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JJoosséé EEuurrííaalloo ddooss RReeiiss IINNCCOONNFFIIDDÊÊNNCCIIAA MMIINNEEIIRRAA MMaannuussccrriittooss ddoo IInnssttiittuuttoo HHiissttóórriiccoo ee GGeeooggrrááffiiccoo ddee MMiinnaass GGeerraaiiss -- IIHHGGMMGG:: TTrraannssccrriiççããoo,, EEddiiççããoo ee GGlloossssáárriioo.. BBeelloo HHoorriizzoonnttee -- MMGG 22001100 José Euríalo dos Reis IINNCCOONNFFIIDDÊÊNNCCIIAA MMIINNEEIIRRAA MMaannuussccrriittooss ddoo IInnssttiittuuttoo HHiissttóórriiccoo ee GGeeooggrrááffiiccoo ddee MMiinnaass GGeerraaiiss -- IIHHGGMMGG:: TTrraannssccrriiççããoo,, EEddiiççããoo ee GGlloossssáárriioo.. Belo Horizonte - MG 2010 José Euríalo dos Reis IINNCCOONNFFIIDDÊÊNNCCIIAA MMIINNEEIIRRAA MMaannuussccrriittooss ddoo IInnssttiittuuttoo HHiissttóórriiccoo ee GGeeooggrrááffiiccoo ddee MMiinnaass GGeerraaiiss -- IIHHGGMMGG:: TTrraannssccrriiççããoo,, EEddiiççããoo ee GGlloossssáárriioo.. Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Estudos Linguísticos - POSLIN da Faculdade de Letras - FALE da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em Estudos Linguísticos. Área de Concentração: Estudos Linguísticos. Linha de Pesquisa: B - Variação e Mudança. Orientadora: Profª Drª Maria Cândida Trindade Costa de Seabra Belo Horizonte - MG 2010 Dissertação defendida por José Euríalo dos Reis em ____ de setembro de 2010 e ______________ pela Banca Examinadora constituída pelas Professoras Doutoras relacionadas abaixo: _____________________________________________________________________ Maria Cândida Trindade Costa de Seabra - UFMG Orientadora _____________________________________________________________________ Maria Antonieta de Amarante Mendonça Cohen - UFMG _____________________________________________________________________ Clotilde de Almeida Azevedo Murakawa - UNESP RESUMO Esta dissertação, amparada em princípios da Sociolinguística Laboviana (LABOV, 1972) e em trabalhos de Matoré (1953), Haensch (1982), Biderman (1984), Coseriu (1991), Barbosa (1996) e Isquerdo (1998), apresenta imagens de originais manuscritos da e sobre a Inconfidência Mineira do acervo do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais - IHGMG, sua transcrição e sua edição semidiplomática, seguidas de glossário com partes geral e toponímica. As entradas desse glossário são constituídas por lemas relativos à Inconfidência, a entidades nela envolvidas, a atividades laborais em geral, à mineração (especificamente) e ao patrimônio dos inconfidentes e de pessoas a eles vinculadas. Mostra-se, no texto, o léxico dos documentos e conjuntos documentais que serviram de base para o glossário e as interrelações e imbricações que se estabelecem entre língua, escrita, léxico, sociedade, história e cultura, contextos histórico- geográfico (Portugal, Brasil, Angola e Moçambique) e biográfico (súmulas biográficas de atores sociais ligados ao movimento). Estampam-se, então, alguns elementos do léxico presentes nesses testemunhos linguísticos e históricos, para posteriores estudos, e indicam-se temas potenciais para pesquisas de Linguística de corpus. Palavras-chave: Léxico, Linguística, Paleografia, História, Cultura, Inconfidência Mineira. ABSTRACT This work, supported by principles of the Labovian Sociolinguistics (LABOV, 1972) and based on works done by Matoré (1953), Haensch (1982), Biderman (1984), Coseriu (1991), Barbosa (1996), and Isquerdo (1998) presents images of original manuscripts of the Minas Conspiracy collection of the Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais - IHGMG, its transcription and its semi-diplomatic edition, followed by a glossary (with general and toponymic items). The entries of this glossary are lemmas related to the conspiracy, to entities involved in it, work activities in general, mining (specifically) and goods of the conspirators and people related to them. The text shows the lexicon of the documents which formed the basis for the glossary and the interrelationships and overlaps that are established among between language, spelling, vocabulary, society, history and culture, historical and geographical (Portugal, Brazil, Angola and Mozambique) and biographical contexts (biographical overviews of social actors linked to the movement). Some elements of the lexicon of these linguistic and historical testemonies are presented, and some potential themes for for research in corpus linguistics are pointed out. Keywords: Lexicon, Linguistics, Paleography, History, Culture, Inconfidência Mineira. LISTA DE ABREVIATURAS adj. – adjetivo adv. – advérbio art. – artigo c. – circa CD – CD-ROM cf. – conforme Doc. – Documento etc. – etcetera FIG. – Figura Fól. – Fólio H. – Houaiss IHGMG – Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais L. – Linha M. – Manuscrito N/C – Não Consta NCf – Nome Composto feminino NCm – Nome Composto masculino n/d – não-dicionarizada n/e – não encontrado prep. – preposição pron. – pronome PHPB – Projeto Para a História do Português do Brasil QUAD. – Quadro s.f. – substantivo feminino s.m. – substantivo masculino s/ – sem TAB. – Tabela VOLP – Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa v. – verso v. – verbo r. – recto Agradecimento e dedicação deste modesto trabalho a Deus — que tudo sabe e (a) tudo assiste — à Senhora Sant’Ana — de minha especial devoção —, à Senhora e à Irmandade do Rosário, à Guarda de Moçambique Nossa Senhora do Rosário e São João Batista, aos meus pais, a familiares, a amigos(as) e à minha competente e paciente incentivadora e orientadora acadêmica — Profª Drª Maria Cândida Trindade Costa de Seabra —, que respeitou minhas limitações e acreditou mais neste trabalho do que eu, à Profª Drª Maria Tereza de Camargo Biderman (in memoriam), aos membros desta Banca de Mestrado, bem como a muitos(as) que sabem e a muitos(as) que não sabem que ajudaram muito nesse processo de aprendizagem, pedindo eu que Deus os(as) recompense e que Seu Divino Espírito Santo ilumine a todos(as), sempre! Conto ao senhor é o que eu sei e o senhor não sabe; mas principal quero contar é o que não sei se sei, e que pode ser que o senhor saiba. João Guimarães Rosa (ROSA, 1958, p. 217) LISTA DE ABREVIATURAS adj. – adjetivo adv. – advérbio art. – artigo c. – circa CD – CD-ROM cf. – conforme Doc. – Documento etc. – etcetera FIG. – Figura Fól. – Fólio H. – Houaiss IHGMG – Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais L. – Linha M. – Manuscrito N/C – Não Consta NCf – Nome Composto feminino NCm – Nome Composto masculino n/d – não-dicionarizada n/e – não encontrado prep. – preposição pron. – pronome PHPB – Projeto Para a História do Português do Brasil QUAD. – Quadro s.f. – substantivo feminino s.m. – substantivo masculino s/ – sem TAB. – Tabela V – Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa v. – verso v. – verbo r. – recto LISTA DE FIGURAS Figura - A Lexicologia e suas ciências vizinhas ..................................................................... 29 Figura 2 – Triângulo de Baldinger I ........................................................................................32 Figura 3 – Triângulos de Baldinger II ...................................................................................... 32 Figura 4 – Emblema da Inconfidência Mineira ...................................................................... 50 Figura 5 – Assinatura da Declaração da Independência dos Estados Unidos da América Quadro de John Trumbull (1756-1843) .................................................................................. 50 LISTA DE MAPAS Mapa 1 – Caminhos para Minas a partir de São Paulo e seus entroncamentos com os do Rio de Janeiro ......................................................................................................................... 37 Mapa 2 – Bandeiras nas trilhas do ouro ................................................................................... 38 Mapa 3 – Carta Geographica da Capitania das Minas Geraes Anno de 1804 ......................... 39 Mapa 4 – Formação das Minas Gerais ..................................................................................... 40 Mapa 5 – Vila Rica, Sumidouro, Serro do Frio, Serra do espinhaço, Serra das Esmeraldas, “tuituberaba monte que resplandece” e “minas achadas em 1699” ......................................... 41 Mapa 6 – Mappa Geral – Do que Renderão as Reaes Cazas de Fundição das Quatro Com.cas da Capîtania das Minas Geraes. Do 1º de Ag.to de 1751 atê 31 de Julho de 1752 ..... 43 Mapa 7 – Mappa do Cabedal q’ vem remetido da Cid.e do R.o de Janr’. p.a S. Mag.de e p.tes da Fragata Real N. S.ra das Brotas. Comandada pelo Cap.m de Mar e Guerra Joaõ daCosta Brito. Anno 1760 ....................................................................................................... 45 Mapa 8 – 1630-1720 - Quase dois séculos de rebeliões .......................................................... 47 Mapa 9 – A Capitania das Minas Gerais e a integração de mercados coloniais no Brasil ...... 51 Mapa 10 - Espaços geográficos onde foram lavrados os manuscritos-alvo desta pesquisa .... 55 LISTA DE QUADROS Quadro 1 – Exemplo de disponibilização de transcrição e original transcrito ........................ 66 LISTA DE ANEXOS Anexo A – Lista de abreviaturas e abreviações desenvolvidas ............................................... 227 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ................................................................................................................................... 10 CAPÍTULO 1 – LÍNGUA, ESCRITA, LÉXICO, SOCIEDADE, HISTÓRIA E CULTURA..... 