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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM AMBIENTE CONSTRUÍDO E PATRIMÔNIO SUSTENTÁVEL June Elaine Minomi Contribuições para a caracterização da paisagem minerária: Mina Córrego do Meio Belo Horizonte 2020 June Elaine Minomi Contribuições para a caracterização da paisagem minerária: Mina Córrego do Meio Dissertação apresentada como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Ambiente Construído e Patrimônio Sustentável, do Programa de pós-graduação em Ambiente Construído e Patrimônio Sustentável da Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais. Linha de Pesquisa: Paisagem e Ambiente Orientador: Profa. Staël de Alvarenga Pereira Costa, Dra. Belo Horizonte 2020 FICHA CATALOGRÁFICA M666 Minomi, June Elaine. Contribuições para a caracterização da paisagem minerária [manuscrito] : Mina Córrego do Meio / June Elaine Minomi. - 2020. 253 f. : il. Orientadora: Staël de Alvarenga Pereira Costa. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal de Minas Gerais, Escola de Arquitetura. 1. Minas e recursos minerais – Teses. 2. Paisagem - Proteção – Teses. 3. Proteção ambiental – Teses. 4. Impacto ambiental – Teses. I. Costa, Stael de Alvarenga Pereira. II. Universidade Federal de Minas Gerais. Escola de Arquitetura. III. Título. CDD 333.72 Ficha catalográfica: Elaborada por Andreia Soares Viana – CRB 6/2650. June Elaine Minomi Contribuições para a caracterização da paisagem minerária: Mina Córrego do Meio O presente trabalho em nível de mestrado foi avaliado e aprovado por banca examinadora composta pelos seguintes membros: Prof. Flávio de Lemos Carsalade, Dr. Instituição EA/UFMG Prof.(a) Luciana Bongiovanni Martins Schenk, Dr.(a) Instituição IAU/USP Prof.(a) Maria Giovana Parizzi, Dr.(a) Instituição IGC/UFMG Prof.(a) Staël de Alvarenga Pereira Costa, Dr.(a) Instituição EA/UFMG - Orientadora Certificamos que esta é a versão original e final do trabalho de conclusão que foi julgado adequado para obtenção do título de mestre em Ambiente Construído e Patrimônio Sustentável. ____________________________ Coordenação do Programa de Pós-Graduação em Ambiente Construído e Patrimônio Sustentável ____________________________ Prof.(a) Staël de Alvarenga Pereira Costa, Dr.(a) Orientador(a) Belo Horizonte, 2020. "O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001, e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais – FAPEMIG ". "This study was financed in part by the Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Finance Code 001, and by the Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais – FAPEMIG ". AGRADECIMENTOS À Prof. Dra. Stael de Alvarenga Pereira Costa pela cuidadosa orientação, apoio e confiança. Aos professores que fizeram parte da banca de qualificação e defesa, Flávio de Lemos Carsalade, Maria Giovana Parizzi e Luciana Bongiovanni Martins Schenk, cujas contribuições enriqueceram esta pesquisa acadêmica. À Prof. Dra. Elisangela de Almeida Chiquito pela receptividade na Escola de Arquitetura e Urbanismo – UFMG para o desenvolvimento do meu estágio acadêmico e incentivo neste desafio. Ao Laboratório de Paisagem, corpo docente, corpo discente, coordenação e secretaria do PPG-ACPS, por todo o suporte necessário para que este trabalho fosse concluído e apresentado. À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais – FAPEMIG, pela bolsa de estudo de Mestrado nos anos de 2019 e 2020. Ao diretor Diogo Costa e engenheiros Fabiano Mendanha, Jussara Januário e Demetryus Oliveira da Diretoria de Geociências, Planejamento de Longo Prazo e Uso Futuro da Vale S.A., pela atenção e disponibilidade em fornecer informações e materiais para a pesquisa documental e de campo da Mina Córrego do Meio. Ao futuro arquiteto e urbanista Marcus Barbosa pelo profissionalismo e dedicação na elaboração dos mapas temáticos desta pesquisa. Aos meus familiares e amigos pelo incentivo e apoio neste desafio. Em especial aos meus pais, sogra, irmão, Nicholas e Renata. Por fim, agradeço ao Branco, Tomás e Bruno, que sempre estiveram ao meu lado e entenderam a minha ausência nos momentos em família. RESUMO A presente dissertação compreende paisagem como um fragmento do território, que se conforma e se modifica espacialmente de acordo com a dinâmica das relações ambientais, econômicas e socioculturais. Esta pesquisa visa compreender como caracterizar a paisagem minerária através de uma abordagem interdisciplinar e holística, com a finalidade de contribuir com a proposta de novo uso das áreas mineradas e também na gestão da paisagem. Para se atingir o objetivo do trabalho, foram interpretadas metodologias sobre a paisagem; verificadas possíveis lacunas existentes nos instrumentos de ordenamento e gestão do território em relação às áreas mineradas; e identificados os fundamentos de práticas de novos usos dessas áreas. Esse embasamento teórico permitiu um maior entendimento do conceito de caráter da paisagem e das áreas mineradas, proporcionando condições para elencar os principais aspectos a serem considerados na caracterização da paisagem minerária. Nesta pesquisa, foram analisados trabalhos que adotam métodos baseados nas teorias de planejamento da paisagem, tais como, Design with Nature de Ian L. McHarg e Ecologia da Paisagem de Richard T.T. Forman, bem como trabalhos fundamentados na Landscape Character Assessment (LCA). Diante do reconhecimento do valor da paisagem do Quadrilátero Ferrífero, esta pesquisa sustenta a hipótese de que a caracterização da paisagem deve estar integrada ao processo de elaboração do novo uso da área minerada, viabilizando a sua reintegração no território sob a perspectiva ambiental, econômica e sociocultural. Espera-se que o resultado desta dissertação contribua para a reflexão sobre o futuro das áreas pós-mineradas e, em certa medida, possa auxiliar os envolvidos no processo de fechamento de mina a buscarem propostas adequadas para essas áreas. Palavras-chave: Caracterização da paisagem. Paisagem minerária. Áreas mineradas. ABSTRACT This dissertation defines landscape as a fragment of the territory, which conforms and changes spatially according to the dynamics from environmental, economic and socio-cultural relationships. This research aims to understand how to characterize the mining landscape through an interdisciplinary and holistic approach, with the purpose of contributing for new use of mined areas and in landscape management as well. To achieve this objective, methodologies on the landscape were interpreted; potential existing gaps were verified in the territorial planning and management instruments related to the mined areas; and the fundamentals of practices for new uses of these areas were identified. This theoretical basis allowed a greater understanding of the concept of landscape character and mined areas, making it possible to list the main aspects considered in the characterization of the mining landscape. In this research, references that adopt methods based on theories of landscape planning were analyzed, including Design with Nature by Ian L. McHarg and Landscape Ecology by Richard T.T. Forman, as well as works based on the Landscape Character Assessment (LCA). Given the recognition of the importance of landscape from Quadrilátero Ferrífero, this research supports the hypothesis that the landscape characterization must be integrated to the process of elaborating new use of mined area, enabling its reintegration into the territory froman environmental, economic and socio-cultural perspective. It is expected that the result of this dissertation will contribute to the contemplation on the future of post-mined areas and, to a certain extent, may assist those involved in the mine closure process in the search for appropriate suggestions for these areas. Keywords: Landscape characterization. Mining landscape. Mined areas. LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Vista da cava, pilhas de estéril, local das unidades operacionais de apoio da Mina Córrego do Meio .......................................................................................... 19 Figura 2 - Vista da cava e pilhas de estéril da Mina Córrego do Meio ...................... 19 Figura 3 – Vista da Barragem do Galego da Mina Córrego do Meio ......................... 20 Figura 4 – Vista da Serra da Piedade ....................................................................... 21 Figura 5 - Mapa geológico simplificado do Quadrilátero Ferrífero, segundo Dorr (1969), no destaque a Serra da Piedade .................................................................. 22 Figura 6 - Mapa síntese dos usos potenciais do solo para Staten Island .................. 26 Figura 7 - Modelo mancha-corredor-matriz (patch-corridor-matrix) ........................... 28 Figura 8 - Plano básico ............................................................................................. 32 Figura 9 - Plano mais promissor ................................................................................ 33 Figura 10 - Plano mínimo .......................................................................................... 34 Figura 11 - Identificação de unidades de paisagem .................................................. 36 Figura 12 - Roda da paisagem (Landscape wheel) ................................................... 41 Figura 13 - Roda da paisagem marinha (Seascape wheel) ...................................... 41 Figura 14 - A hierarquia espacial da avaliação do caráter da paisagem - um exemplo da relação entre os diferentes níveis ......................................................................... 44 Figura 15 - Broad types do HLC de Cornwall ............................................................ 