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Prof. Me. Kércio Prestes A Gestação do Espaço Psicológico no século XIX: liberalismo, romantismo e regime disciplinar DISCIPLINA: FUNDAMENTOS EPISTEMOLÓGICOS DA PSICOLOGIA 1.A Gestação do Espaço Psicológico no século XIX “O século XIX pode ser e tem sido caracterizado como o do apogeu do liberalismo e do individualismo como princípios de organização econômica e política. É sabido também, que no campo das artes e da filosofia o século XIX assistiu ao pleno desabrochar dos movimentos românticos. Finalmente, desde Foucault (1977) o mesmo século pode ser identificado como o do início de uma sociedade organizada pelo regime disciplinar.” (FIGUEIREDO, 2017, p. 123 grifo nosso) 1.A Gestação do Espaço Psicológico no século XIX 3 formas de viver e pensar a vida em sociedade, que coexistiram, no século XIX: I. Liberalismo (econômico-político) II. Romantismo (artístico-filosófico) III. Práticas Disciplinares (técnico-científico) 1.A Gestação do Espaço Psicológico no século XIX “[...] o espaço psicológico, tal como hoje o conhecemos, nasceu e vive precisamente da articulação conflitiva daquelas três formas de pensar e praticar a vida em sociedade.” (FIGUEIREDO,2017, p. 123) 1.A Gestação do Espaço Psicológico no século XIX Liberalismo Práticas Disciplinares Romantismo 1.A Gestação do Espaço Psicológico no século XIX Estudaremos cada um desses pólos a partir dos valores mobilizados por cada um deles. Aquilo que cada um pretende defender, afirmar e positivar. As correntes psicológicas que nascerão influenciadas por tal articulação conflitiva, inevitavelmente também mobilizarão alguns desses valores. 2. O que são valores? • Antes de estudar cada um desses pólos e os valores mobilizados precisaremos fazer uma pequena digressão e nos perguntarmos: o que entendemos por valores? • Valor X Objetivo 2. O que são valores? VALOR OBJETIVO Não tem fim, é o próprio fim Tem fim, possível de ser concluído. Abstratos, gerais. Concretos Exemplos: Ser um bom profissional Formar-se em psicologia Inegociável!!! 2. O que são valores? • “Os valores são diferentes dos objetivos, pois se apresentam de formas mais gerais, abstratas e não podem ser completamente satisfeitos, são como qualidades da ação; já os objetivos são as próprias ações, mais concretos e suscetíveis a saciação. Os valores são direções que organizam os objetivos de forma coerente.” (SABAN, 2015, p. 85) 2. O que são valores? A partir de Hayes (2005) podemos entender que todos temos valores, e que a aparência a falta de valores, ou a dificuldade de descrevê-los, é resultado de fusões cognitivas com conteúdos perturbadores junto a uma história de vida aversiva/punições. “A falta de valores é ocasionada por uma história de vida muito aversiva, na qual o indivíduo não faz construções futuras por defesa, por temer que sua história de punição ou ausência de reforçadores positivos se repita. Quando há sofrimento, indica algo com que o indivíduo se importa e que não tem” (SABAN, 2015, p. 85). 2. O que são valores? • Ademais, a Terapia de Aceitação e Compromisso propõe uma discussão acerca de valores, sendo estes entendidos como “[...] construções verbais globais de consequências desejadas a vida, direcionamento de ações” (SABAN, 2015, p. 84). • Quando se fala em ações com compromisso quer ressaltar-se uma outra característica dos valores que corresponde a um tipo de posicionamento em relação a alguns estímulos aversivos (principalmente no que se refere a estimulação aversiva encoberta). Um valor é algo que orienta de tal forma as ações e objetivos que o cliente aceita se submeter a determinada estimulação aversiva encoberta, mesmo que aqueles incialmente lhe causem sofrimento, porque está compromissado com seus valores. 