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A_Texto_Unidade_I_Oplanocomoaposta.pdf
 
O Plano 
como Aposta 
 
 
 
CARLOS MATUS 1 
 
 
 
 
 
 
1 Carlos Matus - economista, ministrou a cátedra de Política Econômica nos cursos de pós-graduação em Planejamento da CEPAL e do 
Instituto Latino-Americano de Planificación e Desarollo (ILPS) das Nações Unidas. Autor de vários livros sobre planejamento. 
Atualmente preside a Fundação Altadir Caracas, Venezuela. Tradução do texto de Carlos Matus feita por Frank Roy Cintra Ferreira 
O PLANO E A GOVERNABILIDADE DO HOMEM 
SOBRE AS SITUAÇÕES 
O plano é o produto momentâneo do processo 
pelo qual um ato seleciona uma cadeia de ações 
para alcançar seus objetivos. Em seu significado 
mais genérico, podemos falar de plano de ação 
como algo inevitável na prática humana, cuja 
única alternativa é o domínio da improvisação. 
Esse conceito genérico de plano não depende, por 
conseguinte, de sua pertinência a um sistema 
econômico-social determinado, mas do uso da 
razão técnico-política na tomada de decisões. 
Sempre existe, porém, o perigo de confundir este 
processo com um cálculo determinado por leis 
científicas precisas, apoiado num diagnóstico 
preciso da realidade. O plano, na vida real, está 
rodeado de incertezas, imprecisões surpresas, 
rejeições e apoio de outros atores. Em 
conseqüência, seu cálculo é nebuloso e sustenta-
se na compreensão da situação, ou seja, a 
realidade analisada na particular perspectiva de 
quem planifica. Eventualmente este plano conduz 
à ação, de modo que , para repetir a frase de John 
Friedman, pode-se dizer que o plano é uma 
mediação entre o conhecimento e a ação. Tal 
mediação, contudo, não se produz através de uma 
relação simples entre a realidade e as ciências, 
porque o conhecimento da primeira vai além do 
âmbito tradicional da segunda. 
O homem, perante uma situação, debate-se entre 
dois extremos. Num deles, controla totalmente os 
resultados de sua prática. Noutro, desafia ou 
submete-se a processos nos quais é arrastado por 
circunstâncias que não controla. No primeiro 
caso, decide, faz e conhece, de antemão, os 
objetivos que pode alcançar. No segundo, não 
decide quanto a nada, só pode apostar no futuro e 
entregar-se ao destino. É um espectador do 
mundo que o determina e que não pode alterar. 
Pode apenas julgar e criticar esta realidade, ou 
agradecer e lamentar a sua sorte. Mesmo na zona 
limite deste último caso, porém, a história mostra-
nos líderes que desafiam o impossível, nas 
condições mais adversas. Nesse extremo teórico, 
o plano submete-se à máxima prova de sua 
eficácia. Se não pode ser potente na adversidade e 
cede ante à improvisação, com muito mais razão 
esta última o deslocará nas condições favoráveis. 
O governante real, como condutor de situações, 
situa-se entre os dois extremos. O equilíbrio entre 
as variáveis que controla e as que não controla 
define sua governabilidade sobre o objeto do 
plano. A governabilidade do homem sobre a 
realidade aponta justamente para qual dos 
extremos teóricos se encaminha sua situação. O 
governante pode decidir quanto às variáveis que 
controla, mas, muitas vezes, não pode assegurar 
resultados, porque dependem de uma parte do 
mundo que não controla. 
Essa dificuldade não desanima o intento do 
homem de governar a realidade por meio de 
apostas que, com algum fundamento de cálculo, 
movem-no a anunciar os resultados de sua ação. 
A política exige compromissos que se expressam 
como anúncios de resultados. Um plano é um 
compromisso que anuncia resultados, ainda que 
tais resultados não dependam inteira ou 
Matus, C. O Plano como Aposta. São Paulo em perspectiva. 5 (4): 28-42 out/dez. 1991 
 
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principalmente do cumprimento daqueles 
compromissos. 
Os fundamentos das apostas de um governante 
são tanto mais sólidas quanto maior for o peso das 
variáveis que controla em relação ao das que não 
controla, e são mais débeis se as variáveis que 
controla forem poucas e de pouco peso. Num 
extremo do controle absoluto, a aposta converte-
se em certeza sobre os resultados. Noutro, de 
absoluto descontrole, a aposta é um caso de sorte 
ou azar. 
O processo de governo situa-se numa zona 
intermediária entre a certeza absoluta e o puro 
azar. Consequentemente, a teoria do governo não 
é uma teoria do controle determinístico do 
governante sobre um sistema, nem a teoria de um 
mero jogo de azar, mas contém doses de ambos os 
ingredientes. 
 
O PLANO: COMBINAÇÃO DE CÁLCULO E 
APOSTAS 
Na proposta anterior enraíza-se toda a diferença 
entre a planificação tradicional - muito apegada 
ao determinismo e ao economicismo tecnocrático, 
cuja base científica é a teoria do controle de um 
sistema por um “agente” - e a planificação 
estratégico-situacional (PES), cujo fundamento é 
a teoria de um jogo semicontrolado à serviço da 
prática racional da ação humana. 
Para entender o que é um jogo semicontrolado, 
assumamos como metáfora este problema bem 
simples. Você, o jogador 1, tem uma corda de 1,5 
metro de comprimento. No meio da corda está 
amarrado, pendente de um fio curto, um sininho 
que, por ser muito sensível à instabilidade, emite 
seu ruído típico a qualquer movimento. O jogo 
consiste em tomar a corda pelos dois extremos e 
esticá-la, tentando reduzir ao mínimo o tempo em 
que o sino ressoa. Se você é o único jogador, o 
problema parece fácil. Só depende de você não 
fazer movimentos desnecessários, e você decide 
quando a corda elástica está suficientemente 
esticada. Agreguemos, então, o jogador 2. Agora 
você segura só um dos extremos da corda e o 
jogador 2 segura o outro. Suponhamos que ambos 
os jogadores cooperem. Mesmo assim, o 
problema já é mais difícil. O menor 
“movimentozinho” do outro jogador pode 
derrotar seu objetivo. Tampouco será fácil um 
acordo sobre o conceito de “corda 
suficientemente esticada”. Juntemos a seguir mais 
dois jogadores, de modo que os quatro, em certos 
momentos, desejem cooperar para alcançar o 
objetivo e, em outros, tratem de impedir que um 
mantenha o sino estável e silencioso. 
 