48 Figura 16 - 22 grupos de unidades de paisagem de Portugal Continental à direita. Ampliação do grupo M e do grupo N à esquerda. ..................................................... 55 Figura 17 - 85 unidades de paisagem nas nove ilhas do Grupo Ocidental, Grupo Central e Grupo Oriental ........................................................................................... 58 Figura 18 - Unidades de Paisagem, Elementos Singulares e Pontos Panorâmicos da Ilha São Miguel .......................................................................................................... 59 Figura 19 - Esquema metodológico adotado na investigação ................................... 61 Figura 20 – Mancha, corredor e matriz da ocupação antrópica na Serra da Piedade .................................................................................................................................. 64 Figura 21 - Arranjo de Gestão da RMBH .................................................................. 69 Figura 22 - Limite da ZIM Serras e localização da Mina Córrego do Meio ................ 74 Figura 23 - Porção leste da ZIM Serras e localização da Mina Córrego do Meio ..... 76 Figura 24 – Zoneamento proposto da ZIM Serras, no destaque a Mina Córrego do Meio .......................................................................................................................... 78 Figura 25 – Unidades Geoambientais, Conjuntos Paisagísticos, Potenciais CAC e Complexos Locais ..................................................................................................... 82 Figura 26 - Grandes áreas degradadas na RMBH .................................................. 104 Figura 27 - Áreas que compõem a Paisagem cultural minerária da Cornualha e do oeste de Devon, no destaque a localização de St. Austell próximo do Eden Project ................................................................................................................................ 113 Figura 28 - Montanha de caulim em St. Austell ....................................................... 114 Figura 29 - Pilha de resíduos de caulim .................................................................. 114 Figura 30 - Localização da Bacia Minerária de NPDC nos departamentos Pas-de- Calais e Nord. .......................................................................................................... 115 Figura 31 - Vista aérea da sede das minas de Lens com os dois montões de escória (140 m de altura) ..................................................................................................... 116 Figura 32 - Cidade mineira de Pas de Calais construída pela empresa mineradora para abrigar funcionários e suas famílias ................................................................ 116 Figura 33 - Bacia Minerária de NPDC dividida em 20 bacias de exploração, pertencentes a 18 empresas mineradoras, na década de 1930.............................. 117 Figura 34 - Localização do Eden Project em Cornwall, sudoeste da Inglaterra ...... 119 Figura 35 - Mina de caulim em Bodelva antes da implantação do Eden Project ..... 119 Figura 36 - Localização das principais atrações do Eden Project ........................... 124 Figura 37 - Planta de cobertura das estufas (Nicholas Grimshaw & Partners) ....... 126 Figura 38 - Elevação parcial das estufas (Nicholas Grimshaw & Partners) ............ 126 Figura 39 - Vista externa das estufas em fase de construção ................................. 127 Figura 40 - Vista interna da estufa em fase de construção ..................................... 127 Figura 41 - Vista das estufas finalizadas (direita) e edifício Core (centro) .............. 128 Figura 42 - Vista geral do Eden Project ................................................................... 130 Figura 43 - Localização da Bacia Minerária de NPDC na França ........................... 131 Figura 44 - Vista da cidade de Lens. Ao fundo, pilhas de escória da Base 11/19 e a frente, o Parque/Museu Louvre-Lens ...................................................................... 139 Figura 45 - Planta baixa do Museu Louvre-Lens ..................................................... 140 Figura 46 - Hall de entrada do Museu do Louvre-Lens ........................................... 141 Figura 47 - Ao fundo, vista do hall de entrada do Museu Louvre-Lens e a frente, vestígios da pilha de escória ................................................................................... 141 Figura 48 - Vista do Parque/Museu Louvre-Lens .................................................... 143 Figura 49 - Dispositivos para a implantação da TVA, conforme a escala ............... 145 Figura 50 - Esquema metodológico para caracterização da paisagem da Mina Córrego do Meio ...................................................................................................... 160 Figura 51 - Escalas de abordagem ao estudo de caso ........................................... 161 Figura 52 - Localização da Serra da Piedade no Quadrilátero Ferrífero e em MG . 162 Figura 53 - Mina do Brumado .................................................................................. 163 Figura 54 - Mina Posse ........................................................................................... 163 Figura 55 - Mina Córrego do Meio ........................................................................... 164 Figura 56 - Localização da Mina Córrego do Meio - Sabará-MG ............................ 165 Figura 57 - Coluna estratigráfica do Quadrilátero Ferrífero ..................................... 167 Figura 58 - Geologia, geomorfologia e área minerada na Serra da Piedade .......... 168Figura 59 – Unidades hidrogeologias na RMBH ..................................................... 170 Figura 60 - Entrada da Gruta do Eremita ................................................................ 171 Figura 61 - Entradas da Gruta dos Monges ............................................................ 171 Figura 62 - Entrada da Gruta da Piedade ............................................................... 171 Figura 63 - Interior da Gruta da Piedade ................................................................. 171 Figura 64 - Cavidades naturais subterrâneas em rochas ferríferas e área minerada na Serra da Piedade ............................................................................................... 172 Figura 65 - Processo erosivo na Mina do Brumado ................................................ 174 Figura 66 - Processo erosivo na Mina do Córrego do Meio .................................... 174 Figura 67 - Solos e atividade minerária. .................................................................. 175 Figura 68 - Hidrografia, ocupação humana e barragem de rejeitos ........................ 176 Figura 69 - Mancha de inundação da Barragem do Galego .................................... 178 Figura 70 - Áreas modificadas pela atividade minerária na Mina Córrego do Meio 179 Figura 71 - Patamares na cava Córrego do Meio .................................................... 180 Figura 72 - Exposição da formação rochosa na Cava Córrego do Meio ................. 180 Figura 73 - Indicação da cava Segredinho, parcialmente preenchida ..................... 181 Figura 74 - Cava Segredinho parcialmente preenchida .......................................... 181 Figura 75 - Cava Córrego do Meio .......................................................................... 182 Figura 76 - Divisa entre pilha de estéril e formação rochosa escavada .................. 183 Figura 77 - Divisa entre pilha de estéril e formação rochosa escavada .................. 183 Figura 78 - Hidrografia (IGAM) e limites da Mina Córrego do Meio ......................... 184 Figura 79 - Biomas, vegetação nativa e processos minerários ............................... 186 Figura 80 - Unidades de Conservação e atividade minerária .................................. 187 Figura 81 - Cobertura vegetal na Mina Córrego do Meio e do seu entorno ............ 189 Figura 82 - Ocupação e usos do solo na Serra da Piedade .................................... 192 Figura 83 - Usos do solo na Mina Córrego do Meio ................................................ 195 Figura 84 - Reservatório da Barragem do Galego na Mina Córrego do Meio ......... 196 Figura 85 - Vista da barragem, poste com câmera de monitoramento (ao fundo) e reservatório (à esquerda). ....................................................................................... 197 Figura 86 – Altimetria da Serra da Piedade e localização do Santuário Nossa Senhora da Piedade ................................................................................................ 199 Figura 87 - Status das áreas na Mina Córrego do Meio em 2016 ........................... 200 Figura 88 - Áreas homogêneas baseadas na geologia e geomorfologia da Mina Córrego do Meio ...................................................................................................... 202 Figura 89 - Áreas homogêneas baseadas no uso antrópico da Mina Córrego do Meio ................................................................................................................................ 203 Figura 90 - Localização dos elementos singulares da paisagem na Serra da Piedade ................................................................................................................................ 204 Figura 91 - Vista do Santuário Basílica Nossa Senhora da Piedade e o Observatório da UFMG à esquerda .............................................................................................. 205 Figura 92 - Basílica Nossa Senhora da Piedade ..................................................... 