outros exemplos, revela como as carreiras profissionais são diretamente afetadas pela atual dinâmica tecnológica e econômica. As trocas de valor se dão em um mercado sem fronteiras, resultando em mais oportunidades de crescimento profissional. A engrenagem é movimentada pelo desenvolvimento de novos conhecimentos, novas competências e experiências diversificadas vivenciadas nas organiza- ções internacionalizadas, o que agrega valor às profissões do pessoal envolvido e mantém, em última análise, o mercado ativo. Assim, o conceito de uma carreira sem fronteiras é uma consequên- cia da vida na era globalizada. Trata-se de percorrer uma trilha profis- sional do mais alto nível, o que exige, em contrapartida, desenvolver habilidades diferenciadas. Nesse novo horizonte de carreira, o profis- sional não mais fica limitado ao atendimento de uma única organização, já que as jornadas exclusivas, com dedicação integral a determinada empresa, passam a ser substituídas por trabalhos diversificados, conci- liando múltiplas ocupações profissionais simultaneamente. Não é incomum que um professor se converta também em con- sultor empresarial, palestrante, autor de livros, instrutor corporativo, divulgador científico ou empreendedor do próprio negócio. As com- panhias tornam-se simpáticas a essa ideia, principalmente devido à possibilidade de transferência de tecnologia e compartilhamento de profissionais entre empresas. Mas, ao mesmo tempo, muitas organiza- As born globals são empresas de pequeno ou médio porte que buscam ser internacionais desde a sua fundação, alcançando destaque em nichos globais. 1 As startups são novas empresas, normalmente de base tecnológi- ca, que têm potencial de escalar (até mesmo exponencialmente) a lucratividade caso seja assegu- rado o devido financiamento das operações. 2 Tópicos especiais para o professor 159 ções ainda ficam receosas em relação a questões sensíveis, como a do segredo industrial do negócio. Dado o impacto das multinacionais no mercado de trabalho (des- de as tradicionais grandes corporações até as enxutas startups de su- cesso), a carreira profissional de nível superior deixou de ficar restrita às possibilidades de atuação no país natal de uma pessoa. Por outro lado, o profissional precisa ficar ciente de que sua relação de trabalho não é mais majoritariamente regida pelas normas e valores nacionais, havendo a necessidade de ser receptivo a novas condições até então alheias à realidade que ele conhece (GUNZ; EVANS; JALLAND, 2000; POHLMANN; VALARINI, 2013). Antigamente, muitos profissionais aceitavam mudar de cidade ou de região do país diante de uma melhor e irrecusável oferta de traba- lho. Hoje, isso se expande para além das fronteiras nacionais, desenca- deando, assim, o fortalecimento das carreiras transnacionais. Uma das possibilidades atuais é de que um indivíduo empregado em uma única organização que seja uma multinacional com operações em diversos países (ou fornecedor de uma multinacional dessas) tenha sua rotina de trabalho totalmente internacionalizada. Pode ser solicitado que ele percorra o mundo para cumprir suas atribuições, como treinar pessoal e auditar instalações das várias unidades da empresa. No caso especí- fico de um professor, vislumbra-se, por exemplo, seu aproveitamento na estrutura das universidades corporativas mantidas internamente nessas grandes empresas para capacitação do quadro funcional. A grande novidade é a introdução do novo paradigma de trabalho aberto: o contrato do trabalhador pode não ser destinado a servir uma única empresa, mas a um consórcio de organizações, com prestação de serviço especializado que atenda a essa coletividade em paralelo. Muitas vezes, em indústrias de alta tecnologia, tais consórcios envol- vem empresas provenientes de diferentes países. Com isso, crescem as chances de o profissional contratado nessa modalidade laboral al- ternativa ter trânsito internacional para o exercício de suas funções. Evidentemente, uma restrição que deve ser considerada é a legisla- ção trabalhista dos países envolvidos, e o Brasil ainda é um dos países resistentes a essas configurações inovadoras de trabalho. No país, o que mais frequentemente se observa, no caso dos professores, é o ex- 160 Novos caminhos para profissionais da educação pediente da multijornada: não raramente, um educador atende a mais de uma instituição de ensino, em horários parciais, com contratos de prestação de serviço terceirizado. Cientes dessa