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Indaial – 2020 Metodologia de Pesquisa eM CiênCia PolítiCa Prof. Renan Subtil Torres 1a Edição Copyright © UNIASSELVI 2020 Elaboração: Prof. Renan Subtil Torres. Revisão, Diagramação e Produção: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. Impresso por: T693m Torres, Renan Subtil Metodologia de pesquisa em ciência política. / Renan Subtil Torres. – Indaial: UNIASSELVI, 2020. 192 p.; il. ISBN 978-65-5663-130-1 ISBN Digital 978-65-5663-131-8 1. Pesquisa em ciência política. - Brasil. Centro Universitário Leonardo Da Vinci. CDD 320 III aPresentação Saudações, caro acadêmico! O presente material que encontra-se em suas mãos ou na tela de seus aparelhos digitais é fruto de um zeloso trabalho da UNIASSELVI, que pretende apresentar os fundamentos da Pesquisa em Ci- ência Política. Já pensou como seria dominar pesquisas sobre assuntos tão im- portantes e que impactam diretamente a vida de todas as pessoas do mundo? É fundamental nos inteirarmos de assuntos políticos, uma vez que estamos todos submetidos a diferentes dinâmicas que envolvem poder, Estado e Sociedade. Considerando que podemos interferir diretamente nos mais diversos assuntos políticos de nosso interesse, preparamos um excelente material para que possa- mos nos aproximar da realidade a qual estamos inseridos. Tais assuntos políticos abrangem desde o tipo de alimentos que nos é oferecido, o preço de nossas moradias, o tipo de educação que recebemos (ou deixamos de receber), os cargos disponíveis para ocuparmos, o tratamento que os governantes dão às pessoas que sofrem por falta de oportunidades, a nossa saúde e até mesmo assuntos diplomáticos grandes e complexos. Agora sejamos sinceros: quem de nós sempre se interessou ou ao menos se interessa em apren- der sobre política? Acreditamos que muitas pessoas acham o tema chato, siste- mático ou de difícil compreensão. Pois não é por acaso! Somos condicionados a ocupar uma posição passiva em relação aos assuntos que dizem respeito às mais diversas instâncias de nossas vidas. Não é comum aprendermos na escola sobre o papel preponderante que a política assume na sociedade. Saímos do Ensino Básico e muitas vezes adentra- mos no Ensino Superior sem aprender o que é de fato a Política. É comum não sabermos ao certo quais são as funções que os candidatos que elegemos devem cumprir quando nomeados. Tanto os governantes quanto as instituições que re- gem a dinâmica social quase não prestam conta ao povo sobre as transações monetárias realizadas com os impostos que de nós é arrecadado. E o mais im- portante: não sabemos de fato o que é melhor para a vida das pessoas, o melhor para a evolução de nossa sociedade, o melhor para o futuro de nossa espécie e de nosso planeta. As pesquisas em Ciência Política têm como principal objetivo a investigação dos problemas que nos perturbam desde os primórdios de nossa civilização da maneira mais coerente e legítima possível. Para tanto, o livro de Metodologia de Pesquisa em Ciência Política de- senvolvido pela UNIASSELVI tem o compromisso de introduzir você, acadê- mico, no universo político da maneira mais clara e prazerosa, orientando-o no caminho rumo a uma pesquisa em Ciência Política plena em termos de legitimi- dade e com um grande potencial de elucidação de nossos problemas, de modi- ficação de nossa realidade e de contribuição com a sociedade. Apresentaremos uma ampla variedade de ferramentas para a sua aproximação em relação às IV problemáticas reais, além do oferecimento de recursos alternativos de estudo que facilitam o aprendizado, enriquecem o raciocínio crítico e a criatividade, aproximam-nos de nossa realidade e oferecem instigantes desafios que rompem com o senso comum e nos ajudam a problematizar tudo aquilo que nos parece estável e bem definido. A Unidade 1 aborda o conceito de Ciência e é seguido de um breve res- gate histórico do nascimento das Ciências Sociais, que é o grande campo do sa- ber no qual a Ciência Política está inserida. Em seguida evidencia os parâmetros de produção do conhecimento científico em Ciências Sociais. Ressalta ainda a importância do domínio da observação da realidade e da teorização, da ideia do que são as coisas. Por fim, apresenta os elementos essenciais a serem pensados antes de se colocar a pesquisa em Ciência Política em prática. Na Unidade 2 encontra-se os principais tipos de abordagem e métodos científicos em Ciências Sociais, seguidos dos instrumentos e técnicas de pesquisa em Ciência Política estudados separadamente. Feito isso, aprenderemos como agregar o máximo possível de legitimidade e consistência às pesquisas, seguido de como manipular dados e relacionar elementos que contribuam com a expli- cação dos fenômenos investigados. Finalmente, na Unidade 3 discutiremos a construção formal de um pro- jeto de pesquisa científica, qual o tipo de linguagem que esse tipo de produção demanda, as normas nacionais de elaboração de uma pesquisa científica, além de como desenvolver e verificar se o trabalho realizado está inteligível e bem articulado. Esperamos que aproveite ao máximo a vivência contida no material! Bons estudos! Prof. Renan Subtil Torres. V Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há novidades em nosso material. Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura. O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo. Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente, apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador. Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto em questão. Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa continuar seus estudos com um material de qualidade. Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes – ENADE. Bons estudos! NOTA Olá acadêmico! Para melhorar a qualidade dos materiais ofertados a você e dinamizar ainda mais os seus estudos, a Uniasselvi disponibiliza materiais que possuem o código QR Code, que é um código que permite que você acesse um conteúdo interativo relacionado ao tema que você está estudando. Para utilizar essa ferramenta, acesse as lojas de aplicativos e baixe um leitor de QR Code. Depois, é só aproveitar mais essa facilidade para aprimorar seus estudos! UNI VI VII Olá, acadêmico! Iniciamos agora mais uma disciplina e com ela um novo conhecimento. Com o objetivo de enriquecer seu conhecimento, construímos, além do livro que está em suas mãos, uma rica trilha de aprendizagem, por meio dela você terá contato com o vídeo da disciplina, o objeto de aprendizagem, materiais complementares, entre outros, todos pensados e construídos na intenção de auxiliar seu crescimento. Acesse o QR Code, que levará ao AVA, e veja as novidades que preparamos para seu estudo. Conte conosco, estaremos juntos nesta caminhada! LEMBRETE VIII IX UNIDADE 1 – O CONHECIMENTO CIENTÍFICO E A CIÊNCIA POLÍTICA ............................1 TÓPICO1 – PRODUZINDO CIÊNCIAS SOCIAIS............................................................................3 1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................................................3 2 O QUE É CIÊNCIA E COMO SE PRODUZ O CONHECIMENTO CIENTÍFICO ....................3 3 COMO EMERGE O CAMPO DAS CIÊNCIAS SOCIAIS E COMO SE APRESENTA NOS DIAS ATUAIS .....................................................................................................9 4 COMO PRODUZIR CONHECIMENTO CIENTÍFICO EM CIÊNCIAS SOCIAIS .................16 LEITURA COMPLEMENTAR ...............................................................................................................21 RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................25 AUTOATIVIDADE .................................................................................................................................26 TÓPICO 2 – OBSERVAÇÃO E TEORIZAÇÃO EM CIÊNCIA POLÍTICA ..................................29 1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................................................29 2 O QUE É EMPÍRICO, OBSERVAÇÃO E PERSPECTIVA .............................................................29 3 O IMPORTANTE PAPEL DA TEORIA POLÍTICA ......................................................................33 4 ARTICULANDO OBSERVAÇÃO E TEORIA .................................................................................37 5 TEORIA X PRÁTICA ...........................................................................................................................40 RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................44 AUTOATIVIDADE .................................................................................................................................45 TÓPICO 3 – IDEALIZANDO A PESQUISA EM CIÊNCIA POLÍTICA .......................................47 1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................................................47 2 TESTANDO A RELEVÂNCIA DO TEMA DA PESQUISA .........................................................47 3 IDENTIFICANDO UM PROBLEMA REFERENTE AO TEMA ..................................................51 4 DELIMITANDO OS OBJETOS DE SUA FUTURA PESQUISA .................................................54 RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................................59 AUTOATIVIDADE .................................................................................................................................60 UNIDADE 2 – MÉTODOS CIENTÍFICOS E A PESQUISA EM CIÊNCIA POLÍTICA .............63 TÓPICO 1 – OS MÉTODOS DE PESQUISA EM CIÊNCIAS SOCIAIS ......................................65 