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Materiais Complementares-20220801

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A_Texto_Unidade_I_Oplanocomoaposta.pdf
 
O Plano 
como Aposta 
 
 
 
CARLOS MATUS 1 
 
 
 
 
 
 
1 Carlos Matus - economista, ministrou a cátedra de Política Econômica nos cursos de pós-graduação em Planejamento da CEPAL e do 
Instituto Latino-Americano de Planificación e Desarollo (ILPS) das Nações Unidas. Autor de vários livros sobre planejamento. 
Atualmente preside a Fundação Altadir Caracas, Venezuela. Tradução do texto de Carlos Matus feita por Frank Roy Cintra Ferreira 
O PLANO E A GOVERNABILIDADE DO HOMEM 
SOBRE AS SITUAÇÕES 
O plano é o produto momentâneo do processo 
pelo qual um ato seleciona uma cadeia de ações 
para alcançar seus objetivos. Em seu significado 
mais genérico, podemos falar de plano de ação 
como algo inevitável na prática humana, cuja 
única alternativa é o domínio da improvisação. 
Esse conceito genérico de plano não depende, por 
conseguinte, de sua pertinência a um sistema 
econômico-social determinado, mas do uso da 
razão técnico-política na tomada de decisões. 
Sempre existe, porém, o perigo de confundir este 
processo com um cálculo determinado por leis 
científicas precisas, apoiado num diagnóstico 
preciso da realidade. O plano, na vida real, está 
rodeado de incertezas, imprecisões surpresas, 
rejeições e apoio de outros atores. Em 
conseqüência, seu cálculo é nebuloso e sustenta-
se na compreensão da situação, ou seja, a 
realidade analisada na particular perspectiva de 
quem planifica. Eventualmente este plano conduz 
à ação, de modo que , para repetir a frase de John 
Friedman, pode-se dizer que o plano é uma 
mediação entre o conhecimento e a ação. Tal 
mediação, contudo, não se produz através de uma 
relação simples entre a realidade e as ciências, 
porque o conhecimento da primeira vai além do 
âmbito tradicional da segunda. 
O homem, perante uma situação, debate-se entre 
dois extremos. Num deles, controla totalmente os 
resultados de sua prática. Noutro, desafia ou 
submete-se a processos nos quais é arrastado por 
circunstâncias que não controla. No primeiro 
caso, decide, faz e conhece, de antemão, os 
objetivos que pode alcançar. No segundo, não 
decide quanto a nada, só pode apostar no futuro e 
entregar-se ao destino. É um espectador do 
mundo que o determina e que não pode alterar. 
Pode apenas julgar e criticar esta realidade, ou 
agradecer e lamentar a sua sorte. Mesmo na zona 
limite deste último caso, porém, a história mostra-
nos líderes que desafiam o impossível, nas 
condições mais adversas. Nesse extremo teórico, 
o plano submete-se à máxima prova de sua 
eficácia. Se não pode ser potente na adversidade e 
cede ante à improvisação, com muito mais razão 
esta última o deslocará nas condições favoráveis. 
O governante real, como condutor de situações, 
situa-se entre os dois extremos. O equilíbrio entre 
as variáveis que controla e as que não controla 
define sua governabilidade sobre o objeto do 
plano. A governabilidade do homem sobre a 
realidade aponta justamente para qual dos 
extremos teóricos se encaminha sua situação. O 
governante pode decidir quanto às variáveis que 
controla, mas, muitas vezes, não pode assegurar 
resultados, porque dependem de uma parte do 
mundo que não controla. 
Essa dificuldade não desanima o intento do 
homem de governar a realidade por meio de 
apostas que, com algum fundamento de cálculo, 
movem-no a anunciar os resultados de sua ação. 
A política exige compromissos que se expressam 
como anúncios de resultados. Um plano é um 
compromisso que anuncia resultados, ainda que 
tais resultados não dependam inteira ou 
Matus, C. O Plano como Aposta. São Paulo em perspectiva. 5 (4): 28-42 out/dez. 1991 
 
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principalmente do cumprimento daqueles 
compromissos. 
Os fundamentos das apostas de um governante 
são tanto mais sólidas quanto maior for o peso das 
variáveis que controla em relação ao das que não 
controla, e são mais débeis se as variáveis que 
controla forem poucas e de pouco peso. Num 
extremo do controle absoluto, a aposta converte-
se em certeza sobre os resultados. Noutro, de 
absoluto descontrole, a aposta é um caso de sorte 
ou azar. 
O processo de governo situa-se numa zona 
intermediária entre a certeza absoluta e o puro 
azar. Consequentemente, a teoria do governo não 
é uma teoria do controle determinístico do 
governante sobre um sistema, nem a teoria de um 
mero jogo de azar, mas contém doses de ambos os 
ingredientes. 
 
O PLANO: COMBINAÇÃO DE CÁLCULO E 
APOSTAS 
Na proposta anterior enraíza-se toda a diferença 
entre a planificação tradicional - muito apegada 
ao determinismo e ao economicismo tecnocrático, 
cuja base científica é a teoria do controle de um 
sistema por um “agente” - e a planificação 
estratégico-situacional (PES), cujo fundamento é 
a teoria de um jogo semicontrolado à serviço da 
prática racional da ação humana. 
Para entender o que é um jogo semicontrolado, 
assumamos como metáfora este problema bem 
simples. Você, o jogador 1, tem uma corda de 1,5 
metro de comprimento. No meio da corda está 
amarrado, pendente de um fio curto, um sininho 
que, por ser muito sensível à instabilidade, emite 
seu ruído típico a qualquer movimento. O jogo 
consiste em tomar a corda pelos dois extremos e 
esticá-la, tentando reduzir ao mínimo o tempo em 
que o sino ressoa. Se você é o único jogador, o 
problema parece fácil. Só depende de você não 
fazer movimentos desnecessários, e você decide 
quando a corda elástica está suficientemente 
esticada. Agreguemos, então, o jogador 2. Agora 
você segura só um dos extremos da corda e o 
jogador 2 segura o outro. Suponhamos que ambos 
os jogadores cooperem. Mesmo assim, o 
problema já é mais difícil. O menor 
“movimentozinho” do outro jogador pode 
derrotar seu objetivo. Tampouco será fácil um 
acordo sobre o conceito de “corda 
suficientemente esticada”. Juntemos a seguir mais 
dois jogadores, de modo que os quatro, em certos 
momentos, desejem cooperar para alcançar o 
objetivo e, em outros, tratem de impedir que um 
mantenha o sino estável e silencioso. 
 
O JOGO DA CORDA ELÁSTICA E DO SINO 
Agora, quanto depende do jogador 1 a meta de 
estabilizar o sino? Quanto pesam os movimentos 
de 2, 3 e 4 ao alcance do objetivo? Este é 
exatamente um jogo em que o resultado depende 
apenas em parte da ação de 1. Neste caso, o 
cálculo que deve fazer quem queira impedir que o 
sino toque é um cálculo não bem estruturado, que 
supera as possibilidades da moderna matemática, 
e o plano baseado neste cálculo quase estruturado 
é uma aposta que encerra certo grau de 
vulnerabilidade. O jogo social, sem dúvida, é 
muito mais variado e complexo do que este, 
porque, entre outras razões, compõe-se de muitos 
subjogos em que o jogador 1 tem, sobre alguns 
deles, mais ou menos controle do que noutros. 
 
 
 
A principal característica do que chamamos de 
um jogo semicontrolado está no seguinte: há 
aspectos e momentos do jogo em que, apesar dos 
outros jogadores, pode-se calcular resultados com 
alta margem de segurança ou com probabilidades. 
Se o sino está estabilizado, por exemplo, basta 
que os jogadores se abstenham de fazer 
movimentos para que permaneça silencioso. O 
sistema torna-se mais previsível. Mas há outros 
aspectos e momentos do jogo em que só se pode 
fazer apostas condicionadas à ocorrência de 
determinadas circunstâncias e decidir apenas na 
base de preferência quanto a alguma aposta, pois 
o cálculo de resultados é impossível. Por 
exemplo: o sino está tocando e todos tratam de 
fazer movimentos para estabilizá-lo, com 
resultados imprevisíveis. Neste último caso, o 
futuro é nebuloso, difuso e indeterminável. Não 
se pode calcular o risco de uma jogada ou de uma 
decisão. A incerteza é inexorável. o que o plano 
anuncia é uma aposta débil. 
Para compreender a teoria da planificação é 
conveniente, portanto, distinguir um sistema 
controlado de outro, semicontrolado. 
O sistema é controlado por um jogador se
os 
outros participantes do jogo têm comportamentos 
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predizíveis e se propõem ao máximo uso dos 
limitados recursos que possuem, a fim de 
aumentá-los a cada nova jogada. Trata-se de um 
cálculo científico, apoiado no conhecimento das 
leis de comportamento dos outros jogadores que 
cooperam e competem pelos mesmos recursos, 
cuja posse é indispensável para alcançar objetivos 
que, por sua vez, também são cooperativos e 
conflitivos. Neste caso, o suporte essencial para 
tomar uma decisão no jogo é o cálculo estruturado 
que permite ao jogador no controle anunciar 
resultados determináveis, com certeza, ou 
probabilidades objetivas. No “jogo da velha”, por 
exemplo, não tenho controle sobre as decisões de 
meu oponente, mas posso fazer uma precisão 
precisa de todas as suas possíveis jogadas. O 
mesmo se dá com meu adversário à respeito de 
meus planos. Trata-se, por conseguinte, de um 
jogo estruturado. Algo parecido ocorre 
implicitamente com um modelo econométrico no 
qual se assume que o criador do modelo conhece 
a conduta dos agentes econômicos. 
Em contraposição, o sistema é semicontrolado se 
todos os jogadores participantes são estrategistas 
criativos que cooperam e entram em conflito 
pelos limitados recursos que o resultado do jogo 
distribui em cada momento de seu interminável 
desenvolvimento. Neste caso, o suporte essencial 
para tomar uma decisão no jogo é o julgamento 
do apostador, fundamentado, em parte, por 
cálculos parciais bem estruturados e, em parte, 
por preferências explícitas quanto aos aspectos 
nebulosos ou não bem-estruturados. O julgamento 
do apostador pode refinar-se, explorando a 
eficácia de nossas ações, ou seja, seus resultados, 
em diversos futuros possíveis que se desenvolvem 
em diversas circunstâncias ou cenários. No jogo 
da corda e do sino, por exemplo, o jogador 1 não 
tem capacidade alguma de predição e sua 
capacidade de previsão é incompleta e imprecisa 
quanto aos movimentos dos outros jogadores. 
Na vida real, governa-se e planifica-se num jogo 
semicontrolado, e isto altera todas as nossas bases 
de pensamento sobre a planificação. 
 