2. O que são valores? • Poderíamos falar ainda de ações com compromisso devido ao fato dos valores, enquanto direcionamento de ações, possibilitarem que o indivíduo emita determinadas ações mesmos que estas só produzam consequências reforçadoras a longo prazo. Desta forma, trata-se de pedir ao cliente que descreva seus valores e que procure escalonar (vibração) o quanto estes de fato o afetam e são prioridade na sua vida. 2. O que são valores? • “Estes propósitos, além de permearem as intervenções, trazem consigo uma postura frente à vida, um modo de ser humano, que implica essencialmente em autoaceitação e integridade nas ações em direção aos valores pessoais” (SABAN, 2015, p. 97). O espaço psicológico tal qual o conhecemos hoje nasce e vive precisamente da articulação conflitiva desses 3 pólos: liberalismo, romantismo e regime disciplinar (FIGUEIREDO, 2017) Liberalismo Práticas Disciplinares Romantismo John Stuart Mill Jeremy Bentham (utilitarismo) Richard Wagner 3. LIBERALISMO “O liberalismo na sua versão original, formulada em suas linhas básicas por John Locke (1632 – 1704), sustentava a tese dos direitos naturais do indivíduo a serem consagrados por um Estado nascido de um contrato livremente firmado entre indivíduos autônomos para garantir seus interesses. Ao Estado não cabia intervir e administrar a vida particular de ninguém, seja no plano das opiniões, seja no da vida doméstica, seja no dos negócios, mas apenas regular as relações entre indivíduos para que nenhum tivesse seu direito violado pelos demais.” (FIGUEIREDO, 2017, p. 124) 3. LIBERALISMO Direitos naturais do indivíduo a serem defendidos e consagrados pelo Estado; Contrato Social (pactuado entre cidadãos autônomos); Estado intervém apenas para que nenhum cidadão tenha seus direitos violados. Preservar o espaço da privacidade contra os eventuais abusos do poder público. Apego ao particular, ao individual. Sociedade individualista. Principais valores: defesa dos direitos individuais direito à propriedade privada, à vida, à liberdade, privacidade. 3. Liberalismo Liberalismo Econômico (Adam Smith) Função do Estado: garantir direitos individuais (vida, liberdade, propriedade privada). Estado deve arbitrar e não regular conflitos que possam surgir na sociedade civil. (...) deixe-se a cada qual, enquanto não violar as leis da justiça, perfeita liberdade de ir em busca de seu próprio interesse, a seu próprio modo, e faça com que tanto seu trabalho como seu capital concorram com os de qualquer outra pessoa ou categoria de pessoas. (SMITH, 1983, p. 47) Assim é que os interesses e os sentimentos privados dos indivíduos os induzem a converter seu capital para as aplicações que, em casos ordinários, são as mais vantajosas para a sociedade. (SMITH, 1983, p. 104) 3. Neoliberalismo* (curiosidade) Neoliberalismo* (já é séc. XX) Estado: promotor de condições positivas à competitividade individual e aos contratos privados, chamando atenção para os riscos decorrentes da intervenção estatal nas esferas da vida em sociedade. (...) só há dois meios de coordenar as atividades de milhões. Um é a direção central, utilizando a coerção – a técnica do Exército e do Estado totalitário moderno. O outro é a cooperação voluntária dos indivíduos – a técnica de mercado. (FRIEDMAN, 1977, p. 87) 4. REGIME DISCIPLINAR Governo da população através de critérios técnicos- científicos; Predominância da técnica no controle das coletividades. Princípio da razão calculadora, funcional e administrativa. Predominância da técnica no controle das multiplicidades. O que importa é o que melhor pra maioria da população. Ideia de que o ser humano pode ser governável. Liberalismo Práticas Disciplinares Romantismo John Stuart Mill Jeremy Bentham (utilitarismo) Richard Wagner 5. Utilitarismo: liberalismo e regime disciplinar • “No entanto, antes mesmo que o liberalismo alcançasse essenível de elaboração, havia surgido uma versão das ideias liberais que dava ao liberalismo um novo rumo que, progressivamente, o foi descaracterizando. Isso ocorreu através da obra de Jeremy Bentham (1748 – 1832), o criador do utilitarismo.” (FIGUEIREDO, 2017, p. 125) 5. Utilitarismo: liberalismo e regime disciplinar Crença e a defesa intransigente dos direitos naturais do