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FUNDAMENTOS DE QUÍMICA MEDICINAL Elenilson Figueiredo da Silva Aspectos teóricos da ação de fármacos Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Distinguir as teorias e os mecanismos de ação dos fármacos. � Reconhecer os receptores de fármacos e discutir as interações fármaco-receptor. � Identificar os tipos de ação de fármacos e relacionar aos seus aspectos estereoquímicos. Introdução Atualmente, os fármacos disponíveis são separados por classes farma- cêuticas de acordo com suas atividades terapêuticas e seus mecanismos de ação. Dessa forma, podemos dizer que o diclofenaco de potássio, por exemplo, é um fármaco anti-inflamatório quanto à sua classe terapêutica e um inibidor das enzimas ciclo-oxigenases COX-1 e COX-2 em relação ao seu mecanismo de ação. Quanto aos seus mecanismos de ação, os fármacos podem agir de forma específica ou inespecífica. Os fármacos ditos específicos são estudados com base em sua estru- tura química, assim, sua atividade terapêutica depende diretamente da sua estrutura e da sua ligação a um receptor (molécula-alvo). Os fármacos que agem de forma inespecífica, no entanto, não dependem diretamente de sua estrutura química, mas, sim, de suas propriedades físico-químicas, como basicidade, acidez, solubilidade, hidrofobicidade, entre outros. Neste capítulo, você irá aprender como os fármacos específicos e inespecíficos agem em nosso organismo, qual a relação entre as estruturas químicas e a atividade terapêutica e quais os tipos de receptores para os fármacos específicos, bem como as principais teorias acerca da ação dos fármacos. Mecanismo geral da ação dos fármacos O mecanismo de ação dos fármacos é um termo diretamente relacionado às propriedades farmacodinâmicas das drogas e depende exclusivamente da sua estrutura química, portanto, o conhecimento prévio sobre Farma- codinâmica é de fundamental importância para o entendimento de tais mecanismos. Segundo Goodman, a Farmacodinâmica pode ser descrita como a área da Química Farmacêutica que estuda os efeitos de drogas ou fármacos nos organismos, bem como os seus mecanismos de ação e a relação entre a dose do fármaco e o efeito biológico (BRUNTON; CHABNER; BJÖRN, 2012). Você, em algum momento, já usou medicamentos para aliviar a dor ou se prevenir contra alguma patologia. Nesse momento, é muito comum surgirem perguntas do tipo: Como os fármacos agem? Por que eu devo seguir uma posologia para o uso do fármaco? Essas e outras perguntas são respondidas com base em estudos da Farmacodinâmica e da relação estrutura-atividade. De maneira mais simples, podemos dizer que a Farmacodinâmica estuda o modo de interação entre os fármacos e seus receptores, bem como a inter-relação da concentração do fármaco e a estrutura-alvo. Agora que você já conhece a Farmacodinâmica, vamos analisar, de forma mais específica, os mecanismos de ação dos fármacos no seu sítio ativo. De maneira geral, os fármacos podem exercer sua atividade terapêutica de diferentes duas formas: por meio de interações físico-químicas, ou se ligando a uma molécula-alvo (receptor). Os primeiros são também chamados de fár- macos estruturalmente inespecíficos, enquanto os segundos são chamados de fármacos estruturalmente específicos. Os fármacos com estruturas inespecíficas exercem sua atividade por in- termédio de ligações, ou reações químicas, portanto, dependem de algumas características moleculares de interação, como lipofilicidade, basicidade, acidez, solubilidade, entre outras que veremos mais adiante. Já os fármacos estruturalmente específicos, para exercer sua atividade terapêutica, devem se ligar a uma molécula-alvo, ou seja, a um receptor. Para que essa ligação seja possível, o fármaco em questão deve ter uma estrutura química específica que tenha afinidade com o receptor. Aspectos teóricos da ação de fármacos2 Para que seu entendimento fique mais claro, vamos acompanhar a Figura 1. A Figura 1a mostra dois exemplos bastante ilustrativos acerca do mecanismo de ação do hidróxido de magnésio (fármaco inespecífico) e do diclofenaco de potássio (fármaco específico). O hidróxido de magnésio, também conhecido como leite de magnésio, é um composto básico, com a fórmula química Mg(OH)2, utilizado como antiácido estomacal