205 Figura 93 - Observatório da UFMG Frei Rosário ..................................................... 205 Figura 94 - Vista da Capela Nossa Senhora da Soledade e a Mina Córrego do Meio ao fundo à esquerda ............................................................................................... 206 Figura 95 - Capela Nossa Senhora da Soledade .................................................... 207 Figura 96 - Prática do bouldering na Pedra Rachada ............................................. 207 Figura 97 - Mirante na Pedra Rachada ................................................................... 207 Figura 98 - Localização dos elementos singulares na paisagem da Mina Córrego do Meio ........................................................................................................................ 208 Figura 99 - Estrutura metálica no mirante da Mina Córrego do Meio ...................... 209 Figura 100 - Estrutura de concreto .......................................................................... 209 Figura 101 - Estrutura de concreto .......................................................................... 209 Figura 102 - Sede administrativa da Mina Córrego do Meio, ocupada pela Polícia Civil de Minas Gerais .............................................................................................. 210 Figura 103 - Crista da Serra da Piedade ................................................................. 211 Figura 104 - Vista do entorno da Serra da Piedade ................................................ 211 Figura 105 - Vista de Caeté do alto da Serra da Piedade ....................................... 212 Figura 106 - Localização do mirante da Mina Córrego do Meio .............................. 213 Figura 107 - Vista da cava do mirante da Mina Córrego do Meio ........................... 213 Figura 108 - Vista de Sabará do mirante da Mina Córrego do Meio ....................... 213 Figura 109 - Vista de Belo Horizonte do mirante da Mina Córrego do Meio ........... 214 Figura 110 - Restrições ambientais/patrimoniais e potencial minerário .................. 215 Figura 111 - Parte da Reserva da Biosfera Serra do Espinhaço, Quadrilátero Ferrífero e minas existentes .................................................................................... 216 Figura 112 - Situação das principais estruturas da Mina Córrego do Meio em 2016 ................................................................................................................................ 218 Figura 113 - Obra de J.M. Rugendas de 1824 intitulada Comboio de Diamantes, passando por Caeté com a Serra da Piedade ao fundo .......................................... 220 Figura 114 - Mapa topográfico da bacia do Rio do Sabará, delimitada ao norte pela Serra da Piedade .................................................................................................... 221 Figura 115 - Classificação dos instrumentos participativos dos Catálogos da Paisagem da Catalunha, segundo a tipologia das técnicas utilizadas .................... 223 Figura 116 - Esquema da aplicação do Convênio Europeu da Paisagem sob o ponto de vista do Observatório da Paisagem da Catalunha ............................................. 228 Figura 117 - Grande paisagens regionais de Nord-Pas de Calais .......................... 230 Figura 118 - Entidades paisagísticas das Paisagens Minerárias ............................ 230 Figura 119 - Fundamentos possíveis para a proposta de uso futuro da área minerada ................................................................................................................................ 231 LISTA DE QUADROS Quadro 1 - Método do projeto de planejamento do mosaico territorial da RMB ........ 30 Quadro 2 - Método do Projeto Orla ........................................................................... 36 Quadro3 - Evolução da LCA..................................................................................... 39 Quadro 4 - Tipos e áreas de caráter da paisagem .................................................... 49 Quadro 5 - Método para definição das unidades de paisagem em Portugal Continental ................................................................................................................ 52 Quadro 6 – Conteúdo da ficha da ilha e da ficha de caracterização ......................... 60 Quadro 7 – Metodologia para definição das subzonas nas ZIMs .............................. 77 Quadro 8 – Enquadramento da Mina Córrego do Meio nas subzonas propostas da ZIM Serras................................................................................................................. 79 Quadro 9 - Metodologia adotada para identificar e delimitar os CAC ........................ 81 Quadro 10 – Programas da Política de Gestão da Paisagem e Valorização da Diversidade Cultural (PGPVD) .................................................................................. 87 Quadro 11 – Programas da Política metropolitana integrada para o desenvolvimento de territórios minerários (PMIDTM) ........................................................................... 90 Quadro 12 – Paisagem e áreas mineradas na legislação municipal de Sabará ....... 92 Quadro 13 – Fases do Sistema de Gestão do GQFe ................................................ 96 Quadro 14 – Enquadramento das áreas mineradas ................................................ 103 Quadro 15 – Enquadramento da Mina Córrego do Meio ......................................... 106 Quadro 16 - Práticas internacionais de uso futuro de áreas mineradas .................. 109 Quadro 17 - Práticas nacionais de uso futuro de áreas mineradas ......................... 110 Quadro 18 - Critérios para escolha das práticas de novo uso de áreas mineradas 112 Quadro 19 - Fases de implantação do Eden Project ............................................... 121 Quadro 20 - Principais locais de memória do patrimônio industrial minerário ......... 135 Quadro 21 - Dispositivos para a implantação da TVA e algumas deficiências ........ 145 Quadro 22 - Síntese da análise das práticas: Eden Project e Bacia Minerária de NPDC ...................................................................................................................... 148 Quadro 23 - Fundamentos do Eden Project e Status/Potencial da Mina Córrego do Meio ........................................................................................................................ 151 Quadro 24 - Fundamentos da Bacia Minerária de NPDC e do GQFe, e potencial do Quadrilátero Ferrífero .............................................................................................. 155 Quadro 25 – Reserva da Biosfera e Unidades de Conservação na Serra da Piedade ................................................................................................................................ 188 Quadro 26 – Formação do Grupamento Mineiro Complexo do Córrego do Meio ... 193 Quadro 27 - Barragem do Galego conforme Relatório Anual de Segurança de Barragens de Mineração 2019 ................................................................................ 196 Quadro 28 - Síntese das contribuições para caracterização da paisagem da Mina Córrego do Meio ...................................................................................................... 225 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ABAP Associação Brasileira de Arquitetos Paisagistas ANM Agência Nacional de Mineração CAC Complexos Ambientais Culturais CeBio Centro de Pesquisas e Conservação da Biodiversidade do Quadrilátero Ferrífero Cedeplar Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional CEP Convenção Europeia de Paisagem CPRM Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais DNPM Departamento Nacional de Produção Mineral DWN Design with Nature EIA/RIMA Estudo e Relatório de Impacto Ambiental EP Ecologia da Paisagem Feam Fundação Estadual do Meio Ambiente FPIC Funções públicas de interesse comum GQFe Geopark Quadrilátero Ferrífero HLC Historic Landscape Characterisation IFLA Federação Internacional de Arquitetos Paisagistas LCA Landscape Character Assessment MONA Monumento Natural da Serra da Piedade MZ-RMBH Macrozoneamento da Macrozoneamento da Região Metropolitana de Belo Horizonte NPDC Nord-Pas de Calais PAEBM Plano de Ação de Emergência de Barragens de Mineração PAFEM Plano Ambiental de Fechamento de Mina PDDI-RMBH Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado da RMBH PGPVD Política de Gestão da Paisagem e Valorização da Diversidade Cultural PMIDTM Política metropolitana integrada para o desenvolvimento de territórios minerários PMIRUOS Política Metropolitana Integrada de Regulação do Uso e da Ocupação do Solo PRAD Plano de Recuperação de Áreas Degradadas QF Quadrilátero Ferrífero RBSB Reserva da Biosfera Serra do Espinhaço RGGN Rede Global de Geoparques Nacionais RMB Região Metropolitana de Barcelona RMBH Região Metropolitana de Belo Horizonte RPPN Reserva Particular do Patrimônio Natural Sedru Estado de Desenvolvimento Regional e Política Urbana Sisema Sistema Estadual de Meio Ambiente Unesco Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ............................................................................................. 13 2 REFERÊNCIAS METODOLÓGICAS SOBRE A PAISAGEM ...................... 24 2.1 Planejamento da paisagem ........................................................................ 24 2.1.1 Design with Nature (DWN) ......................................................................... 24 2.1.2 Ecologia da paisagem (EP) ........................................................................ 27 2.1.3 Aplicações do DWN e da EP ...................................................................... 