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1 LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias Lucas Limberti, Murilo de Almeida Gonçalves e Pércio Luis Ferreira Gramática e Literatura L ENTRE LETRAS C Gramática e Literatura para vestibular medicina 1ª edição • São Paulo 2019 © Hexag Sistema de Ensino, 2018 Direitos desta edição: Hexag Sistema de Ensino, São Paulo, 2019 Todos os direitos reservados. Autores Lucas Limberti Murilo de Almeida Gonçalves Pércio Luis Ferreira Diretor geral Herlan Fellini Coordenador geral Raphael de Souza Motta Responsabilidade editorial, programação visual, revisão e pesquisa iconográfica Hexag Sistema de Ensino Diretor editorial Pedro Tadeu Batista Editoração eletrônica Arthur Tahan Miguel Torres Claudio Guilherme da Silva Eder Carlos Bastos de Lima Fernando Cruz Botelho de Souza Matheus Franco da Silveira Raphael de Souza Motta Raphael Campos Silva Projeto gráfico e capa Raphael Campos Silva Foto da capa pixabay (http://pixabay.com) Impressão e acabamento Meta Solutions ISBN: 978-85-9542-072-4 Todas as citações de textos contidas neste livro didático estão de acordo com a legislação, tendo por fim único e exclusivo o ensino. Caso exista algum texto, a respeito do qual seja necessária a inclusão de informação adicional, ficamos à disposição para o contato pertinente. Do mesmo modo, fizemos todos os esforços para identificar e localizar os titulares dos direitos sobre as imagens publicadas e estamos à disposição para suprir eventual omissão de crédito em futuras edições. O material de publicidade e propaganda reproduzido nesta obra é usado apenas para fins didáticos, não representando qual- quer tipo de recomendação de produtos ou empresas por parte do(s) autor(es) e da editora. 2019 Todos os direitos reservados para Hexag Sistema de Ensino. Rua Luís Góis, 853 – Mirandópolis – São Paulo – SP CEP: 04043-300 Telefone: (11) 3259-5005 www.hexag.com.br contato@hexag.com.br CARO ALUNO O Hexag Medicina é referência em preparação pré-vestibular de candidatos à carreira de Medicina. Desde 2010, são centenas de aprovações nos principais vestibulares de Medicina no Estado de São Paulo, Rio de Janeiro e em todo Brasil. O material didático foi, mais uma vez, aperfeiçoado e seu conteúdo enriquecido, inclusive com questões recentes dos relevantes vestibulares de 2019. Esteticamente, houve uma melhora em seu layout, na definição das imagens, criação de novas seções e também na utilização de cores. No total, são 103 livros e 6 cadernos de aula. O conteúdo dos livros foi organizado por aulas. Cada assunto contém uma rica teoria, que contempla de forma objetiva e clara o que o aluno realmente necessita assimilar para o seu êxito nos principais vestibulares do Brasil e Enem, dispensando qualquer tipo de material alternativo complementar. Todo livro é iniciado por um infográfico. Esta seção, de forma simples, resumida e dinâmica, foi desenvolvida para indicação dos assuntos mais abordados nos principais vestibulares, voltados para o curso de medicina em todo território nacional. O conteúdo das aulas está dividido da seguinte forma: TEORIA Todo o desenvolvimento dos conteúdos teóricos, de cada coleção, tem como principal objetivo apoiar o estudante na resolução de questões propos- tas. Os textos dos livros são de fácil compreensão, completos e organizados. Além disso, contam com imagens ilustrativas que complementam as explicações dadas em sala de aula. Quadros, mapas e organogramas, em cores nítidas, também são usados, e compõem um conjunto abrangente de informações para o estudante, que vai dedicar-se à rotina intensa de estudos. TEORIA NA PRÁTICA (EXEMPLOS) Desenvolvida pensando nas disciplinas que fazem parte das Ciências da Natureza e suas Tecnologias e Matemática e suas Tecnologias. Nesses compilados nos deparamos com modelos de exercícios resolvidos e comentados, aquilo que parece abstrato e de difícil compreensão torna-se mais acessível e de bom entendimento aos olhos do estudante. Através dessas resoluções é possível rever a qualquer momento as explicações dadas em sala de aula. INTERATIVIDADE Trata-se do complemento às aulas abordadas. É desenvolvida uma seção que oferece uma cuidadosa seleção de conteúdos para complementar o repertório do estudante. É dividido em boxes para facilitar a compreensão, com indicação de vídeos, sites, filmes, músicas e livros para o aprendizado do aluno. Tudo isso é encontrado em subcategorias que facilitam o aprofundamento nos temas estudados. Há obras de arte, poemas, imagens, artigos e até sugestões de aplicativos que facilitam os estudos, sendo conteúdos essenciais para ampliar as habilidades de análise e reflexão crítica. Tudo é selecionado com finos critérios para apurar ainda mais o conhecimento do nosso estudante. INTERDISCIPLINARIDADE Atento às constantes mudanças dos grandes vestibulares, é elaborada, a cada aula, a seção interdisciplinaridade. As questões dos vestibulares de hoje não exigem mais dos candidatos apenas o puro conhecimento dos conteúdos de cada área, de cada matéria. Atualmente há muitas perguntas interdisciplinares que abrangem conteúdos de diferentes áreas em uma mesma questão, como biologia e química, história e geografia, biologia e matemática, entre outros. Neste espaço, o estudante inicia o contato com essa realidade por meio de explicações que relacio- nam a aula do dia com aulas de outras disciplinas e conteúdos de outros livros, sempre utilizando temas da atualidade. Assim, o estudante consegue entender que cada disciplina não existe de forma isolada, mas sim, fazendo parte de uma grande engrenagem no mundo em que ele vive. APLICAÇÃO NO COTIDIANO Um dos grandes problemas do conhecimento acadêmico é o seu distanciamento da realidade cotidiana no desenvolver do dia a dia, dificultando o contato daqueles que tentam apreender determinados conceitos e aprofundamento dos assuntos, para além da superficial memorização ou “decorebas” de fórmulas ou regras. Para evitar bloqueios de aprendizagem com os conteúdos, foi desenvolvida a seção "Aplicação no Cotidiano". Como o próprio nome já aponta, há uma preocupação em levar aos nossos estudantes a clareza das relações entre aquilo que eles aprendem e aquilo que eles têm contato em seu dia a dia. CONSTRUÇÃO DE HABILIDADES Elaborada pensando no Enem, e sabendo que a prova tem o objetivo de avaliar o desempenho ao fim da escolaridade básica, o estudante deve conhecer as diversas habilidades e competências abordadas nas provas. Os livros da “Coleção vestibulares de Medicina” contêm, a cada aula, algumas dessas habilidades. No compilado “Construção de Habilidades”, há o modelo de exercício que não é apenas resolvido, mas sim feito uma análise expositiva, descre- vendo passo a passo e analisado à luz das habilidades estudadas no dia. Esse recurso constrói para o estudante um roteiro para ajudá-lo a apurá-las na sua prática, identificá-las na prova e resolver cada questão com tranquilidade. ESTRUTURA CONCEITUAL Cada pessoa tem sua própria forma de aprendizado. Geramos aos estudantes o máximo de recursos para orientá-los em suas trajetórias. Um deles é a estrutura conceitual, para aqueles que aprendem visualmente a entender os conteúdos e processos por meio de esquemas cognitivos, mapas mentais e fluxogramas. Além disso, esse compilado é um resumo de todo o conteúdo da aula. Por meio dele, pode-se fazer uma rápida consulta aos principais conteúdos ensinados no dia, o que facilita sua organização de estudos e até a resolução dos exercícios. A edição 2019 foi elaborada com muito empenho e dedicação, oferecendo ao aluno um material moderno e completo, um grande aliado para o seu sucesso nos vestibulares mais concorridos de Medicina. Herlan Fellini SUMÁRIO ENTRE LETRAS GRAMÁTICA LITERATURA Aulas 1 e 2: Formação de palavras 7 Aulas 3 e 4: Artigos, substantivos e adjetivos 17 Aulas 5 e 6: Verbos: noções preliminares e modos indicativo e subjuntivo 29 Aulas 7 e 8: Verbos: modo imperativo e vozes verbais 39 Aulas 9 e10: Advérbios 45 Aulas 1 e 2: A arte literária e o estudo dos gêneros 55 Aulas 3 e 4: Trovadorismo: a literatura da Idade Média 69 Aulas 5 e 6: Humanismo e Classicismo 85 Aulas 7 e 8: Classicismo: Camões épico e lírico 101 Aulas 9 e 10: Quinhentismo e Barroco 115 FA CU LD ADE DE MEDICINA BOTUCATU 1963 Abordagem de GRAMÁTICA nos principais vestibulares. FUVEST Dentre os temas abordados neste caderno, os de maior incidência no vestibular da Fuvest são a formação de palavras e os usos de verbos no modo imperativo. Os demais temas são de aplica- ção esporádica, requerendo atenção o uso de tempos verbais e de advérbios. UNESP Dentre os temas abordados neste caderno, os de maior incidência no vestibular da Unesp são a formação de palavras e os usos de vozes verbais. Os demais temas são de aplicação esporádica, requerendo atenção o uso de tempos verbais. UNICAMP Dentre os temas abordados neste caderno, o de maior incidência no vestibular da Unicamp é a formação de palavras. Os demais temas são de aplicação esporádica, requerendo atenção o uso de tempos verbais. UNIFESP Dentre os temas abordados neste caderno, os de maior incidência no vestibular da Unifesp são a formação de palavras e os usos de vozes verbais. Os demais temas são de aplicação esporádica, requerendo atenção o uso de tempos verbais e a aplicação geral de classes de palavras em certos contextos. ENEM/UFMG/UFRJ Dentre os temas abordados neste caderno, o de maior incidência no ENEM é o uso de tempos verbais. Os demais temas são de aplicação bastante esporádica. UERJ Dentre os temas abordados neste caderno, os de maior incidência no vestibular da UERJ são a formação de palavras e os usos de vozes verbais. Os demais temas são de aplicação esporádica, requerendo atenção o uso de tempos verbais. COMO EPAS PAS S A S SA AMAR GOES ARIA S A S S S S I N S S A A A M E M T E M O A M O R PARA AR I A REST EINS M E N T E A M E e l u z Q U E A MEMO R I A A F L O R D E M A M O R I O R I A I M P A S S IM DERA TANT OAMA I S Q U Formação de palavras Competências 1 e 8 Habilidades 1, 2, 3, 4, 26 e 27 L ENTRE LETRAS C 01 02 Competência 1 – Aplicar as tecnologias da comunicação e da informação na escola, no trabalho e em outros contextos relevantes para sua vida. H1 Identificar as diferentes linguagens e seus recursos expressivos como elementos de caracterização dos sistemas de comunicação. H2 Recorrer aos conhecimentos sobre as linguagens dos sistemas de comunicação e informação para resolver problemas sociais. H3 Relacionar informações geradas nos sistemas de comunicação e informação, considerando a função social desses sistemas. H4 Reconhecer posições críticas aos usos sociais que são feitos das linguagens e dos sistemas de comunicação e informação. Competência 2 – Conhecer e usar língua(s) estrangeira(s) moderna(s) (LEM) como instrumento de acesso a informações e a outras culturas e grupos sociais. H5 Associar vocábulos e expressões de um texto em LEM ao seu tema. H6 Utilizar os conhecimentos da LEM e de seus mecanismos como meio de ampliar as possibilidades de acesso a informações, tecnologias e culturas. H7 Relacionar um texto em LEM, as estruturas linguísticas, sua função e seu uso social. H8 Reconhecer a importância da produção cultural em LEM como representação da diversidade cultural e linguística. Competência 3 – Compreender e usar a linguagem corporal como relevante para a própria vida, integradora social e formadora da identidade. H9 Reconhecer as manifestações corporais de movimento como originárias de necessidades cotidianas de um grupo social. H10 Reconhecer a necessidade de transformação de hábitos corporais em função das necessidades cinestésicas. H11 Reconhecer a linguagem corporal como meio de interação social, considerando os limites de desempenho e as alternativas de adaptação para diferentes indivíduos. Competência 4 – Compreender a arte como saber cultural e estético gerador de significação e integrador da organização do mundo e da própria identidade. H12 Reconhecer diferentes funções da arte, do trabalho da produção dos artistas em seus meios culturais. H13 Analisar as diversas produções artísticas como meio de explicar diferentes culturas, padrões de beleza e preconceitos. H14 Reconhecer o valor da diversidade artística e das inter-relações de elementos que se apresentam nas manifestações de vários grupos sociais e étnicos. Competência 5 – Analisar, interpretar e aplicar recursos expressivos das linguagens, relacionando textos com seus contextos, mediante a natureza, função, organização, estrutura das manifestações, de acordo com as condições de produção e recepção. H15 Estabelecer relações entre o texto literário e o momento de sua produção, situando aspectos do contexto histórico, social e político. H16 Relacionar informações sobre concepções artísticas e procedimentos de construção do texto literário. H17 Reconhecer a presença de valores sociais e humanos atualizáveis e permanentes no patrimônio literário nacional. Competência 6 – Compreender e usar os sistemas simbólicos das diferentes linguagens como meios de organização cognitiva da realidade pela constituição de significados, expressão, comunicação e informação. H18 Identificar os elementos que concorrem para a progressão temática e para a organização e estruturação de textos de diferentes gêneros e tipos. H19 Analisar a função da linguagem predominante nos textos em situações específicas de interlocução. H20 Reconhecer a importância do patrimônio linguístico para a preservação da memória e da identidade nacional Competência 7 – Confrontar opiniões e pontos de vista sobre as diferentes linguagens e suas manifestações específicas. H21 Reconhecer em textos de diferentes gêneros, recursos verbais e não-verbais utilizados com a finalidade de criar e mudar comportamentos e hábitos. H22 Relacionar, em diferentes textos, opiniões, temas, assuntos e recursos linguísticos. H23 Inferir em um texto quais são os objetivos de seu produtor e quem é seu público alvo, pela análise dos procedimentos argumentativos utilizados. H24 Reconhecer no texto estratégias argumentativas empregadas para o convencimento do público, tais como a intimidação, sedução, comoção, chantagem, entre outras. Competência 8 – Compreender e usar a língua portuguesa como língua materna, geradora de significação e integradora da organização do mundo e da própria identidade. H25 Identificar, em textos de diferentes gêneros, as marcas linguísticas que singularizam as variedades linguísticas sociais, regionais e de registro. H26 Relacionar as variedades linguísticas a situações específicas de uso social. H27 Reconhecer os usos da norma padrão da língua portuguesa nas diferentes situações de comunicação. Competência 9 – Entender os princípios, a natureza, a função e o impacto das tecnologias da comunicação e da informação na sua vida pessoal e social, no desenvolvimento do conhecimento, associando-o aos conhecimentos científicos, às linguagens que lhes dão suporte, às demais tecnologias, aos processos de produção e aos problemas que se propõem solucionar. H28 Reconhecer a função e o impacto social das diferentes tecnologias da comunicação e informação. H29 Identificar pela análise de suas linguagens, as tecnologias da comunicação e informação. H30 Relacionar as tecnologias de comunicação e informação ao desenvolvimento das sociedades e ao conhecimento que elas produzem 9 MORFOLOGIA: FORMAÇÃO DE PALAVRAS Neste tópico, estudaremos os processos de estruturação e formação de palavras do português. Radical (morfema lexical): é a parte da palavra que contém o significado mais geral e é comum às pa- lavras chamadas de cognatas (também consideradas da mesma família). Exemplos: terra; terreiro; terrestre; enterrar Vogal temática: é a vogal que aparece logo após o radical, “ajudando” as palavras a receber outro signi- ficado. Aparece nos verbos, definindo se são de 1a, 2a ou 3a conjugação. Exemplo: amar = am + a+ r, onde “am” é o radical, “a” é a vogal temática de 1a conjugação e “r” é a desinência de infinitivo. Tema: é a junção do radical + vogal temática ou desinência nominal. Desinências: indicam gênero e número, para desinência nominal, e indicam tempo e pessoa, para desinên- cia verbal. As desinências nominais caracterizam as variações de substantivos, adjetivos e certos pronomes quanto ao gênero (masculino e feminino) e número (singular e plural). As desinências verbais indicam as va- riações dos verbos em pessoa (1a, 2a ou 3a), número (singular e plural) e tempo (presente, passado e futuro). Afixos: são elementos que se juntam ao radical para formar novas palavras. Podem aparecer antes do radical (prefixos) ou depois do radical (sufixos). Palavras primitivas: são aquelas que não derivam de outras. Exemplos: pedra; noite Palavras derivadas: são aquelas que derivam de outras. Exemplos: pedreiro; anoitecer Palavras simples: são aquelas que possuem apenas um radical. Exemplos: couve; flor Palavras compostas: são aquelas que possuem mais de um radical. Exemplo: couve-flor Processos de formação Basicamente, as palavras da língua portuguesa são formadas pelos processos de derivação e composi- ção, mas também por outros como onomatopeia, neologismo e hibridismo. Formação por derivação No processo de formação por derivação, a palavra primitiva (primeiro radical) sofre acréscimo de afixos. São seis os tipos de formação por derivação. Derivação prefixal: acréscimo de prefixo à palavra primitiva. Exemplo: in-capaz Derivação sufixal: acréscimo de sufixo à palavra primitiva. Exemplo: papel-aria 10 Derivação prefixal + sufixal: acrescenta-se um prefixo e um sufixo a um mesmo radical de modo sequencial, ou seja, os afixos não são en- caixados ao mesmo tempo. Percebe-se facilmen- te, ao remover um dos afixos, a presença de uma palavra com sentido completo. Exemplo: in-feliz-mente Derivação parassintética: acréscimo simultâ- neo de um prefixo e de um sufixo a um mesmo radical ou à palavra primitiva. Em geral, as for- mações parassintéticas originam-se de substan- tivos ou adjetivos para formarem verbos. Exemplo: en-triste-cer Derivação regressiva: ocorre redução da pa- lavra primitiva. Nesse processo, formam-se subs- tantivos abstratos por derivação regressiva de formas verbais. Exemplo: ajuda (substantivo abstrato da deri- vação regressiva do verbo ajudar) Derivação imprópria: ocorre a alteração da classe gramatical da palavra primitiva. Exemplos: (o) jantar – de verbo para subs- tantivo; (um) Judas – de substantivo próprio para comum Formação por composição Nos processos de formação de palavras por composição, ocorre a junção de dois ou mais radicais. Palavras com significados distintos formam uma nova palavra com um novo significado. Exemplo: guarda (flexão do verbo guardar; sentinela) + roupa (vestuário) = guarda-roupa (mobiliário) São dois os processos de formação por compo- sição: Composição por justaposição: quando não ocorre a alteração fonética das palavras. A jus- taposição também pode ocorrer por hifenização. Exemplos: girassol (gira + sol); guarda-chuva (guarda + chuva) Composição por aglutinação: quando ocor- re alteração fonética, em decorrência da perda de elementos das palavras. Exemplos: aguardente (água + ardente); em- bora (em + boa + hora) Outros processos Hibridismo No processo de formação por hibridismo, as palavras compostas ou derivadas são constituídas por elementos originários de línguas diferentes: grego + latim: automóvel e monóculo latim + grego: sociologia, bicicleta árabe + grego: alcaloide, alcoômetro tupi + grego: caiporismo africano + latim: bananal africano + grego: sambódromo francês + grego: burocracia Neologismo Neologismo é o nome dado ao processo de criação de novas palavras ou palavras da própria lín- gua portuguesa que adquirem um novo significado. Exemplos: Originalmente, a palavra bonde significava certo veículo utilizado como meio de transpor- te. Hoje, na variedade linguística utilizada por falantes inseridos no estilo do funk carioca, foi dado um novo significado para a palavra bonde: turma, galera. É comum formar verbos a partir de palavras do meio da informática, como googlar (procurar no Google), twittar (escrever no Twitter) ou re- setar (de reset). 11 APLICAÇÃO NO COTIDIANO A tabela abaixo traz os significados de alguns prefixos e radicais, alguns frequentemente usados no dia a dia. Prefixos latinos Significados Exemplos a–, ab–, abs– afastamento, separação abstenção, abdicar a–, ad–, ar–, as– aproximação, direção adjunto, advogado, arribar, assentir ambi– ambiguidade, duplicidade ambivalente, ambíguo ante– anterioridade anteontem, antepassado aquém– do lado de cá aquém-mar bene–, bem– excelência, bem beneficente, benfeitor bis–, bi– dois, duas vezes, repetição bípede, binário, bienal com– (con–), co– (cor–) companhia, contiguidade compor, conter, cooperar contra– oposição controvérsia, contraveneno cis– posição, aquém de cisandino, cisalpino de–, des– separação, privação, negação, movimento de cima para baixo deportar, demente, descrer, decair, decrescer, demolir dis– separação, negação dissidência, disforme Prefixos gregos Significados Exemplos acro– alto acrobata, acrópole aero– casa aerodinâmica agro– campo agrônomo, agricultura antropo– homem antropofagia, filantropo homo– igual homônimo, homógrafo idio– próprio idioma, idioblasto macro–, megalo– grande, longo macronúcleo, megalópole metra– mãe, útero endométrio, metrópole meso– meio mesóclise, mesoderma micro– pequeno micróbio, microscópio mono– um monarquia, monarca necro– morto necrópole, necrofilia, necropsia nefro– rim nefrite, nefrologia odonto– dente odontalgia, odontologia oftalmo– olho oftalmologia, oftalmoscópio onto– ser, indivíduo ontologia orto– correto ortópteros, ortodoxo, ortodontia pneumo– pulmão pneumonia, dispneia 12 Prefixos latinos Significados Exemplos e– ,em– ,em– introdução, superposição engarrafar, empilhar e–, es–, ex– movimento para fora, privação emergir, expelir, escorrer, extrair, exportar, esvaziar, esconder, explodir extra– posição exterior, excesso extraconjugal, extravagância intra–, posição interior intrapulmonar, intravenoso i–, im–, in– negação, mudança ilegal, imberbe, incinerar infra– abaixo, na parte inferior infravermelho, infraestrutura, intra–, intro– movimento para dentro imersão, impressão, inalar, intrapulmonar, introduzir justa– posição ao lado justalinear, justapor o–, ob– posição em frente, oposição obstáculo, obsceno, opor, ocorrer per– movimento através de perpassar, pernoite pos– ação posterior, em seguida pós-datar, póstumo pre– anterioridade, superioridade pré-natal, predomínio pro– antes, em frente, intensidade projetar, progresso, prolongar preter–, pro– além de, mais para frente prosseguir re– repetição, para trás recomeço, regredir retro– movimento mais para trás retrospectivo Radicais gregos Significados Exemplos –agogo o que conduz demagogo, pedagogo –alg, –algia sofrimento, dor analgésico, cefalalgia, lombalgia –arca o que comanda monarca, heresiarca –arquia comando, governo anarquia, autarquia, monarquia –cracia autoridade, poder aristocracia, plutocracia, gerontocracia –doxo que opina paradoxo, heterodoxo –dromo corrida, pista hipódromo –fagia ato de comer antropofagia, necrofagia –fago que come antropófago, necrófago –filo, –filia amigo, amizade bibliófilo, xenófilo, lusofilia –fobia inimizade, ódio, temor xenofobia –fobo aquele que odeia xenófobo, hidrófobo –gamia casamento monogamia, poligamia –gene que gera, origem heterogêneo, alienígena –gênese geração esquizogênese, metagênese –gine mulher andrógino, ginecóforo –grafia descrição, escrita caligrafia, geografia –gono ângulo pentágono, eneágono –latria que cultiva idolatria –log, –logia que trata, estudo psicólogo, andrologia –mancia adivinhação cartomante, quiromancia –mani loucura, tendênciamegalomaníaco –mania loucura, tendência cleptomania –metro que mede barômetro, termômetro 13 Radicais latinos Significados Exemplos aristo– melhor aristocracia arqueo– antigo arqueologia, arqueólogo anthos– flor antologia, crisântemo, perianto atmo– ar atmosfera auto– mesmo, próprio autoajuda, autômato baro– peso, pressão barômetro, barítono biblio– livro bibliófilo, biblioteca bio– vida biologia, anfíbio caco– mau cacofonia, cacoete cali– belo caligrafia, calígrafo carpo– fruto pericarpo céfalo– cabeça cefalópodes, cefaleia, acéfalo cito– célula citoplasma, citologia copro– fezes coprologia, coprófagas cosmo– mundo microcosmo, cosmonauta crono– tempo cronômetro, diacrônico dico– em duas partes dicotomia, dicogamia eno– vinho enologia, enólogo entero– intestino enterite, disenteria etno– povo étnico, etnia, etnografia filo–, filia– amigo, amizade filósofo, filantropia fono– som, voz fonética, disfônica gastro– estômago gastrite, gastronomia hemo– sangue hemorragia, hemodiálise hidro– água hidravião, hidratação Radicais gregos Significados Exemplos –morfo forma, que tem a forma amorfa, zoomórfico –onimo nome sinônimo, topônimo –polis, –pole cidade metrópole –potamo rio mesopotâmia, hipopótamo –ptero asa helicóptero –scopia o que faz ver endoscopia, telescópio –sofia sabedoria, saber filosofia, teosofia –soma corpo cromossomo –stico verso monóstico, dístico –teca lugar, coleção biblioteca, hemeroteca –terapia cura, tratamento hidroterapia –tomia corte, divisão vasectomia, anatomia –topo lugar topografia, topônimo –tono tom barítono, monótono 14 14 Radicais latinos Significados Exemplos higro– úmido higrófito, higrômetro hipo– cavalo hipódromo, hipopótamo –ambulo que anda noctâmbulo, sonâmbulo –cida que mata fraticida, inseticida –cola que habita arborícola, silvícola –cultura que cultiva triticultura, vinicultura –evo idade longeva, longevidade –fero que contém ou produz mamífero, aurífero –fico que faz ou produz benéfico, maléfico –forme que tem a forma cordiforme, uniforme –fugo que foge vermífugo, centrífugo –grado grau, passo centígrado –luquo que fala ventríloquo –paro que produz ovíparo –pede pé velocípede, bípede –sono que soa uníssono –vago que vaga noctívago –voro que come carnívoro, herbívoro, onívoro 15 Diversonagens suspersas (Paulo Leminski) Neste poema, o autor joga com os diferentes sentidos produzidos por morfemas iguais ou semelhantes. Meu verso, temo, vem do berço. Não versejo porque eu quero, versejo quando converso e converso por conversar. Pra que sirvo senão pra isto, pra ser vinte e pra ser visto, pra ser versa e pra ser vice, pra ser a super-superfície onde o verbo vem ser mais? Não sirvo pra observar. Verso, persevero e conservo um susto de quem se perde no exato lugar onde está. Onde estará meu verso? Em algum lugar de um lugar, onde o avesso do inverso começa a ver e ficar. Por mais prosas que eu perverta, não permita Deus que eu perca meu jeito de versejar. (Paulo Leminski, in: Toda Poesia) POEMA ESTRUTURA CONCEITUAL GRAMÁTICA NORMATIVA ESTUDO DOS PROCESSOS DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS CLASSES DE PALAVRAS ARTIGO SUBSTANTIVO ADJETIVO VERBO ADVÉRBIO PRONOME NUMERAL PREPOSIÇÃO CONJUNÇÃO INTERJEIÇÃO FORMAÇÃO DE PALAVRASFORMAÇÃO DE PALAVRAS FORMAÇÃO DE PALAVRAS A PARTIR DE UM ÚNICO RADICAL SUFIXAL PREFIXAL IMPRÓPRIA REGRESSIVA PARASSINTÉTICA JUSTAPOSIÇÃO AGLUTINAÇÃO FORMAÇÃO DE PALAVRAS COM MAIS DE UM RADICAL MORFOLOGIA DERIVAÇÃO COMPOSIÇÃO 16 Artigos, substantivos e adjetivos Competências 1 e 8 Habilidades 1, 2, 3, 4, 26 e 27 Ge ra lt/ Pi xa ba y L ENTRE LETRAS C 03 04 Competência 1 – Aplicar as tecnologias da comunicação e da informação na escola, no trabalho e em outros contextos relevantes para sua vida. H1 Identificar as diferentes linguagens e seus recursos expressivos como elementos de caracterização dos sistemas de comunicação. H2 Recorrer aos conhecimentos sobre as linguagens dos sistemas de comunicação e informação para resolver problemas sociais. H3 Relacionar informações geradas nos sistemas de comunicação e informação, considerando a função social desses sistemas. H4 Reconhecer posições críticas aos usos sociais que são feitos das linguagens e dos sistemas de comunicação e informação. Competência 2 – Conhecer e usar língua(s) estrangeira(s) moderna(s) (LEM) como instrumento de acesso a informações e a outras culturas e grupos sociais. H5 Associar vocábulos e expressões de um texto em LEM ao seu tema. H6 Utilizar os conhecimentos da LEM e de seus mecanismos como meio de ampliar as possibilidades de acesso a informações, tecnologias e culturas. H7 Relacionar um texto em LEM, as estruturas linguísticas, sua função e seu uso social. H8 Reconhecer a importância da produção cultural em LEM como representação da diversidade cultural e linguística. Competência 3 – Compreender e usar a linguagem corporal como relevante para a própria vida, integradora social e formadora da identidade. H9 Reconhecer as manifestações corporais de movimento como originárias de necessidades cotidianas de um grupo social. H10 Reconhecer a necessidade de transformação de hábitos corporais em função das necessidades cinestésicas. H11 Reconhecer a linguagem corporal como meio de interação social, considerando os limites de desempenho e as alternativas de adaptação para diferentes indivíduos. Competência 4 – Compreender a arte como saber cultural e estético gerador de significação e integrador da organização do mundo e da própria identidade. H12 Reconhecer diferentes funções da arte, do trabalho da produção dos artistas em seus meios culturais. H13 Analisar as diversas produções artísticas como meio de explicar diferentes culturas, padrões de beleza e preconceitos. H14 Reconhecer o valor da diversidade artística e das inter-relações de elementos que se apresentam nas manifestações de vários grupos sociais e étnicos. Competência 5 – Analisar, interpretar e aplicar recursos expressivos das linguagens, relacionando textos com seus contextos, mediante a natureza, função, organização, estrutura das manifestações, de acordo com as condições de produção e recepção. H15 Estabelecer relações entre o texto literário e o momento de sua produção, situando aspectos do contexto histórico, social e político. H16 Relacionar informações sobre concepções artísticas e procedimentos de construção do texto literário. H17 Reconhecer a presença de valores sociais e humanos atualizáveis e permanentes no patrimônio literário nacional. Competência 6 – Compreender e usar os sistemas simbólicos das diferentes linguagens como meios de organização cognitiva da realidade pela constituição de significados, expressão, comunicação e informação. H18 Identificar os elementos que concorrem para a progressão temática e para a organização e estruturação de textos de diferentes gêneros e tipos. H19 Analisar a função da linguagem predominante nos textos em situações específicas de interlocução. H20 Reconhecer a importância do patrimônio linguístico para a preservação da memória e da identidade nacional Competência 7 – Confrontar opiniões e pontos de vista sobre as diferentes linguagens e suas manifestações específicas. H21 Reconhecer em textos de diferentes gêneros, recursos verbais e não-verbais utilizados com a finalidade de criar e mudar comportamentos e hábitos. H22 Relacionar, em diferentes textos, opiniões, temas, assuntos e recursos linguísticos. H23 Inferir em um texto quais são os objetivos de seu produtor e quem é seu público alvo, pela análise dos procedimentos argumentativos utilizados. H24 Reconhecer no texto estratégias argumentativas empregadas para o convencimento do público, tais como a intimidação, sedução, comoção, chantagem, entre outras. Competência 8 – Compreender e usar a língua portuguesa como língua materna, geradora de significação e integradora da organização do mundo e da própria identidade. H25 Identificar, em textos de diferentesgêneros, as marcas linguísticas que singularizam as variedades linguísticas sociais, regionais e de registro. H26 Relacionar as variedades linguísticas a situações específicas de uso social. H27 Reconhecer os usos da norma padrão da língua portuguesa nas diferentes situações de comunicação. Competência 9 – Entender os princípios, a natureza, a função e o impacto das tecnologias da comunicação e da informação na sua vida pessoal e social, no desenvolvimento do conhecimento, associando-o aos conhecimentos científicos, às linguagens que lhes dão suporte, às demais tecnologias, aos processos de produção e aos problemas que se propõem solucionar. H28 Reconhecer a função e o impacto social das diferentes tecnologias da comunicação e informação. H29 Identificar pela análise de suas linguagens, as tecnologias da comunicação e informação. H30 Relacionar as tecnologias de comunicação e informação ao desenvolvimento das sociedades e ao conhecimento que elas produzem 19 ARTIGOS O artigo é a palavra que se antepõe a um substantivo (é um marcador pré-nominal), com a função inicial de determiná-lo, ou indeterminá-lo. São classificados em dois grupos: definidos e indefinidos. Artigos definidos: determinam o substantivo de maneira precisa. São eles: o(s), a(s). Exemplo: Preciso que você me traga a cadeira branca. (O artigo definido marca a necessidade de se pegar uma cadeira determinada.) Artigos indefinidos: determinam o substantivo de maneira vaga/imprecisa. São eles: um(uns), uma(s). Exemplo: Preciso que você me traga uma cadeira branca. (O artigo indefinido marca a necessidade de se pegar uma cadeira qualquer, indeterminada.) Artigo combinado com preposições A contração de artigos com preposições é um movimento essencial para demarcação de sentido em cons- truções textuais. Muitas vezes, fazer ou não fazer a contração do artigo com a preposição pode alterar significativa- mente o entendimento que se tem de um texto. Esses eventos textuais serão discutidos no próximo tópico (o artigo aplicado ao texto). Ficaremos aqui com as possibilidades de contração do artigo com a preposição. Preposições Artigos o, os à, às * um, uns uma, umas a ao, aos à, às * — — de do, dos da, das dum, duns duma, dumas em no, nos na, nas num, nuns numa, numas por pelo, pelos pela, pelas — — * A junção de “a” preposição + “a” artigo é o que dá origem ao fenômeno da crase, que será discutido em momento oportuno. Artigo aplicado ao texto O artigo talvez seja uma das classes gramaticais mais subestimadas da língua portuguesa, e isso ocorre, principalmente, pelo fato de, em âmbito escolar, ser apresentado apenas em suas características estruturais mais básicas, sem o devido aprofundamento semântico ou textual que os vestibulares costumam abordar. Por esse mo- tivo, apresentaremos a seguir as aplicações textuais do artigo. Artigo como marcador de quantidade A presença ou ausência do artigo pode servir como quantificador de elementos. Exemplos: Ele trocou o dinheiro em casa de câmbio da Rua do Ouvidor. (A ausência de artigo indica que há mais de uma casa de câmbio na rua). Ele trocou o dinheiro na casa de câmbio da Rua do Ouvidor. (A presença de artigo indica que há apenas uma casa de câmbio na rua). 