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1 Conselho Editorial Antonio Vicente Marafioti Garnica Universidade Estadual de São Paulo Antonio Maurício Medeiros Alves Universidade Federal de Pelotas Carlos Ademir Farias da Silva Universidade Federal do Pará Circe Mary Silva da Silva Universidade Federal do Espírito Santo José Manuel Matos Universidade Nova de Lisboa/Portugal Iran Abreu Mendes Universidade Federal do Pará Marc Moyon Université de Limoges/França Maria Helena Camara Bastos Universidade Federal do Rio Grande do Sul Wagner Rodrigues Valente Universidade Federal de São Paulo 2 1º Edição - Verão de 2021 Contato Autora: celia.leme@unifesp.br �������� ������������������ ���� � �������� ���� ��� ��� ��� ���������������� ����������� ������������ � ������� ������������� �� � �������� ����� ��������� ���� ���� ��������� ������������� ����������� � � � ����!��"�� � ����#� ���������$� �%�&������'�� ���(��'������!� ������� ����)���� ����� ��������� � ��� ����� ��� �����*��+�!���&�� ���� �����,-� �� ���� ���+ ,������ ���.�/0�1�2�3����3���42�� ���� ������5� ����6��!�������� ���. �7-�!�� ��� � �� ������ !������ � �! ��" � ������5� ��&�6��!�������� ������ � 8� ���9��: ����/�� ��:���/ (� ��� 5� �����;/��)���1 Catálogo Capa, Projeto Gráfico diagramação Paulo Alves de Lima Dedicatória Aos Professores que ensinam geometria, Formadores de Professores, Historiadores da Educação Matemática, Educadores em geral. Não há transição que não implique um ponto de partida, um processo e um ponto de chegada. Todo amanhã se cria num ontem, através de um hoje. De modo que o nosso futuro baseia-se no passado e se corporifica no presente. Temos de saber o que fomos e o que somos, para sabermos o que seremos. (Paulo Freire) 3 Prefácio 5 Apresentação 11 Capítulo I 19 O Ensino de geometria e desenho Desenho à mão livre 19 Desenho linear ou desenho geométrico 38 Desenho ao natural 50 Desenho decorativo 58 Desenho e figura geométrica 68 Desenho no ambiente dinâmico 72 Concluindo 74 Referências 76 Capítulo II 83 O ensino de geometria e trabalhos manuais Trabalho Manual como matéria escolar 84 Finalidades do Trabalho Manual 99 Manuais pedagógicos de Trabalhos Manuais 100 Consolidação de Trabalhos Manuais 111 Circulação de Trabalhos Manuais 126 Fim dos Trabalhos Manuais como matéria escolar 137 Concluindo 139 Referências 141 Capítulo III 145 O Ensino de geometria e medidas A Taquimetria 145 Medidas intuitivas 163 Medidas com instrumentos 169 Medidas nos dias atuais 172 Concluindo 174 Referências 176 Capítulo IV 179 Palavras finais 179 4 Sumário Do campo disciplinar para a cultura escolar: Do ensino de matemática para a Matemática do Ensino Wagner Rodrigues Valente 5 Prefácio A pesquisa em história da educação matemática (hem) tem sido realizada, em grande medida, para não dizer na quase totalidade, por pessoas com formação matemática. Sem que eu possa citar dados numéricos, mas considerando congressos nacionais e internacionais sobre hem, penso que é facilmente possível confirmar essa hipótese. Imagine-se o enorme esforço de quem tem origem de formação no campo disciplinar matemático, na realização de estudos sobre hem nos primeiros anos escolares... Em primeiro lugar, um esforço de deslocamento da área de origem: do campo disciplinar matemático para o campo disciplinar da História. Esse movimento tem sido realizado por uma quantidade crescente de pesquisadores, haja vista o aumento exponencial de estudos e pesquisas sobre hem. A busca do diálogo com historiadores mostra-se uma constante nas últimas décadas. Houve até uma situação emblemática: Roger Chartier, referência internacional da História Cultural, proferiu palestra de abertura em um dos Encontro Nacional de História da Educação Matemática – ENAPHEM. Muito surpreso inicialmente ficou o historiador com o convite... Na plateia, em sua quase totalidade, ex- licenciandos em Matemática. Desde a vinda de Chartier, e muito antes dela, na verdade, as referências utilizadas nos estudos de hem apontam para a História Cultural (GARNICA, 2016, p. 9). Explicação batida e repetida é mencionada nos textos e pesquisas sobre o seu significado, na citação desse autor: “A história cultural, tal como a entendemos, tem por principal objeto identificar o modo como em diferentes lugares e momentos uma determinada realidade social é construída, pensada, dada a ler” (do livro A História Cultural – entre práticas e representações). Realizado esse esforço de deslocamento, do campo disciplinar matemático para a história, novo desafio fica posto para historiadores interessados na pesquisa que considera os primeiros anos escolares: penetrar nessa cultura específica, tão diferente daquela do ensino secundário (atual anos finais do Ensino Fundamental e Ensino Médio). Em meio à cultura escolar dos anos iniciais parecem desaparecer as disciplinas escolares que, no secundário, mostravam ter ligação tão direta com os campos disciplinares. A Álgebra do Ensino Médio como primeiros passos dos cursos de álgebra dos cursos superiores... A matemática do curso secundário induzindo a ideia de que apenas tem-se uma diferença de nível: a matemática do curso superior é tão somente uma matemática mais avançada que a dos anos finais do Fundamental, do Ensino Médio... “Histórias do ensino de Geometria nos anos iniciais e seus parceiros: Desenho, Trabalhos Manuais e Medidas” dá título a este livro que muito me honra prefaciar. E desde o título, cabe uma provocação, mais aos leitores e menos à autora: Trabalhos Manuais, Desenho Linear, Medidas... Onde estão os campos disciplinares de referência? São disciplinas essas rubricas? Matérias? E por que a Geometria – ops! achou-se uma referência disciplinar ! – sim, e por que a Geometria precisa de parceiros para ser ensinada? 6 PREFÁCIO Desde os diálogos próximos da História com a Antropologia, como bem diz Chartier, tem-se o desafio da escrita de uma história cultural da sociedade ao invés de uma história social da cultura. Penetrar numa cultura que não é a nossa, como investigador, bem nos ensinam os antropólogos: há que se fazer nativo, sem ser. O nativo não tem estranhamento relativamente à sua cultura. Tende a não procurar os porquês dos significados que dão à sua cultura. Ela simplesmente existe. Penetrar na cultura escolar dos primeiros anos escolares para realizar um estudo histórico, para analisar como essa cultura ao longo do tempo foi elaborando os seus saberes não é tarefa fácil. Como penetrar na cultura escolar do ensino primário, sem as amarras do campo disciplinar matemático? Firme tem sido a intenção da autora nesse propósito. Ir, por meio de fartíssima documentação, ao estudo dessa cultura, para saber o que ela fez e vem fazendo com a geometria do campo disciplinar matemático. Os resultados desse estudo mostram que a pergunta inicial mostrou-se inadequada. Ao invés de questionar o que os anos iniciais fizeram com a geometria vinda do campo disciplinar matemático, a questão a ser posta melhor seria dada por: Que geometria vem sendo elaborada para o ensino nos primeiros anos escolares? Ou que geometria ao longo do tempo vem sendo produzida pela cultura escolar primária? A resposta encontrada ganhou sentido em termos de uma “geometria do ensino” e não de um “ensino de geometria”. E, aqui, cabe melhor explicitar essas expressões para fugirmos da ideia de que se trata apenas de um jogo de palavras. Peço licença para fazer um détour. Considero que o conceito de “matemática do ensino” pode ser mais bem explicitado pelo contraponto desses termos com “ensino de matemática”. Identifico a expressão ensino de matemática como reveladora do desafio que o campo disciplinar matemático tem para ser transmitido na escola. Como ensinar matemática a crianças e adolescentes é tarefamobilizadora de campos profissional e de pesquisa. Como tornar possível o ensino de matemática? A tarefa, o desafio profissional e de pesquisa referem-se aos mecanismos didáticos que devem ser acionados na transmissão de saberes do campo disciplinar matemático para o interior do meio escolar. Nesses termos, o ensino de matemática tem sido parametrizado por imperativos do campo disciplinar matemático. Ao início, e por longo tempo, considerando que a própria lógica de organização disciplinar deveria ser tomada para o ensino – a marcha do simples para o complexo – identificando o processo de aprendizagem dos alunos com essa marcha (VALENTE, 2015). Posteriormente, agora já em tempo mais recente, tendo em vista os estudos de Bachelard (1938). Sachot (2006) realiza uma crítica da apropriação que as pesquisas sobre o ensino fizeram da obra A formação do espírito científico. Pondera esse pesquisador que tais investigações acabaram por confundir os ditames de Bachelard sobre o movimento da produção científica, com seus obstáculos, com as dificuldades dos processos de ensino. Assim, cite-se uma das figuras emblemáticas dos 7 PREFÁCIO estudos sobre Didática da Matemática, Guy Brousseau que, a partir de 1976, constrói de modo sofisticado, uma marcha de ensino considerada científica, uma Didática como campo científico, tomando emprestado o conceito de obstáculo epistemológico de Bachelard (ARTIGUE, 2008, p. 159). Adotada a perspectiva bachelardiana, na construção da marcha do ensino, do seu passo a passo, nas sequências didáticas, há que serem investigados os obstáculos epistemológicos, de modo a serem construídas etapas, graduação do ensino, de maneira a que não sejam criadas dificuldades para o progresso dos alunos ao nível superior matemático. De um modo ou de outro, o “ensino de matemática” revela-se como o processo de passagem do campo disciplinar matemático para o meio escolar. Em última análise, está posta a premissa de que o papel da escola é o da transmissão dos saberes do campo disciplinar. Neste caso, do campo disciplinar matemático. Mesmo considerando-se esse movimento campo disciplinar-meio escolar, as