14 1.1 A língua como reflexo da sociedade, da história e da cultura ................................................. 14 1.2 Fontes primárias: importância de sua edição e do seu estudo ................................................. 18 1.3 O léxico e sua organização ...................................................................................................... 25 1.4 Lexicologia e Lexicografia: algumas considerações ............................................................... 28 1.5 A definição lexicográfica ......................................................................................................... 30 1.6 Semasiologia e Onomasiologia ............................................................................................... 31 1.6.1 Lexema e lexia ............................................................................................................... 33 1.7 Glossário: o que é .................................................................................................................... 33 CAPÍTULO 2 – CONTEXTO HISTÓRICO-GEOGRÁFICO E BIOGRÁFICO ....................... 35 2.1 Estudos linguísticos e Inconfidência Mineira.......................................................................... 35 2.2 Contexto histórico-geográfico: Minas – (Des)Coberta e (Des)Caminhos do Ouro – Antecedentes ............................ ....................... ....................... ....................... ............................. 35 2.3 A Inconfidência Mineira: contexto histórico e resumo ............................................................ 47 2.4 Os atores sociais inconfidentes signatários dos (ou mencionados nos) manuscritos ............... 55 CAPÍTULO 3 – PROCEDIMENTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS .................................... 60 3.1 Objetivos .................................................................................................................................. 60 3.2 Disposição de fontes e atualização de topônimos .................................................................... 60 3.3 Abreviaturas, abreviações e siglas (convenções de economia e escrita) .................................. 61 3.4 A transcrição e a disponibilização das imagens dos manuscritos ............................................ 62 3.4.1 Normas para transcrição dos documentos manuscritos .................................................. 62 3.4.2 A edição dos textos transcritos ....................................................................................... 65 3.5 A elaboração do glossário ........................................................................................................ 66 3.5.1 Fundamentação teórica ................................................................................................... 67 3.5.2 Macroestrutura do glossário – parte geral ....................................................................... 69 3.5.3 Microestrutura do glossário – parte geral ....................................................................... 70 3.5.4 Macroestrutura do glossário toponímica ................................................................... 71 3.5.5 Microestrutura do glossário toponímica .................................................................... 72 CAPÍTULO 4 – OS MANUSCRITOS, SUA TRANSCRIÇÃO E EDIÇÃO ................................. 73 4.1. Os manuscritos ........................................................................................................................ 73 4.1.1 Tipologia dos manuscritos .................. ........................................................................... 73 4.1.2 Organização dos manuscritos transcritos e editados ....................................................... 74 4.1.3 Descrições sumárias e ementas dos manuscritos transcritos e editados ......................... 74 4.1.4 Descrição sumária da escrita e do alfabeto usado nos manuscritos .......................... 75 4.2 Transcrição e edição dos manuscritos ................................................................................ 75 CAPÍTULO 5 – GLOSSÁRIO ......................................................................................................... 260 5.1 Apresentação do glossário ..................................................................................................... 260 5.1.1 Glossário - Parte Geral .................................................................................................... 261 5.1.2 Glossário - Parte Toponímica ......................................................................................... 299 CAPÍTULO 6 – CONSIDERAÇÕES .............................................................................................. 308 REFERÊNCIAS ................................................................................................................................. 315 ANEXOS ............................................................................................................................................. 328 10 INTRODUÇÃO O objetivo desta dissertação é a edição semidiplomática de 58 (cinquenta e oito) documentos manuscritos (sendo alguns originais e, outros, cópias), relativos à Inconfidência (ou Conjuração)1 Mineira e a seus desdobramentos (que produziramgrande abalo na vida colonial), datados de 1767 a 1834, organizados por Seabra (2008) e publicados em Acervo Documental - Coletânea, do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais - IHGMG2 (doravante, IHGMG), visando à disponibilibização de edições confiáveis para pesquisas em História da Língua Portuguesa, em Linguística Histórica e em História, e à elaboração de um glossário de substantivos relativos a atividades relativas à Inconfidência, às entidades nela envolvidas, às atividades laborais em geral, à mineração (especificamente) e ao patrimônio dos inconfidentes e de pessoas a eles vinculadas, cuja razão de ser repousa na natureza mesma dos documentos, que não trazem a linguagem literária, nem, sempre, a oficial de uma época, e de um glossário simplificado de topônimos mencionados no corpus. Assinam esses manuscritos ou são neles mencionados personagens históricos vinculados à Inconfidência Mineira e, em termos geográficos, esses documentos procedem do Brasil (Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo) de Portugal, de Angola e de Moçambique. Além dessa cobertura, em termos de personagens e espaço geográfico, essa redisponibilização de fontes primárias (estão disponíveis na coletânea de CD-ROMs intitulada Acervo Documental - Coletânea, organizada por SEABRA, 2008) e de sua transcrição permite a transposição de seus textos em suportes diferentes dos seus originais, de forma a salvaguardar informações, fazê-las circular e, ao mesmo tempo, oferecer a interessados material de qualidade e fidedigno, contribuindo para a leitura desses textos por não-especialistas e para a preservação dos testemunhos originais. Desde logo, fica claro que o conjunto documental a ser explorado não é harmônico e representativo de todo esse movimento, mas tão-somente o que constitui o acervo de avulsos, relativos ao tema em foco, do IHGMG, reunido ao longo de seus mais de 100 (cem) anos de 1 Utilizamos, nesta dissertação, ao nos referirmos ao movimento por muitos denominado Inconfidência Mineira e, por outros, Conjuração Mineira, a expressão Inconfidência Mineira, por ser essa expressão é a mais corrente no Brasil. Nesse sentido, registramos esta distinção proposta por Vainfas para a entrada Inconfidência Mineira do seu Dicionário do Brasil Colonial - 1500-1808: “[c]abe distinguir, porém, os termos inconfidência e conjunração, muitas vezes tratados como sinônimos: inconfidência se associa à idéia de traição e infidelidade ao soberano e à metrópole, ao passo que conjuração espelha melhor a perspectiva dos colonos, levados a urdir conspirações em defesa de seus interesses” (VAINFAS, 2000, p. 301). Por consequência, usamos o termo “inconfidente” para nos referirmos a pessoa envolvida nesse movimento. 2 Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais – IHGMG, “[e]ntidade cultural particular, sem fins lucrativos, fundada em 15 de agosto de 1907, pelo então Presidente do estado, Dr. João Pinheiro da Silva” (cf. http://www.ihgmg.art.br/objetivos.htm). Tem sede à Rua dos Guajajaras, 1268 - Centro - Belo Horizonte- MG, e mais informações sobre esse instituto podem ser encontradas em seu site: http://www.ihgmg.art.br. 11 existência, mercê de doação de sócios e de terceiros. Ademais, tomando-se por certa a afirmativa de Labov,3 de que os estudos diacrônicos ao longo dos séculos constituem “a arte de fazer o melhor uso de maus dados” (maus porque “os fragmentos da documentação escrita que permanecem são o resultado de acidentes históricos para além do controle do investigador”), não seria igualmente certo que se procurassem novos fragmentos de textos, das décadas que são objeto deste estudo, também nesse acervo do IHGMG? Certamente, muito mais se poderá explorar desse acervo, que reúne outros importantes manuscritos sobre a história de Minas Gerais e do Brasil, mas, aqui, impunha-se uma escolha, que recaiu sobre esses documentos sobre a Inconfidência, porque: (a) alguns são inéditos; (b) apresentam manchas textuais lavradas em diferentes pontos geográficos de Minas Gerais, do Rio de Janeiro, de Portugal, de Angola e de Moçambique, escritas por diferentes escribas, bastante representativas dos personagens listados nos Autos da Devassa da Inconfidência Mineira;4 (c) apresentam variações grafemáticas interessantes para análise paleográfica; (d) cobrem um período considerável do movimento em questão; (e) reúnem informações sobre o movimento, por excelência, emblemático dos esforços para a construção de um Brasil independente; (f) nem todos eles têm o caráter formulaico, presente, por exemplo, nos manuscritos do Projeto Resgate Barão do Rio Branco,5 expressando, portanto, parte da complexidade de certa época e de indivíduos e grupos sociais desse tempo; e (g) são textos do final do século XVIII e início do século XIX, e, se é procedente a afirmativa de Houaiss, “o português do Brasil só se fez ‘unilíngüe universal’, no país, pelo trânsito dos séculos XVIII- XIX”,6 é, também, muito importante estudar produções escritas desse período. Com relação ao estudo do léxico desse corpus, ele permite melhor compreensão da língua portuguesa usada nesses escritos e, portanto, um pouco de sua história, porque, conforme assinala a linguista Ana Maria Pires Oliveira,7 o léxico “atesta o modo de vida e a imagem de 3 Labov, 1982, p. 20 apud Silva, 2006, p. 34. 