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ANÁLISE ECONÔMICA E ECONOMIA POLÍTICA 
 Carlos Lessa
*
 
 
 
Introdução 
 
Vamos abordar o problema do ensino de economia. Não tem muito sentido relacionar os 
velhos problemas: falta de verbas, falta de professores, professores que não têm tempo 
integral, alunos que não têm dedicação exclusiva, etc. Vou tentar discutir com vocês o tema 
sob um segundo ângulo, o problema substantivo de qual o conteúdo possível, ou qual dos 
conteúdos podem ser propostos à formação do economista. E parece que nossa profissão 
está marcada por pelo menos dois séculos de um debate que até hoje não se resolveu: qual é 
o objeto próprio de reflexão em economia. 
 
Na verdade, existem dois objetos de possível proposição e cada um desses objetos de 
conhecimento apresenta implicações com respeito ao ângulo de abordagem e modo de tratar 
os temas completamente distintas. À primeira vista, os dois objetos não são tão discrepantes 
assim. Um primeiro objeto com que todos os alunos do primeiro ano do curso de economia 
tomam contato é dizer que a meta básica de reflexão do economista é estudar todos os 
fenômenos relacionados com a escassez material; então, o fato econômico se caracterizaria 
pela presença de uma escassez relativa. Ar e água não são problemas econômicos porque 
não são escassos; como tudo mais é escasso, tudo o mais pertence ao terreno da economia. 
Eles dizem que a escassez está diretamente relacionada com outro conceito, que é o 
conceito de opção. Então, o estudo do economista é de como realizar opções segundo 
critérios. Eu chamei isto de objeto número um, ou objeto de análise econômica. 
 
Agora, numa outra perspectiva se propõe como objeto próprio da reflexão do economista o 
estudo das leis sociais que regem os processos de produção e repartição dos bens e serviços. 
Dito de outra maneira, todas as sociedades organizadas, desde a neolítica inferior até a 
sociedade do século XX, de alguma maneira se organizaram para realizar os atos 
necessários para a produção e repartição das coisas que são produzidas e, o modo como 
estas sociedades se organizaram para resolver o problema da produção e repartição, seria o 
que nós vamos chamar aqui de objeto número dois de reflexão do economista, ou objeto da 
economia política. 
 
Vou tentar trabalhar com essas duas definições com o propósito básico de mostrar que o 
matrimônio delas é, até certo ponto, impossível. Assim, na medida em que a formação do 
economista se orienta, ou o economista opta, pelo caminho da análise econômica, isto 
implica em uma determinada visão de mundo que não é possível integrar com a da segunda 
rota, a economia política. A evolução do pensamento econômico coloca a ênfase ora num, 
ora noutro objeto, e o fato de por ênfase num ou noutro objeto reflete um momento do 
processo social que os sistema econômicos e sociais estão atravessando. 
 
*
 Economista; Aula Magna proferida no Departamento de Economia da Unicamp – Outubro, 1972. 
 2 
 
À primeira vista, pode-se dizer que não parece que haja tanta discrepância entre os objetos. 
Afinal de contas, é verdadeiro que todas as sociedades organizadas produzem e repartem 
bens, como é verdadeiro que em toda sociedade organizada há escassez deles. Então, 
alguém poderia dizer que se tratam de duas manifestações simultâneas, e a escolha de um 
ou outro objeto de reflexão não deve gerar conclusões diametralmente opostas ou, pelo 
menos, não compatíveis. 
 
Não é assim, entretanto, em primeiro lugar por características notadamente metodológicas. 
Reparem bem: quando nós definimos que o objeto do conhecimento é de análise 
econômica, ou seja, estudo da escassez e da opção, a um alto nível de abstração a escassez 
se manifesta numa sociedade de coletores primitivos, nos impérios clássicos, na economia 
feudal, no início do capitalismo mercantil, acompanhou a revolução industrial, assistiu à 
aparição da sociedade capitalista numa etapa madura, e também está presente numa 
sociedade socialista. Dito de outra maneira, a escassez é um dado à primeira vista a-
histórico. Então, a construção teórica a partir desse conceito permitiria ou proporia à 
economia o caráter de uma ciência que em sua proposição primeira seria a-histórica. Dito 
de outra forma, a ciência econômica poderia se pretender universal e atemporal. Baseada 
num objeto de conhecimento inicial, o estudo do fenômeno da escassez, a economia 
elaboraria um sistema de proposições teóricas aplicáveis em qualquer sociedade de 
qualquer época. Um ou outro termo dessa equação poderia se modificar a partir de 
aproximações do modelo analítico à situação concreta, mas os corpos teóricos seriam a-
históricos. 
 