NO JOGO SOCIAL, O FUTURO É NEBULOSO; NÃO É 
PREDIZÍVEL 
O aspecto incontrolável do jogo social está em 
que todos os jogadores têm limitações de 
informação e de recursos para pretender ganhar o 
jogo e, mesmo com abundância de recursos 
econômicos, não podem comprar boa parte desta 
informação. Uma parte muito importante da 
informação de que os jogadores necessitam para 
jogar com eficácia não pode ser obtida mediante 
investigação ou espionagem. Os jogadores, 
portanto, não sabem com certeza como superar 
essas limitações, pois, em cada momento do jogo, 
tampouco sabem com exatidão a jogada seguinte 
que será mais eficaz. Não se pode comprar ou 
espionar uma informação que outrem não possui.. 
Em outras palavras, nenhum jogador pode 
raciocinar de modo determinístico: “Se decido A, 
a conseqüência é B”. De outra maneira não seria 
um jogo, mas um sistema controlado. E isto é 
válido, embora o jogo social seja desigual e 
outorgue a uns muito mais poder que a outros. 
Não obstante, em duas condições extremas e 
concomitantes é possível reduzir teoricamente a 
incerteza inexorável e convertê-la em certeza: a) 
se um jogador chega a controlar todos os recursos 
limitados de um jogo e transforma seus oponentes 
em servidores, e b) se esse jogo é completamente 
independente dos outros jogos que se 
desenvolvem ao mesmo tempo. Mas tal extremo é 
mera curiosidade teórica que define a zona 
fronteiriça entre um jogo e um sistema 
controlado. Na vida real, política, econômica, 
cognitiva, social etc., nenhuma das duas 
condições mencionadas é alcançável por um 
jogador. 
Este jogo difuso e nebuloso tem os seguintes 
ingredientes de incerteza: 
• Ignorância quanto ao futuro daquela 
parte do mundo que supomos regida por 
leis que ainda desconhecemos ou que as 
ciências ainda não esclareceram. É o 
aspecto de incerteza originado por nosso 
desconhecimento da natureza e dos 
processos sociais em que vigora a lei dos 
grandes números. A investigação, o 
estudo, a capacitação e o treinamento 
podem reduzir esta primeira limitação. 
Hoje, por exemplo, não conhecemos as 
leis seguidas pelo desenvolvimento da 
enfermidade conhecida como AIDS, mas 
no futuro, por meio da investigação, é 
possível que descubramos essas leis. É 
possível, também, que um ator 
monopolize certos conhecimentos em 
detrimento de outros. 
• Criatividade dos jogadores. Irredutível 
mediante informação e conhecimento, 
porque esses recursos alimentam mais 
rapidamente a própria criatividade do 
que a capacidade humana de predizê-la. 
É o aspecto interativo e mais fascinante 
do jogo. A criatividade é uma 
característica da interação humana entre 
poucos. Eu jogo “X”; qual será a jogada 
seguinte de meu oponente? Qual será 
minha resposta a essa hipotética jogada? 
Essa é a essência da interação criativa 
em que cada jogador é um bom ou um 
mau estrategista. Este cálculo, por 
definição, não segue leis e gera uma 
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certeza inexorável que não se reduz, de 
forma expressiva, com mais 
conhecimentos. O surpreendente e o 
inimaginável descontrolam os planos dos 
jogadores. Também dificulta o jogo a 
multiplicidade do futuro imaginável, 
diante da necessidade de apostar numa 
variedade muito mais reduzida de 
possibilidades. Só as possibilidades são 
aos milhares, como apostar nas duas ou 
três mais relevantes? Esta incerteza é 
inevitável. Um jogador pode estar mais 
ou menos preparado para prover e reagir 
ante esta nebulosidade do futuro, mas 
não pode evitá-la, na vida prática. 
• Opacidade da linguagem, que, muitas 
vezes, torna ambíguo o intercâmbio de 
significados, que se produz nas 
conversações entre jogadores. O jogador 
1 pode falar “A” e o jogador 2 escutar 
“B”. No jogo de bridge, esses erros de 
conversação são muito comuns, pois 
fala-se, principalmente, através das 
próprias jogadas e estas admitem mais de 
uma interpretação. No jogo social ocorre 
algo parecido. Como posso saber se a 
ameaça de uma greve, uma renúncia ou 
uma guerra é real ou uma fanfarronada? 
Por isso existe uma dimensão lingüística 
na nebulosidade do jogo social. 
• O jogo maior ou o contexto em que se 
situa o nosso jogo particular, sobre o 
qual não só não temos controle, como 
nem mesmo capacidade de predição. 
Quando muito, dispomos de limitada 
capacidade de previsão sobre o contexto 
ou circunstâncias que cercam e 
condicionam nosso jogo. Aqui, 
“previsão” é uma predição condicionada 
que começa com a conjunção “se” 
precedendo as circunstâncias em que se 
situa meu plano. Os jogadores escolhem 
seu plano de jogo, mas não as 
circunstâncias em que devem realizá-lo. 
Nesse nicho de incerteza os jogadores entram em 
cooperação e em conflito e, assim, surgem 
problemas de relações no interior do plano de um 
ator, e de relações externas entre os planos dos 
diversos jogadores. No nível dos objetivos do 
plano, por exemplo, podem verificar-se as 
interações descritas no quadro acima. 
O conflito de planos e objetivos é fonte de 
incertezas, pois a eficácia da jogada de 1 depende 
do que antes tenha jogado 2 e do que jogue 
depois. Contudo, mesmo na cooperação entre 
jogadores, há incerteza, porque nem sempre é 
fácil decidir quanto à jogada que é de mútua 
conveniência. 
Neste jogo, em cada momento de seu 
desenvolvimento, os jogadores podem comparar 
os objetivos a que se propuseram com os 
resultados do jogo, vale dizer, com os objetivos 
alcançados. 
Por esta via, ao analisar os resultados do jogo, 
cada um dos jogadores identifica problemas. 
Assim, um problema para um jogador é o 
resultado insatisfatório que, em determinada data, 
o jogo lhe oferece. Portanto, é natural que o que é 
um problema para o jogador 1 seja justamente
um 
bom resultado para o jogador 2. O problema 
sempre é relativo a um jogador. Não obstante, há 
uma exceção: os problemas que provém de 
beneficiários do jogo B que afetam negativamente 
nosso jogo A. Neste caso, surgem problemas 
comuns a todos os jogadores participantes do jogo 
A. 
 
APRENDER A JOGAR 
Se deseja alcançar bons resultados, o governante 
deve aprender a jogar no jogo social. Mas o que 
significa jogar bem? Esta é a pergunta-chave para 
a teoria do governo e a planificação, porque jogar 
bem não apenas implica o domínio intelectual da 
complexidade do jogo semicontrolado, como, 
principalmente, a arte de jogar bem na prática, 
medir-se com os outros jogadores e dominar a 
tensão que o jogo produz numa situação concreta. 
Aqui podemos tratar apenas do problema do 
domínio intelectual da complexidade do jogo 
semicontrolado. O outro aspecto, mais importante 
ainda, requer mestria artística, vocação e aptidões 
que só são provadas na prática política e 
conseguidas mediante o treinamento perseverante. 
Um estadista o é conforme tenha domínio, tanto 
intelectual como artístico sobre o jogo 
semicontrolado. 
Em síntese genérica, pode-se dizer que o domínio 
intelectual da complexidade do jogo 
semicontrolado apresenta quatro grandes 
problemas: 
• Saber explicar a realidade do jogo; 
• Saber delinear propostas de ação sob 
forte incerteza; 
• Saber pensar estratégias para lidar com 
os outros jogadores e com as 
circunstâncias, para calcular bem o que 
podemos fazer, em cada momento, em 
relação ao que podemos fazer para 
alcançar os objetivos; e 
• Saber fazer no momento oportuno e com 
eficácia, recalculando e completando o 
plano com um complemento de 
improvisação subordinada. 
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Contrastes da planificação tradicional com a PES 
PLANIFICAÇÃO TRADICIONAL PROBLEMAS BÁSICOS PLANIFICAÇÃO ESTRATÉGICA
1. Unidimensional (apenas recursos
econômicos)
3. Sem contexto (circunstâncias
implícitas
4. Sem atores sociais (um governante e
um sistema governado)
5. Proposta de ação ao político com
anúncio de resultados precisos
6. O escritório de planificaçào planifica
2. Determinística
A B
1. Multidimensional (político, econômico,
cognitivo etc.
3. Contexto explícito
Parcialmente enumerável (B = a,b...?)
4. Atores sociais em um jogo
5. Vários planos com resultados variáveis
segundo as circunstâncias
6. Quem governa planifica
2. Incerteza dura
A B
β
1. Como explicar 2. Como esboçar o futuro
Diagnóstico
versus
Explicação Situacional
Asserção
versus
Aposta
Consulta Política
versus
Análise Estratégica
Conselho Técnico
versus
Cálculo Situacional
3. Como calcular o
possível
4. O que fazer hoje
Mesa
de
Jogo
J2
J4
J3
J1
 
 
EXPLICAÇÃO SITUACIONAL OU DIAGNÓSTICO? 
O primeiro problema, “saber explicar”, obriga-
nos a questionar o conceito de diagnóstico. Num 
jogo, há vários jogadores e diferentes perspectivas 
de análise do mesmo. Existe o outro, que também 
joga. Quem tem a capacidade e a necessidade de 
explicar? Todos os jogadores. Existem, pois, 
várias explicações sobre a realidade do jogo 
social. Dependo de quem explica. A explicação 
de João, ganhador, não pode ser a mesma de 
Pedro, derrotado. 
Se sou o jogador João, interessa-me conhecer a 
explicação dos que competem ou cooperam 
comigo? É óbvio que sim, porque com este 
conhecimento posso jogar melhor. Minha 
explicação é mais poderosa se considera e 
diferencia as dos outros. 
Explicar bem é diferenciar as explicações dos 
diversos jogadores e atribuir corretamente a cada 
jogador as explicações diferenciadas. Implica 
também verificar se os jogadores jogam de 
maneira consistente com as explicações que lhes 
atribuímos. 
Em face da necessidade de fundamentar suas 
estratégias, produz-se, entre dois jogadores, João 
e Pedro, uma recíproca atribuição de explicações 
situacionais, tal como indicado no quadro a 
seguir. 
 