4 Cf. Lima Júnior, 1968, p. 148-150. 5 “O Projeto Resgate de Documentação Histórica Barão do Rio Branco (Projeto Resgate) foi criado institucionalmente, em 1995, por meio de protocolo assinado entre as autoridades portuguesas e brasileiras, no âmbito da Comissão Bilateral Luso-Brasileira de Salvaguarda e Divulgação do Patrimônio Documental (COLUSO). Tem como objetivo principal disponibilizar documentos históricos relativos à História do Brasil existentes em arquivos de outros países, sobretudo Portugal e demais países europeus com os quais tivemos uma história colonial imbricada.” [...] Aproximadamente 150.000 documentos dos sécs. XVI-XIX (cerca de 1,5 milhão de páginas manuscritas) relativos a 18 capitanias da América portuguesa e depositados no renomado Arquivo Histórico Ultramarino de Lisboa (AHU) — o maior acervo de documentação colonial brasileira no exterior - foram descritos, classificados, microfilmados e digitalizados. Publicaram-se 20 catálogos em 27 volumes, quatro guias de fontes e 380 CD-ROMs de documentos digitalizados. O penúltimo catálogo da documentação (Capitania da Bahia) está no prelo. No Brasil, os arquivos estaduais receberam cópia microfilmada da documentação pertinente ao passado colonial de seus respectivos territórios e a Biblioteca Nacional acolheu toda a coleção de microfilmes.” Fonte: <http://www.cmd.unb.br/resgate_index.php>. 6 Houaiss, 1992, p. 30. 7 Oliveira, 1999, p. 2. 12 mundo que individualiza um determinado grupo social, tornando-se, em vista disso, uma espécie de documento vivo da própria história desse grupo, assim como de todas as normas sociais que o regem”; conforme afirma Helmut Hermann Wilhelm Lüdtke,8 “[...] a história do léxico é uma parte da própria História. Todas as mudanças no vocabulário relacionam-se, de algum modo, com mudanças políticas e culturais”. Afinal, como afirma Eugenio Coseriu, a língua é “uma técnica historicamente construída e condicionada”.9 Feitas essas considerações — que deixam claro que a língua e a faculdade da linguagem constituem o grande diferencial do Homem, comparativamente a outros seres vivos e são de natureza dinâmica, especialmente no que toca ao nível lexical, aberto e sujeito a constantes tranformações —, este trabalho centra-se na variedade do Português Brasileiro escrito de alguns usuários dele do séculos XVIII e XIX, visando estudar alguns aspectos de seu léxico e de sua cultura. Constituem a fonte do corpus deste trabalho os textos das manchas textuaisdesses manuscritos já mencionados, cujas transcrição e edição diplomática são disponibilizadas no Capítulo 4 deste trabalho. No Capítulo 1 — Língua, Escrita, Léxico, Sociedade, História e Cultura —, apresentam-se elementos que vinculam a língua à cultura e à história humana, com base em estudos de Hymes (1964), Coseriu (1977) e Duranti (2000), recorrendo à Sociolinguística Laboviana10 e destacando variantes variantes linguísticas, vinculadas, também, a redes sociais. Para a tecitura de considerações sobre léxico, cultura e sociedade, recorremos a Matoré (1953), Haensch (1982), Biderman (1984), Coseriu (1991), Barbosa (1996) e Isquerdo (1998). No Capítulo 2, intitulado Contextos histórico-geográfico e biográfico, apresentam- se considerações sobre o movimento da Inconfidência Mineira, seus caminhos e descaminhos, em linhas gerais, contemplando aspectos da distribuição geográfica (no Brasil, em Portugal e na África) de atores sociais nela sabidamente envolvidos, com especial ênfase quanto aos que subscrevem os manuscritos que forneceram o corpus e os dados analisados neste trabalho. O Capítulo 3 — Procedimentos Metodológicos —, por sua vez, ocupa-se dos objetivos da pesquisa e dos métodos utilizados para seleção, transcrição e edição do corpus, bem como para levantamento dos dados para análise e elaboração da ficha lexicográfica geral, simplificada, usada para establecimento e análise efetiva dos dados selecionados. 8 Tradução nossa para: “[...] la historia del léxico es una parte de la historia misma. Todos los cambios en el vocabulario se relacionan, de algún modo, con cambios políticos y culturales” (LÜDTKE, 1974, p. 20 apud SEABRA, 2004, p. 23). Helmut Hermann Wilhelm Lüdtke: linguista suíco, professor de Romanística. *Osnabrück, 26/11/1926 - †Zürich, 27/04/2010. 9 Coseriu, 1991, p. 16. 10 Labov, 1972. 13 No Capítulo 4, cujo título é Os manuscritos, sua transcrição e edição, apresenta-se a transcrição semidiplomática dos manuscritos. O Capítulo 5 — Glossário — apresenta o glossário de substantivos, constituído a partir dos lemas selecionadas dos manuscritos transcritos. Apresenta, também, um glossário toponímico simplificado. No Capítulo 6, intitulado Considerações, procede-se a uma análise quantitativa e qualitativa dos dados, quanto à dicionarização dos lemas no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa,11 bem como considerações sobre oscilações de escrita nos manuscritos e no glossário, sobre abreviações e abreviaturas, seguidas de obsevações sobre possíveis futuras pesquisas com base no corpus aqui reunido, e retomam-se os mais importantes aspectos dicutidos nos demais capítulos, e seus resultados, com considerações neles embasadas. 11 Academia Brasileira de Letras, 2008. 14 CAPÍTULO 1 LÍNGUA, ESCRITA, LÉXICO, SOCIEDADE, HISTÓRIA E CULTURA. 1.1 A língua como reflexo da sociedade, da história e da cultura. O passado existe? Memória ou resíduo de coisas que existiram ou aconteceram antes do presente, tomado como construção mental e social — por vezes simplificada, ordenada ou ornamentada — que, com frequência, atende a necessidades do presente e de suas circunstâncias, ele, seguramente, pode não corresponder a uma “verdade histórica”, conforme comprovam pesquisas recentes registradas pela Historiografia, no Brasil e no mundo. O passado, então, tomado como essa construção mental e social, existe, tem história, que varia conforme a cultura e os tempos, posto que, conforme afirma Jacques Le Goff: a memória é um elemento essencial do que se costuma chamar identidade, individual ou colectiva, cuja busca é uma das actividades fundamentais dos indivíduos e das sociedades de hoje, na febre e na angústia. (...) A memória, onde cresce a história, que por sua vez a alimenta, procura salvar o passado para servir o presente e o futuro.12 O mesmo Le Goff afirma, também, que: [o]s materiais da memória podem apresentar-se sob duas formas principais: os monumentos, herança do passado, e os documentos, escolha do historiador” (LE GOFF, 1984, p. 95). Cabe ao historiador identificar e definir as suas fontes, pois o documento não é inócuo é, segundo o próprio Le Goff, “...uma montagem consciente ou inconsciente, da história, da época, das sociedades que o produziram... esforço para as sociedades históricas para impor ao futuro... determinada imagem de si próprias [...].13 A língua — e, assim, a escrita, posto que, ainda em termos de Le Goff, “[o]s materiais da memória podem apresentar-se sob duas formas principais: os monumentos, herança do passado, e os documentos, escolha do historiador”14 —, portanto, especialmente em sua modalidade escrita, tem papel importante nessa construção e na (re)vitalização do passado, na construção da História que, como a entendemos hoje, nasceu com a escrita, tecnologia que tem o tom e o dom de transformar o passado em algo fora do humano, registrado em tabuletas, em pedras, em pergaminhos, em papel e, hoje em dia, em artefatos tecnológicos mais sofisticados. Essa transformação, porém, não se dá ex machina, e, seguramente, nem mesmo quando se acreditava que a escrita tinha propriedades mágicas ou divinas (como se conta sobre o Antigo Egito),15 ela se realizava sem a mediação humana, suas necessidades e interesses, submetida, salvo raras exceções, a relações de poder — por força de lei que permitia e 12 Le Goff, 1984, p. 46-47. 13 Le Goff, 1984, p. 103. 14 Le Goff, 1984, p. 95. 15 Leia-se, a propósito, Queiroz, 2005, p. 5. 