realidade, dificilmente as instituições de ensino vetam o trabalho do professor em um grupo educacional concorrente. Ainda que isso não seja uma garantia pétrea de longevidade da car- reira profissional em uma empresa, dispor de um histórico de traba- lhos desenvolvidos no exterior costuma ser algo muito bem recebido nos processos de recrutamento e seleção. Além disso, nos dias de hoje, as carreiras conduzidas junto a um único contratante são absoluta- mente raras 3 . Na prática, é comum observar que o currículo de altos executivos de grandes empresas, entre elas instituições de ensino, é enrique- cido por vivências internacionais. Hoje, dificilmente se encontram vice-presidentes e diretores executivos de grandes companhias que não tenham pelo menos um curso de curta duração no exterior. A con- clusão é que a experiência internacional, por mais breve que seja, é reconhecida com distinção no momento de preencher vagas estratégi- cas, seja por contratação ou até mesmo para promoção interna. Em suma, a globalização acena para uma maior diversidade de op- ções na carreira profissional. Isso, evidentemente, tem seu custo: os profissionais precisam transparecer ao mercado de trabalho, perma- nentemente, a mais alta qualificação. São pessoas que pagam um preço alto por seu nível de competitividade profissional e que, naturalmente, não se darão por satisfeitas com trabalhos e remunerações medianos. Observa-se que a mobilidade de pessoal com alta qualificação sofreu um salto drástico nos anos mais recentes, e as próximas décadas devem ser de intensidade similar nesse aspecto. Resulta daí que a transposição das fronteiras nacionais no mercado de trabalho dá origem ao que pode ser denominado elite transnacional, isto é, indivíduos de alta cultura, com forte empregabilidade e elevada capacidade de se adaptar a mudanças – perfis bastante requisitados por organizações internacionais. O profissional mais estrategista sabe que não pode depender uni- camente de investimentos de seu empregador para aprimoramento na carreira. Muitos planejam, como iniciativa de desenvolvimento de car- reira, encontrar oportunidades internacionais e investir nelas por conta própria. Por mais modesta que seja uma oportunidade dessa natureza, pétreo: resistente; duro como uma pedra. Glossário De todo modo, observa-se que os indivíduos que alcançaram as mais altas posições ainda são aqueles que vivenciaram mais tempo de empresa do que os que ostentam uma série de experiências internacionais no currículo. 3 Nível executivo à parte, reco- nhece-se que um professor de língua estrangeira se destaca no processo de contratação em uma instituição de ensino, em função de vivências no país do idioma ensinado. Atenção Tópicos especiais para o professor 161 o autofinanciamento de viagens e de estadias internacionais costuma ser, sem dúvida, algo caro e inacessível para a maior parte das pessoas, especialmente professores brasileiros (POHLMANN; VALARINI, 2013). Contudo, dependendo das circunstâncias, a estratégia de tornar-se transnacional pode exigirmuito mais que uma simples experiência de treinamento no exterior, pois, às vezes, é indispensável que se viva como um nativo em outro país. Isso proporciona aprender muito mais do que conhecimento técnico especializado; trata-se de uma prova pro- fundamente transformadora. Qualquer pessoa que tenha vivido algum tempo no exterior relata que volta com outra visão de si e do mundo. Então, principalmente no caso de profissionais que estejam interessa- dos em aprimorar a competência em liderança e relacionamento in- terpessoal, esse tipo de empreitada sempre é um investimento que dá retorno, mesmo que não financeiro ou imediato. O termo guerra de cérebros é normalmente utilizado para designar o cenário resultante da concorrência mundial inflamada, sobretudo pe- las novas tecnologias, causada pela globalização. Organizações de todo o mundo disputam talentos humanos que se encontram virtualmente em qualquer lugar – isso tanto nas modalidades de trabalho presencial como não presencial. Mais recentemente, porém, outro fenômeno sur- giu à sombra da guerra de cérebros: a circulação de cérebros. O termo é usado para explicar que muitas regiões do mundo, que se notabilizaram por “drenar” os melhores recursos humanos do planeta, observaram que nem sempre a migração é definitiva. O que ocorre é que alguns migran- tes com perfil mais empreendedor partem para o estrangeiro visando investir em capacitação