O JOGO DA CORDA ELÁSTICA E DO SINO 
Agora, quanto depende do jogador 1 a meta de 
estabilizar o sino? Quanto pesam os movimentos 
de 2, 3 e 4 ao alcance do objetivo? Este é 
exatamente um jogo em que o resultado depende 
apenas em parte da ação de 1. Neste caso, o 
cálculo que deve fazer quem queira impedir que o 
sino toque é um cálculo não bem estruturado, que 
supera as possibilidades da moderna matemática, 
e o plano baseado neste cálculo quase estruturado 
é uma aposta que encerra certo grau de 
vulnerabilidade. O jogo social, sem dúvida, é 
muito mais variado e complexo do que este, 
porque, entre outras razões, compõe-se de muitos 
subjogos em que o jogador 1 tem, sobre alguns 
deles, mais ou menos controle do que noutros. 
 
 
 
A principal característica do que chamamos de 
um jogo semicontrolado está no seguinte: há 
aspectos e momentos do jogo em que, apesar dos 
outros jogadores, pode-se calcular resultados com 
alta margem de segurança ou com probabilidades. 
Se o sino está estabilizado, por exemplo, basta 
que os jogadores se abstenham de fazer 
movimentos para que permaneça silencioso. O 
sistema torna-se mais previsível. Mas há outros 
aspectos e momentos do jogo em que só se pode 
fazer apostas condicionadas à ocorrência de 
determinadas circunstâncias e decidir apenas na 
base de preferência quanto a alguma aposta, pois 
o cálculo de resultados é impossível. Por 
exemplo: o sino está tocando e todos tratam de 
fazer movimentos para estabilizá-lo, com 
resultados imprevisíveis. Neste último caso, o 
futuro é nebuloso, difuso e indeterminável. Não 
se pode calcular o risco de uma jogada ou de uma 
decisão. A incerteza é inexorável. o que o plano 
anuncia é uma aposta débil. 
Para compreender a teoria da planificação é 
conveniente, portanto, distinguir um sistema 
controlado de outro, semicontrolado. 
O sistema é controlado por um jogador se
os 
outros participantes do jogo têm comportamentos 
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predizíveis e se propõem ao máximo uso dos 
limitados recursos que possuem, a fim de 
aumentá-los a cada nova jogada. Trata-se de um 
cálculo científico, apoiado no conhecimento das 
leis de comportamento dos outros jogadores que 
cooperam e competem pelos mesmos recursos, 
cuja posse é indispensável para alcançar objetivos 
que, por sua vez, também são cooperativos e 
conflitivos. Neste caso, o suporte essencial para 
tomar uma decisão no jogo é o cálculo estruturado 
que permite ao jogador no controle anunciar 
resultados determináveis, com certeza, ou 
probabilidades objetivas. No “jogo da velha”, por 
exemplo, não tenho controle sobre as decisões de 
meu oponente, mas posso fazer uma precisão 
precisa de todas as suas possíveis jogadas. O 
mesmo se dá com meu adversário à respeito de 
meus planos. Trata-se, por conseguinte, de um 
jogo estruturado. Algo parecido ocorre 
implicitamente com um modelo econométrico no 
qual se assume que o criador do modelo conhece 
a conduta dos agentes econômicos. 
Em contraposição, o sistema é semicontrolado se 
todos os jogadores participantes são estrategistas 
criativos que cooperam e entram em conflito 
pelos limitados recursos que o resultado do jogo 
distribui em cada momento de seu interminável 
desenvolvimento. Neste caso, o suporte essencial 
para tomar uma decisão no jogo é o julgamento 
do apostador, fundamentado, em parte, por 
cálculos parciais bem estruturados e, em parte, 
por preferências explícitas quanto aos aspectos 
nebulosos ou não bem-estruturados. O julgamento 
do apostador pode refinar-se, explorando a 
eficácia de nossas ações, ou seja, seus resultados, 
em diversos futuros possíveis que se desenvolvem 
em diversas circunstâncias ou cenários. No jogo 
da corda e do sino, por exemplo, o jogador 1 não 
tem capacidade alguma de predição e sua 
capacidade de previsão é incompleta e imprecisa 
quanto aos movimentos dos outros jogadores. 
Na vida real, governa-se e planifica-se num jogo 
semicontrolado, e isto altera todas as nossas bases 
de pensamento sobre a planificação. 
 