pesquisas não identificam a matemática presente em cada um desses dois espaços. Mas, as diferenças evocadas levam em conta tão somente aspectos da didatização da matemática disciplinar. A ela cabe a tarefa de organização do saber matemático, em seus elementos, para que ele possa ser transmitido aos alunos. Do ponto de vista do “ensino de matemática”, as diferenças que se estabelecem entre a matemática do campo disciplinar e aquela a ser transmitida na escola são consideradas em termos de nível: de uma matemática mais avançada do ensino superior àquela elementar da escola básica. E caberá à pedagogia ocupar-se da tarefa de tornar possível o ensino. Haverá uma “pedagogia do conteúdo” (MEC, 2016, p. 3), expressão utilizada pela Área de Ensino da CAPES. Nesse caso, bem adequada é a crítica que Chervel (1990, p. 181) realiza indicando que o desafio do campo disciplinar para ser transmitido ao meio escolar lança mão de uma ideia absolutamente redutora da pedagogia: ela é vista como “pedagogia-lubrificante” a permitir que, na escola, seja possível a transmissão do saberes dos campos disciplinares científicos. A “matemática do ensino” é bem outra, diferente daquela que envolve o ensino de matemática. Tal perspectiva, ao que parece, não é nova, tem uma história, e remete às preocupações longínquas dos filósofos relativamente ao ensino de filosofia. Como seria possível ensinar filosofia? Qual filosofia? Buscamos analisar, como já posto por Carrilho (1982, p. 13), em seus estudos sobre o “ensinável filosófico”: “o modo como os saberes são afetados, na sua constituição intrínseca, pelas exigências da sua transmissão”. Dessa forma, de maneira distinta da perspectiva dada pelo ensino de matemática, essencialmente tendo em vista questões didáticas, a matemática do ensino interessa-se prioritariamente por questões epistemológicas. Especificamente, interessam os processos de elaboração da matemática do ensino. Voltemos ao livro. Penso que a empreitada realizada pela professora Célia Leme, inicialmente, se motivou pelo “ensino de matemática”, mas o resultado obtido, a enorme 8 PREFÁCIO benefício da área, da história da educação matemática, foi a caracterização de uma “matemática do ensino”. Confesso que tenho uma certa fixação por títulos dos trabalhos. Quisera eu ter escrito este belo livro. Mas, eu daria a ele um outro título. Para mim, mais condizente com o que sua narrativa apresenta. Mudaria o título para “Histórias da Geometria do Ensino nos anos iniciais”. Os parceiros? Eles já estão mencionados na terminologia “geometria do ensino”... Cumprimento a professora Célia Leme pelo grandioso trabalho realizado. Em sua leitura, preciso dizer, tentei analisar o posicionamento da autora relativamente à tarefa complexa de se despir de uma cultura disciplinar matemática para melhor compreender a geometria da cultura escolar primária. Mesmo uma escorregadela aqui, outra ali, que revela a ligação antiga com o campo disciplinar matemático, na busca dos conceitos de geometria etc., a autora está perdoada (risos). A obra revela de modo brilhante o esforço da pesquisadora em compreender o que se passa ao longo do tempo com geometria dos primeiros anos escolares, sem que a autora perca totalmente a ligação com sua formação inicial. Encaremos tal fato como um sotaque que todos temos quando falamos numa outra língua que não é a nossa nativa. Mas, mesmo com sotaque, poderemos dizer o que se passa numa cultura que não é a nossa... 9 PREFÁCIO REFERÊNCIAS ARTIGUE, M. Continu, discontinu em mathématiques. Quelles perceptions en ont les élèves et les étudiants? In: VIENNOT, L. Didactique, Épistémologie et Histoire des Sciences. Paris: PUF, 2008. CARILLO, M. M. O saber e o método. Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1982. CHERVEL, A. História das disciplinas escolares: reflexões sobre um campo de pesquisa. Teoria & Educação, n. 2, p. 77-229, 1990. GARNICA, A. V. M. Apresentação. In: GARNICA, A. V. M. (org.). Pesquisa em História da Educação Matemática no Brasil. São Paulo: L F Editorial, 2016. MEC. Documento de Área – Ensino. CAPES – Diretoria de Avaliação, 2016. Disponível em: https://files.cercomp.ufg.br/weby/up/480/o/ DOCUMENTO_DE_AREA_ENSINO_2016_final.pdf. Acesso: 9 out. 2021. SACHOT, M. Les disciplines scolaires, les modèles et les contre-modèles des curriculums de formation professionnelle. In: LENOIR, Y.; BOULLIER-OUDOT, M. H. Savoirs professionnels et curriculum de formation. Québec: Les Presses de l’Université Laval, 2006. VALENTE, W. R. História da Educação Matemática nos anos iniciais: a passagem do simples/complexo para o fácil/difícil. Cadernos de História da Educação, v. 14, n. 1, jan./abr. 2015. 10 PREFÁCIO https://files.cercomp.ufg.br/weby/up/480/o/DOCUMENTO_DE_AREA_ENSINO_2016_final.pdf https://files.cercomp.ufg.br/weby/up/480/o/DOCUMENTO_DE_AREA_ENSINO_2016_final.pdf A ideia do presente livro é um misto de contextos. O primeiro a destacar é a trajetória de projetos de pesquisas que tive a oportunidade e a felicidade de desenvolver, desde o ano de 2010, início do primeiro Projeto de Pesquisa sob minha coordenação, financiado pelo CNPq , intitulado A 1 Geometria e o desenho no ensino primário paulista, 1890-1930. Seu objeto de investigação foi o ensino de geometria e de desenho para os anos iniciais em uma perspectiva histórica, tema este – ensino de geometria – que nunca abandonei ao longo de toda a minha formação como pesquisadora. De 2010 a 2020, outros projetos deram continuidade aos primeiros resultados: A Geometria na formação de professores primários em tempos de escolanovismo (1930 a 1950) – Fapesp (2012); A dimensão prática e a escolarização dos saberes elementares geométricos – Fapesp e CAPES/COFECUB (2015) e Transformaçõesde saberes geométricos no curso primário brasileiro – Fapesp (2018), de modo a agregar diferentes fontes de pesquisa, ampliar o marco cronológico dos estudos, expandir os espaços de investigação para além de São Paulo. Tais projetos foram levados a cabo em sintonia com projetos guarda-chuva, desenvolvidos no GHEMAT . Depois 2 Projeto de Pesquisa referente ao Edital Ciências Humanas, Sociais e Sociais Aplicadas, CNPq, desenvolvido entre 2010 a 2012.1 Grupo de Pesquisa em História da Educação Matemática – GHEMAT –, coordenado pelo prof. Dr. Wagner Rodrigues Valente. Em especial, citam-se 2 os projetos: A constituição dos saberes elementares matemáticos: a Aritmética, a Geometria e o Desenho no curso primário em perspectiva histórico- comparativa, 1890-1970 – CNPq, desenvolvido entre 2012 e 2016 e A matemática na escola primária nos séculos XIX-XX: estudos comparativos entre o Brasil e a França – CAPES/COFECUB, desenvolvido entre 2014 e 2017. 11 Apresentação de dez anos de estudos sobre a mesma temática e inúmeros resultados, entre eles artigos, capítulos de livros, dissertações de mestrado, teses de doutorado e um livro, publicado em 2014 , ou ainda o artigo, recentemente 3 publicado no Dossiê de História da Educação Matemática pela Revista História da Educação ,que buscou sintetizar os 4 resultados dos últimos projetos do GHEMAT, acredito ser preciso, uma vez mais, abrir espaço para reelaborar e atualizar a história sobre o ensino da geometria escolar nos primeiros anos. Também parece ser pertinente tecer considerações sobre como tal história nos convida a pensar, como tais aprendizagens significativas nos apontam projetar propostas para a realidade atual. E assim, uma segunda justificativa se apresenta para a escrita deste livro, qual seja, as cobranças de resposta em como a produção da história da geometria escolar pode efetivamente contribuir e indicar perspectivas a partir do conhecimento sobre o passado. Não se trata de fazer prognósticos sobre o futuro, visto que a história nos mostra o movimento contínuo de permanências e rupturas, sem reproduções. A cada tempo, temos um ensino de geometria, próprio de sua época, espaço e em acordo com seus sujeitos, homens protagonistas. Entretanto, acreditamos que a história tenha muito a nos ensinar, tanto no que diz respeito ao ensino de geometria nas escolas, como na formação de professores, em tempos passados. Inúmeras foram as propostas, os métodos, os conteúdos inseridos, retirados, alterados, debatidos, criticados, muitos deles em âmbito internacional e que, apesar de esforços e bons modelos construídos, não “fizeram escola”, no sentido de serem incorporados à cultura escolar. Em outras palavras, as propostas inovadoras, modernizadoras – termos frequentemente empregados nos diferentes momentos históricos – não conseguiram alcançar o resultado que se esperava, ou seja, uma melhoria no desempenho de nossos alunos em geometria e, do mesmo modo e articuladamente, uma melhor qualificação de professores que ensinam geometria. Nos debates sobre a competência em lidar com o ensino de geometria, questões associadas aos elementos de ordem prática, necessárias para a vida cotidiana, em contraposição aos alicerces fundamentais para a continuidade de seu ensino, sempre ocuparam espaço LEME DA SILVA, M. C.; VALENTE, W. R. (org.). A geometria nos primeiros anos escolares: história e perspectivas atuais. Campinas: Papirus, 3 2014, 144 p. VALENTE, W. R.; LEME DA SILVA, M. C. História da Educação Matemática e Formação de Professores no Brasil. Revista História da Educação, 4 v. 24, p. 1-30, 2020. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/asphe/article/view/99350/pdf Cita-se também o livro A Aritmética, a Geometria e o Desenho: a matemática nos primeiros anos escolares, que trouxe reflexão sobre estudos inventariados entre 2013 e 2017 (OLIVEIRA; PINTO; VALENTE, 2020). 