15 chancelava ou não sua existência e sua prática, muitas vezes elegendo uma norma de prestígio e, mais ainda, exercendo sobre ela censura velada ou explícita —, mediadas pela cultura. Nas palavras do linguista Eugenio Coseriu: “o homem vive em um mundo lingüístico que ele mesmo cria como ser histórico”)16 e nas de Mário Vilela (1997), “sociedade e língua estão constantemente a intrometer-se uma com a outra, a marcarem-se sem se demarcar. A sociedade reflecte-se constantemente na língua que lhe serve de argamassa e vice-versa”.17 Passsado, língua, relações sociais, história e cultura estão, portanto, intrinsecamente interligados, seja para registrar ou não fatos do presente (que será passado, algum dia), seja para redescobrir o passado, revisitá-lo, reformulá-lo, fragmentá-lo ou eclipsá-lo. Nesse sentido escrevem, também, entre outros, Henry Rousso, afirmando: [o] testemunho colhido a posteriori, por sua própria natureza, é uma das caracerísticas da história do tempo presente. Ele leva à criação de uma fonte singular, na medida em que destinada, desde o início, seja a conservar — eis aqui a memória de tal indivíduo ou de tal grupo —, seja a alimentar uma pesquisa específica.18 e, sobre isso, ainda, afirmam Ana Maria Pinto Pires de Oliveira e Maria Aparecido Negri Isquerdo: “[...] o léxico de uma língua conserva uma estreita relação com a história cultural da comunidade [...] na medida em que o léxico recorta realidades do mundo, fdefine, também, fatos de cultura”.19 Tomando a cultura como a definem os pesquisadores Clyde Kay Haben Kluckhohn20 e William Henry Kelly21 — como “um sistema de planos de vida explícitos e implícitos (desenhos para a vida), derivado historicamente, que propende a ser compartilhado por todos os membros de um grupo ou por aqueles membros que estejam espcialmente caracterizados” —,22 consideramos, aqui, a linguagem na sua intercessão com a cultura e a entendemos, de par com Theodor Ebneter,23 como: 1) [...] a imagem do mundo de um povo, que, ao mesmo tempo, modela o pensamento […]; 2) […] parte da conduta cultural (Malinowski,24 Pike25); e 16 Tradução nossa para: “[e]l hombre vive en un mundo lingüístico que crea él mismocomo ser histórico” (COSERIU, 1991, p. 32). 17 Vilela, 1997, p. 43. 18 Rousso, 1996, p. 87. 19 Oliveira & Isquerdo, 1998, p. 87. 20 Antropólogo norteamericano: *Le Mars, Iowa, 11/01/1905 - †Santa Fé, New México, 28/07/1960. 21 Antropólogo norteamericano. 22 Tradução nossa para “un sistema de planes de vida explícitos e implícitos (‘designs for living’) derivado històricamente que propende a ser compartido por todos os membros de un grupo o por aquellos miembros que estén especialmente caracterizados” (KLUCKHOHN & KELLY, 1945, p. 98 apud EBNETER, 1976, p. 134). 23 Linguista suíço: *Rorschach, 12/09/1923 - †Zürich, 22/01/2003. 24 Malinowski, 1923. 25 Pike, 1967. 16 3) […] meio de captar estruturas etnoloinguísticas semânticas, e, portanto, congnitivas, específicas da linguagem e relativas aos universais lingüísticos (etnosemântica, etnolinguística cognitiva).26 Consideramos, portanto, em consonância com a concepção de relatividade linguística, que realidade e formas linguísticas mantêm conexão íntima, e que, portanto, a visão de mundo e o pensamento humano dependem da língua. Entendemos, ainda, que, assim como esses elementos — língua, relações sociais e cultura — mudam ao longo do tempo, oscilam as visões que temos do passado, em diferentes (re)visitas e (re)leituras. Muda a língua, variam-se os falares e seus registros, conforme as relações que presidem seu uso e a cultura que recomenda suas variações. Implica isso, então, que, que nossa abordagem, neste trabalho, está vinculada à Sociolinguística Laboviana,27 que reconhece a variação e a mudança linguísticas e as associa a fatores sociais extralinguísticos que determinam, em parte, as escolhas que usuários de uma língua de determinado inventário ou repertório linguístico socialmente compartilhado, bem como estratégia de fala (ou de escrita). Implica isso, então, que, que nossa abordagem, neste trabalho, está vinculada à Sociolinguística Laboviana,28 que reconhece a variação e a mudança linguísticas e as associa a fatores sociais extralinguísticos que determinam, em parte, as escolhas que, conciente ou inconscientemente, fazem usuários de uma língua de determinado inventário ou repertório linguístico socialmente compartilhado, bem como suas estratégias de fala (ou de escrita). Isso posto, podemos afirmar que, implantada na América Portuguesa, colonizada por Portugal, a Língua Portuguesa sofreu alterações, até porque, conforme assinalara Antônio Gonçalves Dias,29 os brasileiros tinham “o direito de aumentar e enriquecer a língua portuguesa e de acomodá-la às suas necessidades”30 e, segundo Joaquim Maria Machado de Assis,31 [n]ão há dúvida que as línguas se aumentam e alteram com o tempo e as necessidades dos usos e costumes. Querer que a nossa pare no século de quinhentos, é um êrro igual ao de afirmar que a sua transplantação para a América não lhe inseriu riquezas novas. A êste respeito a influência do povo é decisiva. Há, portanto, certos modos de dizer, locuções novas, que de fôrça entram no domínio do estilo e ganham direito de cidade.32 26 Tradução nossa para: “1) [...] la imagen del mundo de um pueblo, que al mismo tiempo modela el pensamiento […]; 2) […] parte de la conducta cultural (Malinowski, Pike); e 3) […] medio para captar estructuras etnolingüísticas semánticas, y por tanto cognitivas, específicas del lenguaje e relativas a los universales lingüísticos (etnosemántica, etnolingüística cognitiva)” (EBNETER, 1982, p. 135). 27 Labov, 1972. 28 Labov, 1972. 29 Escritor brasileiro: *Caxias (MA), 10/08/1823 - †Guimarães (MA), 03/11/1864. 30 Dias, 1921 [1854], p. 129. 31 Romancista, contista, crítico, cronista e poeta brasileiro, fundadador da Academia Brasileira de Letras - ABM: *Rio de Janeiro, 21/06/1839 - †Rio de janeiro, 29/09/1908. 32 Assis, 1959, p. 822. 17 José Martiniano de Alencar,33 categórico, afirma, a tal propósito, que “[...] desde a primeira ocupação que os povoadores do Brasil, e após êles seus descendentes, estão criando por todo êste vasto império um vocabulário nôvo, à proporção das necessidades de sua vida americana, tão outra da vida européia”.34 Ademais, conforme assevera Coseriu, “[...] a língua não pode ser estudada ‘em si e por si’, e menos ainda sua história”. Quem poderia entender, por exemplo, a histórica do léxico romance sem conhecer a civilização ocidental e o cristianismo?”.35 Daí a importância dos estudos diacrônicos das línguas. Vê-se, portanto, que língua, História (passado e presente), sociedade e cultura se entrelaçam e se relacionam e se imbricam de forma muita acentuada, inegável. De tal forma que, mesmo considerando-se uma mesma língua e(m) um mesmo território, com um mesmo povo, verificam-se diferenças nos usos da língua, vinculadas a diferenças que se processam no espaço (diatópica), no tempo (diacrônica), nos processos socioculturais (diastrática) e no discurso (diafásica), estabelecendo-se algo como uma tecitura mediada por diferentes dialetos, níveis e estilo, como bem afirmou Eugenio Coseriu, acrescentando, com muita propriedade, que “uma língua histórica nunca é um único sistema, mas, sim, um emaranhado de — em parte — diferentes sistemas. Há diferenças sob os pontos de vista fonético, gramatical e léxico”.36 A tal respeito, escreveu Antônio Houaiss que “[i]novação em matéria de linguagem pressupõe, necessàriamente, espírito inovador no pensamento, na cultura”,37 complementando, ainda: [t]oda língua é um “museu histórico e cultural”, um documento do relevante ou do modesto papel que desempenharam os povos que a falam na vida do mundo. Quando, nos séculos XV e XVI, revolucionando a ciência do tempo, os portugueses saíram ‘A buscar novos climas, novos ares’ [CAMÕES, Lusíadas, IV, p. 76], levaram para essas regiões desconhecidas suas formas de cultura e, juntamente, as palavras com que as designavam. Por isso, deixaram as línguas asiáticas, africanas e americanas marcadas de lusitanismos. Mas nessas terras estranhas também aprendiam muito, razão por que, de retorno, o seu léxico vinha enriquecido de termos denotadores de coisas até então ignoradas do velho continente. Lisboa tornou-se assim ‘empório do mundo e princesa do mar oceano’ e, em decorrência, um ativo centro transmissor de novas formas lingüísticas. Depois, as condições econômicas se alteraram; mudou-se o meridiano da cultura; arrefeceu, em conseqüência, o foco da influência lingüística.38 Este trabalho, portanto, leva em conta aspectos da Lexicologia Social, de Georges Matoré, que propõe considerarmos “a palavra não como um objeto isolado, mas como parte de uma estrutura social”,39 como uma “testemunha de uma sociedade, de uma época — mots- témoins, tomando a linguagem como “um fato social [que] fora da sociedade, não encontra 33 Romancista, poerta, político, jurisconsulto e jornalista brasileiro: *Fortaleza, *01/05/1829 - †Rio de Janeiro, 12/12/1877. 34 Alencar, 1960 [1874], p. 23. 35 Coseriu, 1979, p. 236. 36 Tradução nossa para: “[u]na lengua histórica nunca es un único sistema, sino un entramado de — en parte — diferentes sistemas. Hay diferencias desde el punto de vista fonético, gramatical y léxico” (COSERIU, 1992, p. 37). 37 Houaiss, 1975, p. 31. 38 Houaiss, 1975, p. 32. 39 Matoré, 1953 apud Seabra, 2004, p. 33. 