NO JOGO SOCIAL, O FUTURO É NEBULOSO; NÃO É 
PREDIZÍVEL 
O aspecto incontrolável do jogo social está em 
que todos os jogadores têm limitações de 
informação e de recursos para pretender ganhar o 
jogo e, mesmo com abundância de recursos 
econômicos, não podem comprar boa parte desta 
informação. Uma parte muito importante da 
informação de que os jogadores necessitam para 
jogar com eficácia não pode ser obtida mediante 
investigação ou espionagem. Os jogadores, 
portanto, não sabem com certeza como superar 
essas limitações, pois, em cada momento do jogo, 
tampouco sabem com exatidão a jogada seguinte 
que será mais eficaz. Não se pode comprar ou 
espionar uma informação que outrem não possui.. 
Em outras palavras, nenhum jogador pode 
raciocinar de modo determinístico: “Se decido A, 
a conseqüência é B”. De outra maneira não seria 
um jogo, mas um sistema controlado. E isto é 
válido, embora o jogo social seja desigual e 
outorgue a uns muito mais poder que a outros. 
Não obstante, em duas condições extremas e 
concomitantes é possível reduzir teoricamente a 
incerteza inexorável e convertê-la em certeza: a) 
se um jogador chega a controlar todos os recursos 
limitados de um jogo e transforma seus oponentes 
em servidores, e b) se esse jogo é completamente 
independente dos outros jogos que se 
desenvolvem ao mesmo tempo. Mas tal extremo é 
mera curiosidade teórica que define a zona 
fronteiriça entre um jogo e um sistema 
controlado. Na vida real, política, econômica, 
cognitiva, social etc., nenhuma das duas 
condições mencionadas é alcançável por um 
jogador. 
Este jogo difuso e nebuloso tem os seguintes 
ingredientes de incerteza: 
• Ignorância quanto ao futuro daquela 
parte do mundo que supomos regida por 
leis que ainda desconhecemos ou que as 
ciências ainda não esclareceram. É o 
aspecto de incerteza originado por nosso 
desconhecimento da natureza e dos 
processos sociais em que vigora a lei dos 
grandes números. A investigação, o 
estudo, a capacitação e o treinamento 
podem reduzir esta primeira limitação. 
Hoje, por exemplo, não conhecemos as 
leis seguidas pelo desenvolvimento da 
enfermidade conhecida como AIDS, mas 
no futuro, por meio da investigação, é 
possível que descubramos essas leis. É 
possível, também, que um ator 
monopolize certos conhecimentos em 
detrimento de outros. 
• Criatividade dos jogadores. Irredutível 
mediante informação e conhecimento, 
porque esses recursos alimentam mais 
rapidamente a própria criatividade do 
que a capacidade humana de predizê-la. 
É o aspecto interativo e mais fascinante 
do jogo. A criatividade é uma 
característica da interação humana entre 
poucos. Eu jogo “X”; qual será a jogada 
seguinte de meu oponente? Qual será 
minha resposta a essa hipotética jogada? 
Essa é a essência da interação criativa 
em que cada jogador é um bom ou um 
mau estrategista. Este cálculo, por 
definição, não segue leis e gera uma 
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certeza inexorável que não se reduz, de 
forma expressiva, com mais 
conhecimentos. O surpreendente e o 
inimaginável descontrolam os planos dos 
jogadores. Também dificulta o jogo a 
multiplicidade do futuro imaginável, 
diante da necessidade de apostar numa 
variedade muito mais reduzida de 
possibilidades. Só as possibilidades são 
aos milhares, como apostar nas duas ou 
três mais relevantes? Esta incerteza é 
inevitável. Um jogador pode estar mais 
ou menos preparado para prover e reagir 
ante esta nebulosidade do futuro, mas 
não pode evitá-la, na vida prática. 
• Opacidade da linguagem, que, muitas 
vezes, torna ambíguo o intercâmbio de 
significados, que se produz nas 
conversações entre jogadores. O jogador 
1 pode falar “A” e o jogador 2 escutar 
“B”. No jogo de bridge, esses erros de 
conversação são muito comuns, pois 
fala-se, principalmente, através das 
próprias jogadas e estas admitem mais de 
uma interpretação. No jogo social ocorre 
algo parecido. Como posso saber se a 
ameaça de uma greve, uma renúncia ou 
uma guerra é real ou uma fanfarronada? 
Por isso existe uma dimensão lingüística 
na nebulosidade do jogo social. 
• O jogo maior ou o contexto em que se 
situa o nosso jogo particular, sobre o 
qual não só não temos controle, como 
nem mesmo capacidade de predição. 
Quando muito, dispomos de limitada 
capacidade de previsão sobre o contexto 
ou circunstâncias que cercam e 
condicionam nosso jogo. Aqui, 
“previsão” é uma predição condicionada 
que começa com a conjunção “se” 
precedendo as circunstâncias em que se 
situa meu plano. Os jogadores escolhem 
seu plano de jogo, mas não as 
circunstâncias em que devem realizá-lo. 
Nesse nicho de incerteza os jogadores entram em 
cooperação e em conflito e, assim, surgem 
problemas de relações no interior do plano de um 
ator, e de relações externas entre os planos dos 
diversos jogadores. No nível dos objetivos do 
plano, por exemplo, podem verificar-se as 
interações descritas no quadro acima. 
O conflito de planos e objetivos é fonte de 
incertezas, pois a eficácia da jogada de 1 depende 
do que antes tenha jogado 2 e do que jogue 
depois. Contudo, mesmo na cooperação entre 
jogadores, há incerteza, porque nem sempre é 
fácil decidir quanto à jogada que é de mútua 
conveniência. 
Neste jogo, em cada momento de seu 
desenvolvimento, os jogadores podem comparar 
os objetivos a que se propuseram com os 
resultados do jogo, vale dizer, com os objetivos 
alcançados. 
Por esta via, ao analisar os resultados do jogo, 
cada um dos jogadores identifica problemas. 
Assim, um problema para um jogador é o 
resultado insatisfatório que, em determinada data, 
o jogo lhe oferece. Portanto, é natural que o que é 
um problema para o jogador 1 seja justamente
um 
bom resultado para o jogador 2. O problema 
sempre é relativo a um jogador. Não obstante, há 
uma exceção: os problemas que provém de 
beneficiários do jogo B que afetam negativamente 
nosso jogo A. Neste caso, surgem problemas 
comuns a todos os jogadores participantes do jogo 
A. 
 
APRENDER A JOGAR 
Se deseja alcançar bons resultados, o governante 
deve aprender a jogar no jogo social. Mas o que 
significa jogar bem? Esta é a pergunta-chave para 
a teoria do governo e a planificação, porque jogar 
bem não apenas implica o domínio intelectual da 
complexidade do jogo semicontrolado, como, 
principalmente, a arte de jogar bem na prática, 
medir-se com os outros jogadores e dominar a 
tensão que o jogo produz numa situação concreta. 
Aqui podemos tratar apenas do problema do 
domínio intelectual da complexidade do jogo 
semicontrolado. O outro aspecto, mais importante 
ainda, requer mestria artística, vocação e aptidões 
que só são provadas na prática política e 
conseguidas mediante o treinamento perseverante. 
Um estadista o é conforme tenha domínio, tanto 
intelectual como artístico sobre o jogo 
semicontrolado. 
Em síntese genérica, pode-se dizer que o domínio 
intelectual da complexidade do jogo 
semicontrolado apresenta quatro grandes 
problemas: 
• Saber explicar a realidade do jogo; 
• Saber delinear propostas de ação sob 
forte incerteza; 
• Saber pensar estratégias para lidar com 
os outros jogadores e com as 
circunstâncias, para calcular bem o que 
podemos fazer, em cada momento, em 
relação ao que podemos fazer para 
alcançar os objetivos; e 
• Saber fazer no momento oportuno e com 
eficácia, recalculando e completando o 
plano com um complemento de 
improvisação subordinada. 
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Contrastes da planificação tradicional com a PES 
PLANIFICAÇÃO TRADICIONAL PROBLEMAS BÁSICOS PLANIFICAÇÃO ESTRATÉGICA
1. Unidimensional (apenas recursos
econômicos)
3. Sem contexto (circunstâncias
implícitas
4. Sem atores sociais (um governante e
um sistema governado)
5. Proposta de ação ao político com
anúncio de resultados precisos
6. O escritório de planificaçào planifica
2. Determinística
A B
1. Multidimensional (político, econômico,
cognitivo etc.
3. Contexto explícito
Parcialmente enumerável (B = a,b...?)
4. Atores sociais em um jogo
5. Vários planos com resultados variáveis
segundo as circunstâncias
6. Quem governa planifica
2. Incerteza dura
A B
β
1. Como explicar 2. Como esboçar o futuro
Diagnóstico
versus
Explicação Situacional
Asserção
versus
Aposta
Consulta Política
versus
Análise Estratégica
Conselho Técnico
versus
Cálculo Situacional
3. Como calcular o
possível
4. O que fazer hoje
Mesa
de
Jogo
J2
J4
J3
J1
 