12 APRESENTAÇÃO https://seer.ufrgs.br/asphe/article/view/99350/pdf significativo. A história do ensino de geometria para os primeiros anos escolares esteve sempre permeada por dicotomias: prático versus teórico, concreto versus abstrato, isolado versus integrado, apático versus interessante. Um terceiro motivo para o presente livro ancora-se em quebrar, desconstruir, criar “balbúrdias ” em 5 representações marcantes presentes até hoje em nossa 6 sociedade. De modo geral, num determinado contexto, o grupo com mais poder cria interpretações para os fatos com base em seus interesses, e tais leituras vão sendo incorporadas pelos sujeitos como verdadeiras, vão passando de geração em geração. O estudo histórico busca construir uma narrativa crítica diante dos fatos, de modo a problematizar e desnaturalizar os acontecimentos. Para o ensino de geometria, representações como: “a geometria é para poucos”, visto que requer um raciocínio elevado; “seu ensino foi abandonado”, renegado em determinados momentos históricos; “o ensino de geometria sempre esteve rigorosamente nos moldes da clássica Geometria de Euclides”; entre tantas outras são ainda predominantes, marcantes, mesmo no meio educacional. Representações essas construídas pela memória, e, muitas vezes, sustentadas por relações afetivas negativas que a experiência como alunos nos permitiu guardá-las. A história de seu passado é um convite crítico para rever e reconstruir representações existentes. Diferentemente de buscar culpados pela história de insucessos, ou de experiências que foram esquecidas, colocadas abaixo, pretendemos retomar propostas inovadoras ao seu tempo e que possam ser inspiradoras para a atualidade, repensadas e convidadas a serem objeto de análise. De outra parte, há também o desvelar das boas experiências, consideradas exitosas, que conseguiram adentrar os muros escolares e, hoje, estão incorporadas ao ensino de geometria, mesmo tendo em suas trajetórias, resistências, que nos parecem ser, do mesmo modo, um processo igualmente rico para conhecer. Para tanto, selecionamos, para apresentar a história do ensino de geometria, grandes parceiros de seu ensino, os quais estabeleceram fortes relações, incorporaram ora facilidades, ora, em outros momentos, dificuldades para o processo educativo; saberes que se integram à história do ensino de geometria dos anos iniciais. O primeiro deles é o desenho, objeto de estudo do Capítulo I; em seguida, O livro foi escrito num momento político crítico no Brasil, em especial no Ministério da Educação, em que, lamentavelmente, o então Ministro da 5 Educação, Abraham Weintraub, afirmava estarem as universidades federais promovendo balbúrdias (Jornal O Estado de S. Paulo, 30 de abril de 2019). O conceito de representação que adotamos na obra toda se pauta no historiador Roger Chartier (1990, p. 17), que toma o termo como “esquemas 6 intelectuais incorporados que criam as figuras graças às quais o presente pode adquirir sentido, o outro tornar-se inteligível e o espaço ser decifrado. As representações do mundo social assim construídas, embora aspirem à universalidade de um diagnóstico fundado na razão, são sempre determinadas pelos interesses de grupo que as forjam”. 13 APRESENTAÇÃO comentamos os trabalhos manuais, tratados no Capítulo II e, por último, as medidas, estudadas no Capítulo III. A maioria dos estudos e das referências que sustentam a narrativa está disponível na internet e pode ser acessada com o link disposto em nota de rodapé. Da mesma maneira, os leitores são convidados a visualizar muitas das fontes analisadas, como manuais didáticos, revistas pedagógicas, programas de ensino, cadernos escolares, entre outras, que se encontram inventariadas no repositório digital da UFSC, acessíveis, do mesmo modo, a partir do link disponível em nota de rodapé. Consideramos, ainda, pertinente, reiterar a síntese elaborada em 2015, ao final de um primeiro panorama geral esboçado sobre o ensino de geometria, ao longo de quase 150 anos, entre 1827 até 1971: a dificuldadeem identificar um elementar no ensino de geometria, um ponto inicial, de partida para os estudos de saberes geométricos. Parece não ser um processo simples a criação e construção de um elementar geométrico para os anos iniciais. A abordagem tradicional, em que a ordem do ensino segue a ordem da ciência não se mostra adequada para a escolarização primária. (LEME DA SILVA, 2015a, p. 14) Anunciava-se, desde antes, a impossibilidade de ensinar geometria para os anos iniciais sem tomar como apoio algum outro saber, como por exemplo, o desenho; ou ainda, sem oferecer algum suporte metodológico fundamental, como os trabalhos manuais. Em outras palavras, não parece ser possível construir uma representação sobre o passado do ensino de geometria, de modo a compreender rupturas e permanências ao longo do tempo, sem estabelecer conexões próximas com outros saberes, assim como com propostas metodológicas que predominaram na educação básica nos diferentes momentos históricos. Optamos, aqui, por atualizar a grafia das diferentes épocas, seguindo as regras da heurística historiográfica que autorizam essa prática, a fim de facilitar a leitura por todos aqueles que, ou em formação ou como professores, se dedicam à educação infantil e aos anos iniciais. 14 APRESENTAÇÃO Gostaria de registrar inúmeros agradecimentos de parcerias e formação ao longo deste processo. O primeiro deles é ao Grupo de Pesquisa de História da Educação Matemática – GHEMAT, cadastrado no CNPq. Esse Grupo me ensinou o trabalho com projetos de pesquisas financiados , realizados de forma coletiva, com produção de 7 novos conhecimentos em consonância com a formação de pesquisadores. Temáticas focadas, prazos a serem cumpridos, publicação constante, participação em eventos, troca e aprendizagens com outras áreas de pesquisa, como a História da Educação, que sustenta a produção científica do grupo no aparato teórico-metodológico, entre tantos outros, foram elementos que, aos poucos, fui incorporando e aprendendo para a minha própria formação como pesquisadora, que continua em construção permanente. Agradeço também à Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), que possibilitou tempo e dedicação adequados para o trabalho investigativo. Mesmo correndo riscos enormes de citar uns e deixar outros, quero agradecer nominalmente a alguns colegas e alunos. Ao parceiro e professor Wagner Valente, pela liderança do GHEMAT, por indicar, sugerir, orientar, ensinar a dinâmica da produção científica, meu muito obrigada. Como já disse outras vezes, a formação como pesquisadora é um processo longo e constante, que vai muito O apoio financeiro recebido pelo CNPq, pelo CAPES e pela FAPESP foi fundamental para obter os resultados aqui sistematizados e a produção do 7 presente livro, oportunizado pelo CNPq. Desde a viabilidade para compra de materiais e equipamentos técnicos, até o apoio para participação de eventos, contatos com outros pesquisadores, tanto no Brasil, como internacionalmente. 15 Agradecimentos além de um mestrado ou doutorado, e Wagner sempre foi e segue sendo, para mim, uma referência como pesquisador. A escola GHEMAT, o trabalho conjunto com Wagner por mais de dez anos, os muitos questionamentos e eventuais discordâncias constituem marcas claras na minha formação e, consequentemente, na minha presente produção. Os queridos colegas Vicente Garnica e Iran Mendes, parceiros dos Encontros Nacionais de História da Educação Matemática – ENAPHEM – e muito mais, de construção coletiva da área de História da Educação Matemática. Para mim, um privilégio enorme estar compartilhando com vocês e outros colegas a elaboração e a consolidação de espaços para nossas pesquisas. Agradeço à professora Maria Helena Camara Bastos, pelas interações e aprendizagens constantes, em nome de todos os colegas da História da Educação brasileiros e ao professor Roger Chartier, pelas inúmeras leituras e ensinamentos, em particular, na oportunidade que tive de realizar seu curso no Collège de France, durante 2015. A base teórica e metodológica construída pelos historiadores é a nossa ferramenta, o alicerce para a produção da narrativa histórica. Agradeço ao querido colega Antonio Maurício Alves, ghematiano de longa data e um dos mais novos pedagogos do grupo, por aceitar realizar a leitura crítica e cuidadosa do livro durante as férias de julho em ano de pandemia. Somente um parceiro extremamente atencioso e apaixonado pela história da educação matemática para abraçar essa tarefa, obrigada pelas ricas contribuições. À colega e querida Circe Mary Silva da Silva, pesquisadora reconhecida e de qualificada experiência, obrigada por cruzar meu caminho e por tornar-se parceira de produções, debates e discussões, um privilégio tê-la como leitora crítica! Por último e não menos importante, agradeço a meus orientandos de mestrado e doutorado que, de maneira muito próxima, tocaram e viabilizaram os estudos que ancoram a escrita deste livro, haja vista que todas as minhas orientações foram desenvolvidas no âmbito de projetos de pesquisa. Em particular, nomeio Claudia Frizzarini, Deoclecia Trindade e Gabriel Conceição, que, como doutorandos, partilharam da difícil tarefa de produzir resultados consistentes e inovadores pelo diálogo aberto e pela produção em conjunto. Agradeço igualmente à Vera Lúcia Bonilha, pela revisão minuciosa do texto e a Paulo Lima, por cuidar da arte final do ebook. 