Agora, quando se trabalha com o segundo objeto de conhecimento, a economia política, é 
absolutamente evidente que toda e qualquer construção nesse nível sempre dirá respeito a 
um tempo histórico definido, a uma determinada formação social. As leis que regem a 
produção e a repartição numa economia medieval são totalmente diferentes daquelas 
presentes numa economia socialista, e assim por diante. As leis da economia política tem 
vigência definida no espaço e no tempo. Na perspectiva da economia política, a economia 
não poderia pretender construir teorias universais, abrangentes de todos os tempos e todos 
os lugares. 
 
 
Análise Econômica 
 
Uma segunda diferença vem da exigência do próprio objeto do conhecimento. Reparem 
bem: análise econômica. Os senhores todos têm curso de análise econômica - análise micro-
econômica: análise micro e depois aplicações específicas de construções analíticas. Que 
quer dizer analisar? Análise química significa pegar uma substancia e fracioná-la em seus 
elementos constituintes. Qualquer procedimento analítico é uma operação de partição: 
toma-se um todo e parte-se para se obter uma coleção de partes. 
 
Eu vou usar um exemplo para ilustrar uma operação analítica, com um objeto de análise 
aparentemente muito grosseiro - uma vaca. Reparem bem, nós não vamos analisar a vaca 
 3 
em geral, nós vamos tomar uma determinada vaca, nascida em data e lugar específicos. 
Tomem esta vaca, por exemplo, a Madalena, e vamos analisá-la. Agora vamos colocá-la na 
mão de dois analistas: o primeiro analista é um açougueiro. O que é que ele vai fazer com a 
vaca? Vai matá-la. Retira a carne de primeira, a carne de segunda, a carne de terceira, retira 
as vísceras, o couro, etc., ou seja, desmembra aquele todo em uma coleção de partes. Agora, 
se essa mesma vaca tivesse de ser partida por outro analista, o professor da escola de 
Veterinária, o que ele faria? Ele vai utilizar a vaca para uma demonstração de anatomia, 
logo, mata a vaca da mesma maneira. Mas a partir daí, vai desmembrá-la com critérios 
distintos: primeiro, o sistema neuro-vegetativo; depois, o subsistema circulatório; etc. no 
final, teria uma outra coleção de partes. 
 
Em primeiro lugar, qual é o denominador comum dos dois analistas? Ambos assassinaram 
o todo. Segundo dado comum às duas situações: é impossível reconstruir Madalena a partir 
das duas coleções de partes. O que aconteceu? O primeiro analista, o açougueiro, e o 
segundo analista, o professor de anatomia, ao desmembrar a vaca obtiveram não elementos, 
mas partes, que são os elementos sem as conexões com as demais e com o todo. Mas o que 
diferencia um analista do outro é que o primeiro tem critérios de partição que são diferentes 
do critério de partição do segundo. Generalizando mais, poderíamos dizer que existem 
infinitas coleções de partes obtidas a partir de um todo - Madalena. Então, toda análise 
econômica é uma operação de partição, só que não parte de um objeto físico, mas sim de 
idéias. Quais são as idéias? Produção, equilíbrio geral, sistema econômico, e estas idéias, o 
analista em economia parte e obtém uma coleção de partes. Só que, como neste caso, a 
operação de análise se dá com um objeto ideal,o que obtém são conceitos. Mas os objetos 
colocados sob a análise econômica admitem da mesma maneira infinitos modos de partição. 
Então, primeira coisa importante: admite infinitos modos de partição. Dizer isso é dizer que 
existem critérios implícitos ou explícitos por trás dos conjuntos de conceitos econômicos. 
 