20 Artigo como marcador de convívio/intimidade A presença ou ausência do artigo pode servir como algo que marca certos afetos em relação aos indivíduos. Exemplos: A gerência será assumida por Gerson Soares, do almoxarifado. (A ausência de artigo indica distanciamento de Gerson, marcando o fato de que, possivelmente, nem todos o conhecem.) A gerência será assumida pelo Gerson Soares, do almoxarifado. (A presença de artigo indica intimidade com Ger- son, podendo marcar uma conversa entre pesso- as que conhecem o Gerson.) Artigo marcando conhecimento ou desconhecimento de substantivos Os artigos definido e indefinido podem marcar o conhecimento ou o desconhecimento de certos assun- tos conduzidos por substantivos. Exemplos: Foi localizado ontem o jovem serial-killer que havia fugido da cadeia. (O artigo definido nos transmite a ideia de que a notícia da fuga do jovem era de conhecimento dos leitores; ou seja, o substantivo era conhecido.) Foi localizado ontem um jovem serial-killer que havia fugido da cadeia. (O artigo indefinido nos transmite a ideia de que a fuga do jovem era novidade para os leitores; ou seja, o substantivo era desconhecido.) Artigo como particularizador ou generalizador Exemplos: Garfield é um gato. (O artigo indefinido marca a ideia de que Garfield é mais um entre os vários gatos no mundo; ou seja, generaliza o substantivo.) Garfield é o gato. (O artigo definido marca a ideia de que Garfield é um gato especial em relação a outros gatos; ou seja, particulariza e destaca o substantivo.) Artigo como marcador de coerência textual Para marcarmos coerência textual, muitas vezes nos valemos das capacidades de determinação e inde- terminação dos artigos. Exemplo: Um rapaz magrinho apareceu em casa ontem vendendo umas bíblias. O rapaz era bem simpá- tico, estava bem vestido, mas me irritou quando... No exemplo apresentado, constatamos que quando precisamos introduzir uma informação que nosso interlocutor desconhece, nos valemos primeiro de um artigo indefinido, e depois de apresentado o substantivo (no caso, o rapaz) começamos a demarcá- -lo a partir do artigo definido. Há também outra possi- bilidade de organização: Exemplos: — Então, como é o sítio? — Bem, é um sítio antigo, retiramos a água do poço, mas é bastante tranquilo... Nesse segundo exemplo, a coerência textual é definida quando é apresentado um substantivo defini- do que nosso interlocutor conhece. Para satisfazer a de- manda de explicação, o interlocutor abre sua explicação marcando o substantivo com artigo indefinido. SUBSTANTIVOS É a classe de palavras variável que dá nome aos seres, objetos e coisas em geral. Classificação Próprios: nomeiam a totalidade dos seres de uma espécie (designação genérica) ou o indivíduo único de determinada designação específica. Exemplos: Paulo; Pedro; Roma; Folha de S.Paulo. Comuns: nomeiam, sem distinção, todo e qualquer ser de uma espécie. Exemplos: cadeira; porta; sala. Concretos: nomeiam os seres de existência concreta, real, palpável (a pedra ou a porta, por exemplo) e também seres dos quais já se cons- tituiu uma imagem histórica (a bruxa ou a fada, por exemplo). Abstratos: nomeiam sentimentos/sensações, elementos não palpáveis. Exemplos: maldade; compaixão; beijo. 21 Flexões de substantivos Número Os substantivos podem se flexionar por núme- ro, indicando quantidades de certos termos/elementos. Existe, a princípio, uma regra geral, e também algumas variantes que são apresentadas a seguir: Regra geral: o plural dos substantivos termina- dos em vogal ou ditongo exige o acréscimo do sufixo marcador de plural “–s”. Exemplos: cadeira > cadeiras; mãe > mães; perna > pernas. Substantivos terminados em ”–ão” 1. Fazem o plural em “–ãos”. Exemplos: cidadão > cidadãos; irmão > irmãos; órgão > órgãos. 2. Fazem o plural em “–ães”. Exemplos: escrivão > escrivães; cão > cães; alemão > alemães. 3. Fazem o plural em “–ões”. Exemplos: canção > canções; gavião > gaviões; botão > botões. Substantivos terminados em consoantes 1. “r“, “z“ e “n“ fazem o plural em “–es“. Exemplos: mar > mares; rapaz > rapazes. 2. Substantivos oxítonos terminados em “–s“ e “–z“ fazem o plural em “–es“. Exemplos: país > países; raiz > raízes. 3. Substantivos paroxítonos terminados em “–s“ são invariáveis. Exemplos: atlas > atlas; lápis > lápis. 4. Substantivos terminados em “–al“, “–el“, “– ol“ e “–ul“ substituem no plural o “–l“ por “–is“. Exemplo: animal > animais. 5. Substantivos oxítonos terminados em “–il“ fazem o plural em “–s“. Exemplos: ardil > ardis; funil > funis. 6. Substantivos paroxítonos terminados em “– il“ fazem o plural em “–eis“. Exemplos: fóssil > fósseis.Gênero Os substantivos podem se flexionar também por gênero, indicando quantidades de certos termos/ elementos. Também existe uma regra geral e algumas variantes a serem observadas: Regra geral: o feminino dos substantivos é formado pela substituição da desinência “-o” (masculino) pela desinência “–a” (feminino). São conhecidos como substantivos biformes, pois possuem duas formas diferentes para de- signação de gênero. Exemplos: menino > menina; garoto > garota. Há também substantivos biformes formados por radicais diferentes. Exemplos: homem > mulher; cavalheiro > dama. Substantivos uniformes: são aqueles que apresentam uma única forma para marcação de gênero: 1. Epicenos: usados para nomes de animais de um gênero só que designam ambos os sexo. Exemplos: a águia; a mosca; o condor; o gavião. Observação Caso haja necessidade de especificar o sexo do animal, juntam-se aos substanti- vos os adjetivos macho ou fêmea: Exemplos: gavião macho > gavião fêmea; tatu macho > tatu fêmea. 2. Comum de dois: a marcação de gênero é feita exclusivamente pelos artigos. O substan- tivo se mantém. Exemplos: o agente > a agente; o gerente > a gerente. 3. Sobrecomuns: designam ambos os sexos com forma masculina ou feminina. Exemplos: a criança; a testemunha; a vítima. 4. Flexão de grau: os substantivos se flexio- nam por grau, e marcam aumento ou dimi- nuição: Grau normal: homem; boca. Grau aumentativo: homenzarrão; bocarra. Grau diminutivo: homenzinho; boquinha. 22 Grau diminutivo / aumentativo sintéti- co: chapeuzinho, chapelão; homúnculo, ho- menzarrão; boquinha, bocarra. Grau diminutivo / aumentativo analí- tico (junta-lhe um adjetivo que indique au- mento ou diminuição): boca grande; homem pequeno. ADJETIVOS É a palavra que acompanha e modifica o subs- tantivo, podendo caracterizá-lo ou qualificá-lo. Nomes substantivos e nomes adjetivos No contexto de uma frase, é possível identificar palavras de outras classes, entre elas os adjetivos, que se transformam em nomes (substantivos) desde que precedidas de um artigo. Exemplos: o jovem desem- pregado; um desempregado jovem. Adjetivos pátrios e gentílicos Derivados de substantivos, os adjetivos que in- dicam a nacionalidade de pessoas e coisas são chamados pátrios. Exemplos: brasileiro; minei- ro; paranaense; paulista; português. Os que indicam etnias e povos são os adjetivos gentílicos. Exemplos: israelita; semita; gaúcho; carioca; potiguar; europeu; africano. Adjetivos pátrios compostos Exemplos: luso-brasileiro; euro-asiático; teuto- -brasileiro; afro-americano; franco-suíço; hispa- no-americano; austro-húngaro; indo-europeu, anglo-americano. Flexão do adjetivo Número: o adjetivo toma a forma singular ou plural do substantivo que ele determina. Exemplos: aluno estudioso > alunos estudiosos; aluna aplicada > alunas aplicadas; perfume francês > perfumes franceses. Plural dos adjetivos compostos: apenas o último elemento vai para o plural. Exemplos: clínicas médico-dentárias; institutos ítalo-brasileiros. Observação 1 Há uma exceção: surdo-mudo > surdos-mudos. Observação 2 São invariáveis os adjetivos referentes a cores, se o último elemento ou ambos forem substanti- vos: blusas vermelho-sangue; vestidos cor de rosa; blusas verde-limão. Grau dos adjetivos Comparativo: indica determinada qualidade em grau igual, superior ou inferior a outra. Exemplos: Pedro é tão estudioso como (ou quanto) Rodrigo. Pedro é mais estudioso que Rodrigo. Pedro é menos estudioso que Rodrigo. Superlativo: pode indicar determinada quali- dade em grau elevado (superlativo absoluto). Exemplos: Pedro é inteligentíssimo. Rodrigo é muito inteligente. Pode indicar determinada qualidade em grau mais ou menos elevado em comparação à totali- dade dos seres (superlativo relativo). Exemplos: João é o aluno mais estudioso da classe. (su- perlativo relativo de superioridade) João é o aluno menos estudioso da classe. (superlativo relativo de inferioridade) SUBSTANTIVOS E ADJETIVOS APLICADOS AO TEXTO Tanto os substantivos quanto os adjetivos têm im- portantíssimas aplicações textuais, que serão exploradas em gêneros textuais variados. Vejamos como funcionam... Substantivo e texto A construção de um texto depende essencial- mente dos substantivos, pois é deles que parte o pro- cesso de referencialidade. Entende-se por referencia- lidade a capacidade que os substantivos têm de apontar 23 para os elementos do mundo que compõem sentido, e também de fazer com que esses sentidos sejam cons- truídos à medida que novos substantivos apareçam no texto. O movimento de referencialidade parte de três pressupostos importantes: Introdução/construção: apresenta um subs- tantivo no texto, não apenas o introduz, como constitui uma ideia. É a partir desse substantivo que o texto se constrói. Retomada/manutenção: usam-se outros subs- tantivos muito similares ao primeiro, que permi- tem retomar a ideia inicialmente apresentada (o que contribui para a manutenção de sentido) Desfocalização: é o momento do texto em que entram em cena novos substantivos que tomam o foco para si e ampliam os sentidos do texto. Adjetivo e texto Os adjetivos exercem o importante papel de con- duzir os processos descritivos de um texto. Em termos mais claros, os adjetivos são responsáveis por compor sentenças que, por exemplo, caracterizem os persona- gens de uma narrativa (suas roupas, atitudes) ou que apresentem detalhes a respeito de uma localização (detalhes de uma cidade, ou ambiente florestal), entre outras caracterizações. Em textos literários brasileiros do período romântico, por exemplo, havia a necessida- de de se evidenciar características que valorizassem a nação, por esse motivo encontramos obras em que há grandes processos de adjetivação, caracterizando o am- biente brasileiro (o livro Iracema, de José de Alencar, é um grande exemplo). INTERATIVIAA DADE LER No primeiro, o autor trabalha com os sentidos das palavras “autor” e “defunto” em diferentes classes gramaticais. Capítulo I - ÓBITO DO AUTOR Algum tempo hesitei se devia estas memórias pelo princípio ou pelo fim, isto é, se poria em primeiro lugar o meu nascimento ou a minha morte. Suposto o uso vulgar seja começar pelo nascimento, duas considerações me leveram a adotar diferente método: a primeira é que eu não sou propriamente um autor defunto, mas um defunto autor, para quem a campa foi outro berço; a segunda é que o escrito ficaria assim mais galante e mais novo. Moisés, que também contou a sua morte, não a pôs no introito, mas no cabo: diferença radical este livro e o Pentateuco. 2424 INTERDISCIPLINARIDADE Canção: Esse cara (Caetano Veloso) A canção, em seu refrão, recorre às propriedades semânti- cas do emprego dos artigos: “Ele é o homem Eu sou apenas uma mulher”. ESSE CARA Ah! Que esse cara tem me consumido A mim e a tudo que eu quis Com seus olhinhos infantis Como os olhos de um bandido Ele está na minha vida porque quer Eu estou pra o que der e vier Ele chega ao anoitecer Quando vem a madrugada ele some Ele é quem quer Ele é o homem Eu sou apenas uma mulher Canção: O nome das coisas (Karnak) A canção é composta por substantivos de diferentes naturezas. Nomes se dão às coisas Nomes se dão Nomes se dão às pessoas Nomes se dão Nomes se dão aos deuses na imensidão do céu Nomes se dão aos barquinhos na imensidão do mar Nomes se dão às doenças na imensidão da dor Nomes se dão às crianças na imensidão do amor You and me Salame Batata Barata Bigorna Casa Comida Bicho Paçoca Tampinha de caneta Bolinha de sabão Rabo de galo Circo Pão Conchinha de galinha Coxinha do mar Linha Palito Terra Água Ar Seriema Tatu Merthiolate Saci Rocambole de laranja Revista Gibi Pipoca Margarina 25 Lentilha Leitão Carrinho de feira Terremoto Furacão Centopeia Isqueiro Cefaleia Blefarite Cimento Colar Risole Rinite Armário Geladeira FuradeiraCobertor Ladeira Pedreira Fogueira Extintor Jeton Bazuca Suporte Argamassa Fio de nylon Lamparina Chocolate Queratina Juliana Cadarço Picareta Beija-flor Convidados Esfiha Chupeta Fruta-cor Trompete Arame Hepatite Fax-símile Chocalho Geleia Biga Mocreia Apolo Nostradamus Filarmônica Marisa Biriba Pelé Afrodite José Filho Veleiro Alá Deus Salomão Peixe Pão 26 ESTRUTURA CONCEITUAL GRAMÁTICA NORMATIVA MORFOLOGIA CLASSE DAS PALAVRAS ESTUDO DOS PROCESSOS DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS ARTIGO PALAVRA VARIÁVEL QUE SE ANTEPÕE AO SUBSTANTIVO, DETERMINANDO-O ADJETIVO PALAVRA VARIÁVEL QUE ESPECIFICA O SUBSTANTIVO, CARACTERIZANDO-O SUBSTANTIVO PALAVRA VARIÁVEL QUE DÁ NOME A SERES REAIS, IMAGINÁRIOS OU IDEIAS 27 Verbos: noções preliminares e modos indicativo e subjuntivo Competências 1 e 8 Habilidades 1, 2, 3, 4, 26 e 27 Ry an M cG ui re /P ixa ba y L ENTRE LETRAS C 05 06 Competência 1 – Aplicar as tecnologias da comunicação e da informação na escola, no trabalho e em outros contextos relevantes para sua vida. H1 Identificar as diferentes linguagens e seus recursos expressivos como elementos de caracterização dos sistemas de comunicação. H2 Recorrer aos conhecimentos sobre as linguagens dos sistemas de comunicação e informação para resolver problemas sociais. H3 Relacionar informações geradas nos sistemas de comunicação e informação, considerando a função social desses sistemas. H4 Reconhecer posições críticas aos usos sociais que são feitos das linguagens e dos sistemas de comunicação e informação. Competência 2 – Conhecer e usar língua(s) estrangeira(s) moderna(s) (LEM) como instrumento de acesso a informações e a outras culturas e grupos sociais. H5 Associar vocábulos e expressões de um texto em LEM ao seu tema. H6 Utilizar os conhecimentos da LEM e de seus mecanismos como meio de ampliar as possibilidades de acesso a informações, tecnologias e culturas. H7 Relacionar um texto em LEM, as estruturas linguísticas, sua função e seu uso social. H8 Reconhecer a importância da produção cultural em LEM como representação da diversidade cultural e linguística. Competência 3 – Compreender e usar a linguagem corporal como relevante para a própria vida, integradora social e formadora da identidade. H9 Reconhecer as manifestações corporais de movimento como originárias de necessidades cotidianas de um grupo social. H10 Reconhecer a necessidade de transformação de hábitos corporais em função das necessidades cinestésicas. H11 Reconhecer a linguagem corporal como meio de interação social, considerando os limites de desempenho e as alternativas de adaptação para diferentes indivíduos. Competência 4 – Compreender a arte como saber cultural e estético gerador de significação e integrador da organização do mundo e da própria identidade. H12 Reconhecer diferentes funções da arte, do trabalho da produção dos artistas em seus meios culturais. H13 Analisar as diversas produções artísticas como meio de explicar diferentes culturas, padrões de beleza e preconceitos. H14 Reconhecer o valor da diversidade artística e das inter-relações de elementos que se apresentam nas manifestações de vários grupos sociais e étnicos. Competência 5 – Analisar, interpretar e aplicar recursos expressivos das linguagens, relacionando textos com seus contextos, mediante a natureza, função, organização, estrutura das manifestações, de acordo com as condições de produção e recepção. H15 Estabelecer relações entre o texto literário e o momento de sua produção, situando aspectos do contexto histórico, social e político. H16 Relacionar informações sobre concepções artísticas e procedimentos de construção do texto literário. H17 Reconhecer a presença de valores sociais e humanos atualizáveis e permanentes no patrimônio literário nacional. Competência 6 – Compreender e usar os sistemas simbólicos das diferentes linguagens como meios de organização cognitiva da realidade pela constituição de significados, expressão, comunicação e informação. H18 Identificar os elementos que concorrem para a progressão temática e para a organização e estruturação de textos de diferentes gêneros e tipos. H19 Analisar a função da linguagem predominante nos textos em situações específicas de interlocução. H20 Reconhecer a importância do patrimônio linguístico para a preservação da memória e da identidade nacional Competência 7 – Confrontar opiniões e pontos de vista sobre as diferentes linguagens e suas manifestações específicas. H21 Reconhecer em textos de diferentes gêneros, recursos verbais e não-verbais utilizados com a finalidade de criar e mudar comportamentos e hábitos. H22 Relacionar, em diferentes textos, opiniões, temas, assuntos e recursos linguísticos. H23 Inferir em um texto quais são os objetivos de seu produtor e quem é seu público alvo, pela análise dos procedimentos argumentativos utilizados. H24 Reconhecer no texto estratégias argumentativas empregadas para o convencimento do público, tais como a intimidação, sedução, comoção, chantagem, entre outras. Competência 8 – Compreender e usar a língua portuguesa como língua materna, geradora de significação e integradora da organização do mundo e da própria identidade. H25 Identificar, em textos de diferentes gêneros, as marcas linguísticas que singularizam as variedades linguísticas sociais, regionais e de registro. H26 Relacionar as variedades linguísticas a situações específicas de uso social. H27 Reconhecer os usos da norma padrão da língua portuguesa nas diferentes situações de comunicação. Competência 9 – Entender os princípios, a natureza, a função e o impacto das tecnologias da comunicação e da informação na sua vida pessoal e social, no desenvolvimento do conhecimento, associando-o aos conhecimentos científicos, às linguagens que lhes dão suporte, às demais tecnologias, aos processos de produção e aos problemas que se propõem solucionar. H28 Reconhecer a função e o impacto social das diferentes tecnologias da comunicação e informação. H29 Identificar pela análise de suas linguagens, as tecnologias da comunicação e informação. H30 Relacionar as tecnologias de comunicação e informação ao desenvolvimento das sociedades e ao conhecimento que elas produzem 31 VERBOS Verbo é a classe de palavras que, do ponto de vista semântico (morfológico), contém as noções de ação, processo, estado, mudança de estado e manifestação de fenômenos da natureza. É variável e suas flexões marcam: pessoa: indica o emissor, o destinatário ou o ser do qual se fala. Os pronomes pessoais do caso reto indi- cam as pessoas do verbo – eu, tu, ele(a), nós, vós, eles(as); número: indica se o sujeito gramatical está no singular ou no plural; tempo: localiza a ação, o processo ou o estado em relação ao momento do enunciado. Os tempos verbais são seis – pretérito mais-que-perfeito, pretérito perfeito, pretérito imperfeito, futuro do pretérito, presente e futuro (do presente); modo: indica a atitude do emissor quanto ao fato por ele enunciado, que pode ser de certeza, dúvida, temor, desejo, ordem etc. Os modos verbais são: indicativo, subjuntivo e imperativo (afirmativo e negativo); voz: indica se o sujeito gramatical é agente, paciente ou, ao mesmo tempo, agente e paciente da ação. Conjugações verbais Conjugar um verbo compreende adicionar ao seu radical a vogal temática da conjugação ou classe a que pertence mais os sufixos modo-temporal e número-pessoal que lhe são permitidos. Existem três conjugações ver- bais na língua portuguesa: 1a conjugação: indicada pela vogal temática –a– (amar, brincar, falar); 2a conjugação: indicada pela vogal temática –e– (nascer, crescer, morrer); 3a conjugação: indicada pela vogal temática –i– (dormir, sorrir, partir). O verbo pôr e seus derivados são considerados de 2ª conjugação por conta de um processo fonológico que suprimiu a vogal temática –e–. Em um estágio anterior da língua portuguesa, a sua forma era poer. Classificação dos verbos Verbos regulares Osverbos regulares não sofrem alteração do radical e das desinências nos diferentes tempos, modos e pessoas. O radical do verbo é obtido pela supressão das terminações do infinitivo (–r): mand(ar), vend(er), part(ir); mand(o), vend(o), part(o). Verbos irregulares Os verbos irregulares sofrem alteração do radical e das desinências nos diferentes tempos, modos e pessoas. fazer: faço, faria, fazia; estar: estou, estive, estarei; saber: sei, soubera, saiba. Verbos anômalos Os verbos anômalos possuem diferentes radicais: ser: sou, é, fomos; ir: vou, fui, ia. 32 Verbos defectivos Os verbos defectivos não possuem todas as formas: reaver (composto de haver, tem apenas as for- mas em “v“): reavemos, reavia, reaverá; precaver: precavenho, precavenha, precavinha; latir: lates, late, latimos; colorir: colores, colore, colorimos, coloris. Observação Entre os verbos defectivos estão incluídos os chamados verbos impessoais, usados apenas na terceira pessoa do singular: chover, trovejar, ventar, haver (existir), fazer (refere-se ao clima: faz frio; ao tempo: faz dez anos). Verbos auxiliares Os verbos auxiliares formam os tempos compos- tos ou locuções verbais com os verbos principais: ser (pago); estar (curado); ter (estudado); haver (prometido). Verbos abundantes Os verbos abundantes apresentam mais de uma forma, especificamente de particípio: cozido e cozinhado; morto e morrido; imprimido e impresso. Os particípios abundantes são classificados em regulares e irregulares. a) As formas regulares terminadas em –ado e –ido, não contraídas, acompanham os ver- bos auxiliares ter e haver. Ele já havia pagado a dívida. Tínhamos aceitado o convite. b) As formas irregulares, contraídas, acompa- nham os verbos auxiliares ser e estar. O feijão foi cozido na panela de pressão. A lâmpada foi acesa. Formas nominais do verbo O infinitivo, o particípio (regular e irregular) e o ge- rúndio são chamados formas nominais do verbo porque podem funcionar como nomes – substantivo, adjetivo. Infinitivo O comer demais faz mal. (substantivo) O viver é bom. (substantivo) Gerúndio Ela bebeu chá fervendo. (advérbio) Fervendo, desligue. (advérbio) Particípio Problema resolvido. (adjetivo) A feira foi inaugurada. (adjetivo) O parque foi inaugurado. (adjetivo) Locução verbal A locução verbal é a expressão constituída por verbo (ou verbos auxiliares) seguido do verbo principal. A Europa vem sendo desgastada pela crise. O verbo auxiliar “vem” designa a pessoa e o nú- mero do sujeito “Europa”, bem como o tempo verbal designado pelo verbo principal “desgastada” – presen- te do indicativo. O verbo principal está na voz passiva (ser desgastada). Hei de fazer algo mais legal. Trata-se de uma locução verbal constituída pelo auxiliar “hei” e o infinitivo impessoal “fazer”, antecedi- do da preposição “de”. Andam falando que tudo aquilo foi falso. O gerúndio “falando” ou o infinitivo impessoal, precedido da preposição “a” confere à locução ideia de continuidade, de frequência, reiteração de ação. Modos verbais Quando lemos, falamos ou escrevemos, posicio- namo-nos em um determinado tempo. No momento do enunciado, os verbos ocorrem (presente), ocorreram (pas- sados) ou ocorrerão (futuro), dependendo no modo verbal. Tempos do modo indicativo 1. Presente Indica processo no momento da fala. Faço minhas escolhas. (atualmente, agora) 33 Indica processo habitual, constante, fato real, verdade. Ela cumpre seus acordos. (ação habitual) Indica processo ocorrido até o momento da declaração. Moro com meus colegas. Em narrativas históricas (presente histórico), em lugar do pretérito perfeito. Colombo chega à América e, em 1492, con- quista o Novo Mundo. Em acontecimento próximo no lugar do futuro. Não posso almoçar contigo amanhã. Em expressões condicionais (se...), em lugar do subjuntivo. Se tudo corre bem, podemos viajar. 2. Pretérito perfeito Indica um processo, algo já realizado, concluí- do, terminado, sem necessidade de referência à outra ação anterior nem contemporânea. João saiu ontem. Fiz as compras. Cheguei. Indica processo ocorrido antes da declaração expressa pelo verbo. Em 1939, Hitler invadiu a Polônia. É frequente o emprego do pretérito perfeito composto – presente do indicativo do verbo auxiliar “ter“ ou “haver“ e particípio do ver- bo principal. Pode indicar ato habitual: Eu tenho lido bastante. Os alunos têm estudado muito. Também pode indicar fato ocorrido até o mo- mento da declaração: Tenho comprado muitos carros iguais a este. 3. Pretérito imperfeito Indica um processo ocorrido anteriormente ao momento da declaração, mas contempo- râneo a outro fato passado. Eu ouvia samba, quando se deu o estouro. Ele comia, quando da sua chegada. É empregado para indicar processo em desen- volvimento. Eu dançava, quando ele entrou. Indica processo em continuidade, habitual, constante, frequente. Eu residia nesta casa. Indica processo idealizado, não realizado. Pretendíamos ir à Bahia, mas o frio repenti- no não permitiu. Como manifestação de cortesia, de polidez, em lugar do presente do indicativo ou do im- perativo. Queria só um abraço. Em lugar do futuro do pretérito do indicativo. Se ele pagasse, já estávamos (em vez de “estaríamos“) na França. 4. Pretérito mais-que-perfeito Indica uma ação passada, um fato concluído que aconteceu antes de outro fato (ambos no passado). O trem partira quando ele enfim chegou. Ela estivera presente à toda reunião. Ele dançara muito. Em construções exclamativas. Quem lhe dera tê-la nos braços naquela tarde! Em lugar do pretérito imperfeito do subjuntivo. Nadou como se estivera (estivesse) à beira da morte. É bastante frequente o emprego do mais- -que-perfeito composto – imperfeito do ver- bo auxiliar “ter“ ou “haver“ e particípio do verbo principal. Eu tinha falado bastante. Já havia ocorrido o pior. 5. Futuro do pretérito Exprime ação futura em relação ao passado, ação que teria ocorrido em relação a um fato já ocorrido no passado. Eu iria, se você chegasse a tempo. Designa ações posteriores à época em que se fala. Ainda ficaria. Esperaria a noite. (Marques Rabelo) Designa incerteza, probabilidade, dúvida, su- posição sobre fatos passados. Seriam mais ou menos dez horas quando chegaram. (Lobato) 34 Forma polida de presente para denotar um desejo. Eu precisaria namorar aquela moça. O futuro do pretérito composto expresso – verbo auxiliar “ter“ ou “haver“ no futuro do pretérito e particípio do verbo principal. Eu teria dito (diria) umas verdades a você. Indica fato que teria acontecido no passado mediante certa condição. Teria sido diferente, se eu a amasse. (Ciro dos Anjos) Indica possibilidade de um fato passado. Teria sido melhor não escrever nada. (Ruben Braga) Indica incerteza sobre fatos passados em cer- tas frases interrogativas. Ele só teria falado ou também...? 6. Futuro (do presente) Indica a ação ainda não ocorrida, mas já de- clarada pelo verbo. Ora (direis) ouvir estrelas!/ (...) E eu vos di- rei: amai para entendê-las! (Olavo Bilac) Empregado para indicar um fato aproximado ou para enfatizar uma expressão. Na África, quantos não estarão mortos de fome! Indica incerteza, probabilidade, dúvida, supo- sição. Há uma várzea em meu sonho, mas não sei onde será. (Augusto Meyer) Indica fatos de realização provável. Vem, dizia ele na última carta; se não vieres depressa, acharás tua mãe morta. (Machado de Assis) Como forma polida, em vez do presente. Mas como foi que aconteceram? E eu lhe di- rei: sei lá, aconteceram: eis tudo. (Drummond) É frequente o emprego do futuro do presente composto – futuro do presente do verbo au- xiliar “ter“ ou “haver“ e particípio do verbo principal. Quando você chegar, eu já terei ido. Indica ação futura a ser consumada antes de outra. Quando o guarda chegar, já teremos fugido. Indica possibilidade de um fato passado. Terá passado o furacão dentro de oito dias?Indica certeza de uma ação futura. Se não voltarmos em algumas horas, tere- mos perdido a oportunidade. Tempos do modo subjuntivo 1. Presente Expressa hipótese, desejo, suposição, dúvida. Tomara que você tenha boas festas! Bons ventos o levem! 2. Pretérito imperfeito É empregado nas orações subordinadas da oração principal, em que o verbo esteja no pretérito imperfeito do indicativo. Ela desejava que todos morressem. Esperei que eles fi zessem os trabalhos di- reito. Apreciaria que você me beijasse. 3. Pretérito mais-que-perfeito (composto) Verbo auxiliar “ter“ ou “haver“ no pretérito imperfeito do subjuntivo seguido do particí- pio do verbo principal. Imaginei que ele tivesse trazido a grana. (Indica fato anterior a outro, ambos no pas- sado.) 4. Futuro simples Designa fato provável, eventualidade futura. Quando ela vier, encontrará uma bagunça. 5. Futuro composto Verbo auxiliar “ter“ ou “haver“ no futuro do subjuntivo seguido do particípio do verbo principal. Designa fato futuro como encerra- do em relação a outro também no futuro. Só deixarei esta casa, quando ele tiver tra- zido todos os meus pertences. Quando eu tiver encontrado o vestido, avi- sarei a você. 35 ASSISTIR INTERATIVIAA DADE Vídeo Jornalista - Veja o uso do futuro do pretérito. Fonte: Youtube 36 Letra e Música Por Você (Barão vermelho) Por Você (Barão vermelho) Por você Eu dançaria tango no teto Eu limparia Os trilhos do metrô Eu iria a pé Do Rio a Salvador Eu aceitaria A vida como ela é Viajaria a prazo Pro inferno Eu tomaria banho gelado No inverno Por você Eu deixaria de beber Por você Eu ficaria rico num mês Eu dormiria de meia Pra virar burguês Eu mudaria Até o meu nome Eu viveria Em greve de fome Desejaria todo o dia A mesma mulher Por você! Por você! Por você! Por você! Por você Conseguiria até ficar alegre Pintaria todo o céu De vermelho Eu teria mais herdeiros Que um coelho Eu aceitaria A vida como ela é Viajaria a prazo Pro inferno Eu tomaria banho gelado No inverno Eu mudaria Até o meu nome Eu viveria Em greve de fome Desejaria todo o dia A mesma mulher Por você! Por você! Por você! Por você! Eu mudaria Até o meu nome Eu viveria Em greve de fome Desejaria todo o dia A mesma mulher LER E OUVIR 37 REFLETIR Poema / Poesia Epígrafe Epígrafe Sou bem nascido. Menino, Fui, como os demais, feliz. Depois, veio o mau destino E fez de mim o que quis. Veio o mau gênio da vida, Rompeu em meu coração, Levou tudo de vencida, Rugiu como um furacão, Turbou, partiu, abateu, Queimou sem razão nem dó – Ah, que dor! Magoado e só, – Só! – meu coração ardeu: Ardeu em gritos dementes Na sua paixão sombria... E dessas horas ardentes Ficou esta cinza fria. – Esta pouca cinza fria... (Manuel Bandeira, In: A cinza das horas, 1917) Refl ita sobre o emprego dos tempos verbais no poema de Manuel Bandeira. Qual relação semântica eles estabelecem? 