 
EXPLICAÇÃO SITUACIONAL OU DIAGNÓSTICO? 
O primeiro problema, “saber explicar”, obriga-
nos a questionar o conceito de diagnóstico. Num 
jogo, há vários jogadores e diferentes perspectivas 
de análise do mesmo. Existe o outro, que também 
joga. Quem tem a capacidade e a necessidade de 
explicar? Todos os jogadores. Existem, pois, 
várias explicações sobre a realidade do jogo 
social. Dependo de quem explica. A explicação 
de João, ganhador, não pode ser a mesma de 
Pedro, derrotado. 
Se sou o jogador João, interessa-me conhecer a 
explicação dos que competem ou cooperam 
comigo? É óbvio que sim, porque com este 
conhecimento posso jogar melhor. Minha 
explicação é mais poderosa se considera e 
diferencia as dos outros. 
Explicar bem é diferenciar as explicações dos 
diversos jogadores e atribuir corretamente a cada 
jogador as explicações diferenciadas. Implica 
também verificar se os jogadores jogam de 
maneira consistente com as explicações que lhes 
atribuímos. 
Em face da necessidade de fundamentar suas 
estratégias, produz-se, entre dois jogadores, João 
e Pedro, uma recíproca atribuição de explicações 
situacionais, tal como indicado no quadro a 
seguir. 
 
Diferenciação de Explicações 
B
A João Pedro
João
(I)
João explica o jogo
tendo a si próprio como
referência...
(II)
Atribui a Pedro uma
explicação do jogo,
feito por João
Pedro
(III)
Atribui a João uma
explicação do jogo feita
por Pedro
(IV)
Pedro explica o jogo
tendo a si próprio como
referência e...
 
 
Certamente a atribuição recíproca de explicações 
corretas é um ideal inalcançavel e implica: 
para João, que II = IV 
para Pedro, que III = I 
É natural que, quanto mais próximas forem as 
explicações II e IV, melhor possa jogar João e, 
inversamente, quanto mais próximas as 
explicações III e I, melhor pode jogar Pedro. 
A explicação - de provisória convertida em 
definitiva, de subjetiva em objetiva ou de 
apreciação situacional em diagnóstico - supõe a 
perda da liberdade de ver e aprender o mundo. A 
realidade é um espaço de possibilidades 
explicativas aberto a todos os jogadores que nela 
atuam. Uma explicação, por conseguinte, fecha 
esse espaço de possibilidades quando se aferra a 
uma única visão excludente. 
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A diferenciação de explicações abre o caminho do 
entendimento e aperfeiçoa o do confronto. Essa 
diferenciação explicativa não reside na realidade 
em si, mas em quem a explica. Mas, como a 
explicação motiva a ação e esta muda a realidade, 
toda explicação é uma colaboração na construção 
do mundo. Existe, pois, uma relação subjetiva e 
interativa entre o ator que explica e a realidade 
como dado objetivo, aberto, entretanto, a muitas 
explicações. 
Uma explicação situacional o é apenas se há um 
ator ou jogador que se lhe identifica. Uma 
investigação, em troca, para ser válida, não requer 
atores que se identifiquem com sua proposta de 
causalidade e resultados. 
Isso leva-nos ao conceito de situação e de 
explicação situacional. A apreciação situacional 
de cada jogador é o motivo e o motor de sua ação. 
O conceito de diagnóstico, porém, apega-se a uma 
explicação única supostamente objetiva, e, muitas 
vezes, sem autor reconhecível porque, em vez de 
diferenciar as explicações dos diversos jogadores, 
combina-as, ou confunde-as numa só explicação 
genérica que não representa ninguém em 
particular, salvo, às vezes, uma técnica de 
planejamento que não participa da mesa do jogo 
social, nem a ela tem acesso seus conselhos. 
Em síntese, o primeiro problema é identificar 
corretamente os problemas e explicá-los, 
situacionalmente; quer dizer, diferenciar as 
explicações, para saber não apenas onde atuar 
para enfrentá-los, como também perante quem 
devemos fazê-lo. 
Na explicação do jogo social não existem 
problemas óbvios, nem explicações absolutas e 
seguras. Toda argumentação sobre o jogo passado 
supõe a relação de causalidade condicionada 
A B
β
 
onde A é uma causa, B é o resultado causado e β 
as circunstâncias de contexto em gerar cambiantes 
que, influenciando a explicação, validam a 
argumentação causal. Por isso, sempre a rigor, é 
necessário verificar a solidez de cada relação 
causal que fundamenta nossa ação, pois as 
circunstâncias β podem ser distintas no plano e na 
explicação situacional. 
 