Diferenciação de Explicações 
B
A João Pedro
João
(I)
João explica o jogo
tendo a si próprio como
referência...
(II)
Atribui a Pedro uma
explicação do jogo,
feito por João
Pedro
(III)
Atribui a João uma
explicação do jogo feita
por Pedro
(IV)
Pedro explica o jogo
tendo a si próprio como
referência e...
 
 
Certamente a atribuição recíproca de explicações 
corretas é um ideal inalcançavel e implica: 
para João, que II = IV 
para Pedro, que III = I 
É natural que, quanto mais próximas forem as 
explicações II e IV, melhor possa jogar João e, 
inversamente, quanto mais próximas as 
explicações III e I, melhor pode jogar Pedro. 
A explicação - de provisória convertida em 
definitiva, de subjetiva em objetiva ou de 
apreciação situacional em diagnóstico - supõe a 
perda da liberdade de ver e aprender o mundo. A 
realidade é um espaço de possibilidades 
explicativas aberto a todos os jogadores que nela 
atuam. Uma explicação, por conseguinte, fecha 
esse espaço de possibilidades quando se aferra a 
uma única visão excludente. 
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A diferenciação de explicações abre o caminho do 
entendimento e aperfeiçoa o do confronto. Essa 
diferenciação explicativa não reside na realidade 
em si, mas em quem a explica. Mas, como a 
explicação motiva a ação e esta muda a realidade, 
toda explicação é uma colaboração na construção 
do mundo. Existe, pois, uma relação subjetiva e 
interativa entre o ator que explica e a realidade 
como dado objetivo, aberto, entretanto, a muitas 
explicações. 
Uma explicação situacional o é apenas se há um 
ator ou jogador que se lhe identifica. Uma 
investigação, em troca, para ser válida, não requer 
atores que se identifiquem com sua proposta de 
causalidade e resultados. 
Isso leva-nos ao conceito de situação e de 
explicação situacional. A apreciação situacional 
de cada jogador é o motivo e o motor de sua ação. 
O conceito de diagnóstico, porém, apega-se a uma 
explicação única supostamente objetiva, e, muitas 
vezes, sem autor reconhecível porque, em vez de 
diferenciar as explicações dos diversos jogadores, 
combina-as, ou confunde-as numa só explicação 
genérica que não representa ninguém em 
particular, salvo, às vezes, uma técnica de 
planejamento que não participa da mesa do jogo 
social, nem a ela tem acesso seus conselhos. 
Em síntese, o primeiro problema é identificar 
corretamente os problemas e explicá-los, 
situacionalmente; quer dizer, diferenciar as 
explicações, para saber não apenas onde atuar 
para enfrentá-los, como também perante quem 
devemos fazê-lo. 
Na explicação do jogo social não existem 
problemas óbvios, nem explicações absolutas e 
seguras. Toda argumentação sobre o jogo passado 
supõe a relação de causalidade condicionada 
A B
β
 
onde A é uma causa, B é o resultado causado e β 
as circunstâncias de contexto em gerar cambiantes 
que, influenciando a explicação, validam a 
argumentação causal. Por isso, sempre a rigor, é 
necessário verificar a solidez de cada relação 
causal que fundamenta nossa ação, pois as 
circunstâncias β podem ser distintas no plano e na 
explicação situacional. 
 
O PLANO COMO APOSTA ABERTA 
O segundo problema: “saber delinear frente à 
incerteza” consiste em saber delinear sob forte 
dúvida. Isto é o oposto de delinear 
determinadamente. Um químico, em seu 
laboratório, pode realizar uma experiência já 
provada e anunciar, com segurança, seu resultado. 
Seu experimento não é uma aposta. É um 
delineamento em que não existem variáveis de 
incerteza, nem no texto nem no contexto do 
experimento. Seu anúncio de resultados está a 
salvo de qualquer perturbação significativa alheia 
às variáveis que o químico controla, aplica e dosa 
em precisas proporções. 
No jogo social, tal certeza é impossível por duas 
razões: 
porque o jogador escolhe seu plano segundo o 
controle que tem sobre as variáveis que
para ele 
são opções, mas apenas uma parcela das variáveis 
são relevantes para calcular o resultado de sua 
ação; os outros jogadores também controlam parte 
das variáveis que influem sobre os resultados de 
meu plano; e 
porque o jogador não pode escolher as 
circunstâncias em que tem de realizar o plano, 
quer dizer, não pode decidir quanto às variáveis 
que nenhum dos jogadores dessa mesa de jogo 
controla. Parte do jogo I se decide no 
desenvolvimento de um jogo II, do qual, por 
vezes, sabemos muito pouco. 
Em consequência, se queremos atingir o resultado 
B, temos agora de raciocinar considerando nossa 
ação A e as circunstâncias β que pode se atuar. 
Como só controlamos A e não podemos afetar β, 
nosso plano deve trabalhar com previsões como 
as seguintes: 
A1
B
β 1
A2
β 2 
Essa expressão poderia ser lida assim: “Se as 
circunstâncias são β1, para se atingir o resultado 
B devo fazer A1. Se as circunstâncias são β2, 
porém, para atingir B, devo fazer A2”. 
Se assumirmos que só é possível produzir a ação 
A1, então o plano será: 
A1 B
β 1
A2
β 2
C
 
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Quer dizer, os resultados de nosso plano 
dependerão das circunstâncias. 
A interação dos jogadores é fonte de geração de 
circunstâncias β incertas e internas ao jogo. O 
jogador 1 não escolhe seu adversário e, 
consequentemente, a força e a qualidade como 
estrategista deste. Mas as circunstâncias β, por 
sua vez, estão, em geral, afetadas pelas 
circunstâncias π, vale dizer, variáveis de outros 
jogos que perturbam o nosso. O gráfico a seguir 
ilustra estas relações. 
 
 
β 1
A1
α 1
B
β 2
A2
α 2
C
π
Espaço de governabilidade de J1
J1
J2
Espaço do jogo
Outro
jogo
 
 
Pode-se apreciar com clareza que o resultado B, 
que o jogador 2 tenta conseguir, depende de 
variáveis que o jogador 1 controla e também de 
circunstâncias π que escapam ao controle de 
ambos. Por isso a PES enfatiza a idéia de plano 
dual, ou seja, um plano que sempre tem duas 
caras: um plano de ação e um plano de demandas 
e denúncias. No primeiro, o governante assume a 
responsabilidade de atacar os problemas. No 
segundo, reclama a cooperação de outros atores 
ou denuncia a sua oposição, já que os resultados 
de B não dependem exclusivamente de seu plano 
de ação. O bom político sempre dosa com 
sabedoria o plano de ação com o plano de 
demandas e denúncias, como forma de cuidar de 
seu capital político. 
Entre os elementos condicionantes do resultado B 
do jogador 1, é importante mencionar as 
condições α, que se referem à qualidade do plano 
elaborado e à eficácia de sua gestão. As condições 
α dependem da capacidade de governo, quer 
dizer, da potência dos métodos e práticas de 
trabalho da equipe de governo, assim como da 
perícia de seus integrantes. Esta capacidade de 
governo tem um aspecto pessoal e outro aspecto 
institucional. O pessoal indica a qualidade e a 
perícia da liderança do momento. O institucional, 
em troca, é mais estável e refere-se à acumulação 
de perícia nos estratos político, técnico-político 
técnico e burocrático da máquina do Estado. 
Nessa conceituação, denominamos variáveis 
controladas aquelas que são objeto de opções e 
escolha para um jogador e, ao mesmo tempo, são 
relevantes para a consecução do objetivo de seu 
plano. No outro extremo, as variáveis fora de 
controle podem ser de natureza muito diferente. A 
seguinte distinção é útil para a planificação 
situacional: 
• Chamamos de invariantes aquelas 
variáveis que o jogador não controla, 
mas conhece-lhes a lei de mudança 
futura e, portanto, tem capacidade de 
predizê-la 
• Em contraste, variantes são variáveis que 
o jogador não controla e tampouco 
conhece sua lei de mudança, pelo que 
não tem capacidade de predizê-las 
• O jogo pode produzir eventos de 
probabilidade muito baixa, mas de 
sensível impacto positivo ou negativo 
sobre os objetivos do plano de um 
jogador. A estes eventos chamamos de 
surpresas. 
Por conseguinte, β compõe-se de eventos de 
significativa probabilidade de ocorrência no 
Matus, C. O Plano como Aposta. São Paulo em perspectiva. 5 (4): 28-42 out/dez. 1991 
 
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próprio jogo, que não controlamos e nem 
conhecemos sua lei de causalidade, que 
denominamos variantes do jogo (VP), variantes 
de outros jogos (VO), invariantes (IV), ou seja, 
eventos que não controlamos, nem conhecemos a 
lei de ocorrência e de surpresas (S), que são 
eventos de probabilidade muito baixa originados 
na convergência do tempo de vários eventos de 
baixa probabilidade. 
 
(VP, VO)
VARIANTES
β a
A
β (Variáveis fora de controle)
β b β c
B
α (Qualidade do plano
e sua gestão)
(IV)
INVARIANTES
(S)
SURPRESAS
 
 
Noutras palavras, a condicionante β, que afeta os 
resultados de nossa ação, se compõe de: 
β = (VP, VO, IV, S) 
Nestas condições, não é possível anunciar 
resultados absolutos e precisos. Apenas podemos 
fazer prognósticos condicionados pelo conjunto 
de circunstâncias que dão forma ao contexto que 
chamamos β. 
O esquema a seguir mostra as relações de 
condicionamento que um plano estratégico deve 
explicitar. 
As principais relações anteriores podem também 
ilustrar o que a PES denomina de triângulo de 
governo. 
 