38 ESTRUTURA CONCEITUAL MORFOLOGIA VERBOS VOZES MODOS INDICATIVO TEMPOS Pretérito Futuro Perfeito Do presente Do pretérito Imperfeito Mais-que-perfeito SUBJUNTIVO IMPERATIVO Presente TEMPOS Pretérito imperfeito Futuro Presente Verbos: modo imperativo e vozes verbais Competências 1 e 8 Habilidades 1, 2, 3 e 27 te rim ak as ih 0/ Pi xa ba y L ENTRE LETRAS C 07 08 Competência 1 – Aplicar as tecnologias da comunicação e da informação na escola, no trabalho e em outros contextos relevantes para sua vida. H1 Identificar as diferentes linguagens e seus recursos expressivos como elementos de caracterização dos sistemas de comunicação. H2 Recorrer aos conhecimentos sobre as linguagens dos sistemas de comunicação e informação para resolver problemas sociais. H3 Relacionar informações geradas nos sistemas de comunicação e informação, considerando a função social desses sistemas. H4 Reconhecer posições críticas aos usos sociais que são feitos das linguagens e dos sistemas de comunicação e informação. Competência 2 – Conhecer e usar língua(s) estrangeira(s) moderna(s) (LEM) como instrumento de acesso a informações e a outras culturas e grupos sociais. H5 Associar vocábulos e expressões de um texto em LEM ao seu tema. H6 Utilizar os conhecimentos da LEM e de seus mecanismos como meio de ampliar as possibilidades de acesso a informações, tecnologias e culturas. H7 Relacionar um texto em LEM, as estruturas linguísticas, sua função e seu uso social. H8 Reconhecer a importância da produção cultural em LEM como representação da diversidade cultural e linguística. Competência 3 – Compreender e usar a linguagem corporal como relevante para a própria vida, integradora social e formadora da identidade. H9 Reconhecer as manifestações corporais de movimento como originárias de necessidades cotidianas de um grupo social. H10 Reconhecer a necessidade de transformação de hábitos corporais em função das necessidades cinestésicas. H11 Reconhecer a linguagem corporal como meio de interação social, considerando os limites de desempenho e as alternativas de adaptação para diferentes indivíduos. Competência 4 – Compreender a arte como saber cultural e estético gerador de significação e integrador da organização do mundo e da própria identidade. H12 Reconhecer diferentes funções da arte, do trabalho da produção dos artistas em seus meios culturais. H13 Analisar as diversas produções artísticas como meio de explicar diferentes culturas, padrões de beleza e preconceitos. H14 Reconhecer o valor da diversidade artística e das inter-relações de elementos que se apresentam nas manifestações de vários grupos sociais e étnicos. Competência 5 – Analisar, interpretar e aplicar recursos expressivos das linguagens, relacionando textos com seus contextos, mediante a natureza, função, organização, estrutura das manifestações, de acordo com as condições de produção e recepção. H15 Estabelecer relações entre o texto literário e o momento de sua produção, situando aspectos do contexto histórico, social e político. H16 Relacionar informações sobre concepções artísticas e procedimentos de construção do texto literário. H17 Reconhecer a presença de valores sociais e humanos atualizáveis e permanentes no patrimônio literário nacional. Competência 6 – Compreender e usar os sistemas simbólicos das diferentes linguagens como meios de organização cognitiva da realidade pela constituição de significados, expressão, comunicação e informação. H18 Identificar os elementos que concorrem para a progressão temática e para a organização e estruturação de textos de diferentes gêneros e tipos. H19 Analisar a função da linguagem predominante nos textos em situações específicas de interlocução. H20 Reconhecer a importância do patrimônio linguístico para a preservação da memória e da identidade nacional Competência 7 – Confrontar opiniões e pontos de vista sobre as diferentes linguagens e suas manifestações específicas. H21 Reconhecer em textos de diferentes gêneros, recursos verbais e não-verbais utilizados com a finalidade de criar e mudar comportamentos e hábitos. H22 Relacionar, em diferentes textos, opiniões, temas, assuntos e recursos linguísticos. H23 Inferir em um texto quais são os objetivos de seu produtor e quem é seu público alvo, pela análise dos procedimentos argumentativos utilizados. H24 Reconhecer no texto estratégias argumentativas empregadas para o convencimento do público, tais como a intimidação, sedução, comoção, chantagem, entre outras. Competência 8 – Compreender e usar a língua portuguesa como língua materna, geradora de significação e integradora da organização do mundo e da própria identidade. H25 Identificar, em textos de diferentes gêneros, as marcas linguísticas que singularizam as variedades linguísticas sociais, regionais e de registro. H26 Relacionar as variedades linguísticas a situações específicas de uso social. H27 Reconhecer os usos da norma padrão da língua portuguesa nas diferentes situações de comunicação. Competência9 – Entender os princípios, a natureza, a função e o impacto das tecnologias da comunicação e da informação na sua vida pessoal e social, no desenvolvimento do conhecimento, associando-o aos conhecimentos científicos, às linguagens que lhes dão suporte, às demais tecnologias, aos processos de produção e aos problemas que se propõem solucionar. H28 Reconhecer a função e o impacto social das diferentes tecnologias da comunicação e informação. H29 Identificar pela análise de suas linguagens, as tecnologias da comunicação e informação. H30 Relacionar as tecnologias de comunicação e informação ao desenvolvimento das sociedades e ao conhecimento que elas produzem 41 MODO IMPERATIVO O modo imperativo manifesta ordem, conselho, súplica ou exortação do emissor, e pode ser imperativo afirmativo ou imperativo negativo. Se beber, não dirija! Dorme, que já está na hora! FORMAÇÃO DOS IMPERATIVOS imperativo afirmativo presente do subjuntivo imperativo negativo Não existe primeira pessoa. que eu ame Não existe primeira pessoa. ama (tu) que tu ames não ames (tu) ame (ele/ela/você) que ele/ela/você ame não ame (ele/ela/você) amemos (nós) que nós amemos não amemos (nós) amai (vós) que vós ameis não ameis (vós) amem (eles/elas/vocês) que eles/elas/vocês amem não amem (eles/elas/vocês) Embora a palavra “imperativo” esteja ligada à ideia de comando, ordem, não é para comandar ou ordenar que, na maioria das vezes, servimo-nos dele. O imperativo também é empregado para designar pedido, convite, conselho ou súplica. Faça isso agora, amor! (pedido) Faça-nos uma visita! (convite) Meu filho, faça sempre o melhor! (conselho) Senhor, faça-nos esse milagre! (súplica) VOZES O fato expresso pelo verbo pode ser representado em três formas, em três vozes. João cortou árvores. O fato (cortou) é praticado pelo sujeito (João). Portanto, o verbo está na voz ativa. Árvores foram cortadas por João. O sujeito (árvores) é alvo, ou seja, sofre a ação de João. Portanto, o verbo está na voz passiva. João cortou-se com o machado. O sujeito (João) é alvo (cortou-se) do machado. Portanto, o verbo está na voz reflexiva. Voz ativa O fato indicado pelo verbo e exercido pelo sujeito (pessoa ou coisa) recai sobre um objeto (pessoa ou coisa). Os coletores recolhem diariamente toneladas de lixo. Os caminhões despejam toneladas de lixo. As vozes ativa e passiva existem tão somente com verbos transitivos diretos, que necessariamente preveem sujeito (agente da ação) e objeto (alvo da ação). Alberto tirou boas notas. Os pais amam seus filhos. 42 Voz passiva analítica A voz passiva dos verbos é formada pelo verbo auxiliar ser, conjugado no tempo e na pessoa desejados, se- guido do particípio do verbo principal: A árvore foi cortada pelo lenhador./ Muitas mansões foram alugadas em Brasília./ Muita gente ainda vai ser julgada inocente. A voz passiva analítica sempre é formada por tempos compostos – ser + verbo principal transitivo direto –, bem como com pelos verbos auxiliares ter e haver. Têm sido (foram) alugadas muitas mansões em Brasília. Voz passiva sintética Formada com o verbo principal transitivo direto na voz ativa, na terceira pessoa do singular ou do plural, acompanhado da partícula apassivadora “se“. Aluga-se casa. Alugam-se casas. Compra-se apartamento. Compram-se apartamentos. Persuadem-se alunos com muito empenho. Voz reflexiva Necessariamente formada pelos verbos pronominais – acompanhados de “me“, “te“, “se“, “nos“, “vos“, “se“ –, cuja ação designada parte do sujeito e volta-se para ele mesmo. Eu me feri. (O ato e o efeito do ferimento partem e voltam para o “eu”, que é o sujeito.) Tu te feriste. Ele se machucou. Nós nos prejudicamos. Eles se feriram com faca. 43 ANALISAR Imagens Anúncios O imperativo é usualmente empregado no universo publicitário. Procure identifi car em qual pessoa gramatical os verbos presentes nas imagens abaixo estão empregados. INTERATIVIAA DADE 44 ESTRUTURA CONCEITUAL MORFOLOGIA VERBOS VOZES MODOS INDICATIVO SUBJUNTIVO IMPERATIVO NÃO ARTICULA TEMPO Afirmativo Negativo - Passiva - Reflexiva - Ativa Advérbios Competências 1 e 8 Habilidades 1, 2, 3 e 27 te rim ak as ih 0/ Pi xa ba y L ENTRE LETRAS C 09 10 Competência 1 – Aplicar as tecnologias da comunicação e da informação na escola, no trabalho e em outros contextos relevantes para sua vida. H1 Identificar as diferentes linguagens e seus recursos expressivos como elementos de caracterização dos sistemas de comunicação. H2 Recorrer aos conhecimentos sobre as linguagens dos sistemas de comunicação e informação para resolver problemas sociais. H3 Relacionar informações geradas nos sistemas de comunicação e informação, considerando a função social desses sistemas. H4 Reconhecer posições críticas aos usos sociais que são feitos das linguagens e dos sistemas de comunicação e informação. Competência 2 – Conhecer e usar língua(s) estrangeira(s) moderna(s) (LEM) como instrumento de acesso a informações e a outras culturas e grupos sociais. H5 Associar vocábulos e expressões de um texto em LEM ao seu tema. H6 Utilizar os conhecimentos da LEM e de seus mecanismos como meio de ampliar as possibilidades de acesso a informações, tecnologias e culturas. H7 Relacionar um texto em LEM, as estruturas linguísticas, sua função e seu uso social. H8 Reconhecer a importância da produção cultural em LEM como representação da diversidade cultural e linguística. Competência 3 – Compreender e usar a linguagem corporal como relevante para a própria vida, integradora social e formadora da identidade. H9 Reconhecer as manifestações corporais de movimento como originárias de necessidades cotidianas de um grupo social. H10 Reconhecer a necessidade de transformação de hábitos corporais em função das necessidades cinestésicas. H11 Reconhecer a linguagem corporal como meio de interação social, considerando os limites de desempenho e as alternativas de adaptação para diferentes indivíduos. Competência 4 – Compreender a arte como saber cultural e estético gerador de significação e integrador da organização do mundo e da própria identidade. H12 Reconhecer diferentes funções da arte, do trabalho da produção dos artistas em seus meios culturais. H13 Analisar as diversas produções artísticas como meio de explicar diferentes culturas, padrões de beleza e preconceitos. H14 Reconhecer o valor da diversidade artística e das inter-relações de elementos que se apresentam nas manifestações de vários grupos sociais e étnicos. Competência 5 – Analisar, interpretar e aplicar recursos expressivos das linguagens, relacionando textos com seus contextos, mediante a natureza, função, organização, estrutura das manifestações, de acordo com as condições de produção e recepção. H15 Estabelecer relações entre o texto literário e o momento de sua produção, situando aspectos do contexto histórico, social e político. H16 Relacionar informações sobre concepções artísticas e procedimentos de construção do texto literário. H17 Reconhecer a presença de valores sociais e humanos atualizáveis e permanentes no patrimônio literário nacional. Competência 6 – Compreender e usar os sistemas simbólicos das diferentes linguagens como meios de organização cognitiva da realidade pela constituição de significados, expressão, comunicação e informação. H18 Identificar os elementos que concorrem para a progressão temática e para a organização e estruturação de textos de diferentes gêneros e tipos. H19 Analisar a função da linguagem predominante nos textos em situações específicas de interlocução. H20 Reconhecer a importância do patrimônio linguístico para a preservação da memória e da identidade nacional. Competência 7 – Confrontar opiniões e pontos de vista sobre as diferentes linguagens e suas manifestações específicas. H21 Reconhecer em textos de diferentes gêneros, recursos verbais e não-verbais utilizados com a finalidade de criar e mudar comportamentos e hábitos. H22 Relacionar, em diferentestextos, opiniões, temas, assuntos e recursos linguísticos. H23 Inferir em um texto quais são os objetivos de seu produtor e quem é seu público alvo, pela análise dos procedimentos argumentativos utilizados. H24 Reconhecer no texto estratégias argumentativas empregadas para o convencimento do público, tais como a intimidação, sedução, comoção, chantagem, entre outras. Competência 8 – Compreender e usar a língua portuguesa como língua materna, geradora de significação e integradora da organização do mundo e da própria identidade. H25 Identificar, em textos de diferentes gêneros, as marcas linguísticas que singularizam as variedades linguísticas sociais, regionais e de registro. H26 Relacionar as variedades linguísticas a situações específicas de uso social. H27 Reconhecer os usos da norma padrão da língua portuguesa nas diferentes situações de comunicação. Competência 9 – Entender os princípios, a natureza, a função e o impacto das tecnologias da comunicação e da informação na sua vida pessoal e social, no desenvolvimento do conhecimento, associando-o aos conhecimentos científicos, às linguagens que lhes dão suporte, às demais tecnologias, aos processos de produção e aos problemas que se propõem solucionar. H28 Reconhecer a função e o impacto social das diferentes tecnologias da comunicação e informação. H29 Identificar pela análise de suas linguagens, as tecnologias da comunicação e informação. H30 Relacionar as tecnologias de comunicação e informação ao desenvolvimento das sociedades e ao conhecimento que elas produzem 47 ADVÉRBIOS Advérbio é uma classe de palavras invariável que se associa a verbos, a adjetivos ou a outros advérbios, cada qual com intenções bastante específicas. Associa-se a verbos para indicar com maior precisão as circunstâncias da ação verbal. Exemplo: Paula viajou ontem. (O advérbio “ontem” indica com maior precisão quando Paula viajou.) Associa-se a adjetivos para intensificar o adjetivo já apresentado. Exemplo: Roberto ficou bastante preocupado. (O advérbio “bastante” intensifica o adjetivo preocupado.) Associa-se a advérbios para intensificar outro advérbio já apresentado. Exemplo: O jogador do Corinthians está se recuperando muito bem. (O advérbio “muito” intensifica o outro advérbio “bem”.) Classificação dos advérbios Os advérbios e as locuções adverbiais estabelecem diferentes relações semânticas, que são as seguintes: de lugar: aqui; antes; dentro; ali; adiante; fora; acolá; atrás; além; lá; detrás; aquém; cá; acima; onde; perto; aí; abaixo; aonde; longe; debaixo; algures; defronte; nenhures; adentro; afora; alhures; aquém; embaixo; ex- ternamente; a distância; a distância de; de longe; de perto; em cima; à direita; à esquerda; ao lado; em volta. de tempo: hoje; logo; primeiro; ontem; tarde; outrora; amanhã; cedo; depois; ainda; antigamente; an- tes; doravante; nunca; então; ora; jamais; agora; sempre; já; enfim; afinal; amiúde; breve; constantemente; imediatamente; primeiramente; provisoriamente; sucessivamente; às vezes; à tarde; à noite; de manhã; de repente; de vez em quando; de quando em quando; a qualquer momento; de tempos em tempos; em breve; hoje em dia. de modo: bem; mal; assim; melhor; pior; depressa; debalde; devagar; às pressas; às claras; às cegas; à toa; à vontade; às escondidas; aos poucos; desse jeito; desse modo; dessa maneira; em geral; frente a frente; lado a lado; a pé; de cor; em vão; e a maior parte dos que terminam em ”–mente”: calmamente; triste- mente; propositadamente; pacientemente; amorosamente; docemente; escandalosamente; bondosamente; generosamente. de afirmação: sim; certamente; realmente; decerto; efetivamente; certo; decididamente; deveras; indubi- tavelmente. de negação: não; nem; nunca; jamais; de modo algum; de forma alguma; tampouco; de jeito nenhum. de dúvida: acaso; porventura; possivelmente; provavelmente; talvez; casualmente; por certo; quem sabe. de intensidade: muito; demais; pouco; tão; em excesso; bastante; mais; menos; demasiado; quanto; quão; tanto; que (quão); tudo; nada; todo; quase; de todo; de muito; por completo; extremamente; intensamente; grandemente; bem (aplicado a propriedades graduáveis). interrogativos: onde; aonde; donde; quando; como; por que; empregadas em interrogações diretas ou indiretas – entende-se por interrogações diretas aquelas em que as palavras em destaque iniciam uma frase interrogativa. Já as interrogações indiretas são aquelas em que os termos destacados não iniciam a frase. Interrogação direta Interrogação indireta Como isso aconteceu? Queria saber como isso aconteceu. Onde ela mora? Precisava saber onde ela mora. Por que ela não veio? Quero entender por que ela não veio. Aonde você vai? Quero saber aonde você vai. Donde vem esse rapaz? Necessito entender donde vem esse rapaz. Quando que chega a carta? Quero saber quando chega a carta. 48 Palavras denotativas que se assemelham aos advérbios Existem algumas palavras e locuções que se assemelham muito a advérbios, recebendo o nome de advérbios impróprios ou palavras com sentido denotativo. Advérbios de exclusão: apenas; exclusiva- mente; salvo; senão; somente; simplesmente; só; unicamente. Exemplo: Todos se foram pela manhã; somen- te ele quis partir mais tarde. Advérbios de inclusão: ainda; até; mesmo; inclusivamente; também. Exemplo: Todos se foram pela manhã, até ele que queria partir mais tarde. Advérbios de ordem: depois; primeiramente; ultimamente. Exemplo: Primeiramente, gostaria de agra- decer a todos os que estiveram presentes. Locuções adverbiais Locuções adverbiais são expressões forma- das a partir de duas ou mais palavras que exercem função adverbial. Geralmente, são iniciadas por uma preposição, seguida de outra palavra como substan- tivo, advérbio ou verbo, e que seja capaz de indicar a circunstância. de lugar: à esquerda; à direita; de longe; de perto; para dentro; por aqui. de afirmação: por certo; sem dúvida. de modo: às pressas; passo a passo; de cor; em vão; em geral; frente a frente. de tempo: à noite; de dia; de vez em quando; à tarde; hoje em dia; nunca mais. Grau dos advérbios Os advérbios são palavras, por definição, invari- áveis (não sofrem alterações de gênero ou número). No entanto, há algumas variações de grau. Grau comparativo Formado do mesmo modo que o comparativo do adjetivo: de igualdade: tão + advérbio + quanto (como) Exemplo: Sara pulou tão alto quanto Patrícia. de inferioridade: menos + advérbio + que (do que) Exemplo: Ana fala menos alto que João. de superioridade: mais + advérbio + que (do que) Exemplo: Ana fala mais alto que João. Grau superlativo Intensifica a qualidade de uma coisa ou pessoa. Superlativo analítico: vem acompanhado de outro advérbio. Exemplo: O rapaz falava muito alto. (”muito” é advérbio de intensidade; ”alto”, de modo) Superlativo sintético: é formado por sufixos. Exemplo: O rapaz falava altíssimo. (advérbio de modo formado pelo acréscimo do sufixo) Observação: na linguagem afetiva e popular, certos advérbios são empregados no diminutivo, com valor de superlativo. Exemplos: O homem caminhava devagarinho. Amanhã precisarei acordar cedinho. Ela mora pertinho daqui. O advérbio aplicado ao texto As principais aplicações dos advérbios ao texto e que respondem a questões semânticas importantes são as dos advérbios frásicos versus advérbios extrafrásicos, além da distribuição de advérbios modais (terminados em –mente). Advérbios frásicos: são aqueles que modifi- cam um elemento específico da frase. Não apre- sentam marcas de deslocamento (vírgulas). Exemplo: O veículo corre muito. 49 Advérbios extrafrásicos: são aqueles que são exteriores à frase, estão no âmbito da enunciação e, ge- ralmente, deslocados por vírgula. Exemplo: Ele, infelizmente, não jogou bem hoje. Observação: os advérbios extrafrásicos funcionam como elementos de avaliação do enunciador acerca do conteúdo enunciado. Distribuição textual de advérbiosmodais (mais de um advérbio terminado em “–mente”) Quando temos uma frase que congrega mais de um advérbio terminado em “–mente”, deve-se fazer a con- tração dos advérbios centrais (retirar o termo “–mente”) e preservar apenas o último advérbio flexionado. Errado: Ele saiu calmamente, sorrateiramente e rapidamente. Certo: Ele saiu calma, sorrateira e rapidamente. 50 INTERATIVIAA DADE LER E OUVIRREFLETIR Poema / Poesia Poema só para Jaime Ovalle / Você Só... Mente Procure encontrar os advérbios no poema e na canção abaixo. Poema só para Jaime Ovalle Quando hoje acordei, ainda fazia escuro (Embora a manhã já estivesse avançada). Chovia. Chovia uma triste chuva de resignação Como contraste e consolo ao calor tempestuoso da noite. Então me levantei, Bebi o café que eu mesmo preparei, Depois me deitei novamente, acendi um cigarro e fi quei pensando... – Humildemente pensando na vida e nas mulheres que amei. (Manuel Bandeira) Você Só... Mente Não espero mais você, pois você não aparece Creio que você se esquece das promessas que me faz E depois vem dar desculpas, inocentes e banais É porque você bem sabe Que em você desculpo Muitas coisas mais O que sei somente É que você é um ente Que mente inconscientemente Mas fi nalmente Não sei por que Eu gosto imensamente De você Invariavelmente, sem ter o menor motivo Em um tom de voz altivo Você quando fala mente Mesmo involuntariamente, faço cara de inocente Pois sua maior mentira, é dizer à gente que você não mente. (Noel Rosa) 51 51 ESTRUTURA CONCEITUAL Gramática Normativa Formação de palavras Classes de palavras Advérbio Preposição Classes invariáveis Classe variável Interjeição Numeral FUVEST A maior parte das questões de literatura da Fuvest refere-se às obras obrigatórias. Neste caderno, você encontrará alguns desses exercícios de anos anteriores sobre o HUMANISMO, bem como questões sobre as estéticas medieval, clássica e barroca. UNESP Como a Unesp não possui uma lista obrigatória de livros, os exercícios deste vestibular con- templam o conhecimentos das escolas literárias, bem como de seus principais representantes. Neste caderno, estão presentes questões sobre TROVADORISMO, HUMANISMO, CLASSICISMO E BARROCO. UNICAMP A maior parte das questões de literatura da Unicamp refere-se às obras obrigatórias. Neste caderno, você encontra alguns desses exercícios de anos anteriores sobre o HUMANISMO e o CLASSICISMO. UNIFESP Como a Unifesp não possui uma lista obrigatória de livros, os exercícios deste vestibular con- templam o conhecimentos das escolas literárias, bem como de seus principais representantes. Neste caderno, estão presentes questões sobre TROVADORISMO, HUMANISMO, CLASSICISMO e BARROCO. ENEM/UFMG/UFRJ Como o ENEM não possui uma lista obrigatória de livros, os exercícios deste exame contemplam o conhecimentos das escolas literárias, bem como de seus principais representantes. UERJ Neste caderno, você encontrará exercícios da UERJ apenas nas aulas 1 e 2. O Vestibular da UERJ não exige os demais conteúdos contidos neste livro. FA CU LD ADE DE MEDICINA BOTUCATU 1963 Abordagem de LITERATURA nos principais vestibulares. A arte literária e o estudo dos gêneros Competência 5 Habilidades 15, 16 e 17 L ENTRE LETRAS C 01 02 Competência 1 – Aplicar as tecnologias da comunicação e da informação na escola, no trabalho e em outros contextos relevantes para sua vida. H1 Identificar as diferentes linguagens e seus recursos expressivos como elementos de caracterização dos sistemas de comunicação. H2 Recorrer aos conhecimentos sobre as linguagens dos sistemas de comunicação e informação para resolver problemas sociais. H3 Relacionar informações geradas nos sistemas de comunicação e informação, considerando a função social desses sistemas. H4 Reconhecer posições críticas aos usos sociais que são feitos das linguagens e dos sistemas de comunicação e informação. Competência 2 – Conhecer e usar língua(s) estrangeira(s) moderna(s) (LEM) como instrumento de acesso a informações e a outras culturas e grupos sociais. H5 Associar vocábulos e expressões de um texto em LEM ao seu tema. H6 Utilizar os conhecimentos da LEM e de seus mecanismos como meio de ampliar as possibilidades de acesso a informações, tecnologias e culturas. H7 Relacionar um texto em LEM, as estruturas linguísticas, sua função e seu uso social. H8 Reconhecer a importância da produção cultural em LEM como representação da diversidade cultural e linguística. Competência 3 – Compreender e usar a linguagem corporal como relevante para a própria vida, integradora social e formadora da identidade. H9 Reconhecer as manifestações corporais de movimento como originárias de necessidades cotidianas de um grupo social. H10 Reconhecer a necessidade de transformação de hábitos corporais em função das necessidades cinestésicas. H11 Reconhecer a linguagem corporal como meio de interação social, considerando os limites de desempenho e as alternativas de adaptação para diferentes indivíduos. Competência 4 – Compreender a arte como saber cultural e estético gerador de significação e integrador da organização do mundo e da própria identidade. H12 Reconhecer diferentes funções da arte, do trabalho da produção dos artistas em seus meios culturais. H13 Analisar as diversas produções artísticas como meio de explicar diferentes culturas, padrões de beleza e preconceitos. H14 Reconhecer o valor da diversidade artística e das inter-relações de elementos que se apresentam nas manifestações de vários grupos sociais e étnicos. Competência 5 – Analisar, interpretar e aplicar recursos expressivos das linguagens, relacionando textos com seus contextos, mediante a natureza, função, organização, estrutura das manifestações, de acordo com as condições de produção e recepção. H15 Estabelecer relações entre o texto literário e o momento de sua produção, situando aspectos do contexto histórico, social e político. H16 Relacionar informações sobre concepções artísticas e procedimentos de construção do texto literário. H17 Reconhecer a presença de valores sociais e humanos atualizáveis e permanentes no patrimônio literário nacional. Competência 6 – Compreender e usar os sistemas simbólicos das diferentes linguagens como meios de organização cognitiva da realidade pela constituição de significados, expressão, comunicação e informação. H18 Identificar os elementos que concorrem para a progressão temática e para a organização e estruturação de textos de diferentes gêneros e tipos. H19 Analisar a função da linguagem predominante nos textos em situações específicas de interlocução. H20 Reconhecer a importância do patrimônio linguístico para a preservação da memória e da identidade nacional Competência 7 – Confrontar opiniões e pontos de vista sobre as diferentes linguagens e suas manifestações específicas. H21 Reconhecer em textos de diferentes gêneros, recursos verbais e não-verbais utilizados com a finalidade de criar e mudar comportamentos e hábitos. H22 Relacionar, em diferentes textos, opiniões, temas, assuntos e recursos linguísticos. H23 Inferir em um texto quais são os objetivos de seu produtor e quem é seu público alvo, pela análise dos procedimentos argumentativos utilizados. H24 Reconhecer no texto estratégias argumentativas empregadas para o convencimento do público, tais como a intimidação, sedução, comoção, chantagem, entre outras. Competência 8 – Compreender e usar a língua portuguesa como língua materna, geradora de significação e integradora da organização do mundo e da própria identidade. H25 Identificar, em textos de diferentes gêneros, as marcas linguísticas que singularizam as variedades linguísticas sociais, regionais e de registro. H26 Relacionar as variedades linguísticas a situações específicas de uso social. H27 Reconhecer os usos da norma padrão da língua portuguesa nas diferentes situações de comunicação. Competência 9 – Entenderos princípios, a natureza, a função e o impacto das tecnologias da comunicação e da informação na sua vida pessoal e social, no desenvolvimento do conhecimento, associando-o aos conhecimentos científicos, às linguagens que lhes dão suporte, às demais tecnologias, aos processos de produção e aos problemas que se propõem solucionar. H28 Reconhecer a função e o impacto social das diferentes tecnologias da comunicação e informação. H29 Identificar pela análise de suas linguagens, as tecnologias da comunicação e informação. H30 Relacionar as tecnologias de comunicação e informação ao desenvolvimento das sociedades e ao conhecimento que elas produzem 57 O QUE É ARTE? Esse é um conceito historicamente muito discutido. Um estudo de Literatura que se pretenda aprofundado deve levar em consideração os sentidos da arte e notadamente a análise técnica dela. A palavra literatura é de origem latina e significa “arte de escrever”. Portanto, conjugar essa relação entre arte e escrita é o primeiro passo para dar corpo à maneira de divulgar os valores culturais que estruturam uma sociedade e uma civilização. Enten- der os conhecimentos científicos, filosóficos, místicos e artísticos de um dado contexto é de fato conhecer o próprio homem e compreender sua identidade. O filósofo Aristóteles considerava que a arte era uma maneira de “imitar” (mimesis, do grego) a realidade do homem, que, em seus vários suportes, cria essa possibilidade de fazê-lo pensar sua própria vida, autoconhecer- -se, encontrar-se como ser humano, observar criticamente a realidade, divertir-se e sonhar. Da Antiguidade Clássica às Idades Moderna e Contemporânea, a arte se manifesta em vários suportes – música, pintura, literatura, dança, escultura e teatro. Funciona como elemento transformador da consciência huma- na. O artista, esse criador, cria e recria realidades, expressa valores estéticos com beleza, harmonia e equilíbrio e estrutura-se à luz de um contexto de circulação, de transformação, de um agente e de um público. No decorrer dos tempos, esses conceitos foram se transformando sem perder sua lógica. Seja na perfeição e harmonia das formas da Antiguidade Clássica (período greco-latino), seja no teocentrismo medieval, com suas relações de vassalagem, seja no século XIX, com suas utopias românticas, seja nas vanguardas artísticas do século XX. Emoções humanas, alegrias e angústias, ideologias, religião, luta social e cultura sempre perpassaram e fre- quentaram os conceitos estéticos da arte e da literatura. A Literatura é um mundo aberto ao mesmo tempo às múltiplas reflexões sobre a história do mundo, sobre as ciências naturais, sobre as ciências sociológicas, sobre a antropologia cultural, sobre os princípios éticos, sobre política, economia, ecologia (...) MORIN, Edgar. Meus demônios. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997. O que nos leva a ir ao cinema, a um show, à biblioteca, ao museu e, principalmente, a ler um livro? A res- posta está no reflexo da própria condição humana, no processo de identificação do homem com a arte. Essa atitude transforma só pelo fato de estarmos refletindo, primeira condição da arte. Esse ponto de partida, independente- mente de sua presumível qualidade, é uma forma de compreender o mundo que nos cerca. 