16 AGRADECIMENTOS Bacharel e Licenciada em Matemática pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1988), Mestre em Educação Matemática (1997) e Doutora em Educação – Currículo (2002) ambos pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, tendo como estudo o ensino de geometria e a formação de professores. Realizou estágio pós- doutoral em História da Educação Matemática na Universidade Nova de Lisboa (2006) e na Université Paris 11 (2015). É pesquisadora do GHEMAT – Grupo de Pesquisa de História da Educação Matemática no Brasil desde 2005. Professora Associada da UNIFESP – Universidade Federal de São Paulo. Atuou como Professora permanente do Programa de Pós-Graduação em Educação e Saúde da UNIFESP. Participou da organização geral das cinco edições do ENAPHEM – Encontro Nacional de Pesquisa em História da Educação Matemática. Editora Adjunta da HISTEMAT – Revista de História da Educação Matemática desde 2015. Lives que realizou em 2020, em que tratou sobre os capítulos do presente livro: Capítulo I – O ensino de geometria e desenho – Live no SMEM – UNESP Rio Claro – 03/11/2020 https://www.youtube.com/watch?v=GyO5ZKRORWk Capítulo II – O ensino de geometria e Trabalhos Manuais – Live no Seminário FITCEM – 05/12/2020 https://www.youtube.com/watch? v=ZnEHe_WuhW4&t=29s 17 Sobre a autora Maria Célia Leme da Silva celia.leme@unifesp.br mailto:celia.leme@unifesp.br https://www.youtube.com/watch?v=GyO5ZKRORWk https://www.youtube.com/watch?v=ZnEHe_WuhW4&t=29s https://www.youtube.com/watch?v=ZnEHe_WuhW4&t=29s REFERÊNCIAS CHARTIER, R. A história cultural: entre práticas e representações. Lisboa: Difel; Rio de Janeiro: Bertrand Brasil S.A., 1990. LEME DA SILVA, M. C. A Geometria e o desenho no ensino primário paulista, 1890-1930. Projeto de Pesquisa financiado pelo Edital Ciências Humanas, Sociais e Sociais Aplicadas, CNPq, 2010. LEME DA SILVA, M. C. A Geometria na formação de professores primários em tempos de escolanovismo (1930 a 1950). Projeto de Pesquisa financiado pela FAPESP, 2012. LEME DA SILVA, M. C. A dimensão prática e a escolarização dos saberes elementares geométricos. Projeto de Pesquisa financiado pela FAPESP. Projeto Pós-Doutoral CAPES/COFECUB, 2015a. LEME DA SILVA, M. C. Uma trajetória histórica de saberes geométricos no ensino primário brasileiro (1827-1971). HISTEMAT - Revista de História da Educação Matemática, v. 1, p. 148-164, 2015b. ISSN: 2447-6447. LEME DA SILVA, M. C. Transformações de saberes geométricosno curso primário brasileiro. Projeto de Pesquisa financiado pela FAPESP, 2018. LEME DA SILVA, M. C. 2018a. Uma história dos saberes profissionais de professores que ensinam geometria. Projeto de Pesquisa financiado pelo Edital Universal, CNPq, 2018b. LEME DA SILVA, M. C.; VALENTE, W. R. (org.) A geometria nos primeiros anos escolares: história e perspectivas atuais. Campinas: Papirus, 2014. OLIVEIRA, M. C. A.; PINTO, N. B.; VALENTE, W. R. A aritmética, a geometria e o desenho: a matemática nos primeiros anos escolares. São Paulo: Editora Livraria da Física, 2020. VALENTE, W. R.; LEME DA SILVA, M. C. História da Educação Matemática e Formação de Professores no Brasil. Revista História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 24, p. 1-30, 2020. E-ISSN: 2236-3459. 18 AGRADECIMENTOS O presente capítulo tem por objetivo levar o leitor a viajar pelas relações de proximidade e distanciamento entre dois saberes importantes na constituição do ensino primário brasileiro – o desenho e a geometria. O artigo “Desenho e Geometria na escola primária: um casamento duradouro que termina com separação litigiosa ...” (LEME DA SILVA, 2014a ) nos conta os primeiros momentos dessa relação. 1 Como enunciado no título do artigo, um casamento de muitos anos deixa marcas e heranças, que puderam ser mais bem compreendidas com estudos posteriores. Assim sendo, para construir uma história – entendida como uma representação a partir de uma investigação com diferentes fontes, vestígios do passado – entre as relações do ensino de desenho e geometria no curso primário, alguns cenários centrais são elencados, assim como períodos em que uma determinada vertente, uma proposição, se faz mais evidente, de modo a conduzir a narrativa. Boa viagem! DESENHO À MÃO LIVRE Considera-se o nascimento da geometria escolar no Brasil, o ano de 1827, logo após a nossa independência; o local, a Câmara dos Deputados, que elaborou a primeira lei de instrução pública brasileira. Em debate: a geometria deveria ou não fazer parte dos saberes destinados à escola de O artigo está disponível em: https://seer.ufrgs.br/asphe/article/view/27177/_6.1 19 CAPÍTULO I O ENSINO DE GEOMETRIA E DESENHO https://seer.ufrgs.br/asphe/article/view/27177/_6 primeiras letras . Destacam-se, nos registros dos Anais da 2 Câmara , os depoimentos dos deputados defensores da 3 geometria: em vez de contar, como diz o projeto, prática das principais operações aritméticas e resolução de problemas de geometria elementar [...]. Não quero que o mestre ensine ou aponte o que é linha reta, quero que tome o compasso, descreva um triângulo sobre uma linha, isto não custa nada e é coisa mais fácil possível. (FERREIRA FRANÇA apud MOACYR, 1936, p. 183) Muita gente quando vai aprender artes encontra grandes dificuldades, se não tem alguns conhecimentos de geometria. (FERREIRA FRANÇA apud MOACYR, 1936, p. 184) os princípios de geometria são de última necessidade até para ser pedreiro ou carpinteiro (CUNHA MATTOS apud MOACYR, 1936, p. 184) O Sr. Vasconcelos é pelo estudo da geometria de aplicação imediata no campo, no terreno da escola. Para que geometria gráfica? Qual a sua utilidade? (MOACYR, 1936, p. 186) Segundo Moacyr (1936), o projeto, apresentado em 8 de julho de 1827, recebeu 30 emendas, várias sugestões e críticas e foi aprovado em 28 de julho do mesmo ano, na versão final como: os professores ensinarão a ler, escrever, as quatro operações de aritmética, prática de quebrados, decimais e proporções, as noções gerais de geometria prática, a gramática da língua nacional, os princípios de moral cristã e de doutrina da religião católica e apostólica romana.(MOACYR, 1936, p. 189, grifo nosso) Desde o seu nascimento, a geometria da escola de primeiras letras se dizia prática. Nos argumentos, havia os que defendiam uma geometria gráfica, de construção com compasso e régua das figuras de maneira simples, consideradas elementares. Justificava-se a sua necessidade tanto para compreender as artes, assim como para preparar para o ofício de pedreiro ou carpinteiro. E assim se Escola de primeiras letras era a designação adotada no Império para o curso primário. Atualmente corresponde aos anos iniciais do Ensino 2 Fundamental. Os debates da Câmara dos Deputados referem-se aos anos de 1827, porém a publicação dos Anais foi feita em 1936, por Primitivo Moacyr.3 20 CAPÍTULO I - O ENSINO DE GEOMETRIA E DESENHO configurava a geometria da escola de primeiras letras, sempre vinculada à prática. Entretanto outras fontes precisam ser analisadas de modo a entender quais eram efetivamente as práticas presentes naquele momento histórico que sustentaram o ensino de uma geometria para os primeiros anos escolares. Como já estudado por Valente (2012), o livro que vem atender à presença da geometria prática na legislação de 1827 intitula-se Princípios do Desenho Linear compreendendo os de Geometria Pratica, pelo método do ensino mutuo, extraídos de L. B. Francœur, dedicados aos Amigos da Instrução Elementar no Brasil, por A. F. de P. e Iollanda Cavalvanti d´Albuquerque. O exemplar analisado foi localizado na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro . 4 Trata-se de uma tradução/adaptação, realizada em 1829 por Albuquerque, da obra francesa Dessin Linéaire et Arpentage, pour touts les écoles primaires, quel que soit le mode d´instruction qu´on y suit, publicada em 1819 . A 5 designação de geometria prática no título em português, não presente na versão em francês, reforça a finalidade em atender à lei da instrução pública. E quais são as práticas que sustentavam a proposta do livro francês e da sua tradução? A pesquisadora Gláucia Trinchão cedeu gentilmente o microfilme do livro, que foi convertido em pdf (Projeto CNPq 2010).4 Para um estudo mais aprofundado sobre o livro e sua tradução, leiam-se Leme da Silva e Valente (2014); Guimarães (2017), disponível em: https://5 repositorio.ufsc.br/handle/123456789/180323; Oliveira (2019), disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/zetetike/article/view/ 8654266/20784. 21 CAPÍTULO I - O ENSINO DE GEOMETRIA E DESENHO A pesquisadora Gláucia Trinchão cedeu gentilmente o microfilme do livro, que foi convertido em pdf (Projeto CNPq 2010). Para um estudo mais aprofundado sobre o livro e sua tradução, leiam-se Leme da Silva e Valente (2014); Guimarães (2017), disponível em: https:// Oliveira (2019), disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/zetetike/article/view/ CAPÍTULO I - O ENSINO DE GEOMETRIA E DESENHO https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/180323 https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/180323 https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/zetetike/article/view/8654266/20784 https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/zetetike/article/view/8654266/20784 Figura 1: Capa dos livros de Francœur (1819) e de Albuquerque (1829) Fonte: Francœur (1819) e de Albuquerque (1829) 6 O manual francês de Francœur, examinado pelo pesquisador Renaud D’Enfert (2007), tem por finalidade exercitar a visão e as mãos. Os alunos deveriam estudar o traçado à mão livre de linhas retas antes de abordar as linhas curvas, para depois realizar traçados de molduras e ornamentos. D’Enfert considera a proposta como uma fórmula simplificada do método de Pestalozzi , no qual o 7 conhecimento se apoia na percepção sensível da natureza, e, mais particularmente, nas sensações e nas observações visuais. Ele repousa sobre a percepção, a partir da observação das formas e de sua comparação com as figuras geométricas elementares, para depois representar através do desenho. No Brasil, a lei de 1827, que trouxe o ensino das noções gerais de geometria prática, deliberava a criação de escolas primárias com o método lancasteriano ou mútuo . 