e, depois, retornam aos seus países de origem para fundar novos negócios e semear novos ecossistemas de inovação, geralmente na linha do empreendedorismo de alto impacto. Nesse contexto, não apenas os indivíduos disputam posições no mercado, mas também as empresas se preocupam em reter seus melhores talentos. Portanto, a política de retenção de talentos das empresas ganha mais importância (SAXENIAN, 2007; ORTEGA, 2013; POHLMANN; VALARINI, 2013). Analisando o universo acadêmico, a carreira docente é conhecida por sua indelével característica de treinamentos contínuos e progres- sivo desenvolvimento profissional e pessoal. Mas chama a atenção o fato de que educadores são formados não somente por suas trajetórias Explique o fenômeno da circulação de cérebros. Atividade 1 indelével: durável; permanente. Glossário 162 Novos caminhos para profissionais da educação acadêmicas, mas também pelo conjunto de crenças, idiossincrasias e história de vida que se acumulam, e tais experiências como que impri- mem sua marca no trabalho realizado. Essa integração de competên- cias pessoais e profissionais se estende pelas quatro frentes de atuação docente – ensino, pesquisa, gestão e extensão. As experiências internacionais podem levar os profissionais da edu- cação ao caminho da excelência docente. Mesmo um perfil aparente- mente mais costumeiro de educador, como um professor iniciante de educação básica atuante em uma escola mais simples, já está, em algum grau, usufruindo da experiência internacional ao realizar uma capacita- ção via plataforma Mooc, Coursera ou congêneres (WILKERSON, 1999; GONÇALVES, 2009; ARENDS, 2014). É preciso reconhecer que o próprio processo de internacionalização das escolas depende substancialmente da vivência estrangeira de seus educadores. A análise histórica permite constatar que esse movimento é um tanto quanto recente, uma vez que foi apenas a partir dos anos 1990 que o currículo internacional dos professores passou a ser aspec- to fundamental para a estratégia das instituições de ensino, pautada em um relacionamento institucional mais aprofundado e em projetos de mútua colaboração entre instituições de vários países. Em suma, segundo Bartell (2003), a internacionalização da educação resulta da globalização, da regionalização das sociedades e do comércio internacional. Em uma análise mais ampla, o grau de internacionaliza- ção pode ser mensurado, por exemplo, pela presença de estrangeiros (alunos e professores), celebração de acordos entre universidades, pro- jetos cooperativos de pesquisa internacional, associações internacio- nais entre instituições de ensino e grupos empresariais, universidades privadas que declaram abertamente o propósito institucional interna- cional, colaboração entre conselhos e universidades e o grau de imersão em currículo internacional. Na prática, internacionalizar as instituições de ensino (principalmen- te as universidades) não é simples artimanha publicitária para atrair alunos de alto padrão, mas uma necessidade estratégica – até mesmo para que as nações progridam. Há uma interdependência entre educa- dores e instituições de ensino que se lançam à progressão internacio- idiossincrasia: peculiaridade; aquilo que é próprio de uma pessoa. Glossário Tópicos especiais para o professor 163 nal, sustentada em alguns níveis: o primeiro deles é a transformação dos currículos, para melhor compatibilizá-los à realidade internacional; na sequência, segue-se com a formação no exterior; o terceiro nível envolve a prática da docência além das fronteiras nacionais, como le- cionar e ministrar cursos e palestras no exterior; finalmente, o mais alto nível é efetivamente a produção científica internacional, atestada pelas publicações de artigos em periódicos científicos de alto impacto (MOROSINI, 2006; GRIPP; TESTI, 2012). 