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ORGANIZAÇÃO CENTRAL DO CONTROLE NEURAL Prof.ª Adriana Marília O desenvolvimento motor é um conhecimento muito abrangente que atende a uma esfera ampla de tópicos relacionados à estrutura física e à capacidade do movimento humano. Diz respeito aos indivíduos nas suas interações com o ambiente, com os objetos e com os outros no seu dia a dia, em atividades específicas relacionadas ao seu mundo profissional e particular A motricidade humana passou por um processo de evolução em comparação aos demais seres vivos, sendo organizada a partir de uma postura bípede. Essa posição proporcionou ao ser humano a organização de uma motricidade fina que o permite não apenas a realização de tarefas em resposta a estímulos em relação ao ambiente, mas também a transformação desse ambiente a partir da associação dessa capacidade motora fina à sua capacidade cognitiva. Dessa forma, libertando os membros superiores para expressar sua emoção, estabelecer relações e transformar sua realidade. O controle neural da motricidade humana envolve estruturas específicas e uma organização de extrema complexidade, controlada e efetivada por estruturas do Sistema Nervoso Central e Periférico. O controle do movimento envolve também a compreensão na interrelação entre a realização motora propriamente dita e os componentes cognitivos, como as funções executivas, cognição, memória, percepção e atenção. Autores de fundamental importância se dedicaram ao desenvolvimento do conhecimento específico a respeito da organização neural do movimento, como Alexander Luria, que se dedicou à compreensão do controle motor a partir da organização cerebral sistematizada em unidades funcionais denominadas “Unidades Funcionais de Luria”. A partir de 2008, o autor Vitor da Fonseca relacionou as unidades funcionais de Luria com os conhecimentos da Psicomotricidade, promovendo uma associação entre cognição, pensamento, funções cognitivas e funções motoras. Segundo o modelo de Alexander Luria e as especificações criadas por Vitor da Fonseca, é possível entender a motricidade humana a partir do estudo do cérebro em sua organização estrutural e funcional. Os estímulos captados pelo organismo humano são oriundos dos ambientes externo e interno. Essas informações são enviadas ao cérebro pelas vias aferentes e captadas pelos canais sensoriais em uma etapa denominada processamento central. As etapas seguintes podem ser identificadas como um planejamento da resposta e o envio dessa resposta pelo cérebro para o corpo por meio das vias eferentes. Assim, é dada a produção da ação, do gesto ou da motricidade enquanto resposta adaptativa ao comportamento humano. Desse modo, colocando em funcionamento as funções cognitivas e executivas de planificação, monitoração, priorização, decisão, verificação dos resultados e consequências. A primeira unidade indicada por Luria está relacionada ao processo de atenção. A segunda unidade está relacionada à capacidade de processamento. A terceira está relacionada à função de planificação e execução. UNIDADE FUNCIONAL DE LURIA Alexander Romanovich Luria (1902 – 1977) Neuropsicólogo soviético que trabalhou em uma extensiva variedade de áreas científicas e em diversas instituições. Foi também formado em Medicina, trabalhos nas áreas de neurolinguística e psicologia cultural-histórica, inventor do primeiro detector de mentiras e testes neuropsicológicos importantes, escreveu livros populares e pode ser considerado o Oliver Sacks do século 19, trocou cartas com Sigmund Freud e fundou um grupo de psicanálise na Russia. UNIDADE FUNCIONAIS DE LURIA A primeira unidade relaciona-se fundamentalmente com a função de atenção e é composta pelas estruturas do tronco cerebral e as estruturas subcorticais e axiais do cérebro, as quais suportam os dois hemisférios, e integram o sistema de ativação reticular ascendente e descendente. É responsável pela moderação do alerta corporal e cortical, bem como pelas funções de sobrevivência, de vigilância tônico-postural, de filtragem, focagem e integração dos impulsos sensoriais. Essa unidade compreende o tronco cerebral, o cerebelo, o diencéfalo, o sistema límbico, o hipotálamo e o tálamo. Sem a ação dessa unidade, o cérebro seria incapaz de organizar respostas eficazes aos estímulos advindos do mundo e seria ineficiente a manutenção de um nível ótimo do metabolismo fisiológico. Isso colocaria em risco não só a interação entre o corpo e o cérebro, mas