58 É impossível não se identificar com o eu lírico, a voz do poema, ao lermos versos como este, de Manuel Bandeira: O bicho (Manuel Bandeira) Vi ontem um bicho Na imundice do pátio Catando comida entre os detritos. Quando achava alguma coisa, Não examinava nem cheirava: Engolia com voracidade. O bicho não era um cão, Não era um gato, Não era um rato. O bicho, meu Deus, era um homem. Comunicação e linguagem A Literatura leva em consideração o emprego de imagens criadas a partir das palavras. A palavra está sempre carregada de um conteú- do ou sentido ideológico ou vivencial. BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: Hucitec, 1998. Essa linguagem artística respeita alguns parâ- metros, condicionamentos sociais e culturais, que lhe oferecem a dimensão de suas verdades e o melhor modo de dizê-las. À análise literária cabe construir um processo de comunicação segundo o qual “o que” está sendo dito tenha estreita relação com o “como” está sendo dito. É dessa simbiose que se estabelece uma es- tética específica, atrelada a um contexto específico, e se nomeia uma dada escola literária específica. Tudo o que nos rodeia e que foi criado pela mão do homem, todo o mundo da cultura, diferentemente do mundo da natureza, tudo isso é produto da imagina- ção e da criação humana. VYGOTSKY, Lev S. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1987. O essencial em Literatura é estabelecer uma re- lação de sentido entre as palavras e os leitores, para tanto, os escritores se valem de uma série de recursos técnicos que elevam essa linguagem ao conceito de arte, diferindo, por exemplo, de um texto informativo ou instrucional, o texto literário deve explorar o potencial significativo e sonoro das palavras, bem como os aspec- tos ora denotativos, em sua literalidade de dicionário, ora conotativos em que as palavras adquirem novo sen- tido a fim de produzir efeito artístico. O poder de explorar os sentidos coloca essas palavras em situações inusitadas, criando imagens com as figuras de linguagem nas quais o escritor “desenha” para o leitor comparações que concretizam as emoções. Como no uso da metáfora, que aproxima dois elementos num contexto específico, transferindo de um para outro suas características. Como no exemplo a seguir, de Mário Quintana, em que a “inspiração” é comparada, por metá- fora, a “um pássaro que pousa no livro que lês”. Os poemas são pássaros que chegam não se sabe de onde e pousam no livro que lês. Quando fechas o livro, eles alçam voo como de um alçapão. Eles não têm pouso nem porto; alimentam-se um instante em cada par de mãos e partem. E olhas, então, essas tuas mãos vazias, no maravilhado espanto de saberes que o alimento deles já estava em ti... Poesia completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2005, p. 469. Prosa e poesia Prosa e poesia são dois elementos constitutivos desse processo de comunicação literária que ganha for- mas diferentes. A prosa é mais referencial e se vale do uso do texto corrido organizado da esquerda para a di- reita no papel ocidental sem preocupação com a forma, apenas com o conteúdo e a linhas cheias. Já o poema está primordialmente preocupado com a forma e adquire, no decorrer da história, várias estruturas a partir da lógica do verso, que é a linha do poema, e de um conjunto deles, denominado estrofe. Es- tão imersos num trabalho de ritmo e rimas que podem ou não seguir padrões de tamanho e convenção. O termo “poesia”, “poética” e “poeta” derivam dos termos dos grego poíesis, poiêtikê, poiêtês, que significam criar. 59 O QUE É GÊNERO LITERÁRIO? Gênero é o modo como se veicula a mensagem literária, o padrão a ser utilizado na composição artís- tica. Há grandes diferenças entre o conteúdo e a forma dos textos. Um poema não se confunde com um conto, e um romance segue padrões bastante próprios em re- lação a uma peça de teatro, por exemplo. Na Antiguidade Clássica, Aristóteles conceituou conteúdo como elemento constitutivo da representação das paixões, das ações e do comportamento humano. A forma desse conteúdo, a princípio aplicada apenas à po- esia, compreende três gêneros: épico, lírico e dramático. Odisseu e Penélope O gênero épico Épico é derivado do grego épos que, entre outras coisas, significa palavra, verso, discurso. Esse gênero, também chamado de epopeia, nasceu com a Ilíada e a Odisseia, de Homero. Oriundo das tradições orais, elas contam histórias que auxiliam o homem a entender a trajetória de seus povos. É característica das narrativas mais antigas a simbolização dos ideais coletivos de um povo na figura de um herói imerso numa grande aven- tura, numa guerra ou num acontecimento histórico.O eu lírico da epopeia relaciona-se diretamente com a so- ciedade. A imagem do herói é constituída de uma repre- sentação de seu povo, cujo comportamento exemplar vai caracterizá-lo como figura predestinada a cumprir determinada missão. Narrados de maneira elevada e com vocabulário grandiloquente e solene, os assuntos históricos sofrem influência do imaginário e não se privam de recorrer à imaginação, bem como à mitologia. Na cena inicial da Odisseia, de Homero, é possí- vel identificar características primordiais do texto épico, como o pedido de inspiração do poeta às musas para contar a história de Odisseu, que passou por terríveis provações até desfazer as muralhas de Troia: Musa, reconta-me os feitos do herói astucioso que muito peregrinou, dês que esfez as muralhas sa- gradas de Troia; muitas cidades dos homens viajou, co- nheceu seus costumes, como no mar padeceu sofrimen- tos inúmeros na alma,para que a vida salvasse e a de seus companheiros a volta. Homero. Odisseia. Tradução de: Carlos Alberto Nunes. 5. ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 1997. Coleção Universidades. A estrutura do poema épico É dividido em partes, chamadas cantos, que, por sua vez, são divididos em: Proposição: O texto apresenta o tema e o herói. Invocação: O texto pede inspiração à musa (divindade inspiradora da poesia). Narração: Narração das aventuras do herói. Conclusão ou Epílogo: Encerramento das aventuras e conclusão dos feitos heroicos. As epopeias são divididas em “clássicas ou pri- márias” ou de “imitação ou secundárias”. 60 Epopeias clássicas ou primárias A estrutura dos poemas de Homero serviu de inspi- ração para outros poetas, como o latino Virgílio, em Eneida (19 a.C.), e Camões, em Os Lusíadas (1572). A Odisseia e a Ilíada, de Homero, são textos clássicos que inspiraram e sistematizaram regras e estruturas formais para os demais. Eneias foge em direção à península Itálica. Nesse tipo de texto, os deuses são apresentados como seres reais que são tomados por sentimentos hu- manos e podem tanto prejudicar como ajudar o herói, de- pendendo do seu estado emocional e da preponderância do tema narrado. Outro aspecto importante é perceber a preocupação do poeta em relacionar as ações do herói com o povo a que pertence a fim de criar uma divulgação da identidade pátria. Epopeias de imitação ou secundárias Entre os anos 30 e 19 a.C., o poeta latino Virgí- lio escreveu a Eneida, considerada a “epopeia nacional dos romanos”. No classicismo renascentista, o portu- guês Luís de Camões escreveu Os Lusíadas, um dos mais conhecidos poemas épicos de imitação. Nele, são reveladas as aventuras e peripécias do herói Vasco da Gama, primeiro navegante que cruzou o Cabo da Boa Esperança, ao sul da África, e levou os portugueses às Índias por uma nova rota comercial. As transformações do herói 1. Na Ilíada e na Odisseia, o herói é guiado pelas divindades. 2. Na Eneida e em Os Lusíadas, o herói é represen- tante de um povo. 3. Em Robson Crusoé e em O conde de Monte Cris- to, o herói é humano e individual. O gênero lírico Esse gênero nasceu na Grécia antiga, cujos po- emas eram acompanhados musicalmente pela lira. É o gênero centrado na expressão do “eu poético” ou “eu poemático” – voz que fala no poema, não necessaria- mente correspondente à voz do autor. Menos grandiosos que os da epopeia, seus te- mas dizem respeito ao mundo interior do eu lírico, aos sentimentos, ao individualismo, às relações consigo mesmo. Pronomes e verbos vêm normalmente na pri- meira pessoa do singular e predominam as emoções, rimas, ritmo, sonoridade das palavras, metáforas, repeti- ções, entre outras figuras de linguagem, que trazem aos versos musicalidade e suavidade. O gênero lírico é subdividido em: soneto, elegia, ode, madrigal, écloga etc. São formas poéticas mais afeitas ao gênero lírico. Soneto – forma lírica bastante conhecida, é composta de catorze versos, com dois quartetos e dois tercetos. Soneto da fidelidade (Vinicius de Moraes) De tudo ao meu amor serei atento Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto Que mesmo em face do maior encanto Dele se encante mais meu pensamento. Quero vivê-lo em cada vão momento E em seu louvor hei de espalhar meu canto E rir meu riso e derramar meu pranto Ao seu pesar ou seu contentamento E assim, quando mais tarde me procure Quem sabe a morte, angústia de quem vive Quem sabe a solidão, fim de quem ama Eu possa me dizer do amor (que tive): Que não seja imortal, posto que é chama Mas que seja infinito enquanto dure. 61 Elegia – poema em tom triste e fúnebre origi- nado na Grécia antiga. Caracterizam as digres- sões moralizantes destinadas a ajudar ouvintes ou leitores a suportar momentos difíceis da vida, como a morte de um ente querido ou de uma personalidade pública. Elegia na sombra Fernando Pessoa (2 jun. 1935) Lenta, a raça esmorece, e a alegria É como uma memória de outrem. Passa Um vento frio na nossa nostalgia E a nostalgia torna-se desgraça. Pesa em nós o passado e o futuro. Dorme em nós o presente. E a sonhar A alma encontra sempre o mesmo muro, E encontra o mesmo muro ao despertar. Quem nos roubou a alma? Que bruxedo De que magia incógnita e suprema Nos enche as almas de dolência e medo Nesta hora inútil, apagada e extrema? Os heróis resplandecem a distância Num passado impossível de se ver Com os olhos da fé ou os da ância. Lembramos névoa, sombras a esquecer. Que crime outrora feito, que pecado Nos impôs esta estéril provação Que é indistintamente nosso fado Como o pressente nosso coração? (...) Como – longínquo sopro altivo e humano! – Essa tarde monótona e serena Em que, ao morrer, o imperador romano Disse: Fui tudo, nada vale a pena. Ode – poema lírico de exaltação e homenagem, também originado na Grécia antiga, destina- do ao canto. Composto de estrofes e de versos iguais em tom alegre, entusiástico e de louvação. Ode do gato (Pablo Neruda) Os animais foram imperfeitos, compridos de rabo, tristes de cabeça. Pouco a pouco se foram compondo, fazendo-se paisagem, adquirindo pintas, graça voo. O gato, só o gato apareceu completo e orgulhoso: nasceu completamente terminado, anda sozinho e sabe o que quer. O homem quer ser peixe e pássaro, a serpente quisera ter asas, o cachorro é um leão desorientado, o engenheiro quer ser poeta, a mosca estuda para andorinha, o poeta trata de imitar a mosca, mas o gato quer ser só gato e todo gato é gato do bigode ao rabo, do pressentimento à ratazana viva, da noite até os seus olhos de ouro. Não há unidade como ele, não tem a lua nem a flor tal contextura: é uma coisa só como o sol ou o topázio, e a elástica linha em seu contorno firme e sutil é como a linha da proa de uma nave. Os seus olhos amarelos deixaram uma só ranhura para jogar as moedas da noite. Oh pequeno imperador sem orbe, conquistador sem pátria, mínimo tigre de salão, nupcial sultão do céu das telhas eróticas, o vento do amor na intempérie reclamas quando passas e pousas quatro pés delicados no solo, cheirando, desconfiando 62 de todo o terrestre, porque tudo é imundo para o imaculado pé do gato. Oh fera independente da casa, arrogante vestígio da noite, preguiçoso, ginástico e alheio, profundíssimo gato, polícia secreta dos quartos, insígnia de um desaparecido veludo, certamente não há enigma na tua maneira, talvez não sejas mistério, todo o mundo sabe de ti e pertences ao habitante menos misterioso talvez todos o acreditem, todos se acreditem donos, proprietários, tios de gato, companheiros, colegas, discípulos ou amigos do seu gato. Eu não. Eu não subscrevo. Eu não conheço o gato. Tudo sei, a vida e o seu arquipélago, o mar e a cidade incalculável, a botânica o gineceu com os seus extravios, o pôr e o menos da matemática, os funis vulcânicos do mundo, a casca irreal do crocodilo, a bondade ignorada do bombeiro, o atavismo azul do sacerdote, mas não posso decifrar um gato. Minha razão resvalou na sua indiferença, os seus olhos têm números de ouro. Madrigal – composição poéticaelegante cujos temas invocam atos heroicos e pastoris. Madrigal melancólico (Manuel Bandeira) O que eu adoro em ti, Não é a tua beleza. A beleza, é em nós que ela existe. A beleza é um conceito. E a beleza é triste. Não é triste em si, Mas pelo que há nela de fragilidade e de incerteza. O que eu adoro em ti, Não é a tua inteligência. Não é o teu espírito sutil, Tão ágil, tão luminoso, – Ave solta no céu matinal da montanha. Nem é a tua ciência Do coração dos homens e das coisas. O que eu adoro em ti, Não é a tua graça musical, Sucessiva e renovada a cada momento, Graça aérea como o teu próprio pensamento. Graça que perturba e que satisfaz. O que eu adoro em ti, Não é a mãe que já perdi. Não é a irmã que já perdi. E meu pai. O que eu adoro em tua natureza, Não é o profundo instinto maternal Em teu flanco aberto como uma ferida. Nem a tua pureza. Nem a tua impureza. O que eu adoro em ti – lastima-me e consola-me! O que eu adoro em ti, é a vida. Écloga – poema ambientado no campo, pastoril e bucólico. Écloga IV (v. 52-59) (Virgílio) Vê como, com os séculos por vir, tudo se alegra. A última parte desta vida seja-me tão longa, que para dizer os feitos não me falte alento! O trácio Orfeu não poderá vencer-me nestes cantos, nem Lino, ainda que a Orfeu a mãe Calíope socorra e por seu turno a Lino dê assistência o belo Apolo. Se competir comigo o próprio Pã, por juiz a Arcádia, dar-se-á por vencido o próprio Pã, por juiz a Arcádia. 63 Natureza das rimas Ricas – entre palavras de classes gramaticais diferentes: Cristina e ensina Pobres – entre palavras de mesma classe gramatical: Precisava esconder sua afeição... Na Idade Média, uma imortal paixão Toantes – entre sons vocálicos repetidos: hora e bola; saltava e mata Aliterantes – entre sons consonantais idênti- cos ou semelhantes: vozes, veladas, veludosas, vozes/ vagam nos velhos vórtices velozes Consoantes – entre sons e letras repetidos: terra e serra; amoníaco e zodíaco; rutilância e infância Esdrúxulas – entre palavras proparoxítonas: É um flamejador, dardânico uma explosão de rápidas ideias, que com um mar de estranhas odisseias saem-lhe do crânio escultural, titânico!... (Cruz e Sousa) Agudas – entre palavras oxítonas: dó e só; fez e vez; ti e vi Preciosas – entre palavras combinadas: múmia e resume-a; réstea e veste-a; águia e alague-a; estrela e vê-la Versos brancos – verso sem rimas. Irene no Céu (Manuel Bandeira) Irene preta Irene boa Irene sempre de bom humor. Imagino Irene entrando no céu: – Licença, meu branco! E São Pedro bonachão: – Entra, Irene. Você não precisa pedir licença. Classificação das rimas Monossílabos: uma sílaba. Dissílabos: duas sílabas. Trissílabos: três sílabas. Tetrassílabos: quatro sílabas. Pentassílabos: cinco sílabas ou redondilha menor. Hexassílabos: seis sílabas. Heptassílabos: sete sílabas ou redondilha maior. Octossílabos: com oito sílabas. Eneassílabos: nove sílabas. Decassílabos: dez sílabas. Hendecassílabos: onze sílabas. Dodecassílabos: doze sílabas ou alexandrino. Verso bárbaro: mais de doze sílabas. Disposição das rimas no poema Mistas – sem posição regular: De uma, eu sei, entretanto 1, Que cheguei a estimar 2 Por ser tão desgraçada 3! Tive-a hospedada 3 a um canto 1 Do pequeno jardim 4; Era toda riscada 3 De um traço cor de mar 2 E um traço carmesim 4. (Alberto de Oliveira) Emparelhadas (AABB): No rio caudaloso que a solidão retalha A, na funda correnteza na límpida toalha A, deslizam mansamente as garças alvejantes B; nos trêmulos cipós de orvalho gotejantes B... (Fagundes Varela) Interpoladas ou opostas (ABBA): Mais de mil anos-luz já separado A, Naquela hora, do meu pensamento B. O filme de uma vida, ínfimo momento B, O derradeiro instante havia impregnado A. Alternadas ou cruzadas (ABAB): Amor, essência da vida A, é uma expressão de Deus B. Alma, não fique perdida A! Ele luz os dias seus B. 64 Classificação dos versos Monossílabos – uma única sílaba: Ru/a tor/ta Lu/a mor/ta Tu/a por/ta Dissílabos – duas sílabas: Tu,/ on/tem na/ dan/ça que/ can/sa vo/a/vas com as/ fa/ces em/ ro/sas for/mo/sas de/ vi/vo car/mim (Casimiro de Abreu) Trissílabos – três sílabas: Vem/ a au/ro/ra pre/ssu/ro/sa cor/ de/ ro/sa que/ se/co/ra de/ car/mim as/ es/tre/las que e/ram/ be/las têm/ des/mai/os já/ por/ fim (Gonçalves Dias) Tetrassílabos – quatro sílabas: O in/ver/no/ bra/da for/çan/do as/ por/tas Oh!/ Que/ re/voa/da de/ fo/lhas/ mor/tas o/ vem/to es/pa/lha por/ so/bre o/ chão/... (Alphonsus de Guimarães) Pentassílabos ou redondilha menor – cinco sílabas: Meu/ can/to/ de/ mor/te, Gue/rrei/ros/ ou/vi Sou/ fi/lho/ das/ sel/vas Nas/ sel/vas/ cres/ci; Gue/rrei/ros/ des/cen/do Da/ tri/bo/ tupi (Gonçalves Dias) Hexassílabos – seis sílabas: E o/ ca/va/lei/ro/ pa/ssa an/te a/ som/bria/ por/ta da/ lú/gu/bre/ des/gra/ça (Alphonsus de Guimarães) Heptassílabos ou redondilha maior – sete sílabas: An/tes/ de a/mar,/ eu/ di/zi/a pa/ra/ cor/tar/ na/ ra/iz es/ta/ cons/tan/te a/go/ni/a pre/ci/so a/mar/ al/gum/ di/a a/man/do,/ se/rei/ fe/liz. (Menotti del Picchia) Octossílabos – oito sílabas: No ar/ so/sse/ga/do, um/ si/no/ can/ta Um/ si/no/ can/ta/ no ar/ som/bri/o (Olavo Bilac) Eneassílabos – nove sílabas: Ó/ gue/rrei/ros/ da/ ta/ba sa/gra/da, Ó/ gue/rrei/ros/ da/ tri/bo tu/pi Fa/lam/ deu/ses/ nos/ can/tos/ de/ pia/ga! Ó/ gue/rrei/ros,/ meus/ can/tos/ ou/vi! (Gonçalves Dias) Decassílabos ou Medida Nova – dez sílabas: A/mo/-te, ó/ cruz, /no/ vér/ti/ce/ fir/ma/da Hendecassílabos – onze sílabas: Não/ te/nho/ na/da/ com i/sso/ nem/ vem/ fa/lar Eu/ não/ con/si/go en/ten/der/ sua/ ló/gi/ca Mi/nha/ pa/la/vra/ can/ta/da/ po/de es/pan/tar E a/ seus/ ou/vi/dos/ pa/re/cer/ e/xó/ti/ca. (Caetano Veloso) Dodecassílabos ou Alexandrinos – doze sílabas: A/ ca/sa/ que/ foi/ mi/nha,/ ho/je é/ ca/sa/ de/ Deus. Traz/ no/ topo u/ma/ cruz./ A/li/ vi/vi/ com os/ meus (Aberto de Oliveira) Bárbaros – mais de doze sílabas: Nun/ca /co/nhe/ci /quem/ ti/ve/sse/ le/va/do/ po/rra/da. To/dos os/ meus/ co/nhe/ci/dos/ têm/ si/do/ cam/pe/ões/ em/ tudo. (Fernando Pessoa) 65 O gênero dramático A característica e a finalidade primordiais do gênero dramático (do grego drân: agir) é ser levado à representação, à “ação”. Compreende o gênero teatral, cuja encenação, no entanto, escapa à alçada da literatura propriamente. O eu poético relaciona-se com um tu/vós, segunda pes- soa do discurso, a plateia. O texto dramático pressupõe essa plateia, que o vivencia e tem probabilidade de fruir emoções mediante a representação do texto. Caracterizam o gênero dramático a ausência de narrador, o discurso direto – estrutura dialogada – e as rubricas – instruções que sinalizam ao diretor e aos ato- res a postura no palco, o tom de voz etc. Em vez do narrador, o texto dramático conta a história pretendida mediante diálogo entre os persona- gens, que estabelecem com o público uma relação direta, a fim de comprometê-lo emocionalmente com a história contada e os personagens dela. O termo teatro deriva do grego théatron, que significa “ver”, “contemplar”. Esse gênero subdivide-se em tragédia, comédia, drama, auto e farsa. Tragédia Conta histórias cujos resultados são destrutivos e irreversíveis. Em geral baseada em mitos e histó- rias já conhecidas do público, a tragédia preten- de causar no espectador terror, piedade, catarse, enfim: “descarga de desordens emocionais ou afetos desmedidos a partir da experiência estética oferecida pelo teatro, música e poesia”. Persona- gens lutam contra forças mais poderosas que elas, que, em princípio, são vencidas regularmente com a morte. Sugestão: Édipo Rei, de Sófocles. Comédia Enfatiza o comportamento ridículo do ser hu- mano mediante exposição e crítica de costu- mes sociais. Exemplos: O doente imaginário, de Molière; A tempestade, de Shakespeare; e Lisís- trata, de Aristófanes. Drama A peça funde tragédia e comédia sem, no en- tanto, que a história caminhepara resultados irreversíveis. Em geral, trata de fatos do coti- diano com final feliz ou não, mas com trajetória intrigante, de difícil solução. Exemplo: Leonor de Mendonça, de Gonçalves Dias; e Macário, de Ál- vares de Azevedo. Auto Peça teatral curta regularmente com temática religiosa e moralizante e com finalidade cate- quética, que discute conceitos abstratos e sim- bólicos. Exemplo: O auto da barca do inferno, de Gil Vicente. Farsa Peça teatral de crítica social que apresenta per- sonagens e situações caricaturadas sem preocu- pação com o questionamento de valores. Exemplo: A farsa de Inês Pereira, de Gil Vicente. 66 O gênero narrativo Oriunda do gênero épico, a narrativa organiza uma história levando em consideração aspectos primor- diais de sua estrutura: apresentação, desenvolvimento, clímax e desfecho. Os gêneros narrativos apresentam-se como: Conto Narrativa curta centrada em um único aconteci- mento. Apresenta uma ação que se encaminha para uma tensão (clímax) entre personagens, delimitados num tempo e espaço reduzidos. Exemplos: Amor, de Clarice Lispector; O menino do boné cinzento, de Murilo Rubião; e A causa secreta, de Machado de Assis. Novela Narrativa situada entre a brevidade do conto e a longevidade do romance. Exemplos: A hora e a vez de Augusto Matraga, de Guimarães Rosa; e Os crimes da rua Morgue, de Edgar Allan Poe. Crônica Narrativa breve baseada na vida cotidiana, deli- mitada por tempo cronológico curto, em lingua- gem coloquial e leve toque de humor e crítica. Exemplos: Comédias da vida privada – 101 crô- nicas escolhidas, de Luís Fernando Veríssimo. Romance Narrativa longa que discorre sobre um grande con- flito central que dá origem a outros secundários, com preendendo vários personagens em constante conflito psicológico, envolvidos pela trama que caminha para um clímax. Exemplos: Grande ser- tão: veredas, de Guimarães Rosa; São Bernardo, de Graciliano Ramos; e O senhor dos anéis, de J.R.R. Tolkien. Anedota Relato de um acontecimento curioso ou engra- çado. Como o provérbio, a anedota, além da tradição oral, vem inserida em textos literários. Exemplos: O asno de ouro, do escritor latino Apuleio, é uma constelação de pequenas aven- turas picantes. Apólogo Historinha entre objetos inanimados com moral implícita ou explícita. Um apólogo, de Macha- do de Assis, trata da conversa entre uma agulha e uma linha que discutem sobre a importância delas. Observe o último parágrafo em que está implícita a moral: “Parece que a agulha não disse nada; mas um alfinete, de cabeça grande e não menor experi- ência, murmurou à pobre agulha: – Anda, aprende, tola. Cansas-te em abrir ca- minho para ela e ela é que vai gozar da vida, enquanto aí ficas na caixinha de costura. Faze como eu, que não abro caminho para ninguém. Onde me espetam, fico. Contei esta história a um professor de melanco- lia, que me disse, abanando a cabeça: – Também eu tenho servido de agulha a muita linha ordinária!” Fábula Difere do apólogo, uma vez que seus persona- gens são animais. Esse gênero teve ilustres cul- tores na literatura ocidental, como Esopo, Fedro e La Fontaine, cujas fábulas estão reunidas em doze livros. tt Livros O que é literatura – Marisa Lajolo Definir o que é, o que não é e o que pode ser literatura depende do ponto de vista, do sentido que a palavra tem para cada um, da situa- ção na qual se discute o que é literatura. Literatura para quê? – Antoine Compagnon Nesta obra, Antoine Compagnon propõe-se a responder à pergunta que intitula sua aula inaugural no Collège de France – ‘Literatura para quê?’. O livro pretende ser uma reflexão sobre os poderes da literatura que colocam em relevo a convicção de que o texto literário ainda cumpre uma função no mundo do início do século XXI. Gêneros Literários – Angélica Soares As manifestações poéticas mais remotas já mostram a tendência para classificar as obras literárias conforme a realidade que retratam, pelo uso de mecanismos de estruturação semelhantes. INTERATIVIAA DADE LER 67 68 ESTRUTURA CONCEITUAL Contam histórias que auxiliam o homem a compreender sua trajetória Oriundo do gênero épico, organiza uma história a partir de características variadas Conhecido como gênero teatral, sua produção é destinada à representação Gênero centrado na expressão do “eu poético” ou “eu lírico” (Trabalho com sonetos, elegias, odes...) (Trabalho com romance, conto...) (Trabalho com textos teatrais) (Trabalho com as epopeias) Gênero Épico Gênero DramáticoGênero Lírico Gênero Narrativo Arte LiteráriaArte Literária 68 Di sp on íve l e m : < ht tp :// ww w. ric ar do co st a. co m /ta gs /tr ov ad or is m o> Trovadorismo: a literatura da Idade Média Competência 5 Habilidades 15, 16 e 17 L ENTRE LETRAS C 03 04 Competência 1 – Aplicar as tecnologias da comunicação e da informação na escola, no trabalho e em outros contextos relevantes para sua vida. H1 Identificar as diferentes linguagens e seus recursos expressivos como elementos de caracterização dos sistemas de comunicação. H2 Recorrer aos conhecimentos sobre as linguagens dos sistemas de comunicação e informação para resolver problemas sociais. H3 Relacionar informações geradas nos sistemas de comunicação e informação, considerando a função social desses sistemas. H4 Reconhecer posições críticas aos usos sociais que são feitos das linguagens e dos sistemas de comunicação e informação. Competência 2 – Conhecer e usar língua(s) estrangeira(s) moderna(s) (LEM) como instrumento de acesso a informações e a outras culturas e grupos sociais. H5 Associar vocábulos e expressões de um texto em LEM ao seu tema. H6 Utilizar os conhecimentos da LEM e de seus mecanismos como meio de ampliar as possibilidades de acesso a informações, tecnologias e culturas. H7 Relacionar um texto em LEM, as estruturas linguísticas, sua função e seu uso social. H8 Reconhecer a importância da produção cultural em LEM como representação da diversidade cultural e linguística. Competência 3 – Compreender e usar a linguagem corporal como relevante para a própria vida, integradora social e formadora da identidade. H9 Reconhecer as manifestações corporais de movimento como originárias de necessidades cotidianas de um grupo social. H10 Reconhecer a necessidade de transformação de hábitos corporais em função das necessidades cinestésicas. H11 Reconhecer a linguagem corporal como meio de interação social, considerando os limites de desempenho e as alternativas de adaptação para diferentes indivíduos. Competência 4 – Compreender a arte como saber cultural e estético gerador de significação e integrador da organização do mundo e da própria identidade. H12 Reconhecer diferentes funções da arte, do trabalho da produção dos artistas em seus meios culturais. H13 Analisar as diversas produções artísticas como meio de explicar diferentes culturas, padrões de beleza e preconceitos. H14 Reconhecer o valor da diversidade artística e das inter-relações de elementos que se apresentam nas manifestações de vários grupos sociais e étnicos. Competência 5 – Analisar, interpretar e aplicar recursos expressivos das linguagens, relacionando textos com seus contextos, mediante a natureza, função, organização, estrutura das manifestações, de acordo com as condições de produção e recepção. H15 Estabelecer relações entre o texto literário e o momento de sua produção, situando aspectos do contexto histórico, social e político. H16 Relacionar informações sobre concepções artísticas e procedimentos de construção do texto literário. H17 Reconhecer a presença de valores sociais e humanos atualizáveis e permanentes no patrimônio literário nacional. Competência 6 – Compreender e usar os sistemas simbólicos das diferentes linguagens como meios de organização cognitiva da realidade pela constituição de significados, expressão, comunicação e informação. H18 Identificar os elementos que concorrempara a progressão temática e para a organização e estruturação de textos de diferentes gêneros e tipos. H19 Analisar a função da linguagem predominante nos textos em situações específicas de interlocução. H20 Reconhecer a importância do patrimônio linguístico para a preservação da memória e da identidade nacional Competência 7 – Confrontar opiniões e pontos de vista sobre as diferentes linguagens e suas manifestações específicas. H21 Reconhecer em textos de diferentes gêneros, recursos verbais e não-verbais utilizados com a finalidade de criar e mudar comportamentos e hábitos. H22 Relacionar, em diferentes textos, opiniões, temas, assuntos e recursos linguísticos. H23 Inferir em um texto quais são os objetivos de seu produtor e quem é seu público alvo, pela análise dos procedimentos argumentativos utilizados. H24 Reconhecer no texto estratégias argumentativas empregadas para o convencimento do público, tais como a intimidação, sedução, comoção, chantagem, entre outras. Competência 8 – Compreender e usar a língua portuguesa como língua materna, geradora de significação e integradora da organização do mundo e da própria identidade. H25 Identificar, em textos de diferentes gêneros, as marcas linguísticas que singularizam as variedades linguísticas sociais, regionais e de registro. H26 Relacionar as variedades linguísticas a situações específicas de uso social. H27 Reconhecer os usos da norma padrão da língua portuguesa nas diferentes situações de comunicação. Competência 9 – Entender os princípios, a natureza, a função e o impacto das tecnologias da comunicação e da informação na sua vida pessoal e social, no desenvolvimento do conhecimento, associando-o aos conhecimentos científicos, às linguagens que lhes dão suporte, às demais tecnologias, aos processos de produção e aos problemas que se propõem solucionar. H28 Reconhecer a função e o impacto social das diferentes tecnologias da comunicação e informação. H29 Identificar pela análise de suas linguagens, as tecnologias da comunicação e informação. H30 Relacionar as tecnologias de comunicação e informação ao desenvolvimento das sociedades e ao conhecimento que elas produzem 71 CONTEXTO Todo o imaginário feudal de príncipes, princesas, reis e seus reinados são elementos fundamentais para situar o Trovadorismo na história. Os castelos e sua nobreza, os cavaleiros e seus duelos em guerras e torneios compõem o cenário da Idade Média, quando se desenvolve essa primeira escola literária após a queda do Império Romano. Com a tomada de Constantinopla pelos turcos, em 1453, capital do Império Romano do Oriente, tem início a Idade Média. Morto o imperador Carlos Magno, em 814, o poder central ficara enfraquecido e a sociedade passa- ra a se organizar em torno de grandes propriedades de terra, com o poder centralizado na figura do senhor feudal. A Literatura portuguesa tem início, de fato, com o Trovadorismo. Antes disso, há documentos de produções na região e na península Ibérica, mas não de fato portuguesa. O nascimento da literatura portuguesa Entre 1139 e 1140, Portugal se separou do reino de Leão e Castela para se tornar um estado independen- te. D. Afonso Henriques assumiu o reinado e lutou pela manutenção da independência de Portugal frente aos intentos de Castela. Essa separação política não rompeu os profundos laços econômicos, sociais e culturais com o resto da península Ibérica. O mais forte desses laços era a língua: o galego-português. Em 1179, o Papa Ale- xandre II reconhece a independência do Reino Lusitano. A origem do Trovadorismo é essencialmente pro- vençal, do sul da França, e galega, de Castela, em pleno feudalismo, precisamente dos séculos XII ao XIII. O primeiro texto literário galego-português foi a Cantiga da Ribeirinha, também conhecida como Cantiga da Guarvaia, de Paio Soares de Taveirós. Su- põe-se ter sido composta em 1198 ou 1189, o mais an- tigo texto e marca do início do Trovadorismo português. 