1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................................................65 2 TIPOS DE ABORDAGEM: QUALITATIVO E QUANTITATIVO..............................................65 3 OS TRÊS PRINCIPAIS MÉTODOS CIENTÍFICOS EM CIÊNCIAS SOCIAIS .......................69 3.1 O MÉTODO COMPARATIVO .......................................................................................................69 3.2 O MÉTODO HISTÓRICO ...............................................................................................................72 3.3 O MÉTODO ESTATÍSTICO ............................................................................................................75 RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................78 AUTOATIVIDADE .................................................................................................................................79 suMário X TÓPICO 2 – INSTRUMENTOS E TÉCNICAS DE PESQUISA EM CIÊNCIA POLÍTICA ....................................................................81 1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................................................81 2 DADOS PRIMÁRIOS E SECUNDÁRIOS: TÉCNICAS DE ........................................................81 INVESTIGAÇÃO FUNDAMENTAIS .................................................................................................81 3 ESTUDO DE CASO E SURVEY .........................................................................................................86 4 PRODUZINDO UMA PESQUISA CONSISTENTE: ARTICULANDO ABORDAGENS, MÉTODOS E TÉCNICAS ......................................................................................................................91 RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................97 AUTOATIVIDADE .................................................................................................................................98 TÓPICO 3 – DEFININDO E RELACIONANDO OS ELEMENTOS DA PESQUISA ..............101 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................101 2 IDENTIFICANDO OS ATORES ENVOLVIDOS NO PROBLEMA PROPOSTO .................101 3 PROBLEMATIZANDO A RELAÇÃO ENTRE OS ATORES ......................................................105 4 APLICANDO A TEORIA À RELAÇÃO ENTRE OS ELEMENTOS .........................................108 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................113 RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................................118 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................119 UNIDADE 3 – FORMATAÇÃO E ESCRITA DA PESQUISA EM CIÊNCIA POLÍTICA ........121 TÓPICO 1 – ELABORANDO UM PROJETO DE PESQUISA CIENTÍFICA .............................123 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................123 2 NORMAS ABNT .................................................................................................................................123 2.1 PAPEL ..............................................................................................................................................125 2.2 PAGINAÇÃO .................................................................................................................................126 2.3 ALINHAMENTO ...........................................................................................................................126 2.4 MARGENS ......................................................................................................................................126 2.5 ESPAÇAMENTO............................................................................................................................128 2.6 FONTES ...........................................................................................................................................128 2.7 ESPAÇAMENTO............................................................................................................................129 2.8 NUMERAÇÃO PROGRESSIVA ..................................................................................................130 2.9 QUADROS ......................................................................................................................................130 3 ELEMENTOS PRÉ-TEXTUAIS, TEXTUAIS E PÓS-TEXTUAIS ...............................................1313.1 CAPA ...............................................................................................................................................133 3.2 FOLHA DE ROSTO .......................................................................................................................134 3.3 FICHA CATALOGRÁFICA ..........................................................................................................136 3.4 FOLHA DE APROVAÇÃO ...........................................................................................................136 3.5 SUMÁRIO .......................................................................................................................................137 3.6 ELEMENTOS TEXTUAIS .............................................................................................................138 3.7 ELEMENTOS PÓS-TEXTUAIS ....................................................................................................139 RESUMO DO TÓPICO 1......................................................................................................................141 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................142 TÓPICO 2 – A DEFINIÇÃO DAS VARIÁVEIS ...............................................................................145 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................145 2 O PROJETO DE PESQUISA .............................................................................................................145 2.1 PROBLEMA ....................................................................................................................................145 2.2 HIPÓTESES .....................................................................................................................................146 2.3 OBJETIVOS: GERAL E ESPECÍFICOS ........................................................................................146 2.4 JUSTIFICATIVA .............................................................................................................................147 XI 2.5 REFERENCIAL TEÓRICO ...........................................................................................................147 2.6 METODOLOGIA ..........................................................................................................................147 2.7 CRONOGRAMA ............................................................................................................................147 2.8 REFERÊNCIAS ..............................................................................................................................148 RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................................162 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................163 TÓPICO 3 – A ESCRITA CIENTÍFICA E A ANÁLISE DOS DADOS ........................................165 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................165 2 ESCREVENDO SUA PESQUISA ....................................................................................................165 3 A LINGUAGEM CIENTÍFICA .........................................................................................................167 4 VERIFICAÇÃO DE COERÊNCIA E COESÃO .............................................................................169 5 A IMPORTÂNCIA DA REVISÃO ..................................................................................................172 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................174 RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................................178 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................179 REFERÊNCIAS .......................................................................................................................................180 1 UNIDADE 1 O CONHECIMENTO CIENTÍFICO E A CIÊNCIA POLÍTICA OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de: • compreender o conceito de Ciência; • analisar o processo histórico de nascimento das Ciências Sociais; • compreender os parâmetros de construção do conhecimento científico; • ressaltar a importância da observação e da teoria; • auxiliar a escolha de um tema de pesquisa em Ciência Política; • evidenciar o processo de delimitação dos objetos de pesquisa. A primeira unidade está dividida em três tópicos. Ao fim de cada um deles, você encontrará um resumo dos conteúdos e autoatividades que contribuirão para a reflexão e análise dos temas abordados. TÓPICO 1 – PRODUZINDO CIÊNCIAS SOCIAIS TÓPICO 2 – OBSERVAÇÃO E TEORIZAÇÃO EM CIÊNCIA POLÍTICA TÓPICO 3 – IDEALIZANDO A PESQUISA EM CIÊNCIA POLÍTICA Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações. CHAMADA 2 3 TÓPICO 1 UNIDADE 1 PRODUZINDO CIÊNCIAS SOCIAIS 1 INTRODUÇÃO O primeiro tópico desta unidade abordará o conceito de Ciência como o pro- cesso de construção do conhecimento científico tal como se apresenta atualmente. Uma breve reconstrução histórica situará as Ciências Sociais em um campo do conhecimento científico e logo após serão trabalhados os conceitos de conhecimento empírico, pers- pectiva e teoria. Em seguida, a importância da observação e da teorização na produção de conhecimento em Ciência Política. Para finalizar, o ajudaremos a pensar em uma pesquisa científica relevante em Ciência Política, delimitando um tema e um objeto de pesquisa de acordo com as de- mandas políticas e interesses do pesquisador. Após trabalharmos os pontos supracita- dos estaremos prontos para caminhar rumo ao conhecimento dos métodos científicos fundamentais e prosseguirmos com os passos para a elaboração de um projeto de pes- quisa científica no campo da Ciência Política. 