9.2 O papel do professor nos ecossistemas de inovação Vídeo A inovação é o motor da economia mundial. De fato, o capitalismo só pode ser entendido como um processo evolutivo de inovação con- tínua e de destruição criativa. Essa última expressão tornou-se famosa nos estudos sobre inovação econômica e ciclo econômico, servindo para descrever o processo de mutação industrial constante, uma força que revoluciona incessantemente a estrutura econômica por dentro, des- truindo continuamente a forma antiga e criando uma nova. Como re- sultado, economias renovadas são mantidas com novo sangue injetado na forma de tecnologias modernas e novos negócios. A prosperidade é algo que se cria, não que se herda (SCHUMPETER, 1942; PORTER, 1990). Esse poder de criar e ao mesmo tempo destruir é característico da inovação. Afinal, tão inovadora quanto uma organização que oferece uma nova proposta de valor é deixar de oferecer aquilo que a concorrência insiste em manter no portfólio. Por exemplo, há tempos não poderia sequer ser cogitado que uma escola funcio- nasse sem salas de aula físicas – aí aparece a modalidade de edu- cação a distância (EaD) para quebrar as regras artificialmente assumidas pelos mercados tradicionais. Normalmente, tomar esse tipo de decisão ousada de parar de oferecer o que todos os competidores do setor ofer- tam se traduz em um importante corte de custos, o que proporciona condições financeiras para investir em novas proposições de valor. A educação a distância rompe com o tradicional e traz a inovação. AA AA AAA AA AAAA AA AA AAAA AAAAA A 164 Novos caminhos para profissionais da educação Por isso, organizações inovadoras não são aquelas que acumulam no- vos lançamentos, aumentando o portfólio indefinidamente, mas, sim, as que têm a capacidade de sempre substituir produtos e serviços por opções mais interessantes ao cliente (KIM; MAUBORGNE, 2015). É importante observar que o próprio processo de produzir as ino- vações foi inovado. Tradicionalmente, as empresas sempre depende- ram dos seus próprios esforços de pesquisa e desenvolvimento para poderem ofertar algo novo no mercado. Contudo, em um movimento que remonta há poucas décadas, o paradigma que vem imperando é o da inovação aberta: por meio de parcerias e atuação em rede, as empresas buscam oportunidades mais viáveis para inovar, ao mesmo tempo em que oferecem apoio para que seus parceiros também ino- vem. Trabalha-se, no cenário atual, em uma rede de relacionamentos denominada ecossistema de inovação. O ecossistema 4 de inovação é um tipo específico de ecossistema de negócios. De maneira geral, o conceito de ecossistema de negócios é simples: é uma grande estrutura de relacionamentos,envolvendo uma determinada empresa e todos os seus clientes e fornecedores, bem como demais parceiros (distribuidores, por exemplo), em que fundamentalmente se estabelece um círculo virtuoso de geração e agregação de valor. À luz dos aspectos de interdependência e cooperação que lhe são determinantes, a expressão ecossistema de negócios vem sendo desdo- brada, com toda legitimidade, em outras situações e contextos, entre os quais se destaca a função de ecossistema de inovação. Nesse caso, a rede envolvida tende a um cenário bem mais amplo e com relações mais complexas, incluindo, entre outros, atores como concorrentes, institutos tecnológicos, startups, investidores, mentores, acelerado- ras, incubadoras – e, de modo indispensável, instituições acadêmicas (MOORE, 1997; ENKEL; GASSMAN; CHESBROUGH, 2009). Se, por um lado, é na empresa que a tecnologia aplicada é inte- grada para se tornar uma inovação, por outro, é na academia que a ciência e a tecnologia de base são produzidas. A academia é, por assim dizer, um importante fornecedor da indústria, pois fornece conhecimento essencial para que a empresa administre os negócios atuais e crie novas frentes de negócio. É por essa perspectiva de par- ticipação das instituições de ensino e pesquisa no ecossistema de A expressão ecossistema é retirada do jargão da Biologia e usada aqui como metáfora, pois o ambiente de negócios pode ser comparado ao mundo natural, em que organismos (empreendimentos), a despeito, muitas vezes, de suas diferenças e conflitos de interesse, precisam coexistir e mesmo coe- voluir, seja para sua sobrevivência ou para seu desenvolvimento a longo termo. 4 Tópicos especiais para o professor 165 inovação, envolvidas com as empresas (os principais realizadores de inovação) e demais participantes do ecossistema, que se analisa o papel do professor nesse cenário. Sua atuação pode se dar nas mais variadas formas, desde as mais ligadas à estrita atividade de ensino até as iniciativas empreendedoras do próprio docente (ENKEL; GAS- SMAN; CHESBROUGH, 2009; WANG; LIU, 2016). Considerando níveis a partir da graduação, os professores podem lecionar disciplinas e cursos voltados à gestão da inovação. Embora o conjunto de conhecimentos mais específicos do empreendedorismo encontre maior respaldo em cursos na área da Administração e afins, a inovação ecoa de modo transdisciplinar em praticamente todos os domínios do conhecimento. Qualquer estudante