 
A armadilha do Critério de Partição 
 
Dependendo dos critérios escolhidos teremos uma determinada coleção de conceitos e, 
dependendo dos conceitos que tomarmos, poderemos demonstrar qualquer coisa. Através 
da análise econômica, é possível simultaneamente demonstrar A e não-A, dependendo da 
coleção de conceitos que nós escolhermos. Apenas para efeito de exemplificação, vamos 
ilustrar a primeira grande armadilha dos procedimentos analíticos, a armadilha do critério 
de partição. 
 
Reparem bem, há uma tese bastante difundida que diz “não é possível compatibilizar o 
objetivo de máximo crescimento econômico com o objetivo de melhor justiça social”. Por 
que? Porque se admite que o crescimento se dá em função da taxa de investimento, esta é 
função da oferta de poupança e se supõe que os grupos de mais alta renda poupam mais que 
os grupos de mais baixa renda. Para não sacrificar a taxa de investimento, é necessário que 
haja uma alta desigualdade na repartição da renda. Melhor repartição de renda, mais 
reduzida a taxa de crescimento; mais alto o ritmo de crescimento, pior distribuição da 
renda. Esta é a tese A. Agora vem não-A. Vamos supor o seguinte: os bens se classificam 
 4 
em duráveis e não-duráveis. Os primeiros são acumulados, os segundos são desfrutados. 
Agora, uma geladeira é acumulada assim como um trator, mas há uma diferença 
fundamental entre a geladeira e o trator. Com a geladeira, a acumulação é improdutiva, 
enquanto que com o trator é produtiva. Se nós tomamos a estrutura de consumo, os grupos 
de baixas rendas consomem a totalidade de suas rendas, porém o grosso do seu consumo é 
formado de bens não duráveis. Na medida em que subimos na escala de repartição de renda, 
os grupos superiores são consumidores de bens duráveis. Dito de outra maneira, os grupos 
que fazem acumulação improdutiva são os grupos de altas rendas. Quanto mais alta a renda, 
mais que proporcional cresce a acumulação improdutiva por estrato de renda. Se uma 
economia tem uma determinada capacidade de produção, esta capacidade de produção pode 
ter ou não uso alternativo. Por exemplo, a capacidade de produzir alimentos não teria uso 
alternativo, ou produz alimentos ou então não pode ser desviada para a produção de bens 
duráveis. Mas uma indústria de automóveis pode produzir automóveis ou caminhões, pode 
produzir bens para uma acumulação improdutiva ou produtiva. A indústria da construção 
civil pode fazer mais um edifício de apartamentos (acumulação improdutiva) ou mais um 
edifício industrial (acumulação produtiva). A indústria de eletrodomésticos pode produzir 
geladeiras ou instalações elétricas. 
 
Se a economia pretende crescer à maior taxa possível deve forçar a máxima acumulação; 
mas que acumulação? Acumulação produtiva. Quais são os grupos que realizam 
acumulação improdutiva? Os grupos de alta renda. Então, quanto mais anormal a repartição 
da renda, maior será a acumulação improdutiva, menor será o crescimento. Demonstrado 
não-A. 
 
Reparem bem, na primeira peça nós demonstramos que melhor justiça era incompatível 
com maior crescimento e na segunda, que maior justiça é compatível com maior 
crescimento. Dependendo de que? No primeiro caso, nós trabalhamos com categorias 
keynesianas - consumo e poupança. Com isso se demonstrou a tese A. Trabalhando com 
conceitos de acumulação produtiva e acumulação improdutiva se demonstra não-A. 
 
Houve um grego que disse o seguinte: me dêem uma alavanca e um ponto de apoio que eu 
desloco o mundo. Com a teoria econômica acontece o seguinte: dêem-me a possibilidade de 
manter oculto meu critério de partição que eu demonstro qualquer coisa. 
 