B (Projeto de governo)
 α
(Capacidade de governo)
 β
(Governabilidade)
Peso de β
Peso de α
 
 
Esse triângulo sintetiza a situação de um 
governante perante a realidade. As três variáveis 
(B, β e α) dão forma ao sistema. A baixa 
capacidade de governo afeta a governabilidade, a 
qualidade da proposta e a gestão do governo. As 
exigências do projeto de governo põem em prova 
a capacidade de governo e a governabilidade do 
sistema. A governabilidade do sistema, por fim, 
impõe limites ao projeto de governo e faz 
exigências à capacidade de governo. 
A planificação situacional, em síntese, nos diz 
que nunca se governa com total governabilidade 
do sistema e total capacidade de governo. Deve 
haver um equilíbrio dinâmico entre B, β e α. 
Essas limitações nos impõem abandonar o 
delineamento determinístico sobre o futuro e 
adotar formas de delineamento mais flexíveis. 
Noutras palavras, devemos substituir o cálculo 
determinístico pelo cálculo interativo e a 
fundamentação de apostas em contextos 
explícitos. Estes contextos explícitos são cenários 
possíveis do plano. O delineamento do plano 
converte-se, portanto, numa série de cadeias de 
apostas bem ou mal sustentadas em cadeias de 
argumentos, cálculos parciais e pressupostos. 
Devemos, então, revisar radicalmente nossa 
forma de delinear planos num mundo infestado de 
incertezas e surpresas. 
Num jogo semicontrolado, combinam-se nos 
grandes problemas do plano as relações de texto 
(plano) e contexto (cenários estáveis ou 
turbulentos) com situações de diferentes tipos de 
incerteza. Quando o plano se localiza no caso em 
que β = 0, estamos na presença da planificação 
tradicional normativa ou prescritiva, geralmente 
sem contexto explícito. Em troca, a planificação 
estratégico-situacional contempla todas as 
situações anteriores e obriga a explicitar o 
contexto β em que o plano se situa e anuncia 
resultados. 
Se nos perguntarmos agora sobre as vias para 
lidar com as circunstâncias β e elevar a qualidade 
das condições α, podemos sintetizar as propostas 
da PES no esquema que se segue.
 
 
 
Matus, C. O Plano como Aposta. São Paulo em perspectiva. 5 (4): 28-42 out/dez. 1991 
 
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(VP, VO)
A
β (Variáveis fora de controle)
B
α (Qualidade do plano e sua gestão)
(IV) (S)
Técnicas de cenários
Técnicas de absorção
de incertezas Planos de contingência
Direção estratégica Análise de vulnerabilidade e
confiabilidade do plano
Pré e pós-avaliação
de operações
 
 
 
 
Aqui, destacam-se as técnicas de cenários, de 
absorção de incertezas e de planos de 
contingência para enfrentar a incerteza
que β 
gera. Para elevar a qualidade das condições α, 
destacam-se expressamente a adoção de métodos 
de direção estratégica, a análise de 
vulnerabilidade e confiabilidade do plano e a pré 
e pós avaliação de operações. 
Todas essas considerações sobre a incerteza 
fazem mais complexo o delineamento prescritivo 
do plano, mas o tornam muito mais flexível e 
realista. 
A realidade complexa não pode ser abordada com 
métodos simples. Com efeito, quanto mais 
variedade e peso apresentam as condições β, tanto 
maior será a necessidade de elevar a qualidade 
dos condicionantes α, e isto obriga a métodos 
mais poderosos e complexos de direção e 
planificação. 
Pelas razões anteriores, como indica o gráfico a 
seguir, o plano é uma seleção de operações 
destinadas a alterar a situação inicial e atingir a 
situação-objetivo. Mas a pertinência, o produto e 
os resultados ou efeitos de tais operações sobre a 
situação inicial só estão explorados num espaço 
parcial das possibilidades que podem ser gestadas 
pelas condições β, fora do controle do ator, e das 
condições α, que dependem das capacidades de 
gestão e planificação do plano. 
 
História Hoje Futuro (plano)
Não ocorreu
Não ocorreu
História Real Possibilidades exploradas no plano
Possibilidades não exploradas
Possibilidades não exploradas
 
 
Matus, C. O Plano como Aposta. São Paulo em perspectiva. 5 (4): 28-42 out/dez. 1991 
 
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Um plano não deve cobrir o universo teórico de 
possibilidades que o futuro oferece e, por razões 
práticas, explora apenas algumas. As demais 
permanecem na nebulosidade do futuro. O plano 
fecha um espaço de possibilidades que a realidade 
mantém abertas. Embora isso seja, a nosso ver, 
totalizante, satisfatório e pouco vulnerável, 
sempre será incompleto, pois refere-se apenas a 
uma interpretação das muitas outras 
interpretações possíveis que o futuro encerra. Este 
é um argumento claro e definitivo para 
compreender o plano como uma obra aberta para 
a permanente e incessante necessidade de ajuste 
às surpresas e alterações, que permanecem não-
reveladas e potenciais no momento de sua 
revelação. 
 
A NECESSIDADE DO CÁLCULO ESTRATÉGICO 
O terceiro problema: o “cálculo estratégico” 
refere-se a pensar estratégias para tornar o plano 
viável. Ou seja, articular o “deve ser” com o 
“pode ser”. Não basta dispor de um bom 
delineamento normativo e prescritivo do plano. É 
preciso, além disso, uma boa estratégia para lidar 
com os outros jogadores e com as circunstâncias 
que cercam o jogo social. É este, exatamente, o 
problema de saber jogar. Um jogador pode dispor 
de boas cartas num jogo de baralho, mas, se não 
souber jogá-las, perde para outro que tem cartas 
inferiores. 
A metáfora iguala o delineamento prescritivo do 
plano às cartas que o jogador tem. O plano 
tradicional consiste em dizer: “Estas são as cartas 
que devemos jogar. São boas cartas”. Mas é 
evidente que o plano não pode limitar-se a isto, ou 
seja, a nos comprometermos com uma proposta 
prescritiva sobre o que devemos fazer. É 
imprescindível a exploração de estratégias de jogo 
para descobrir o máximo que podemos fazer. 
Neste ponto, emergem com clareza as limitações 
da antiga planificação do desenvolvimento 
econômico e social, que isola uma parcela da 
realidade do jogo político à qual pertence o 
econômico-social. E, para maior simplicidade, 
trata a parcela econômica de modo determinista e 
no mero plano prescritivo. A análise estratégica 
leva-nos, inevitavelmente, à planificação integral 
da ação, sem separar o econômico do político. O 
poder, como recurso escasso, desempenha, nesta 
interação sistêmica, um papel chave para 
entender-se a complexidade do problema que um 
governante enfrenta ao tomar decisões diante de 
opções de resultados incertos que também 
dependem da ação de outros jogadores. 
Nessas decisões, cada jogador fica limitado em 
sua capacidade de ação por um vetor variado de 
múltiplos recursos escassos. Neste vetor de peso 
de um jogador podem-se diferenciar grandes 
domínios de escassez de recursos, dentre os quais 
convém destacar o controle dos centros de 
decisão (poder político), o controle de recursos 
econômicos e decisões orçamentárias (poder 
econômico), o controle de recursos 
comunicacionais (poder comunicacional) e o 
controle das capacidades científicas e técnicas 
(poder cognitivo e organizativo). O vetor de peso 
de um jogador é a enumeração das capacidades 
que ele controla diretamente ou de maneira 
indireta por meio das adesões de outros jogadores 
e da população não-organizada. 
O vetor de peso de um ator A, pode ser 
estruturado da seguinte forma: 
 
VPA = X1A...X2A...X3A.......XjA Xj + 1A Xj + 2A Xj + kA 
 Controle direto 
de recursos 
 Adesões 
 
onde cada XjA, precisa de um controle de 
recursos do ator A, e cada Xj + kA, indica uma 
adesão de outros atores A1, A2, A3.... Aj. 
Qualquer jogada de um ator requer uma 
combinação de recursos escassos que o vetor de 
peso enumera, embora algumas exijam 
predominantemente apenas alguns dos tipos de 
recursos enumerados. Os resultados de uma 
jogada sobre o jogo, por sua vez, cruzam todos os 
domínios mencionados, se bem que possam 
concentrar-se, transitoriamente, em alguns destes 
e sobre alguns dos outros jogadores. 
A eficácia política surge, aqui, como critério 
essencial de avaliação estratégica, em 
concorrência com os critérios de eficácia 
econômica, cognitiva e organizativa. A eficácia 
global de uma jogada não pode, portanto, ser 
avaliada apenas num domínio parcial do jogo e 
em relação a um único recurso escasso. 
A planificação tradicional omite este capítulo e 
formula seus planos num vazio de contexto 
situacional que ignora o político como oposto ao 
técnico. Assume que o problema estratégico é dos 
políticos e a planificação econômica é de domínio 
dos técnicos. Por esta razão, temos praticado uma 
planificação formal, ritual e tecnocrática, sem 
estratégica política que lhe incorpore viabilidade. 
Esta planificação, na prática, é ignorada pelos 
políticos, que primeiro intuem e depois 
comprovam sua inutilidade. 
A análise estratégica suscita as questões mais 
complexas, pois devemos trabalhar num nível 
prático-operacional com os conceitos de poder, 
motivação para atuar usando o poder, força 
aplicada ou pressão de um jogador sobre uma 
jogada etc. Devemos saber, ademais, distinguir 
Matus, C. O Plano como Aposta. São Paulo em perspectiva. 5 (4): 28-42 out/dez. 1991 
 
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entre viabilidade para decidir uma jogada e 
viabilidade para alterar estavelmente a situação do 
jogo depois da jogada. Uma coisa não leva, 
necessariamente, à outra. Em um e outro caso, é 
preciso avaliar os resultados sobre o poder 
acumulado pelos jogadores e suas motivações. 
Por fim, é preciso propor estratégias de jogo em 
que se combinam a autoridade, a cooptação, a 
negociação, o confronto e a dissuasão. É preciso 
combinar estas estratégias, diferenciando 
jogadores e jogadas ao longo da trajetória do 
jogo, donde a consideração do tempo e da 
oportunidade podem ser muito importantes. 
Na análise estratégica, é necessário combinar as 
seguintes variáveis: 
a) Atores ou jogadores, quer dizer, os sujeitos 
criativos que dinamizam o jogo com seus 
interesses em confronto. 
b) Motivação e peso dos atores, variáveis que 
dependem de: 
• interesse ou posição que os jogadores 
assumem perante às operações que os 
participantes do jogo social buscam 
realizar (apoio, recusa, indiferença); 
• valor ou importância que os jogadores 
atribuem à cada operação (alto, médio, 
baixo); 
• peso ou força que cada jogador tem, 
definido pelo correspondente valor de 
peso; 
• pressão ou força aplicada sobre uma 
operação ou jogada numa situação 
concreta, que depende da motivação e do 
vetor de peso. 
As categorias anteriores permitem construir o 
seguinte modelo conceitual: 
 