2 O QUE É CIÊNCIA E COMO SE PRODUZ O CONHECIMENTO CIENTÍFICO A maneira de produzir conhecimento mais aceita e propagada é a científica. Do latim, scientia, pode ser traduzido como “conhecimento” ou “saber”. Ciência é algo que reúne diversos conjuntos de saberes. O tipo de Ciência mais amplamente aceito nos tempos atuais é o que passa por rigorosos critérios e processos de análises de especialistas para ser considerado válido. É a esse tipo de produção de conheci- mento que daremos ênfase no decorrer da unidade, pois é o mais difundido e legiti- mado contemporaneamente. A ciência ocidental nasce em tempos de ascensão do Iluminismo quando as verdades estabelecidas, principalmente pela religião, começam a ser contestadas, abrindo espaço para um tipo de racionalidade baseada na observação e na experi- mentação. Os estudos sobre a natureza avançaram muito em tal período, intensi- ficando-se a partir de meados do Século XVIII, considerado o século das luzes no sentido de iluminação intelectual. Emerge a partir daí uma categoria de pensamento que resulta na propagação de algumas leis gerais que supostamente explicariam as coisas de maneira paralela às crenças teológicas predominantes na época. Rompe-se a ideia de que o mundo em que vivemos é fruto da criação de uma entidade superior que rege tudo e a todos. Nasce então a era da Ciência e do racionalismo metódico. UNIDADE 1 | O CONHECIMENTO CIENTÍFICO 4 Aqui utilizamos as palavras “nascimento”, “emergência” e/ou “gênese” con- siderando que os processos históricos ocorremde forma fluida, ou seja, as mudanças não ocorrem de forma brusca. Como exemplo, não podemos afirmar que o Iluminismo simplesmente surgiu da racionalidade humana de um dia para outro, porém podemos dizer que as ideias iluministas ganharam força e se espalharam gradativamente no curso da História. NOTA Mas o que é Ciência afinal? Essa é uma pergunta que talvez passe por boa parte de nossas vidas sem receber a devida atenção. Partindo de tal questio- namento que intitula a sua obra, Chalmers (1993) nos provoca acerca da defini- ção de ciência estar reduzida à produção de conhecimento da maneira ocidental precisamente com a ciência produzida na Academia. Para o autor, não existe um conceito ideal para ciência. É como se o conhecimento, considerado científico, necessitasse obrigatoriamente passar por critérios estabelecidos por teóricos que estudam o tema. Basta lembrar que teóricos conceituados, filósofos ou pessoas consideradas especialistas em determinadas áreas de conhecimento ainda são gente como eu e você, seres que foram construídos pelo tempo e pelo espaço nos quais nasceram e estão inseridos, condicionados a aprender e reproduzir o que o contexto os ensinou. Referindo-se à própria obra, Chalmers (1993, p. 197) afere: [...] que a pergunta que constitui o título desse livro é enganosa e arro- gante. Ela supõe que exista uma única categoria “ciência” e implica que várias áreas do conhecimento, a física, a biologia, a história, a sociologia e assim por diante se encaixam ou não nessa categoria. Não sei como se poderia estabelecer ou defender uma caracterização tão geral da ciência. Os filósofos não têm recursos que os habilitem a legislar a respeito dos critérios que precisam ser satisfeitos para que uma área do conhecimen- to seja considerada aceitável ou “científica”. Cada área do conhecimento pode ser analisada por aquilo que é. Ou seja, podemos investigar quais são seus objetivos – que podem ser diferentes daquilo que geralmente se consideram ser seus objetivos – ou representados como tais, e podemos investigar os meios usados para conseguir estes objetivos e o grau de su- cesso conseguido. Para melhor ilustrar a opinião do referido autor, consideremos o conhe- cimento que os brasileiros nativos possuíam acerca das plantas que compunham nossas florestas antes da chegada dos portugueses. O conhecimento sobre a ma- nipulação de tais plantas, passado verbalmente de geração em geração, poderia compor diversas enciclopédias medicinais, curativas e terapêuticas. Ao conside- rar esses saberes, lançamos mão de uma pergunta um tanto quanto provocativa: levando em conta que o conhecimento produzido por meio da experimentação dos povos que aqui habitavam – antes da colonização europeia – alcançava os seus objetivos, devemos ou não considerar esses saberes uma ciência? Deixamos que você reflita sobre o questionamento. TÓPICO 1 | PRODUZINDO CIÊNCIAS SOCIAIS 5 É importante salientar que nós, seres humanos, somos produtos de algo maior, de um lugar maior, de um meio e de um dado momento histórico e por isso não é lógico pensar que possuímos a capacidade de entender a totalidade das coisas. Para melhor compreensão do sentido de tal frase, consideremos que nas- cemos em uma sociedade que já estava aqui antes nós, que já possuía uma dinâ- mica de funcionamento, em que já existia pessoas trabalhando e se relacionando entre si. A maior parte do que somos é construída por tal contexto histórico-es- pacial. Portanto, muito conhecimento nos escapa pelo fato da impossibilidade de estarmos em todos os lugares ao mesmo tempo e durante muito tempo dada a nossa curta expectativa de vida. Portanto, é natural nos sentirmos dotados de pouco conhecimento de mundo ou de experiências, uma vez que só aprendemos aquilo que está ao nosso limitado alcance. A imagem a seguir dá uma ideia da complexidade com a qual nos deparamos durante nosso processo de descobertas. FIGURA 1 – REFLEXÃO SOBRE APRENDIZADO FONTE: <http://bit.ly/2PjgIdw>. Acesso em: 25 jul. 2019. Apesar do conceito de uma ciência ideal não ser considerado válido para alguns autores, a maneira como se produz a ciência contemporânea mais aceita continua sendo a produzida no interior de instituições acadêmicas, por meio de estudiosos dos mais diversos temas e assuntos pertinentes a nossa realidade. A metodologia científica torna-se a mais importante, pois rege nossas instituições, nossas impressões e nossos mais íntimos comportamentos. Quem nunca se deixou levar por consumir determinado alimento após saber que foi comprovado cientificamente que ele é benéfico para a saúde? Quem nunca optou por considerar a opinião de um mestre ou doutor em detrimento de uma pessoa que não estudou tanto determinado assunto? Pensando nisso, deve- mos considerar de suma importância o conhecimento científico produzido acade- micamente, pois é dominando a arte de argumentar, teorizar, comparar opiniões UNIDADE 1 | O CONHECIMENTO CIENTÍFICO 6 e compartilhar conhecimento de forma sistemática da maneira como ele é produ- zido hoje que se tem como aliada uma poderosa ferramenta capaz de transformar a realidade: o conhecimento científico. Nossos hospitais são regidos pela ciência produzida da maneira ocidental, o mesmo direito que dita os padrões de comportamento mais adequados à socie- dade também sofre influência dos conhecimentos científicos, as propagandas que consumimos, da mesma forma, possuem propriedades coercivas estudadas pela ciência. Enfim, caso queiramos que nossas ideias sejam bem aceitas e difundidas, é preponderante que elas passem pelos critérios acadêmicos de produção científica, pois nos dias de hoje é essa ciência que constrói nossa realidade, modifica antigas formas de pensar, transforma hábitos, constrói conceitos e teorias que instigam a mente humana e influenciam diretamente a evolução da espécie. Partindo do pressuposto de que a Ciência tem capacidade para modificar a realidade de maneira profunda, devemos tomar alguns cuidados quanto à legi- timidade e intencionalidade de determinadas informações produzidas no campo científico. Considerando que vivemos numa sociedade capitalista, alguns autores, como Giannotti (2002), acreditam que o conhecimento científico e/ou tecnológico é produzido para a manutenção do referido sistema. Tal fato implicaria a parcialidade das pesquisas científicas, ou seja, uma ciência que atende aos interesses de determi- nado grupo social privilegiado pela dinâmica vigente. Afinal, você e eu somos uma minoria que possui o privilégio de entrar em contato com a ciência e seus métodos de produção. Não ignoro que, em geral, as descobertas científicas continuam sendo feitas por pequenos grupos de investigadores trabalhando em rede, mas esse novo conhecimento somente se torna acessível como prática científi- ca depois que enormes investimentos o capacitam a virar um instrumento eletrônico, um remédio, um objeto de entretenimento e assim por diante. Isso abre o caminho para que grandes empresas controlem o movimento do complexo científico-tecnológico, visando assegurar vantagens estraté- gicas no mercado. Em poucas palavras: a ciência se subordina ao movi- mento do capital na medida em que este se torna processo reflexionante inteligente, o que modifica a estrutura concorrencial do mercado capi- talista, pois importa a cada empresa, antes de simplesmente obter mais lucro, ocupar posição estratégica diante de aliados e concorrentes, assim como obter conhecimento global do campo de sua atuação (GIANNOT- TI, 2002, p. 221-222). É válido afirmar que o processo de produção de conhecimento