O PLANO COMO APOSTA ABERTA 
O segundo problema: “saber delinear frente à 
incerteza” consiste em saber delinear sob forte 
dúvida. Isto é o oposto de delinear 
determinadamente. Um químico, em seu 
laboratório, pode realizar uma experiência já 
provada e anunciar, com segurança, seu resultado. 
Seu experimento não é uma aposta. É um 
delineamento em que não existem variáveis de 
incerteza, nem no texto nem no contexto do 
experimento. Seu anúncio de resultados está a 
salvo de qualquer perturbação significativa alheia 
às variáveis que o químico controla, aplica e dosa 
em precisas proporções. 
No jogo social, tal certeza é impossível por duas 
razões: 
porque o jogador escolhe seu plano segundo o 
controle que tem sobre as variáveis que
para ele 
são opções, mas apenas uma parcela das variáveis 
são relevantes para calcular o resultado de sua 
ação; os outros jogadores também controlam parte 
das variáveis que influem sobre os resultados de 
meu plano; e 
porque o jogador não pode escolher as 
circunstâncias em que tem de realizar o plano, 
quer dizer, não pode decidir quanto às variáveis 
que nenhum dos jogadores dessa mesa de jogo 
controla. Parte do jogo I se decide no 
desenvolvimento de um jogo II, do qual, por 
vezes, sabemos muito pouco. 
Em consequência, se queremos atingir o resultado 
B, temos agora de raciocinar considerando nossa 
ação A e as circunstâncias β que pode se atuar. 
Como só controlamos A e não podemos afetar β, 
nosso plano deve trabalhar com previsões como 
as seguintes: 
A1
B
β 1
A2
β 2 
Essa expressão poderia ser lida assim: “Se as 
circunstâncias são β1, para se atingir o resultado 
B devo fazer A1. Se as circunstâncias são β2, 
porém, para atingir B, devo fazer A2”. 
Se assumirmos que só é possível produzir a ação 
A1, então o plano será: 
A1 B
β 1
A2
β 2
C
 
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Quer dizer, os resultados de nosso plano 
dependerão das circunstâncias. 
A interação dos jogadores é fonte de geração de 
circunstâncias β incertas e internas ao jogo. O 
jogador 1 não escolhe seu adversário e, 
consequentemente, a força e a qualidade como 
estrategista deste. Mas as circunstâncias β, por 
sua vez, estão, em geral, afetadas pelas 
circunstâncias π, vale dizer, variáveis de outros 
jogos que perturbam o nosso. O gráfico a seguir 
ilustra estas relações. 
 
 
β 1
A1
α 1
B
β 2
A2
α 2
C
π
Espaço de governabilidade de J1
J1
J2
Espaço do jogo
Outro
jogo
 
 
Pode-se apreciar com clareza que o resultado B, 
que o jogador 2 tenta conseguir, depende de 
variáveis que o jogador 1 controla e também de 
circunstâncias π que escapam ao controle de 
ambos. Por isso a PES enfatiza a idéia de plano 
dual, ou seja, um plano que sempre tem duas 
caras: um plano de ação e um plano de demandas 
e denúncias. No primeiro, o governante assume a 
responsabilidade de atacar os problemas. No 
segundo, reclama a cooperação de outros atores 
ou denuncia a sua oposição, já que os resultados 
de B não dependem exclusivamente de seu plano 
de ação. O bom político sempre dosa com 
sabedoria o plano de ação com o plano de 
demandas e denúncias, como forma de cuidar de 
seu capital político. 
Entre os elementos condicionantes do resultado B 
do jogador 1, é importante mencionar as 
condições α, que se referem à qualidade do plano 
elaborado e à eficácia de sua gestão. As condições 
α dependem da capacidade de governo, quer 
dizer, da potência dos métodos e práticas de 
trabalho da equipe de governo, assim como da 
perícia de seus integrantes. Esta capacidade de 
governo tem um aspecto pessoal e outro aspecto 
institucional. O pessoal indica a qualidade e a 
perícia da liderança do momento. O institucional, 
em troca, é mais estável e refere-se à acumulação 
de perícia nos estratos político, técnico-político 
técnico e burocrático da máquina do Estado. 
Nessa conceituação, denominamos variáveis 
controladas aquelas que são objeto de opções e 
escolha para um jogador e, ao mesmo tempo, são 
relevantes para a consecução do objetivo de seu 
plano. No outro extremo, as variáveis fora de 
controle podem ser de natureza muito diferente. A 
seguinte distinção é útil para a planificação 
situacional: 
• Chamamos de invariantes aquelas 
variáveis que o jogador não controla, 
mas conhece-lhes a lei de mudança 
futura e, portanto, tem capacidade de 
predizê-la 
• Em contraste, variantes são variáveis que 
o jogador não controla e tampouco 
conhece sua lei de mudança, pelo que 
não tem capacidade de predizê-las 
• O jogo pode produzir eventos de 
probabilidade muito baixa, mas de 
sensível impacto positivo ou negativo 
sobre os objetivos do plano de um 
jogador. A estes eventos chamamos de 
surpresas. 
Por conseguinte, β compõe-se de eventos de 
significativa probabilidade de ocorrência no 
Matus, C. O Plano como Aposta. São Paulo em perspectiva. 5 (4): 28-42 out/dez. 1991 
 
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próprio jogo, que não controlamos e nem 
conhecemos sua lei de causalidade, que 
denominamos variantes do jogo (VP), variantes 
de outros jogos (VO), invariantes (IV), ou seja, 
eventos que não controlamos, nem conhecemos a 
lei de ocorrência e de surpresas (S), que são 
eventos de probabilidade muito baixa originados 
na convergência do tempo de vários eventos de 
baixa probabilidade. 
 
(VP, VO)
VARIANTES
β a
A
β (Variáveis fora de controle)
β b β c
B
α (Qualidade do plano
e sua gestão)
(IV)
INVARIANTES
(S)
SURPRESAS
 
 
Noutras palavras, a condicionante β, que afeta os 
resultados de nossa ação, se compõe de: 
β = (VP, VO, IV, S) 
Nestas condições, não é possível anunciar 
resultados absolutos e precisos. Apenas podemos 
fazer prognósticos condicionados pelo conjunto 
de circunstâncias que dão forma ao contexto que 
chamamos β. 
O esquema a seguir mostra as relações de 
condicionamento que um plano estratégico deve 
explicitar. 
As principais relações anteriores podem também 
ilustrar o que a PES denomina de triângulo de 
governo. 
 