Interesse (+, -, 0)
Valor (a, m, b)
Vetor de peso
Motivação
Pressão
c) Estratégia, ou seja, a maneira ou modo de atuar 
diante dos outros jogadores em relação à cada 
operação ou jogada. Entre as diversas 
estratégias, convém destacar: 
• autoridade; 
• cooptação; 
• negociação; 
• confronto; 
• dissuasão 
d) Trajetórias, ou seja, a maneira de utilizar o 
tempo e a sequência das ações para provocar 
as consequências desejadas 
e) Operações ou jogadas que podem ser de dois 
tipos: 
• operações ou jogadas constitutivas do 
plano, sem as quais é impossível 
alcançar a situação-objeto, que 
denominamos operações Op; e 
• operações ou jogadas táticas, cuja única 
utilidade consiste em buscar, durante o 
jogo, incorporar viabilidade às operações 
Op. A essas operações chamamos Ok. 
Uma operação Op pode ser realizada por 
meio de uma gama de alternativas de 
operações Ok, de modo que uma 
operação Ok sempre é prescindível, mas 
alguma operação Ok sempre é 
necessária. 
A análise estratégica explora a maneira de 
combinar todas as variáveis mencionadas para 
incorporar viabilidade a cada operação do próprio 
plano. O princípio estratégico fundamental 
consiste em conseguir uma combinação com a 
qual cada operação jogada abra caminho a outra 
que vem a seguir, até realizá-las todas numa 
determinada trajetória. Naturalmente nossos 
oponentes buscarão fazer o mesmo em relação a 
seus planos. 
As possibilidades de combinação, num jogo de 
três atores A1, A2 e A3, em relação ao plano de 
A1 que contempla 3 operações Op1, Op2 e Op3, 
podem ser vistas na ilustração a seguir.
 
 
Matus, C. O Plano como Aposta. São Paulo em perspectiva. 5 (4): 28-42 out/dez. 1991 
 
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Autoridade
Cooptação
Negociação
Confronto
Decisão
A2
A3
OP1 OP2
OP3
Atores
t1 t2
 
 
O Gráfico tridimensional explica uma estratégia 
possível de A1. Este ator propõe-se a negociar 
com o ator A2 e cooptar A3 para a realização da 
operação Op2, como forma de iniciar sua 
trajetória de jogadas. Este cálculo deve ser feito 
para cada operação, a fim de que a estratégia dê 
forma a uma trajetória em que cada operação 
situa-se em dadas coordenadas estratégicas. As 
coordenadas da operação Op1 no tempo t1, por 
exemplo, são: 
 
 
Op1 [(negociação, A2), (cooptação, A3)] t1 
 
A estratégia deve procurar esquivar-se ao 
confronto, para realizar o plano por consenso 
(autoridade, cooptação, negociação) mas, se o 
confronto é inevitável, convém chegar a ela 
escolhendo o momento em que as condições 
sejam melhores, vale dizer, naquela situação em 
que podemos exercer mais pressão que os outros 
oponentes. Para isso, a condição é a seguinte: 
 
Motivação sobre Opx
Vetor de peso aplicável
(+)
Motivação sobre Opx
Vetor de peso aplicável
(-)0
Ator A1
Pressão de A1
Oponentes
Pressão dos oponentes>
 
 
Por conseguinte, boa parte da qualidade de uma 
estratégia decide-se na escolha do confronto ou 
negociação conflitiva, e do momento para fazê-lo. 
Deve ser vencido antes que ocorra, criando-se as 
condições prévias mais favoráveis para o êxito. 
Se formos capazes de explorar tudo isso de forma 
razoável, então estamos preparados para jogar 
com o suporte de um cálculo estratégico eficaz. 
Agora, resta apenas atuar com este suporte em 
cada momento do jogo, já que só a ação altera a 
realidade. 
 
NO MOMENTO DE FAZER, DECIDE-SE TUDO 
O quarto problema: “fazer”, refere-se a atuar, a 
jogar, a realizar de acordo com o plano. É curioso 
que o problema do fazer ocupe pouco espaço na 
teoria da planificação, quando o plano só se 
completa na ação, nunca antes. Este é um ponto 
de extrema importância prática. Não existe a 
possibilidade de um plano completo em seu 
delineamento e cálculo estratégico antes da ação. 
Na improvisação tática da ação do momento, 
completa-se o conteúdo prático do plano. Em 
consequência, um tema central de preocupação 
deve ser o estudo das forças que, no momento da 
prática, decretam o domínio da improvisação 
sobre o plano ou do plano sobre a improvisação. 
Esta é uma luta típica que se expressa na desigual 
concorrência entre as urgências e as importâncias 
na agenda do dirigente. Como a improvisação é 
um cálculo situacional oportuno, supera 
facilmente a planificação tradicional, que é 
tecnocrática e lenta. Aqui surge um requisito bem 
preciso: o plano deve ser um cálculo superior à 
improvisação, para o que deve ser, não apenas 
oportuno, como também profundo e acertado. 
Estudar o momento de fazer conduz ao conceito 
de sistema de direção. A planificação pode ser 
Matus, C. O Plano como Aposta. São Paulo em perspectiva. 5 (4): 28-42 out/dez. 1991 
 
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parte ritual ou operacional do sistema de direção; 
que ocorra uma coisa ou outra, porém, não 
depende principalmente do sistema de 
planificação, mas das regras que sustentam o 
sistema de direção. Tais regras podem gerar 
demanda por planificação ou demanda por 
improvisação. 
O dirigente troca compromissos com seus 
superiores e subordinados. A prestação de contas 
quanto aos compromissos assumidos constitui 
regra-chave para compreender que uma direção 
responsável está submetida a uma estrita 
prestação de contas que a obriga a operar com 
uma gerência criativa, a dar espaço em sua 
agenda às importâncias e a sustentar o tratamento 
das importâncias com um poderoso sistema de 
planificação. Como são as regras do jogo 
institucional? É a pergunta chave para entender o 
que acontece com o sistema de direção e 
planificação. Se não existe uma direção 
responsável, a agenda fica tolhida de urgências, a 
gerência será rotineira e a planificação subsistirá 
como mero ritual de efeitos simbólicos. 
A velocidade de fazer, exigida pela velocidade 
dos acontecimentos, é um sério desafio ao que 
poderíamos chamar de tecnologia de planificação. 
Como resposta, a planificação estratégica 
situacional propõe o conceito de plano modular. 
O conceito de módulo alude à idéia de construir 
algo combinando peças previamente elaboradas. 
Essas peças elementares, naturalmente, estão 
abertas a muitas formas de combinação e 
significado, pois, de outra maneira, não seriam 
peças, mas obras fechadas. 
Em nosso caso, trata-se dois arquivos. O primeiro 
é o próprio plano como estrutura composta de 
módulos processados segundo critério e visão do 
ator que assume o plano. O arquivo plano é uma 
obra fechada à interpretação de um ator e a 
serviço de seu jogo. O segundo arquivo, em troca, 
é a reserva com a qual se constrói o primeiro e 
compõe-se de módulos pré-processados que 
podem ser postos em aplicações com rápidas 
adaptações às circunstâncias do jogo concreto do 
momento. Este é um arquivo aberto, não é 
produto de uma seleção situacional filtrada pela 
subjetividade de um ator. Pelo contrário, é 
formado por sedimentação de muitos planos 
anteriores ou pelo critério de várias equipes de 
estado-maior que entendem conveniente esta 
reserva para responder com agilidade ante à 
demanda de seus líderes. Surge aqui o conceito de 
“investimento” em módulos pré-processados, a 
fim de transformar o processo de fazer um plano 
no de “armar” e “adaptar” módulos previamente 
elaborados, na referência situacional do ator em 
comando. Boa parte do tempo de uma agência de 
planejamento deve ser dedicado a investir na 
elaboração e no processamento de módulos. 
Nessa tecnologia por módulos adotada pela PES, 
vale distinguir o seguinte: 
• módulos explicativos (macroproblemas, 
megaproblemas, problemas etc.); 
• módulos de ação (projetos de ação, 
operações, ações etc.); 
• módulos de gestão (organismos que 
assumem responsabilidades por 
problemas e operações); e 
• módulos complementares (cenários, 
planos de contingência etc.). 
Esta proposta de trabalhar com módulos tem 
muitas vantagens. Entre outras, a de precisão e 
rigor que sua conformação exige, constituindo-se 
frente à ambigüidade e à imprecisão prática da 
planificação tradicional. 
A idéia do plano modular permite ainda a 
vinculação real do plano e do orçamento, já que
entrega ao plano a função de ser instrumento de 
organização para ação, com responsabilidades 
bem definidas. 
Não obstante, na prática diária da ação, nada vai 
ocorrer exatamente como planejado e, às vezes, 
não acontecerá nada daquilo a que nos 
propusemos. Haverá falhas de análise dos 
problemas, deficiências nos fundamentos das 
apostas, incapacidade de prover possibilidades, 
aparição de surpresas, agradáveis e desagradáveis, 
equívocos, no cálculo estratégico e atrasos não 
considerados na gestão rotineira da burocracia 
que executa as operações do plano. 
Nenhuma técnica de planificação é segura diante 
da incerteza do mundo real e devemos nos apoiar 
em nossa capacidade para acompanhar a 
realidade. 
Aqui cabe recordar a análise do grande filósofo 
Hume, que se espantava com o cálculo que um 
cão faz para perseguir e alcançar um coelho. 
Trata-se de um plano em condições de alta 
incerteza. 
O cão tem capacidade nula de predição e baixa 
capacidade de previsão quanto aos movimentos 
do coelho. No entanto, tem um plano de 
perseguição baseado na capacidade de reagir com 
rapidez diante dos inesperados movimentos da 
presa, e esse plano apoia-se num sistema de 
acompanhamento dos movimentos do coelho. 
Notável, neste caso, não é precisamente, a 
preocupação de Hume com as inimagináveis 
matemáticas que o cão utilizaria para reduzir ao 
mínimo o percurso de sua perseguição, mas a 
capacidade do animal de alterar seu plano de 
caça, com o máximo de rapidez, toda a vez que o 
coelho alterar sua rota de fuga. 
Matus, C. O Plano como Aposta. São Paulo em perspectiva. 5 (4): 28-42 out/dez. 1991 
 
41
Se o cão adotasse um único plano e, depois, o 
seguisse cegamente, fracassaria seu objetivo. 
Assim, nada é mais importante que a sequência 
 
Cálculo Ação Correção
 
como método para aproximar-se do objetivo em 
sistemas de incerteza inexorável. 
E aqui é onde importa a direção estratégica, pois, 
de outra forma, o cão pode distrair-se diante de 
qualquer urgência e perder a noção de seu plano 
principal. 
 