8 Disponível em: Francœur (http://books.google.fr/books?id=FSFSAAAAcAAJ&hl=fr) e Albuquerque (https://repositorio.ufsc.br/handle/6 123456789/159257). JohannHeinrich Pestalozzi (1746-1826), educador suíço, nasceu em Zurich. Quando estudante, participou de movimentos de reforma política e 7 social. Conhecido por sua ação como mestre, diretor e fundador de escolas, suas ideias demarcaram a pedagogia intuitiva, cuja característica básica era oferecer, na medida do possível, dados sensíveis à percepção e à observação dos alunos (ZANATTA, 2012). De acordo com Bastos (1997), o método mútuo foi sistematizado, separadamente, por A. Bell (1753-l832) e por J. Lancaster (1778-1838), que 8 reivindicaram a paternidade dele. 22 CAPÍTULO I - O ENSINO DE GEOMETRIA E DESENHO http://books.google.fr/books?id=FSFSAAAAcAAJ&hl=fr https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/159257 https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/159257 Diferentemente do método de ensino individual e simultâneo, em que o agente de ensino é somente o professor; no método mútuo, a responsabilidade do ensino é dividida entre o professor e os monitores, também chamados Decuriões (alunos mais adiantados), visando a uma democratização das funções de ensinar (BASTOS, 1997). Assim sendo, a obra informa no título ser ela destinada ao ensino mútuo. Entretanto, a tradução/ adaptação não se refere à obra toda e revela uma singularidade: acrescenta a expressão “geometria prática” não constante do título original francês. As atividades selecionadas do original correspondem à sua primeira parte, em que são propostas atividades de construções geométricas, nas quais os alunos deveriam desenhar figuras geométricas à mão livre, com a máxima precisão possível, apresentadas no final do livro. O livro original de Francœur é estruturado em seis partes, porém a tradução e a adaptação de Albuquerque referem-se somente às quatro primeiras , distribuídas sinteticamente conforme o Quadro 1: Quadro 1 – Distribuição dos conteúdos em Albuquerque (1829) Fonte: adaptado de Albuquerque, 1829 23 CAPÍTULO I - O ENSINO DE GEOMETRIA E DESENHO 1.a classe Traçado de retas, divisão em partes iguais, vertical, horizontal, retas paralelas, â n g u l o a g u d o e o b t u s o , r e t a s perpendiculares, triângulos (equilátero, i s ó s c e l e , e s c a l e n o , r e t â n g u l o ) , quadriláteros (quadrado, retângulo, losango, paralelogramo), dividir e duplicar ângulos 2.a classe Ângulos perpendiculares, trapézio, polígonos, pirâmides, tronco de pirâmides, paralelepípedo, cubo, prismas 3.a classe Círculo, diâmetros, divisão do círculo, arcos, tangentes, c i rcunscrever e inscrever figuras regulares no círculo, polígonos regulares 4.a classe Tangentes aos círculos, duplicar e diminuir quadrados, esferas, meridianos, elipses, cones, cilindros A análise do Quadro 1 indica que a distribuição e a sequência dos conteúdos geométricos são regidas pela dificuldade em traçar à mão livre os desenhos. Na 1.a classe, iniciam-se os traços retilíneos, primeiramente de figuras como linhas retas, depois de ângulos, em seguida inserem-se as figuras geométricas planas. Somente na 2.a classe, passa- se para as figuras geométricas espaciais, mas ainda desenhadas por traçados retilíneos. O círculo e os arcos são introduzidos apenas na 3.a classe, por exigir um domínio maior das mãos para efetuar um traçado curvilíneo. A disposição e a sequência dos conteúdos a serem estudados são dadas não por particularidades da geometria em si, mas sim, pelos ditames do desenho de tais figuras geométricas feitas à mão livre, sempre procurando alcançar a máxima perfeição. Antes das atividades, o manual traz as “Instruções Gerais para o Professor”, ou seja, orienta como as atividades devem ser executadas pelos alunos, considerando o método de ensino mútuo proposto na obra, no qual os alunos mais adiantados (decuriões) instruem os iniciais: Professor, Decurião, e discípulos são considerados no mesmo grau de instrução, ou com pouca diferença, e, todavia, ensinarão uns aos outros, sem dar preceito algum, e só a força da imitação. O progresso do ensino é antes devido a boa ordem, e zelo, do que ao saber do mestre. (ALBUQUERQUE, 1829, p. 4-5, grifos nossos) Fica clara a importância de práticas de imitação, de cópia de desenhos prontos, visto que nenhuma outra orientação é fornecida. Os alunos devem realizar sucessivos desenhos até que obtenham a precisão, que é verificada pelo decurião, empregando os instrumentos em sua avaliação. O ofício do aluno é de “praticar” a arte de desenhar, desse modo será por meio de práticas de desenho repetitivas que irá atingir o conhecimento. E quais são essas práticas? Prática de desenhar à mão livre, de habilidade nos traçados e destreza no manuseio do giz sobre a ardósia: O professor deverá prover a Escola de diferentes instrumentos: Ardósia lisa; os discípulos [alunos] escrevem sobre essas tábuas com giz, gesso, ou outro mineral, que se preste facilmente a traçar, e ser apagado na tábua. Tábuas de madeira da mesma grandeza, sobre as quais se fixam as estampas gravadas, são modelos, que os discípulos devem ter em vista, e copiar sobre a tábua preta. Metros divididos devem ser pregados ao alto das tábuas pretas das três primeiras classes, e estar à vista dos desenhadores. (ALBUQUERQUE, 1829, p. 2-3) Nas orientações, o metro deve estar em lugar de destaque para a observação dos alunos durante a cópia dos modelos, que exige firmeza nos traçados “há tanto 24 CAPÍTULO I - O ENSINO DE GEOMETRIA E DESENHO merecimento em corrigir um traço, ou em perceber aonde, e de que maneira ele é defeituoso, como em traçar corretamente” (ALBUQUERQUE, 1829, p. 5). A precisão é outra exigência para que se possa obter uma boa reprodução. E, assim, evidencia-se a prática de medir, feita através do treino do olhar na verificação da cópia de modelos: Convém, especialmente, que o discípulo [aluno] se familiarize com as medidas métricas lineares e de capacidade; o olho deve-lhe ser um regulador tão certo, como se ele servisse de um metro: basta o habilitar a isso, para que o sentido da vista lhe seja um guia quase infalível. (ALBUQUERQUE, 1829, p. 6) Os instrumentos (régua, transferidor, compasso, etc.) são de uso exclusivo dos professores e dos decuriões. Conforme posto nas Instruções Gerais para o Professor, há uma listagem de instrumentos que os decuriões devem ter 9 acesso para verificar a exatidão dos desenhos. Será preciso praticar a arte de medir, prática de exercício visual, de estimar com os olhos as medidas. Tudo indica que essas foram as primeiras orientações que sustentaram uma proposta de geometria prática para a escola de primeiras letras – práticas de desenho à mão livre – como reafirmam as orientações da obra: Serve-se em Geometria de uma multidão de palavras, tais como diâmetro, paralela, retângulo, que tem significações precisas. O Professor deve conhecê-las, e nós as explicaremos à medida, que for necessário; [...] a forma do modelo e o hábito de os imitar basta para fazer dar a estas palavras um sentido claro, sem que sejam úteis as explicações. Não se compreende bem, o que é raio, centro, ângulo sem o socorro de definições? O uso fará mesmo supérfluas outras instruções. (ALBUQUERQUE, 1829, p. 6-7, grifos nossos) O ensino de geometria prática se traduz pela prática de copiar modelos; e às práticas de desenhar à mão livre, atreladas às práticas de medir com os olhos. Não se teoriza sobre os conceitos geométricos, somente as práticas de um desenho perfeito (manuseio firme, observação detalhada e medida precisa com o olhar) respondem às demandas de “Pequenas réguas de 2, ou 3 decímetros divididas em centímetros ou milímetros. Os Decuriões conservam-nas sobre os bancos para delas se 9 servirem. Outras tabuletas pequenas, sobre as quais se fixam as séries de mandamentos, que deve fazer cada Decurião. Este conserva a tabuleta na mão, e lê a frase, que lhe parece, para fazer executar. Grandes, e pequenos esquadros; que se dão aos Decuriões para verificar seos ângulos traçados são retos. Grandes, e pequenos compassos de metal, ou madeira, destinado a verificação dos desenhos. Finalmente, semicírculos graduados, denominados de transferidores” (ALBUQUERQUE, 1829, p. 3-4). 25 CAPÍTULO I - O ENSINO DE GEOMETRIA E DESENHO ensino, a uma prática escolar de desenhar. Podemos perceber o método intuitivo de Pestalozzi, como base da proposta adaptada por Albuquerque: Que por meio do exercício do traçado de linhas, ângulos e arcos, como começo a fazer, se produz uma firmeza na intuição de todas as coisas e se coloca na mão do menino uma força artificial cujos resultados devem produzir decisivamente no sentido de fazer-lhe claro e gradualmente compreensível tudo o que cabe dentro do círculo de suas observações. (PESTALOZZI, 1889, p. 58, tradução nossa ) 10 A ordem do ensino é regida pela dificuldade das figuras a serem copiadas, ou seja, pela construção de uma habilidade nos traçados. Na primeira classe, as figuras são retilíneas; na segunda, seguem os traçados com linhas retas, mas introduzem-se as figuras espaciais; e na terceira classe, iniciam-se os traçados com as linhas curvas, como podemos observar nas pranchas presentes ao final do livro. “Que por medio del ejercicio em el trazado de líneas, ângulos y arcos, como yo comencé entonces á hacerlo, se produce una firmeza en la intuición de todas las cosas y se coloca 10 en la mano del niño uma fuerza artificial en el sentido de hacerles claro y gradualmente comprensible todo lo que caiga dentro del círculo de sus observaciones” (PESTALOZZI, 1889, p. 58). 