29 2.1.3.1 Mosaico territorial para a região metropolitana de Barcelona (2003) .... 29 2.1.3.2 Projeto Orla (2006) ...................................................................................... 35 2.2 Caráter da paisagem .................................................................................. 37 2.2.1 Landscape Character Assessment (LCA) ................................................ 38 2.2.2 Historic Landscape Characterisation (HLC) e a LCA .............................. 46 2.2.3 Aplicações da LCA ..................................................................................... 51 2.2.3.1 Identificação de unidades de paisagem em Portugal Continental (2001) . ........................................................................................................ 51 2.2.3.2 Caracterização e gestão da paisagem dos Açores (2001) ..................... 56 2.3 Síntese sobre as referências metodológicas .......................................... 62 3 ÁREAS MINERADAS NO PDDI-RMBH, LEGISLAÇÃO DE SABARÁ E GEOPARK QUADRILÁTERO FERRÍFERO. ............................................................ 69 3.1 Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado da RMBH (PDDI-RMBH) . 69 3.1.1 Política Metropolitana Integrada de Regulação do Uso e da Ocupação do Solo (PMIRUOS) ................................................................................................. 71 3.1.1.1 Programa Integrado do Macrozoneamento Metropolitano (MZ-RMBH) 71 3.1.2 Política de Gestão da Paisagem e Valorização da Diversidade Cultural (PGPVD) ............................................................................................................... 79 3.1.3 Política metropolitana integrada para o desenvolvimento de territórios minerários (PMIDTM) .............................................................................................. 89 3.2 Legislação Municipal de Sabará ...............................................................91 3.3 Geopark Quadrilátero Ferrífero (GQFe) ................................................... 94 3.4 Síntese do enquadramento das áreas mineradas e da Mina Córrego do Meio ............................................................................................................... 101 4 PRÁTICAS DE NOVOS USOS DE ÁREAS MINERADAS ....................... 108 4.1 Eden Project ............................................................................................. 118 4.2 Bacia Minerária de Nord-Pas de Calais (NPDC) .................................... 130 4.3 Relação fundamentos das práticas com o estudo de caso ................. 147 4.3.1 Relação Eden Project e Mina Córrego do Meio ..................................... 149 4.3.2 Relação Bacia Minerária de NPDC e Geopark Quadrilátero Ferrífero . 152 5. CONTRIBUIÇÕES PARA A CARACTERIZAÇÃO DA PAISAGEM MINERÁRIA: MINA CÓRREGO DO MEIO ............................................................. 157 5.1 Esquema metodológico para caracterizar a paisagem do Mina Córrego do Meio ............................................................................................................... 159 5.1.1 Abordagem paramétrica .......................................................................... 165 5.1.1.1 Componentes telúricas (escala da Serra) .............................................. 165 5.1.1.2 Componentes telúricas (escala do Lugar) ............................................. 179 5.1.1.3 Componentes climáticas (escala da Serra e do Lugar) ........................ 184 5.1.1.4 Componentes bióticas (escala da Serra) ............................................... 185 5.1.1.5 Componentes bióticas (escala do Lugar) .............................................. 188 5.1.1.6 Componentes antrópicas (escala da Serra) .......................................... 190 5.1.1.7 Componentes antrópicas (escala do Lugar) ......................................... 192 5.1.2 Abordagem paisagista ............................................................................ 197 5.1.2.1 Áreas homogêneas (escala da Serra) .................................................... 198 5.1.2.2 Áreas homogêneas (escala do Lugar) ................................................... 199 5.1.3 Elementos singulares .............................................................................. 203 5.1.3.1 Elementos singulares (escala da Serra) ................................................ 204 5.1.3.2 Elementos singulares (escala do Lugar) ............................................... 208 5.1.4 Pontos de vista ........................................................................................ 210 5.1.4.1 Pontos de vista (escala da Serra) ........................................................... 210 5.1.4.2 Pontos de vista (escala do Lugar) .......................................................... 212 5.1.5 Dimensão natural e cultural da paisagem ............................................. 214 5.1.5.1 Dimensão natural e cultural da paisagem (escala da Serra) ................ 214 5.1.5.2 Dimensão natural e cultural da paisagem (escala do Lugar) ............... 217 5.1.6 Abordagem fenomenológica .................................................................. 219 5.1.6.1 Paisagem na perspectiva da autora (escala da Serra e do Lugar) ...... 219 5.1.6.2 Paisagem por autores (escala da Serra e do Lugar) ............................. 219 5.1.6.3 Paisagem pela população (escala da Serra e do Lugar) ...................... 222 5.1.7 Síntese das contribuições para caracterização da paisagem da Mina Córrego do Meio .................................................................................................... 224 5.2 Caracterização da paisagem minerária como subsídio ao ordenamento e gestão territorial. ................................................................................................ 227 5.3 Fundamentos para proposta de uso futuro da área minerada ............ 228 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................... 234 REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 236 13 1 INTRODUÇÃO Paisagem minerária do Quadrilátero Ferrífero A presente dissertação compreende área minerada como aquela que teve a sua paisagem alterada pela atividade minerária, cujos fatores bióticos e abióticos do ecossistema foram impactados. Essa área pode estar inserida na área urbana, isoladas na área rural, nas franjas urbanas ou zonas periféricas em expansão. Após o encerramento da atividade minerária, as áreas pós-mineradas apresentam-se como um território distinto do seu entorno, e podem apresentar níveis significativos de degradação e modificação da paisagem. Antes de abordar as modificações da paisagem ocasionadas pela atividade minerária, é essencial a compreensão do conceito de paisagem. Para Meinig (2003, p.35) a “paisagem é composta não apenas por aquilo que está à frente dos nossos olhos, mas também por aquilo que se esconde em nossas mentes”. Segundo o autor, as diferentes formas de percepção da paisagem possibilitam definições diversas do conceito sob a perspectiva da natureza, habitat, artefato, sistema, problema, riqueza, ideologia, história, lugar e estética. Conforme o primeiro tratado internacional dedicado à paisagem, a Convenção Europeia da Paisagem (CEP), “paisagem designa uma parte do território, tal como é apreendida pelas populações, cujo caráter resulta da ação e da interação de fatores naturais e/ou humanos” (CONSELHO DA EUROPA, 2000). Esta definição apresenta correspondência com a de Carsalade (2015, p.3), que define paisagem como “um sistema integrador constituído por elementos naturais e culturais”, sendo estes resultantes da ação antrópica e classificados como paisagens culturais. Já Macedo (2000, p.3) conceitua paisagem como “uma estrutura morfológica, passível de interpretação e representação gráfica, e resultado do processo de transformação do meio ambiente no decorrer do tempo”. Esta conceituação baseia- se na teoria de planejamento da paisagem de Ian McHarg, na qual paisagem é “considerada um produto regional relacionado à geologia, geomorfologia, solos e aquíferos e os elementos da superfície: rios, vegetação, clima e as atividades antrópicas: as minerações, as áreas agrícolas e as urbanas. ” (McHARG, 1992). Considerando os conceitos de paisagem apresentados e compreendendo território como uma porção físico-espacial que envolve relações socioeconômicas e culturais 14 e com elas interage (CARSALADE, 2016, p.151), esta pesquisa adotará a definição de paisagem como um fragmento do território, que se conforma e se modifica espacialmente de acordo com a dinâmica das relações ambientais, econômicas e socioculturais. Considerando esta definição, a mineração é responsável por dois momentos de impacto na paisagem e no território: o primeiro momento ocorre quando a empresa mineradora inicia a exploração do minério e modifica consideravelmente o cenário original no qual a população local estava familiarizada; o segundo ocorre no encerramento da atividade minerária, quando as relações entre o trabalhador, a sociedade e o ambiente se rompem após anos de funcionamento da mina (PARANHOS, 2012, p.120). Esses momentos são agravados, respectivamente, quando envolvem cenários de valor patrimonial e quando a população, economia e cultura local dependem do funcionamento da mina. Ao longo da história da mineração no Quadrilátero Ferrífero, localizado no centro- sudeste do estado de Minas Gerais, a paisagem da região foi sendo modificada e o território reconfigurado, principalmente nos métodos de lavra a céu aberto, em que as alterações são mais significativas, merecendo a devida atenção em relação à recuperação e a proposta de novo uso. Essas alterações no meio ocorremsobre uma riqueza singular vinculada à história geoecológica da Terra e à história da mineração em Minas Gerais e no Brasil, onde foram identificados cinquenta e cinco sítios de interesse natural e cultural, representativos da história geológica e da mineração e também de sua ecologia e cultura. (AZEVEDO et al., 2012, p.195). A partir desse contexto, verifica-se o conflito entre a necessidade de preservação do meio ambiente e do patrimônio cultural e a demanda do desenvolvimento econômico pela atividade minerária no Quadrilátero Ferrífero. Em algumas localidades, a demanda da atividade imobiliária também se apresenta como outro setor de importância econômica. Este trabalho pretende estudar a temática das áreas mineradas no Quadrilátero Ferrífero, após o encerramento da atividade minerária. Para isso, conhecer os principais aspectos legais sobre fechamento de mina e definir um estudo de caso que permita a compreensão da temática, foram fundamentais para o embasamento inicial do trabalho. 