B (Projeto de governo)
 α
(Capacidade de governo)
 β
(Governabilidade)
Peso de β
Peso de α
 
 
Esse triângulo sintetiza a situação de um 
governante perante a realidade. As três variáveis 
(B, β e α) dão forma ao sistema. A baixa 
capacidade de governo afeta a governabilidade, a 
qualidade da proposta e a gestão do governo. As 
exigências do projeto de governo põem em prova 
a capacidade de governo e a governabilidade do 
sistema. A governabilidade do sistema, por fim, 
impõe limites ao projeto de governo e faz 
exigências à capacidade de governo. 
A planificação situacional, em síntese, nos diz 
que nunca se governa com total governabilidade 
do sistema e total capacidade de governo. Deve 
haver um equilíbrio dinâmico entre B, β e α. 
Essas limitações nos impõem abandonar o 
delineamento determinístico sobre o futuro e 
adotar formas de delineamento mais flexíveis. 
Noutras palavras, devemos substituir o cálculo 
determinístico pelo cálculo interativo e a 
fundamentação de apostas em contextos 
explícitos. Estes contextos explícitos são cenários 
possíveis do plano. O delineamento do plano 
converte-se, portanto, numa série de cadeias de 
apostas bem ou mal sustentadas em cadeias de 
argumentos, cálculos parciais e pressupostos. 
Devemos, então, revisar radicalmente nossa 
forma de delinear planos num mundo infestado de 
incertezas e surpresas. 
Num jogo semicontrolado, combinam-se nos 
grandes problemas do plano as relações de texto 
(plano) e contexto (cenários estáveis ou 
turbulentos) com situações de diferentes tipos de 
incerteza. Quando o plano se localiza no caso em 
que β = 0, estamos na presença da planificação 
tradicional normativa ou prescritiva, geralmente 
sem contexto explícito. Em troca, a planificação 
estratégico-situacional contempla todas as 
situações anteriores e obriga a explicitar o 
contexto β em que o plano se situa e anuncia 
resultados. 
Se nos perguntarmos agora sobre as vias para 
lidar com as circunstâncias β e elevar a qualidade 
das condições α, podemos sintetizar as propostas 
da PES no esquema que se segue.
 
 
 
Matus, C. O Plano como Aposta. São Paulo em perspectiva. 5 (4): 28-42 out/dez. 1991 
 
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(VP, VO)
A
β (Variáveis fora de controle)
B
α (Qualidade do plano e sua gestão)
(IV) (S)
Técnicas de cenários
Técnicas de absorção
de incertezas Planos de contingência
Direção estratégica Análise de vulnerabilidade e
confiabilidade do plano
Pré e pós-avaliação
de operações
 
 
 
 
Aqui, destacam-se as técnicas de cenários, de 
absorção de incertezas e de planos de 
contingência para enfrentar a incerteza
que β 
gera. Para elevar a qualidade das condições α, 
destacam-se expressamente a adoção de métodos 
de direção estratégica, a análise de 
vulnerabilidade e confiabilidade do plano e a pré 
e pós avaliação de operações. 
Todas essas considerações sobre a incerteza 
fazem mais complexo o delineamento prescritivo 
do plano, mas o tornam muito mais flexível e 
realista. 
A realidade complexa não pode ser abordada com 
métodos simples. Com efeito, quanto mais 
variedade e peso apresentam as condições β, tanto 
maior será a necessidade de elevar a qualidade 
dos condicionantes α, e isto obriga a métodos 
mais poderosos e complexos de direção e 
planificação. 
Pelas razões anteriores, como indica o gráfico a 
seguir, o plano é uma seleção de operações 
destinadas a alterar a situação inicial e atingir a 
situação-objetivo. Mas a pertinência, o produto e 
os resultados ou efeitos de tais operações sobre a 
situação inicial só estão explorados num espaço 
parcial das possibilidades que podem ser gestadas 
pelas condições β, fora do controle do ator, e das 
condições α, que dependem das capacidades de 
gestão e planificação do plano. 
 
História Hoje Futuro (plano)
Não ocorreu
Não ocorreu
História Real Possibilidades exploradas no plano
Possibilidades não exploradas
Possibilidades não exploradas
 
 
Matus, C. O Plano como Aposta. São Paulo em perspectiva. 5 (4): 28-42 out/dez. 1991 
 
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Um plano não deve cobrir o universo teórico de 
possibilidades que o futuro oferece e, por razões 
práticas, explora apenas algumas. As demais 
permanecem na nebulosidade do futuro. O plano 
fecha um espaço de possibilidades que a realidade 
mantém abertas. Embora isso seja, a nosso ver, 
totalizante, satisfatório e pouco vulnerável, 
sempre será incompleto, pois refere-se apenas a 
uma interpretação das muitas outras 
interpretações possíveis que o futuro encerra. Este 
é um argumento claro e definitivo para 
compreender o plano como uma obra aberta para 
a permanente e incessante necessidade de ajuste 
às surpresas e alterações, que permanecem não-
reveladas e potenciais no momento de sua 
revelação. 
 
A NECESSIDADE DO CÁLCULO ESTRATÉGICO 
O terceiro problema: o “cálculo estratégico” 
refere-se a pensar estratégias para tornar o plano 
viável. Ou seja, articular o “deve ser” com o 
“pode ser”. Não basta dispor de um bom 
delineamento normativo e prescritivo do plano. É 
preciso, além disso, uma boa estratégia para lidar 
com os outros jogadores e com as circunstâncias 
que cercam o jogo social. É este, exatamente, o 
problema de saber jogar. Um jogador pode dispor 
de boas cartas num jogo de baralho, mas, se não 
souber jogá-las, perde para outro que tem cartas 
inferiores. 
A metáfora iguala o delineamento prescritivo do 
plano às cartas que o jogador tem. O plano 
tradicional consiste em dizer: “Estas são as cartas 
que devemos jogar. São boas cartas”. Mas é 
evidente que o plano não pode limitar-se a isto, ou 
seja, a nos comprometermos com uma proposta 
prescritiva sobre o que devemos fazer. É 
imprescindível a exploração de estratégias de jogo 
para descobrir o máximo que podemos fazer. 
Neste ponto, emergem com clareza as limitações 
da antiga planificação do desenvolvimento 
econômico e social, que isola uma parcela da 
realidade do jogo político à qual pertence o 
econômico-social. E, para maior simplicidade, 
trata a parcela econômica de modo determinista e 
no mero plano prescritivo. A análise estratégica 
leva-nos, inevitavelmente, à planificação integral 
da ação, sem separar o econômico do político. O 
poder, como recurso escasso, desempenha, nesta 
interação sistêmica, um papel chave para 
entender-se a complexidade do problema que um 
governante enfrenta ao tomar decisões diante de 
opções de resultados incertos que também 
dependem da ação de outros jogadores. 
Nessas decisões, cada jogador fica limitado em 
sua capacidade de ação por um vetor variado de 
múltiplos recursos escassos. Neste vetor de peso 
de um jogador podem-se diferenciar grandes 
domínios de escassez de recursos, dentre os quais 
convém destacar o controle dos centros de 
decisão (poder político), o controle de recursos 
econômicos e decisões orçamentárias (poder 
econômico), o controle de recursos 
comunicacionais (poder comunicacional) e o 
controle das capacidades científicas e técnicas 
(poder cognitivo e organizativo). O vetor de peso 
de um jogador é a enumeração das capacidades 
que ele controla diretamente ou de maneira 
indireta por meio das adesões de outros jogadores 
e da população não-organizada. 
O vetor de peso de um ator A, pode ser 
estruturado da seguinte forma: 
 