e também como laxante. O estômago é o principal órgão responsável pela digestão dos alimentos, para tanto, ele secreta ácido clorídrico HCl, um forte ácido que auxilia a degradação dos alimentos e, consequente, a digestão destes. Embora a secreção de ácido clorídrico seja um processo fisiológico, muitas vezes essa secreção pode estar alterada, o que leva ao desconforto estomacal (sensação de queimação). Isso ocorre, principalmente, quando consumimos alimentos difíceis de serem digeridos, como as gorduras. Tal processo é conhecido como azia. Note que o mecanismo de ação do hidróxido de magnésio depende de suas características físico-químicas básicas e que esse fármaco exerce sua atividade por meio de uma reação de neutralização, com o ácido clorídrico, diminuindo a sua concentração no estômago. Agora, se observamos a Figura 1b, podemos perceber que o diclofenaco de potássio, um fármaco anti-inflamatório, exerce seu mecanismo de ação pela ligação e consequente inibição das enzimas COX-1 e COX-2. As enzimas COX são enzimas envolvidas no processo inflamatório, dessa forma, os fármacos que inibem sua atividade inibem também o processo de inflamação. Por se ligarem a um alvo específico, os anti-inflamatórios inibidores das COX são classificados como fármacos estruturalmente específicos. 3Aspectos teóricos da ação de fármacos Figura 1. Exemplos de fármacos inespecíficos e específicos. (a) Mecanismo de ação do leite de magnésio; (b) mecanismo de ação do diclofenaco de potássio. Fonte: Adaptada de Pictame (2018) e Aprendendo Química (2015). COX-1 COX-2 COX-3 AA Prostaglandinas Homeostatico funções: In�amação • Trato gastrointestinal • Função renal • Função plaquetária • Mediadores in�amatórios • Dor • Febre Estômago Suco gástrico (contém HCl) a) b) Aspectos teóricos da ação de fármacos4 http://www.pictame.com/user/farmacologiadicas/2070200896/1166646059708843807_2070200896 A transdução do sinal e a estereoquímica dos fármacos estruturalmente específicos Como você aprendeu anteriormente, os fármacos com estruturas específicas agem se ligando a uma molécula-alvo e essa ligação depende de sua estrutura química. Para exercer seus efeitos terapêuticos, os fármacos utilizam um pro- cesso chamado de transdução do sinal, como pode ser observado na Figura 2a. A primeira etapa da transdução do sinal é a recepção, seguida pela am- pliação e pela transdução. Na primeira etapa da transdução do sinal, ou seja, na recepção, o fármaco se liga ao seu receptor e essa ligação é mediada pela estrutura química do fármaco e por sua estereoquímica. A Figura 2b exemplifica a influência da estereoquímica no fármaco e a ligação com seu receptor. Observe que a forma enantiomérica R desse fár- maco é a forma ideal de ligação com o receptor, ou seja, essa forma tem uma configuração favorável ao encaixe com o receptor, enquanto a conformação S do mesmo fármaco não consegue se encaixar com o receptor e, portanto, não desempenha seus efeitos terapêuticos. Assim, fica claro perceber que não apenas os grupos funcionais de um dado fármaco são importantes para sua atividade, mas também a forma especial como tais grupos estão organizados na molécula. Uma vez ligado ao seu receptor, o complexo fármaco-receptor amplifica o sinal recebido e dá início à transdução do sinal, gerando, como consequência, uma resposta biológica. É importante ressaltar que a transdução do sinal tem como objetivo transformar um sinal químico (como uma ligação fármaco-receptor) em um sinal biológico, alterando padrões celulares e desempenhando uma resposta. Figura 2. (a) Mecanismo de ação dos fármacos específicos; (b) relação entrea estereoquímica do fármaco e sua ligação a receptores. Fonte: Adaptada de Government Medical College and Hospital (2018). Fármaco Recepção Ampli�cação Transdução Resposta Enatiômero R Local de ligação do receptor Local de ligação do receptor Enatiômero Sa) b) 5Aspectos teóricos da ação de fármacos As reações de neutralização, como as envolvidas no me- canismo de ação do leite de magnésio, ocorrem entre um ácido e uma base, gerando como produtos o sal e a água, como pode ser observado no esquema a seguir: HA + BOH → BA + H2O Sendo: HA = um ácido HB = uma base. Esses compostos, quando entram em contato, neutra- lizam o pH de soluções por intermédio