26 CAPÍTULO I - O ENSINO DE GEOMETRIA E DESENHO FIGURA Figura 2: Pranchas do livro de Albuquerque (1829) Fonte: Albuquerque (1829) 27 CAPÍTULO I - O ENSINO DE GEOMETRIA E DESENHO O uso dos instrumentos pelos alunos não é mencionado, a prática de medir não se inicia por aprender 11 a usar adequadamente os instrumentos e sim por uma atividade prática de educar o olho para realizar medidas. Mede-se com o olhar e não com instrumentos, ou melhor, as primeiras práticas de medir destinadas ao ensino primário sustentam-se num exercício visual de estimativas, em acordo com o método intuitivo e de lições de coisas de Pestalozzi. Os desenhos representam as coisas que, na busca pela perfeita reprodução, ativam a participação sensorial dos alunos, num exercício contínuo de estimativa, ou seja, um ensino ativo. Em síntese, o ensino de geometria na escola de primeiras letras nasceu com propostas do método intuitivo, entretanto, somente no final do século XIX, os preceitos do referido método atribuído à Pestalozzi circularam e foram inseridos como norteadores da escola primária brasileira. Tratava-se de uma geometria prática, representada por práticas de desenho de figuras geométricas à mão livre, em que a prática de medir e de traçar sustentava o ensino, em outras palavras, um ensino prático, ativo no sentido de que o aluno exercitava sucessivas vezes o desenho até atingir a perfeição. Acreditava-se que a prática de uma construção perfeita levaria o aluno a compreender o significado e as propriedades que definem a figura geométrica. Por exemplo, o quadrado somente seria aceito como correto pelo decurião quando todos os segmentos (lados) tivessem a mesma medida, e todos os ângulos fossem retos. O aluno deveria compreender a característica central de suas propriedades na prática de medir e traçar. Não era preciso apresentar a definição de quadrado (quatro lados de mesma medida e quatro ângulos retos), nem mesmo nomeá-lo, o aprendiz reconheceria o desenho e suas propriedades pela prática da reprodução. Pouco se sabe sobre a circulação da obra de Albuquerque no Brasil, entretanto, pesquisa realizada por D’Esquivel (2015) ressalta que a Escola Normal da Bahia desde a sua fundação, em 1834, apresentava a Cadeira de Desenho Linear para a formação dos professores primários, e para dar cumprimento aos programas de desenho previsto, adotou o livro Desenho Linear, de Francœur. D’Esquivel (2015) comenta que, em 1852, o presidente da província Gonsalves Martins alegou que, como a Escola Normal não tinha um compêndio de desenho linear em língua nacional, o professor forneceu uma apostila do compêndio de Francœur, traduzindo-o no ato de explicar as lições. Observa-se que o presidente da província desconhecia a tradução da obra feita por Albuquerque e publicada no Rio de Janeiro em 1829. Parece que o contato com a França era mais fácil do que com a circulação da produção nacional. De todo modo, a proposta de Francœur, do ensino do desenho linear e de uma geometria prática pelo método mútuo, se fez presente na formação de mestres da Bahia. No Capítulo III – O ensino de geometria e medidas – retoma-se e aprofunda-se esta questão.11 28 CAPÍTULO I - O ENSINO DE GEOMETRIA E DESENHO Outra obra francesa referenciada no estudo de D’Esquivel (2015) e utilizada para o ensino de desenho na Bahia é o Manual das Escolas Elementares d’Ensino Mutuo e Simultaneo, livro traduzido pelo professor João Alves Portella que havia sido enviado em missão de estudo à 12 Escola Normal da capital francesa e que, no seu retorno, em 1842, foi nomeado para a Cadeira de Ensino Mútuo e Simultâneo. Segundo o pesquisador, o livro foi aprovado, em 1842, como compêndio na Escola Normal da Bahia e serviu como regulamento das aulas primárias. A obra analisada foi publicada em 1854. Figura 3: Capas dos livros de Sarazin (1831) e de Portella (1854) Fontes: Sarazin (1831) e Portella (1854) 13 Mais adiante, discutimos a importância das missões de estudo ao estrangeiro para a formação do sistema escolar nacional. Estudo sobre as missões 12 pedagógicas pode ser lido em Conceição (2019). O livro de Portella está disponível em: https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/135020. O livro francês de Sarazin encontra-se na Biblioteca 13 Nacional da França (BNF), em Paris, o qual, durante o estágio pós-doutoral de 2015, tive a oportunidade analisar. 29 CAPÍTULO I - O ENSINO DE GEOMETRIA E DESENHO Mais adiante, discutimos a importância das missões de estudo ao estrangeiro para a formação do sistema escolar nacional. Estudo sobre as missões https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/135020. O livro francês de Sarazin encontra-se na Biblioteca Nacional da França (BNF), em Paris, o qual, durante o estágio pós-doutoral de 2015, tive a oportunidade analisar. CAPÍTULO I - O ENSINO DE GEOMETRIA E DESENHO https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/135020 Da capa da obra constam: o título – Manual das Escolas Elementares d’Ensino Mútuo –;direções para o ensino de todas as matérias da instrução primária elementar, para uso dos fundadores, dos inspetores e dos diretores de escolas; o nome do autor da versão original – M. Sarazin, Professor do curso especial de ensino mutuo, fundado na cidade de Paris –; e obra adotada pela Sociedade de Instrução Elementar aprovada pelo Conselho de Instrução Publica de França e traduzida por João Alves Portella . As 14 lições “Do ensino do desenho linear” comportam sete páginas, distribuídas em oito classes, sendo que as cinco primeiras se classificam em desenho com a mão levantada, e as três últimas de traçados geométricos, assim distribuídas, conforme mostra o Quadro 2: Uma análise comparativa entre o livro original francês e sua tradução pode ser lida em Leme da Silva (2018), disponível em: https://www.scielo.br/14 scielo.php?pid=S0103-73072018000200352&script=sci_arttext. 30 CAPÍTULO I - O ENSINO DE GEOMETRIA E DESENHO FIGURA Uma análise comparativa entre o livro original francês e sua tradução pode ser lida em Leme da Silva (2018), disponível em: 14 scielo.php?pid=S0103-73072018000200352&script=sci_arttext. https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-73072018000200352&script=sci_arttext https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-73072018000200352&script=sci_arttext Quadro 2 – Distribuição dos conteúdos em Portella(1854) Fonte: adaptado de Portella (1854) Quanto ao método, a orientação é que as figuras sejam feitas sem instrumentos e o monitor geral “deve pôr ao redor da sala, um quadro de desenho, um compasso, uma esquadria, um meio-metro, alguns lápis e uma esponja” (PORTELLA, 1854, p. 65). De maneira similar à obra de Albuquerque, os instrumentos ficam com os monitores que fazem a correção dos desenhos: Quando eles recebem ordem, tomam seus pequenos instrumentos, régua, esquadro e compasso, [...]; e, parando à direita de cada discípulo, corrigem algumas figuras, endireitando uma linha por meio da régua, dando um ângulo reto a abertura conveniente por meio do esquadro, vendo se certo ângulo está bem dividido em partes iguais por meio do compasso. (PORTELLA, 1854, p. 64) Entretanto, a organização das lições do livro de Portella é uma adaptação da obra original em francês e não uma tradução simplesmente, visto que o livro Manuel des écoles élémentaires ou exposé de la méthode de l’enseignement mutuel, de Sarazin (1831), organiza o desenho linear em oito classes, todas com conteúdos 31 CAPÍTULO I - O ENSINO DE GEOMETRIA E DESENHO Desenho com a mão levantada 1.a classe Traçado e divisão de linhas retas 2.a classe Traçado e divisão de ângulos 3.a classe Triângulos, quadriláteros, polígonos irregulares 4.a classe Linhas curvas, círculo e polígonos regulares 5.a classe Pirâmides, prismas, cones, cilindros, esfera e poliedros regulares Traçado geométrico 6.a classe Traçado e divisão de linhas retas, de circunferência e de ângulos 7.a classe Triângulos, quadriláteros e polígonos regulares 8.a classe Tangentes, curvas com diversos centros, secções cônicas e aplicações diversas de desenho distintos, como vemos no Quadro 3, a começar pela não separação entre “desenho com a mão levantada” e “traçados geométricos”, expressões empregadas somente por Portella. Quadro 3 – Distribuição dos conteúdos em Sarazin (1831) Fonte: adaptado e traduzido de Sarazin (1831) Claramente, Portella adapta algumas figuras de Sarazin e acrescenta outras. A divisão entre “desenho com a mão levantada” e “traçados geométricos” sugere que os desenhos das últimas classes (6.a, 7.a e 8.a) sejam com instrumentos, visto que a 6.a e a 7.a classe reproduzem as mesmas figuras já traçadas pelos alunos nas primeiras classes, somente para a 8.a classe apresentam-se novas figuras. Entretanto, essa é uma interpretação possível, talvez uma tentativa de separar as duas formas de construção, o que em francês se denomina “à main levé” e que hoje se traduz por “à mão livre”, cujo significado é o desenho sem instrumento, somente com lápis. Já os “traçados geométricos” devem ser próximos do desenho geométrico, termo designado no desenho com instrumentos. O programa de ensino para a escola primária da Bahia, de 1895 (D’ESQUIVEL, 2015), apresentava a designação de desenho geométrico e desenho à mão levantada, o que corrobora a diferenciação entre as duas formas de desenho, a primeira com instrumento; e a segunda, sem uso deles. Por fim, há ainda outra recomendação na obra de Portella sobre os métodos. O tradutor considera três métodos: 1o método. O monitor mostra e nomeia a figura, que se deve traçar; um discípulo a nomeia e a 1.a classe Traçado de linhas retas e de ângulos 2.a classe Triângulos e quadriláteros 3.a classe Polígonos irregulares, triângulos e polígonos semelhantes 4.a classe Pirâmides e prismas 5.a classe Círculo e polígonos regulares 6.a classe Cone, cilindro e esfera 7.a classe Vasos, molduras, etc. 8.a classe Elevações, planos, projeções, desenho de máquinas, etc. 32 CAPÍTULO I - O ENSINO DE GEOMETRIA E DESENHO executa. Todos os outros discípulos a nomeiam e executam; o monitor a desenha por último. 2o método. O monitor mostra, sem nomeá-la, a figura, que deve traçar; o discípulo a nomeia e a executa. O resto como acima. 