72 Religião e cultura A Igreja Católica cresceu, acumulou vastas extensões de terra, enriqueceu e concentrou um significativo poder re- ligioso e secular. Essa herança conviveu com mudanças na ordem social que tiveram expressão também significativa na literatura do período. Uma importante manifestação do poder da Igreja me- dieval foi seu controle quase absoluto da produção cultural. Como a circulação dos textos dependia da sua repro- dução manuscrita, quase sempre feita sob encomenda, a di- vulgação da cultura tornava-se ainda mais difícil, uma vez que o número de cópias em circulação era bem pequeno. O uso do latim como língua literária, outra herança do longo período de dominação romana na Europa, também contribuía para dificultar o acesso aos textos. Poemas e can- ções eram compostos em latim por monges eruditos que va- gavam de feudo em feudo para divulgarem suas composições. A maior parte dessa produção abordava temas religiosos. Cantiga da Ribeirinha No mundo non me sei parelha, mentre me for’ como me vay, ca já moiro por vos e ay! mia senhor branca e vermelha, queredes que vos retraya quando vus eu vi em saya! Mao dia me levantei que vus enton non vi fea! E, mia senhor, des aquel di’, jay! me foi a mi muyn mal, e vos, filha de don Paay Moniz, e ben vus semelha d’aver eu por vós guarvaya pois eu, mia senhor, d’alfaya nunca de vos ouve nem ei valia dua correa. (Paio Soares de Taveiros) Cantiga da Ribeirinha (tradução) Não há no mundo ninguém que se compare a mim em infelicidade, enquanto a minha vida continuar assim, porque morro por vós e, ai, minha senhora branca e de faces rosadas, quereis que vos retrate quando vos vi sem manto. Mau dia foi esse em que me levantei, porque vos vi tão bela! [ou seja: melhor seria se vos tivesse visto feia]. E, minha senhora, desde aquele dia, ai, tudo para mim foi muito mal, mas vós, filha D. Paio Moniz, parece-vos muito bem que eu tenha e vós uma garvaia [manto de luxo] quando nunca recebi de vós o simples valor de uma correia. O poder feudal A sociedade medieval organizou-se em torno dos grandes proprietários de terra, os senhores feudais. Uma pequena corte passou a se reunir com esse senhor feudal. Dela faziam parte membros da nobreza, ca- valeiros, camponeses livres e servos. Estavam unidos por uma relação de dependência pessoal: a vassalagem. O servilismo dos vassalos a seu suserano e dos fiéis a Deus deu origem ao princípio básico da literatura medie- val: a afirmação da total subserviência de um trovador à sua dama, em se tratando dos temas da poesia, ou de um cavaleiro à sua donzela, no caso das novelas de cavalaria. 73 Circulação e agentes do discurso O objetivo da maioria das manifestações artísticas medievais era persuadir as pessoas a temer a Deus e sub- metê-las à soberania da Igreja. Teatro, pintura, escultura e literatura e toda manifestação artística estava a serviço dos ensinamentos religiosos e do comportamento cristão. Nas cortes dos senhores feudais, centros de ati- vidade artística da Europa medieval, exibiam-se jograis: recitadores, cantores e músicos ambulantes eram contra- tados pelo senhor para divertir a corte. As cantigas apre- sentadas pelos jograis eram quase sempre compostas por nobres, autodenominados trovadores, uma vez pratican- tes da arte de trovar. Trovador, do francês trouver, signifi- ca encontrar, e refere-se ao compositor da cantiga, quem encontra a música que se encaixa no poema. Em razão disso, enquanto nos mosteiros e nas abadias circulavam os textos escritos em latim, nos cas- telos e nas cortes circulava a literatura oral, produzida em língua local, voltada para o deleite dos homens e das mulheres da nobreza com o intuito de legitimar o novo papel social assumido pelos cavaleiros. O código do amor cortês Os termos que definiam as relações feudais foram transpostos para as cantigas, caracterizando a linguagem do Trovadorismo: a mulher era a senhora, o homem era o seu servidor. Eram muito prezadasa gene- rosidade, a lealdade e, acima de tudo, a cortesia. As cantigas de amor do Trovadorismo desenvolvem um mesmo tema: o sofrimento provocado pelo amor não cor- respondido – a “coita de amor”. Como o princípio do amor cortês é a idealização da dama pelo trovador, os textos não manifestam a expectativa de correspondência amorosa. As cantigas satíricas passeiam por muitos temas, sempre expressando um olhar crítico sobre a conduta de nobres, homens e mulheres, nas esferas individual e social. É bastante comum os trovadores ridicularizarem um nobre que se envolve com uma serviçal ou que não percebe a traição da esposa. A vassalagem impressa na linguagem Outra característica dessa produção literária ma- nifesta-se na obediência a regras no uso de termos que definiam a vassalagem amorosa. Empregava-se uma sé- rie de termos e expressões para nomear a dama: senhor, mia senhor, senhor fremosa, em razão da posição que ela ocupava socialmente. Além disso, e em razão das castas imóveis e da sociedade organizada mediante trocas, os cidadãos não ascendiam socialmente e não desenvolviam a intelec- tualidade. Quase a totalidade da população era anal- fabeta, o que contribuiu muito para que a literatura se vinculasse à tradição oral, unindo poesia e música. 74 TIPOS DE CANTIGA As cantigas trovadorescas são divididas em dois grupos: as líricas, que falam de sentimento e são subdi- vididas em cantigas de amor e de amigo; e as cantigas satíricas, intencionalmente críticas e cômicas, também subdivididas em cantigas de escárnio e de maldizer. Cantigas LíricasSatíricas Cantigas de amor Cantigas de amigo Cantigas de escárnio Cantigas de maldizer Líricas A poesia lírica diz respeito à lira, instrumento musical da Antiguidade clássica que acompanhava as canções, expressando sentimentos. Cantiga de amor As cantigas de amor são especialmente dedicadas à mulher amada pelo trovador, amor esse que não era correspondido. Ela pertence a uma classe superior a sua. Em função da imobilidade social das castas, esse amor era proibido e dava origem à “coita”, que significa sofrimento. Os trovadores se valem de um eu lírico mas- culino que é pobre e declara seu amor impossível, por isso sofrido e submisso à dama. A chamada “vassalagem amorosa”. Possui poucas repetições de versos e ausência de paralelismo por se propor mais elevada e de estrutura complexa em linguagem refinada, normalmente de ori- gem provençal. O eu lírico apresentado é masculino, ou seja, o trovador expressa seus sentimentos em relação à mulher amada que é, invariavelmente, de classe supe- rior à do trovador. A linguagem usada é mais refinada, evitam- -se os refrões e as repetições, e, por serem assim mais so- fisticadas, chamavam-se cantigas de maestria ou mestria. Os termos usados pelo trovador para se referir à mulher amada são sempre no masculino: mia senhor, fremosa senhor, mia don (dona). O trovador se queixa da indiferença da mulher amada, coita amorosa. O amor é sempre cortês, mesmo porque a dis- tância social entre o amante e a amada não permitia que houvesse atrevimentos de qualquer ordem. Cantiga d’amor Quantos an gran coita d’amor eno mundo, qual hoj’ eu ei, querrían morrer, eu o sei, o averrian én sabor. Mais mentr’ eu vos vir’, mia senhor, sempre m’eu querria viver, e atender e atender! Pero já non posso guarir, ca já cegan os olhos meus por vos, e non me val i Deus nen vos; mais por vos non mentir, enquant’eu vos, mia senhor, vir’, sempre m’eu querria viver, e atender e atender! E tenho que fazen mal-sen quantos d’amor coitados son de querer sa morte, se non ouveron nunca d’amor ben com’eu faç’. E, senhor, por én sempre m’eu querria viver, e atender e atender! (Garcia de Guilhade) 75 Cantiga de amor (tradução) Quantos o amor faz padecer penas que tenho padecido querem morrer e não duvido que alegremente queiram morrer. Porém enquanto vos puder ver, vivendo assim eu quero estar e esperar, e esperar! Sei que a sofrer estou condenado e por vós cegam os olhos meus. Não me acudis; nem vós, nem Deus Mas, se sabendo-me abandonado, ver-vos, senhora, me for dado. vivendo assim eu quero estar e esperar, e esperar! Esses que veem tristemente desamparada sua paixão querendo morrer, loucos estão. Minha fortuna não é diferente; porém eu digo constantemente: vivendo assim eu quero estar e esperar e esperar! Cantiga de amigo As cantigas de amigo falam de uma relação amo- rosa concreta que aconteceu entre pessoas simples, que vivem no campo e partem de um eu lírico feminino. O tema central dessas cantigas é o desejo, o que leva a crer que a relação amorosa já aconteceu, diferentemente das de amor, que são impossibilitadas pelas castas sociais diferentes. De origem galega (Ibérica), ela é mais popular e por isso mais repetitiva, possui muitos refrões e paralelis- mo com uma estrutura simples e um amor terreno. Esta voz feminina expressa desejo pela ausência do amigo (namorado ou amado) e relaciona-se com ele- mentos da natureza para clamar seu retorno. O ambien- te campesino corrobora para construir esse sentimento que é sempre compartilhado com a mãe, as amigas e damas de companhia. Além disso, em função de sua temática, elas são também divididas em: Alvas Levantou-s’a velida (a bela) Levantou-s’à alva; e vai lavar camisas e no alto (no rio) vai-las lavar à alva (de madrugada) (D. Dinis) Bailias E no sagrado em vigo bailava corpo velido (uma linda moça) amor ei! (Martim Codax) Romarias Pois nossas madres van a San Simon de Val de Prados candeas queimar (pagar promessas) nós, as menininhas, punhemos d’andar (vamos [passear) Barcarolas ou Marinhas Vi eu, mia madr’, andar as barcas e no mar, e moiro de amor! (Nuno Fernandes Tomeol) Pastorelas Oi (ouvi) oj’eu ua pastor andar. du (onde) cavalgava per ua ribeira, e o pastor estava i senlheira. (sozinha) a ascondi-me póla escuitar... (Airas Nunes de Santiago) 76 Cantiga de amigo – Ai flores, ai flores do verde piño, se sabedes novas do meu amigo? Ai, Deus, e u é? Ai flores, ai flores do verde ramo, se sabedes novas do meu amado? Ai, Deus, e u é? Se sabedes novas do meu amigo, aquel que mentiu do que pôs comigo? Ai, Deus, e u é? Se sabedes novas do meu amado, aquel que mentiu do que mi á jurado? Ai, Deus, e u é? – Vós me perguntades pelo voss’ amigo? E eu ben vos digo que é san’e vivo Ai, Deus, e u é? Vós me perguntades pelo voss’ amado? E eu ben vos digo que é viv’ e sano: Ai, Deus, e u é? E eu ben vos digo que é san’e vivo, e será vosc’ant’o prazo saído. Ai, Deus, e u é? E eu ben vos digo que é viv’e sano, e será vosc’ant’o prazo passado. Ai, Deus, e u é? (Dom Dinis) Cantiga de amigo (tradução) – Ai, flores do verde pinheiro, sabeis notícias do meu namorado? Ai, Deus, onde está? Ai flores, ai flores, do verde ramo, Sabeis notícias do meu amado? Ai, Deus, onde está? Sabeis notícias do meu namorado, Aquele que mentiu sobre o que combinou comigo? Ai, Deus, onde está? Sabeis notícias do meu amado, Aquele que mentiu sobre o que jurou? Ai, Deus, onde está? Vós perguntais pelo vosso namorado? E eu bem vos digo que está são e vivo: Ai, Deus, onde está? Vós perguntais pelo vosso amado? E eu bem vos digo que está vivo e são. Ai, Deus, onde está? E eu bem vos digo que está são e vivo e estará convosco antes do prazo combinado: Ai, Deus, onde está? E eu bem vos digo que está vivo e são e estará convosco antes de terminar o prazo: Ai, Deus, onde está? 1. O eu lírico das cantigas de amigo é sempre feminino, canta a saudade do amado distante. 2. Há uso de repetições de palavras, de ver- sos inteiros. 3. O homem amado é de classe superior à da mulher que canta. 4. O amigo/amado, a que se referem as cantigas, deve ser entendido como amante/namorado. 5. A mulher queixa-se [à natureza] de ter perdido o amado ou se distanciado dele. 6. Geralmente tais cantigas são dialogadas. 7. A cantiga de amigo se vale de descrição. Satíricas As cantigas satíricas fazem críticasao compor- tamento das pessoas em suas ações sociais, usavam o humor e o vocabulário chulo para denunciar alguns nobres e damas. Além disso, a sátira se estendia a instituições sociais, censurava os males da sociedade ou dos indiví- duos, quase tudo com tom sarcástico, irônico e obsceno. Elas podem ser de escárnio ou de maldizer. Cantigas de escárnio A principal característica da cantiga de escárnio é o fato de ela ser indireta, especialmente por ser de- clamada no ambiente palaciano. O efeito satírico que caracteriza essas cantigas é obtido por meio de ironias, trocadilhos e jogos semânticos. De modo geral, ridicu- larizam o comportamento de nobres ou denunciam as mulheres que não seguem o código do amor cortês. A sátira indireta sublima o nome da pessoa cri- ticada e sempre explora os duplos sentidos e os tro- cadilhos. Seus significados normalmente são implícitos, velados e comedidos. Escárnio (sirventes – moral) (Airas Nunes, clérigo compostelano) Por que no mundo mengou a verdade, punhei un dia de a ir buscar; e, u por ela fui preguntar disseron todos: “alhur lá buscade, ca de tal guisa se foi a perder que non podemos en novas haver nen já non anda na irmandade.” 77 Nos mosteiros dos frades regrados a demandei e disseron-m’assi: “non busquedes vós a verdad’ aqui, ca muitos anos havemos passados que non morou nosco, per boa fé, nen sabemos ond’ela agora esté e d’al havemos maiores cuidados.” E en Cistel, u verdade soía sempre morar, disseron-me que non morava i, havia gran sazon, nen frade d’i já a non conhocia, nen o abade outro si estar sol non queria que fôss’i pousar, e anda já fora da abadia. En Santiago seend’albergado, en mia pousada chegaron romeus preguntei-os e disseron: “par Deus, muito levade-lo caminh’ errado, ca, se verdade quiserdes achar, outro caminho conven a buscar, ca non saben aqui d’ela mandado. Cantigas de maldizer Nas cantigas de maldizer, o trovador utiliza um vocabulário agressivo para fazer uma crítica direta e cla- ra, identificando o nome das pessoas satirizadas. Essa lin- guagem de baixo calão, palavrões e até vocabulário eró- tico aconteciam, pois eram proferidas nas ruas, em praças públicas e feiras livres. Os significados eram explícitos e não poupavam nenhuma instituição social: atacavam o clero, as freiras, os fidalgos e toda a sorte de pessoas que, dentro de suas classes, indiquem decadência moral. Maldizer (Afonso Eanes do Coton) Marinha, o teu folgar tenho eu por desacertado, e ando maravilhado de te não ver rebentar; pois tapo com esta minha boca, a tua boca, Marinha; e com este nariz meu, tapo eu, Marinha, o teu; com as mãos tapo as orelhas, os olhos e as sobrancelhas, tapo-te ao primeiro sono; com a minha piça o teu cono; e como o não faz nenhum, com os colhões te tapo o cu. E não rebentas, Marinha? TRÊS CANCIONEIROS Três cancioneiros concentram boa parte da pro- dução conhecida dos séculos XII, XIII e XIV: Cancioneiro da Ajuda, Cancioneiro da Biblioteca Nacional e Cancio- neiro da Vaticana. Os cancioneiros são manuscritos, coletâneas de cantigas com características variadas e escritas por di- versos autores. Os mais importantes são: Cancioneiro da Ajuda Coleção de poesias em galego-português do fi- nal do século XIII, influenciadas pela lírica provençal. Recebe o nome de “da Ajuda” por se conservar na bi- blioteca do Palácio Nacional da Ajuda, em Lisboa. É o mais antigo de todos e é também o menos completo, compreende apenas cantigas anteriores ao reinado do “rei trovador”, D. Dinis. Ondas do mar de Vigo, Se vistes meu amigo? E, ai Deus, ele virá cedo? Ondas do mar levado, se vistes meu amado? E ai, Deus ele virá cedo? Se vistes meu amigo, aquele por quem suspiro? E, ai Deus, ele virá cedo? Se vistes meu amado, por quem tenho muito cuidado? E, ai Deus, ele virá cedo? Cancioneiro da Biblioteca Nacional Antes chamado de Cancioneiro Colocci-Brancuti – foi compilado na Itália por volta de 1525-1526. Ad- quirido pelo Estado português e depositado na Bibliote- ca Nacional de Lisboa, em 1924. Essa coletânea de cantigas trovadorescas é tam- bém conhecida como Collocci-Brancuti. Em gram coita, senhor, que peior que mort’é, vivo, per boa fé, e polo voss’amor esta coita sofr’eu por vós, senhor, que eu vi polo meu gran mal; e melhor mi será 78 de morrer por vós já; e, pois meu Deus non val, esta coita sofr’eu por vós, senhor, que eu polo meu gran mal vi, e mais mi val morrer ca tal coita sofrer pois por meu mal assi esta coita sofr’eu por vós, senhor, que eu vi por gran mal de mi pois tan coitad’and’eu. Cancioneiro da Vaticana Compilado na Itália no século XV – encontra-se na Biblioteca do Vaticano. Chama-se da Vaticana porque foi encontrado na Biblioteca do Vaticano, em Roma, onde foi preservado. Levad’, amigo, que dormides as manhãas frias; todalas aves do mundo d’amor dizian: leda m’ and’ eu. Levad’, amigo, que dormide’-las frias manhãas; todalas aves do mundo d’amor cantavan: leda m’ and’ eu. Toda-las aves do mundo d’ amor diziam; do meu amor e do voss’ en ment’ avian: leda m’ and’ eu. Toda-las aves do mundo d’ amor cantavan; do meu amor e do voss’ i enmentavan: leda m’ and’ eu. Do meu amor e do voss’ en ment’avian; vós lhi tolhestes os ramos en que siian: leda m’ and’ eu. Do meu amor e do voss’ i enmentavam; vos lhi tolhestes os ramos en que pousavam leda m’ and’ eu. Vós lhi tolhestes os ramos en que siian e lhis secastes as fontes en que bevian: leda m’ and’ eu. Vós lhi tolhestes os ramos en que pousavam e lhis secastes as fontes u se banhavan: leda m’ and’ eu. No final do século XIII, Portugal conheceu os “cantares” de D. Dinis (1261-1325), comumente conhe- cido como “o rei trovador”. Seus poemas encontram-se coletados no Cancioneiro da Vaticana e no da Biblioteca Nacional. D. Dinis é autor de uma das mais conhecidas cantigas medievais portuguesas: Ai flores, ai flores do verde pinho. Existem repetições, expedientes típicos das can- tigas de amigo: a moça enamorada dirige-se à natureza (pinheiros) e essa lhe responde às perguntas sobre o namorado. Esta é a mais famosa cantiga de d. Dinis, tendo gerado, inclusive, a epígrafe de Fernando Pessoa. AS NOVELAS DE CAVALARIA As novelas de cavalaria são os primeiros ro- mances, ou seja, longas narrativas em verso, surgidas no século XII. Elas contam as aventuras vividas pelos cavaleiros andantes e tiveram origem com o declínio do prestígio da poesia dos trovadores. Estão organizadas em três ciclos, de acordo com o tema que desenvolvem e com o tipo de herói que apresentam: Ciclo clássico: novelas que narram a guerra de Troia e as aventuras de Alexandre, o Grande. O ciclo recebe essa denominação porque seus he- róis vêm do mundo clássico mediterrâneo. Ciclo arturiano ou bretão: histórias envolven- do o rei Arthur e os cavaleiros da Távola Redonda. Nessas novelas, podem ser identificados vários núcleos temáticos: a história de Percival, a história de Tristão e Isolda, as aventuras dos cavaleiros da corte do rei Arthur e a demanda do Santo Graal. 79 Ciclo carolíngio ou francês: histórias sobre o rei Carlos Magno e os 12 pares de frança. Dos três ciclos, o arturiano permanece como um dos temas literários mais explorados, sendo objeto de romances, poemas, filmes e óperas até hoje. No trecho a seguir, extraído de A demanda do Santo Graal, Galaaz chega à Távola Redonda. Como Galaaz entrou no paço e acabou o assento perigoso. (A demanda do Santo Graal, manuscrito do século XIII) Eles [...] olharam e viram que todas as portas do paço se fecharam e todas as janelas, mas não escureceu por isso o paço, porque entrou um tal raio de sol, que por toda a casa se estendeu. E aconteceu então uma grande maravilha, não houve quem no paço não perdesse a fala; e olhavam-se uns aos outros e nada podiam dizer, e não houve alguém tão ousado, que disso não ficasse espan- tado; mas não houve quem saísse do assento, enquanto isto durou. Aconteceu que entrou Galaaz arma- do de loriga e brafoneirase de elmo e de suas divisas de veludo vermelho; e, após ele, chegou o ermitão, que lhe rogara que o deixasse andar com ele, e trazia um manto e uma gamacha de veludo vermelho em seu braço. Mas tanto vos digo que não houve no paço quem pudesse entender por onde Galaaz entrara, que em sua vinda não abriram porta nem janela. Mas do ermitão não vos digo, porque o viram entrar pela porta grande. E Galaaz, assim que chegou ao meio do paço, disse de modo que todos ouviram: – A paz esteja convosco. E o homem bom pôs as vestes que trazia sobre um tapete, e foi ao rei Arthur e disse-lhe: – Rei Arthur, eu trago o cavaleiro desejado, aquele que vem da alta linhagem do rei Davi e de José de Arimateia, pelo qual as maravilhas desta terra e das outras terão fim. E com isto que o homem bom disse, ficou o rei muito alegre. E disse: – Se isto é verdade, sede bem-vindo. E bem vin- do seja o cavaleiro, porque este é o que há de dar cabo às aventuras do santo Graal. Nunca foi feita nesta corte tanta honra como lhe nós faremos; e quem quer que ele seja, eu queria que lhe fosse muito bem, pois de tão alta linhagem vem como dizeis. – Senhor, disse o ermitão, cedo o vereis em bom começo. Então fê-lo vestir os panos que trazia e foi assen- tá-lo no assento perigoso. E disse: – Filho, agora vejo o que muito desejei, quando vejo o assento perigoso ocupado. [...] O cavaleiro de quem Merlim e todos os profe- tas falaram. O rei, assim que viu no assento perigoso o cavaleiro de quem Merlim e todos os profetas falaram na Grã-Bretanha, então bem soube que aquele era o cavaleiro por quem seriam acabadas as aventuras do reino de Logres, e ficou com ele tão alegre e tão feliz que bendisse a Deus: Deus, bendito sejas tu que te aprouve de tanto viver eu que, em minha casa, visse aquele de quem to- dos os profetas desta terra e das outras profetizaram, tão longo tempo há já. [...] INTERATIVIAA DADE ASSISTIR Filme Cruzada - Direção: Ridley Scott - 2005 Balian (Orlando Bloom) é um jovem ferreiro francês, que guarda luto pela morte de sua esposa e filho. Ele recebe a visita de Godfrey de Ibelin (Liam Neeson), seu pai, que é também um conceituado barão do rei de Jerusalém e dedica sua vida a manter a paz na Terra Santa. Filme O sétimo selo - Direção: Ingmar Bergman - 1959 Após dez anos, um cavaleiro (Max Von Sydow) retorna das Cruzadas e encontra o país devastado pela peste negra. Sua fé em Deus é sensivelmente abalada e enquanto reflete sobre o significado da vida, a Morte (Bengt Ekerot) surge a sua frente querendo levá-lo, pois chegou sua hora. Filme O nome da rosa - Direção: Jean-Jacques Annaud - 1986 Em 1327, William de Baskerville (Sean Connery), um monge franciscano, e Adso von Melk (Christian Slater), um noviço, chegam a um remoto mosteiro no norte da Itália. William de Baskerville pretende participar de um conclave para decidir se a Igreja deve doar parte de suas riquezas, mas a atenção é desviada por vários assas- sinatos que acontecem no mosteiro. 80 Sites LER cantigas.fcsh.unl.pt ACESSAR tt Livros A lírica trovadoresca. Segismundo Spina Seria preciso, segundo Segismundo Spina, retomar o mesmo entusiasmo com que o Romantismo abraçou o mundo encantado da poesia das catedrais e dos duelos sarracenos da Idade Média, cujos trovadores formam, no século XII, o primeiro capítulo da história literária da Europa moderna. 81 O sepultamento de Cristo (iluminura medieval) “Madonna e o Menino” de Duccio, pintor italiano do período gótico (c.1255-1319) Artes plásticas Obras medievais APLICAÇÃO NO COTIDIANOINTERDISCIPLINARIDADE 82 83 ESTRUTURA CONCEITUAL Idade Média Idade Moderna Crescimento da cultura cristã Arte literária ainda vinculada à música Regime Feudal Humanismo Classicismo BarrocoTrovadorismoTrovadorismo © P et er P au l R ub en s/ W ik im ed ia C om m on s Humanismo e Classicismo Competência 5 Habilidades 15, 16 e 17 L ENTRE LETRAS C 05 06 Competência 1 – Aplicar as tecnologias da comunicação e da informação na escola, no trabalho e em outros contextos relevantes para sua vida. H1 Identificar as diferentes linguagens e seus recursos expressivos como elementos de caracterização dos sistemas de comunicação. H2 Recorrer aos conhecimentos sobre as linguagens dos sistemas de comunicação e informação para resolver problemas sociais. H3 Relacionar informações geradas nos sistemas de comunicação e informação, considerando a função social desses sistemas. H4 Reconhecer posições críticas aos usos sociais que são feitos das linguagens e dos sistemas de comunicação e informação. Competência 2 – Conhecer e usar língua(s) estrangeira(s) moderna(s) (LEM) como instrumento de acesso a informações e a outras culturas e grupos sociais. H5 Associar vocábulos e expressões de um texto em LEM ao seu tema. H6 Utilizar os conhecimentos da LEM e de seus mecanismos como meio de ampliar as possibilidades de acesso a informações, tecnologias e culturas. H7 Relacionar um texto em LEM, as estruturas linguísticas, sua função e seu uso social. H8 Reconhecer a importância da produção cultural em LEM como representação da diversidade cultural e linguística. Competência 3 – Compreender e usar a linguagem corporal como relevante para a própria vida, integradora social e formadora da identidade. H9 Reconhecer as manifestações corporais de movimento como originárias de necessidades cotidianas de um grupo social. H10 Reconhecer a necessidade de transformação de hábitos corporais em função das necessidades cinestésicas. H11 Reconhecer a linguagem corporal como meio de interação social, considerando os limites de desempenho e as alternativas de adaptação para diferentes indivíduos. Competência 4 – Compreender a arte como saber cultural e estético gerador de significação e integrador da organização do mundo e da própria identidade. H12 Reconhecer diferentes funções da arte, do trabalho da produção dos artistas em seus meios culturais. H13 Analisar as diversas produções artísticas como meio de explicar diferentes culturas, padrões de beleza e preconceitos. H14 Reconhecer o valor da diversidade artística e das inter-relações de elementos que se apresentam nas manifestações de vários grupos sociais e étnicos. Competência 5 – Analisar, interpretar e aplicar recursos expressivos das linguagens, relacionando textos com seus contextos, mediante a natureza, função, organização, estrutura das manifestações, de acordo com as condições de produção e recepção. H15 Estabelecer relações entre o texto literário e o momento de sua produção, situando aspectos do contexto histórico, social e político. H16 Relacionar informações sobre concepções artísticas e procedimentos de construção do texto literário. H17 Reconhecer a presença de valores sociais e humanos atualizáveis e permanentes no patrimônio literário nacional. Competência 6 – Compreender e usar os sistemas simbólicos das diferentes linguagens como meios de organização cognitiva da realidade pela constituição de significados, expressão, comunicação e informação. H18 Identificar os elementos que concorrem para a progressão temática e para a organização e estruturação de textos de diferentes gêneros e tipos. H19 Analisar a função da linguagem predominante nos textos em situações específicas de interlocução. H20 Reconhecer a importância do patrimônio linguístico para a preservação da memória e da identidade nacional Competência 7 – Confrontar opiniões e pontos de vista sobre as diferentes linguagens e suas manifestações específicas. H21 Reconhecer em textos de diferentes gêneros, recursos verbais e não-verbais utilizados com a finalidade de criar e mudar comportamentos e hábitos. H22 Relacionar, em diferentes textos, opiniões, temas, assuntos e recursos linguísticos. H23 Inferir em um texto quais são os objetivos de seu produtor e quem é seu público alvo, pela análise dos procedimentos argumentativos utilizados. H24 Reconhecer no texto estratégias argumentativasempregadas para o convencimento do público, tais como a intimidação, sedução, comoção, chantagem, entre outras. Competência 8 – Compreender e usar a língua portuguesa como língua materna, geradora de significação e integradora da organização do mundo e da própria identidade. H25 Identificar, em textos de diferentes gêneros, as marcas linguísticas que singularizam as variedades linguísticas sociais, regionais e de registro. H26 Relacionar as variedades linguísticas a situações específicas de uso social. H27 Reconhecer os usos da norma padrão da língua portuguesa nas diferentes situações de comunicação. Competência 9 – Entender os princípios, a natureza, a função e o impacto das tecnologias da comunicação e da informação na sua vida pessoal e social, no desenvolvimento do conhecimento, associando-o aos conhecimentos científicos, às linguagens que lhes dão suporte, às demais tecnologias, aos processos de produção e aos problemas que se propõem solucionar. H28 Reconhecer a função e o impacto social das diferentes tecnologias da comunicação e informação. H29 Identificar pela análise de suas linguagens, as tecnologias da comunicação e informação. H30 Relacionar as tecnologias de comunicação e informação ao desenvolvimento das sociedades e ao conhecimento que elas produzem 87 HUMANISMO DORÉ, Gustave. Demônios confrontando Dante e Virgílio. Ilustração para o livro A divina Comédia (Inferno), de Dante Alighieri, publicado em 1885 – Biblioteca de Artes Decorativas (Paris, França). A ilustração reflete a confiança dos humanistas. Dante e Virgílio enfrentam os demônios por meio da razão, que os ajuda a afastar as “trevas” do pensamento vinculado à Idade Média. [...] os humanistas consideravam a Antiguida- de afastada deles no tempo (tudo o que fosse ve- lho tinha para eles um interesse especial), mas es- piritualmente próxima, ao passo que a Idade Média estava mais próxima no tempo, mas extremamente distante em muitos aspectos [...]