científico em um sistema capitalista implica investimentos financeiros, parcerias com quem dispõe de tais recursos e interferência dos mais diversos mercados. Mas podemos atribuir à ciência um papel revolucionário? Devemos utilizar a ciência a favor de interesses particulares ou coletivos? A ciência deve ser utilizada com que propó- sito? São perguntas que obedecem às particularidadesde cada pesquisador. Ao menos podemos afirmar com segurança que a ciência possui grande ca- pacidade transformadora, e cabe a você, futuro pesquisador, orientar suas pesquisas às demandas que julga de maior importância. Entretanto, um bom pesquisador deve TÓPICO 1 | PRODUZINDO CIÊNCIAS SOCIAIS 7 estar sempre atento a diversos desafios, como textos duvidosos e possíveis pesquisas tendenciosas. Uma vez que a produção do conhecimento científico atravessa a dinâ- mica econômica, tomemos sempre o cuidado de verificar a existência ou não de ten- dências economicistas de determinadas pesquisas, ou seja, pesquisas que objetivam estritamente a obtenção de lucro por parte de empresas, entidades ou pessoas. Po- demos concordar que a produção de conhecimento fica comprometida quando seu objetivo principal é a satisfação de anseios pessoais. Convém então, à ciência, a fim de garantir maior legitimidade as nossas pesquisas, ser uma importante ferramenta utilizada a favor da transformação do mundo em um lugar melhor. Sugestão de documentário: Doutrina do Choque (The Chock Doctrine), baseado no livro da jornalista canadense Naomi Klein, ressalta o poder do conhecimento científico produzido em universidades estadunidenses mostrando como uma teoria em economia pode transformar drasticamente a política de países sul-americanos inteiros. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Y4p6MvwpUeo. DICAS Quanto à produção de conhecimento científico na atualidade, podemos afir- mar que a ramificação das ciências possui aspectos positivos e negativos. A divisão acadêmica dos saberes por disciplinas isoladas como física, química, biologia, histó- ria, sociologia, e todas as outras matérias que existem e estão em constante processo de expansão, ajuda a aprofundar o conhecimento em cada área em particular. Afinal, concentrar esforços em determinado campo do saber aprofunda o aparato teórico e de informações sobre o segmento tornando a concepção acerca do objeto estudado mais próxima de sua real essência. Porém, ao mesmo tempo em que se aprofunda em dada área do saber afas- ta-se da totalidade da realidade, ou seja, analisando as partes separadamente perde- -se o sentido do todo. Ocorreu algo similar com a ascensão do modelo de produção industrial fordista que revolucionou o modo de produção de mercadorias em larga escala, limitando os operários a apenas uma etapa da produção de determinada mer- cadoria para agilizar o processo de fabricação. Os funcionários se aperfeiçoavam em apenas uma parte do processo, alienando o mesmo das demais etapas. Por exemplo: em uma fábrica de fogões, cada funcionário se incumbiria de uma parte do processo. Um deles prepararia o encanamento de gás enquanto, o outro, da montagem, e por conseguinte, um outro operário testaria o produto e assim por diante. O funcionário que prepara o encanamento não precisa necessariamente possuir conhecimentos do operariado responsável pela montagem e vice-versa. A alienação começa a partir do momento em que as funções são repartidas e o trabalho como um todo não se torna acessível aos membros da equipe de fabricação. UNIDADE 1 | O CONHECIMENTO CIENTÍFICO 8 A tirinha a seguir reflete como o conhecimento que é oferecido nas escolas modernas não é suficiente para a compreensão do que é de fato importante e urgente em nossa sociedade. FIGURA 2 – REFLEXÃO SOBRE INFORMAÇÃO E VALORES FONTE: <http://bit.ly/2Lv17GC>. Acesso em: 25 jul. 2019. A tirinha evidencia o fato de não sermos pessoas melhores, mais educa- das, mais sensíveis em relação ao próximo, em relação à natureza ou mesmo mais inteligentes apenas por possuir mais informações que outras pessoas. A vivência objetiva e interdisciplinar sim. Quando combinada com o conhecimento e experi- ência pode ser a chave para completar o indivíduo e, consequentemente, torná-lo um sujeito com potencial para modificar o mundo, embora sozinhos não sejamos suficientes para realizar mudanças significativas. Fragmentar o conhecimento pode significar fragmentar a realidade e fragmentando a realidade também se fragmen- tam as chances de compreender melhor os mais diversos problemas. Fragmentan- do a sociedade em meros indivíduos não associados e que não cooperam uns com os outros torna-se quase nula a busca por mudanças. O filme Tempos Modernos é um clássico quando o assunto é Revolução Industrial. Estrelado por Charles Chaplin, o longa-metragem nos traz reflexões sobre as condições de vida do operariado das mais diversas fábricas que passaram a adotar o modo de produção fordista. Trata-se de uma importante obra altamente aconselhada a quem ainda não viu. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=HAPilyrEzC4. DICAS Considerando as ponderações anteriores é importante afirmar que a produ- ção científica é um processo interdisciplinar. Quanto mais aspectos que transcendem o segmento a ser pesquisado forem considerados, mais fortemente embasado será o conhecimento produzido. Não conseguimos falar de física sem entrar no campo da matemática, assim como não conseguimos abordar a Ciência Política sem resgates TÓPICO 1 | PRODUZINDO CIÊNCIAS SOCIAIS 9 históricos, sociológicos, econômicos, entre outros aspectos. Busque produzir conhe- cimento utilizando bases interdisciplinares sólidas, pois não é possível conhecer ple- namente um objeto sem conhecer ao máximo os fatores que constituem este. 3 COMO EMERGE O CAMPO DAS CIÊNCIAS SOCIAIS E COMO SE APRESENTA NOS DIAS ATUAIS Para melhor nos situarmos nos estudos dos métodos de pesquisa em Ciência Política torna-se importante conhecermos um pouco sobre o processo de desenvolvi- mento do conhecimento científico que resultou o campo das Ciências Sociais, grande campo que abarca os estudos da Sociologia, Antropologia e Política. É interessante saber como a ciência das relações humanas em suas mais diversas categorias con- quistou seu espaço na produção formal de conhecimento e como se ramificou, tor- nando-se um amplo campo de pesquisas que nos ajuda a entender melhor a dinâmi- ca social. Conhecendo melhor as formas de analisar as Ciências Sociais alcançaremos uma visão mais completa, tanto das relações mais corriqueiras entre pessoas e/ou instituições que não costumamos problematizar cotidianamente, quanto de temas que podem transformar o mundo em que vivemos de maneira significativa. Você lerá diversas vezes o verbo “problematizar” ao folhear as páginas do presente material. Ele é utilizado para expressar um pensamento crítico e aprofundado lançado aos objetos de estudo. Problematizar significa pensar o objeto por meio de dife- rentes perspectivas, buscando sempre um modo de ver e raciocinar diferente, ampliando nossa criticidade e criatividade. É válido lembrar que as transformações na maneira de pensar do ser humano ao longo da História, especialmente a partir do Século XVIII, foram decisivas para o desenvolvimento do conhecimento que foge ao teologismo, em outras palavras, que rompe com os discursos religiosos que outrora fundamentavam a vida, o mundo e os mais diversos elementos com os quais o ser humano se deparou desde os primórdios de sua existência. Emergem as Ciências Naturais e a sua busca por fórmulas gerais, que buscavam explicações para os inúmeros fenômenos experimentados pela humanidade. Nasciam assim as Ciências Humanas e seus primeiros métodos. NOTA UNIDADE 1 | O CONHECIMENTO CIENTÍFICO 10 No início do Século XIX, finalmente, o projecto toma forma. É o tempo dos pioneiros, que têm por nome Boucher de Perthes, Alexander von Humboldt, Jules Michelet, Lewis Morgan e muitos outros. Alguns, como Auguste Comte, Karl Marx ou James Frazer, passaram a vida – em biblio- tecas – a construir grandes edifícios teóricos: teoria da sociedade, do capi- talismo, das mitologias da Humanidade inteira. Outros cruzam os ocea- nos, partindo ao encontro de povos cujos costumes e instituições querem compreender. Outros ainda – como Boucher de Perthes ou Edward Tylor – coleccionam, reúnem, classificame organizam verdadeiros museus pes- soais. Cada um a sua maneira participa na construção de um novo saber. Enquanto se completa a exploração do Planeta, parece começar a explora- ção do Homem (DORTIER, 2005, p. 11-12). Foi com base nas Ciências Naturais que se esboçaram as primeiras tentativas de entendimento do comportamento humano, tais como suas relações sociais e a maneira com a qual cooperam entre si. A primeira obra que evidencia o esforço dos primeiros intelectuais em explicar o comportamento humano baseando-se nos conhecimentos da natureza foi elaborada por Augusto Comte. O autor atribui o termo “física social” para então classificar os nascentes estudos da sociedade, inicialmente explicada com base em leis naturais. Os estudos de Comte, fundamentados na observação e na experimen- tação, representam para o autor o ápice da evolução intelectual humana. A obra comteana classifica em três etapas a evolução da mente humana. A primeira etapa, a chamada fase “teológica”, consiste em um pensamento que busca explicações existenciais com base na religião. Por exemplo: acreditava-se que a cria- ção da Terra e dos seres humanos seria obra dos deuses, portanto pouco importava a obra humana, uma vez que toda a existência se situava em mãos divinas. A segunda etapa na