da formação de sal e água (pH neutro). Você pode encontrar mais detalhes acerca das reações de neutralização acessando o link ou o código a seguir. https://goo.gl/nXttDs Tipos de receptores e a interação fármaco-receptor Os receptores celulares são macromoléculas presentes na célula-alvo e são responsáveis pelo reconhecimento de substâncias capazes de provocar uma determinada resposta biológica. Os tipos de receptores mais comuns são: receptores ionotrópicos (ligados a canais iônicos), receptores metabotrópicos (ligados à proteína G), receptores com atividade enzimática e receptores intra- celulares (presentes na membrana nuclear da célula ou nos ácidos nucleicos). Sabendo quais são os tipos de receptores, como ocorre o reconhecimento molecular que leva ao efeito biológico? O reconhecimento do fármaco pelo receptor somente acontecerá mediante uma interação seletiva entre eles. Essa interação entre o ligante e a macromolécula receptora depende de caracte- rísticas estruturais e da disposição espacial dos grupos funcionais presentes nos fármacos, de forma que estes se liguem a porções específicas do receptor, conhecidas como sítio de ligação. A interação ligante-receptor, que leva ao efeito biológico, ocorre de maneira complementar. Para facilitar seu entendimento, iremos ilustrar por intermédio Aspectos teóricos da ação de fármacos6 do modelo da chave-fechadura. Nesse modelo teórico, explica-se que uma chave ideal (fármaco) deve se encaixar especificamente em uma fechadura (receptor) para abrir determinada porta, metaforicamente falando. O fármaco deve ter características estruturais complementares ao receptor para desen- cadear uma resposta biológica. Segundo o modelo chave-fechadura (Figura 3), há três tipos de chave: � Chave original (agonista) — refere-se à chave que tem o modelo com- plementar à fechadura, permitindo a abertura da porta, ou seja, provoca o efeito biológico. � Chave modificada (agonista modificado) — diz-se da chave que tem características muito semelhantes às da chave original, com algumas alterações, mas que ainda abre a porta. No sistema biológico, esse tipo de fármaco pode levar a uma potência diferente da ação biológica. � Chave falsa (antagonista) — classificada como a chave que tem algumas características da chave original que permitem o encaixe na fechadura, mas que não abre a porta. Em outras palavras, o fármaco antagonista não provoca a resposta biológica. Figura 3. Modelo chave-fechadura. A chave original representa o fármaco agonista natural; a chave modificada representa o fármaco agonista modificado, sendo que ambos geram resposta biológica; e a chave falsa representa o fármaco antagonista que provoca o bloqueio da resposta biológica. Fonte: Adaptada Fraga (2001). Sítio receptor Chave Fechadura Chave modi�cada Chave falsa Antagonista Agonista modi�cado Agonista natural A�nidade Atividade intríseca Resposta biológica Resposta biológica Bloqueio da resposta automática 7Aspectos teóricos da ação de fármacos Interação fármaco-receptor Agora que você sabe que o fármaco precisa ser reconhecido por uma macromo- lécula-alvo para que ocorra a ativação de uma determinada resposta biológica, está na hora de aprender como, de fato, esse reconhecimento acontece. Como mostrado no modelo chave-fechadura, o fármaco precisa apresentar características complementares ao receptor. Isso acontece por meio de intera- ções intermoleculares, que são interações físico-químicas que ocorrem entre duas moléculas representadas, principalmente, por forças eletrostáticas, forças de dispersão, ligações de hidrogênio, ligações covalentes e interações hidrofóbicas. Geralmente, essas interações entre o sítio receptor e o fármaco ocorrem em virtude da atração ou repulsão entre eles e/ou com o meio biológico, sem que, necessariamente, haja a quebra ou a formação de novas ligações químicas. Essas interações podem apresentar variações de intensidade de acordo com a polaridade, a eletronegatividade e o estado de ionização das moléculas envolvidas. As forças eletrostáticas decorrem da atração de moléculas de dipolos ou íons de cargas opostas, gerando interações íon-dipolo (quando há interação com uma molécula ionizada e outra molécula com porção carregada positiva ou negativamente) ou dipolo-dipolo (interação