15 Base legal sobre fechamento de mina O conhecimento dos principais aspectos normativos do direito ambiental e minerário, que regem o fechamento de mina, são essenciais para a compreensão desse processo. Conforme o art. 1º da Deliberação Normativa COPAM Nº 220/2018: IV - fechamento de mina: processo que abrange toda a vida da mina, desde a fase dos estudos de viabilidade econômica até o encerramento da atividade minerária, incluindo o descomissionamento, a recuperação e o uso futuro da área impactada; III – descomissionamento: trabalhos de desativação da infraestrutura e serviços associados à produção e de desmobilização da mão de obra do empreendimento minerário; X - recuperação ambiental de área impactada por atividade minerária: processo que deve ser executado ao longo da vida do empreendimento, de forma a propiciar à área impactada uma condição estável, produtiva e sustentável, com foco no uso futuro; XII - uso futuro da área minerada: utilização prevista da área impactada pela atividade minerária levando-se em consideração as suas aptidões, a intenção de uso pós-operacional, as características dos meios físico, biótico e socioeconômico. (MINAS GERAIS, 2018, p.80). O fechamento de mina destacou-se a partir do advento da Lei nº 6.938/81 e da Constituição Federal de 1988 quando o Estudo e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) ganhou importância. Em seguida, o Decreto n° 97.632/89 estabelece a apresentação do Plano de Recuperação de Áreas Degradadas (PRAD) junto ao EIA/RIMA. Para Tonidandel, Parizzi e Lima (2012, p. 36), essas legislações foram fundamentais para introduzir o conceito de desenvolvimento sustentável na atividade minerária brasileira e relatam que a legislação ambiental de Minas Gerais foi a primeira do país sobre a etapa de desativação de empreendimentos minerários, antecipando até mesmo a legislação ambiental federal, por meio da publicação da DN COPAM Nº 127/2008. Esta deliberação normativa foi revogada e entrou em vigor a DN COPAM Nº 220/2018. [A DN COPAM Nº 220/2018] estabelece diretrizes e procedimentos para a paralisação temporária da atividade minerária e o fechamento de mina, define critérios para elaboração e apresentação do Relatório de Paralisação 16 da Atividade Minerária, do [...] PRAD e do Plano Ambiental de Fechamento de Mina – PAFEM e dá outras providências. (MINAS GERAIS, 2018, p.80). O PAFEM deve ser apresentado dois anos antes da previsão de encerramento da atividade minerária, conforme o Termo de Referência disponibilizado pelo órgão ambiental. O inciso IV do Art. 9º da DN COPAM Nº 220/2018, solicita a definição das ações a serem realizadas durante o processo de fechamento da mina, e após este se necessário, visando à continuidade da reabilitação ambiental. Já o inciso V, exige “a apresentação de proposta de alternativas para uso futuro da área minerada, considerando os aspectos sociais, econômicos e ambientais da área de influência direta do empreendimento. ” (MINAS GERAIS, 2018, p.80). Apesar dos avanços do direito ambiental e minerário, alguns autores apontaram algumas deficiências em relação as suas normativas, o que dificulta a fiscalização dos órgãos públicos, como a Agência Nacional de Mineração (ANM) e a secretaria, institutos e fundação que compõe o Sistema Estadual de Meio Ambiente (Sisema), e comunidades envolvidas. Segundo a DN COPAM Nº 127/2008, o fechamento de mina é um processo que abrange a vida toda de uma mina, mas o PAFEM é somente exigido dois anos antes da previsão de encerramento das atividades (SANTOS; ARAÚJO, 2015, p. 6), o que dificulta a ação conjunta do setor público e sociedade na implementação de uma gestão de territórios minerários. O Cadastro de Minas Paralisadas e Abandonadas no Estado de Minas Gerais, elaborado em 2006 pela Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam), apresenta um panorama preocupante das áreas pós-mineradas. O cadastro apresenta informações sobre 400 minas vistoriadas nos anos de 2014 e 2015, sendo 27% das minas (169 minas) classificadas como abandonadas e 73% das minas (231 minas) classificadas como paralisadas. Dessas, 42% (97 minas) são classificadas como paralisadas com controle ambiental e 58% (134 minas) são classificadas como paralisadas sem controle ambiental. (FUNDAÇÃO ESTADUAL DO MEIO AMBIENTE, 2016a, p. 19). O resultado obtido no cadastro está relacionado carência de capacidade organizacional e de investimentos de algumas empresas mineradoras de pequeno e médio porte no Brasil, que, para Luz e Sampaio (2015, p. 43), enfrentam dificuldades no acesso às tecnologias convencionais e avançadas utilizadas no processo de fechamento de mina. Associada a esta realidade, a deficiência ou ausência do 17 licenciamento ambiental também contribui para o resultado do cadastro. Segundo Tonidandel, Parizzi e Lima (2012, p.36), o conteúdo mínimo do PAFEM é especificado de forma geral, sem recomendação de procedimentos, bem como de aspectos a serem adotados na fase de descomissionamento. Os autores sugerem a definição de diretrizes técnicas, como uma Norma ABNT, que poderia determinar a elaboração e execução do PAFEM com a adoção das melhores técnicas disponíveis, evitando a elaboração e execução de planos com informações técnicas defasadas. Já para Paranhos (2012, p. 57), a maioria dos PAFEMs limitam-se a projetos de reconfiguração topográfica e de revegetação da área degradada. A autora ressalta que é impossível a requalificação da área com base na reconstituição das características originais, pois o minério retirado não pode ser reposto, resultando em um falso histórico, na medida em que a paisagem está sempre em constante modificação e deve apresentar-se como forma didática de um processo que deveria ou não ter acontecido. Dessa forma, o PAFEM não consegue contemplar toda complexidade das relações territoriais e do processo de fechamento de mina numa visão sistêmica e global, articulando os aspectos ambientais, sociais, econômicos e culturais segundo Carsalade et al. (2012, n.p). As questões socioculturais, segundo os autores, por não serem explicitamente indicadas na legislação, fazem com que o meio ambiente seja o único alvo das compensações legais. Além disso, existe a dificuldade de negociar com o setor minerador face a sua importância econômica. Accioly (2012) sugere nove pontos a serem observados no processo de reabilitação e reconversão de áreas pós-mineradas próximas aos centros urbanos como: - incorporação do fechamento da mina na etapa de planejamento da atividade, incluindo seus custos no processo e a visão de uso futuro da área; - [...] incluir todos os envolvidos diretos no processo [...]; - [...] papel de cada entidade ou ator envolvido deve estar muito claro [...]; - existência de uma instituição fortalecida e coesa que direcione e articule o processo decisório de uso futuro; - [...] observância das características urbanísticas da região, das suas demandas,infraestrutura, identidade e singularidades [...]; - [...] reinserção efetiva do projeto de uso futuro na malha urbana [...]; - identificação das principais escalas de influência que o projeto alcançará, ou que pretende alcançar; 18 - [...] planejamento dos territórios minerários [...] como um instrumento de base para a busca do aprofundamento das diversas relações existentes, bem como conflitos, tendências e interesses quanto ao uso do solo [...]; - [...] identificação de fontes de recursos ou de parcerias que possam efetivar os projetos de reabilitação e reconversão territorial. (ACCIOLY, 2012, p.157). Portanto, as ações pós-mineração “[…] devem incorporar um acompanhamento muito próximo do Estado e se integrarem às estratégias de desenvolvimento territorial para que se tornem efetivas e […] representem um necessário retorno social à exploração de suas riquezas e ao forte impacto” (CARSALADE et al., 2012, n.p.) proveniente das atividades mineradoras. O direito ambiental e o direito minerário devem ser os preceitos a serem seguidos em todas as práticas de recuperação e uso futuro de áreas mineradas, mas nem sempre o atendimento de todas as normativas garantirá que a proposta de recuperação e uso futuro de áreas mineradas promova o desenvolvimento econômico, desenvolvimento social e proteção ambiental. Este trabalho considera que o enquadramento legal ainda não garante o alcance da sustentabilidade, havendo um tratamento díspar em relação aos aspectos socioculturais. A seguir, será apresentada a mina escolhida como estudo de caso, localizada no Quadrilátero Ferrífero, mais especificamente no município de Sabará, que pertence a Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH). Mina Córrego do Meio O Grupamento Mineiro de Córrego do Meio, pertencente a Vale S.A, será referenciado neste trabalho como Mina Córrego do Meio. Esta