. DRESDEN, Sem. O Humanismo no renascimento. Tradução de Daniel Gonçalves. Porto: Inova. p. 55. Cronologia do Humanismo Início: nomeação de Fernão Lopes, em 1418, como o cronista-mor da Torre do Tombo. Fim: em 1527, com a chegada do poeta Sá de Miranda, da Itália, com a Medida Nova (verso decassílabo). Contexto O Humanismo foi um movimento artístico e in- telectual que se estabeleceu como uma transição entre o teocentrismo da Idade Média e o pensamento an- tropocêntrico do Renascimento, que surgiu na Itália no final da Idade Média (século XIV). A organização social passou por uma reformulação, e nas áreas mais longín- quas aos feudos medievais passaram a surgir pequenas cidades que funcionavam de forma independente do poder absoluto dos monarcas, eram os burgos e seus habitantes, os burgueses. A lógica dos humanistas era colocar em primei- ro plano o próprio ser humano, o que os afastava do Monteriggioni - Burgo (Itália) 88 teocentrismo medieval. Muitos camponeses, atraídos pelas promessas de prosperidade, transferiram-se para os burgos, estas cidades ou vila medievais normalmente muradas e associadas a um mosteiro ou castelo, onde começaram a trabalhar como pequenos mercadores. Em função da substituição da sociedade do es- cambo e das trocas pelo surgimento do comércio e, pri- mordialmente, da moeda, o homem se viu rompendo com a lógica feudal das castas imóveis. Diante da possi- bilidade de ascensão social passaram a investir mais em si, num individualismo que colocava o próprio homem e sua busca por poder e acúmulo em primeiro plano, surgindo, assim, a burguesia. Lucca – Burgo (Itália) Essas transformações que começaram a ocorrer na Europa do fim da Idade Média fizeram com que a vida nas cidades fosse retomada e o comércio inten- sificado, provocando maior interação entre pessoas de diferentes segmentos da sociedade. A riqueza passou a ser associada ao capital obtido pelo comércio e não mais à terra, como ocorria na sociedade feudal. Com o enriquecimento da burguesia, em função do comércio, surge a necessidade de um investimento na própria formação cultural, para que se pudesse admi- nistrar a riqueza acumulada. A arte ganha com isso, pois com a formação intelectual, fruto da lógica comercial, o burguês passa a investir em cultura, aprende a ler e a contar, algo que, até então, só era feito pela Igreja e pelos grandes soberanos. Aos poucos, os leigos come- çam a conquistar um papel importante na produção e, principalmente, na circulação de cultura. A busca por uma formação levou à redescoberta de textos e autores da Antiguidade Clássica, considera- da uma fonte de saber a respeito do ser humano, resga- tando, assim, a visão antropocêntrica, característica da cultura greco-latina. Projeto literário O abandono da subordinação ao Clero e o res- gate dos valores clássicos fazem com que ganhe força um olhar mais racional sobre o mundo, buscando na Ciência uma explicação para os fenômenos até então atribuídos a Deus. O contexto de produção é o mesmo do Trovado- rismo, mas em função do desenvolvimento intelectual vindo da ampliação cultural promovida pela burguesia, os textos passam a ser escritos para ser lidos e não mais cantados, como seguia a tradição oral das cantigas. A partir do início da produção de livros na Europa, sobre- tudo com a invenção da gráfica, por Johann Gutenberg, por volta de 1450, a Literatura ganha com obras que permitem ao escritor se valer de novos recursos técnicos de escrita e linguagem, sem ficarem presos à oralidade e à memória, como faziam até então. Para se ter uma ideia, surge na Alemanha em 1455, o primeiro livro im- presso por Gutemberg, a Bíblia. Portugal e sua produção Os reis e nobres da Dinastia de Avis (1385-1580) tornaram Portugal mais poderoso e rico com o início da expansão marítima em Portugal, que surge ao mesmo tempo em que se funda a Torre do Tombo, em 1418, que foi um importante centro de registro e documen- tação da época. Destaca-se a figura de Fernão Lopes, nomeado o cronista-mor da Torre do Tombo, em 1434, sendo responsável por escrever e catalogar as Crôni- cas historiográficas. Surge uma poesia desvinculada da música, chamada de Poesia Palaciana, com Garcia de Resende e sua compilação de poetas no “Cancioneiro Geral”, de 1516. Destaca-se, também, a figura de Gil Vicente na produção teatral, sendo um importante representante da cultura e sociedade da época. Fernão Lopes (Crônica historiográfica) Fernão Lopes é importante pois é a partir do re- gistro de suas crônicas historiográficas que se marca o início do Humanismo em Portugal. Dezesseis anos após ter sido nomeado o guarda-mor da Torre do Tombo, em 1434, ele é nomeado cronista-mor do reino. Ele foi o primeiro grande prosador da Literatura Portuguesa e contribuiu decisivamente para o desenvolvimento da 89 Língua Portuguesa moderna ao criar uma visão de mun- do independente das imposições do clero. Lopes escreveu três crônicas: Crônica de El-Rei D. Pedro I: compilação e crítica dos principais acontecimentos do reino de D. Pedro I. Nesse volume, encontra-se o relato do episódio da morte de Inês de Castro, amante do rei, assassinada a mando de D. Afonso IV, pai de D. Pedro. Crônica de El-Rei D. Fernando: reconstitui- ção do período que se inicia com o casamento de D. Fernando com Dona Leonor Teles e encer- ra-se com a Revolução de Avis. Crônica de El-Rei D. João: dividida em duas partes; a primeira começa com a morte de D. Fernando, em 1383, e termina com a revolução que leva D. João ao trono português; na segunda parte é descrito o reinado de D. João até 1411. Fernão Lopes distinguia-se dos demais cronistas pela importância que dava ao povo. Essa opção do cronista exemplifica o seu espírito humanista. Garcia de Resende (Poesia palaciana) A grande novidade da poesia palaciana é que ela se desvinculou da tradição oral das cantigas trovadores- cas e foi escrita para ser lida e declamada. Ela consistiaem composições coletivas, produzidas para serem apre- sentadas nos salões da nobreza, onde aconteciam os Serões. Do ponto de vista temático, esses poemas ainda idealizavam o amor e suas desilusões, mas sem o exage- ro trovadoresco. Do ponto de vista formal, a mudança é nítida no que diz respeito à constituição de uma Língua Portuguesa sem tantas influências provençais e galegas, fato esse que contribuiu para o aperfeiçoamento da lin- guagem com técnicas como as aliterações, o jogo de palavras, a conotação e a ambiguidade. Além disso, ex- plorou-se o metro fixo das Redondilhas (Medida Velha). Inês de Castro, sob o olhar de Garcia de Resende. Por conta do desenvolvimento do contexto de circu- lação literária, ou seja, com mais pessoas sabendo ler, mais se consumia literatura, portanto surgiram alguns escritores como Bernadim Ribeiro, Duarte de Brito, Nuno Pereira, po- rém o mais importante foi Garcia de Resende, pois ficou responsável, além de escrever, por compilar boa parte da poesia humanista portuguesa. Esses poemas foram organi- zados em um único volume, o Cancioneiro Geral, em 1516. Medida Velha Redondilhas maiores: versos com metrifi- cação de 7 sílabas poéticas. Redondilhas menores: versos com metrifi- cação de 5 sílabas poéticas. A poesia reunida por Garcia de Resende no Cancioneiro Geral traz algumas diferenças importantes em relação à lírica dos trovadores galego-portugueses quanto ao uso de formas poéticas regulares, como: a trova: composta de duas ou mais quadras de versos de sete sílabas e rimas ABAB; 90 o vilancete: composto de um mote (motivo de dois ou três versos) seguido de voltas ou glosas (estrofes em que o mote é desenvolvido) de sete versos; a cantiga: composta de um mote de quatro ou cinco versos e de uma glosa de oito ou dez ver- sos, com repetição total ou parcial do mote no fim da glosa; a esparsa: composta de uma única estrofe de oito, nove ou dez versos de seis sílabas métricas. Exemplo de poema compilado no Cancioneiro Geral: Entre mim mesmo e mim não sei que se ergueu que tão meu inimigo sou. Uns tempos com grande engano vivi eu mesmo comigo, agora no maior perigo se me descobre maior dano. Caro custa um desengano, embora este não me tenha matado quão caro que me custou! De mim me sou feito outro, entre o cuidado e cuidado está um mal derramado, que por mal grande me veio. Nova dor, novo receio foi este que me tomou, assim me tem, assim estou. (Bernardim Ribeiro) O teatro de Gil Vicente O grande nome do teatro no Humanismo é Gil Vicente, considerado o pai do teatro em Portugal. Escrita em 1502, sua primeira peça foi Auto da Visitação, em homenagem à rainha D. Maria pelo nascimento de seu filho, o futuro rei D. João III. Em seus 71 anos de vida, Gil Vicente se manteve em cena durante 34 anos e testemu- nhou muitas modificações ocorridas em Portugal, viu, por exemplo, seu país sair de uma sociedade agrária e tornar- -se uma potência naval, comercial e militar. Acredita-se que ele tenha nascido por volta de 1495. Pouco se conhece de sua vida particular e acre- dita-se que tenha se mantido distante de exageros e modismos, mas sabe-se que ele legou à sociedade uma vasta obra teatral, com forte caráter moralizante, em que a religião aparece como padrão e referência de comportamento, a partir da qual se julgam as virtudes e os erros dos humanos. Viveu a transição dos valores medievais para os re- nascentistas, trazendo, de um lado, a crença teocêntrica na providência divina e, de outro, a crítica de costumes, como a audácia humanista fundindo o antigo ao moderno. Ridendo castigat mores A arte teatral vicentina tem caráter moralizan- te, pois enfoca os desvios comportamentais inseridos num contexto em que a religião católica era o padrão de comportamento. No entanto, sua crítica sempre se voltava para os sujeitos e não para as instituições, prin- cipalmente as religiosas. A evidente intenção na maioria de suas obras é criar o riso crítico, usando a máxima latina ridendo castigat mores, ou seja, rindo castiga-se a moral sem fazer distinção de classe, seja rico, pobre, plebeu ou nobre, todos eram sua matéria-prima e recebiam a mesma força de suas críticas. 91 O teatro vicentino coloca no centro da cena erros de ricos e pobres, nobres e plebeus. O autor denuncia os exploradores do povo, como o fidalgo, o sapateiro e o agiota no Auto da barca do inferno; e ridiculariza os velhos que se interessam por mulheres mais jovens na farsa O velho da horta. Um recurso muito explorado por Gil Vicente é o uso de alegorias, ou seja, de representações por meio de perso- nagens ou objetos, de ideias abstratas, geralmente relacio- nadas aos vícios e às virtudes humanas. Assim, no Auto da barca do inferno, o agiota traz consigo uma bolsa cheia de moedas que representa, alegoricamente, a sua ganância. Outro recurso são os tipos sociais, nos quais são elencadas figuras que formam um quadro da socieda- de portuguesa da época, como papas, fidalgos, juízes, onzeneiros, alcoviteiras, prostitutas, espertalhões, tolos, mulheres ambiciosas, clérigos, frades etc. Afastou-se totalmente dos gêneros de grande pres- tígio no teatro da Antiguidade Clássica, ou seja, a tragédia e a comédia são caracterizadas por três unidades: ação, tempo e lugar. Gil Vicente, ao contrário, caracteriza sua obra pela amplitude temática, maior duração da ação cênica, maior número de atores em cena e despreocupação com grande cenário para que possa justapor espaços com mais facilida- de. Além disso, misturava no registro de fala tanto o erudito como o popular, o dito “elevado” com o “baixo”. As obras de Gil Vicente costumam ser divididas em três tipos: Autos pastoris (éclogas): gênero a que per- tencem algumas das primeiras obras do autor. Algumas dessas peças têm caráter religioso, como o auto pastoril português; Autos de moralidade: gênero em que Gil Vi- cente se celebrizou. Suas peças mais conhecidas são os da trilogia das barcas (Auto da barca do inferno, Auto da barca do purgatório e Auto da barca da glória) e o Auto da alma. Farsas: peças de caráter crítico, utilizam como personagens tipos populares e desenvolvem-se em torno de problemas da sociedade. As mais popu- lares são a Farsa de Inês Pereira, história de uma jovem que vê no casamento a sua chance de as- censão social, e O velho da horta, que ridiculariza a paixão de um velho casado por uma jovem virgem. O velho da horta (1512) A farsa gira em torno dos amores de um velho e uma mocinha que vai até sua horta “buscar cheiros para a panela”. O velho a corteja e apaixona-se por ela. Uma alcoviteira, aproveitando-se da situação, põe-se a tirar a fortuna do Velho e o deixa na miséria. Leia um trecho: [...] Entra a moça na horta e diz o velho: Senhora, benza-vos Deus! MOÇA: Deus vos mantenha, senhor. VELHO: Onde se criou tal flor? Eu diria que nos céus. MOÇA: Mas no chão. VELHO: Pois damas se acharão que não são vosso sapato! MOÇA: Ai! Como isso é tão vão, e como as lisonjas são- de barato! VELHO: Que buscais vós cá, donzella, senhora, meu coração? MOÇA: Vinha ao vosso hortelão, por cheiros para a panella. VELHO: E a isso vinde vós, meu paraíso. Minha senhora, e não a aí? MOÇA: Vistes vós! Segundo isso, nenhum velho não tem siso natural. VELHO: Ó meus olhinhos garridos, minha rosa, meu arminho! MOÇA: Onde he vosso ratinho? Não tem os cheiros colhidos? VELHO: Tão depressa vinde vós, minha condensa, meu amor, meu coração! MOÇA: Jesus! Jesus! Que cousa he essa? E que prá- tica tão avessa da razão! Falai, falai doutra maneira! Mandai-me dar a hortaliça. VELHO: Grão fogo de amor me atiça, ó minha alma ver- dadeira! MOÇA: E essa tosse? Amores de sobreposse serão os da vossa idade; o tempo vos tirou a posse. VELHO: Mais amo que se moço fosse com a metade. MOÇA: E qual será a desastrada que atende vosso amor? VELHO: Ó minhaalma e minha dor, quem vos tivesse fur- tada! MOÇA: Que prazer! Quem vos isso ouvir dizer cuidará que estais vós vivo, ou que estais para viver! VELHO: Vivo não no quero ser, mas cativo! [...] 92 A farsa de Inês Pereira (1523) A farsa de Inês Pereira é considerada a mais com- plexa peça de Gil Vicente. Ao apresentá-la, o teatrólogo português diz: A seguinte farsa de folgar foi re- presentada ao muito alto e mui poderoso rei D. João, o terceiro do nome em Por- tugal, no seu Convento de Tomar, na era do Senhor 1523. O seu argumento é que, porquanto duvidavam certos homens de bom saber, se o Autor fazia de si mesmo estas obras, ou se as furtava de outros autores, lhe deram este tema sobre que fizesse: é um exemplo comum que dizem: Mais vale asno que me leve que cavalo que me derrube. E sobre este motivo se fez esta farsa. A obra pode ser dividida em cinco partes: a pri- meira é um retrato da rotina na qual se insere a pro- tagonista; a segunda reflete a situação da mulher na sociedade da época, cujos registros são dados pela mãe de Inês, pela própria Inês e por Lianor Vaz; a terceira mostra o comércio casamenteiro, representado pelos ju- deus comerciantes e pelo arranjo matrimonial-mercantil de Inês com Brás da Mata; a quarta considera o ca- samento, o despertar para a realidade, contrapondo-a ao sonho que embalava as fantasias da protagonista e; finalmente, a quinta parte reflete a realidade brutal da qual Inês, experiente e vivida, procura tirar proveito próprio. A peça apresenta uma situação concreta, com uma personagem bem delineada psicologicamente e um fio condutor melhor configurado que as produções anteriores de Gil Vicente. O enredo é simples: uma jovem sonhadora pro- cura, por meio do casamento com um homem que sai- ba tanger viola, fugir à rotina doméstica. Despreza a proposta de Pero Marques, filho de um camponês rico, homem tolo e ingênuo, e aceita se casar com Brás da Mata, escudeiro pelintra e pobretão. No entanto, os so- nhos da heroína são logo desfeitos, porque o marido revela sua verdadeira personalidade, maltratando-a e explorando-a. Brás da Mata vai para a África e lá vem a falecer. Inês, ensinada pela dura experiência, toma consciência da realidade e aceita se casar com Pero Marques, seu primeiro pretendente. Depressa também a jovem aceita a corte de um falso ermitão. A farsa ter- mina com o marido (cantado por ela como cuco, gamo e cervo, tradicionalmente concebidos como símbolos do homem traído) levando-a às costas (asno que me carregue) até a gruta em que vive o ermitão, para um encontro nada ingênuo. Leia um trecho: INÊS PEREIRA: Quien con veros pena y muere qué hará cuando no os viere? 1 FALADO: Renego deste lavrar e do primeiro que o usou 2 ao diabo que o eu dou que tam mau é d’aturar. Oh, Jesus! Que enfadamento, e que raiva, e que tormento, que cegueira, e que canseira! 3 Eu hei-de bus- car maneira d’algum outro aviamento 4. Coitada, assi hei-de estar encerrada nesta casa como panela sem asa que sempre está num lugar? E assi hão-de ser logrados 5 dou dias amargura- dos, que eu possa estar cativa 6 em poder de desfiados? 7 Antes o darei ao Diabo que lavrar mais nem pon- tada;8 já tenho a vida cansada de jazer sempre dum cabo. 9 Todas folgam e eu não, todas vêm e todas vão onde querem, senão eu. Hui! E que pecado é o meu, Oh que dor de coração! Esta vida é mais que morta. Sou eu coruja ou corujo, ou sou algum caramujo,10 que não sai senão à porta? E quando me dão algum dia licença, como a bu- gia,11 que possa estar à janela é já mais que a Madane- la 12 quando achou a aleluia. 1. Quem, vendo-vos, sofre e morre que fará se vos não vir? 2. Amaldiçoado seja o trabalho doméstico e quem o inventou. 3. Que trabalho cansativo e sem propósito. 4. Aviamento: solução. 5. Lograr: desfrutar, aproveitar. 6. Ao afirmar que desfruta (aproveita) os dias presa em casa, sempre bordando e costurando, Inês ironiza a vida enfadonha a que está submetida. 7. Desfiados: tecidos para bordar e costurar. 8. Que vá tudo ao Diabo, não darei nem mais um ponto no bordado. 9. Estou cansada de estar sempre cativa, condenada às mesmas e repetitivas tarefas, como as panelas que estão sempre depen- duradas em uma mesma posição. 10. Ao comparar-se à coruja e ao caramujo, Inês ressalta, respectivamente, os seguintes lamentos: não participa da vida social e é prisioneira da própria casa. 11. Bugia: macaca. 12. Madanela: Madalena, personagem bíblica. 93 Auto da barca do inferno (1514) O Auto da barca do inferno representa o juízo final católico de forma satírica e com forte apelo moral. O cenário é uma espécie de porto, onde se encontram duas barcas: uma com destino para o inferno, coman- dada pelo diabo, e a outra, com destino para o paraíso, comandada por um anjo. Ambos os comandantes aguar- dam os mortos, que são as almas que seguirão para o paraíso ou para o inferno. Os mortos começam a chegar e um fidalgo é o primeiro. Ele representa a nobreza, e é condenado ao inferno por seus pecados, tirania e luxúria. O diabo or- dena ao fidalgo que embarque. Este, arrogante, julga-se merecedor do paraíso, pois deixou muita gente rezando por ele. Recusado pelo anjo, encaminha-se, frustrado, para a barca do inferno; mas tenta convencer o diabo a deixá-lo rever sua amada, pois esta “sente muito” sua falta. O diabo destrói seu argumento, afirmando que ela o estava enganando. Um agiota chega a seguir e é condenado ao in- ferno por ganância e avareza. Tenta convencer o anjo a ir para o céu pedindo ao diabo que o deixe voltar para pegar a riqueza que acumulou, mas é impedido e acaba na barca do inferno. O terceiro indivíduo a chegar é o parvo (um tolo, ingênuo). O diabo tenta convencê-lo a entrar na barca do inferno; quando o parvo descobre qual é o destino dela, vai falar com o anjo. Este, agraciando-o por sua humildade, permite-lhe entrar na barca do céu. A alma seguinte é a de um sapateiro, com todos os seus instrumentos de trabalho. Durante sua vida en- ganou muitas pessoas, e tenta enganar também o dia- bo. Como não consegue, recorre ao anjo, que o condena como alguém que roubou do povo. O frade é o quinto a chegar cantarolando com sua amante. Sente-se ofendido quando o diabo o con- vida a entrar na barca do inferno, pois, sendo represen- tante religioso, crê que teria perdão. Foi, porém, conde- nado ao inferno por falso moralismo religioso. Brísida Vaz, feiticeira e alcoviteira, é recebida pelo diabo, que lhe diz que seu o maior bem são “seis- centos virgos postiços”. Virgo é hímen, representa a virgindade. Compreendemos que essa mulher prostituiu muitas meninas virgens, e “postiço” nos faz acreditar que enganara seiscentos homens, dizendo que tais me- ninas eram virgens. Brísida Vaz tenta convencer o anjo a levá-la na barca do céu inutilmente. Ela é condenada por prostituição e feitiçaria. A seguir, é a vez do judeu, que chega acom- panhado por um bode. Encaminha-se direto ao diabo, pedindo para embarcar, mas até o diabo recusa-se a levá-lo. Ele tenta subornar o diabo, porém este, com a desculpa de não transportar bodes, o aconselha a procurar outra barca. O judeu fala, então, com o anjo, porém não consegue aproximar-se dele: é impedido, acusado de não aceitar o cristianismo. Por fim, o diabo aceita levar o judeu e seu bode, mas não dentro de sua barca, e, sim, rebocados. Durante o reinado de Dom Manuel, de 1495- 1521, muitos judeus foram expulsos de Portugal, e os que ficaram tiveram que se converter ao cristianismo, sendo perseguidos e chamados de “cristãos novos”. Ou seja, Gil Vicente segue, nessa obra, o espírito da época. O corregedor e o procurador, representantes do judiciário, chegam, a seguir, trazendo livros e processos. Quando convidados pelo diabo a embarcarem, come- çam a tecer suas defesas e encaminham-se ao anjo. Na barca do céu, o anjo os impede de entrar: são con- denados à barca do infernopor manipularem a justiça em benefício próprio. Ambos farão companhia à Brísida Vaz, revelando certa familiaridade com a cafetina – o que nos faz crer ter havido trocas de serviços entre eles. O próximo a chegar é o enforcado, que acredita ter perdão para seus pecados, pois em vida foi julgado e enforcado. Mas também é condenado a ir para o inferno por corrupção. Por fim, chegam à barca quatro cavaleiros que lutaram e morreram defendendo o cristianismo. Estes são recebidos pelo anjo e perdoados imediatamente. O bem e o mal Todos os personagens que têm como destino o inferno chegam trazendo consigo objetos terrenos, re- presentando seu apego à vida; por isso, tentam voltar. Os personagens a quem se oferece o céu são cristãos e puros. O mundo aqui ironizado é maniqueísta: o bem e o mal, o bom e o ruim são metades de um mundo moral simplificado. O Auto da barca do inferno faz parte de uma trilogia (Autos da barca da glória, do inferno e do 94 purgatório). Escrito em versos de sete sílabas poéticas, possui apenas um ato, dividido em várias cenas. A lin- guagem entre os personagens é coloquial – e é através das falas que podemos classificar a condição social de cada um dos personagens. Leia um trecho: [Vêm Quatro Cavaleiros cantando, os quais trazem cada um a Cruz de Cristo, pela qual Senhor e acrescentamento de Sua santa fé católica morreram em poder dos mouros. Absoltos a culpa e pena per privilé- gio que os que assi morrem têm dos mistérios da Paixão d’Aquele por Quem padecem, outorgados por todos os Presidentes Sumos Pontífices da Madre Santa Igreja. E a cantiga que assi cantavam, quanto a palavra dela, é a seguinte:] Cavaleiros: À barca, à barca segura, barca bem guarnecida, à barca, à barca da vida! Senhores que tra- balhais pela vida transitória, memória, por Deus, memó- ria deste temeroso cais! À barca, à barca, mortais, Barca bem guarnecida, à barca, à barca da vida! Vigiai-vos, pecadores, que, depois da sepultura, neste rio está a ventura de prazeres ou dolores! À barca, à barca, se- nhores, barca mui nobrecida, à barca, à barca da vida! [E passando per diante da proa do batel dos da- nados assi cantando, com suas espadas e escudos, disse o Arrais da perdição desta maneira:] Diabo: Cavaleiros, vós passais e não perguntais onde vais? 1o CAVALEIRO: Vós, Satanás, presumis? Atentai com quem falais! 2o CAVALEIRO: Vós que nos demandais? Sequer conhece-nos bem: morremos nas Partes d’Além, e não queirais saber mais. DIABO: Entrai cá! Que cousa é essa? Eu não posso entender isto! CAVALEIROS: Quem morre por Jesus Cristo não vai em tal barca como essa! [Tornaram a prosseguir, cantando, seu caminho direito à barca da Glória, e, tanto que chegam, diz o Anjo:] ANJO: Ó cavaleiros de Deus, a vós estou espe- rando, que morrestes pelejando por Cristo, Senhor dos Céus! Sois livres de todo mal, mártires da Santa Igreja, que quem morre em tal peleja merece paz eternal. [E assim embarcam.] CLASSICISMO Detalhe do quadro O Nascimento da Vênus, de Botticelli, Galeria degli Ufizzi, Florença. Cronologia do Classicismo Início (1527): chegada de Sá de Miranda à Portugal, com a Medida Nova. Fim (1580): morte de Camões e união da pe- nínsula Ibérica. Contexto Nos séculos XV e XVI, a visão teocêntrica do mundo, que caracterizou a Idade Média, cede lugar ao antropocentrismo, ou seja, o Homem e a Ciência vão para o centro dos acontecimentos e do universo. O Re- nascimento marca o apogeu dessa era, que se propõe a iluminar com a razão as trevas da civilização medieval. Comércio O fascínio pela vida nos meios urbanos fez com que a sociedade buscasse cada vez mais os prazeres que o dinheiro podia propiciar. O comércio entre as nações da Europa cresceu e a burguesia mercantil não aceitava que a produção agrária estivesse voltada ape- nas para a subsistência e desejava buscar o comércio exterior entre as nações. Renascimento O Renascimento foi uma decorrência natural do Humanismo. O seu significado nas artes é reflexo de transformações radicais sucedidas no Oriente, ao se 95 emancipar do velho sistema feudal. A certeza de que o ser humano é uma força racional, capaz de dominar e de transformar o Universo, levou o europeu a uma iden- tificação com a cultura clássica, que valorizava a vida terrena. O mundo, as pessoas e a vida passaram a ser vistos sob o prisma da razão. Vista panorâmica de Florença - palco do Renascimento O palco A Itália foi onde essa tendência renascentista apareceu com mais intensidade, sendo o palco deste retorno ao mundo da Antiguidade Clássica, ou seja, fez renascer os ideais de valorização dos gregos e latinos, desde meados do século XIII, dos esforços individuais, da perfeição, da superioridade humana e da razão como parâmetro de observação e interpretação da realidade. Pintura, escultura e arquitetura Na pintura, um dos principais traços do Renasci- mento foi a noção de perspectiva e a tematização de ele- mentos da Antiguidade Clássica, bem como a humaniza- ção do tema sacro. A técnica era levada em conta acima de tudo, o sombreado realçava a ideia de volume dos corpos. Também teve início a utilização da tela e a tinta a óleo. Na escultura, o que mais chama a atenção é a busca pela representação ideal do homem, normalmen- te retratado nu a fim de exaltar as formas humanas. A arquitetura também teve influência dos traços clássicos, retratando a figura humana e o conceito de beleza dos templos construídos de maneira harmônica, normalmente coberta por uma cúpula. Entre os artistas mais importantes da arte renas- centista estão Leonardo da Vinci (1452-1519), Miche- langelo (1475-1564) e Rafael Sanzio (1483-1520). Monalisa, de Leonardo da Vinci. Museu do Louvre, Paris, França. Pietà, de Michelangelo. Literatura O poeta Dante Alighieri, autor da Divina comé- dia, introduziu o verso decassílabo – chamado de “a medida nova”, em contraponto à redondilha, conside- rada como “medida velha”. O poeta Francesco Petrarca, criador do soneto, influenciou vários poetas europeus, entre o quais o inglês William Shakespeare e os portu- gueses Luís Vaz de Camões e Sá de Miranda. 96 Leia um soneto de Francesco Petrarca: Se a minha vida do áspero tormento E tanto afã puder se defender, Que por força da idade eu chegue a ver Da luz do vosso olhar o embaciamento, E o áureo cabelo se tornar de argento, E os verdes véus e adornos desprender, E o rosto, que eu adoro, empalecer, Que em lamentar me faz medroso e lento, E tanta audácia há de me dar o Amor, Que vos direi dos martírios que guardo, Dos anos, dias, horas o amargor. Se o tempo é contra este querer em que ardo, Que não o seja tal que à minha dor Negue o socorro de um suspiro tardo. Sá de Miranda Em Portugal, considera-se como marco inicial do Classicismo o ano de 1527, data em que o poeta Sá de Miranda regressou da Itália, de onde trouxe as inova- ções literárias do Renascimento italiano, introduzindo- -as em Portugal. O encerramento desse primeiro perío- do clássico ocorre em 1580, ano da morte de Camões e do domínio espanhol sobre Portugal. Além do Classicismo, há dois outros períodos clássicos: o Barroco, momento em que Portugal é do- minado e governado pela Espanha, e o Arcadismo, que avança até a segunda década do século XIX. Características do Classicismo O Classicismo queria recuperar a “classe” dos au- tores antigos a partir do cultivo dos valores greco-latinos, inclusive da mitologia pagã, própria dos antigos. Isso levou os poetas renascentistas a recorrer às entidades mitológicas para pedir inspiração, simbolizar emoções, exemplificar comportamentos. Pastores, deuses, deusas e ninfas estão presentes nas obras de arte e na literatura renascentista de forma natural, convivendo até mesmo com tradições cristãs, herdadas da época medieval. É hora de o ser humano se orgulhar de suas con- quistas terrenas. O homem descobre que a Terra é redon- da e passater um olhar universalista sobre a realidade. O marco de seu início se dá em 1527, quando o poeta Sá de Miranda retorna de sua incursão pela Itália renascentista e introduz em Portugal novas formas de composição. Ele trouxe a postura amorosa, o soneto e, principalmente, a forma fixa do verso decassílabo cha- mado de Medida Nova, o Dolce Stil Nuovo (o doce estilo novo) criado pelo escritor italiano Francesco Petrarca. Tendências fundamentais Criação e imitação Retomado do princípio aristotélico da mimese, ou seja, da reprodução os comportamentos hu- manos por intermédio da arte. Racionalismo O desenvolvimento de um raciocínio completo sobre os temas abordados, inclusive o amor. Na poesia, essa tentativa de conciliar razão e emo- ção se apresentou por meio de uma figura de linguagem chamada “paradoxo”. Humanismo e ideal de beleza Recriação da natureza humana por meio de um ideal de beleza, proporção, harmonia e simetria. Universalismo A busca por novos territórios, expansão marítima. O homem quer se colocar acima da natureza e, automaticamente, acima de Deus. O planeta Ter- ra passa a ser um espaço de dominação humana. ASSISTIR INTERATIVIAA DADE Vídeo Documentário português sobre a obra Os lusíadas Vídeo Documentário português sobre Camões Fonte: Ensina RPT Fonte: Ensina RPT 97 LER tt Livros Lírica – Luís de Camões – Massaud Moisés Considerado o maior poeta lírico português de todos os tempos, sua poesia lírica é marcada por uma dualidade: ora revela textos de nítida herança tradicional portuguesa, ora sua poesia se enquadra na medida nova renascentista. Os lusíadas – Edição Comentada por Otoniel Mota Os Lusíadas é uma obra poética do escritor Luís Vaz de Camões, conside- rada a epopeia portuguesa por excelência. Dicionário de Luís de Camões – Vítor Aguiar e Silva O Dicionário de Luís de Camões, obra concebida sob a coordenação do prof. Vítor Aguiar e Silva, constitui um vasto e rico Thesaurus da camonís- tica contemporânea. 98 ARTES PLÁSTICAS 99 Sepultamento de Cristo de Michelangelo, 1507 Madonna, de Rafael, circa 1505-1506 Obras renascentistas Morte de Inês ou Drama de Inês de Castro, de Columbano Bordalo Pinheiro, século XIX Episódio - Inês de Castro 100 ESTRUTURA CONCEITUAL Idade Média Idade Moderna Processo de enriquecimento da burguesia Maior contato com obras produzidas na antiguidade destaque: - Gil Vicente Trovadorismo BarrocoHumanismo Classicismo 100 © J os é Ve lo so S al ga do Classicismo: Camões épico e lírico Competência 5 Habilidades 15, 16 e 17 L ENTRE LETRAS C 07 08 Competência 1 – Aplicar as tecnologias da comunicação e da informação na escola, no trabalho e em outros contextos relevantes para sua vida. H1 Identificar as diferentes linguagens e seus recursos expressivos como elementos de caracterização dos sistemas de comunicação. H2 Recorrer aos conhecimentos sobre as linguagens dos sistemas de comunicação e informação para resolver problemas sociais. H3 Relacionar informações geradas nos sistemas de comunicação e informação, considerando a função social desses sistemas. H4 Reconhecer posições críticas aos usos sociais que são feitos das linguagens e dos sistemas de comunicação e informação. Competência 2 – Conhecer e usar língua(s) estrangeira(s) moderna(s) (LEM) como instrumento de acesso a informações e a outras culturas e grupos sociais. H5 Associar vocábulos e expressões de um texto em LEM ao seu tema. H6 Utilizar os conhecimentos da LEM e de seus mecanismos como meio de ampliar as possibilidades de acesso a informações, tecnologias e culturas. H7 Relacionar um texto em LEM, as estruturas linguísticas, sua função e seu uso social. H8 Reconhecer a importância da produção cultural em LEM como representação da diversidade cultural e linguística. Competência 3 – Compreender e usar a linguagem corporal como relevante para a própria vida, integradora social e formadora da identidade. H9 Reconhecer as manifestações corporais de movimento como originárias de necessidades cotidianas de um grupo social. H10 Reconhecer a necessidade de transformação de hábitos corporais em função das necessidades cinestésicas. H11 Reconhecer a linguagem corporal como meio de interação social, considerando os limites de desempenho e as alternativas de adaptação para diferentes indivíduos. Competência 4 – Compreender a arte como saber cultural e estético gerador de significação e integrador da organização do mundo e da própria identidade. H12 Reconhecer diferentes funções da arte, do trabalho da produção dos artistas em seus meios culturais. H13 Analisar as diversas produções artísticas como meio de explicar diferentes culturas, padrões de beleza e preconceitos. H14 Reconhecer o valor da diversidade artística e das inter-relações de elementos que se apresentam nas manifestações de vários grupos sociais e étnicos. Competência 5 – Analisar, interpretar e aplicar recursos expressivos das linguagens, relacionando textos com seus contextos, mediante a natureza, função, organização, estrutura das manifestações, de acordo com as condições de produção e recepção. H15 Estabelecer relações entre o texto literário e o momento de sua produção, situando aspectos do contexto histórico, social e político. H16 Relacionar informações sobre concepções artísticas e procedimentos de construção do texto literário. H17 Reconhecer a presença de valores sociais e humanos atualizáveis e permanentes no patrimônio literário nacional. Competência 6 – Compreender e usar os sistemas simbólicos das diferentes linguagens como meios de organização cognitiva da realidade pela constituição de significados, expressão, comunicação e informação. H18 Identificar os elementos que concorrem para a progressão temática e para a organização e estruturação de textos de diferentes gêneros e tipos. H19 Analisar a função da linguagem predominante nos textos em situações específicas de interlocução. H20 Reconhecer a importância do patrimônio linguístico para a preservação da memória e da identidade nacional Competência 7 – Confrontar opiniões e pontos de vista sobre as diferentes linguagens e suas manifestações específicas. H21 Reconhecer em textos de diferentes gêneros, recursos verbais e não-verbais utilizados com a finalidade de criar e mudar comportamentos e hábitos. H22 Relacionar, em diferentes textos, opiniões, temas, assuntos e recursos linguísticos. H23 Inferir em um texto quais são os objetivos de seu produtor e quem é seu público alvo, pela análise dos procedimentos argumentativos utilizados. H24 Reconhecer no texto estratégias argumentativas empregadas para o convencimento do público, tais como a intimidação, sedução, comoção, chantagem, entre outras. Competência 8 – Compreender e usar a língua portuguesa como língua materna, geradora de significação e integradora da organização do mundo e da própria identidade. H25 Identificar, em textos de diferentes gêneros, as marcas linguísticas que singularizam as variedades linguísticas sociais, regionais e de registro. H26 Relacionar as variedades linguísticas a situações específicas de uso social. H27 Reconhecer os usos da norma padrão da língua portuguesa nas diferentes situações de comunicação. Competência 9 – Entender os princípios, a natureza, a função e o impacto das tecnologias da comunicação e da informação na sua vida pessoal e social, no desenvolvimento do conhecimento, associando-o aos conhecimentos científicos, às linguagens que lhes dão suporte, às demais tecnologias, aos processos de produção e aos problemas que se propõem solucionar. H28 Reconhecer a função e o impacto social das diferentes tecnologias da comunicação e informação. H29 Identificar pela análise de suas linguagens, as tecnologias da comunicação e informação. H30 Relacionar as tecnologias de comunicação e informação ao desenvolvimento das sociedades e ao conhecimento que elas produzem 103 LUIS VAZ DE CAMÕES Camões teria nascido em 1524 ou 1525, provavelmente na cida-de de Lisboa (talvez Coimbra ou Santarém), descendente de uma família da pequena nobreza. Estudou numa das mais conceituadas instituições de Portugal, a Universidade de Coimbra. Em sua juventude, tornou-se um leitor voraz de Homero, Virgílio, Ovídio e Petrarca. Lutando contra os mouros em 1549, acabou por perder a o olho direito. Sua biografia é um tanto quanto nebulosa e cheia de confusões. Em 1552, foi preso por ter brigado com Gonçalo Jorge, que era oficial da corte, e sai perdoado da cadeia conquanto servisse militarmente Por- tugal na Índia. Em 1556 é nomeado “provedor-mor dos bens de defun- tos ausentes” em Macau, então colônia de Portugal. Durante os nove anos que passou na cadeia, começou a escrever Os Lusíadas. Acusado de desviar bens enquanto provedor-mor, vai para Goa a fim de se defen- der das acusações. Na viagem, seu navio naufraga na foz do Rio Mekong (Indochina) e diz a lenda que ele se salvou e deixou sua companheira chinesa, Dinamene, morrer afogada, com a desculpa de salvar o manuscrito de Os Lusíadas, que já estava em sua fase final. Viveu na miséria, foi preso outra vez, agora em Moçambique, por causa de dívidas, e voltou a Lisboa no ano de 1569 com a ajuda de amigos. Em 1572 publica Os Lusíadas, sua obra prima, e recebe uma pensão anual de 15 mil réis oferecida por Dom Sebastião. Morre pobre em 10 de junho de 1580. Curiosamente, o herói da poesia portuguesa expira com o início do declínio do poderio imperial de Portugal, mesmo ano da União da Península Ibérica, quando o país fica sob o domínio da coroa espanhola. Em 1595 é publicada a obra Rimas, com uma compilação de sua obra lírica, de versos redondilhos elabora- dos à maneira medieval, e também seus sonetos decassílabos de influência petrarquiana. Leia o poema que Camões escreveu por ocasião da morte de Dinamene: Alma minha gentil, que te partiste Tão cedo desta vida descontente, Repousa lá no Céu eternamente, E viva eu cá na terra sempre triste. Se lá no assento Etéreo, onde subiste, Memória desta vida se consente, Não te esqueças daquele amor ardente, Que já nos olhos meus tão puro viste. E se vires que pode merecer-te Alg’a cousa a dor que me ficou Da mágoa, sem remédio, de perder-te, Roga a Deus, que teus anos encurtou, Que tão cedo de cá me leve a ver-te, Quão cedo de meus olhos te levou. CAMÕES, Luís Vaz de. In: Sonetos. 