indivíduo (liberalismo) Cálculo Racional das Felicidades (Bem-estar da maioria) 5. Utilitarismo: liberalismo e regime disciplinar Dilema do Bonde – Philippa Foot 5. Utilitarismo: liberalismo e regime disciplinar Reformulações do Dilema do Bonde – Judith Jarvis Thomson 5. Utilitarismo: liberalismo e regime disciplinar Reformulações do Dilema do Bonde 1 paciente saudável 5 pacientes doentes 5. Utilitarismo: liberalismo e regime disciplinar • “O Estado já não se mantém nos limites de suas antigas funções, mas vai gradativamente assumindo a de intervir positivamente na administração da vida social. „A missão dos governantes consiste em promover a felicidade da sociedade, punindo e recompensando‟ (Bentham, 1789/1989, p. 19)”. (FIGUEIREDO, 2017, p. 125) • Estado já não fica apenas na função de apenas garantir que direitos sejam violados, ele intervém deliberadamente pra produzir consequências vistas como positivas para a vida da maioria. 5. Utilitarismo: liberalismo e regime disciplinar • O valor principal já não é o da liberdade e dos direitos naturais, mas nas consequências positivas ou negativas das leis e das ações que elas propiciam ou proíbem (FIGUEIREDO, 2017). 5. Utilitarismo: liberalismo e regime disciplinar Propiciar o bem/ a felicidade da maioria punindo e recompensando. O Estado quando intervém é pensando nas consequências positivas e negativas de sua ação na felicidade da maioria. Ênfase nas consequências, como estas são avaliadas em termos de coletividade. “A natureza colocou o gênero humano sob o domínio de 2 senhores: a dor e o prazer.” Versão racionalista, tecnocrática e construtiva do liberalismo. 5. Utilitarismo: liberalismo e regime disciplinar Legislar e justificar as ações e intervenções do poder público em termos da soma total da felicidade. Embora perdas e ganhos em felicidade de cada indivíduo sejam as unidades básicas de cálculo – o que importa é somar as felicidades de cada um no grande balanço coletivo da soma total de felicidade. (FIGUEIREDO, 2017) 5. Utilitarismo: liberalismo e regime disciplinar • “Estes pólos atraem-se e repelem-se. As linhas cheias ligando- os dois a dois correspondem às suas mais ou menos dissimuladas relações de afinidade e complementaridade. Para nosso uso, podemos designar essas superfícies com o nome de alguns dos personagens da história. Teríamos, assim, uma superfície Bentham ligando o liberalismo ao regime disciplinar. Nesta superfície os procedimentos disciplinares encontram-se com seus objetos precípuos – os indivíduos livres – e, na direção oposta, os átomos sociais encontram-se com seus controles próprios” (FIGUEIREDO, 2017, p. 125) 6. ROMANTISMO • Romantismo como o Iluminismo correspondem a um movimento de exteriorização das experiências privatizadas. • Concepção de natureza humano como desejante e impulsiva (não-disciplinar). • Valorização dos sentimentos, das paixões (emocional) ao invés da razão (racional) • Valorização da loucura, dos estados alterados de consciência e controle sobre si mesmo (valorização do uso de drogas), da espontaneidade. • Crítica a sociedade que massifica, padroniza, homogeneiza, silencia as diferenças individuais. 6. ROMANTISMO • Dicotomia Indivíduo (que deseja ser aquilo que nasceu pra ser) X Sociedade (que obriga, que nos força a adaptar-nos aos padrões estabelecidos) • Restauração de modos de relação entre os homens e entre eles e o mundo físico e histórico que trariam de volta a integridade, a espontaneidade e a fecundidade da vida coletiva e individual. 6. ROMANTISMO • Valorização de formas arcaicas de organização social, formas de contato com a natureza de maneira mais espontânea (crítica à tecnologia, ao avanço da sociedade industrial). • Valorização de formas de contato considerados mais harmônicas com a natureza. 