mina foi escolhida como estudo de caso porque apresenta aspectos que favorecem a viabilidade da pesquisa, o estudo da temática e contribuições no processo de caracterização da paisagem, na qual a mina está inserida. Além disso, a referida mina encontra-se paralisada desde julho de 2005 e não há interesse por parte da proprietária de retomar a operação no futuro. A Mina Córrego do Meio localiza-se no município de Sabará-MG, à noroeste do Quadrilátero Ferrífero e na porção sudoeste da Serra da Piedade. As figuras 1 e 2 19 apresentam a vista da cava, das pilhas de estéril (PE1, PE2 e PE Voçoroca), e local onde estavam instaladas as unidades operacionais de apoio da mina: Figura 1 – Vista da cava, pilhas de estéril, local das unidades operacionais de apoio da Mina Córrego do Meio Fonte: Adaptado pela autora de VALE S.A.,2018. Figura 2 - Vista da cava e pilhas de estéril da Mina Córrego do Meio Fonte: Adaptado pela autora de VALE S.A., 2018. Cava Unid. Op. Apoio PE Voçoroca PE 2 PE 1 Cava PE Voçoroca PE 2 PE 1 20 Nesta mina foi adotado o método de lavra a céu aberto e o método de alteamento à jusante na barragem de rejeitos. A figuras 3 mostra a Barragem do Galego e o seu reservatório, que segundo a Vale S.A. (2019, p.16), os estudos de descomissionamento dessa estrutura estão em andamento. Figura 3 – Vista da Barragem do Galego da Mina Córrego do Meio Fonte: VALE S.A., 2018. Três anos após a desativação da Mina Córrego do Meio em 2005, a empresa Vale S/A destinou a área para um novo uso, um centro destinado à pesquisa, conservação e recuperação ambiental de áreas mineradas e Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPN) no Quadrilátero Ferrífero, além de programas com comunidades no fornecimento gratuito de mudas. O Centro de Pesquisas e Conservação da Biodiversidade do Quadrilátero Ferrífero (CeBio) não necessitou de grandes obras para ser implantado e era composto por quatro viveiros com capacidade para produzir até um milhão de mudas por ano; quatro mil matrizes (plantas fornecedoras de sementes) de 200 espécies do Cerrado e Mata Atlântica, obtidas nas áreas de preservação da empresa; e 60 funcionários (10 funcionários no viveiro e 50 no campo para coleta de novos exemplares). (DIAS, 2011, n.p). Dessa forma, a pesquisa do CeBio visava a conservação genética através de um 21 Banco de Germoplasma, onde as matrizes eram cultivadas para conservar as informações genéticas das espécies vegetais (DIAS, 2011, n.p), mas as atividades do centro foram encerradas e a estrutura foi transferida para outras unidades, principalmente para a unidade de Miguelão (VALE S.A., 2019, p. 39). A Mina Córrego do Meio está na Serra da Piedade (FIGURA 4), cuja presença na paisagem é marcante, chegando a atingir elevação de 1.746 metros. (IEPHA, 2014, n.p.). Figura 4 – Vista da Serra da Piedade Fonte: IEPHA, 2014, p. 255. Além disso, a Serra da Piedade “constitui um importante geossítio, não somente de interesse científico (geológico e botânico), mas também pedagógico, turístico, paisagístico e cultural, pois apresenta uma paisagem geológico-cultural única.” (AZEVEDO et al., 2007, p. 3). Localizada nos municípios de Sabará e Caeté, a Serra da Piedade está inserida no conjunto da Serra do Curral, delimitando a parte norte do Quadrilátero Ferrífero (FIGURA 5) e é “sustentada morfologicamente pelas rochas do Supergrupo Minas” (AZEVEDO et al., 2007, p. 206). “A sequência é composta por sedimentos clásticos e químicos, os últimos constituem a formação ferrífera do Itabirito Cauê e os calcários da Formação Gandarela.” (RENGER et al., 1994 apud AZEVEDO et al., 2007, p. 206). 22 Figura 5 - Mapa geológico simplificado do Quadrilátero Ferrífero, segundo Dorr (1969), no destaque a Serra da Piedade Fonte: SCLIAR, 1992 apud AZEVEDO et al., 2007. A presente introdução abordou de forma breve o contexto da paisagem minerária no Quadrilátero Ferrífero; as bases legais do fechamento de mina em Minas Gerais; e a Mina Córrego do Meio como estudo de caso, para fundamentar a hipótese de que a caracterização da paisagem pode contribuir com o processo de elaboração do novo uso da área minerada, viabilizando a sua reintegração no território sob a perspectiva social, ambiental e econômica. Dessa forma, o objetivo deste trabalho é compreender a caracterização da paisagem através de uma abordagem interdisciplinar e holística, visando elaborar contribuições acerca da caracterização da paisagem da Mina Córrego do Meio, visando o seu uso futuro. Pretende-se atingir este objetivo a partir de três objetivos específicos, que serão aprofundados nos próximos três capítulos. O segundo capítulo apresenta referências metodológicas sobre a paisagem. Os trabalhos analisados adotam métodos baseados nas teorias de planejamento da paisagem e/ou no seu caráter. O objetivo é adquirir informações e parâmetros para subsidiar as contribuições desta pesquisa em relação a caracterização da paisagem 23 de áreas mineradas. O terceiro capítulo aponta como as áreas mineradas são abordadas no planejamento metropolitano de Belo Horizonte, na legislação municipal de Sabará e no Geopark Quadrilátero Ferrífero (GQFe), dando ênfase as ações onde se encontra a Mina Córrego do Meio. Este capítulo objetiva verificar possíveis lacunas presentes nesses instrumentos de ordenamento e/ou gestão territorial em relação a caracterização das áreas mineradas, e em seguida, serão apresentadas algumas contribuições para minimizar tais deficiências. O quarto capítulo aborda os fundamentos de duas práticas de novo uso de área minerada. Foram escolhidas práticas com abordagens diferentes em relação à escala de intervenção e ao resgate da memória da mineração. Este estudo objetiva relacionar alguns aspectos dos fundamentos das práticas com a Mina Córrego do Meio e o contexto onde está inserida. Após o desenvolvimento dos objetivos específicos, no quinto capítulo desenvolve contribuições acerca da caracterização da paisagem da Mina Córrego do Meio, seguindo a sequênciados temas dos capítulos anteriores, e buscando inter- relacioná-los com a paisagem minerária em estudo. Por fim, a consideração final da pesquisa apresenta uma síntese do trabalho e sugere algumas propostas de estudos de metodologias sobre a paisagem e a paisagem minerária. O presente trabalho justifica-se pelas contribuições na reflexão sobre o futuro das áreas pós-mineradas e possa auxiliar, em certa medida, aos envolvidos no processo de fechamento de mina a buscarem soluções adequadas ao contexto da mina e da paisagem em que está inserida. Em seguida, serão abordadas as referências metodológicas sobre a paisagem, relativo ao primeiro objetivo específico. 24 2 REFERÊNCIAS METODOLÓGICAS SOBRE A PAISAGEM Neste capítulo serão apresentadas referências metodológicas sobre a paisagem, por meio de quatro trabalhos escolhidos, e uma análise comparativa entre eles, tendo em vista adquirir conhecimentos e parâmetros para contribuir com a caracterização da paisagem do recorte em estudo, a Mina Córrego do Meio e o contexto paisagístico em que está inserida. Esta pesquisa considera que a caracterização da paisagem deve ser considerada na proposta de novo uso da área minerada e também na gestão da paisagem minerária. Primeiramente, serão abordadas as teorias de planejamento da paisagem: o Design with Nature de Ian L. McHarg e a Ecologia da paisagem de Richard T.T. Forman, para embasar o entendimento dos trabalhos de Forman (2003) e Macedo (2006). Em seguida, será apresentada a abordagem de avaliação do caráter da paisagem: a Landscape Character Assessment (LCA) desenvolvida pela Countryside Commission no Reino Unido. A LCA contribuiu em alguns aspectos no desenvolvimento de outras abordagens, entre elas a Historic Landscape Characterisation (HLC), baseada no caráter da paisagem histórica e elaborada pela English Heritage. A HLC será discutida de forma complementar à LCA para a compreensão do caráter histórico da paisagem, seguida dos trabalhos baseados na LCA desenvolvidos pela Universidade de Évora (2001). No final do capítulo, os quatro trabalhos serão comparados e relacionados com o intuito de buscar contribuições para caracterizar áreas mineradas. 2.1 Planejamento da paisagem 2.1.1 Design with Nature (DWN) Na década de 1960, o arquiteto paisagista e professor Ian McHarg (Universidade da Pensilvânia) apresentou abordagens inovadoras na época por meio de “metodologias de planejamento e projeto articuladas aos princípios ecológicos e de sustentabilidade” (GORSKI, 2008, p. 66). McHarg, em seu livro intitulado Design with Nature, publicado em 1969, apresenta o planejamento ecológico fundamentado na relação homem e meio ambiente e como cada um está inserido no “mundo” do outro, concluindo que ambos possuem uma relação de interdependência e de equilíbrio. 