104 CAMÕES ÉPICO Engenho e arte A obra épica Os Lusíadas, publicada no reinado de Dom Sebastião em 1572, é a mais importante epo- peia em língua portuguesa, teve como modelos estru- turais as epopeias da Antiguidade: a Ilíada e a Odisseia, do poeta grego Homero, e a Eneida, do poeta latino Virgílio. Entretanto, Camões introduziu uma novidade, pois, em Os Lusíadas, o herói é coletivo, ou seja, é o povo português; ao contrário do que ocorre nas epo- peias modelares, em que um relevante herói individual se sobressai (a exemplo de Aquiles, Ulisses e Eneias). Essa modalidade de escrita passou a ser chamada de epopeia secundária. Na narrativa épica camoniana, o herói, Vasco da Gama, comandante da expedição que buscou o cami- nho marítimo para as Índias, tem seu espaço compar- tilhado com os portugueses, o povo heroico português, como o próprio título da epopeia indica. Camões era cristão e desejava expressar em seu poema a expansão da fé cristã no mundo. Por isso, a presença de Deus e a referência a milagres e santos do cristianismo são constantes em sua obra. Contudo, como nas epopeias que Camões tomou por modelo – Odisseia, Ilíada e Eneida –, há nela também a presença dos deuses do Olimpo. Eles interferem na narrativa de Os Lusíadas procurando auxiliar ou prejudicar os por- tugueses no cumprimento de seus objetivos. Enquanto Vênus e Marte, por exemplo, tentam protegê-los, outros deuses, como Netuno e Baco, procuram impedir o cum- primento da rota planejada – o primeiro porque zela pelo seu poderio nos mares, e o segundo, pelo seu do- mínio no Oriente. Os Lusíadas conseguiu conciliar, portanto, a mi- tologia pagã (fruto do gosto renascentista pelo estudo da cultura pagã) e a mitologia cristã (ideologia pessoal do autor). Isso, porém, valeu a Camões problemas com a Inquisição e tratamento com muita reserva por parte dos críticos de sua época. Estátua de Luís de Camões, na praça Luís de Camões, Bairro Alto, Lisboa; ao fundo o edifício onde se localiza o Consulado do Brasil em Lisboa Disponível em:<https://commons.wikimedia.org/wiki/ File:Camoes_2.jpg. Acessado em: Dez.2015 Estrutura da obra A obra de Camões apresenta 8.816 versos de- cassílabos, divididos em 1.102 estrofes, todas em oita- va-rima, organizada em dez cantos. Cada canto, na epo- peia, corresponde a um capítulo das obras em prosa. Além disso, existem outras cinco partes: 1. Proposição (canto I, estrofes 1 a 3) O poeta apresenta o que vai cantar, ou seja, o tema dos feitos heroicos dos ilustres barões de Portugal, o herói, Vasco da Gama, e o destino da viagem. As armas e os barões assinalados Que, da ocidental praia lusitana, Por mares nunca dantes navegados Passaram ainda além da Taprobana Em perigos e guerras esforçados, Mais do que prometia a força humana, E entre gente remota edificaram Novo reina, que tanto sublimaram; barões = homens ilustres ocidental praia lusitana = Portugal Taprobana = ilha de Ceilão, limite oriental do mundo conhecido 105 2. Invocação (canto I, estrofes 4 e 5) O poeta invoca as Tágides, ninfas do rio Tejo, pedin- do a elas para inspirá-lo na composição da obra. E vós, Tágides minhas, pois criado Tendes em mim um novo engenho ardente, Dai-me agora um som alto e sublimado, Um estilo grandíloquo e corrente, 3. Dedicatória ou oferecimento (canto I, estrofes 6 a 18) O poeta dedica seu poema a D. Sebastião, rei de Portugal na época em que o poema foi publicado, visto como a esperança de propagação da fé cris- tã e continuação dos grandes feitos de Portugal. Ouvi: vereis o nome engrandecido Daqueles de quem sois senhor superno E julgareis qual é mais excelente, Se ser do mundo rei, se de tal gente. superno = supremo 4. Narração (canto I, estrofe 19 até canto X, estrofe 144) O poeta relata a viagem propriamente dita dos por- tugueses ao Oriente. Essa é, portanto, a parte mais longa do relato e vários são os episódios que nela se destacam. O desenrolar dos fatos começa In Me- dia Res, ou seja, no meio da ação, quando Vasco da Gama e sua esquadra se dirigem ao Cabo da Boa Esperança. A seguir, alguns dos mais importantes re- latos da obra. No canto II, depois de terem passado por dificulda- des no mar, os portugueses, com o auxílio da deusa Vênus, aportam na África, onde são recebidos pelo rei de Melinde, que pede a Vasco da Gama que conte a história de Portugal. Esse é o pretexto encontrado por Camões para pôr na fala de sua personagem as histórias que envolvem a fundação do Estado portu- guês: a Revolução de Avis, a morte de Inês de Castro e a partida dos portugueses para o Oriente. Esse relato de Vasco da Gama se estende até o canto IV, momento em que os portugueses seguem viagem. Nele, três episódios merecem destaque: o de Inês de Castro, amante do príncipe D. Pe- dro assassinada a mando do rei (canto III); o das críticas do velho da praia do Restelo (canto IV); e do gigante Adamastor (canto V), que é uma personificação dos perigos enfrentados pelos na- vegantes aos transporem o Cabo das Tormentas. Por fim, A ilha dos amores (canto IX), com o ero- tismo de seus símbolos, conclamando os portu- gueses a contemplarem a “Máquina do Mundo”. 5. Epílogo É a conclusão do poema (estrofes 145 a 156 do canto X), em que o poeta demonstra cansaço e, em tom melancólico e pessimista, aconselha ao rei e ao povo português que sejam fiéis à pátria e ao cristianismo. Episódio de “Inês de Castro” (canto III, estrofes 118 a 135) A morte de Inês de Castro, de Karl Briullov, século XIX. O rei Afonso retorna a sua terra natal, depois do intento vitorioso sobre osmouros esperando ser recebido com honras de vitória e, principalmente, de paz, mas é obrigado a contornar uma revolta popular com o triste e memorável caso da desventura de dona Inês de Castro. Este é considerado um episódio lírico interno ao texto épico, em que uma verdadeira história de amor portuguesa é inserida em Os Lusíadas com o claro intui- to de registrar esta que foi uma das histórias de amor mais bonitas e verdadeiras já contadas pela humanida- de. Leia um trecho: Traziam-na os horríficos algozes Ante o Rei, já movido a piedade; Mas o povo, com falsas e ferozes Razões, a morte crua o persuade, Ela, com tristes e piedosas vozes, Saídas só da mágoa e saudade Do seu Príncipe e filhos, que deixava Que mais que a própria morte magoava 106 Episódio do “Velho do Restelo” (canto IV, estrofes 90 a 104) Torre de Belém, Lisboa, Portugal. O episódio do Velho do Restelo representa um conflito ideológico contra os intentos portugueses. Como toda lógica narrativa, o desenrolar da aventura passa por processos conflituosos e, nesse caso, ele as- sume forma de um conflito entre a visão conservadora, daquele que fica, no caso o velho que com seu cajado maldiz as grandes navegações, e os ideias universalistas dos argonautas portugueses. O velho simboliza os ideais medievais e, com suas palavras, diz que aqueles que quiserem fama e glória aci- ma dos valores religiosos e, sobretudo católicos, seriam punidos com um futuro negativo. Os portugueses enfren- tam este posicionamento e conquistam os mares apesar das críticas do velho. No entanto, sabe-se que o velho tem sua razão quanto à ambição dos reis portugueses, que colocam acima de qualquer coisa “fama” e “glória” e que levariam Portugal a sua futura derrocada. O velho é aquele que fica, que é terra, que conserva posição em de- trimento da fluidez prática do lançar-se ao mar de Vasco da Gama e sua esquadra. Leia um trecho: Qual vai dizendo: – Ó filho, a quem eu tinha Só pra refrigério e doce amparo Desta cansada já velhice minha Que em choro acabará, penosos e amaro Por que me deixas, mísera e mesquinha? Por que de mim te vás, o filho caro, A fazer o funéreo enterramento Onde sejas de peixe mantimento? [...] Mas um velho, de aspeito venerado, Que ficava nas praias, entre a gente, Postos os olhos em nós, meneando Três vezes a cabeça, descontente, A voz pesada um pouco alevantando, Que nós o mar ouvimos claramente, Co’um saber só de experiências feito, Tais palavras tirou do experto peito: Episódio “O gigante Adamastor” (canto V, estrofes 37 a 60) Nesse episódio, a esquadra de Vasco da Gama está contornando a África quando um gigante monstru- oso emerge do mar, proferindo ameaças e profecias de naufrágios das naus, em decorrência do atrevimento de Vasco da Gama e de sua tripulação ter invadido aquele território de domínio do gigante, nunca antes navegado. Vasco da Gama não se intimida e inicia um diá- logo com o gigante, que se identifica como Adamastor. Ele conta que era um Titã e que um dia se apaixonou por Tétis, mulher do deus Peleu. Enganado por ela, caiu em uma armadilha, após submetê-la a um “amor for- çoso”, foi condenado por Netuno e como castigo foi transformado em uma enorme e imóvel montanha. Adamastor é, na verdade, uma personificação do Cabo das Tormentas. O episódio representa a superação do medo, dos perigos do mar e das crendices medie- vais pelos portugueses que circulavam socialmente. É representativo do ponto de vista do engrandecimento do povo português que, apesar do temor e do desco- nhecimento, enfrentou os obstáculos e os perigos do mar, vencendo-os e triunfando. [...] Porém já cinco Sóis eram passados Que dali nos partíramos, cortando Os mares nunca de outrem navegados, Prosperamente os ventos assoprando, Quando uma noite, estando descuidados Na cortadora proa vigiando, Uma nuvem, que os ares escurece, Sobre nossas cabeças aparece. Tão temerosa vinha e carregada, Que pôs nos corações um grande medo; Bramindo, o negro mar de longe brada, Como se desse em vão nalgum rochedo. 107 – “Ó Potestade (disse) sublimada: Que ameaço divino ou que segredo Este clima e este mar nos apresenta, Que mor cousa parece que tormenta?” [...] Não acabava, quando uma figura Se nos mostra no ar, robusta e válida, De disforme e grandíssima estatura; O rosto carregado, a barba esquálida, Os olhos encovados, e a postura Medonha e má, e a cor terrena e pálida; Cheios de terra e crespos os cabelos, A boca negra, os dentes amarelos. Tão grande era de membros, que bem posso Certificar-te que este era o segundo De Rodes estranhíssimo Colosso, Que um dos sete milagres foi do mundo. Cum tom de voz nos fala, horrendo e grosso, Que pareceu sair do mar profundo. Arrepiam-se as carnes e o cabelo, A mi e a todos, só de ouvi-lo e vê-lo! E disse: – “Ó gente ousada, mais que quantas No mundo cometeram grandes cousas, Tu, que por guerras cruas, tais e tantas, E por trabalhos vãos nunca repousas, Pois os vedados términos quebrantas E navegar meus longos mares ousas, Que eu tanto tempo há já que guardo e tenho, Nunca arados de estranho ou próprio lenho; [...] – “Eu sou aquele oculto e grande Cabo A quem chamais vós outros Tormentório, Que nunca a Ptolomeu, Pompónio, Estrabo, Plínio, e quantos passaram, fui notório. Aqui toda a Africana costa acabo Neste meu nunca visto Promontório, Que para o Pólo Antártico se estende, A quem vossa ousadia tanto ofende. cinco sóis = cinco dias; esquálida = suja, desalinhada; colosso = uma das setes maravilhas do mundo, a está- tua do deus Apolo, em Rodes, na Grécia; Tormentório = Cabo das Tormentas; Ptolomeu = astrônomo grego; Pom- pónio = geógrafo romano; Estrabo = geógrafo grego. Episódio “A Ilha dos Amores” (canto IX, estrofes 68 a 95) As Nereidas (Ninfas) da Ilha dos Amores Nos cantos de VI a IX, os portugueses chegam a Calicute, na Índia, e têm problemas com os mouros. Preparam-se, então, para voltar para Portugal, mas, de- vido a seus esforços e à sua coragem, são premiados por Vênus, que lhes oferece uma passagem pela Ilha dos Amores, onde podem livremente amar as ninfas, li- deradas por Tétis. Além disso, a Ilha dos Amores celebra a virilidade dos argonautas portugueses com o erotismo de seus símbolos levando-os a refletir sobre a “Máqui- na do Mundo”. Todo o fervor religioso em defesa dos portugueses que tentavam impor aos infiéis mouros sua fé cristã não impediu a utilização do erotismo no episó- dio que foi beneficiado por uma deusa pagã, a Venus, que durante todo o poema protege os portugueses, em contraposição a Baco (o Dionísio dos gregos), que tinha tudo para ser favorável a essa situação, por ser o deus do vinho, mas que, na obra, é constituído como inimigo dos portugueses, uma vez que seu desregramento e re- presentação por chifres e rabo o aproximava da imagem do diabo utilizada pela Igreja Católica. Oh, que famintos beijos na floresta! E que mimoso choro que soava Que afagos tão suaves! Que ira honesta, Que em risinhos alegres se tornava! O que mais passam na manha e na sesta, Que Vênus com prazeres inflamava, Melhor é experimentá-lo que julgá-lo, Mas julgue-o quem não pode experimentá-lo. A Ilha dos Amores, na visão de Jorge Golaço. 108 CAMÕES LÍRICO “Tu, só tu, puro amor” A obra lírica de Camões compreende poemas feitos na medida velha e na medida nova. A medida velha obedece à poesia de tradição popular, na forma e no conteúdo. São exploradas as redondilhas, de cinco ou de sete sílabas (menor ou maior, respectivamente). Quanto à medida nova, os poemas em medida nova são relacionados à tradição clássica: sonetos, éclo- gas, elegias, oitavas, sextinas. Quanto ao conteúdo, a poesia lírica clássica se relaciona com o petrarquismo. Francesco Petrarca foi o responsável por fixar a forma do soneto, no século XIV; o conteúdo de sua poesia delineia um lirismo amoroso platônico, relacionado in- dissoluvelmente a uma mulher inacessível, Laura, a que dedicouperto de 360 sonetos, no seu Cancioneiro. A lírica amorosa O tema amoroso é explorado na lírica camonia- na sob dupla perspectiva. Com frequência, aparece o amor sensual, próprio da sensualidade renascentista, inspirada no paganismo da cultura greco-latina. Predo- mina, porém, o amor neoplatônico, espécie de exten- são e aprofundamento da tradição da poesia medieval portuguesa ou da poesia humanista italiana, em que o amor e a mulher se configuram como idealizados e inacessíveis. Na poesia lírica camoniana, tal qual no modelo legado por Petrarca, o amor é um sentimento que eleva o homem, tornando-o capaz de atingir o Bem, a Beleza e a Verdade, de acordo com a filosofia platônica. Para Platão, a realidade se divide em “mundo dos sentidos” e “mundo das ideias”. No mundo sensorial, nada é perene; no mun- do das ideias, tudo é eterno, imutável. O amor ideal, de acordo com Platão, é um sentido essencialmente puro e desprovido de paixões, ao passo que estas são essencial- mente cegas, materiais, efêmeras e falsas. Em Camões, percebe-se o conflito entre o sen- timento espiritual, idealizado, e o sentimento de ma- nifestação carnal. O amor é, dessa forma, complexo, contraditório. Esse duplo enfoque do amor é bastante acentuado no soneto Amor é fogo que arde sem se ver. Amor é fogo que arde sem se ver, é ferida que dói, e não se sente; é um contentamento descontente, é dor que desatina sem doer. É um não querer mais que bem querer; é um andar solitário entre a gente; é nunca contentar-se de contente; é um cuidar que ganha em se perder. É querer estar preso por vontade; é servir a quem vence, o vencedor; é ter com quem nos mata, lealdade. Mas como causar pode seu favor nos corações humanos amizade, se tão contrário a si é o mesmo Amor? Amor é fogo que arde sem se ver. In: CAMÕES, Luís Vaz de. Lírica. São Paulo: Cultrix, 1976. Dessa forma, o amor que uma pessoa sente por outra não passa de uma manifestação particular e im- perfeita de algo superior, universal e perfeito: o Amor- -ideal, grafado com A maiúsculo. É dessa concepção que advém o amor neopla- tônico dos humanistas e renascentistas: quanto mais o amor por uma pessoa estiver desvinculado de prazeres físico-sensoriais e se aproximar do amor-ideal, maior e mais puro será. É o que se observa nas 1a e 2a estrofes do soneto de Camões: Transforma-se o amador na cousa amada, por virtude do muito imaginar; não tenho, logo, mais que desejar, pois em mim tenho a parte desejada. Se nela está minha alma transformada, que mais deseja o corpo de alcançar? Em si somente pode descansar, pois consigo tal alma está ligada. Mas esta linda e pura semideia, que, como um acidente em seu sujeito, assim como a alma minha se conforma, está no pensamento como ideia: [E] o vivo e puro amor de que sou feito, como a matéria simples busca a forma. (Lírica, cit., p.109) Nessas estrofes iniciais do poema, a realização amorosa se dá por meio de imaginação. Não é preciso ter a pessoa amada fisicamente, basta tê-la em pen- samento. Tendo-a, em si, na imaginação, o eu lírico se transforma na pessoa amada, confunde-se com ela e, dessa forma, já a tem. 109 Observe, porém, que, nas duas últimas estrofes, o poeta abandona o neoplatonismo e, com uma compara- ção, manifesta seu desejo físico pela mulher amada: do mesmo modo que toda matéria busca uma forma, o seu amor puro, amor-ideia, busca o objeto desse amor, ou seja, a mulher real. Esses sentimentos contraditórios, bem como certo pessimismo existencial que marca a poesia lírica de Ca- mões, fogem ao espírito harmonioso e racional do Renas- cimento e prenunciam o movimento literário do século XVII: o Barroco. Esse período de transição entre Renasci- mento e o Barroco é chamado, nas artes plásticas, de Ma- neirismo; por isso, alguns críticos consideram como traços maneiristas certas características da lírica de Camões. Um amor para sempre O soneto Sete anos de pastor Jacó servia, é uma amostra marcante do amor platônico, que tem duração idealizada, independentemente de realização física. Esse poema de Camões narra o episódio bíblico em que Jacó trabalha para Labão, visando casar-se com sua fi- lha Raquel, mas acaba recebendo a irmã dela, Lia. Sete anos de pastor Jacob servia Labão, pai de Raquel, serrana bela; Mas não servia ao pai, servia a ela, E a ela só por prêmio pretendia. Os dias, na esperança de um só dia, Passava, contentando-se com vê-la; Porém o pai, usando de cautela, Em lugar de Raquel lhe dava Lia. Vendo o triste pastor que com enganos Lhe fora assim negada a sua pastora, Como se a não tivera merecida; Começa de servir outros sete anos, Dizendo: – Mais servira, se não fora Para tão longo amor tão curta a vida! Sete anos de pastor Jacó servia. In: CAMÕES, Luis Vaz de. Lírico. São Paulo: Cultrix, 1976. No primeiro quarteto, o pastor Jacó serve a La- bão porque deseja Raquel. O segundo quarteto mostra o desejo frustrado de Jacó, quando Labão lhe entrega a irmã mais velha, Lia. Humilde, por um amor ideal, pla- tônico, o pastor se dispõe a trabalhar outros sete anos, e assim indefinidamente para comprovar sua fidelidade amorosa. A mutabilidade e o mundo desconcertante A perfeição do mundo das ideias é contrastada por Camões com as imperfeições do mundo terreno. Em sua obra lírica, nota-se que a vida humana está condicionada a essas imperfeições, enquanto o espírito busca outros horizontes. Desse contraponto, resulta uma visão pessimista da vida, que brota dos problemas existenciais do próprio poeta, de suas frustrações e atribuições. Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, Muda-se o ser, muda-se a confiança; Todo o Mundo é composto de mudança, Tomando sempre novas qualidades. Continuamente vemos novidades, Diferentes em tudo da esperança; Do mal ficam as mágoas na lembrança, E do bem, se algum houve, as saudades. O tempo cobre o chão de verde manto, Que já coberto foi de neve fria, E em mim converte em choro o doce canto. E, afora este mudar-se cada dia, Outra mudança faz de mor espanto: Que não se muda já como soía. CAMÕES, Luís Vaz de. 200 Sonetos. Porto Alegre: L&PM. 1998. Vídeo ASSISTIR INTERATIVIAA DADE Documentário português sobre a obra Os lusíadas Fonte: Ensina RPT Vídeo Documentário português sobre Camões Fonte: Ensina RPT 110 LER tt Livros Lírica – Luís de Camões – Massaud Moisés Considerado o maior poeta lírico português de todos os tempos, sua poesia lírica é marcada por uma dualidade: ora revela textos de nítida herança tradicional portuguesa, ora sua poesia se enquadra na medida nova renascentista. Os lusíadas – Edição Comentada por Otoniel Mota Os Lusíadas é uma obra poética do escritor Luís Vaz de Camões, conside- rada a epopeia portuguesa por excelência. Dicionário de Luís de Camões – Vítor Aguiar e Silva O Dicionário de Luís de Camões, obra concebida sob a coordenação do prof. Vítor Aguiar e Silva, constitui um vasto e rico Thesaurus da camonís- tica contemporânea. 111 INTERDISCIPLINARIDADE 112 Os Portugueses e as Ninfas na Ilha dos Amores (ilustração do episódio do Canto IX de Os Lusíadas de Camões, de Bordalo Pinheiro, século XIX. Nos ombros de um Tritão ... vai Dione, composição alusiva ao Canto II (est. XXI) de Os Lusíadas de Camões, figurando Dione e um grupo de ninfas num mar revolto, perto do casco de uma caravela de Bordalo Pinheiro, século XIX. Artes plásticas ESTRUTURA CONCEITUAL Idade Média Idade Moderna Camões Épico Trabalho do autor com a epopeia Maior produção de sonetos Camões Lírico Trovadorismo Humanismo BarrocoClassicismo 113 © W ik im ed ia C om m on s Quinhentismo e Barroco Competência 5 Habilidades 15, 16 e 17 L ENTRE LETRAS C 09 10 Competência 1 – Aplicar as tecnologias da comunicação e da informação na escola, no trabalho e em outros contextos relevantes para sua vida. H1 Identificar as diferentes linguagens e seus recursos expressivos como elementos de caracterização dos sistemas de comunicação.H2 Recorrer aos conhecimentos sobre as linguagens dos sistemas de comunicação e informação para resolver problemas sociais. H3 Relacionar informações geradas nos sistemas de comunicação e informação, considerando a função social desses sistemas. H4 Reconhecer posições críticas aos usos sociais que são feitos das linguagens e dos sistemas de comunicação e informação. Competência 2 – Conhecer e usar língua(s) estrangeira(s) moderna(s) (LEM) como instrumento de acesso a informações e a outras culturas e grupos sociais. H5 Associar vocábulos e expressões de um texto em LEM ao seu tema. H6 Utilizar os conhecimentos da LEM e de seus mecanismos como meio de ampliar as possibilidades de acesso a informações, tecnologias e culturas. H7 Relacionar um texto em LEM, as estruturas linguísticas, sua função e seu uso social. H8 Reconhecer a importância da produção cultural em LEM como representação da diversidade cultural e linguística. Competência 3 – Compreender e usar a linguagem corporal como relevante para a própria vida, integradora social e formadora da identidade. H9 Reconhecer as manifestações corporais de movimento como originárias de necessidades cotidianas de um grupo social. H10 Reconhecer a necessidade de transformação de hábitos corporais em função das necessidades cinestésicas. H11 Reconhecer a linguagem corporal como meio de interação social, considerando os limites de desempenho e as alternativas de adaptação para diferentes indivíduos. Competência 4 – Compreender a arte como saber cultural e estético gerador de significação e integrador da organização do mundo e da própria identidade. H12 Reconhecer diferentes funções da arte, do trabalho da produção dos artistas em seus meios culturais. H13 Analisar as diversas produções artísticas como meio de explicar diferentes culturas, padrões de beleza e preconceitos. H14 Reconhecer o valor da diversidade artística e das inter-relações de elementos que se apresentam nas manifestações de vários grupos sociais e étnicos. Competência 5 – Analisar, interpretar e aplicar recursos expressivos das linguagens, relacionando textos com seus contextos, mediante a natureza, função, organização, estrutura das manifestações, de acordo com as condições de produção e recepção. H15 Estabelecer relações entre o texto literário e o momento de sua produção, situando aspectos do contexto histórico, social e político. H16 Relacionar informações sobre concepções artísticas e procedimentos de construção do texto literário. H17 Reconhecer a presença de valores sociais e humanos atualizáveis e permanentes no patrimônio literário nacional. Competência 6 – Compreender e usar os sistemas simbólicos das diferentes linguagens como meios de organização cognitiva da realidade pela constituição de significados, expressão, comunicação e informação. H18 Identificar os elementos que concorrem para a progressão temática e para a organização e estruturação de textos de diferentes gêneros e tipos. H19 Analisar a função da linguagem predominante nos textos em situações específicas de interlocução. H20 Reconhecer a importância do patrimônio linguístico para a preservação da memória e da identidade nacional Competência 7 – Confrontar opiniões e pontos de vista sobre as diferentes linguagens e suas manifestações específicas. H21 Reconhecer em textos de diferentes gêneros, recursos verbais e não-verbais utilizados com a finalidade de criar e mudar comportamentos e hábitos. H22 Relacionar, em diferentes textos, opiniões, temas, assuntos e recursos linguísticos. H23 Inferir em um texto quais são os objetivos de seu produtor e quem é seu público alvo, pela análise dos procedimentos argumentativos utilizados. H24 Reconhecer no texto estratégias argumentativas empregadas para o convencimento do público, tais como a intimidação, sedução, comoção, chantagem, entre outras. Competência 8 – Compreender e usar a língua portuguesa como língua materna, geradora de significação e integradora da organização do mundo e da própria identidade. H25 Identificar, em textos de diferentes gêneros, as marcas linguísticas que singularizam as variedades linguísticas sociais, regionais e de registro. H26 Relacionar as variedades linguísticas a situações específicas de uso social. H27 Reconhecer os usos da norma padrão da língua portuguesa nas diferentes situações de comunicação. Competência 9 – Entender os princípios, a natureza, a função e o impacto das tecnologias da comunicação e da informação na sua vida pessoal e social, no desenvolvimento do conhecimento, associando-o aos conhecimentos científicos, às linguagens que lhes dão suporte, às demais tecnologias, aos processos de produção e aos problemas que se propõem solucionar. H28 Reconhecer a função e o impacto social das diferentes tecnologias da comunicação e informação. H29 Identificar pela análise de suas linguagens, as tecnologias da comunicação e informação. H30 Relacionar as tecnologias de comunicação e informação ao desenvolvimento das sociedades e ao conhecimento que elas produzem 117 Observe, na tabela abaixo, os períodos literários do Brasil Colônia. Quinhentismo (1500-1601) Barroco (1601-1768) Neoclassicismo (1768-1836) O primeiro documento escrito foi a Carta de Pero Vaz de Caminha, destinada a Dom Ma- nuel, rei de Portugal. Publicação do poema épico Prosopopeia, de Bento Teixeira. Publicação de Obras Poéticas, de Cláudio Manuel da Costa. Florescimento da chamada literatura de informação, cujo objetivo era descrever para a Corte portuguesa a terra descoberta. Poesias lírica, religiosa e satírica, de Gregório de Matos, em Salvador, Bahia. Atuação do Grupo Mineiro em Vila Rica, Minas Gerais. Desenvolvimento da literatura de ca- tequese, com a finalidade de doutrinar os indígenas. Oratória doutrinária do padre Antônio Vieira, em Salvador, Maranhão, e outras áreas do Nordeste brasileiro. Poesia árcade de Cláudio Manuel da Cos- ta (sonetos). Textos de teatro com teor catequético. Sermões, do padre Antônio Vieira Tomás Antônio Gonzaga escreve Marília de Dirceu. Produção de poesia religiosa. Conceptismo e cultismo. Poesia épica indianista: O Uraguai, de Basílio da Gama, e Caramuru, de Santa Rita Durão. José de Anchieta é o principal expoente da literatura catequética. Contexto de reformas religiosas. A natureza é a base temática. QUINHENTISMO OU LITERATURA COLONIAL A literatura brasileira floresceu em duas fases O período é didaticamente chamado de Qui- nhentismo brasileiro e os documentos produzidos durante esse tempo não podem ser considerados litera- tura artística, mas manifestações literárias, uma vez que não são criações de caráter artístico, e sim produtos de observações ora objetivas, ora subjetivas. Esse primeiro período da história da nossa lite- ratura, chamado Quinhentismo, começou em 1500, ano em que Pero Vaz de Caminha, escrivão da frota de Pedro Álvarez Cabral, enviou a Dom Manuel I a famosa Carta. Ela comunica ao soberano o “achamento” (esse era o termo usado na época) das terras brasileiras. No século XVI, os textos produzidos no Brasil ligam-se a duas necessidades práticas principais da empresa colo- nizadora portuguesa: fornecer informação sobre a nova terra e converter os indígenas ao cristianismo. Nessa literatura de valor principalmente documental, encontram-se elementos importantes para a compreensão das origens históricas e literárias do Brasil. A primeira fase corresponde ao período do Brasil colonial, durante os séculos XVII e XVIII. Naquela época, uma da primeiras vozes da literatura brasileira foi a do poeta Gregório de Matos e Guerra, instalado em Salva- dor, no século XVII. Durante o século XVIII, Minas Gerais acompanhou a produção de poetas sediados em Vila Rica (atual Ouro Preto), Mariana, São João Del-Rei, cidades vinculadas ao ciclo do ouro e pedras preciosas. A segunda fase da literatura brasileira nasceu na época do Brasil independente, a partir de 1822. Descobrimento, de Cândido Portinari (1956). 