evolução da racionalidade é classificada pelo autor como fase “metafísi- ca”, na qual os seres humanos passariam a usar da abstração para tentar entender o mundo e os fenômenos que fazem parte dele, ou seja, utilizavam-se da imaginação para tentar entender as coisas. Era considerada a fase de transição entre a teológica e a última delas: a positivista. O positivismo, que para Comte é a fase mais evoluída do pensamento humano, consiste na explicação dos fatos por meio de leis obtidas na observação e na experimentação. O positivismo é baseado em tudo aquilo que é observável, permitindo aos se- res humanos a previsão dos acontecimentos em certa medida. A partir da possibilidade de prever determinadas coisas por meio da observação, teríamos essa vantagem para fortalecer a espécie humana. Ou seja, prevendo o resultado de algumas ações já ob- servadas antes pelas pessoas, poderíamos evitar ou realizar acontecimentos de acordo com nossas necessidades. Comte acredita que a ciência positiva é a mais evoluída e a que teria mais capacidade de elevação das condições de vida do ser humano. Aproveitando o assunto sobre observação, apresentamos a tirinha a seguir, que chama a atenção para a importância da curiosidade e da observação dos interes- sados em produzir ciência e que tem como objetivo descobrir coisas novas. No seguinte caso, o computador orienta as crianças a conceberem os estudos de for- ma com que produza novas descobertas, e elas, por sua vez, rompam com velhos pensamentos e/ou hábitos do passado. Observe: TÓPICO 1 | PRODUZINDO CIÊNCIAS SOCIAIS 11 FIGURA 3 – REFLEXÃO SOBRE O PODER DO CONHECIMENTO FONTE: <https://www.instagram.com/p/BpK0o9JhyNC/>. Acesso em: 7 ago. 2019. Como em todo curso da História, as coisas se transformaram e o pensamento lançado à sociedade, considerado ideal, não diferente de todo o resto, também se transforma, tornando as leis gerais ultrapassadas em relação às novas formas de pen- sar o ser humano e suas relações. Por volta dos anos 1860 iniciou um grande debate a esse propósito. Alguns pensam que é preciso aplicar ao estudo dos humanos o método que tanto êxito obte- ve as Ciências da Natureza: observação, medição, classificação, experimentação, in- vestigação de leis. Nesse espírito são criados laboratórios de Psicologia. A Economia que se quer científica decalca os modelos da Física. “Outros inclinam-se de preferên- cia para um novo método específico do estudo dos humanos e baseado na reconsti- tuição dos valores, das visões de mundo e dos universos mentais, pressupondo que as acções humanas, sempre mutáveis e singulares, não podem deixar-se encerrar em leis […]” (DORTIER, 2005, p. 12). Um próximo passo para compreender melhor a realidade seria o rompi- mento com as leis gerais que orientavam os estudos das Ciências Humanas com base na natureza. Na transição entre o fim do Século XIX e o início do Século XX, a fragmentação das Ciências Sociais culmina com a formalização da Sociologia por Émile Durkheim, na França, e na Alemanha, por Max Weber. Franz Boas (1974) e Marcel Mauss (1929) prosseguem com a repartição das Ciências Sociais em sub- campos e fornecem ao mundo as bases da Antropologia. Junto a tais disciplinas que ganharam sólidas delimitações no período, nascem revistas científicas em UNIDADE 1 | O CONHECIMENTO CIENTÍFICO 12 que as pesquisas sobre os campos recém-formados ganharam seus métodos com o passar dos anos. Desde então as revistas científicas são os meios mais reconhe- cidos de se produzir conhecimento científico. Conforme Dortier (2005), depois da Segunda Guerra Mundial intensifica- ram-se os incentivos aos estudos das Ciências Humanas com a criação, especial- mente a partir dos anos 1950, de inúmeras universidades e revistas que impulsio- naram o campo. A especialização subdivide tais ciências em diversas sociologias e antropologias e a tecnicização eleva o grau de complexidade dos métodos de validação das pesquisas. Por sua vez, o processo de profissionalização dá ori- gem a uma série de trabalhadores que estudam as Ciências Humanas, dentre eles: sociólogos, historiadores, antropólogos, demógrafos, psicólogos, geógrafos e muitos outros. Foi a partir da especialização dos sociólogos em política social que emerge o campo da Ciência Política. Para refletirmos sobre o dramático momento intelectual que estamos vivendo atualmente, sugerimos o livro Biopolítica, Educação e Segurança Pública: Tolerância Zero nas Escolas do Espírito Santo (2018). A obra de Ribeiro Júnior, Rosa e Torres trabalha a forma com que os governantes estão atacando a educação oferecida aos alunos de escolas públicas do Brasil em favor de um modelo educacional no qual principalmente as disciplinas mais reflexivas, como as Ciências Sociais, são substituídas por um ensino que distancia os alunos da realidade e dificulta a sua ação política. DICAS As Ciências Sociais atuais são constituídas pela Sociologia, Antropologia e Política. A ramificação em disciplinas facilitou a compreensão do grande campo das Ciências Sociais, cabendo a cada uma delas o aprofundamento dos subcampos se- paradamente. Mas é válido lembrar que não se explica de forma satisfatória cada um dos subcampos sem uma visão ampla de todos eles, agindo em conjunto rumo à efetiva compreensão da realidade da vida em sociedade. A Antropologia estuda basicamente os indivíduos, suas culturas e o proces- so de formação de cada uma delas em dado contexto histórico-espacial. Em outras palavras, estudam-se as pessoas e como se constroem como indivíduos, como se re- presentam dentro de suas culturas e como elas se adaptam ao contexto no qual estão inseridas, ou seja, o objeto de estudo da Antropologia é o principal sujeito das Ciên- cias Humanas: os seres humanos, seja separadamente ou em suas associações mais fundamentais. É comum estudarmos as características dos seres humanos de dife- rentes tempos e localidades como também suas religiões, a economia, seus costumes e de suas tribos, clãs e outras organizações. Já a Sociologia estuda não só as pessoas e os pequenos grupos aos quais per- TÓPICO 1 | PRODUZINDO CIÊNCIAS SOCIAIS 13 tencem, mas as interações entre os indivíduos e a sociedade como um todo, como divi- dem suas funções, como e com qual propósito trabalham além das estruturas formadas dentro de dada sociedade. Costuma-se estudar em Sociologia as instituições como a igreja, a polícia, o direito, a educação e diversos outros mecanismos que garantem o funcionamento da sociedade. Por fim, a Política trabalha mais precisamente as relações de poder entre Es- tado e sociedade. A Ciência Política trata de assuntos de interesse de todas as pessoas inseridas em dada sociedade. Como citamosanteriormente, todo e qualquer assunto pertinente as nossas vidas em sociedade é decidido por meio dela: a educação que re- cebemos, o tipo de alimentação, como acontece a produção dos nossos alimentos, como são distribuídos, o que é considerado crime ou não, as sansões penais direcionadas às pessoas que cometem crimes, quanto tempo de nossas vidas dedicamos ao trabalho, quando e se vamos realmente nos aposentar etc. Para melhor definirmos os conceitos de Antropologia, Sociologia e Ciência Po- lítica, elaboramos um quadro que evidencia cada um dos subcampos (disciplinas) ao qual as Ciências Sociais deram origem separadamente. A primeira coluna do Quadro 1 apresenta o nome de cada subcampo, enquanto a segunda coluna apresenta alguns dos elementos fundamentais de seus respectivos campos de pesquisa. Observe a seguir: QUADRO 1 – CONCEITOS DE ANTROPOLOGIA, SOCIOLOGIA E CIÊNCIA POLÍTICA CIÊNCIAS SOCIAIS Subcampo das Ciências Sociais Elementos estudados Antropologia - Indivíduos e suas características físicas e comportamentais. - O modelo de suas organizações. - Cultura: religião, hábitos alimentares etc. Sociologia - Relações entre Indivíduos e sociedade. - Instituições. - Divisão do trabalho. Ciência Política - Relações de poder entre Estado, Sociedade e Indivíduos. - Organização social. - Interesses. FONTE: O Autor O quadro anterior destaca (em negrito) os elementos centrais de cada campo de pesquisa. Em síntese, podemos dizer que o elemento central da pesqui- sa em Antropologia é o estudo das características físicas e comportamentais dos indivíduos. É claro que isso implica um estudo aprofundado de vários elementos que constroem os povos estudados. Já a Sociologia tem como foco as relações entre as pessoas e a sociedade como um todo, o qual também demanda estudos sobre toda a dinâmica social. E, finalmente, concebemos a Ciência Política como UNIDADE 1 | O CONHECIMENTO CIENTÍFICO 14 os estudos aprofundados sobre as relações de poder que nascem em sociedade. Tais relações envolvem indivíduos, Estado e Sociedade, concomitantemente. Considerando a amplitude do Campo das Ciências Sociais, podemos dizer que elas abrangem os elementos necessários para conhecermos tudo o que influencia a dinâmica das sociedades. Alinhadas à história e demais ciências humanas, as Ciên- cias Sociais são responsáveis por fornecerem tudo o que já foi registrado e que ainda está sendo estudado sobre a humanidade, a forma com que as pessoas se relacionam entre si e suas organizações. A imagem a seguir apresenta, dentre as diversas interpretações possíveis, a ideia da importância do caráter social do ser humano contemporâneo. Sua interde- pendência foi fator decisivo para a sobrevivência e evolução da espécie que desde os primórdios mostra-se preocupado com a forma de organizar e construir uma socie- dade sólida. Atualmente, em uma sociedade em que o trabalho coletivo se faz mais presente do que nunca, fazemos parte de um mecanismo em que