VPA = X1A...X2A...X3A.......XjA Xj + 1A Xj + 2A Xj + kA 
 Controle direto 
de recursos 
 Adesões 
 
onde cada XjA, precisa de um controle de 
recursos do ator A, e cada Xj + kA, indica uma 
adesão de outros atores A1, A2, A3.... Aj. 
Qualquer jogada de um ator requer uma 
combinação de recursos escassos que o vetor de 
peso enumera, embora algumas exijam 
predominantemente apenas alguns dos tipos de 
recursos enumerados. Os resultados de uma 
jogada sobre o jogo, por sua vez, cruzam todos os 
domínios mencionados, se bem que possam 
concentrar-se, transitoriamente, em alguns destes 
e sobre alguns dos outros jogadores. 
A eficácia política surge, aqui, como critério 
essencial de avaliação estratégica, em 
concorrência com os critérios de eficácia 
econômica, cognitiva e organizativa. A eficácia 
global de uma jogada não pode, portanto, ser 
avaliada apenas num domínio parcial do jogo e 
em relação a um único recurso escasso. 
A planificação tradicional omite este capítulo e 
formula seus planos num vazio de contexto 
situacional que ignora o político como oposto ao 
técnico. Assume que o problema estratégico é dos 
políticos e a planificação econômica é de domínio 
dos técnicos. Por esta razão, temos praticado uma 
planificação formal, ritual e tecnocrática, sem 
estratégica política que lhe incorpore viabilidade. 
Esta planificação, na prática, é ignorada pelos 
políticos, que primeiro intuem e depois 
comprovam sua inutilidade. 
A análise estratégica suscita as questões mais 
complexas, pois devemos trabalhar num nível 
prático-operacional com os conceitos de poder, 
motivação para atuar usando o poder, força 
aplicada ou pressão de um jogador sobre uma 
jogada etc. Devemos saber, ademais, distinguir 
Matus, C. O Plano como Aposta. São Paulo em perspectiva. 5 (4): 28-42 out/dez. 1991 
 
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entre viabilidade para decidir uma jogada e 
viabilidade para alterar estavelmente a situação do 
jogo depois da jogada. Uma coisa não leva, 
necessariamente, à outra. Em um e outro caso, é 
preciso avaliar os resultados sobre o poder 
acumulado pelos jogadores e suas motivações. 
Por fim, é preciso propor estratégias de jogo em 
que se combinam a autoridade, a cooptação, a 
negociação, o confronto e a dissuasão. É preciso 
combinar estas estratégias, diferenciando 
jogadores e jogadas ao longo da trajetória do 
jogo, donde a consideração do tempo e da 
oportunidade podem ser muito importantes. 
Na análise estratégica, é necessário combinar as 
seguintes variáveis: 
a) Atores ou jogadores, quer dizer, os sujeitos 
criativos que dinamizam o jogo com seus 
interesses em confronto. 
b) Motivação e peso dos atores, variáveis que 
dependem de: 
• interesse ou posição que os jogadores 
assumem perante às operações que os 
participantes do jogo social buscam 
realizar (apoio, recusa, indiferença); 
• valor ou importância que os jogadores 
atribuem à cada operação (alto, médio, 
baixo); 
• peso ou força que cada jogador tem, 
definido pelo correspondente valor de 
peso; 
• pressão ou força aplicada sobre uma 
operação ou jogada numa situação 
concreta, que depende da motivação e do 
vetor de peso. 
As categorias anteriores permitem construir o 
seguinte modelo conceitual: 
 
Interesse (+, -, 0)
Valor (a, m, b)
Vetor de peso
Motivação
Pressão
c) Estratégia, ou seja, a maneira ou modo de atuar 
diante dos outros jogadores em relação à cada 
operação ou jogada. Entre as diversas 
estratégias, convém destacar: 
• autoridade; 
• cooptação; 
• negociação; 
• confronto; 
• dissuasão 
d) Trajetórias, ou seja, a maneira de utilizar o 
tempo e a sequência das ações para provocar 
as consequências desejadas 
e) Operações ou jogadas que podem ser de dois 
tipos: 
• operações ou jogadas constitutivas do 
plano, sem as quais é impossível 
alcançar a situação-objeto, que 
denominamos operações Op; e 
• operações ou jogadas táticas, cuja única 
utilidade consiste em buscar, durante o 
jogo, incorporar viabilidade às operações 
Op. A essas operações chamamos Ok. 
Uma operação Op pode ser realizada por 
meio de uma gama de alternativas de 
operações Ok, de modo que uma 
operação Ok sempre é prescindível, mas 
alguma operação Ok sempre é 
necessária. 
A análise estratégica explora a maneira de 
combinar todas as variáveis mencionadas para 
incorporar viabilidade a cada operação do próprio 
plano. O princípio estratégico fundamental 
consiste em conseguir uma combinação com a 
qual cada operação jogada abra caminho a outra 
que vem a seguir, até realizá-las todas numa 
determinada trajetória. Naturalmente nossos 
oponentes buscarão fazer o mesmo em relação a 
seus planos. 
As possibilidades de combinação, num jogo de 
três atores A1, A2 e A3, em relação ao plano de 
A1 que contempla 3 operações Op1, Op2 e Op3, 
podem ser vistas na ilustração a seguir.
 