6. ROMANTISMO • Conceito de personalidade capacidade de se autopropulsionar, autodesenvolver, criar e na própria criação, transcender-se e integrar- se às coletividades e tradições. • Defesa romântica das paixões, dos impulsos, dos estados alterados da consciência, a valorização das drogas alucinógenas, dos êxtases. Valorização da loucura, dos dedobramentos da personalidade. Desdém para as representações racionais. Liberalismo Práticas Disciplinares Romantismo John Stuart Mill Jeremy Bentham (utilitarismo) Richard Wagner 7. John Stuart Mill Pai era um dos principais discípulos de Bentham e educou seus filhos sob o mais estrito controle disciplinar. Série de crises existenciais, falta de sentido e valores autênticos. (aproximação com os românticos ingleses e alemães) Concepção de natureza humano como desejante e impulsiva (não- disciplinar). As liberdades (espontânea) estão sendo ameaçadas pelo fortalecimento da sociedade. 7. John Stuart Mill Crítica a sociedade massifica, homogeneiza as diferenças. Liberdade não-interferência: cada um siga seu projeto de vida, seja quem deve ser. Evitar que a vida social se reduza ao seu domínio instrumental, racional e calculadora. Romantismo tem toda essa crítica a sociedade que massifica, que dizima as diferenças. Mas será que elas sempre foram essencialmente opostas? Será que não existiu ao longo da história uma forma de conjunção entre Romantismo e Regime Disciplinar? Liberalismo Práticas Disciplinares Romantismo John Stuart Mill Jeremy Bentham (utilitarismo) Richard Wagner 8. Richard Wagner Vínculos menos evidentes entre práticas românticas e sociedade administrada. Baudelaire refere-se a música de Wagner como ardente (emocional, mexe com as paixões) e despótica (que exerce um controle) pelo seu poder subjugante. 8. Richard Wagner “Nem todos os artistas românticos tiveram a capacidade de Wagner para conciliar a ordem e a paixão na criação e na realização de obras de arte totais que colhem e orquestram todos os sentidos do público e conduzem emoções e vontades despoticamente” (FIGUEIREDO, XXXX, p. 140) 8. Richard Wagner 8. Richard Wagner “[...] a vinculação subterrânea do romantismo, mesmo o mais revolucionário (era, por sinal, o caso de Wagner), com a docilização dos homens subjugados pela exibição da força, da vontade e do poder” (FIGUEIREDO, 2017, p. 140 grifo nosso) 8. Richard Wagner Personalidade carismática: capaz de exercer um poder suprarracional sobre os homens, de mobilizar suas paixões, conquistar suas mentes, modelar suas crenças, empolgar suas vontades e conduzir suas ações é na política e nas artes o retrato do gênio romântico. 8. Richard Wagner Paixão pela ordem, pela máxima organização e controle 8. Richard Wagner “E não somente o fascismo histórico de Hitler e de Mussolini - que tão bem souberam mobilizar e utilizar o desejo das massas -, mas o fascismo que está em nós todos, que martela nossos espíritos e nossas condutas cotidianas, o fascismo que nos faz amar o poder, desejar esta coisa que nos domina e nos explora.” (FOUCAULT, 2004, p. 05) 8. Richard Wagner “Os relatos de sobreviventes falam em um "estado de transe coletivo", mas uma sinistra gravação dos procedimentos, que inclui discursos de Jones, contém gritos de agonia das pessoas envenenadas. Muitos dos que tentaram fugir foram mortos.” Fonte:https://www.bbc.com/portuguese/geral-46258859 Personalidade carismática e controle supraracional das pessoas: Jim Jones induziu ao suicídio coletivo de mais de 900 pessoas https://www.bbc.com/portuguese/geral-46258859 https://www.bbc.com/portuguese/geral-46258859 https://www.bbc.com/portuguese/geral-46258859 https://www.bbc.com/portuguese/geral-46258859 https://www.bbc.com/portuguese/geral-46258859 https://www.bbc.com/portuguese/geral-46258859 https://www.bbc.com/portuguese/geral-46258859 https://www.bbc.com/portuguese/geral-46258859 https://www.bbc.com/portuguese/geral-46258859 8. Richard Wagner Personalidade carismática: capaz de exercer um poder suprarracional sobre os homens, de mobilizar suas paixões, conquistar suas mentes, modelar suas crenças, empolgar suas vontades e conduzir suas ações é na política e nas artes o retrato do gênio romântico.
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