somos ensinados e ensinamos a desenvolver instrumentos que facilitem nossas vidas, seja por meio de pesquisas ou por quaisquer outras formas de cooperação que criem melhores condi- ções de vida para a espécie. Cada um com sua função específica para que formemos uma coletividade de poder ainda mais transformadora. Para tanto, as Ciências So- ciais são ferramentas fundamentais a favor da evolução da espécie. FIGURA 4 – REFLEXÃO SOBRE A INTERDEPENDÊNCIA ENTRE OS SERES HUMANOS MODERNOS FONTE: <http://bit.ly/36262Xo>. Acesso em: 2 ago. 2019. As Ciências Sociais vêm trabalhando a favor da criação de mais ferramen- tas que auxiliem a lidar com uma infinidade de problemas com os quais os seres humanos sempre se depararam e os que ainda estão por vir. Assim, podemos utilizar os estudos em Ciências Sociais para criar e avaliar políticas públicas efi- cientes, uma vez que as pesquisas em tal área nos aproximam de distintas reali- dades sociais. Conhecer culturas diferentes enriquece a percepção de mundo do pesquisador, servindo como ferramenta a favor da descoberta de soluções para problemas sociais das mais diversas naturezas. A partir do estudo das Ciências Sociais conseguimos propor projetos edu- cacionais que fomentam o conhecimento de toda a sociedade, orientando-a para o TÓPICO 1 | PRODUZINDO CIÊNCIAS SOCIAIS 15 futuro das novas gerações. Facilita também a busca por projetos de um mercado mais justo para as pessoas, interferindo no modo de trabalhar, e consequentemente, na qualidade de vida dos indivíduos. Políticas de todas as naturezas e projetos sociais amplos e urgentes também implicam o bom uso das Ciências Sociais. Atualmente, as Ciências Sociais formam profissionais que atuam como pro- fessores, pesquisadores, palestrantes, consultores que atuam nas mais diversas áreas do mercado, entre outros. O curso de Ciências Sociais ofertado no Brasil, hodierna- mente, tem a duração média de quatro anos e sua grade curricular engloba outras disciplinas como educação, geografia, história, antropologia, economia, estatística, sociologia, filosofia, política e metodologia científica. Geralmente, as universidades oferecem as modalidades bacharelado e licenciatura. O bacharelado forma um pro- fissional habilitado para trabalhar com pesquisas e consultoria, enquanto a licencia- tura forma, além de pesquisadores, profissionais da educação como professores, tu- tores, dentre outras categorias. Já que entramos em um assunto que envolve trabalho, lembremos do quão acirrada está a busca por ocupações no cenário contemporâneo. As vagas de emprego estão cada vez mais escassas e o problema que vem se agravando pelo avanço do chamado capitalismo neoliberal já se torna mundial. Para refletirmos melhor acerca de um problema sobre o qual as Ciências Sociais trazem inúmeras contribuições, sugerimos o filme A procura da felicidade (2006). A obra fílmica apresenta um pouco do drama que um trabalhador honesto sofre em busca de sua ascensão financeira para sustentar o seu filho. Acesse o filme por meio do link: https://www.youtube.com/watch?v=krHi1m5sJuI. DICAS Considerando os múltiplos objetos estudados atualmente pelo campo das Ciências Sociais é válido afirmar que constitui uma importante ferramenta a favor da compreensão da realidade, seja formando professores, pesquisadores ou sim- plesmente despertando o interesse de curiosos. Portanto, o espaço que tais ciências ocuparam no mundo acadêmico foi decisivo e legítimo. A partir dos estudos dos indivíduos e das suas relações sociais ocorreram mudanças importantes no desen- volver da humanidade. Trabalharemos no próximo subtópico algumas formas de se fazer conhecimento científico em Ciências Sociais, além de algumas das principais exigências da sociedade acadêmica para produção do referido tipo de conhecimento. UNIDADE 1 | O CONHECIMENTO CIENTÍFICO 16 4 COMO PRODUZIR CONHECIMENTO CIENTÍFICO EM CIÊNCIAS SOCIAIS Já mencionamos que não existe um pacote de regras absolutas para fazer uma pesquisa considerada ideal. As pesquisas são fruto da curiosidade dos seres humanos: animais falhos e parte de um todo que talvez não possa ser plenamente compreendido. Porém, é possível que tenhamos capacidade de entender tudo aqui- lo que teve origem no ser humano, como as relações sociais e políticas, a história da humanidade e as suas maneiras de pesquisar, por exemplo. Richardson (2012) acredita que a pesquisa é um movimento fluido e contínuo que está sujeito a mudanças no decorrer do caminho. Ou seja, considerando que as pesquisas precisam partir de algum ponto inicial, e que existem poucos ou nenhum conhecimento sobre o tema estudado, estão sujeitas a erros e más interpretações que são de suma importância para o aperfeiçoamento do conhecimento. Para o autor: Não existe uma fórmula mágica e única para realizar uma pesquisa ide- al; talvez não exista nem existirá uma pesquisa perfeita. A investigação é um produto humano, e seus produtores são seres falíveis. Isto é algo importante queo principiante deve ter 'em mente': fazer pesquisa não é privilégio de alguns poucos gênios. Precisa-se ter conhecimento da rea- lidade, algumas noções básicas da metodologia e técnicas de pesquisa, seriedade e, sobretudo, trabalho em equipe e consciência social. Evidente- mente, é muito desejável chegar a um produto acabado, mas não é motivo de frustração obter um produto imperfeito. É melhor ter um trabalho de pesquisa imperfeito a não ter trabalho nenhum. Os diversos problemas que surgem no processo de pesquisa não devem desencorajar o princi- piante, pois a experiência lhe permitirá enfrentar as dificuldades e obter produtos adequados (RICHARDSON, 2012, p. 15). O autor evidencia que apesar da inexistência de uma “fórmula mágica” que nos leve a uma pesquisa completa e incontestável, além de precisarmos enfrentar erros e inconsistências ao buscar um novo conhecimento, existem diversas maneiras de se fazer uma pesquisa de forma mais séria, organizada e bem fundamentada. O ser hu- mano desenvolveu por meio de gerações inúmeras observações, experiências, erros e frustrações, alguns meios que facilitam nosso caminho em busca de uma pesquisa que acrescente conhecimento aos nossos pares. Para tanto, nós seres humanos desenvol- vemos métodos e técnicas científicas que abordaremos com mais precisão nos tópicos seguintes. Por agora, consideraremos apenas o que é fundamental para a realização de pesquisas científicas consideradas consistentes no campo das Ciências Sociais. Um importante fator que não podemos deixar de considerar em uma pes- quisa de cunho social é o contexto histórico-espacial. A reconstrução da história é de fundamental importância para ampliarmos nossas noções acerca do fenômeno so- cial estudado. Devemos considerar também que em lugares diferentes os fenômenos sociais se desenvolvem de maneiras diferentes. Quanto mais nos aprofundamos na história e reconstruímos os contextos espacial e social, melhor conseguimos situar o problema investigado na realidade. TÓPICO 1 | PRODUZINDO CIÊNCIAS SOCIAIS 17 Outro elemento constituinte de qualquer pesquisa, seja ela social ou não, é a teoria. A teoria é basicamente um conjunto de argumentos articulados de maneira coerente para explicar determinado fenômeno. Para Richardson (2012), as Ciências Sociais possuem tanto a função de criar quanto de contestar teorias por meio das pesquisas e da comparação entre elas, além de resolver problemas específicos da sociedade. Quando o objetivo de uma pesquisa é resolver um determinado tipo de problema, ela se limita apenas a isso. A função da pesquisa se limita estritamente à resolução de dado problema, abrindo mão da formulação de teorias, porém o pes- quisador pode utilizar uma ou mais teorias para fundamentar os seus estudos. Por exemplo: em uma pesquisa que investiga os motivos da mortalidade infantil em de- terminada zona periférica de uma cidade, um pesquisador apresenta tanto a teoria da fome quanto a da doença. Para resolver aquele problema objetivo, o pesquisador associa ambas teorias à miséria vivida naquele contexto e propõe políticas públicas que objetivam a assistência àquelas pessoas. Quando se pesquisa para resolver problemas é comum a utilização de teorias já colocadas em evidência para tentar explicar determinados fenômenos ou associar a outros. No exemplo do parágrafo anterior não se cria nem se contesta nenhuma teoria, apenas utiliza-se uma antecessora, a teoria da fome e da doença associada à miséria, para explicar dado fenômeno e logo após propor uma solução com base em ambos os estudos. Agora, quando a pesquisa é feita para criar uma teoria, o pesquisador deve buscar a associação entre os fatos observados e uma possível explicação. Como o campo das Ciências Sociais é relativamente novo, ainda se cria muita teoria nos dias de hoje para tentar explicar alguns fenômenos sociais. Como exemplo, podemos citar uma pesquisa sobre os efeitos da utilização de agrotóxicos em hortaliças no número de pessoas com câncer que se alimentam desses mesmos vegetais em dada comuni- dade. Ao considerar que os produtos utilizados nas lavouras causam mutações em células humanas, teoriza-se que o número de casos de câncer na comunidade estu- dada pode estar associado à elevação dos níveis dos produtos químicos nas lavouras que alimentam essas pessoas. Podemos utilizar o mesmo exemplo citado anteriormente para consideramos uma contestação de teoria. Imaginando que uma das empresas que fabrica os agro- tóxicos realiza uma pesquisa argumentando que seus produtos não causam efeito nocivo algum em seres humanos, pode-se facilmente negar a teoria da pesquisa an- terior. A pesquisa torna-se