de Engenharia, Medi- cina, Arquitetura, Direito, entre tantos outros ramos de especialização, deveria receber inspiração de seus professores para que as disciplinas específicas estudadas possam lhe fornecer subsídios de conhecimento para criar novos produtos, processos e serviços. Os alunos não deve- riam ser formados com um conhecimento restrito à aplicação daquilo que já existe, mas principalmente do que precisa ser criado. Uma das críticas que a comunidade dos inovadores faz ao siste- ma educacional é que o ensino da inovação se dá muito tarde – nor- malmente apenas na graduação e, ainda assim, de maneira muito tênue. Quem busca uma melhor capacitação como profissional ino- vador precisa, frequentemente, optar por cursos de pós-graduação especialmente voltados a essa temática. Por isso, é necessário que estratégias de negócios, inovação e empreendedorismo sejam te- mas trabalhados desde tenra idade. Um entendimento apropriado da inovação permite con- cordar com a ideia de que a sensibilização para esse tipo de competência pode ser alvo até mesmo de atividades na pré- -escola. Afinal, inovação tecnológica é apenas uma das possi- bilidades de inovação, pois o maior propósito da inovação é solucionar problemas que ainda não tenham sido resolvidos ou que precisem de uma solução mais adequada e, portanto, mais barata, rápida, ambientalmente sustentável, segura e socialmente responsável. O que justifica a participação das instituições acadêmicas em um ecossistema de inovação? Atividade 2 É evidente que nenhuma criança terá condições de criar, tal como um engenheiro, um novo dispositivo com tecnologias experimentais para brincar de inovação, mas a proposta que se faz é que o foco não seja em validar soluções técnicas, mas, sim, explorar os problemas que ainda demandam respostas satisfatórias e ideias para atendê-las. A inovação nasce com a criatividade, embora não se limite a ela. Por isso, distinguem-se inovação e invenção: inventar é bem mais fá- cil, basta fazer diferente. Contudo, fazer com que a proposta diferente seja aceita pelo mercado (ou seja, validada comercialmente, encon- trando pessoas que paguem/adotem/usem aquilo) é a verdadeira ino- vação. Então, no ensino infantil, mesmo de modo lúdico, o professor tem muitas oportunidades para fomentar essa competência. Podem ser trabalhados exercícios de criatividade, com as crianças podendo dar sugestões que respondam a um dado desafio; pode-se até mesmo pensar em criar protótipos com materiais, como cartolina e recicláveis. Pode ser proposto que uma das crianças, representando o cliente ou o mercado, escolha a melhor solução apresentada e, assim, elas enten- dam o real mecanismo da inovação. No artigo Inovação e criatividade na educação básica: dos conceitos ao ecossis- tema, de David Cavallo et al., publicado na Revista Brasileira de Informática na Educação, são descritas diferentes manifestações de inovação e criatividade na educação básica nacional e é proposto um modelo ecossistêmico para habilitar, apoiar e promover atividades inovadoras e criativas por meio de planejamento pedagógico. Acesso em: 21 fev. 2020. https://periodicos.pucpr.br/index.php/dialogoeducacional/article/view/4753/0 Artigo Fazer isso na infância mostra-se importante, já que mesmo alguns adultos têm di- ficuldade de absorver esse en- tendimento. Há profissionais que, se solicitados a posiciona- rem uma função de inovação para sua empresa, automati- camente decretariam que isso seria papel do departamento técnico, de engenharia ou de Figura 2 As crianças podem ser en- sinadas desde cedo a lidar com situações que exijam criatividade e inovação. wavAbAAaAA AdAaAAAAAAAAAAAAA 166 Novos caminhos para profissionais da educação Tópicos especiais para o professor 167 pesquisa e desenvolvimento (P&D), o que é equivocado. Outros tal- vez localizem a inovação na área de recursos humanos, já que isso diz respeito à inventividade, à criatividade e ao talento de pessoas (outro erro); tampouco cabe enclausurar a inovação na área de marketing. O professor tem a grande responsabilidade de influenciar a for- mação de jovens que, futuramente, trabalharão como funcionários, executivos ou até mesmo empreendedores nas empresas. O fomento da mentalidade empreendedora e da valorização de atuação em um ecossistema de inovação é um trabalho contínuo. Em uma perspecti- va social, uma economia mais inovadora sempre proporciona melhor condição de vida para a população, e esse tipo de trabalho