18 expressão (...) [e que] por isso, (...) não pode ser estudada senão em conexão com outros fenômenos sociais”.40 É com essa perspectiva em vista que foram buscadas respostas para as perguntas-hipóteses aqui formuladas, considerando, portanto, válida esta lição do Professor Luiz Fagundes Duarte, da Universidade Nova de Lisboa, estampada em “Manuscritos: para que servem”, com itens brevemente retomados a seguir: [p]ela sua função de veículo de transmissão de conhecimentos, o Manuscrito não pode ser desligado da História e deveráser encarado numa relação íntima com a evolução dos valores sociais e culturais: quando Heródoto apresenta a sua obra como decorrente da necessidade de registrar por escrito os feitos dos homens para que, com o tempo, eles não se apaguem, está a reconhecer a função histórica da escrita, e, implicitamente, do manuscrito; e quando os primeiros filósofos gregos (escola Alexandrina dos séculos III- I a.C.) se apercebem da necessidade de tornar disponíveis os textos dos escritores antigos e de Homero em particular, fixando-o a partir de tradições divergentes e convertendo-os para os tornar compreensíveis às gerações, ou quando os críticos textuais modernos se ocupam dos manuscritos autógrafos dos grandes escritores com vista a estudar a sua arte de escrever, temos o Manuscrito elevado à categoria de objecto de estudo e, em todos os casos, à de documento: um registro de actos e de pensamentos próprios de um tempo para uso em outro tempo (perpectivas histórica e filológica, formuladas cientificamente a partir do século XIX), e um registro de comportamentos de escrita de alguém para contemplação alheia (perspectiva manuscriptológica, que encara o Manuscrito per se).41 Fica patente, aí, entre outras coisas, que Língua e História humanas caminham juntas e se interrelacionam e se imbricam. Onde, porém, identificar pontos de aproximação e/ou de afastamento entre elas? Onde, estão os registros, quanto ao passado menos próximo (distante das modernas tecnologias da informação e da comunicação), dessas variações e mudanças? Nos livros? Seguramente, neles estão registros importantíssimos dessas variações e mudanças, mas pouco contemplam dos usos do dia-a-dia da língua escrita — menos dominada pela norma linguística padrão oficial e menos domada pela revisão de editores —, que se faz presente nas cartas, nos bilhetes, em alguns documentos cartoriais, muitos deles redigidos sem tempo para o policiamento da norma ou rebuscamento de formas, sendo, por isso, potencialmente, portadores de algo da fala, da língua oral praticada em determinados contextos. Daí a importância da edição e do estudo de fontes primárias, manuscritas, muitas delas ainda inéditas, inertes em acervos públlicos e privados. Em um deles (o do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais - IHGMG), a fonte para o corpus desta pesquisa, pelos motivos expostos a seguir. 1.2. Fontes primárias: importância de sua edição e do seu estudo. A importância das fontes primárias (documentos históricos manuscritos) para estudos históricos e linguísticos tem sido apontada por diversos pesquisadores. Dentre eles, temos este 40 Seabra, 2004, p. 33. 41 Duarte, 1997, p. 11. 19 trecho de Ramón Menéndez Pidal,42 quanto ao receio de utilizar algumas fontes documentais secundárias: [v]endo que os romanistas, desde um Amador de los Ríos até um Ernesto Monaci, ao exporem o estado primitivo do idioma traziam, sem receio nem reserva, documentos mal copiados em épocas tardias, senti a necessidade de recorrer exclusivamente aos pergaminhos originais dos séculos X e XI, ou, raramente, utilizar, também, cópias seguramente autorizadas.43 complementado, por ele mesmo, receoso, portanto, do uso dessas fontes não-primárias, sobre sua decisão de editar, para uso próprio, textos autênticos (de fontes primárias, portanto): [p]or isto creio ser necessário, em contraste com as cópias anteriormente em uso, antepor ao meu estudo a edição de alguns textos autênticos de capital interesse: duas séries de Glosas, uma delas inédita, e vários documentos que sirvam de amostra e de base para o meu trabalho.44 Igualmente no sentido de ressaltar a importância de fontes primárias para estudos linguísticos — e, especificamente, de Lexicografia —, é este trecho de Günther Haensch:45 [é] evidente que, apesar do aproveitamento de certo número de fontes secundárias poder permitir reunir material importante e útil em uma forma elaborada, os verdadeiros progressos da lexicografia se devem ao aproveitamento de fontes primárias, ou seja, de textos em sentido mais amplo, nos quais a unidade léxica de interesse aparece, geralmente, contextualizada.46 Entre outras razões para se atribuir importância a essas fontes, está o seu caráter documental, de registro de uma época ou de um contexto. Por isso, sob o ponto de vista da História, é importante que tais fontes sejam conhecidas, preservadas, transcritas, editadas e estudadas porque “o fato histórico é a matéria-prima com que deve trabalhar o historiador”47 — para “extrair de sua presença os subsídios à compreensão do fato histórico, ao esclarecimento das opiniões, à inteligência de tanta coisa misteriosa que teima em ficar inexplicável”.48 Ainda a tal propósito, e vinculado ao tema dos temas abordados nos manuscritos transcritos e editados neste trabalho, escreveu o historiador João Pinto Furtado, em 2000, “[...] reconhecendo a exiguidade dos novos aportes documentais, bem como a virtual inexistência de 42 Filólogo e historiador espanhol: *La Coruña, 1869 - †Madrid, 1968 (cf. SOUSA, 1995, p. 174). 43 Tradução nossa para: “[v]iendo que los romanistas, desde un Amador de los Ríos hasta un Ernesto Monaci, al exponer el estado primitivo del idioma aducían sin recelo ni reserva documentos mal copiados en épocas tardías, sentí la necesidad de acudir exclusivamente a los pergaminos originales de los siglos X y XI, o rara vez utilizar también copias seguramente autorizadas” (MENÉNDEZ PIDAL, 1968, p. 1). 44 Tradução nossa para: “[p]or esto creo necesario, en contraste com las copias antes en uso, anteponer a mi estudio la edición de algunos textos auténticos de capital interés: dos series de Glosas, una de ellas inédita, y varios documentos que sirvan de muestra a mi trabajo” (MENÉNDEZ PIDAL, 1968, p. 1). 45 Günther Haensch: linguista, lexicógrafo e hispanista alemão - *Munique, 1923 (cf. SOUSA, 1995, p. 211). 46 Tradução nossa para ‘[e]s evidente que, si bien el aprovechamiento de cierto número de fuentes secundarias puede permitir reunir um material importante y útil en uma forma elaborada, los verdaderos progressos de la lexicografía se deben al aprovechamiento de fuentes primarias, es decir, de textos en sentido más amplio, donde la unidad léxica que interesa aparece, por lo general, en un contexto” (HAENSCH, 1982, p. 437). 47 Jardim, 1989, p. 13. 48 Vieira, 1993, p. 3. 20 novas evidências documentais a serem ainda divulgadas [...]”.49 Aqui, algumas delas, portanto, relativas ao tema que formou objeto da pesquisa dele, de sua tese de doutorado. Quanto ao viés linguístico, tais fontes revestem-se, conforme afirma Heitor Megale, de grande importância pela “necessidade imperiosa de recuperar a memória do passado”50 e porque o fato linguístico, em suas minúcias, é a matéria-prima sobre a qual deve se debruçar o linguista, com finalidade semelhante, relativa ao seu fazer científico. Para Oliveira,51 por exemplo, o léxico “[...] atesta o modo de vida e a imagem de mundo que individualiza um determinado grupo social, tornando-se, em vista disso, uma espécie de documento vivo da própria história desse grupo, assim como de todas as normas sociais que o regem”; conforme afirma Lüdtke, “[...] a história do léxico é uma parte da própria História. Todas as mudanças no vocabulário relacionam-se, de algum modo, com mudanças políticas e culturais”;52 afinal, como afirma Eugenio Coseriu, a língua é “uma técnica historicamente construída e condicionada”.53 Os manuscritos e sua transcrição e edição, nesse contexto, são elementos potencialmente muito importantes para a confirmação ou refutação de dados históricos, para preenchimento de lacunas informacionais e para a preparação de corpora fidedignos para estudos linguísticos, porque, conforme assinala Heitor Megale: [a]inda que o manuscrito seja recente, nem sempresua leitura deixa de apresentar alguma dificuldade. Basta uma palavra, uma sílaba ou mesmo uma letra exigir exercício de decifração para o leitor precisar rever a frase, às vezes, o parágrafo todo, buscando recuperar aquela forma, aquele vocábulo e, só então, resolver o problema, de modo a poder prosseguir a leitura. Esse exercício leva a comparar a palavra, o grupo de letras ou propriamente a letra em questão com similares ocorrências anteriormente lidas. Se a letra já não é usual, por distante no tempo, se a grafia não é conhecida, devido à variedade de traçado da mesma letra, além obviamente de a ortografia ser antida ou muito antiga, as dificuldades que o leitor encontra podem tornar-se obstáculo intransponível para uma leitura fluente.54 Ainda sobre o ponto de vista da História, a disponibilização de edições fidedignas de transcrições de textos manuscritos com lições o mais livres possível de conjecturas, oferece-lhes ocasião para não apenas fazer afirmações com base em trechos lidos em acervos e anotados para posterior disponibilização em seus textos, mas para apontar melhor as fontes, para consultas posteriores, por eles mesmos ou por seus leitores, além de poder implicar alguma revelação que articule História, Tempo e Linguística. A tal respeito, Kurt Baldinger, articulando elementos de História, Tempo e Língua — trabalhando, portanto, com diacronia histórica, em um de seus 49 Furtado, 2000, p. 21. 50 Megale, 2008, p. 11. 51 Oliveira, 2001, p. 2. 52 Tradução nossa para: “la historia del léxico es una parte de la historia misma. Todos los cambios en el vocabulario se relacionan, de algún modo, con cambios políticos y culturales” (LÜDTKE, 1974, p. 20 apud SEABRA, 2004, p. 23). 53 Coseriu, 1991, p. 16. 54 Megale, 2008, p. 9. 