3o método. O discípulo executa a figura, que foi ditada, e avalia no todo ou em partes as suas dimensões em decímetros ou em centímetros. O meio-metro do monitor lhe serve para depois verificar se a execução foi exata. (PORTELLA, 1854, p. 65, grifos nossos) Observa-se nos dois primeiros métodos propostos por Portella que as figuras são nomeadas seja pelo monitor seja pelo discípulo (aluno), o que se diferencia da proposta de Albuquerque em que fica explícita a não necessidade de nomear as figuras, conforme comentado anteriormente. Novamente, pode se tratar de apropriação de Portella, visto que, na versão de Sarazin (1831), não havia indicação de nomear as figuras, a orientação era que “Para que os alunos conheçam a definição das figuras geométricas que eles desenharam, os professores deverão redigir, colocar no quadro e ler para os alunos avançados” (SARAZIN, 1831, p. 15 49, tradução nossa). Isso posto, podemos dizer que, assim como em Albuquerque, a obra de Portella propunha um ensino de geometria atrelado ao desenho de figuras geométricas e com práticas de desenhar à mão livre, sem instrumentos. A prática do desenho, do medir com os olhos, de traçados firmes para reproduzir continuava presente. Como já dito, no período das escolas de primeiras letras, a publicação de livros ou manuais aos professores era muita restrita, em especial, quando destinada a um saber específico como a geometria ou o desenho. Na obra de Portella, a parte designada ao desenho linear ocupa somente 7 páginas de um total de 128. Para além da falta de publicação, constata-se a dificuldade de circulação das poucas e raras obras, como, por exemplo, o caso do livro traduzido no Rio de Janeiro em 1829. Na Bahia, em 1852, mediante a necessidade de se seguir um livro para a Cadeira de Desenho Linear para a formação dos professores primários, o professor se valeu da obra em francês, sendo que ela já havia sido traduzida no Rio de Janeiro, em 1829. Diante da escassez de livros ou manuais, as duas obras analisadas foram representativas das propostas de ensino para a geometria prática ou o desenho das escolas primárias. Outro fator que vem reforçar o vínculo entre o ensino de desenho e de geometria foi a ênfase dada ao ensino de Desenho no Parecer da Reforma do Ensino Primário e “Pour que les éleves connaissent les définitions des figures géométriques qu’ils dessinent, les instituteurs feront bien de les rédiger, de les mettre en 15 tableaux, et de les donner à lire aux éleves avancés” (SARAZIN, 1831, p. 49). 33 CAPÍTULO I - O ENSINO DE GEOMETRIA E DESENHOCAPÍTULO I - O ENSINO DE GEOMETRIA E DESENHO Várias Instituições Complementares da Instrução Pública, publicado em 1883, cujo relator foi Rui Barbosa . 16 Figura 4: Rui Barbosa e Capa da Reforma do Ensino Primário (1883) Fonte: Reforma do Ensino Primário (1883) 17 Rui Barbosa (1849-1923) foi advogado, homem de estado, orador, jornalista, homem de letras. Os escritos de Rui Barbosa sobre educação 16 compreendem um período limitado (1881-1886) de sua trajetória política como reformador social (BASTOS, 2000). Um estudo mais aprofundado sobre o desenho no Parecer de Rui Barbosa pode ser lido em Leme da Silva (2016) e Guimarães (2017), disponíveis em: https://repositorio.ufsc.br/ handle/123456789/180323 O parecer de Rui Barbosa sobre a reforma do ensino primário foi publicado em 1883, entretanto as citações são referenciadas a partir da edição das 17 Obras Completas, desse autor, em 1947. O livro (Tomo II) está disponível em: https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/168784. 34 Várias Instituições Complementares da Instrução Pública publicado em 1883, cujo relator foi Rui Barbosa .16 Rui Barbosa (1849-1923) foi advogado, homem de estado, orador, jornalista, homem de letras. Os escritos de Rui Barbosa sobre educação compreendem um período limitado (1881-1886) de sua trajetória política como reformador social (BASTOS, 2000). Um estudo mais aprofundado sobre o desenho no Parecer de Rui Barbosa pode ser lido em Leme da Silva(2016) e Guimarães (2017), disponíveis em: handle/123456789/180323 O parecer de Rui Barbosa sobre a reforma do ensino primário foi publicado em 1883, entretanto as citações são referenciadas a partir da edição das Obras Completas, desse autor, em 1947. O livro (Tomo II) está disponível em: Figura 4: Rui Barbosa e Capa da Reforma do Ensino Primário (1883) Fonte: Reforma do Ensino Primário (1883)17 Rui Barbosa (1849-1923) foi advogado, homem de estado, orador, jornalista, homem de letras. Os escritos de Rui Barbosa sobre educação compreendem um período limitado (1881-1886) de sua trajetória política como reformador social (BASTOS, 2000). Um estudo mais aprofundado sobre o desenho no Parecer de Rui Barbosa pode ser lido em Leme da Silva (2016) e Guimarães (2017), disponíveis em: https://repositorio.ufsc.br/ https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/168784 https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/180323 https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/180323 Para sustentar a defesa do desenho no curso primário, Rui Barbosa apoiou-se em orientações de professores e organizadores de reformas educacionais de vários países, como Bélgica, Estados Unidos, França, Inglaterra, indicando que a introdução do desenho no ensino primário teria sido um movimento internacional com muitos consensos. Entre eles, destaca-se: Que, na ordem pedagógica, bem como na ordem histórica, o desenho precede a escrita; Que o seu ensino deve principiar desde os primeiros passos da criança na cultura do espírito, isto é, desde a entrada na kindergarten (jardim de infância); Que é um elemento essencial ao cultivo das faculdades de observação, de invenção, de assimilação e retenção mental. (BARBOSA, 1947, p. 124) Barbosa sugere que, na escola primária, o ensino de desenho deveria iniciar com “desenho à mão livre”, desenho por modelos, desenho de memória. O principal objetivo atribuído ao desenho à mão livre era “ensinar o uso conveniente do material, os nomes das linhas e figuras, educar o olho na validação das proporções, e inculcar a percepção do belo nas curvas e conformação dos objetos” (BARBOSA, 1947, p. 162). O desenho à mão livre, defendido por Rui Barbosa, foi igualmente referenciado nos relatórios e nos artigos produzidos pelos professores Luiz Reis, Manoel Frazão e Amélia Costa que seguiram em missão pedagógica para 18 Europa, em 1891. Esses três professores participaram da primeira delegação republicana de docentes em missão ao estrangeiro, visitando Portugal, Espanha, França, Suíça, Suécia, Inglaterra e Bélgica. Os intercâmbios entre os países tiveram, no século XIX, um papel relevante na organização e na construção dos sistemas escolares modernos. A tese de doutorado de Conceição (2019) analisou os relatórios e os artigos produzidos pelos viajantes, em que eles contam as experiências observadas e vivenciadas no exterior. Sobre o ensino de desenho, o pesquisador concluiu que tudo indica que o desenho à mão livre caracterizava o ensino de desenho na escola primária portuguesa, assim como a presença do papel quadriculado no início dos estudos, para facilitar as primeiras produções, na busca pela destreza da mão, o que também foi identificado na Itália, em que o desenho geométrico era unicamente limitado para classes mais avançadas, devendo o professor ser hábil nas construções à mão livre. As missões ou viagens pedagógicas era uma atividade comum no final do século XIX, visto que era a maneira de o País entrar em contato com as 18 atualizações em Educação. Trata-se de intensificação de conexões entre países do mundo no momento da primeira globalização com repercussão na vida social e na educação (CONCEIÇÃO, 2019). 35 CAPÍTULO I - O ENSINO DE GEOMETRIA E DESENHO Ainda considerando os intercâmbios entre países, em especial na tradução de manuais estrangeiros para o português, faz-se necessário comentar a tradução, feita por Rui Barbosa, do livro Primary Object Lessons, de Norman Allison Calkins , publicado originalmente em 1881 nos 19 Estados Unidos. O manual foi traduzido como Primeiras lições de coisas: manual de ensino elementar para uso dos pais e mestres e publicado em 1886, no Brasil, tendo grande relevância na circulação e na disseminação do método intuitivo em São Paulo, no final do século XIX. Figura 5: Capas do livro de Calkins (1884) e da tradução de Barbosa (1886) Fonte: Calkins (1950) 20 Vários estudos detalhados sobre o livro de Calkins e sua tradução para o português por Rui Barbosa merecem ser consultados, citam-se: Gomes 19 (2011), disponível em: http://periodicos.uem.br/ojs/index.php/rbhe/article/view/38497, Leme da Silva (2015b), disponível em: https:// repositorio.ufsc.br/handle/123456789/160951; Frizzarini e Leme da Silva (2016), disponível em: http://periodicos.uem.br/ojs/index.php/rbhe/article/ view/40740 e Santos (2018), disponível em: https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/186653. A tradução de Rui Barbosa da obra de Calkins foi publicada em 1886, entretanto as citações são referenciadas a partir da edição das Obras 20 Completas desse autor, em 1950. O livro está disponível em: https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/169134. 