 
Nível de Abstração 
 
O segundo problema que ocorre no procedimento analítico diz respeito ao chamado nível 
de abstração. Vamos tentar simular que o pessoal fez vestibular e optou por economia. Vão 
ter a primeira aula de economia, bem animados porque finalmente vão travar contato com a 
ciência e a primeira aula é uma aula de motivação. O mestre diz que a economia dispõe de 
leis e que vai começar apresentando aos alunos uma lei apenas a título de exemplo: a lei da 
demanda, que diz que a quantidade demandada varia inversamente ao preço. Então escreve 
uma relação proporcional no quadro, na qual a variável dependente é a quantidade 
demandada e a variável independente é o preço. Traça as curvas e eis que a turma trava 
 5 
contato com a ciência. Então, esse mestre vai procurar trazer a turma ao processo de criação 
intelectual. Pergunta: vocês concordam com essa relação funcional? B é uma função f 
qualquer do preço, e vamos supor que ele vai querer discutir a função demanda de 
bicicletas. Ele diz que a demanda de bicicletas varia inversamente ao preço da bicicleta. 
Pergunta se concordam com isso. Mas aí um aluno levanta o dedo e fala: a quantidade de 
bicicletas não depende também de preço de outras coisas? O mestre atento escreve uma 
segunda relação funcional, tendo como variável dependente a quantidade demandada e 
como variável independente o preço das bicicletas e os das n-1 outras coisas. Ele continua 
fazendo perguntas à turma. Outro fala que depende da renda. Escreve uma terceira relação 
funcional. Aí, é um festival: surgem mais variáveis independentes. A função demanda se 
torna mais sofisticada a cada uma destas novas relações. Neste momento, o mestre se 
encontra num estado de exaltação porque a turma é formada de gênios, e os alunos 
tremendamente gratificados por saberem não só que a economia é ciência, mas também que 
estão contribuindo para fazer ciência. Aí, um espírito de porco levanta o dedo e conta um 
caso que ocorreu na sua cidade: um velhinho, que é amigo da turma da praça, ganhou na 
loteria esportiva e presenteou os garotos da praça com bicicletas, o que aumentou a 
demanda de bicicletas. Isto é uma variável funcional; seria uma variável aleatória 
introduzida dentro do modelo. Reparem só: entre aquela esquálida função demanda, 
definida sob condições ceteris paribus, até a última, que incorporou uma variável aleatória, 
o que aconteceu? O nível da abstração veio baixando a cada nova variável introduzida na 
relação funcional. O mestre tentou se acercar do real, o que nunca aconteceu; caso 
acontecesse, ele teria uma função demanda com infinitas variáveis. 
 
Então, deixando de lado o problema do critério da análise, há um segundo problema: todas 
as construções analíticas estão a um determinado nível de abstração, e um dado nível de 
abstração não pode ser operacionalizado num nível diferente. Se operacionalizado em 
níveis diferentes, conduz a desenfoques. A que nível as construções analíticas podem ser 
operacionalizadas? Só num mundo ideal, com as abstrações que o economista faz. Dito de 
outra maneira, as relações funcionais que nós podemos construir com a análise econômica 
só são válidas em relação a um universo ideal. 
 
Como é que nós caminhamos na análise econômica? Em primeiro lugar, fazemos abstração 
da história; em segundo, fazemos abstração das relações sociais; em terceiro lugar, 
abstração da estrutura de poder; depois, abstração do espaço, que incomoda um pouco. 
Então, eliminados espaço e tempo, começamos a pensar. Mas eliminados por que? 
Eliminados porque é um procedimento analítico e todo procedimento analítico é 
necessariamente um processo de partição. 
 
 
A Lógica Formal 
 
O que está por trás de toda lógica utilizada pela análise econômica, que é fundamentalmente 
a lógica formal? Reparem bem, como é que nós construímos o conhecimento em análise 
econômica? Em primeiro lugar, nós admitimos conceitos, e os conceitos têmo problema 
que chamei o critério de partição. Em segundo lugar, quais são as características do 
Highlight
 6 
conceito? Este conceito tem uma série de propriedades. A primeira é a chamada 
propriedade tautológica, identidade do ser consigo mesmo. Isso foi a glória de Parmênides 
2.000 anos antes de Cristo, e fundamentalmente, quer dizer que o conceito é igual à sua 
definição. 
A é igual a A. Em segundo lugar, afirma-se em relação ao conceito que ele é ou não é, não 
existe uma terceira possibilidade; é o princípio do terceiro excluído. Ao fazer isso, o que é 
que ocorre? Nós vamos substituindo um processo social vivo, cheio de interrelações, por 
uma bateria de conceitos. Tendo isso, vamos teorizar. O que é teorizar numa perspectiva de 
análise econômica? É estabelecer relações funcionais de comportamento pelo qual 
determinada variável tem o seu comportamento justificado por outra. Isto é, estabelecer 
relações de causalidade entre variáveis econômicas. Você coloca que a variável dependente 
tem o seu comportamento como um efeito da variável independente. Quando você encontra 
uma articulação deste ripo, você diz que faz teoria. 
 