entre moléculas neutras e polarizáveis, que têm diferença de eletronegatividade). Essa última, em geral, envolve o efeito atrativo entre o heteroátomo e o carbono. Outro exemplo de interação do tipo dipolo-dipolo é o empilhamento π que acontece entre compostos aromáticos, dependendo da sua orientação (Figura 4). Figura 4. Interações intermoleculares por meio de forças eletrostáticas (íon-dipolo e dipolo-dipolo). Fonte: Adaptada de Barreiro e Fraga (2015). Enzima HH H NArg R RR O O O δ+ δ+ δ+ δ– δ– δ– + Empilhamento π Empilhamento –T Interações dipolo-dipoloInteração íon-dipolo Aspectos teóricos da ação de fármacos8 As forças de dispersão, também conhecidas como interações de London ou dipolo-induzido, ocorrem quando há aproximação entre moléculas apolares, como indução da diferença do momento dipolo entre carbonos ou entre H e C (Figura 5). Figura 5. Forças de dispersão de London ou dipolo-induzido. Fonte: Adaptada de Brasil Escola (2018). CH3 CH3 CH3 CH3 CH2 CH2 CH2 CH2 CH2 CH2 δ + δ – δ + δ + δ + δ + δ + δ + δ + δ +δ + δ + δ + δ – δ – δ – δ – δ – δ – δ – δ – δ – δ – δ – As forças eletrostáticas e de dispersão são interações comuns no dinamismo dos fármacos no sistema biológico. No entanto, trata-se de interações facilmente rompidas quando comparadas às ligações de hidrogênio. As ligações de hidrogênio são caracterizadas por ligação não covalente entre H e heteroátomos eletronegativos (F, O e N) de duas moléculas (Figura 6). Essas ligações são consideradas as mais importantes para a manutenção e a estabilidade de diversas estruturas essenciais no meio biológico, como conformações tridimensionais dos ácidos nucleicos. Além disso, elas podem exercer papel essencial no reconhecimento do fármaco pelo receptor. As interações hidrofóbicas ocorrem entre moléculas apolares que, em função da repulsão à água presente no sistema biológico, organizam-se em cadeias apolares. Ao se aproximarem do sítio receptor, essas cadeias são desfeitas, o que permite a interação do fármaco e do sítio-receptor. 9Aspectos teóricos da ação de fármacos Figura 6. Ligações de hidrogênio (linha tracejada em vermelho) ocorrem entre átomos de H e heteroátomos eletronegativos (F, O, N) de moléculas diferentes. O N R H H H H H H H OOO Por fim, as ligações covalentes, que determinam as mais fortes interações entre fármaco e receptor, as quais são dificilmente rompidas, principalmente na ausência de processo enzimático, são consideradas irreversíveis. Nas ligações covalentes, ocorre a formação de uma ligação sigma entre dois átomos das duas moléculas a compartilhar um par de elétrons. A Figura 7 ilustra o mecanismo de ação do ácido clavulânico, fármaco que tem como alvo a enzima β-lactamase. A enzima β-lactamase é responsável pela inativação dos antibióticos β-lactâmicos em diversas espécies de bactérias. O ácido clavulânico se liga covalentemente ao grupo hidroxila de porções de serina da enzima deforma irreversível, provocando a inativação da β-lactamase. Figura 7. Mecanismo de ação do ácido clavulânico. Fonte: Adaptada de Oliveira et al. (2009). Clavulanato Enzima β-lactamase H H O N O O OH CO2 – Ser – 70 H O OH OH OH HNO O O HN CO2 – CO2 – CO2 – H+ O O Ser – 70 Ser – 130 Ser – 70 –130 Ser Ser – 70Ser – 70 Ser – 130 H+ H HN OHO O O O OO O Inativação irreversível da enzima Aspectos teóricos da ação de fármacos10 Ação dos fármacos Um ponto muito importante quando falamos de desenvolver novos fármacos é compreender como e onde esse fármaco vai atuar, ou seja, como ele funciona no nosso organismo. Teorias de ação dos fármacos A ação dos fármacos tem relação direta com as propriedades físico-químicas (solubilidade, Log P, grau de ionização, tamanho da molécula, polaridade, entre outros) ou com a interação estrutura-receptor propriamente dita (em casos de fármacos de receptores específicos). Teoria da ocupação: em 1920, foi proposto, por Clark e Gaddum, que os fármacos tinham ação quando se ligavam aos receptores e que seu efeito estava diretamente relacionado com a quantidade de receptores ocupados pelo fármaco. Em outras palavras, se nenhum receptor estivesse ocupado, a ação do fármaco seria zero, mas se 100% dos receptores estivessem ocupados, o efeito então seria máximo. Porém, essa teoria não explica como os antagonistas, embora