118 Não se podefalar em uma literatura “do Brasil”, como característica do país naquele período, mas em literatura “no Brasil”, uma literatura ligada ao Brasil, que denota as ambições e as intenções do homem eu- ropeu. Divide-se em literatura informativa e litera- tura jesuítica. O Quinhentismo serviu de inspiração literária para alguns poetas e escritores do Romantismo – Gonçalves Dias, José de Alencar – e do Modernismo – Oswald de Andrade, Murilo Mendes. Literatura de informação A expansão ultramarina europeia levou inúme- ros viajantes às terras recém-descobertas ou exploradas da Ásia, África e América com a missão de produzir re- latórios informativos sobre essas terras e aspectos exó- ticos e pitorescos de seus habitantes. Esses relatórios, denominados “crônicas de viagem”, têm caráter mais histórico do que literário, e a linguagem é predominan- temente referencial ou denotativa. A Carta, de Pero Vaz de Caminha, considerada o primeiro documento da literatura no Brasil, inaugurou a chamada literatura informativa: manifestações literárias de considerável valor histórico e profundo caráter docu- mental sobre o Brasil, escritas por cronistas e viajantes estrangeiros. Descrevem e informam sobre a nova co- lônia portuguesa, salientando a conquista material e a exaltação da terra nova. Estes relatos visavam a satisfa- zer a curiosidade e a imaginação dos europeus. Índio tapuia. Eckhout, A. (1610-1666) © A lb er t E ck ho ut /W ik im ed ia C om m on s Na literatura informativa encontram-se docu- mentos, cartas e relatórios de navegantes, administrado- res, missionários e autoridades eclesiásticas. Descrevem e exaltam a flora, a fauna e os índios do Brasil, bem como o exotismo e a exuberância de um mundo tropical. Também predomina o registro referencial da linguagem que reflete tal louvor à terra com o emprego exagerado de adjetivos no superlativo, bem como modelos clássi- cos e renascentistas que tendem à erudição. Os textos informativos formam um painel da vida dos anos iniciais do Brasil Colônia, dando notícias dos primeiros contatos entre os europeus e a realidade da nova terra. A opulência da flora e da fauna impres- sionou vivamente o colonizador, enquanto o modo de vida dos indígenas foi motivo de muita curiosidade e de incompreensão – os colonizadores nunca abandonaram sua concepção de que eram donos de uma cultura supe- rior no interior do próprio sistema colonial. Esses textos cumpriam, acima de tudo, uma finalidade prática. Carta, de Pero Vaz da Caminha, escrita em 1500; Diário de navegação, de Pero Lopes de Souza, escrito entre 1530 e 1532, durante a expedição de Martim Afonso de Sousa; História da Província de Santa Cruz e Tratado da Terra do Brasil, de Pero de Magalhães Gandavo, ou Gândavo, publicados, respectivamente, em 1576 e 1826; Tratado descritivo do Brasil em 1587 ou Notícias do Brasil, de Gabriel Soares de Sousa, publicado em 1851. Diálogos das grandezas do Brasil (1618), atribu- ídos a Ambrósio Fernandes Brandão, e a História do Brasil (1627), de Frei Vicente do Salvador, pu- blicados no século XVII. Para a história da literatura brasileira, a literatura informativa adquire importância principalmente como fonte de temas e formas para momentos literários pos- teriores: o Romantismo e o Modernismo. Pero Vaz de Caminha Escrivão da frota de Pedro Álvares Cabral, Cami- nha escreveu a Dom Manuel, rei de Portugal, no dia 1o de maio de 1500, a Carta – de inestimável valor histó- rico e de razoável valor literário –, em que comunica o "descobrimento" do Brasil. 119 Lendo a Carta A Carta enviada ao rei Dom Manuel é uma es- pécie de “certidão de nascimento” do Brasil, pois foi o primeiro documento escrito nestas terras. É o texto que marca o princípio da literatura brasileira. A Carta de Caminha, embora escrita nos primór- dios da colonização (1500), só veio a ser impressa em 1817, na Corografia Brasílica, pela imprensa Régia do Rio de Janeiro. Primeiro trecho Senhor, posto que o Capitão-mor desta vossa frota, e assim os outros Capitães escrevam a Vossa Al- teza a notícia do achamento desta vossa terra nova, que nesta navegação agora se achou, não deixarei de também dar disso minha conta a Vossa Alteza, assim como eu melhor puder, ainda que – para o bem contar e falar – o saiba pior que todos faze! [...] Tome Vossa Alteza, porém, minha ignorância por boa vontade, e creia bem por certo que, para aformosear nem afear, não porei aqui mais do que aquilo que vi e me pareceu. [...] Então seguimos nosso caminho por este mar de longo até terça-feira de Oitavas de Páscoa, que foram 21 dias de abril, quando topamos alguns sinais de terra [...] a saber: Em primeiro lugar um monte gran- de, muito alto e redondo e outras serras mais baixas ao sul dele; e terra rasa, com grandes arvoredos. Ao mesmo monte alto pôs o Capitão o nome de Monte Pascoal; e à terra – Terra de Vera Cruz. © T on yj ef f/ W ik im ed ia C om m on s Carta original de Pero Vaz de Caminha. Segundo trecho Dali avistamos homens que andavam pela praia, obra de sete ou oito, segundo disseram os navios pe- quenos, por chegarem primeiro. Então lançamos fora os batéis e esquifes, e vieram logo todos os capitães das naus a esta nau do Capitão-mor, onde falaram entre si. E o Capitão-mor mandou em terra no batel a Nicolau Coelho para ver aquele rio. E tanto que ele começou de ir para lá, acudiram pela praia homens, quando aos dois, quando aos três, de maneira que, ao chegar o batel à boca do rio, já ali havia dezoito ou vin- te homens. Eram pardos, todos nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse suas vergonhas. Nas mãos traziam arcos com suas setas. Vinham todos rijos sobre o ba- tel; e Nicolau Coelho lhes fez sinal que pousassem os arcos. E eles os pousaram. Ali não pôde deles haver fala, nem entendimen- to de proveito, por o mar quebrar na costa. Somente deu-lhes um barrete vermelho e uma carapuça de li- nho que levava na cabeça e um sombreiro preto. Um deles deu-lhe um sombreiro de penas de ave, com- pridas, com uma copazinha de penas vermelhas e pardas como de papagaio; e outro deu-lhe um ramal grande de continhas brancas, miúdas, que querem parecer de aljaveira, as quais peças creio que o Ca- pitão manda a Vossa Alteza, e com isto se volveu às naus por ser tarde e não poder haver deles mais fala, por causa do mar. [...] Terceiro trecho A feição deles é serem pardos, maneira de avermelhados, de bons rostos e bons narizes, bem feitos. Andam nus, sem nenhuma cobertura. Nem estimam de cobrir ou de mostrar suas vergonhas; e nisso têm tanta inocência como em mostrar o rosto. Ambos traziam os beiços de baixo furados e metidos neles seus ossos brancos e verdadeiros, de compri- mento duma mão travessa, da grossura dum fuso de algodão, agudos na ponta como um furador. Metem- nos pela parte de dentro do beiço; e a parte que lhes fica entre o beiço e os dentes é feita como roque de xadrez, ali encaixado de tal sorte que não os moles- ta, nem os estorva no falar, no comer ou no beber. Os cabelos seus são corredios. E andavam tos- quiados, de tosquia alta, mais que de sobrepente, de boa grandura e rapados até por cima das orelhas. E um deles trazia por baixo da solapa, de fonte a fonte 120 para detrás, uma espécie de cabeleira de penas de ave amarelas, que seria do comprimento de um coto, mui basta e mui cerrada, que lhe cobria o toutiço e as orelhas. E andava pegada aos cabelos, pena e pena, com uma confeição branda como cera (mas não o era), de maneira que a cabeleira ficava mui redonda e mui basta, e mui igual, e não fazia míngua mais lavagem para a levantar. O Capitão, quando eles vieram, estava sentado em uma cadeira, bem vestido, com um colar de ouro mui grande ao pescoço, e aos pés uma alcatifa por estrado. Sancho de Tovar, Simão de Miranda, Nico- lau Coelho, Aires Correia, e nós outros que aqui na nau com ele vamos, sentados no chão, pela alcatifa. Acenderam-setochas. Entraram. Mas não fizeram si- nal de cortesia, nem de falar ao Capitão nem a nin- guém. Porém um deles pôs olho no colar do Capitão, e começou de acenar com a mão para a terra e de- pois para o colar, como que nos dizendo que ali havia ouro. Também olhou para um castiçal de prata e as- sim mesmo acenava para a terra e novamente para o castiçal como se lá também houvesse prata. CAMINHA, Pero Vaz de. Carta ao rei D. Manuel. In: VOGT, Carlos; LEMOS, J.A. Guimarães de. Ironistas e viajantes. São Paulo: Abril Educação, s.d. (Coleção Literatura Comentada.) Pero de Magalhães Gândavo Autor de O Tratado da Terra do Brasil e da His- tória da Província de Santa Cruz, compostas em louvor ao clima, à terra e à paisagem, e que estimulam a imi- gração do leitor. Uma planta se dá também nesta Província, que da ilha de São Tomé, com a fruita da qual se ajudam muitas pessoas a sustentar a terra. Esta planta é mui tenra e não muito alta, não tem ramos senão umas fo- lhas que serão seis ou sete palmos de comprido. A fruita dela se chama banana. Parecem-se na feição com pepi- nos, criam-se em cachos. Esta fruita é mui saborosa, e das boas, que há na terra: tem uma pele como de figo (ainda que mais dura) a qual lhe lançam fora quando a querem comer: mas faz dano à saúde e causa febre a quem se desmanda nela. GÂNDAVO, Pero de Magalhães. História da Província de Santa Cruz. Leia também este trecho da História da Província Santa Cruz, e observe que Gândavo traz aqui uma inver- tida noção sobre a língua dos indígenas, além de fazer uma descrição minuciosa sobre o tipo físico do silvícola. História da Província Estes índios são de cor baça, e cabelo corredio; têm o rosto amassado, e algumas feições dele à maneira de chinês. Pela maior parte são bem dispostos, rijos e de boa estatura; gente mui esforçada, e que estima pouco morrer, temerária na guerra, e de muito pouca conside- ração: são desagradecidos em grande maneira, e mui desumanos e cruéis, inclinados a pelejar, e vingativos por extremo. Vivem todos mui descansados sem terem outros pensamentos senão comer, beber, e matar gente, e por isso engordam muito, mas com qualquer desgosto pelo conseguinte tornam a emagrecer, e muitas vezes pode deles tanto a imaginação que se algum deseja a morte, ou alguém lhe mete em cabeça que há de morrer tal dia ou tal noite não passa daquele termo que não morra. São mui inconstantes e mudáveis: creem de ligei- ro tudo aquilo que lhes persuadem por dificultoso e im- possível que seja, e com qualquer dissuasão facilmente o tornam logo a negar. São mui desonestos e dados à sensualidade, e assim se entregam aos vícios como se neles não houvera razão de homens: ainda que todavia em seu ajuntamento os machos e fêmeas têm o devido resguardo, e nisto mostram ter alguma vergonha. Ilustração que retrata Pero Magalhães de Gândavo descrevendo animais novos. 121 A língua de que usam, toda pela costa, é uma: ain- da que em certos vocábulos difere n’algumas partes; mas não de maneira que se deixem uns aos outros de entender: e isto até a altura de vinte e sete graus, que daí por diante há outra gentilidade, de que nós não te- mos tanta notícia, que falam já outra língua diferente. Esta de que trato, que é geral pela costa, é mui branda, e a qualquer nação fácil de tomar. Alguns vocábulos há nela de que não usam senão as fêmeas, e outros que não servem senão para os machos: carece de três le- tras, convém a saber, não se acha nela F, nem L, nem R, coisa digna de espanto porque assim não tem Fé, nem Lei, nem Rei e desta maneira vivem desordenadamen- te sem terem além disto conta nem peso, nem medida. GÂNDAVO, Pero de Magalhães. In: VOGT, Carlos; LEMOS. J. A. Guimarães de, Op. Cit. Literatura de formação ou jesuítica Ao lado da prosa informativa, ocorreram mani- festações em poesia e teatro escritas por jesuítas, com a finalidade de catequizar os índios. A essa produção chamamos de literatura de formação, em decorrência do aspecto didático que apresenta. Padre José de Anchieta (1534-1597) © B en ed ito C al ix to /W ik im ed ia C om m on s Padre José de Anchieta Nessa categoria, merece destaque o padre je- suíta que veio ao Brasil para desenvolver o trabalho missionário de converter os índios ao Cristianismo. Em 1554, fundou a cidade de São Paulo. Escreveu poemas, crônicas, sermões e textos teatrais, ora didáticos, ora lírico-religiosos. Anchieta dominava bem latim, espanhol, portu- guês e tupi. Sua linguagem era simples e direta. Escre- veu a primeira gramática tupi-guarani: Arte de gramáti- ca da língua mais usada na costa brasileira. Dentre suas obras, sobressaem os autos Quando no Espírito Santo, se recebeu uma relíquia das onze mil Virgens; Na Vila de Vitória; Auto de São Lourenço; e o poema De Beata Virgine Dei Madre Maria (À beata Virgem Maria Mãe de Deus). Veio ao Brasil com a segunda leva de jesuítas na esquadra de Duarte da Costa, segundo Governador- -Geral do Brasil. Em 1554, participou da fundação do colégio, onde também foi professor, na Vila de São Pau- lo de Piratininga, núcleo da futura cidade que receberia o nome de São Paulo. Exerceu o cargo de provincial dos jesuítas, entre os anos de 1577 e 1587. Escreveu cartas, sermões, poesias, a gramática da língua mais falada na costa brasileira (o tupi) e peças de teatro, tornando-se representante do Teatro Jesuítico no Brasil. Sua obra é considerada a primeira manifesta- ção literária em terras brasileiras. A coleção das obras completas do padre José de Anchieta é dividida em três gêneros: poesia, prosa e obras sobre Anchieta, que somam um total de dezessete volumes. Leia abaixo A Santa Inês, um dos poemas mais conhecidos de José de Anchieta. Cordeirinha linda, como folga o povo porque vossa vinda lhe dá lume novo! Cordeirinha santa, de Iesu querida, Vossa santa vinda o diabo espanta Por isso vos canta, com prazer, o povo, porque vossa vinda lhe dá lume novo. Nossa culpa escura fugirá depressa, pois vossa cabeça vem com luz tão pura. Vossa formosura honra é do povo, porque vossa vinda lhe dá lume novo. Virginal cabeça pola fé cortada com vossa chegada, já ninguém pereça. 122 Vinde mui depressa ajudar o povo, pois com vossa vinda lhe dais lume novo. Vós sois, cordeirinha, de Iesu formoso, mas o vosso esposo já vos fez rainha, Também padeirinha sois de nosso povo, pois, com vossa vinda, lhe dais lume novo. PORTELA, Eduardo (Org.). José de Anchieta: poesia. Rio de Janeiro: Agir, 1959. Bosques Todo o Brasil é um jardim em frescura e bosque e não se vê em todo o ano árvores nem erva seca. Os arvoredos se vão às nuvens de admirável altura e gros- sura e variedade de espécies. Muitos dão bons frutos e o que lhes dá graça é que há neles muitos passarinhos de grande formosura e variedade e em seu canto não dão vantagem aos rouxinóis, pintassilgos, colorinos, e canários de Portugal e fazem uma harmonia quando um homem vai por este caminho, que é para louvar ao Senhor, e os bosques são tão frescos que os lindos e artificiais de Portugal ficam muito abaixo. Há mui- tas árvores de cedro, áquila, sândalos e outros paus de bom olor e várias cores e tantas diferenças de folhas e flores que para a vista é grande recreação e pela muita variedade não se cansa de ver José de Anchieta. Cartas, informações, fragmentos históricos e sermões. Informação da Província do Brasil para nosso padre – 1585. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1933, p. 430-431. Di sp on ív el e m < ht tp :// wa rb ur g. ch aa -u ni ca m p. co m .b r> . Padre Anchieta, óleo sobre tela, de Cândido Portinari (1954). O texto revela uma visão exuberante da natureza do Brasil, semelhante à manifestada na Carta, de Pero Vaz de Caminha. Os aspectos enfatizados contemplam a flora e a fauna, a grandeza e a variedade do arvo- redo e o encantamento pelos pássaros. A riqueza e a vitalidade do Brasil contrastam com as paisagens de Portugal. Entre as riquezas do Brasil arroladas notex- to, apenas o sândalo, originário da Índia, provavelmen- te não existia aqui. O deslumbramento pela natureza do Novo Mundo marcou época tanto no período Brasil Colônia até o período pós-Independência. O poema manifesta o confronto entre o bem e o mal com bastante simplicidade. A chegada de Santa Inês espanta o diabo e, graças a ela, o povo revigora sua fé. Os versos de cinco sílabas (redondilha menor) dão ritmo ligeiro ao texto, retomando a métrica das cantigas medievais. A linguagem é clara, as ideias são facilmente compreensíveis e o ritmo traz musicalidade ao poema, o que contribui para envolver o leitor/ouvinte, bem como sensibilizá-lo para a mensagem religiosa. Padre Manuel de Nóbrega A pedido de Dom João III, integrou a escala de Tomé de Sousa, primeiro Governador Geral do Brasil, o padre Manuel da Nóbrega, que chefiou o primeiro gru- po de jesuítas vindos ao Brasil, em 1549. Ferrenho defensor da liberdade dos índios, fa- voreceu os aldeamentos, cultivou a música como auxi- liar da evangelização, promoveu o ensino primário nas escolas de ler e escrever e fundou, pessoalmente, os colégios de Salvador, Pernambuco e São Paulo, origem da futura cidade, e do Rio de Janeiro, onde exerceu o cargo de reitor. Depois de colaborar com a expulsão dos estrangeiros da baía de Guanabara, contribuiu para a valorização do poder central e para a unificação política do território nacional. Seus pensamentos estão expressos nas Cartas, nos Apontamentos e, sobretudo, no Diálogo sobre a conversão do Gentio, de sua autoria. 123 BARROCO OU SEISCENTISMO © M ic he la ng el o M er is i d a Ca ra va gg io /W ik im ed ia C om m on s A dúvida de São Tomé, de Caravaggio. Contexto Os embates religiosos O movimento denominado Barroco ou Seis- centismo aconteceu no segundo período clássico e de- signou genericamente todas as manifestações artísticas produzidas no século XVII até meados do século XVIII. O estilo barroco sucede o movimento religioso conheci- do como Reforma Protestante, liderado pelo teólogo alemão Martinho Lutero (1483-1546). A Reforma Protestante foi um movimento reformista cristão iniciado em 1517 por Martinho Lutero. Ele apresentou 95 teses, mediante as quais protestava contra a Igreja Católica. À luz delas, pro- pôs uma reforma baseada em cinco princípios: 1. somente a fé; 2. somente a Escritura; 3. somente Cristo; 4. somente a graça; e 5. somente a glória de Deus. Lutero denunciou os abusos e equívocos do catolicismo da época, entre eles atos de corrupção, como venda de indulgências a troco do perdão dos pecados e da salvação eterna. O protestantismo nas- ceu em decorrência da resistência à Igreja Católica A proposta de reformar ensinos teológicos e comportamentos morais da Igreja, baseados exclusiva- mente no ensino bíblico, provocou a reação da Igreja católica, àquelas alturas já sem muito espaço e poder. A Reforma dividiu os cristãos. Na tentativa de evitar a per- da de fiéis, a Igreja fortaleceu o Tribunal da Inquisição, que passou a investigar crimes contra a fé católica e deu início à Contrarreforma, com a fundação da Compa- nhia de Jesus pelo espanhol Inácio de Loyola. Nas artes, em reação ao primeiro período clás- sico que revolucionou o teocentrismo medieval, à luz e sob inspiração dos valores terrenos e humanistas da Antiguidade greco-romana, triunfou o Barroco, que se opôs ao Humanismo Renascentista em busca do elo perdido da tradição cristã. O contexto português: a união da península Ibérica Em 1580, Portugal foi anexado à Espanha, em razão do desaparecimento do rei português Dom Sebastião – que não deixou descendentes di- retos –, na batalha de Alcácer-Quibir, na África, em 1578. O rei espanhol Felipe II, um dos parentes mais próximos de Dom Sebastião, foi proclamado mo- narca dos lusitanos e deu início à dinastia Filipina em Portugal, que se estendeu até 1640. Sucessivamente, três reis espanhóis adotaram o nome Felipe (I, II e III). Foi em dezembro de 1640, que Portugal retomou sua independência, quando o duque de Bragança foi coroado rei, com o nome de Dom João IV, e cujo reinado durou até 1656. Na Europa seiscentista, Portugal e Espanha confi- guraram o modelo de absolutismo católico, que patroci- nou a Contrarreforma, recrudesceu a perseguição aos in- fiéis pela Inquisição e exigiu obediência ao Index Librorum Prohibitorum, uma relação de livros proibidos publicada pela Igreja Católica. Sob dominação filipina, o Barroco português foi significativamente influenciado pelo espanhol, principal foco irradiador dessa estética que expressa a espirituali- dade e o teocentrismo medievais misturados ao raciona- lismo e ao antropocentrismo herdados do Renascimento. 124 A arte barroca © M ic he la ng el o M er is i d a Ca ra va gg io /W ik im ed ia C om m o A ceia em Emaús, de Caravaggio. O barroco português ocorre em uma Europa im- pactada pelas grandes navegações dos anos 1500, pelas grandes conquistas, pela explosão da Reforma Protes- tante e pelo poder monárquico absolutista. Ele traduz o drama do homem “entre o céu e a Terra”, atormentado pela fé, pela existência após a morte, pelo julgamento de atos praticados durante o “trânsito terreno”. No final dos anos quinhentos e início dos anos seiscentos, conviem dois modos de ver o mundo: o paganismo renascentista em decadência e a religiosi- dade barroca emergente. A expressão plástica barroca caracteriza-se pela exacerbação dos tons mais altos e mais coloridos e das texturas mais ricas: mais decora- ção, mais luz e sombra em busca deliberada de efeitos. Duas tendências de estilo, no entanto, mani- festam-se no Barroco: o cultismo e o conceptismo. Aquele, mais próprio da poesia, e este, da prosa, sem, no entanto, excluírem-se no conjunto da criação lite- rária. Uma mesma obra tanto pode pender para uma delas quanto apresentar traços de ambas as tendências. Cultismo É a preferência pelo rebuscamento formal da lin- guagem em jogos de palavras, figuras de linguagem, vernáculo preciosista, efeitos sensoriais – cor, som, forma, volume, sonoridade, imagens eloquentes e fan- tasiosas. Conhecer é descrever mediante sensações nada econômicas. Metáforas, antíteses, sinestesias, trocadilhos, dicotomias e hipérbatos povoam os textos barrocos. A realidade é retratada de forma indireta, cen- trada na habilidade verbal do escritor. A tendência do Barroco cultista também recebeu o nome de gongorismo, cujo escritor mais eloquente foi o poeta espanhol Luis de Gôngora. O todo sem a parte não é todo, A parte sem o todo não é parte, Mas se a parte o faz todo, sendo parte, Não se diga que é parte sendo todo. Em todo sacramento está Deus todo, E todo assiste inteiro em qualquer parte, E feito em partes todo em toda a parte, Em qualquer parte sempre fica o todo. O braço de Jesus não seja parte, Pois que feito Jesus em parte todo, Assiste cada parte em sua parte. Não se sabendo parte deste todo, Um braço, que lhe acharam, sendo parte, Nos disse as partes todas deste todo. Conceptismo (do espanhol concepto, ideia) Linguagem pautada no raciocínio e no pensa- mento lógico, em analogias, histórias ilustrativas etc. Argumentos centrados na inteligência e na razão em busca da concisão e da coesão, sempre disciplinados pela lógica e seus mecanismos oferecidos pelos silogis- mos e sofismas. Tal tendência também recebeu o nome de quevedismo, graças ao estilo marcante do poeta espanhol Francisco Gómez de Quevedo. [...] Pinta-se o amor sempre menino, porque ainda que passe dos setes anos [...] nunca chega à idade de uso da razão. Usar de razão e amar são duas coisas que não se juntam. A alma de um menino que vem a ser? Uma vontade com afetos e um entendimento sem uso. Tal é o amor vulgar. Tudo conquista o amor, quando conquista uma alma; po- rém o primeiro rendido é o entendimento. Ninguém teve a vontade, febricitante, que não tivesse o en- tendimento frenético. O amor deixarade variar, se for firme, mas não deixara de tresvariar, se é amor. Nunca o fogo abrasou a vontade, que o fumo não cegasse o entendimento. Nunca houve enfermida- de no coração, que não houvesse fraqueza no juízo. Padre Antonio Vieira. Sermão do Mandato 125 Características do Barroco literário O Barroco se traduz como uma arte tensa que oscila entre opostos, marcada pela crise de valores, contradições entre o espírito cristão, antiterreno e te- ocêntrico, e o espírito renascentista, antropocêntrico, racionalista e mundano. Conflitos e descontentamentos existenciais A indefinição entre o divino e o terreno traduz-se em conflito e descontentamento existencial humano. São comuns os temas pessimistas, as advertências so- bre a brevidade da vida, a ênfase na dor e na vergonha de permanecer em pecado. A relação com a vida terrena é pessimista, só minorada com a crença na vida celeste. O tema da penitência é constantemente enfatizado pelo martírio da dor. Ideias em confronto No Barroco predomina o gosto pela aproxima- ção de realidades em oposição; a submissão e a vida recatada propostas pela Igreja contrarreformista em contraposição aos desejos humanos e materiais, à pos- sibilidade de ascensão social, propiciada pelo momento histórico, contrapõe-se a impossibilidade da estrutura social fechada. Temas constantemente contraditórios, oscilantes entre matéria e amor, carne e espírito, amor ideal e amor humano. Cristo bailarino. Madeira com vestígios de policromia. Aleijadinho (1781-1790). Tendência ao dualismo e ao culto do contraste No intuito de aproximar opostos, a visão do uni- verso dualista é, ao mesmo tempo, mística e sensual, religiosa e erótica, espiritual e humana. O homem vive em conflito com o mundo. Para traduzi-lo, abundam an- títeses, metáforas, sinestesias e hipérboles. Di sp on íve l e m < ht tp :// in te ra ta .s qu ar es pa ce .c om > Detalhe preciosista de igreja barroca. O estilo barroco europeu do século XVII recebeu denominações particulares em cada país: Espanha – gongorismo, originado do nome do poeta Luis de Gôngora (1561-1627). Inglaterra – eufuísmo, derivado do nome da obra Euphues, or the anatomy of wit, do escritor John Lyly (1554-1606). Itália – marinismo, derivado do nome de Gian- battista Marino (1569-1625). França – preciosismo, em razão do exagero da forma preciosista, afetada e extremamente rebuscada na corte do rei Luis XIV. Alemanha – silesianismo, estilo característico dos escritores da região da Silésia. O Barroco em Portugal O Barroco português conviveu com um país que vivia uma crise de identidade, uma vez que estava sob o domínio político da Espanha. Dois aspectos ressaltam a produção literária desse período: o esforço dos portugue- ses de preservar sua cultura e língua e a Contrarreforma, que deu à produção literária amplo caráter religioso, por exemplo as obras do padre Antônio Vieira, principal escri- tor português do século XVII. Em 1580, dois fatos significativos marcaram a vida cultural e política de Portugal: a morte de Camões e a pas- sagem do país para o domínio espanhol (1580-1640). 126 A literatura e as artes portuguesas foram in- fluenciadas pelas manifestações culturais espanholas, que conheceram nesse período o “século de ouro” – Cervantes, Gôngora, Quevedo, Lope de Vega e Calderón de La Barca são importantes escritores desse período. O florescimento do Barroco em Portugal não se deu com a mesma intensidade que na Espanha. Como forma de resistência política ao domínio espanhol, os escritores portugueses procuraram preservar a língua e a cultu- ra lusitanas. Assumiram uma postura saudosista, valo- rizando personagens e escritores do passado heroico recente: Vasco da Gama, Dom Sebastião, Camões. Influenciado pela Contrarreforma, o Barroco português também ganhou fortes matizes religiosos, bem como em todos os países ibéricos. A atuação da Companhia de Jesus e do Tribunal da Inquisição, ins- taurado em Portugal em meados do século XVI, com- pletaram o quadro cultural lusitano daquele período religioso e austero. O Barroco no Brasil O marco inicial do Barroco brasileiro data de 1601, quando Bento Teixeira publicou o poema épico Prosopopeia, com estrofes em oitava rima e versos de- cassílabos, tal qual Os Lusíadas, de Camões, cujo mode- lo ele seguiu de perto. Embora naquela época não houvesse um público leitor significativo no Brasil, a poesia barroca ganhou impulso com a fundação de várias academias literárias entre os anos de 1720 e 1750. Vicejaram por todo o sé- culo XVII e início do século XVIII, mas foram sufocadas pela fundação da academia chamada Arcádia Ultra- marina, em 1768, e pela ascensão da poesia árcade. Peculiaridades do Barroco brasileiro Embora o Barroco brasileiro esteja ligado aos modelos lusitano e espanhol, peculiaridades diferen- ciam-no destes. Durante todo o século XVII, sob o domínio es- panhol, continuavam a chegar ao Brasil imigrantes atraídos pela riqueza, portugueses e demais euro- peus, e interessados na exploração da terra. Foi o caso dos franceses, que tentaram dominar o Maranhão no começo do século XVII. A presença estrangeira mais marcante, no entan- to, foi a dos holandeses. Enviado pela Companhia das Índias Ocidentais com o fim de controlar o comércio do açúcar nordestino, o general de origem alemã Johann Maurits, conhecido como conde Maurício de Nassau, desembarcou no Brasil, em Recife, em 1637, quando já se estabilizara o domínio holandês nas colônias portu- guesas, iniciado em 1624. Nassau trouxe consigo uma equipe cultural com pintores, arquitetos, escritores, naturistas, médicos, as- trólogos etc., com o objetivo de documentar as terras ocupadas pela Holanda e angariar investimentos euro- peus para a produção açucareira. Com Nassau, Recife sofreu uma verdadeira re- formulação urbana: jardins, lagos, palácio para sua aco- modação na ilha de Antônio Vaz, uma cidade inteira foi modelada a seu gosto. A cidade Maurícia, ao lado de Recife, entre a foz do rio Capibaribe e Beberibe, emergiu sob sua administração. As marcas desse tempo ficaram registradas em pinturas e desenhos de Frans Post, encarregado das pai- sagens e feitos do Governador-Geral, e Albert Eckout, responsável pelo registro dos tipos humanos, da fauna e flora da “Nova Holanda”, nome de Pernambuco na- quela época. Frans Post tinha apenas 24 anos quando che- gou ao Brasil. Morador de Recife entre 1637 e 1644, acompanhou a movimentada campanha do governador, documentando a paisagem e registrando portos e forti- ficações do Maranhão à Bahia. © D iv ul ga çã o Aleijadinho 127 Um Barroco miscigenado O mundo colonial brasileiro do século XVII não foi influenciado apenas pelo Barroco português, mas, sobre- tudo, foi pressionado economicamente, graças à imensa exploração de riquezas naturais, de ouro, principalmente. Em razão disso, o Barroco brasileiro tornou-se uma manifestação miscigenada das culturas europeia, negra e nativa. Os espaços do Brasil colonial que lhe serviram de cenário foram principalmente o Nordeste e o estado de Minas Gerais. Ligado ao ciclo da cana-de-açúcar, o Barroco nordestino aproximou-se da aristocracia rural, exuberante e pomposa, e refletiu-se na riqueza das construções eclesiásticas e nas amplas acomodações das casas-grandes. A cidade de Salvador, na Bahia, ainda conta com cerca de 80 igrejas e vários solares e casarões inspirados no Barroco. No século XVIII, o Barroco mineiro sobrepujou o da metrópole portuguesa, notadamente nas cidades au- ríferas de Minas Gerais. Naquela região, sobressaíram as notáveis obras do escultor e arquiteto Antonio Francisco Lisboa (1730-1814), o Aleijadinho, cujo trabalho pautou-se pela experiência com materiais locais – pedra-sabão e madeira. O pintor Manuel da Costa Ataíde (1762-1830) deixou mostras de seu talento em pinturas e afrescos nos tetos e laterais de igrejasmineiras. Filme ASSISTIR INTERATIVIAA DADE O Brasil de Pero Vaz caminha – Direção: Bruno Laet - 2011 Filme Caravaggio – Direção: Derek Jarman - 1986 Vencedor do Prêmio SESC Rio de Fomento à Cultura, em 2010 – na categoria Novos Talentos, Cinema Documen- tário –, O Brasil de Pero Vaz caminha se baseia naquele que é considerado o primeiro documento histórico e literário do Brasil: a carta de Pero Vaz de Caminha. Filme 1492 - A CONQUISTA DO PARAÍSO Vinte anos da vida de Colombo, desde quando se convenceu de que o mundo era redondo, passando pelo empenho em conseguir apoio financei- ro da Coroa espanhola para sua expedição, o descobrimento em si da Amé- rica, o desastroso comportamento que os europeus tiveram com os habi- tantes do Novo Mundo e a luta de Colombo para colonizar um continente que ele descobriu por acaso, além de sua decadência na velhice. A curta vida do pintor italiano Michelangelo Merisi da Caravaggio (Nigel Terry) desde a infância e decepções do início da carreira até os últimos sucessos, a amizade com um cardeal e a relação destrutiva com um lutador (Sean Bean) e sua namorada (Tilda Swinton). 128 LER tt Livros Dialética da colonização – Alfredo Bosi Em capítulos que vão de Anchieta à indústria cultural, Alfredo Bosi, o conceituado autor da clássica História concisa da Literatura Brasileira, persegue com sensibilidade as formas históricas que enlaçaram coloniza- ção, culto e cultura. Dialética da colonização é o resultado deste percurso sui generis na história do pensamento brasileiro. O barroco – Victor Lucien Tapié Dividido em duas seções, "Concepções Barrocas" e "Experiências Barro- cas", o volume examina esse fenômeno de arte notadamente nos séculos XVII e XVIII, sem esconder do leitor observações realmente novas e suges- tivas concernentes ao estilo, que muitos reputam ser de glória, outros digno dos períodos de decadência, mas que, todavia, emprestou às cidades históricas de Minas o seu fausto e o ar sempiterno que ressumam. 129 ARTES PLÁSTICAS 130 Retábulo da capela-mor da Igreja de São Francisco, em São João del-Rei (Aleijadinho) Projeto para a fachada da Igreja de São Francisco, em São João del-Rei (Aleijadinho) ESTRUTURA CONCEITUAL Idade Média Idade Moderna Trovadorismo Humanismo Classicismo Barroco Quinhentismo Cultismo e conceptismo Movimento vinculado a conflitos de cunho religioso Pero Vaz de Caminha e José de Anchieta Literatura de informação e literatura jesuítica Uso de antíteses e paradoxos 131