Reparem bem, esta teoria está toda construída a partir do princípio de causalidade. Esse 
princípio é um dos mais tramposos enganos que existem, conduz a armadilhas tremendas. A 
essa altura vocês dirão: se as construções analíticas têm tão graves limitações de caráter 
metodológico, por que são utilizadas? Em primeiro lugar, porque ela é a lógica da infância 
(sic). Em toda construção intelectual, a primeira coisa que nós fazemos é utilizar 
linguagem. Toda e qualquer linguagem é construída de conceitos, ou seja, todo processo de 
comunicação é dependente num primeiro momento de conceitos. Nesse sentido é um 
primeiro passo indispensável ao problema da especulação. Mas é um passo extremamente 
limitado, porque toda construção analítica está vulnerável a estas e outras mazelas, Temos 
pouco tempo, e na verdade discutir as limitações da análise é tema que ocupa muitas horas, 
mas mesmo assim vocês já devem ter visto as limitações que tem o procedimento analítico. 
Entretanto, é necessariamente utilizado. Agora, se o economista receber apenas análise 
econômica e toda a sua formação se repousar em transmissão e recepção de construções 
analíticas, ele vai, muito provavelmente, ficar equipado com uma lógica que desconhece as 
dimensões mais pertinentes e mais inerentes ao próprio fenômeno que ele se propõe a 
enfrentar. ele vai ser detentor intelectual da maior arquitetura de lógica formal que o 
homem construiu depois de São Tomás de Aquino. Mas essa imensa construção intelectual 
é uma construção que elimina as dimensões mais significativas que presidem os processo 
sociais, do qual o econômico é um dos níveis sem dúvida nenhuma (sic) dominantes. 
 
Economia Política 
 
E na perspectiva da economia política, o que acontece? Quando a economia política se 
propõe a fazer um estudo das leis sociais de produção e repartição, ela de saída reconhece a 
historicidade do seu campo de reflexão. Dizendo isso, ao mesmo tempo ela está admitindo 
que vai tratar com o objeto que é uma totalidade, mas que mais que uma totalidade, é uma 
totalidade em mutação. Tem que enfrentar o fenômeno de explorar, apreender o processo de 
transformação das coisas. O único instrumento lógico disponível para isso até hoje é a 
chamada dialética. 
 
 7 
Dito de outra forma, eleger o objeto da economia política significa imediatamente, em 
termos metodológicos, ir à dialética. Mas acontece que a dialética entra em confronto direto 
com as hipóteses da lógica formal, porque toda a lógica formal estabelece uma ditadura de 
conceitos, que são seres que têm precedência a tudo mais. O movimento, em termos de 
lógica formal, é explicado por uma primazia de seres que são os conceitos articulados em 
uma relação funcional que explica as variações. Numa perspectiva dialética, admite-se 
exatamente o inverso. Primeiro, o dado maior é o existente em transformações e é este 
“existente em transformações” que, por uma codificação técnica, você lança mão de 
determinados conceitos para poder abordá-lo. Entretanto, pode-se dizer que pensar o todo 
em todas suas implicações é evidentemente uma proposta megalômana, não executada por 
ninguém até hoje. Pensar a totalidade em todas suas implicações é uma proposta 
impossível. 
 
Então, qual é o procedimento possível para tentar chegar, com todas as limitações, a esse 
nível? É fazer a operação inversa da operação de análise, que é a operação da crítica. A 
palavra crítica está cheia de conotações defectivas. Criticar é usado como “falar mal de”. 
Mas o sentido preciso da palavra crítica é reconstruir as ligações que tem uma parte com o 
todo em que ela está inserida; é a tentativa de, partindo de conceitos que são entidades 
mortas, tentar reconstituir as conexões que esses conceitos mantém com os demais. É 
sempre possível, na formação do economista, em paralelo à necessária disciplina de análise 
econômica, realizar um esforço de abertura crítica. Agora, é evidente que é muitas vezes 
difícil e muitas vezes não é feito, e na medida em que não é feito surge sempre a tenência 
de nossa parte de imaginar que deve existir algum outro conjunto do conhecimento, 
articulado de uma outra forma, que seja o substituto ou que cubra as limitações que, 
intuitivamente, você sente no processo de transmissão analítica. 
 