estejam ligados aos receptores, não exercem atividade biológica. Para isso, Ariëns e Stephenson complementaram a Teoria da ocupação, diferenciando afinidade de eficácia (atividade intrínseca), quando a afinidade é a medida da atração do fármaco pelo receptor e a eficácia é a capacidade de induzir atividade biológica (KOROLKOVAS; BURCKHALTER, 1988). Com isso, podemos dizer que apenas os agonistas têm eficácia, enquanto os antagonistas apresentam apenas afinidade. Teoria da charneira: essa teoria introduz a ideia de que os receptores não têm apenas um centro de ligação, mas, sim, dois. O primeiro, chamado de específico/crítico, é o local em que está o grupo farmacofórico dos agonistas, e o segundo, inespecífico/não crítico, o que interage com grupos apolares dos antagonistas. Tanto agonistas quanto antagonistas competem se ligando ao centro es- pecífico por ligações reversíveis fracas, enquanto no centro inespecífico o antagonista se liga firmemente. Essa competição explica o funcionamento dos antagonistas, visto que eles, teoricamente, têm uma maior afinidade que os agonistas. 11Aspectos teóricos da ação de fármacos Teoria da velocidade: segundo Paton, a eficácia só ocorre no momento da interação fármaco-receptor e a ativação é proporcional à quantidade total de encontros fármaco-receptor por unidade de tempo, ou seja, é proporcional apenas à velocidade de associação e dissociação (KOROLKOVAS; BUR- CKHALTER, 1988). Com isso, entende-se que agonistas têm dissociação mais rápida que as- sociação, enquanto antagonistas têm associação rápida e dissociação lenta, o que impede que outras moléculas se liguem e exerçam efeito biológico. Isso explica sua ação inibitória. Teoria do encaixe induzido: essa é a teoria mais aceita, nela, diz-se que os centros dos receptores são flexíveis e que as interações do fármaco geram alterações conformacionais no receptor, deformando sua estrutura (Figura 8). A ação das enzimas está diretamente relacionada com a sua conforma- ção, portanto, essas mudanças interferem diretamente em sua atividade. Os agonistas e os antagonistas se ligam e geram conformações diferentes, o que justifica os diferentes funcionamentos do fármaco. Figura 8. Representação do encaixe induzido mostrando a alteração da conformação do centro ativo do receptor depois da ligação com o substrato. Fonte: Adaptada de Universidade do Porto (2012). Mecanismo de ação dos fármacos O mecanismo de ação de um fármaco é a forma com que ele age no organismo, ou seja, os meios que ele se utiliza para realizar sua função. A seguir, você irá aprender os principais mecanismos pelos quais os fármacos podem agir. Aspectos teóricos da ação de fármacos12 Ação enzimática: os fármacos podem atuar ativando ou inibindo enzimas. a) Ativação — pode atuar diretamente na enzima, estimulando ou poten- cializando sua ação. Além disso, também pode atuar de forma indireta, interagindo com o inibidor e impedindo a ação inibitória deste, deixando a enzima livre para realizar sua função. b) Inibição — a inibição ocorre quando o fármaco impede a enzima de interagir com o seu substrato, assim, nenhuma ação biológica é desencadeada. A inibição pode ocorrer de duas formas: a competitiva e a não competitiva. A competitiva se dá quando o fármaco compete pelo sítio ativo com o substrato, impedindo, dessa forma, que a enzima exerça sua atividade sobre o alvo. Como esse fenômeno é competitivo, ele depende das concentrações do fármaco e do substrato, haja vista que, quanto maior a quantidade de um, maior a possibilidade dele se ligar à enzima. Na não competitiva, o fármaco se liga a um sítio diferente do substrato, mas gera a inativação da função enzimática, sendo assim, a concentração do substrato não interfere na ação de fármaco. Supressão da função gênica: a expressão gênica é a forma de traduzir as informações hereditárias, sendo um processo muito ligado à síntese de pro- teínas. O fármaco supressor da função gênica pode atuar em diversos pontos da síntese proteica, como: a) Supressão da síntese de ácidos nucleicos — esse processo interfere nos precursores dos ácidos nucleicos ou na polimerização dos nucleotídeos, os quais são altamente tóxicos, pois interagem indiscriminadamente. Em outras palavras, essa classe de fármacos atua diretamente no DNA ou no RNA, impedindo a sua formação correta, logo, as proteínas que serão geradas a partir disso não terão função. b) Supressão da síntese proteica — esses fármacos interferem na tradução da mensagem gênica, impedindo diretamente a síntese de proteínas. Atuação sobre membranas biológicas: são fármacos que modulam o trans- porte transmembrana, facilitando ou dificultando a passagem de substâncias pelas membranas biológicas. Um exemplo é a insulina, que, ao interagir com um receptor de membrana, facilita a entrada de glicose para dentro da célula (Figura 9). 