encontra as bases mais consistentes não apenas em políticas públicas, tais como in- centivos fiscais e afins para que as empresas se animem a serem mais inovadoras, mas também na conscientização dos indivíduos – algo mui- to oportuno de ser praticado o mais cedo possível, enquanto as pes- soas estão nos seus bancos escolares. Para responder à crítica de que o sistema educacional produz mais empregados do que empreendedores, as instituições de ensino preci- sam elevar a inovação a um valor pedagógico a ser desenvolvido. Quem está na linha de frente, podendo agir em nome das escolas junto ao público matriculado, é o professor. Obviamente, trabalhar o tema do empreendedorismo inovador não pode implicar em vender a ilusão de que todo estudante deva incondicionalmente abrir seu próprio negócio. Dos variados perfis de alunos, há neles uma diversidade de vocações, competências e condições financeiras para fazê-lo ou não. Mas algo que deveria ser universalmente trabalhado – e que, por sinal, é quase desco-nhecido por completo no Brasil – é o chamado intraempreendedorismo. Entre ser funcionário ou ser empreendedor, há uma terceira al- ternativa, que é o do funcionário empreendedor. O intraempreende- dor é o funcionário com visão empreendedora, pois, embora trabalhe para uma empresa e sua maior responsabilidade seja compactuar com aquela missão e visão organizacional, ele consegue articular, junto ao seu empregador, formas (mais sutis ou mais generosas) pelas quais aquela empresa apoie a estruturação de seu negócio particular, da sua ideia pessoal de como resolver determinado pro- blema do mundo, negociando, para isso, possível participação so- cietária futura ou outro tipo de composição em troca desse apoio (GAIKWAD; SUBBARAMAN, 2016; WANG; LIU, 2016). Discorra sobre a importância de o professor estimular seus alunos para a inovação em sua atividade pedagógica. Atividade 3 168 Novos caminhos para profissionais da educação Outras possibilidades de engajamento do professor no ecossis- tema de inovação em que está inserido são: orientação de estágios dos alunos em empresas que ofereçam atividades voltadas à ino- vação; articulação com empresas para que elas comuniquem seus interesses de apoio acadêmico a fim de os alunos das instituições de ensino produzirem seus trabalhos de conclusão de curso, mo- nografias, dissertações e teses em temas alinhados aos interesses industriais; negociação de recursos e subsídios das empresas para os trabalhos de seus grupos de pesquisa em troca de priorização de determinados temas para serem explorados científica e tecnologica- mente; organização de excursões e visitas técnicas dos alunos para conhecer os centros de pesquisa; desenvolvimento e inovação das organizações que integram o ecossistema de inovação, entre outros. Finalmente, considerando que a escolha da carreira docente não implica um voto de “castidade empreendedora”, o professor pode aproveitar todo o seu envolvimento com os diferentes agentes do ecossistema de inovação para começar a planejar seu próprio ne- gócio pautado em empreendedorismo de alto impacto. Caso tenha sucesso nesse tipo de empreendimento próprio, serão as circuns- tâncias que levarão o docente a acumular e integrar trabalhos (como professor e empreendedor) ou, eventualmente, até abrir mão de sua trajetória de educador para se lançar exclusivamente à vivência pro- fissional em novos desafios, conforme o momento, a vocação e a satisfação própria sinalizarem. 9.3 O professor como agente político Vídeo Será que o proselitismo ideológico é aceitável em sala de aula? Sob o pretexto de despertar a consciência crítica dos estudantes, formar cidadãos, promover a justiça social ou qualquer outro nobre propósito evocado, teria o professor o direito de aproveitar o momento do apren- dizado, que envolve a audiência massiva e não exatamente voluntária da turma, para levar os estudantes em direção a uma determinada cor- rente ou agenda política ou ideológica (SANTOS, 2017)? A resposta a essa indagação reside antes na legalidade do que na mera opinião de quem quer que seja consultado a esse respeito. No Brasil, a Constituição Federal vigente, em seu artigo 206, determina que proselitismo: esforço em converter alguém a uma deter- minada religião, doutrina etc. Glossário Tópicos especiais para o professor 169 o ensino seja ministrado com base em certos princípios – um deles é o da “liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamen- to, a arte e o