 
Comparação entre os Dois Métodos 
 
 Eu queria, antes de seguir nesse nível, tentar ilustrar com um exemplo elementar onde é 
que se poderia dar a diferença entre um raciocínio analítico e de abertura crítica. Vamos 
falar do problema habitacional. O que é um problema habitacional? Alguém diz assim: “o 
problema habitacional consiste em 100.000 famílias residentes em unidades residenciais 
que não têm a mínima condição de salubridade, iluminação, conexão com serviço de água, 
etc.” Reparem bem, aqui o problema habitacional foi definido como um problema de um 
déficit de unidades residenciais. Nós estamos dizendo que A é idêntico a A. E ainda vamos 
propor um esforço explicativo, ainda a nível analítico. 
 
Qual é a explicação do fenômeno? Existe déficit habitacional porque a população tem baixa 
renda. então o problema habitacional passa a se o problema da baixa renda de 100.000 
famílias. A é idêntico a A. Foi definido um problema habitacional com uma presença de 
100.000 famílias que não tem nível de renda para adquirir uma unidade residencial com 
condições adequadas. Mas aí você pode colocar: por que cem mil famílias têm baixa renda? 
Porque a capacidade produtiva do país é reduzida. Então, o problema habitacional passa a 
ser derruindo como idêntico ao conhecido problema da insuficiente capacidade produtiva 
 8 
instalada na economia. Se quiséssemos continuar poderíamos substituir definições e 
provavelmente em algum momento o círculo se fecharia. Vemos então que A é a mesma 
coisa que A. 
 
Reparem bem: se, ao invés de fazer isto, colocássemos o problema da seguinte maneira: 
“existe um país no qual 100.000 famílias têm baixa renda, baixo nível educacional, 
alimentar e a capacidade produtiva é exígua, a produtividade do trabalho é baixa”. A 
pergunta é a seguinte: por que esse país oferece essas características? Só há uma possível 
resposta: apresenta este conjunto de características porque chegou a ser assim. Isto é, foi o 
seu passado que produziu esse presente. No momento em que você olha o passado para 
tentar explicar com a dinâmica do passado uma configuração do presente, você está 
abandonando o terreno da análise econômica e está começando a fazer uma invasão no 
território da economia política, ainda que essa invasão não seja necessariamente feita pelo 
caminho mais rigoroso. Você está estabelecendo a sinalização da advertência crítica 
necessária com respeito à explicação analítica. E então, para poder entender este conjuntode características vai ser necessário interrogar sobre a lógica de evolução anterior dessa 
sociedade, que explica o seu presente. É a dinâmica do seu processo de desenvolvimento 
que vai explicar ou determinar a configuração atual. E quando você coloca essa pergunta na 
explicação da dinâmica do desenvolvimento vai jogar elementos que em últimos termos 
vão dizer respeito à interpretação da história. Essa interpretação da história vai colocar em 
evidência a existência de grupos sociais, vai colocar em evidência a presença do país dentro 
de um contexto mundial, vai colocar em evidência a estrutura de poder, etc. Em últimos 
termos, a explicação do fenômeno do déficit de cem mil unidades residenciais vai repousar 
em todos os elementos que uma análise de economia política aborda. A economia deixa de 
ter aquela assepsia que a caracteriza enquanto análise econômica. É evidente que quando se 
colocam as coisas sob esse enfoque as respostas passam a ser totalmente distintas, porque 
as respostas do primeiro enfoque têm características muito ingênuas. 
 
Vejam só, existe o problema habitacional definido como uma carência de cem mil unidades 
residenciais. Solução: fazer mais casas. Ou então, vamos sofisticar a resposta: estimular o 
desenvolvimento da capacidade produtiva de maneira a gerar incrementos de renda que 
tornem possível à população que não dispõe de unidades habitacionais, adquiri-las. Agora, 
se vocês agregarem a essa proposição uma hipótese sobre financiamento mais concreta, 
sobre preços relativos, a coisa ganha característica de uma proposta de política econômica 
fundada cientificamente. Na verdade, em últimos termos, A é A. 
 