ainda mais legítima se a empresa em questão realizar um estudo sobre as possíveis causas da elevação do número de pessoas com câncer na dada comunidade. Considerando tais tipos de pesquisa, o pesquisador pode se enveredar por vários caminhos ao desenvolver uma pesquisa, e tal fato demanda uma série de cui- dados e uma postura por parte do pesquisador. Richardson (2012) acredita que o pesquisador deve estar sempre preparado para contestar tudo, inclusive sua própria UNIDADE 1 | O CONHECIMENTO CIENTÍFICO 18 maneira de pensar o problema. A pessoa que estuda alguma afirmação sobre deter- minado fenômeno social deve sempre ficar atento à veracidade ou falsidade desta e como medir o grau de veracidade ou falsidade da afirmação. Para muitos, tal atitude pode parecer algo estranho, pois o sistema edu- cacional transmite uma visão absolutista do saber (talvez seja mais fácil ensinar dogmaticamente que expressar dúvidas, intranquilidades ou inquietudes). Assim, a atitude do pesquisador exige reorganização do conceito de saber, nova visão que permita reconhecer a incerteza, falta de clareza, relatividade, instrumentalização e ambiguidade do conceito "verdade científica". Essa posição pode levar a importantes avanços na produção e democratização do saber, muito mais que a simples aceitação, não questionada, do que aparece nos livros e mentes dos especialistas (RI- CHARDSON, 2012, p. 18). Quanto mais contestada for a verdade apresentada ao pesquisador, mais ele se afastará das “certezas absolutas” que contaminam o mundo científico. A humilda- de do pesquisador, ao aceitar críticas e novas teorias que contestem as criadas por ele, constitui-se como um ponto forte em sua produção científica. Estar aberto a novas ideias é de fundamental importância para a evolução da ciência e, consequentemen- te, da humanidade. Os fatos muitas vezes não condizem com nossas expectativas, ao contrário, frustram-nos ou nos aproximam de uma realidade dolorosa. Mas apenas o exercício de enfrentar as coisas como elas são é que nos aproximam da resolução de nossos problemas cotidianos. Observe a figura a seguir: FIGURA 5 – REFLEXÃO SOBRE A FUGA DA VERDADE FONTE: <http://bit.ly/38fUf9B>. Acesso em: 7 ago. 2019. A imagem anterior reflete a busca humana por conforto diante da dura realidade comumente enfrentada em meio à sociedade. As mazelas da rotina, do trabalho exploratório, da falta de propósito e muitas outras aflições políticas mui- tas vezes são confortadas com informações inúteis, entretenimento ou outras ati- vidades que afastam as pessoas da realidade. Logo, a resolução desses problemas torna-se mais distante, o qual nos leva a crer que pesquisar e buscar compreender o mundo como ele realmente é apresenta-se como um trabalho fundamental para toda a humanidade. TÓPICO 1 | PRODUZINDO CIÊNCIAS SOCIAIS 19 Atualmente, contesta-se até a afirmação de que todo efeito possui uma causa, ou seja, duvidamos que exista uma explicação alcançável para todo tipo de fenômeno ou coisa. Porém, a ciência moderna demanda respostas, medições e classificações, e ela é, em sua maior parte, indutiva. Ou seja, induz o pesquisador a aceitar uma série de ideias de outros autores. Isso se deve pelo simples fato de que algumas afirmações só chegaram ao restante das pessoas por meio de suas pesquisas.Ao considerarmos a experiência de um autor estudado, acabamos por consi- derar uma série de outras suposições que muitas vezes não são válidas. Por isso, apre- senta-se como uma das melhores maneiras nos aproximarmos da realidade por meio de pesquisas científicas, o estabelecimento de um sólido trabalho em grupo, pois o conhecimento científico nada mais é do que um grande e contínuo trabalho coletivo, levando em consideração que são estudos divulgados por determinado estudioso e aperfeiçoado por outros. Pode-se aprender muito por meio de observações, troca de experiências entre pesquisadores ou não, leituras não acadêmicas, entre outras fon- tes de conhecimento não formais. Mas o conhecimento científico produzido no meio acadêmico é o que passa por um rigor maior em termos de técnicas e métodos. O método científico pode ser considerado como um telescópio: diferen- tes lentes, aberturas e distâncias produzirão formas diversas de ver a natureza. O uso de apenas uma vista não oferecerá uma representação adequada do espaço total que desejamos compreender. Talvez diversas vistas parciais permitam elaborar um 'mapa' tosco da totalidade procu- rada. Apesar de sua falta de precisão, o 'mapa' ajudará a compreender o território em estado (RICHARDSON, 2012, p. 19). A reflexão anterior ressalta como a produção do conhecimento científico é indissociável do trabalho em equipe. Um só ser humano não é o suficiente para compreender sozinho toda a complexidade dos problemas sociais. As Ciências So- ciais foram e sempre serão fruto de um constante trabalho coletivo, tendo em vista que um grupo concentra muito mais leituras, experiências de vida, perspectivas, sensibilidade e história do que indivíduos trabalhando separadamente. O filme Capitão Fantástico (2016) apresenta a experiência de uma família que vive de forma alternativa os padrões sociais mais comuns. Em meio a uma floresta, um pai cria seus filhos ensinando, além do conteúdo de livros, vivências que não se aprendem dentro do muro de escolas ou no seio da família. A arte ressalta a importância de colocar em prática os conhecimentos e teorias adquiridas no decorrer da vida, porém, explicita a incompletude e a falta de sentido de uma existência alheia ao convívio social, uma vez que tudo o que aprendemos, produzimos e construímos foram fruto de gerações de trabalho humano coletivo. A obra pode ser acessada na plataforma do YouTube por meio do link: https://www.youtube.com/watch?v=ZdKtZXNJu9Q. DICAS UNIDADE 1 | O CONHECIMENTO CIENTÍFICO 20 Temos até aqui que a produção do conhecimento científico se apresenta como o possuidor de métodos mais complexos e eficientes de tabulação de dados de pesquisa, apesar de não ser a única forma de produzir conhecimento. Termina- da uma breve explicação sobre os aspectos gerais da produção de conhecimento científico no campo das Ciências Sociais, apresentaremos a seguir os principais ele- mentos de uma pesquisa científica em Ciência Política. TÓPICO 1 | PRODUZINDO CIÊNCIAS SOCIAIS 21 PRIMEIRAS PALAVRAS Paulo Freire Gostaria de tecer uns poucos comentários nesta espécie de conversa direta com os seus prováveis leitores em torno de dois ou mais pontos de reflexão político- -pedagógica a eles sempre presente. O primeiro a sublinhar é a posição em que me acho, criticamente em paz com minha opção política, em interação com minha prática pedagógica. Posição não dogmática, mas serena, firme, de quem se encontra em permanente estado de busca, aberto à mudança, na medida mesma em que, de há muito, deixou de estar demasia- do certo de suas certezas. Quanto mais certo de que estou certo me sinto convencido, tanto mais corro o risco de dogmatizar minha postura, de congelar-me nela, de fechar-me sectariamente no ciclo de minha verdade. Isto não significa que o correto seja “perambular” irresponsavelmente, receo- so de afirmar-me. Significa reconhecer o caráter histórico de minha certeza. A histori- cidade do conhecimento, a sua natureza de processo em permanente devir. Significa reconhecer o conhecimento como uma produção social que resulta da ação e reflexão, da curiosidade em constante movimento de procura. Curiosidade que terminou por se inscrever historicamente na natureza humana e cujos objetos se dão na História como na prática histórica e se gestam e se aperfeiçoam os métodos de aproximação aos objetos de que resulta a maior ou menor exatidão dos achados. Métodos sem os quais a curiosidade, tornada epistemológica, não ganharia eficácia. Mas, ao lado das certezas históricas em torno das quais devo estar sempre aberto à espera da possibili- dade de revê-las, eu tenho certezas ontológicas também. Certezas ontológicas, social e historicamente fundadas. Por isso é que a preocupação com a natureza humana se acha tão presente em minhas reflexões. Com a natureza humana constituindo- -se na História mesma e não antes ou fora dela. É historicamente que o ser humano veio virando o que vem sendo: não apenas um ser finito, inconcluso, inserido num permanente movimento de busca, mas um ser consciente de sua finitude. Um ser que vocacionado para ser mais pode historicamente, porém, perder seu endereço e distorcendo sua vocação desumanizar-se. A desumanização, por isso mesmo, não é vocação, mas distorção da vocação para o ser mais. Por isso, digo num dos textos deste volume que toda prática pedagógica ou não que trabalhe contra este núcleo da natureza humana é imoral. Esta vocação para o ser mais que não se realiza na inexistência de ter, na indigência, demanda liberdade, possibilidade de decisão, de escolha, de autonomia. Para que os seres humanos se movam no tempo e no espaço no cumprimento de sua vocação, na realização de seu destino, obviamente não no sentido comum da palavra, LEITURA COMPLEMENTAR UNIDADE 1 | O CONHECIMENTO CIENTÍFICO 22 como algo a que se está fadado, como sina inexorável, é preciso que se envolvam permanentemente no domínio político, refazendo sempre as estruturas sociais, eco- nômicas, em que se dão as relações de poder e se geram as ideologias. A vocação para o ser mais, enquanto expressão da natureza humana fazendo-se na História, precisa de condições concretas sem as quais a vocação se distorce. Sem a luta política, que é a luta pelo poder, essas condições necessárias não se criam. E sem as condições necessárias à liberdade, sem a qual