 
 
O cão e o coelho de Hume 
C1 L1 C3 L3
C2 L2 C4 L4 
 
 
 
A CONFIABILIDADE DO PLANO 
O plano não é um anúncio de meios e resultados 
fundamentado em cálculos científicos certos. O 
plano é uma grande aposta sustentada em apostas 
parciais. Daí é válida a pergunta: Qual a 
probabilidade de êxito dessa grande aposta? Esta 
questão aponta para a confiabilidade do plano e 
permite avaliar as condições α. 
A confiabilidade de um plano aparece como tema 
crítico apenas no momento em que se toma 
consciência de que o plano é constituído por 
cadeias de apostas prescritivas, estratégicas e 
operacionais. O plano pode falhar por debilidades 
em alguns dos elos dessas cadeias. Portanto, todo 
plano deve estar acompanhado da análise de sua 
confiabilidade. E este metaproblema cruza os 
quatro temas anteriores e cada instância de 
recálculo e adaptação do plano às novas 
realidades. 
A necessidade do plano dual como resposta à 
interferência do outro obriga a ver também a 
análise da confiabilidade nessa perspectiva. No 
plano dual, a aposta é dupla. Aposto no êxito de 
minha ação e aposto no êxito de minhas 
demandas e denúncias. A confiabilidade do plano 
também inclui, por consequência, a dosagem na 
qual se combinam esses dois aspectos do plano 
situacional. 
 
UMA DINÂMICA DE QUATRO ELEMENTOS 
Esses quatro grandes temas constituem os quatro 
momentos da dinâmica do processo de 
planificação que distingue o enfoque situacional. 
Estes quatro elementos coincidem, justamente, 
com os quatro temas expostos, a saber: 
• Primeiro momento: explicativo (foi, é, 
tende a ser) - que se refere à construção 
de explicações para fundamentar a 
própria ação e interferir e compreender a 
ação dos componentes. A apreciação da 
situação conduz aos objetivos, e os 
objetivos à seleção de problemas e ao 
aprofundamento da explicação 
situacional. 
• Segundo momento: normativo ou 
prescritivo (deve ser) - que se refere à 
seleção das operações e ações 
necessárias para atingir os objetivos. 
Neste momento, o plano adquire a forma 
de propostas de decisão que devem ser 
tomadas a partir da situação inicial. O 
Matus, C. O Plano como Aposta. São Paulo em perspectiva. 5 (4): 28-42 out/dez. 1991 
 
42
momento normativo implica um cálculo 
aproximado dos resultados. Por isso, é 
preciso reconhecer a existência da 
incerteza e das surpresas, trabalhando 
com cenários, planos de contingência e 
outros métodos apropriados. Deste 
modo, a situação-objetivo de um plano 
sempre está condicionada à ocorrência 
de um cenário. 
• Terceiro momento: estratégico (pode ser 
do deve ser) - que se refere a explorar 
diferentes modos de jogar, considerando 
os oponentes e os aliados, para 
incorporar viabilidade ao plano 
concebido no segundo momento. Aqui, a 
criação das condições políticas para a 
ação econômica e das condições 
econômicas para a ação política é 
fundamental. O cálculo interativo que 
caracteriza o momento estratégico é o 
que demanda o processamento técnico-
político que compõe toda estratégia. 
• Quarto momento: tático-operacional 
(fazer) - é o momento da ação: a ação, 
porém, nunca é a mera execução do 
plano mas uma adaptação deste às 
circunstâncias do momento. Aqui 
tendem a predominar as urgências, a 
velocidade da ação, as deficiências dos 
organismos executores, a desinformação, 
a distração tática e a incapacidade de 
recalcular o plano e não entregar-se à 
improvisação. Aqui o essencial é dispor 
de um sistema de direção estratégica, de 
uma agenda do dirigente que chame 
atenção sobre as importâncias e 
processos, de modo técnico-político, as 
propostas centrais de decisão. Mas nada 
disso é possível se o jogo institucional 
for de baixa responsabilidade, não existir 
gerência criativa por operações e o 
dirigente não prestar contas nem souber 
exigi-las de seus executivos. Nesse 
momento decide-se tudo e, na prática, 
isto se verifica com o domínio do plano 
sobre a improvisação ou da improvisação 
sobre o plano. 
Cada momento é uma estância inesgotável, pois a 
ele sempre se regressa, e requer particulares 
ferramentas metodológicas de trabalho. O plano é 
apenas um produto renovável desta incessante 
dinâmica. O plano sempre está se fazendo mas 
sempre está pronto para dar suporte a ação do 
dirigente. 
 
 
 
VISÃO CURTA E VISÃO AMPLA 
Mas onde nos conduz esta incessante dinâmica de 
cálculo? Qual a eficácia e validade do objetivo 
que perseguimos? Como podemos imaginar nosso 
futuro? Como podemos verificar se as metas que 
para nós traçamos levam a algo de valor? Nossos 
planos têm um valor independente da sabedoria 
dos objetivos que traçamos? 
As urgências nos distraem da planificação, mas o 
jogo da planificação a curto prazo pode, por sua 
vez, distrair-nos e cegar-nos quanto à reflexão 
sobre nosso lugar no mundo nos próximos 
quarenta anos. Quando estas perguntas surgem, 
ultrapassamos os limites da planificação 
estratégico-situacional como técnica de visão 
curta, para entrar no domínio da grande 
estratégica. O líder é o que vê mais além da 
esquina, mas só é estadista aquele que enxerga 
mais além da estrada. 
A grande estratégia exige uma forma de pensar 
radicalmente diferente daquela que aqui 
expusemos. A grande estratégia não é um jogo 
contra outros jogadores conhecidos, mas contra o 
óbvio, o rotineiro e o legitimado. É um jogo 
contra nós mesmos, como portadores de idéias de 
um mundo de seguidores. Lutamos para percorrer 
de novo, com menos atraso, a mesma via que 
seguem aqueles a quem imitamos? Se não 
pensamos na grande estratégia, estamos 
condenados a ser seguidores e a ficar sempre atrás 
dos que abrem o caminho que seguimos. 
Imaginemos que estamos guiando um veículo no 
meio da neblina e não podemos enxergar muito 
adiante. A comodidade e a conformidade nos 
oferecem uma fácil solução: seguir os faroletes 
vermelhos da traseira do veículo que vai à frente. 
Já não
nos perguntamos quanto ao que se passa 
além da estrada que divisamos, simplesmente nos 
deixamos levar. O outro decide por nós, até 
despedaçar-se na bruma. 
Nossa única vantagem, neste caso, é ver como o 
outro cai primeiro. Vantagem efêmera, pois nossa 
incapacidade de pensar o futuro nos impedirá de 
aproveitá-la para encontrar nosso próprio 
caminho e resistir aos hábitos. Os gritos de 
lamento do veículo que nos antecede terão um eco 
nos nossos, um pouco mais tarde. 
Esta metáfora deve ser um sinal de alerta. Na 
América Latina não existe nenhum centro que se 
preocupe com a grande estratégia para esta região. 
A improvisação domina nosso dia-a-dia e a 
cegueira enevoa o caminho pelo qual trafegamos 
até onde não sabemos. 
A_Texto_Unidade_I_triangulodegoverno.pdf
 
 
STRATEGIA CONSULTORES LTDA 
 
5 de septiembre de 2006 
Autor: FUNDACIÓN ALTADIR 
TRIÂNGULO DE GOVERNO 
CARLOS MATUS ROMO 
 
 
 
ii 
CONTEÚDO 
 
 
CONTEÚDO ................................................................................................................................... II 
 
 
3 
 
O TRIÂNGULO DE GOVERNO E O JOGO SOCIAL 
 
Quem está no jogo social deve apostar em resultados como em um cassino. Ou se 
retira do jogo. O cidadão vota por promessas sobre resultados. O governante deve 
fazer uma aposta tecnopolitica. Há, entretanto, uma grande diferença entre uma 
aposta tecnopolitica e uma aposta ao acaso. Na aposta ao acaso, não há controle 
nem influência sobre os resultados. Na aposta tecnopolitica o apostador tampouco 
controla o resultado, mas influi sobre ele. O que o governo faz pesa nos resultados. 
Ainda mais, pode pesar de maneira decisiva. 
 
O peso da ação sobre os resultados faz que o efeito da ação pública seja 
previsível. A palavra previsível significa que o resultado não depende inteiramente 
de quem atua. Depende também de outros participantes do jogo social e das 
circunstâncias. Logicamente, a previsão de resultados está relacionada com certas 
capacidades e propósitos do governo. Baixas capacidades e propósitos muito 
ambiciosos produzem uma previsão pobre de resultados. Enquanto maior é a 
capacidade de previsão de resultados, maior é a credibilidade do governo. E , em 
política, a credibilidade é quase tudo. Em conseqüência, é importante analisar as 
variáveis que estão por detrás de uma boa previsão de resultados. 
 
Os resultados de um governo são mais previsíveis na medida em que se cumprem 
cinco condições: 
 
1º. Alta capacidade de governo, 
2º. Bom desenho organizativo do aparelho público, 
3º. Projeto de governo compatível com a capacidade pessoal e institucional de 
governo, quer dizer, com as duas primeiras condições, 
4º. Contexto situacional coerente com o projeto de governo, e 
5º. Sorte. 
 