13Aspectos teóricos da ação de fármacos Figura 9. Esquema da atuação da insulina se ligando ao seu receptor e abrindo canais de entrada de glicose. Fonte: Adaptada de Santos (c2018). Receptor da insulina Insulina Canal da glicose Glicose Célula Antagonismo metabólico: é o exemplo clássico de antagonismo, no qual o fármaco e o substrato (metabólito) competem pelos mesmos receptores por serem análogos estruturais, também chamados de antimetabólitos. Dessa forma, o fármaco impede por competição que o substrato se ligue à enzima. Agentes quelantes: a palavra quelante, que vem do grego chele e significa pinça, refere-se à forma como os íons metálicos são aprisionados pelas molé- culas do agente quelante. Essa captação é muito utilizada, pois impede que os metais exerçam funções essenciais ao metabolismo de certos parasitos. Além disso, trata-se de uma estratégia importantíssima em contaminações por metais pesados, visto que os quelantes sequestram os íons de metais e as moléculas que são formadas são bastante solúveis, o que facilita a sua excreção pela urina. O composto quelante mais conhecido é o EDTA (ácido etilenodiamino tetra-acético), o qual é capaz de capturar metais, como o cálcio (Figura 10), dando sua ação anticoagulante. Aspectos teóricos da ação de fármacos14 Figura 10. Representação molecular do EDTA sequestrando o íon de cálcio. Fonte: Adaptada de Look for Chemicals (c2008). Ca N O –2+ N O O OO O O O – – – Ação inespecífica de fármacos: esses fármacos não atuam em nenhum receptor específico, por isso, têm atuação mais sistêmica, o que exige doses maiores para que a ação seja efetiva. APRENDENDO QUÍMICA. Ácidos. 2015. Disponívelem: <http://aprendendoquimica12345. tumblr.com/post/126445327476/%C3%A1cidos>. Acesso em: 23 set. 2018. BARREIRO, E. J.; FRAGA, C. A. M. Química medicinal: as bases moleculares da ação dos fármacos. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2015. BRASIL ESCOLA. Forças dipolo induzido-dipolo induzido ou dispersão de London. 2018. Disponível em: <https://brasilescola.uol.com.br/quimica/forcas-dipolo-induzido-dipolo- induzido-ou-dispersao-london.htm>. Acesso em: 26 set. 2018. BRUNTON, L. L.; CHABNER, B. A.; BJÖRN, C. K. As bases farmacológicas da terapêutica de Goodman & Gilman. 12. ed. Porto Alegre: AMGH, 2012. 15Aspectos teóricos da ação de fármacos FRAGA, C. A. M. Razões da atividade biológica: interações micro- e biomacro-moléculas. 2001. Disponível em: <http://qnesc.sbq.org.br/online/cadernos/03/atividde.pdf>. Acesso em: 23 set. 2018. GOVERNMENT MEDICAL COLLEGE AND HOSPITAL. Drug chirality: stereoselectivity in the action and disposition of anaesthetic agentes. [2018]. Disponível em: <https:// gmch.gov.in/e-study/e%20lectures/Anaesthesia/Seminar%20on%20Drug%20chirality. pdf>. Acesso em: 23 set. 2018. KOROLKOVAS, A.; BURCKHALTER, J. H. Química farmacêutica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1988. LOOK FOR CHEMICALS. EDTA calcium disodium. c2008. 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Leituras recomendadas KOROLKOVAS, A.; BURCKHALTER, J. H. Química farmacêutica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1988. LEMKE, T. L. et al. Foye’s principles of medicinal chemistry. 7. ed. Philadelphia: Lippincott Williams and Wilkins, 2012. PATRICK, G. L. An introduction to medicinal chemistry. 5. ed. Oxford: Oxford University, 2013. VERLI, H.; BARREIRO, E. J. Um paradigma da química medicinal: a flexibilidade dos ligantes e receptores. Química Nova, São Paulo, v. 28, n. 1, p. 95-102, 2005. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/%0D/qn/v28n1/23045.pdf>. Acesso em: 23 set. 2018. Aspectos teóricos da ação de fármacos16
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