21 trabalhos, cita pesquisas realizadas sobre substratos e superstratos linguísticos. Walther von Wartburg,55 em La Fragmentation Llinguistique de la Romania, escreveu que, “[a]o Norte, como ao Sul do domíno basco, que separa os dois idiomas românticos em questão [Espanhol e Gascão], h- é atestado desde os primeiros documentos (assim, em Espanhol, desde o século XI, temos hayuela, derivada de fagea)”56 e que [d]essas mudanças, as mais significativas e as mais graves em consequências são, sem sombra de dúvida, imputáveis ao substrato céltico. Um deles está diretamente atestado em gaulês. Trata-se da passagem de ct a ct. Moedas e inscrições gaulesas trazem grafias tais como Lucterios, ao lado de Luxterios; Pictilos ao lado de Pixtilos; Rectugenus, Rextugenos; e até mesmo Reitugenus.57 Além disso, revestem-se de singular importância a transcrição e a edição de manuscritos, hoje em dia, porque implicam a transposição de seus textos em suportes diferentes dos seus originais, de forma a salvaguardar informações (com salvaguarda do estado da língua do período em que foram lavrados), implica fazê-las circular e, ao mesmo tempo, oferece a interessados material de qualidade e fidedigno, contribuindo para a leitura desses textos por não- especialistas e para a preservação dos testemunhos originais, tomados como documentos e, ao mesmo tempo, como monumentos, pois, conforme afirma Jacques Le Goff: [a] intervenção do historiador que escolhe o documento, extraindo-o do conjunto dos dados do passado, preferindo-o a outros, atribuindo-lhe um valor de testemunho que, pelo menos em parte, depende da sua própria posição na sociedade da sua época e da sua organização mental, insere-se numa situação inicial que é menos “neutra” do que a sua intervenção. O documento não é inócuo. É, antes de mais nada, o resultado de uma montagem, consciente ou inconsciente, da História, da época, da sociedade que o produziram, mas também das épocas sucessivas durante as quais continuou a viver, talvez esquecido, durante as quais continuou a ser manipulado, ainda que pelo silêncio. O documento é uma coisa que fica, que dura, e o testemunho, o ensinamento (para evitar a etimologia) que ele traz devem ser em primeiro lugar analisados, desmitificando-lhe o seu significado aparente. O documento é monumento.58 Reside a importância das fontes primárias (e de sua transcrição e edição fidedignas), também, portanto, no fato de permanecerem esses testemunhos-documentos-monumentos do passado à disposição para consultas, posto que são tecidos com elementos diferentes, em circunstâncias variadas, com ações mais ou menos perceptíveis de interessado/autor (por vezes, no período colonial brasileiro, por exemplo, era um analfabeto, mesmo que potentado), escriba e censor, quiçá passíveis de identificação, em comparação com outros similares documentos 55 Linguista suíço: * Riedholz, Soleure, 1888 - †Basiléia, 1971 (cf. SOUSA, 1995, p. 347). 56 Tradução nossa para: “[a]u Nord comme au Sud domaine basque, qui sépare les idiomes en question [Espagnol et Gascon], h- est attestée dès les premiers documents (ainsi em Espagnol, des Le XIe siècle, hayuela, dérivé de fagea)” (WARTBURG, 1967, p. 16). 57 Tradução nossa para: “[d]e ces changements, les plus significatifs est les plus lourds de conséquences sont sans nul doute imputables au substrat celtique. L’um d’eux est directement attesté em gaulois. Il s’agit du passage de ct à ct. Des monnaies et inscriptions gauloises offrent des graphies telles que Lucterios à coté de Luxterio, Pictilos à coté de Pixtilos, Rectugenus, Rextugenos, et même Reitugenus” (WARTBURG, 1967, p. 36). 58 Le Goff, 2003, p. 537-538. 22 (monotestemunhais ou politestemunhais), capazes de indicar confirmações ou atualização de memória e história. Tivéssemos, no Brasil, adotado, décadas atrás, política de recolher manuscritos, organizá-los e dispô-los em arquivos, tratá-los e conservá-los, com posterior adoção de práticas de transcrição e edição, não teríamos, hoje, situações de busca demorada (por vezes, malograda) por fontes primárias citadas em obras de antanho, como ocorre, por exemplo, quanto a parte significativa da quase tricentenária documentação da Matriz de Nossa Senhora da Conceição da Vila Real do Sabará, de parte da documentação da Venerável Ordem Terceira do Carmo de Sabará e da Santa Casa de Sabará, parcialmente mencionadas em obras do médico-historiador Zoroastro Vianna Passos (de fontes primárias hoje desaparecidas)59 e a alguns documentos mencionados — alguns de existência questionada por historiadores; outros dados como apócrifos, como estratagema do historiador, segundo Alexandre Eulálio60 — na obra Memórias do Distrito Diamantino,61 de Joaquim Felício dos Santos, entre outros. Não bastassem as histórias de trajetórias imprevisíveis que costumam marcar a vida de livros raros e manuscritos — conforme bem assinala o bibliófilo Rubens Borba de Moraes, em seu livro O Bibliófilo Aprendiz62 —, ainda temos problemas sérios, no Brasil, quanto à organização, ao armazenamento, ao gerenciamento de acervos públicos e particulares,63 à ação de colecionadores inescrupulosos e, sobretudo, quanto ao estado dos poucos bons arquivos existentes, padecendo com limitações de recursos e, por isso, sem condições ideais para a conservação, a preservação e a manutenção de seus acervos, muitas vezes mal acondicionados, expostos a excesso ou escassez de umidade ou de calor, a poluentes e poeira, a incidência de luz solar, falta de equipamentos, falta de catálogos e de profissionais, e, pior ainda: infestados de micro-organismos, como fungos, bactérias, insetos xilófagos/papirófagos,64 traças, baratas e ratos, e/ou contaminados por substâncias químicas antipapirófagas, muitas vezes aplicadas, inadequadamente, sobre ou sob peças do acervo, por pessoas sem adequada formação/capacitação. Muitas vezes, como constatamos, em pesquisa e seleção de manuscritos das Capitanias do Rio Negro e do Grão-Pará para o Projeto Dicionário Histórico do Português do59 Leia-se, desse autor, a propósito: Em torno da história de Sabará (1942); Em torno da história de Sabará: a Ordem Terceira do Carmo e a sua Igreja - Obras de Aleijadinho no Templo (1940); e Notícia Histórica da Santa Casa de Sabará (1929). 60 Eulálio, 1974, p. 34-46 in Santos, 1974. 61 Santos, 1974. 62 Moraes, 2005. 63 Leia-se, sobre esse assunto: Acioli (2003, p. 2) e Baéz (2006, p. 12), entre outros. 64 Cupins e térmitas, entre outros insetos que se alimentam, também, de papel. Sobre isso, leia-se, por exemplo: Manual de preservação de documentos, de Ingrid Beck. 23 Brasil - PHPB,65 no Arquivo Público do Estado do Pará - ARQPEP (em Belém), quando lá estivemos, em abril de 2008, o estado de conservação de alguns códices e de manuscritos avulsos está tão comprometido (por umidade, calor, exposição a luz, mau-uso, manipulação, por reação química de tinta ferrogálica ou com outros pigmentos oxidantes), que até o compulsar de seus fólios implica danos aos seus suportes e à escrita neles lavrada. Não se defende, portanto, aqui, a condução do documento, da fonte primária, do manuscrito, à condição de bem que mereça a preservação como um fim, mas como meio para se instaurar comunicação entre passado, presente e futuro, como testemunho documental e fonte para a Ciência, posto que, conforme bem salienta Mário Chagas: É pela comunicação homem/bem cultural preservado que a condição de documento emerge [...] Em contrapartida, o processo de investigação amplia as possibilidades de comunicação do bem cultural e dá sentido à investigação [...]. A pesquisa é a garantia da possibilidade de uma visão crítica sobre a área da documentação, envolvendo a relação homem-documento-espaço, o patrimônio cultural, a memória, a preservação e a comunicação.66 Sob o ponto de vista da Linguística, práticas de transcrição e de edição, associando a Paleografia67 à Diplomática68 e à Codicologia,69 contribuem, potencialmente, e muito, para o entendimento da nossa história lingüística, do letramento e de deslocamentos linguísticos, pelas trilhas de traços linguísticos — em estabelecimento graças a projetos de fôlego, como, por exemplo, o intitulado Filologia Bandeirante70 e o Banco de Textos Informatizado para Pesquisa em Linguística Histórica71 —, da constituição de léxicos e de vocabulários e glossários específicos, haja vista a profusão de variações caligráficas,72 lexicais, grafemáticas73 e 65 Projeto idealizado e coordenado (até 2008), pela Profª Drª Maria Teresa Camargo Biderman (da UNESP) — hoje sob cordenação da Profª Drª Clotilde de Almeida Azevedo Murakawa (UNESP) —, aprovado no âmbito do Programa Institutos do Milênio, do Conselho Nacional de Pesquisas - CNPq, que visa à elaboração de um dicionário histórico do Português do Brasil, com corpus extraído de textos sobre o Brasil, escritos por autores brasileiros e portugueses radicados no País desde o século XVI, com base informatizada e uso de ferramentas de alto desempenho, como o Folio Views e o Unitex, em apoio a trabalhos de Lexicologia e de Terminologia Diacrônica, que congrega 10 (dez) universidades brasileiras e a Universidade de Évora (Portugal). 66 Chagas, 1996, p. 46-47. 67 Paleografia é, segundo Segmundo Spina, é o “estudo das antigas escritas e evolução dos tipos caligráficos em documento; isto é, em material perecível (papiro, pergaminho, papel)” (SPINA, 1977, p. 18). 68 Segundo Segismundo Spina, a Diplomática “consiste no estudo de todos os caracteres externos do documento — a matéria escriptória, os instrumentos gráficos, as tintas, os selos, as bulas, os timbre, inclusive a letra, a linguagem, as fórmulas —, isto é, numa crítica formal dos documentos, visando com isso a determinar o grau de autenticidade dos mesmos” (SPINA, 1977, p. 20). 69 De acordco com Segmundo Spina, a Codicologia “é atinente exclusivamente ao conhecimento do material empregado na produção do manuscrito (Scriptoria) e das condições materiais em que esse trabalho se verificou [...]” (SPINA, 1977, p. 22). 