36 Vários estudos detalhados sobre o livro de Calkins e sua tradução para o português por Rui Barbosa merecem ser consultados, citam-se: Gomes http://periodicos.uem.br/ojs/index.php/rbhe/article/view/38497, Leme da Silva (2015b), disponível em: https:// Frizzarini e Leme da Silva (2016), disponível em: http://periodicos.uem.br/ojs/index.php/rbhe/article/ https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/186653. A tradução de Rui Barbosa da obra de Calkins foi publicada em 1886, entretanto as citações são referenciadas a partir da edição das Obras https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/169134. https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/169134 http://periodicos.uem.br/ojs/index.php/rbhe/article/view/38497 https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/160951 https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/160951 http://periodicos.uem.br/ojs/index.php/rbhe/article/view/40740 http://periodicos.uem.br/ojs/index.php/rbhe/article/view/40740 https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/186653 As lições de desenho, presentes na obra de Calkins, têm por função desenvolver a habilidade do manuseio do lápis e a capacidade de discernir figuras e posições das linhas e objetos bem como medir suas extensões a olho nu, ou seja, a prática do desenho à mão livre. O livro de Calkins não faz referência alguma ao desenho linear, geométrico ou com instrumentos. Em contrapartida, o parecer de Rui Barbosa explicita claramente seu posicionamento contrário ao desenho realizado com o uso de instrumentos geométricos, o desenho linear: O chamado desenho linear geométrico das nossas escolas é condenável, em princípio, como inovação na ciência do desenho; é um a b c tão absurdo no ensino artístico, como a soletração é um a b c absurdo no ensino linguístico. Entregar logo à criança a régua e o compasso é tirar dela toda a vontade de aprender, toda a iniciativa; é paralisar o órgão mais precioso – a vista; é fomentar a preguiça, a inércia, a incapacidade. (VASCONCELOS apud CALKINS, 1950, p. 141) Se, por um lado, o parecer de Rui Barbosa contribuiu para a importância do desenho à mão livre como prática de ensino desde os primeiros passos da educação, ele dava indícios de que a prática pedagógica das escolas brasileiras do final do século XIX sugeria o desenho para crianças com 37 CAPÍTULO I - O ENSINO DE GEOMETRIA E DESENHO 37 CAPÍTULO I - O ENSINO DE GEOMETRIA E DESENHO instrumentos, que, diferentemente do desenho à mão livre, poderia desfavorecer a faculdade da observação, da invenção e do interesse por aprender. Foi justamente na segunda metade do século XIX, no Brasil, que uma nova prática de desenho se inseriu nos livros destinados aos primeiros anos escolares – o desenho geométrico –, realizado com régua e compasso, por meio de uma sequênciade passos a serem memorizados pelos alunos. Retomando o contexto da França, o manual de Francœur foi revisado em 1827 e 1832, e o seu método tornou-se modelo para vários outros autores de manuais na França. A edição de 1827 esboça uma via intermediária, primeiro o desenho à mão livre e, em seguida, repete-se o desenho de figuras geométricas, porém empregando a régua e o compasso. Entretanto, o posicionamento de Francœur não representou unanimidade, houve autores que publicaram manuais excluindo totalmente o desenho à mão livre em favor dos traçados geométricos com régua e compasso e abriram o debate sobre a pertinência do desenho à mão livre. O pesquisador francês D’Enfert (2007, p. 58, grifo do autor) ainda considera a perda de autonomia do desenho linear, que se torna dependente da geometria: Para os alunos mais jovens da escola elementar, o desenho à mão livre ensinado sem teoria explícita é privilegiado, a fim de exercer os sentidos e de se iniciá-los na geometria; para os alunos mais velhos, das escolas primárias superiores ou dos cursos de adultos, a ênfase é colocada no desenho linear “exato” e no uso dos instrumentos, às vezes, paralelamente ao curso de geometria. (D’ENFERT, 2007, p. 58) A partir de então, numerosos manuais abordavam primeiro as noções de geometria para apresentar, em seguida, o desenho à mão livre ou o traçado geométrico com instrumentos. A predominância da geometria sobre o desenho linear modificou as relações entre as duas disciplinas. D’Enfert chama a atenção para a questão das finalidades: trata-se de aprender a desenhar ou de bem compreender, mesmo que intuitivamente, a geometria? Tal questão parece seguir em aberto por longo tempo. DESENHO LINEAR OU DESENHO GEOMÉTRICO As primeiras produções de manuais escolares destinados ao ensino de geometria e de desenho, no Brasil , 21 É preciso citar o livro Noções de Geometria Prática, de Vasco de Araujo e Silva, publicado em Porto Alegre, em 1869. O livro encontra-se na 21 Biblioteca Central da PUC-RS, porém ainda não digitalizado para livre acesso aos pesquisadores. Estudo sobre a obra pode ser lido em Silva (2019), disponível em: https://periodicos.ufn.edu.br/index.php/VIDYA/article/view/2798. 38 CAPÍTULO I - O ENSINO DE GEOMETRIA E DESENHO https://periodicos.ufn.edu.br/index.php/VIDYA/article/view/2798 que não se caracterizavam como traduções ou adaptações, mantinham o vínculo do ensino de geometria associado ao desenho, porém, não se destacava mais o desenho à mão livre, que cedeu seu lugar para o desenho geométrico, como já dito, desenho feito com régua e compasso. Dois manuais foram representativos no período que vai do final do século XIX até meados do século XX, pelas inúmeras edições. São eles: o livro Desenho linear ou geometria prática popular, de Abílio César Borges , cuja 1.a edição é de 1876, e o livro 22 Primeiras Noções de Geometria Prática, de Olavo Freire da Silva , sendo a 1.a edição publicada em 1894. 23 Figura 6: Capas do livro de Borges (1882) e de Freire da Silva (1907) Fonte: Borges (1882) e de Freire da Silva (1907) 24 Abílio César Borges (1824-1891) concluiu o curso de Medicina em 1847, mas não seguiu a profissão. Em 1858, fundou o Ginásio Baiano em 22 Salvador. Fez três viagens à Europa, de onde trouxe material pedagógico e redigiu compêndios. Em 1871, mudou-se para o Rio de janeiro e inaugurou o Colégio Abílio, que funcionou até 1880 (SAVIANI, 2010). A edição do livro que analisamos data de 1882. Olavo Freire da Silva (1869-1941) assumiu, em 1890, a função de conservador do Museu Pedagogium, executando papel que se assemelha a de um 23 gestor das atividades do museu, como zelar pela manutenção do acervo, organizar exposições e ministrar cursos para professores. Foi professor da matéria Trabalhos Manuais, na Escola Normal do Rio de Janeiro. O livro de Borges está disponível em: https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/159272, e o livro de Freire da Silva está disponível em: https://24 repositorio.ufsc.br/handle/123456789/169837. 39 Abílio César Borges (1824-1891) concluiu o curso de Medicina em 1847, mas não seguiu a profissão. Em 1858, fundou o Ginásio Baiano em Salvador. Fez três viagens à Europa, de onde trouxe material pedagógico e redigiu compêndios. Em 1871, mudou-se para o Rio de janeiro e inaugurou o Colégio Abílio, que funcionou até 1880 (SAVIANI, 2010). A edição do livro que analisamos data de 1882. Museu Pedagogium, executando papel que se assemelha a de um gestor das atividades do museu, como zelar pela manutenção do acervo, organizar exposições e ministrar cursos para professores. Foi professor da https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/159272 https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/169837 https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/169837 As duas obras, embora possuam características distintas, desde a abordagem até o número de páginas e estilo de organização, ambas irão se opor ao método anterior de ensino de geometria associado ao desenho à mão livre. Borges (1882) compara o desenho com a escrita: “Ao 25 deixar a escola primária deveriam os meninos saber tanto de desenho como de escrita, isto é, escrever uma ideia ou um objeto por meio de linhas e sombras, como sabem fazê-lo por meio da escrita abstrata ordinária” (BORGES, 1882, p X). O autor também destaca a importância do ensino do desenho geométrico pautado em sistemas educativos de vários países europeus e dos Estados Unidos e cita Tronquoy, professor de desenho de máquinas da École Polytchecnique de Paris: Diante das exigências sempre crescentes da indústria, dos processos de mecânica e das artes, que têm conexão com as ciências matemáticas, o conhecimento do desenho geométrico é tão indispensável ao engenheiro e ao arquiteto como ao artista e ao operário; e é útil, pelo menos, ao homem do mundo, que não quer ser completamente estranho ao desenvolvimento industrial de seu tempo. (TRONQUOY apud BORGES, 1882, p. XII, grifos nossos) Para um estudo mais detalhado da obra de Borges, citam-se Leme da Silva (2018), disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?25 pid=S0103-73072018000200352&script=sci_arttext; Guimarães (2017), disponível em: https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/180323; Oliveira (2019), disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/zetetike/article/view/8654266/20784. 40 Para um estudo mais detalhado da obra de Borges, citam-se Leme da Silva (2018), disponível em: pid=S0103-73072018000200352&script=sci_arttext; Guimarães (2017), disponível em: (2019), disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/zetetike/article/view/8654266/20784 CAPÍTULO I - O ENSINO DE GEOMETRIA E DESENHO https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-73072018000200352&script=sci_arttext https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-73072018000200352&script=sci_arttext https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/180323 https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/zetetike/article/view/8654266/20784 Para além da defesa pelo desenho geométrico como necessário a todos, independentemente da profissão, a obra de Borges, ainda no prefácio, deixa claro seu posicionamento em relação aos desenhos copiados como reprodução de modelos : 26 Para se chegar a este resultado é indispensável proscrever de uma maneira absoluta a cópia maquinal de modelos como se pratica atualmente, e substituí-la por uma cópia inteligente, que leva pouco a pouco, o discípulo a exprimir suas próprias ideias. O que se diria de uma escola em que o mestre, para ensinar o cálculo, se lembrasse de mandar copiar pelos discípulos páginas e páginas de problemas já resolvidos? (BORGES, 1878, p. XI) Borges considera o desenho à mão livre pela cópia de modelos como um trabalho de máquina, feito sem pensar, e, portanto, precisava ser totalmente banido da escola. O autor faz referência à Pestalozzi, destacando a importância do ensino do desenho para a escrita, sem citar o método intuitivo: O
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