Em todo caso, esta previsão não deve confundir-se com predição de resultados, 
segundo as concepções determinísticas. Previsão significa delimitação do espaço 
dos resultados possíveis conforme sejam as circunstâncias que abrigam a ação. Sem 
capacidade de previsão de resultados, não há governo. O conceito mesmo de 
governo é inerente à capacidade de antecipar os resultados do projeto 
comprometido, de chegar à situação esperada e desfrutar dela. 
 
Estas cinco variáveis podem reduzir-se a três, uma vez descartada a sorte e 
reordenados os outros quatro componentes. A qualidade da organização do 
aparelho do governo é um aspecto da capacidade institucional de governo, e 
também contribui a governabilidade. O contexto situacional sintetiza, a sua vez, os 
principais fatores determinantes da governabilidade. 
 
 
4 
O TRIÂNGULO DE GOVERNO 
 
 
 
 
Governar, então, exige articular três variáveis: 
 
a) O projeto de governo, entendido como a proposta de meios e objetivos 
que compromete uma mudança para a situação esperada, 
b) A capacidade de governo, que expressa a perícia para conduzir, 
manobrar e superar as dificuldades da mudança proposta, e 
c) A governabilidade do sistema, que sintetiza o grau de dificuldade da 
proposta e do caminho que deve percorrer-se, verificável pelo grau de 
aceitação ou rechaço do projeto e a capacidade dos atores sociais para 
respaldar suas motivações favoráveis, adversas ou indiferentes. 
 
Dirigir é assinalar e escolher uma direção. Também é a capacidade de segui-la, 
não obstante os obstáculos que ofereça. Nessa condução contam três variáveis: a 
direção ou norte escolhido, a dificuldade do caminho, e a capacidade de 
condução para driblar as dificuldades previsíveis do percurso. A direção é acertada 
se a bússola política explora com criatividade vários caminhos novos e aponta com 
o dedo do plano para onde estão e podem ser criadas possibilidades. A 
dificuldade do caminho deve calcular-se, sem exagero nem desconto, em um ato de 
previsão flexível do futuro desconhecido e de seus obstáculos. A capacidade de 
condução não surge espontaneamente com a eleição do líder, terá que ser criada. 
 
No exercício da liderança pública convergem três elementos: a proposta de 
objetivos, o grau de dificuldade que apresenta essa proposta e a capacidade para 
driblar tais dificuldades. Três vértices de um sistema complexo: objetivos, dificuldade 
 
 
5 
para alcançá-los e capacidade para lutar com essa dificuldade. Com outras 
palavras, o projeto de governo, a governabilidade e a capacidade de governo. 
 
É o triângulo de governo. Três variáveis fortemente inter-relacionadas mas, ao 
mesmo tempo, bem diferenciadas. 
 
Estas três variáveis sintetizam um modelo muito simples, mas potente para entender o 
processo de governo. 
 
O PROJETO DE GOVERNO (P): 
 
É uma proposta de intercâmbio de problemas. O dirigente oferece à cidadania uma 
empresa de realização e ações que produz benefícios e custos potenciais. Os 
benefícios eliminam problemas para alguns. Os custos criam problemas para outros. 
O projeto faz um balanço do valor dos problemas que elimina frente ao valor dos 
problemas que cria. Um projeto de governo bem desenhado gera, em seu período 
de vigência, um intercâmbio favorável de problemas para a maioria da população. 
Precisa objetivos e meios, e seu debate versa sobre o tipo de sociedade, as 
reformas políticas, o estilo de desenvolvimento, a política econômica, as mudanças 
no nível e qualidade da vida, etc., que parecem pertinentes ao caso e ao grau de 
governabilidade do sistema. Se expressa em uma seleção de problemas e em um 
conjunto de operações para enfrentá-los. Logicamente, o projeto de governo não só 
é o produto das circunstâncias e interesses do ator que governa, além de sua 
capacidade de governo. A eficácia do projeto depende do acerto para combinar o 
mundo dos valores com o aporte das ciências, em um ato de criatividade humana 
que é próprio da arte da política. Não bastam as ciências. Devem complementar-se 
com os valores. Não bastam os valores. Devem ser coerentes com as ciências. E a 
combinação adequada de ambas as esferas se obtém só com imaginação criativa 
em relação com as circunstâncias, os desafios e os objetivos perseguidos. 
 
A GOVERNABILIDADE DO SISTEMA (G): 
 
É uma relação entre o peso das variáveis que controla e não controla um ator 
durante sua gestão. trata-se, naturalmente, das variáveis relevantes e pertinentes ao 
projeto de governo. Também, depende da influência que o ator tem sobre as ditas 
variáveis, ou seja, do grau e o peso com que compartilha tais controles com outros 
atores. O peso das variáveis relevantes varia de acordo ao conteúdo do projeto de 
governo e a capacidade do governante. Quanto mais variáveis decisivas controla 
um ator, maior é sua liberdade de ação e maior é para ele a governabilidade do 
sistema. Quanto menos variáveis de peso controla, menor será sua liberdade de 
ação, ou seja, sua governabilidade
sobre o sistema em relação a esse projeto. A 
governabilidade é sempre relativa a um ator e um projeto. 
 
 
 
6 
Perde-se ou ganha no exercício do governo, conforme sejam a aceitabilidade, a 
eficácia e o valor das decisões. A perda de governabilidade deteriora a 
capacidade de tomar decisões. O aumento da governabilidade amplia tais 
capacidades. Em síntese, a governabilidade expressa o poder de um ator para 
realizar seu projeto. É relativa a cada ator. Eu, tu e ele temos projetos distintos, 
controlamos diferentes variáveis, influímos sobre elas com peso desigual e 
atendemos a demandas ou exigências de grupos sociais com interesses específicos. 
 
O grau de dificuldade de meu projeto é distinto ao do projeto de meu oponente. E 
para driblar essas dificuldades, cada um tem sua própria capacidade de governo. 
A primeira relativização aponta a distinguir que um sistema social não é igualmente 
governável ou ingovernável para os distintos atores, pois cada um deles controla 
uma porção distinta de variáveis do sistema. A segunda relativização assinala que a 
governabilidade do sistema depende do conteúdo propositivo do projeto de 
governo. O sistema é mais governável para objetivos modestos e menos governável 
para objetivos ambiciosos e significativamente redistributivos. A terceira relativização 
indica que a governabilidade do sistema é maior se o ator pertinente tiver alta 
capacidade de governo e é menor se tiver baixa capacidade de governo. A 
governabilidade expressa a capacidade de resistência que oferece o sistema 
político-social a um projeto de governo e ao ator desse projeto. 
 
No uso comum do conceito de governabilidade há uma grande falta de rigor. Às 
vezes a confunde com o sistema que expressa o triângulo de governo em uma 
situação concreta, e se fala de crise de governabilidade. Outras vezes a confunde 
com a capacidade de governo. Em ambos os casos, perde-se a especificidade do 
conceito de capacidade de governo, com o qual se oculta a causa principal da 
crise do estilo de fazer política na América Latina. É o que Yehezkel Dror ([A 
Capacidade para Governar], 1995) chamaria a falta de profissionalismo na arte de 
governar. É o domínio do político improvisado, cujo capital se limita à experiência e 
a capacidade de liderança. Um curandeiro ou bruxo que, para sobreviver, teme e 
nega a medicina. Esta falta de rigor na precisão do conceito de governabilidade, 
que é dominante em alguns círculos intelectuais, impede uma boa análise do 
potente modelo conceitual que expressa o triângulo de governo. Oculta e confunde 
o importante espaço que deve ocupar esta nova disciplina transversal que podemos 
chamar Ciências e Técnicas de Governo. É uma disciplina destinada a potencializar 
a arte do político. 
 
A CAPACIDADE DE GOVERNO (C): 
 
É uma capacidade de liderança, ponderada pela experiência e os conhecimentos 
em Ciências e Técnicas de Governo. É uma capacidade de condução ou direção 
que se acumula na pessoa do líder, em sua equipe de governo e na organização 
que dirige. apóia-se no acervo de técnicas, métodos, destrezas e habilidades de um 
ator e sua equipe de governo requeridas para conduzir o processo social, dadas a 
 
 
7 
governabilidade do sistema e o compromisso do projeto de governo. Capacidade 
de governo é sinônimo de perícia para realizar um projeto. O domínio de teorias, 
métodos e técnicas potentes de governo e planejamento são uma das variáveis mais 
importantes na determinação da capacidade de uma equipe de governo. Quando 
falamos de teorias, técnicas e métodos de governo e planejamento nos referimos, 
por conseguinte, a alterar ou melhorar a capacidade de governo. 
 
Na capacidade de governo, seja pessoal, da equipe ou da organização, 
convergem três elementos: experiência, conhecimentos e liderança. Na experiência 
se acumula a arte que o conhecimento científico é incapaz de prover. Embora a 
arte, sem a companhia das ciências, é arte em bruto. Nenhum componente desta 
tríade vale por si mesmo. O que vale é o produto inseparável suas interações. Os 
conhecimentos sem experiência e a experiência sem conhecimentos valem pouco, e 
ambos ficam muito diminuídos diante da carência de liderança. O mesmo ocorre 
com esta última, se não estar associada aos conhecimentos e a experiência 
pertinente. A experiência só vale em relação ao capital cognitivo com o qual se 
acumula, e esse capital cognitivo está imaturo sem a dose de experiência 
necessária. 
 
CAPACIDADE DE GOVERNO = CONHECIMENTOS EM C&TG*LIDERANÇA 
/EXPERIÊNCIA 
 
Principais deficiências: 
 
 Pessoal do Líder (falha comum bem variável). 
 Equipe de Governo (falha comum bem variável). 
 A Organização (falha comum falha desvalorizada). 
 
Sem capacidade de liderança, os conhecimentos e a experiência só podem 
produzir um bom assessor. Por sua vez, a capacidade de liderança, sem 
conhecimentos e experiência, produz políticos medíocres; é incapaz de produzir um 
líder estadista. O político comum é um ator com liderança e experiência, embora 
com grande debilidade em seu capital cognitivo. 
 
No triângulo de governo se diferenciam variáveis que são distintas e, ao mesmo 
tempo, mutuamente condicionadas. 
 