70 Leia-se, a propósito: Cohen et alii, 1997, p. 79-97. 71 Desenvolvido na Faculdade de Letras - FALE da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG, sob a coordenação da Profª Drª Maria Antonieta Amarante de Mendonça Cohen. 72 De caligrafia. 73 De grafemas, tomados, individualmente, como “unidade mínima de escrita, não susceptível de divisão” (Tradução nossa para: “unidad mínima de escritura, no susceptible de división” - SOUSA, 1995, p. 207). São exemplos de grafemas, por exemplo, a, b, c, d, etc., ao passo que ch, ll, rr, por exemplo, são dígrafos. 24 alográficas74 vigentes na América Portuguesa, especialmente nos séculos XVI a XIX, quando escrivães de variada procedência e formação foram investidos em diferentes comarcas, e os processos de letramento e alfabetização da população variaram entre nulos e insuficientes.75 Nesse particular, não havendo outros testemunhos da Língua Portuguesa falada e escrita no Brasil do período colonial, os manuscritos constituem-se como testemunhos linguísticos únicos desse período, da sua escrita e, se devidamente estudados, também de alguns traços de fala, conforme parecem atestar estudos de Sociolinguística como os de Soélis Teixeira do Prado Mendes que, em sua tese de doutorado — Combinações Lexicais Restritas em Manuscritos Setecentistas de Dupla Concepção Discursiva: Escrita e Oral —,76 aponta elementos que, provavelmente, estavam presentes na língua falada de período pretérito da nossa língua, alguns deles ainda presentes em comunidades rurais de Minas Gerais (resultado de fenômeno de retenção linguística), posto que a língua e seu léxico (“a somatória de toda a experiência acumulada de uma sociedade e do acervo da sua cultura através das idades”77) — se organizam com clara vinculação com aspectos socioculturais, conforme apontamos, sucintamente, em itens a seguir. Presume-se, portanto, que a leitura de documentos de transcrição ainda inédita desse período, vinculados a esse movimento, poderão lançar alguma luz sobre um ou outro ponto obscuro dele, posto que, conforme afirma a pesquisadora Vera Lúcia Costa Acioli, “[o] documento manuscrito é considerado a mola-mestra da História. É indiscutível que ele proporciona recursos inestimáveis ao historiador, representando o melhor testemunho do passado, fonte direta de informação básica para o estudo da História”.78 Além do mais, conforme assinala Haensch, “[...] os verdadeiros progressos da Lexicografia devem-se ao aproveitamento de fontes primárias; ou seja, de textos em sentido mais amplo, nos quais a unidade lexical que interessa aparece, em geral, em um contexto”.79 Disso decorre a preocupação com procedimentos metodológicos adequados para transcrição e edição dos manuscritos — arrolados no Capítulo 4 —, com vistas à disponibilização de edição fidedigna para estudos posteriores, sejam de caráter histórico ou linguístico. 74 De alógrafos, considerados, individualmente, como “cada uma das realizações básicas de um grafema: M, M, m, m, por exemplo, são alógrafos da letra m” (Tradução nossa para: “cada una de las realizaciones básicas de um grafema: M,M, m, m son alógrafos de la letra m” - SOUSA, 1995, p. 39). 75 Sobre esse assunto, consulte-se, especialmente, o livro Ler e escrever no mundo rural do antigo regime: um contributo para a história da alfabetização e da escolarização em Portugal. 76 Mendes, 2008. 77 Biderman, 2001, p. 179. 78 Acioli, 2003, p. 1. 79 Tradução nossa para: “[...] los verdaderos progresos en la lexicografía se deben al aprovechamiento de fuentes primarias, es decir, de textos en sentido más amplio, donde la unidad léxica que interesa aparece, por lo general, en un contexto” (HAENSCH, 1982, p. 437). 25 Nesse sentido, e considerando estas considerações da linguista Maria Filomena Gonçalves: [n]ão é novidade paraninguém que a variação linguística foi colocada no cerne da investigação graças ao contributo da Sociolinguística,já que nem o estruturalismo ou mesmo o gerativismo, reconhecendo embora a dinâmica do fenómeno, tinham atentado na sua verdadeira natureza e extensão. Mas se isto é bem verdade para a variação em sincronia, ainda o mais é para o estudo da variação em sincronia, campo que aguarda novos e instigantes percursos, uma vez que, para lá das habituais generalizações ou sínteses, pouco se conhece de épocas como o século XVIII, conquanto a elaboração de corpora históricos esteja no bom caminho para preencher as lacunas tanto daquele como de outros momentos da história da língua. Idênticas razões explicamque a situação da historiografia linguística relativa a Setecentos não seja melhor, porque também nesse domínio muitos são os textos por resgatar com vista ao mais correcto e completo conhecimento das ideias e do discurso metalinguístico acerca do português. Afora os estudos centrados nas reformas do ensino, na polémica da gramática latina e na gramaticologia portuguesa (VERDELHO, 1982; GONÇALVES, 1997, 2001), é ponto consensual que boa parte do século XVIII permanece na sombra, motivo por que também o léxico, excepto talvez no que tange à metalexicografia, não tem sido alvo de análise, facto tanto mais curioso quanto se reconhece ter sido a discussão da variação lexical tema privilegiado no discurso metalinguístico de Setecentos.80 acreditamos que o léxico dos manuscritos aqui transcritos e editados, como fontes primárias de parte desse século, poderão revelar alguns aspectos interessantes do léxico desse período, e da história que o envolve, envolvendo esse corpus, posto que, conforme afirma o Padre Raphael Bluteau, em seu Vocabulario, no “Catalogo Alphabetico, Topographico, e Chronologico dos Authores Portuguezes Citados pela Mayor Parte nesta Obra”, ressaltando, segundo a linguista Clotilde de Almeida Azevedo Murakawa, em citação transcrita abaixo, “a importância de um corpus de referência formado por autores portugueses”: [as] palavras não significam por sua natureza, mas por instituiçam dos homens; & cada Nação, assim Barbara, como polida, deu principio, & sentido às palavras, de que usa. Daqui nace, que não temos outra prova da propriedade das palavras, que o uso dellas, & deste uso não hâ evidencia mais certa, & permanente, que a q~ nos fica nas obras dos Autores, ou manuscritas, ou impressas.81 No léxico, portanto, e sobretudo nas fontes primárias que lhe servem de suporte, o testemunho de um tempo, de uma cultura, da História humana. 1.3 O léxico e sua organização O léxico de uma língua natural, segundo a linguista e dicionarista Maria Tereza de Camargo Biderman, “constitui uma forma de registrar o conhecimento do universo. Ao dar nomes aos seres e objetos, o homem os classifica simultaneamente. Assim, a nomeação da realidade pode ser considerada como a etapa primeira do percurso científico do espírito humano de conhecimento do universo”.82 Ao realizar essa nomeação, 80 Gonçalves, 2007, p. 45-46. 81 Bluteau, 1712, v. 1 apud Murakawa, 2007, p. 165. 82 Biderman, 1998, p. 11. 26 [o] indivíduo se apropria do real como simbolicamente sugere o relato da criação do mundo na Bíblia, em que Deus incumbiu ao primeiro homem dar nome a toda a criação e dominá-la. A geração do léxico se processou e se processa através de atos sucessivos de cognição da realidade e de categorização da experiência, cristalizada em signos lingüístico: as palavras.83 Palavra, elemento dessa nomeação da realidade, aqui, é tomada na acepção que lhe confere a linguista Maria Aparecida Barbosa: “unidade-padrão do glossário, tem significado específico, estruturado como epissemema84 — daquela ocorrência, naquela combinatória — relacionado a um chronos, a um topos, a um stratum e a uma phasis.85 Trata-se de unidade de um discurso manifestado, in praesentia,86 sendo, portanto, também tomada como uma unidade significativa tomada do léxico (conjunto abstrato das unidades lexicais da língua).87 Difere, portanto, de um vocabulário, que é unidade de norma, in absentia.88 Léxico, por sua vez, é considerado, conforme já exposto acima, como “o conjunto abstrato das unidades lexicais da língua”.89 Biderman ainda assinala que “o léxico de qualquer língua constitui um vasto universo de limites imprecisos e indefinidos”;90 que “o léxico de uma língua natural pode ser identificado com o patrimônio vocabular de uma dada comunidade lingüística ao longo de sua história” [...];91 que “o acervo verbal de um idioma é o resultado de um processo de categorização secular e até milenar, através do conhecimento das semelhanças e das diferenças entre os elementos a experiência humana, tanto a experiência resultante da interação com o ambiente físico como com o meio cultural”;92 que “esse patrimônio constitui um tesouro cultural abstrato; ou seja, uma herança de signos lexicais herdados de uma série de modelos categoriais para gerar novas palavras”;93 e que “o léxico é o único domínio da língua que constitui um sistema aberto, diversamente dos demais, fonologia, morfologia e sintaxe, que constituem sistemas fechados”.94 Segundo Antônio Houaiss, “a ‘abertura’ do léxico é, potencialmente, enorme” e essa “abertura” é espaço algo incógnito;95 Oliveira, por sua vez, afirma que o léxico é o “nível 83 Biderman, 1998, p. 11. 84 “L. Blomfield chama de epissemema o sentido de uma forma tática, isto é, de uma disposição gramatical mínima; assim, a ordem SN-V (forma tática) tem o sentido (epissemema) de atuante-ação” (DUBOIS et al., 1978, p. 220). 85 Chronos, topos, stratum e phasis são, respectivamente, tempo, espaço/lugar, estrato e fase, relativos a variações linguísticas diacrônica, diatópica, diastrática e diafásica. 86 Em presença (cf. BARBOSA, 1996, p. 40). 