Se você procurar evocar o território da economia política, você vai se perguntar quais são 
os protagonistas sociais, qual a estrutura de poder e quais as relações que mantém entre si. 
Em últimos termos, temos de perguntar: é ou não possível superar esse déficit quantitativo 
de cem mil unidades residenciais? 
 
Agora, gostaria de chamar atenção sobre qual é o problema substantivo da formação do 
economista. É que a formação do economista, baseada somente em profundos 
conhecimentos de análise econômica, causa uma frustração. Se basicamente concebida na 
perspectiva de análise econômica, ela será uma formação sobre a qual se tem aguda 
 9 
consciência de que “faltou coisas”, que determinados níveis estão sendo escamoteados, que 
os enfoques não estão dando a necessária objetividade. Então, muitas vezes, numa reação 
violenta, saltam para um outro extremo e dizem o seguinte: “tudo isto não significa nada”, e 
pulam para o outro extremo: “vou pensar o todo”. Impossível. Qual é o problema do 
processo de formação? O problema do processo de formação é como conseguir casar, 
dosificar dois componentes que não são compatíveis do ponto de vista metodológico, e 
adquirir treinamento suficiente para saber em que ponto estou pensando em termos 
analíticos e a partir de que momento é necessário deixar de pensar nesses termos. Não é 
possível nem deixar uma coisa de lado nem deixar outra. Dirão vocês que entretanto é 
muito raro que os currículos contenham um esforço de abertura crítica para uma formação 
analítica. Por que? Por várias razões. A explicação mais elementar para esse fato é a 
seguinte: o indivíduo que recebe uma sólida formação em análise econômica e que 
incorpora a maior parte dos modelos disponíveis, tem condições para ser um operador 
dentro do sistema. 
 
Eu vou forçar um pouco a barra. Os problemas de maximização e otimização são problemas 
que podem ser resolvidos sem nenhuma (sic) referência aos objetivos últimos a que estão 
servindo. É possível formular, por exemplo, um modelo de pesquisa operacional para saber 
como é possível eliminar da maneira mais eficiente os judeus, nos fornos crematórios de 
Dachau. É perfeitamente possível tratar isso como um problema operacional, como também 
é possível estudar a maneira de distribuir recursos de modo a otimizar a mortalidade 
infantil. A análise, exatamente por ser uma operação parcial, não se interroga em nenhum 
momento sobre implicações maiores. Então, o operador pode ser extremamente eficiente 
dentro de um sistema maior. Ele pode ter um máximo de micro racionalidade sem por 
nenhum momento se interrogar sobre a macro racionalidade onde ele está inserido. Mais 
ainda, uma formação que seja apenas analítica é uma formação que tem um grande mérito, 
mas em nenhum momento apresenta o sistema econômico e social como uma realidade em 
mutação. Sempre apresenta um sistema como um parâmetro, apresenta o sistema como 
dado; forçando um pouco, como eterno. 
 
Já o esforço por abertura crítica no processo de formação profissional é algo que sempre vai 
chamar atenção sobre a transitoriedade das formações sociais. Nesse sentido, o economista 
com uma alta formação, com uma abertura crítica no seu processo de formação analítica é, 
pelo menos em potência, um indivíduo que pode não acreditar que “o rei esteja vestido”. É 
um processo de formação que tende a estimular um tipo de visão supra-sistema, enquanto 
que a análise econômica, num primeiro nível, fortalece as orientações intra-sistema. 
 
Agora, toda e qualquer sociedade organizada sempre se apresenta, dentro do processo 
educacional, como eterna. Não deve surpreender que os cursos de economia procurem 
selecionar temas que tentam demonstrar q eternidade dos sistema sociais. E isto significa 
carregar tremendamente num nível analítico e não permitir aquelas aberturas críticas que 
vão vacinando, estimulando um tipo de perspectiva que não é a do operador intra-sistema 
preocupado exclusivamente com a maximização da micro racionalidade. 
 
 
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