A diferenciação reconhece três sistemas de distinta natureza: o sistema normativo e 
propositivo de ações que conforma o projeto de governo, o sistema político-social 
que exige a ciência positiva para a análise da governabilidade do sistema, e o 
sistema de direção e planejamento que, como sistema de gestão, caracteriza a 
capacidade de governo. 
 
 
 
8 
O mútuo condicionamento indica, em troca, algo comum aos três sistemas: a ação 
humana. O projeto de governo é um conjunto de propostas de ação, a 
governabilidade do sistema se refere a possibilidades de ação e a capacidade de 
governo aponta às capacidades de ação. 
 
A capacidade de governo é a variável central. Entretanto é a menos valorada. É 
sinônimo de perícia acumulada na pessoa dos dirigentes, em sua equipe e na 
instituição mesma. No primeiro caso falamos de capacidade pessoal de governo. 
No segundo de capacidade institucional. Nesta capacidade de governo confluem 
também a qualidade dos sistemas de trabalho e a estrutura do desenho 
organizativo. Por conseguinte, elevar a capacidade de governo requer atuar sobre a 
perícia dos governantes e das instituições, sobre seus sistemas de trabalho - 
especialmente os sistemas de alta direção - e sobre o desenho organizativo. Neste 
último nível, o desenho macroinstitucional define tudo. Mas, a cabeça que 
encabeça este desenho está no gabinete do dirigente. Essa cabeça impõe um teto 
de qualidade a todos os componentes da capacidade de governo. 
 
Em geral, os líderes políticos têm uma perícia mutilada. São propensos ao 
imediatismo, a micropolítica, e a um excesso de confiança na arte, com menosprezo 
dos métodos de governo. A atração da prática política é tão forte, que até os 
políticos com boa formação acadêmica e bom nível intelectual caem nas mesmas 
deficiências. São pessoas inteligentes que superaram um processo de seleção muito 
duro. Alcançam experiência, têm ou desenvolvem capacidade de liderança, mas 
possuem uma formação intelectual departamentalizada. São advogados, 
economistas, engenheiros, sociólogos, médicos, e outros profissionais 
especializados em alguma disciplina vertical. Não sabem de métodos de governo. 
Não podem aprender, porque não sabem que não sabem. Mas, a prática política 
ignora esta carência, porque assume que sabem do que não sabem. depois de 
tudo, é sua especialidade. 
 
Os problemas de governo cruzam horizontalmente todas as especialidades. Não só 
no sentido temático já tradicional da interdisciplinaridade, pelo qual os problemas 
de saúde são, ao mesmo tempo, problemas políticos, econômicos,
organizativos, 
jurídicos, etc. Isto é evidente e bem conhecido. 
 
A interdisciplinaridade não é o problema central nem o mais complexo que 
apresentam os problemas reais. Não basta com equipes interdisciplinares que 
contribuem com conhecimentos especializados em idiomas particulares 
incapacitados para a interação que exige a deliberação que precede a tomada de 
decisões. Um chinês não forma uma equipe interlinguística com um russo se ambos 
não tiverem uma formação lingüística em comum. Não se trata de uma simples 
tradução, mas sim de uma interação criativa. Há um cruzamento horizontal, 
transdepartamental, que exige uma metateoria para compreender o processo de 
produção social da perspectiva prática do ator comprometido na ação. Toda 
 
 
9 
decisão exige um suporte de conhecimento especializado vertical. Mas, além disso, 
requer do suporte transversal das ciências e técnicas de governo. 
 
B_Texto_Unidade_II_adocao do modelo PES.pdf
149o&s - v.13 - n.39 - Outubro/Dezembro - 2006
A Adoção do Modelo de Planejamento Estratégico Situacional no Setor Público Brasileiro: um Estudo de Caso
D
A ADOÇÃO DO MODELO DE
PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO
SITUACIONAL NO SETOR PÚBLICO
BRASILEIRO: UM ESTUDO DE CASO
Francisco Sobreira Neto*
Flávio Hourneaux Junior**
Edison Fernandes Polo***
RESUMO
pesar da indiscutível importância do planejamento estratégico em organizações
do setor privado, quando se trata de experiências semelhantes em órgãos do setor
público brasileiro, os relatos tornam-se mais escassos, com metodologias utilizadas
não claramente definidas, geralmente adaptações, não tendo sido formuladas es-
pecificamente para a administração pública. Este artigo visa identificar os principais ele-
mentos referentes à metodologia do Planejamento Estratégico Situacional (PES), e sua
adoção pela Coordenadoria da Administração Tributária (CAT) do Estado de São Paulo.
Trata-se de uma pesquisa exploratória com a utilização do método do estudo de caso,
tendo sido selecionada uma experiência de destaque na administração pública tributária
brasileira, apropriada para o estudo de caso único. São abordados no texto: os principais
conceitos da administração estratégica na administração pública; o processo de planeja-
mento estratégico da CAT com a adoção do PES; os principais resultados obtidos; e, final-
mente, as conclusões e recomendações pertinentes, dentro do contexto do caso estudado.
ABSTRACT
espite all the importance of strategic planning in organizations of the private
industry, similar experiences described in the public administration context are
rare. Furthermore, the methodologies used in these cases are neither clear nor
consolidated as they should be, because they are, in general, adaptations from
their parallels of the private sector. This article aims at identifying the main elements
concerning the Situational Strategic Planning (PES) methodology, and its adoption by the
Tributary Administration Coordination (CAT) of the State of São Paulo. It consists of an
exploratory study, introducing a notorious experience within the Brazilian tributary
administration, which qualifies for a unique case study method. The text investigates: the
main aspects of strategic management in the public administration; the process of strategic
planning inside CAT with the PES adoption; the main results achieved; and, finally, the
conclusions considering the case context.
A
*Doutorando FEA/USP
**Mestrando FEA/USP
***Prof. FEA/USP
o&s - v.13 - n.39 - Outubro/Dezembro - 2006150
Francisco Sobreira Neto, Flávio Hourneaux Junior & Edison Fernandes Polo
INTRODUÇÃO
Governo recebe do soberano as ordens que dá ao povo e, para que o Estado
permaneça em bom equilíbrio, é preciso que, tudo compensado, haja igualdade
entre o produto ou o poder do Governo, tomado em si mesmo, e o produto ou
potência dos cidadãos, que de um lado são soberanos e de outro, súditos.
(Rousseau, 1987:75).
Na sua obra “Do Contrato Social”, Rousseau (1987), de certa forma, já colo-
cava as dificuldades inerentes às atividades do Governo na busca do equilíbrio, da
parcimônia, do bem-estar da sociedade como um todo. Muitos anos se passaram
desde então e as dificuldades continuam as mesmas, se não aumentaram ainda
mais, devido ao extremo dinamismo ao qual a sociedade de hoje está submetida.
Como o Governo pode agir de modo a eliminar ou ao menos reduzir as desi-
gualdades a que a população de uma forma geral estaria sujeita? A administração
estratégica utilizada dentro do contexto público emerge, então, como um instru-
mento de gestão que pode ser utilizado na tentativa de contribuir para o
equacionamento e possível resolução desta questão. Wright, Kroll e Parnell (2000)
afirmam que, dentre as principais características estratégicas das organizações
públicas, destacam-se: o caráter de indispensabilidade da manutenção de uma
sociedade civilizada; o necessário suprimento das necessidades básicas da socie-
dade que não podem ser supridas pelas organizações privadas; e a disponibilida-
de de produtos e serviços a todos os membros da sociedade.
Já Campos (1998) ressalta que, no Brasil, desde os anos setenta, há todo um
movimento voltado para estimular a democratização dos serviços públicos, especifi-
camente da área de saúde. Em algumas experiências, ressalta o autor, graças à
utilização de ferramentas de Planejamento Estratégico – no caso, variantes do Pla-
nejamento Estratégico Situacional, objeto deste estudo –, vivenciou-se momentos
de participação comunitária, no entanto, ainda limitados às Oficinas de Planejamen-
to ou a algum departamento intermediário na hierarquia do setor público.
 No entanto, a pesquisa sobre administração estratégica em organizações
públicas e sem fins lucrativos de caráter privado, em pleno início de século XXI,
ainda se ressente de mais e melhores estudos. Segundo Wortman (1979), teoria
e pesquisa em organizações sem fins lucrativos são um território virtualmente
pouco explorado pelos estudiosos de administração estratégica.
Hatten (1982) é um dos primeiros teóricos da administração estratégica que
tentaram aplicar conceitos da matéria às áreas públicas ou às organizações sem fins
lucrativos, porém com poucos casos práticos e resultados a serem discutidos. De
acordo com Schendel e Hofer (1979), esta lacuna teórica e empírica se agrava quan-
do se considera que algumas destas organizações sequer possuem estratégia.
A combinação entre competitividade de mercado e decisões empresarias
direciona uma organização para alcançar seus objetivos, pondera Ansoff (1979).
Contudo, estas atividades são virtualmente inexistentes em entidades prestadoras
de serviços públicos sem objetivo de lucro. Segundo o autor, as organizações pú-
blicas têm um poder outorgado pela sociedade para fornecer os serviços necessá-
rios à manutenção da infra-estrutura social, os quais não são fornecidos pelo se-
tor privado, tais como saneamento, assistência social, segurança pública, entre
outros. Ansoff (1979) ainda afirma que os subsídios recebidos pelas organizações
públicas, para a consecução de seus objetivos e competências, desestimulam a
atividade estratégica e, por conseguinte, há um estímulo à ineficiência. E que,
após a Segunda Grande Guerra Mundial, época caracterizada pela escassez de
recursos, as organizações passaram de um ambiente relativamente estável para
ambientes de mudanças mais rápidas e de maior competição, necessitando, en-
tão, de uma estruturação estratégica de suas administrações.
Gaj (1986), em uma tentativa de sistematização do assunto, coloca que os
elementos da estratégica no setor público são: a postura de mudança, o enfoque
social, a revisão contínua das finalidades dos órgãos e das organizações, a eficá-
O
151o&s - v.13 - n.39 - Outubro/Dezembro - 2006
A Adoção do Modelo de Planejamento Estratégico Situacional no Setor Público Brasileiro: um Estudo de Caso
cia do sistema como exigência da comunidade, o desenvolvimento

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