25 No capítulo intitulado Processes as Values do referido livro, McHarg apresenta um estudo para Staten Island, distrito de Nova Iorque, para responder ao seguinte questionamento: “que terras são intrinsecamente adequadas para conservação, para recreação ativa e passiva, mais adequadas para comércio e indústria, e para uso residencial? ” (McHARG, 1992, p. 104, tradução da autora). Portanto, o estudo visava apontar alternativas futuras para a referida ilha baseada na seguinte proposição: A proposição básica empregada é que qualquer lugar é a soma dos processos históricos, físicos e biológicos, que são dinâmicos, que constituem valores sociais, que cada área tem um caráter intrínseco adequado a certos usos do solo e, finalmente, que certas áreas se prestam a usos múltiplos da terra coexistentes. (McHARG, 1992, p.104, tradução da autora). O método inicia-se com a elaboração de um inventário ecológico da área de estudo, contendo os fatores considerados representativos nos processos naturais. Estes fatores determinarão a capacidade de cada área para determinado uso. A capacidade é apresentada através de mapas temáticos para cada uso onde se atribui um “valor” (sistema valorativo que estabelece áreas inaptas para uma determinada atividade e áreas aptas, em menor ou maior grau). Um mapa síntese é gerado a partir da sobreposição de mapeamentos temáticos (overlay mapping), conforme figura 6: 26 Figura 6 - Mapa síntese dos usos potenciais do solo para Staten Island Fonte: McHARG, 1992, p. 114. Na parte inferior do mapa síntese, verifica-se a legenda em cores graduadas para indicar a “favorabilidade” de cada área para um determinado uso e também para usos simultâneos e compatíveis. Dessa forma, o mapa síntese dos usos potenciais do solo definem critérios para a ocupação, podendo subsidiar decisões políticas e urbanas. Verifica-se que o método de overlay mapping de McHarg traz uma abordagem sistêmica, que permite a leitura e análise da paisagem em diferentes escalas de abrangência e ainda é considerado uma referência nas metodologias de 27 planejamento paisagístico urbano e corresponde a base de trabalho do Sistema Informativo Geográfico (S.I.G.). (MOURA, 1993, apud, MOURA, 2014, p.5). A teoria de planejamento da paisagem de Forman, que será abordada a seguir, também foi influenciada pelo trabalho de McHarg, que já apresentada alguns aspectos da ecologia da paisagem. 2.1.2 Ecologia da paisagem (EP) Na década de 1980, os professores e pesquisadores na área de Ecologia da Paisagem da Escola de Design da Universidade de Harvard, Richard Forman e Michel Godron, apresentaram em seu livro intitulado Landscape Ecology, publicado em 1986, “a primeira síntese da ecologia da paisagem moderna e [...] o modelo de mancha-corredor-matriz para entender e melhorar o padrão de uso da terra” (HARVARD UNIVERSITY GRADUATE SCHOOL OF DESIGN, 2019, n.p, tradução da autora). Neste trabalho, os autores conceituam ecologia da paisagem como “o estudo da estrutura, função e dinâmica das áreas heterogêneas compostas por ecossistemas interativos” (FORMAN; GODRON, 1986, tradução da autora). A heterogeneidade de uma paisagem pode ocorrer em gradiente ou em mosaico, sendo esta mais comum e com elementos espaciais com limites definidos. (MENEGUETTI, 2007, p. 52). Forman e Godron (1986) apresentam três elementos da paisagem, que compõem o mosaico e podem ser naturais ou de origem humana: • Mancha (Patch): elemento da paisagem reconhecido em tipos, de acordo com a sua origem: “manchas de perturbação, manchas remanescentes, manchas de recursos ambientais, manchas de plantações e habitações” (FORMAN; GODRON, 1986, p. 119, tradução da autora). Segundo os autores, os tipos de manchas variam muito, exceto a mancha de recursos ambientais que são mais permanentes. • Corredor (Corridor): elemento da paisagem caracterizado pela conectividade das manchas, possui a mesma origem destas e promove o funcionamento da rede. “Os corredores são muito importantes na sociedade humana, fornecendo rotas de transporte, vários tipos de proteção e recursos colhíveis.” (MACEDO, 2000, p.155). 28 • Matriz (Matrix): elemento da paisagem determinado a partir dos seguintes critérios: “ (a) possui uma área relativa maior do que qualquer tipo de mancha dentro dela, (b) é a parte mais conectada da paisagem; e (c) desempenha um papel predominante na dinâmica da paisagem.” (FORMAN; GODRON, 1986, p. 186, tradução da autora). A figura 7 exemplifica um mosaico formado por elementos da paisagem, em que a matrix predomina e apresenta-se como um “pano de fundo” uniforme (cor cinza claro), que evidencia a presença das manchas (cor cinza escuro) e dos corredores (linha pontilhada), que produzem a heterogeneidade na paisagem: Figura 7 - Modelo mancha-corredor-matriz (patch-corridor-matrix) Fonte: RESEARCHGATE, 20161. O modelo mancha-corredor-matriz pode ser aplicado a diferentes padrões espaciais, como por exemplo, “ecossistemas, tipos de comunidade, estágios sucessionais ou usos do solo” (MENEGUETTI, 2007, p. 52). O trabalho de Forman intituladoMosaico Territorial para La Región Metropolitana de Barcelona foi escolhido como um exemplo de trabalho baseado no DWN e na EP, por abordar os sistemas naturais e seus usos, e algumas soluções inovadoras. Primeiramente será apresentado este trabalho de Forman (2003), seguido do trabalho de Macedo (2006), também fundamentado nas mesmas bases metodológicas. 1 Disponível em: https://www.researchgate.net/figure/Analogy-of-the-patch-matrix-model-to-a- city_fig1_309897143. Acesso em out. 2019. 29 2.1.3 Aplicações do DWN e da EP 2.1.3.1 Mosaico territorial para a região metropolitana de Barcelona (2003) Em 2001, a Barcelona Regional2 solicitou que Forman e a equipe dessa agência pública aplicassem o método de análise do mosaico territorial na região metropolitana de Barcelona (RMB) e que estabelecesse princípios básicos e modelos possíveis para uma reformulação territorial dessa região. O trabalho foi finalizado em 2003, tendo como produto a análise macro, global e sintética; a definição de diretrizes e pautas de atuações futuras (ACEBILLO, 2004, p. 15). Neste trabalho Forman aborda a ecologia urbana e considera que: [...] as áreas urbanas são como mosaicos dinâmicos de natureza e gente, onde a natureza adota diversas formas, desde uns poucos fragmentos relativamente naturais até muitos fortemente degradados, e a sociedade está organizada em um agregado único e imenso, além de numerosos lugares dispersos. O grande mosaico muda a medida que os “fragmentos humanos” crescem e os “fragmentos naturais” reduzem. Eles degradam ainda mais a natureza, e a dependência humana fundamental dos recursos da natureza, se faz cada vez mais problemática, menos sustentável. (FORMAN, 2004, p. 20, tradução da autora). Dessa forma, o objetivo principal do trabalho seria identificar esse mosaico territorial, aplicando os princípios e modelos espaciais básicos da ecologia da paisagem na RMB (FORMAN, 2004, p. 20). O autor esclarece que a implementação de soluções direcionadas aos sistemas naturais possuem vantagens econômicas: [a] manter a longo prazo as variadas paisagens agrícolas produtivas nos solos de maior qualidade; [b] concentrar o crescimento, no lugar de dispersá-lo, a fim de reduzir os custos de infraestrutura e serviços; [c] intervir em uma área chave para a proteção da natureza e do turismo rural, como recurso alternativo aos centros turísticos costeiros; [d] repensar o desenho das planícies de inundação, para reduzir os custos dos danos da inundação; [e] identificar um conjunto de fontes de contaminação; [f] criando também zonas úmidas alimentadas por águas pluviais, com a finalidade de 2 Criada em 1993, a Barcelona Regional é uma agência pública de planejamento estratégico, urbanismo e infraestruturas; liderada pela Prefeitura de Barcelona e com a participação de outros nove acionistas públicos. 30 aumentar o escasso suprimento de água potável cara. (FORMAN, 2004, p. 20, tradução da autora). Nesta proposta de planejamento, Forman (2004) busca a conciliação da população e da natureza, como um todo, diferente do planejamento tradicional, que privilegia a população e o crescimento, e do planejamento conservacionista que privilegia a natureza. Além disso, o modelo mancha-corredor-matriz de Forman “é uma ferramenta para o planejamento de usos do solo, dado que controla fortemente os movimentos, fluxos e câmbios dos sistemas naturais e da população. ” (FORMAN, 2004, p. 23, tradução da autora). “Em resumo, a ecologia da paisagem traz simplicidade e clareza, um enfoque sobre organização espacial, uma perspectiva a uma grande escala, uma comunicação fácil entre usuários, harmonia entre os sistemas naturais e a população, e é aplicável a qualquer paisagem. E é cada vez mais importante, dado que a sociedade está começando a abordar seriamente a questão de criar entornos sustentáveis. ” (FORMAN, 2004, p. 23, tradução da autora). A metodologia de trabalho aplicado no projeto de planejamento do mosaico territorial da RMB desenvolve-se nas seguintes etapas (QUADRO 1): Quadro 1 - Método do projeto de planejamento do mosaico territorial da RMB Item Etapas Descrição Aspectos 1 Planejamento e métodos Entender a região metropolitana no momento da análise; hipóteses importantes; princípios básicos; esboços de uma visão Uso do solo; rede hidrográfica; espaços de interesse natural 2 Principais pontos Grandes áreas ou manchas de vegetação natural, interconectadas mediante corredores de vegetação. Rede esmeralda A proteção dos solos férteis para o cultivo é prioritária Principais áreas de produção de alimentos Conjuntos de soluções direcionadas ao futuro sustentável Água para a natureza e para a população Corredores verde azul são corredores largos de vegetação que protegem um riacho ou rio, facilitam a circulação da fauna e incluem caminho de pedestre. Córregos, rios e corredor verde azul Orientar o crescimento e a urbanização nas áreas que o dano ecológico seja menor. Crescimento, desenvolvimento e municípios Estratégicas para conter o crescimento do trafego de veículos Transporte e indústria 31 Item Etapas Descrição Aspectos 3 Soluções espaciais alternativas Plano base; plano mais promissor; plano mínimo; comparação entre três planos. 4 Plano de ação e recomendações específicas Características chaves de cada setor do plano base; características adicionais de cada setor do plano mais promissor e plano mínimo. Fonte: Elaborado pela autora com base em FORMAN, 2004, p. 29. Segundo Forman (2004, p. 29), o trabalho inicia-se com a compreensão da área de estudo, definição dos seus limites e setores, definição de hipóteses /princípios/objetivos que direcionarão as próximas etapas. Planos e soluções para a RMB são propostos, considerando os principais pontos, que contemplam relações ambientais, econômicos e sociais. Em seguida, são apresentadas três soluções espaciais, sob a forma de planos mínimo, básico e mais promissor, diferenciados pelo nível de atendimento dos objetivos iniciais relacionados aos benefícios aos sistemas naturais e à população em geral, conforme figuras 8, 9 e 10: 32 Figura 8 - Plano básico Fonte: FORMAN, 2004, p. 73. 