saber” (BRASIL, 1988). A interpretação, portanto, é que existe a liberdade de ensinar dos professores (a assim chamada liber- dade de cátedra ou liberdade acadêmica). Contudo, coexiste a liberdade de aprender dos estudantes. Então, é indiscutível que limites se aplicam a essa relação entre pro- fessor e aluno. Há que se compreender o direito do aluno de que a sua percepção da realidade não seja manipulada por dolo de seus pro- fessores. Ou seja, o direito de aprender precisa se harmonizar com o direito do aluno de não ser doutrinado por seus mestres. Legalmente, reflete-se no campo da educação a liberdade de cons- ciência, principal liberdade assegurada pela Constituição Federal – ar- tigo 5º, inciso VI (BRASIL, 1988). Com efeito, a liberdade de consciência é absoluta: as pessoas são inteiramente livres para terem e apresenta- rem suas convicções e opiniões a respeito do que quer que seja, desde que isso esteja de acordo com os direitos humanos. Assim, não se pode obrigar um cidadão, de maneira direta ou não, a acreditar ou deixar de acreditar em algo. É verdade que o Estado, com o poder suprapessoal que tão bem o caracteriza, pode obrigar qualquer um a fazer ou deixar de fazer alguma coisa. Entretanto, mesmo o Estado não pode preten- der invadir a consciência do indivíduo a ponto de conseguir forçá-lo ou induzi-lo a uma linha de pensamento – panorama típico de regimes totalitários. Não obstante, independentemente das convicções (religio- sas e políticas) pessoais do professor, ele é compelido a sempre ir além de si mesmo, independentemente de espectro político, e contribuir, segundo os parâmetros legais, para a formação plena de seus alunos. É evidente que abusar da liberdade de ensinar traz graves impactos na liberdade política dos estudantes. Uma vez que o propósito maior da doutrinação é induzir o sujeito a determinada inclinação política e ideológica, esse resultado é alcançado por meio da sistemática desqua- lificação de todas as correntes políticas e ideológicas que se conheçam – exceto uma: justamente aquela pela qual o professor nutre simpatia. Não se caracteriza, pois, pela estratégia de promover a própria visão de mundo, mas primordialmente de desconstruir as demais, para que a alternativa restante seja interpretada com toda naturalidade como o único caminho correto a tomar (NAGIB, 2013; SANTOS, 2017). dolo: fraude, má-fé. Glossário 170 Novos caminhos para profissionais da educação É importante observar que um professor doutrinador não se vale de força ou violência física ao constranger seus alunos. Em uma abordagem gramsciana 5 , por exemplo, a revolução é pela cultura, paulatinamente, não pelas armas, imediatamente. Contudo, quando o educador execra determinadas linhas políticas e ideológicas diante da turma, abre espaço para o surgimento de uma forma muito menos sutil de constrangimento: o bullying político e ideológico, que passa a ser praticado pelos alunos contra seus próprios colegas. Em determina- dos ambientes, um estudante que assume publicamente uma postura contrária à corrente dominante fica sujeito ao isolamento, a agressões verbais e até mesmo físicas pelos seus colegas de escola. Isso se explica pelo ambiente de sectarismo agudo que se produz com a doutrinação (NAGIB, 2013; SANTOS, 2017). Fenômeno que sempre varreu o mundo e parece ter chegado com atraso ao Brasil, a polarização política que divide a sociedade é criticada quanto aos perigos a ela associados. Não discutir política alguma parece muito menos inteligente do que discutir o contraste de todas as políticas. Mas substituir, por exemplo, a análise racional a respeito de maior ou menor presença do Estado por uma defesa intransigente e apaixonada de uma ideologia ou outra é muito mais grave – beirando a criminalidade quando isso se dá em sala de aula. Não é sensato que estudantes sejam manipulados para fazerem determinadas escolhas se essas beneficiem, diretamente ou não, movimentos, organizações, partidos e candidatos de escancarada militância do professor (NAGIB, 2013). Não é exagero alertar sobre o caráter criminoso dessa prática. So- bretudo nos graus mais básicos do sistema educacional, há ainda outro agravante: alunos manipulados e explorados politicamente por seus professores configuram prática ofensiva ao artigo 5º do Estatuto da Criança e do Adolescente, para o qual “nenhuma criança ou adolescen- te será objeto de qualquer forma de exploração” (BRASIL, 1990). É perfeitamente possível que um professor