87 Biderman, 1999, p. 88-89. 88 Em ausência (idem, ibidem). 89 Biderman, 1999, p. 88. 90 Biderman, 1978, p. 139 apud Biderman, 1998, p. 14. 91 Idem, ibidem. 92 Biderman, 1981, p. 134. 93 Biderman, 1998, p. 11. 94 Biderman, 1998, p. 12. 95 Houaiss, 1992, p. 72. 27 lingüístico que melhor expressa a mobilidade das estruturas sociais, a maneira como sociedade vê e representa o mundo”;96 de acordo com Krieger, ele cumpre “a função de nomear os seres, os objetos, as ações e processos que identificam o mundo fenomenológico e aquele percebido pelos homens” e, por seu dinamismo, torna-se “o pulmão das línguas, e, simultaneamente, um objeto multifcetado e em constante mobilidade”.97 Isso porque o léxico é um sistema aberto (reforçamos) e, “numa perspectiva cognitivo-representativa, a codificação da realidade extralingüística interiorizada no saber de uma dada comunidade lingüística”.98 Isso posto, fica claro que é possível que, em um corpus que reúne manuscritos de (e sobre) inconfidentes mineiros que cobrem período superior a 50 (cinquenta) anos, é possível que, como alguns dos personagens envolvidos na Inconfidência tinham contato com ideais e ideais de liberdade da França e dos Estados Unidos da América, os dados fornecidos pelo corpus incluem neologismos e/ou estrangeirismos. Parece-nos igualmente possível que, como era situação comum, na América Portuguesa, os contatos e envolvimentos entre portugueses, mestiços e escravos — alguns deles envolvidos na Inconfidência Mineira, outros nas atividades mineradoras, para as quais serviam especialmente negros africanos denominados “Minas” —, e, no período de degredo de inconfidentes, o contato destes, em países africanos, com autoridades e outras pessoas nativas desses países, haja influência ou empréstimo linguístico de origem africana no vocabulário que usam na modalidade escrita, nesse corpus. Outra possibilidade que vislumbramos é a de já haver certa diferenciação da língua escritano Brasil (final do século XVIII e início do século XIX), nos textos do corpus, comparativamente à de autoridades portuguesas (membros do Conselho Ultramarino e outros). Outra, ainda, a de haver diferença perceptível, por meio de análise mais refinada do corpus e de seus dados, entre a escrita de uma pessoa de certa classe social e a de uma pessoa de outra classe social. Por isso, e considerando pressupostos da Sociolinguística Laboviana,99 tecemos, a seguir, algumas considerações sobre Lexicologia e Lexicografia, com vistas a breve análise de palavras extraídas do corpus desta pesquisa, que faremos preceder um glossário, entendido, desde já, como um “dicionário de discurso”, e não um “dicionário de língua”, porque para as entradas serão selecionadas como “unidades [...] e informações gramaticais e semânticas que [...] dizem respeito a um corpus, exteriormente delimitado, que funciona como discurso individual, 96 Oliveira, 2001, p. 110. 97 Krieger, 2001, p. 163. 98 Vilela, 1997, p. 31. 99 Labov, 1972. 28 como exemplo de um ato de fala produzido num dado tempo e lugar”,100 em contexto, específicos, portanto. 1.4 Lexicologia e Lexicografia: algumas considerações. O léxico se constitui e se organiza em torno das ações humanas — do nomear, ao fazer e ao pensar —, e as disciplinas tradicionais que se ocupam dele são a Lexicologia e a Lexicografia, que o abordam e estudam de modos distintos, mas visando à sua descrição. A Lexicologia visa estudar e analisar a palavra, a categorização léxico-gramatical e a estruturação do léxico.101 Preconizando que cada palavra de uma língua faz parte de uma estrutura vasta, que pode ser considerada segundo coordenadas com dois eixos — paradigmático e sintagmático —, Biderman afirma que [d]a conjugação dessas simples coordenadas resulta a grande complexidade das redes semântico-lexicais em que se estrutura o léxico, evidenciando como a palavra inserida numa cadeia paradigmática se articula em combinatórias sintagmáticas, gerando um labirinto infindo de significações lingüísticas.102 e que, “[e]mbora se atribua à Semântica o estudo das significações lingüísticas, a Lexicologia faz fronteira com a Semântica, já que, por ocupar-se do léxico e da palavra, tem que considerar sua dimensão significativa”.103 Essa mesma pesquisadora tece considerações sobre outras fronteiras que a Lexicologia estabelece com outras ciências, por se ocupar da formação de palavras (tangenciando área da Morfologia); realizar pesquisas com Estatística Léxica (ou Léxico- Estatística); buscar entender a origem e a filiação de famílias linguísticas — área da Glotocronologia —; tangenciar a Semântica Evolutiva ou Diacrônica; realizar estudos em áreas interdisciplinares, sobre Palavras e Coisas (relações entre língua e cultura). Georges Matoré, escrevendo sobre Lexicologia, afirma, categoricamente: A Lexicologia ocupa uma posição especial entre a Linguística e a Sociologia. Situação difícil, porque impõe múltipla documentação: disciplina sintética, a Lexicologia deve emprestar tomar seu material emprestado da história da civilização, da lingüística, da história, da economia, etc. ... etc. ... Situação privilegiada também, porque, como observou precisamente H. Sée, é a margem de várias ciências do homem "é possível encontrar explicações frutíferas, para ver as conexões que escapam aos trabalhadores de especialidades distintas [SÉE, 1932, p 192]”. (MATORÉ, 1953, p. 50).104 100 Barbosa, 1996, p. 43. 101 Biderman, 1998. 102 Biderman, 1998, p. 14. 103 Idem, ibidem. 104 Tradução nossa para: “La lexicologie occupe donc une situation particulière entre la linguistique et la sociologie. Situation difficile puis-qu’elle impose une documentation multipe: disciplina synthétique, la lexicologie doit emprunter ses matériaux à l’histoire de la civilisation, à la linguistique, à l’histoire économique, etc..., etc... Situation privilégiée aussi, puisque comme le note justement H. Sée, c’est aux confins des diverses sciences de l’homme “qu’il est possible de trouver des explications fécondes, de voir des rapprochements qui échappent aux travailleurs de spécialities séparées”. (MATORÉ, 1953, p. 50). 29 Esquematicamente, apresenta-nos um pouco dessa imbricação desta forma: FIGURA 1 - A Lexicologia e suas ciências vizinhas. Fonte: Adaptado de Matoré, 1953, p. 51. Já a Lexicografia é definida como a ciência dos dicionários. Ocupou-se, segundo Biderman, “nos séculos XVI e XVII, com a elaboração dos primeiros dicionários monolíngües e bilíngües (latim e uma língua moderna)”.105 Divide-se, hoje, em linhas gerais, em Lexicografia Prática, cujo objetivo principal é a análise da significação das palavras, e em Lexicografia Teórica (ou Metalexicografia), que se ocupa da análise de dicionários: sua história, suas estruturas, seus usos, adequações. Segundo Reinhold Werner, a lexicografia é “a descrição do léxico que se ocupa das estruturas e regularidades da totalidade do léxico de um sistema individual ou de um sistema coletivo”.106 Sobre o labor lexicográfico de interesse deste trabalho versa o próximo item deste trabalho, apresentado a seguir, e o Capítulo 3 – Procedimentos Teórico-Metodológicos. 105 Biderman, 1998, p. 15. 106 Tradução nossa para: “[…] descripción del léxico que se ocupa de las estructuras y regularidades dentro de la totalidade del léxico de un sistema individual o de un sistema colectivo […]” (WERNER, 1982, p. 92-93). 30 1.5 A definição lexicográfica Escrevendo especificamente sobre definição lexicográfica, Maria Tereza de Camargo Biderman (1993) afirma que: [n]a prática lexicográfica, a definição de uma palavra consiste numa paráfrase dessa palavra, equivalente a ela semanticamente. Através dela, o lexicógrafo pretende explicitar o que os usuários de uma língua compreendem ao se fazer referência a uma dada palavra. A definição lexicográfica baseia-se numa análise conceptual, sendo que o lexicógrafo faz uma análise semântica da palavra a ser definida. Nessa tarefa, o definidor deve ser rigoroso, estabelecendo uma equação sêmica e não uma adivinhação, para que o definiendum seja identificado sem ambigüidade.107 Nessa prática, preconiza ela, com apoio em Ladislav Zgusta,108 que o rigor do lexicógrafo deve ser tal que permita identificar, de forma inequívoca, o objeto definido (definiendum), [...] de tal modo que ele deva, por um lado, contrastar radicalmente com todos os outros objetos susceptíveis de definição, e por outro lado, caracterizar-se de modo positivo e inequívoco como membro da classe mais próxima, a definição lexicográfica enumera os mais importantes traços semânticos da unidade léxica que bastem para distingui-las das outra unidades.109 Neste trabalho, consideramos apenas 1 (uma) categoria de definiendum (objeto definido), a saber: substantivo (concreto e abstrato). Seguindo recomendação de Biderman (1993), consideraremos, para a definição das palavras dessa categoria, a análise sêmica (substancial) — que se reporta à substância do objeto em definição — ou de relação (relacional) do objeto em definição com outra palavra do enunciado. Sobre substantivos - a definição substancial, neste trabalho, responde à pergunta “o que é definido?”, apontando os predicados do objeto — “as características que o identificam e o distinguem de qualquer outro referente do repertório de signos”110 — e será feita por Hiperonímia, Metonínima, Enumeração, Aproximação ou Antonímia, evitando-se a definição por Sinonímia (que oferece palavras como tendo equivalentes léxicos em vários contextos), não recomendada por Biderman (1993), conforme informamos no Capítulo 3 - Procedimentos
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