também a interação entre a sensorialidade e a motricidade subjetiva e conotativa do organismo total do indivíduo com seus ecossistemas. A segunda unidade está localizada na zona posterior do cérebro e é composta pelo córtex occipital, responsável pela visão; pelo córtex temporal, responsável pela audição; e o córtex parietal, responsável pela discriminação tátil e pela motricidade, movimento ou cinestesia. Essa unidade opera segundo uma hierarquia de ações específicas desde as áreas primárias de funções específicas até as áreas secundárias e terciárias de funções inespecíficas de associação e sobreposição. A terceira unidade, localizada na parte anterior do córtex, contém o lobo frontal, que é responsável pela cognição e motricidade. Ela opera no sentido contrário, pois vai das áreas terciárias para as áreas secundárias programadas e, finalmente, para as áreas primárias, onde é gerada e desencadeada a motricidade propriamente dita. Essa unidade funcional é responsável pelos processos de planificação e de execução da motricidade com as funções cognitivas superiores. A área frontal que corresponde a esta unidade representa o nível mais elaborado de desenvolvimento do cérebro humano, compreende a unidade neurofuncional de resposta, elaboração, autorregulação, monitoração, priorização e verificação das respostas motoras terminalmente controladas pela estrutura das funções executivas. Essa região do cérebro é responsável pelo comando das vias motoras piramidais, eferentes e descendentes, as quais se dirigem aos grupamentos musculares mais específicos, passando pelos gânglios basais, de onde partem as vias extrapiramidais. Dirigem-se também ao cerebelo e à medula que concretizam, realizam e executam qualquer tipo de ação motora ou praxia, seja ela de organização motora ampla, ou organização motora fina, como o grafismo. Nesse sentido, a terceira unidade neurofuncional responsabiliza-se por cinco dimensões: 1ªIdentificação da ação desejada 2ª Organização dos procedimentos em sequência. 3ª Recuperação dos dados relevantes de informações externas e internas. 4ª Alocação de recursos produtivos. 5ª Decisão e execução da ação. A terceira unidade funcional possui uma especificidade em relação à atenção voluntária, sendo importante dizer que, com a presença dessa unidade funcional, é possível a tomada de consciência, o que denominamos de motricidade voluntária ou motricidade consciente. Essa unidade funcional também está organizada em áreas primárias, secundárias e terciárias: Ações sincronizadas harmônicas e funcionais das três unidades funcionais de Luria são fundamentais para que a aprendizagem humana, ou qualquer outra função cognitiva ou motora, ocorra de forma adequada. As funções executivas são fundamentais para a organização eficaz da motricidade e da ação humana como um todo. Essas funções possuem o seu centro de controle localizado nas áreas pré-frontais. São funções relacionadas à planificação, à autorregulação, ao suporte à tomada de decisões, à avaliação de respostas, de continuidade temporal, controle emocional, controle inibitório, gratificação adiadas, atenção voluntária, criatividade, entre outros. A função de planificação antecipada da performance, ou seja, a práxis ou motricidade voluntária, é responsável pela especificidade humana pela evolução sofrida ao longo dos anos e, especificamente, organizada pelos seus processos de aprendizagem mais completos. O córtex frontal recebe continuamente informações oriundas das áreas secundárias e terciárias sensoriais da segunda unidade funcional, situada na parte posteriordo cérebro, assim como também recebe informações do sistema límbico. Esse sistema é responsável pela organização e controle das emoções, que, por sua vez, recebe informações oriundas do tronco cerebral e do cerebelo da primeira unidade funcional. Os sistemas funcionais, ao organizarem essas informações, dispõem das condições essenciais para organizar e planejar as respostas finais da ação humana organizada de forma eficiente, pensada e adequada às mudanças necessárias, e em adequação às exigências das informações sensoriais que originaram a resposta. A terceira unidade funcional é desenvolvida mais tardiamente em termos neurológicos. Ela integra, por inerência, a segunda e a primeira unidades que são desenvolvidas mais precocemente. Desse modo, a terceira unidade funcional guia e orienta hierarquicamente as áreas subcorticais, permitindo a modelação da atenção e da consciência.