o ser humano se imobili- za, é privilégio da minoria dominante quando deve ser apanágio seu. Faz parte ainda e necessariamente da natureza humana que tenhamos nos tornado este corpo consciente que estamos sendo. Este corpo em cuja prática com outros corpos e contra outros cor- pos, na experiência social, se tornou capaz de produzir socialmente a linguagem, de mudar a qualidade da curiosidade que tendo nascido com a vida se aprimora e se apro- funda com a existência humana. Da curiosidade ingênua que caracterizava a leitura pouco rigorosa do mundo à curiosidade exigente, metodizada com rigor que procura achados com maior exatidão. O que significou mudar também a possibilidade de co- nhecer, de ir mais além de um conhecimento opinativo pela capacidade de apreender com rigor crescente a razão de ser do objeto da curiosidade. Um dos riscos que necessariamente correríamos ao ultrapassar o nível mera- mente opinativo de conhecer com a metodização rigorosa da curiosidade, era a ten- tação de supervalorizar a ciência e menosprezar o senso comum. Era a tentação que se concretizou no cientificismo que ao absolutizar de tal maneira a força e o papel da ciência, terminou por quase magicizá-la. É urgente, por isso mesmo, desmitificar e des- mistificar a ciência, quer dizer, pô-la no seu lugar devido, respeitá-la, portanto. O corpo consciente e curioso que estamos sendo capaz de compreender, de inteligir o mundo, de nele intervir técnica, ética, estética, científica e politicamente. Consciência e mundo não podem ser entendidos separadamente, dicotomiza- damente, mas em suas relações contraditórias.Nem a consciência é a fazedora arbitrá- ria do mundo, da objetividade, nem dele puro reflexo. A importância do papel interferente da subjetividade na História coloca de modo especial a importância do papel da educação. Se os seres humanos fossem puramente determinados e não seres “progra- mados para aprender” não haveria por que, na prática educativa, apelarmos para a capacidade crítica do educando. Não havia por que falar em educação para a deci- são, para a libertação. Mas, por outro lado, não havia também por que pensar nos educadores e nas educadoras como sujeitos. Não seriam sujeitos, nem educadores, nem educandos, como não posso considerar Jim e Andra, meu casal de cães pastores alemães, sujeitos da prática em que adestram seus filhotes, nem a seus filhotes objetos daquela prática. Lhes falta a decisão, a faculdade de, em face de modelos, romper com um, optar por outro. TÓPICO 1 | PRODUZINDO CIÊNCIAS SOCIAIS 23 A nossa experiência, que envolve condicionamentos, mas não determinismo, implica decisões, rupturas, opções, riscos. Vem se fazendo na afirmação, ora da au- toridade do educador que, exacerbada, anula a liberdade do educando, caso em que este é quase objeto, ora na afirmação de ambos, respeitando-se em suas diferenças, caso em que são, um e outro, sujeitos e objetos do processo, ora pela anulação da au- toridade, o que implica um clima de irresponsabilidade. No primeiro caso, temos o autoritarismo; no segundo, o ensaio democrático; no terceiro, o espontaneísmo licencioso. No fundo, conceitos – autoritarismo, ensaio democrático, espontaneísmo – que só fomos capazes de inventar porque, primeiro, somos seres programados, condicionados e não determinados; segundo, porque, an- tes de inventá-los, experimentamos a prática abstratizada por eles. Enquanto condicionados nos veio sendo possível refletir criticamente sobre o próprio condicionamento e ir mais além dele, o que não seria possível no caso do determinismo. O ser determinado se acha fechado nos limites de sua determinação. A prática política que se funda na compreensão mecanicista da História, re- dutora do futuro a algo inexorável, “castra” as mulheres e os homens na sua capaci- dade de decidir, de optar, mas não tem força suficiente para mudar a natureza mes- ma da História. Cedo ou tarde, por isso mesmo, prevalece a compreensão da História como possibilidade, em que não há lugar para as explicações mecanicistas dos fatos nem tampouco para projetos políticos de esquerda que não apostam na capacidade crítica das classes populares. Neste sentido, aliás, as lideranças progressistas que se deixam tentar pelas táticas emocionais e místicas por lhes parecerem mais adequadas às condições his- tórico-sociais do contexto, terminam por reforçar o atraso ou a imersão em que se acham as classes populares devido aos níveis de exploração e submissão a que se acham tradicionalmente submetidas pela realidade favorável às classes dominantes. Obviamente que seu equívoco não está em respeitar seu estado de preponderante- mente imersas na realidade, mas em não problematizá-las. E assim que se impõe o reexame do papel da educação que, não sendo faze- dora de tudo é um fator fundamental na reinvenção do mundo. Na pós-modernidade progressista, enquanto clima histórico pleno de otimis- mo crítico, não há espaço para otimismos ingênuos nem para pessimismos acabru- nhadores. Como processo de conhecimento, formação política, manifestação ética, pro- cura da boniteza, capacitação científica e técnica, a educação é prática indispensá- vel aos seres humanos e deles específica na História como movimento, como luta. A História como possibilidade não prescinde da controvérsia, dos conflitos que, em si mesmos, já engendrariam a necessidade da educação. O que a pós-modernidade progressista nos coloca é a compreensão real- mente dialética da confrontação e dos conflitos e não sua inteligência mecanicista. UNIDADE 1 | O CONHECIMENTO CIENTÍFICO 24 Digo realmente dialética porque muitas vezes a prática assim chamada é, de fato, puramente mecânica, de uma dialética domesticada. Em lugar da decretação de uma nova História sem classes sociais, sem ideologia, sem luta, sem utopia, e sem sonho, o que a cotidianidade mundial nega contundentemente, o que temos a fazer é repor o ser humano que atua, que pensa, que fala, que sonha, que ama, que odeia, que cria e recria, que sabe e ignora, que se afirma e que se nega, que constrói e destrói, que é tanto o que herda quanto o que adquire, no centro de nossas preocupações. Restaurar assim a significação profunda da radicalidade. A radicalidade de meu ser, enquanto gente e enquanto mistério, não permite, porém, a inteligência de mim na estreiteza da singularidade de apenas um dos ângulos que só aparentemente me explica. Não é possível entender-me apenas como classe, ou como raça ou como sexo, mas, por outro lado, minha posição de classe, a cor de minha pele e o sexo com que cheguei ao mundo não podem ser esquecidos na análise do que faço, do que penso, do que digo. Como não pode ser esquecida a experiência social de que participo, minha formação, minhas crenças, minha cultura, minha opção política, minha esperança. Me darei por satisfeito se os textos que se seguem provocarem os leitores e leitoras no sentido de uma compreensão crítica da História e da educação. São Paulo, abril de 1993. FONTE: FREIRE, Paulo. Política e Educação: ensaios. São Paulo: Cortez, 2001, 4 p. 25 Neste tópico, você aprendeu que: • O conceito de ciência está relacionado ao conhecimento e ao saber. • Outros tipos de saberes não metódicos também podem ser considerados válidos, porém, o conhecimento mais respeitado contemporaneamente é o conhecimento científico. • O conhecimento científico é uma importante ferramenta utilizada a favor da modi- ficação da realidade. • É fundamental considerar o caráter interdisciplinar da ciência para se aproximar o máximo possível da realidade. • São necessários cuidados ao conceber estudos científicos como verdadeiros dada a possibilidade de manipulação de informações a favor de interesses privados. • As Ciências Sociais são um campo do saber relativamente novo e se subdivide em Sociologia, Antropologia e Ciência Política. • Produzir Ciências Sociais demanda forte consideração da História, observação, sensibilidade social e sucessivas tentativas de se estabelecer uma pesquisa consis- tente. • As Ciências Sociais são um construto coletivo e metódico que colabora com o de- senvolvimento da humanidade. RESUMO DO TÓPICO 1 26 1 Desde os seus primórdios, o ser humano produz conhecimentos que são passa- dos para as posteriores gerações e que garantiram a sobrevivência da espécie. O aperfeiçoamento da maneira com a qual aprendemos as coisas culminou com o que hoje chamamos de conhecimento científico. Considerando o que você aprendeu sobre o processo de produção de conhecimento que o ser humano desenvolveu com o passar dos anos, analise as sentenças a seguir, marcando V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas: a) ( ) Tudo o que o ser humano produz em termos de informação é considerado conhecimento científico. b) ( ) A ciência produzida pela Academia é o modelo mais respeitado de produ- ção de conhecimento na atualidade devido ao seu rigor metodológico. c) ( ) Por meio da ciência, o ser humano tem a capacidade de mudar a realidade objetiva do mundo. d) ( ) Apesar de rigorosamente estruturada, a pesquisa científica não sai do cam- po da teoria, sendo pouco útil na resolução de problemas reais. Agora, assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) F-V-V-V. b) ( ) F-V-V-F. c) ( ) V-V-F-F. d) ( ) F-V-F-V. 2 As Ciências Sociais constituem o grande campo que abarca a Sociologia, a An- tropologia e a Ciência Política. Tais áreas se incumbem de estudar o ser humano e suas relações em suas mais diversas nuances. Sobre o objeto de estudo de cada uma das subáreas das Ciências Sociais, assinale a opção que apresenta a afirma- tiva INCORRETA:
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