33 Figura 9 - Plano mais promissor Fonte: FORMAN, 2004, p. 75. 34 Figura 10 - Plano mínimo Fonte: FORMAN, 2004, p. 77. Em seguida, Forman (2004, p. 81) apresenta soluções para cada setor da RMB de forma mais detalhada, facilitando a compreensão e diferenças entre os planos mínimo, básico e o mais promissor. Portanto, este trabalho enfatiza a necessidade de harmonia entre os sistemas naturais e a população, o que direciona as suas análises e propostas, estas apresentadas na escala metropolitana e na escala do setor. Além disso, as propostas apresentadas em níveis diferenciados de benefícios aos sistemas naturais e à população, oferecem aos envolvidos no planejamento da RMB subsídios para a tomada de decisão. 35 O trabalho seguinte também foi elaborado para subsidiar a tomada de decisão do poder público e privado, mas no âmbito municipal, visando o disciplinamento de uso e ocupação da zona costeira brasileira. 2.1.3.2 Projeto Orla (2006) Em 2000, o arquiteto paisagista e professor da FAU-USP Silvio Soares Macedo elaborou uma versão preliminar intitulada Projeto Orla: Procedimentos de classificação paisagística de áreas costeiras. Em 2006, este trabalho foi concretizado juntamente com o geógrafo, cientista social e professor Antônio Carlos Robert de Moraes e a arquiteta e professora Elisabeth de Siervi, intitulado Projeto Orla: Fundamentos para gestão integrada. O Projeto Orla visava “a aplicação de diretrizes gerais de disciplinamento de uso e ocupação de um espaço que constitui a sustentação natural e econômica da zona costeira, a Orla Marítima”(MMA; MPOG, 2006, p. 3). Os municípios eram responsáveis pela implementação das diretrizes, baseadas em conceitos e metodologias do Projeto Orla. No projeto, a paisagem é considerada “como uma estrutura morfológica, cujo entendimento demanda a divisão em unidades diversas, as quais podem ser ainda subdivididas, permitindo ao técnico, de um modo simples e rápido, o estabelecimento de juízos de valor” (MMA; MPOG, 2006, p. 38) em diferentes escalas. Unidade de paisagem é definida como um trecho que apresenta uma homogeneidade de configuração, caracterizada pela disposição e dimensão similares dos quatro elementos definidores da paisagem: suporte físico, estrutura/padrão de drenagem, cobertura vegetal e mancha urbana. Para efeito de estudo, qualquer uma das grandes unidades de paisagem litorânea pode ser subdividida em subunidades, de modo a permitir um aprofundamento do conhecimento. Trata-se, portanto, de uma ótica que observa diferentes escalas (MMA; MPOG, 2006, p. 38). Dessa forma, o termo unidade de paisagem é compreendido “como elemento de decodificação e análise de conjuntos paisagísticos expressivos que ocupam grandes extensões de território”, conforme ilustrado na figura 11: 36 Figura 11 - Identificação de unidades de paisagem Fonte: MMA; MPOG, 2006, p. 39. Macedo (2000, p. 4) esclarece que para compreender a paisagem de um estudo de caso, não é suficiente estabelecer o recorte de estudo nas suas áreas adjacentes, mas deve recortar no conjunto paisagístico, em que está inserido. Por isso, o método do Projeto Orla inicia-se da escala do conjunto paisagístico até a subunidade tecido urbanizado, conforme quadro 2: Quadro 2 - Método do Projeto Orla Item Etapa Descrição Aspectos 1 Identificação da unidade de paisagem Identificar conjunto paisagístico em que a área de estudo está inserida considerando mancha-corredor-matriz Suporte físico; drenagem e demais corpos d´água; cobertura vegetal; mancha ou tecido urbanizado 2 Identificação das subunidades de paisagem Identificar as subunidades de paisagem em que a área de estudo está inserida considerando mancha-corredor-matriz. Suporte físico; drenagem e demais corpos d´água; cobertura vegetal; mancha ou tecido urbanizado 37 Item Etapa Descrição Aspectos 3 Identificar as tipologias de cobertura na subunidade tecido urbanizado Identificar as tipologias de cobertura na subunidade tecido urbanizado. Convencionais (formal e informal); portuária; industriais. 4 Formulação de cenários Constatar os usos praticados e, para cada situação indesejável de uso dos espaços e recursos, formular uma situação desejada a se alcançar. 5 Elaboração do plano de intervenção Documento elaborado pelos agentes executivos do Projeto Orla, após o processo de diagnóstico, classificação e definição dos cenários desejados. Nele estarão estabelecidas as estratégias que os municípios adotarão para executar a gestão desse espaço. Fonte: Elaborado pela autora com base em MACEDO, 2000 e MMA/MPOG, 2006. Verifica-se que a identificação da unidade de paisagem até as subunidades de paisagem, deve considerar as estruturas de cobertura (drenagem e demais corpos d´água; cobertura vegetal; mancha ou tecido urbanizado), baseadas no Design with Nature, que por sua vez apresentam-se espacialmente como mancha, corredor e matriz, baseadas nas categorias estruturais da Ecologia da Paisagem. Em seguida, o trabalho direciona o foco para a subunidade de paisagem de mancha ou tecido urbanizado, na qual são identificadas as tipologias de cobertura (convencionais, portuárias e industriais), a fim de avaliar de forma preliminar a ruptura da dinâmica ecológica pela ação antrópica em determinado local sobre os ecossistemas existentes (MACEDO, 2000, p.8). A partir da compreensão dos aspectos decorrentes da formalização espacial, é possível formular cenários que possam abordar questões como: conforto ambiental urbano, problemas ambientais existentes, limitações dos padrões urbanísticos vigentes, conformação estrutural/morfológica (MACEDO, 2000, p.14). A seguir, serão apresentadas duas abordagens de identificação e interpretação da paisagem, baseadas no seu caráter, desenvolvidas no Reino Unido. 2.2 Caráter da paisagem A Landscape Character Assessment (LCA) e a Historic Landscape Characterisation – HLC precederam a Convenção Europeia da Paisagem (CEP), realizada em 38 Florença em 2000, que demonstrava a importância do caráter na sua definição de paisagem3. Vale ressaltar que até a década de 1970, a identificação e a conservação das paisagens no Reino Unido eram baseadas geralmente em abordagens estritamente quantitativas, objetivas e especialistas, resultando na criação áreas protegidas como Parques Nacionais e Áreas de Grande Beleza Natural, avaliados pelo valor estético. (SWANWICK; FAIRCLOUGH, 2018, p.23). Na década de 1990, a LCA e a HLC evidenciavam o foco da abordagem no caráter da paisagem e estavam mais desenvolvidos para dar suporte a práticas e políticas nacionais do Reino Unido, tornando-se referência para outros países europeus (SWANWICK; FAIRCLOUGH, 2018, p.22), que se comprometeram na CEP a: • Identificar as paisagens no conjunto do seu território; • Analisar as suas características bem como as dinâmicas e as pressões que as modificam; • Acompanhar as suas transformações. (CONSELHO DA EUROPA, 2000). Segundo a referida convenção, a identificação e interpretação da paisagem deve considerar “valores específicos que lhes são atribuídos pelos intervenientes e pela população interessada ” (CONSELHO DA EUROPA, 2000), incorporando a abordagem subjetiva no processo. 2.2.1 Landscape Character Assessment (LCA) Em meados da década de 1980, a Countryside Commission4 (antecessor do Countryside Agency, que por sua vez antecedeu a vigente Natural England) desenvolveu um trabalho de compreensão do caráter do interior da Inglaterra e do País de Gales, diante da necessidade de gerir essas extensas áreas, expandindo sua atuação além do sistema de áreas protegidas. 3 Paisagem designa uma parte do território, tal como é apreendida pelas populações, cujo carácter resulta da ação e da interação de fatores naturais e/ou humanos (CONSELHO DA EUROPA, 2000, Art.1). 4 Órgão estatutário da Inglaterra e do País de Gales (partir de 1991, apenas da Inglaterra) que coordenou a atividade do governo em relação ao campo até 1999, quando ocorreu a fusão com a Rural Development Commission formando a Countryside Agency. Em 2006, esta passou a fazer parte da Natural England. Disponível em: https://en.wikipedia.org/wiki/Countryside_Commission. Acesso em: 13 jul. 2020. 39 Na década seguinte, a referida comissão desenvolveu uma técnica de avaliação da paisagem, publicada como Landscape Assessment Guidance (1993) e aplicada no programa nacional que identificava, descrevia e analisava o caráter da paisagem inglesa, como subsídio para conservá-la ou aprimorá-la. (SWANWICK, 2002b, p. 3). Depois a técnica avançou para uma abordagem prática, elaborada por Carys Swanwick, Departamento de Paisagismo da Universidade de Sheffield e Land Use Consultants5 (LUC), solicitada pela Countryside Agency e Scottish Natural Heritage, denominada Landscape Character Assessment: Guidance for England and Scotland (2002). Segundo Swanwick e Fairclough (2018, p.23), a evolução das abordagens do caráter da paisagem (QUADRO 3) ocorreu em um contexto no Reino Unido no qual havia um sistema de planejamento espacial bem desenvolvido a nível local e nacional, baseado em áreas protegidas; a paisagem era visivelmente marcada pelo gerenciamento do homem e havia uma relação sentimental da população com a paisagem. Quadro 3 - Evolução da LCA Avaliação da Paisagem (Landscape Evaluation) Avaliação da Paisagem (Landscape Assessment) Avaliação do Caráter da Paisagem (Landscape Character Assessment-LCA)
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