 
Matus, C. O Plano como Aposta. São Paulo em perspectiva. 5 (4): 28-42 out/dez. 1991 
 
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Autoridade
Cooptação
Negociação
Confronto
Decisão
A2
A3
OP1 OP2
OP3
Atores
t1 t2
 
 
O Gráfico tridimensional explica uma estratégia 
possível de A1. Este ator propõe-se a negociar 
com o ator A2 e cooptar A3 para a realização da 
operação Op2, como forma de iniciar sua 
trajetória de jogadas. Este cálculo deve ser feito 
para cada operação, a fim de que a estratégia dê 
forma a uma trajetória em que cada operação 
situa-se em dadas coordenadas estratégicas. As 
coordenadas da operação Op1 no tempo t1, por 
exemplo, são: 
 
 
Op1 [(negociação, A2), (cooptação, A3)] t1 
 
A estratégia deve procurar esquivar-se ao 
confronto, para realizar o plano por consenso 
(autoridade, cooptação, negociação) mas, se o 
confronto é inevitável, convém chegar a ela 
escolhendo o momento em que as condições 
sejam melhores, vale dizer, naquela situação em 
que podemos exercer mais pressão que os outros 
oponentes. Para isso, a condição é a seguinte: 
 
Motivação sobre Opx
Vetor de peso aplicável
(+)
Motivação sobre Opx
Vetor de peso aplicável
(-)0
Ator A1
Pressão de A1
Oponentes
Pressão dos oponentes>
 
 
Por conseguinte, boa parte da qualidade de uma 
estratégia decide-se na escolha do confronto ou 
negociação conflitiva, e do momento para fazê-lo. 
Deve ser vencido antes que ocorra, criando-se as 
condições prévias mais favoráveis para o êxito. 
Se formos capazes de explorar tudo isso de forma 
razoável, então estamos preparados para jogar 
com o suporte de um cálculo estratégico eficaz. 
Agora, resta apenas atuar com este suporte em 
cada momento do jogo, já que só a ação altera a 
realidade. 
 
NO MOMENTO DE FAZER, DECIDE-SE TUDO 
O quarto problema: “fazer”, refere-se a atuar, a 
jogar, a realizar de acordo com o plano. É curioso 
que o problema do fazer ocupe pouco espaço na 
teoria da planificação, quando o plano só se 
completa na ação, nunca antes. Este é um ponto 
de extrema importância prática. Não existe a 
possibilidade de um plano completo em seu 
delineamento e cálculo estratégico antes da ação. 
Na improvisação tática da ação do momento, 
completa-se o conteúdo prático do plano. Em 
consequência, um tema central de preocupação 
deve ser o estudo das forças que, no momento da 
prática, decretam o domínio da improvisação 
sobre o plano ou do plano sobre a improvisação. 
Esta é uma luta típica que se expressa na desigual 
concorrência entre as urgências e as importâncias 
na agenda do dirigente. Como a improvisação é 
um cálculo situacional oportuno, supera 
facilmente a planificação tradicional, que é 
tecnocrática e lenta. Aqui surge um requisito bem 
preciso: o plano deve ser um cálculo superior à 
improvisação, para o que deve ser, não apenas 
oportuno, como também profundo e acertado. 
Estudar o momento de fazer conduz ao conceito 
de sistema de direção. A planificação pode ser 
Matus, C. O Plano como Aposta. São Paulo em perspectiva. 5 (4): 28-42 out/dez. 1991 
 
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parte ritual ou operacional do sistema de direção; 
que ocorra uma coisa ou outra, porém, não 
depende principalmente do sistema de 
planificação, mas das regras que sustentam o 
sistema de direção. Tais regras podem gerar 
demanda por planificação ou demanda por 
improvisação. 
O dirigente troca compromissos com seus 
superiores e subordinados. A prestação de contas 
quanto aos compromissos assumidos constitui 
regra-chave para compreender que uma direção 
responsável está submetida a uma estrita 
prestação de contas que a obriga a operar com 
uma gerência criativa, a dar espaço em sua 
agenda às importâncias e a sustentar o tratamento 
das importâncias com um poderoso sistema de 
planificação. Como são as regras do jogo 
institucional? É a pergunta chave para entender o 
que acontece com o sistema de direção e 
planificação. Se não existe uma direção 
responsável, a agenda fica tolhida de urgências, a 
gerência será rotineira e a planificação subsistirá 
como mero ritual de efeitos simbólicos. 
A velocidade de fazer, exigida pela velocidade 
dos acontecimentos, é um sério desafio ao que 
poderíamos chamar de tecnologia de planificação. 
Como resposta, a planificação estratégica 
situacional propõe o conceito de plano modular. 
O conceito de módulo alude à idéia de construir 
algo combinando peças previamente elaboradas. 
Essas peças elementares, naturalmente, estão 
abertas a muitas formas de combinação e 
significado, pois, de outra maneira, não seriam 
peças, mas obras fechadas. 
Em nosso caso, trata-se dois arquivos. O primeiro 
é o próprio plano como estrutura composta de 
módulos processados segundo critério e visão do 
ator que assume o plano. O arquivo plano é uma 
obra fechada à interpretação de um ator e a 
serviço de seu jogo. O segundo arquivo, em troca, 
é a reserva com a qual se constrói o primeiro e 
compõe-se de módulos pré-processados que 
podem ser postos em aplicações com rápidas 
adaptações às circunstâncias do jogo concreto do 
momento. Este é um arquivo aberto, não é 
produto de uma seleção situacional filtrada pela 
subjetividade de um ator. Pelo contrário, é 
formado por sedimentação de muitos planos 
anteriores ou pelo critério de várias equipes de 
estado-maior que entendem conveniente esta 
reserva para responder com agilidade ante à 
demanda de seus líderes. Surge aqui o conceito de 
“investimento” em módulos pré-processados, a 
fim de transformar o processo de fazer um plano 
no de “armar” e “adaptar” módulos previamente 
elaborados, na referência situacional do ator em 
comando. Boa parte do tempo de uma agência de 
planejamento deve ser dedicado a investir na 
elaboração e no processamento de módulos. 
Nessa tecnologia por módulos adotada pela PES, 
vale distinguir o seguinte: 
• módulos explicativos (macroproblemas, 
megaproblemas, problemas etc.); 
• módulos de ação (projetos de ação, 
operações, ações etc.); 
• módulos de gestão (organismos que 
assumem responsabilidades por 
problemas e operações); e 
• módulos complementares (cenários, 
planos de contingência etc.). 
Esta proposta de trabalhar com módulos tem 
muitas vantagens. Entre outras, a de precisão e 
rigor que sua conformação exige, constituindo-se 
frente à ambigüidade e à imprecisão prática da 
planificação tradicional. 
A idéia do plano modular permite ainda a 
vinculação real do plano e do orçamento, já que
entrega ao plano a função de ser instrumento de 
organização para ação, com responsabilidades 
bem definidas. 
Não obstante, na prática diária da ação, nada vai 
ocorrer exatamente como planejado e, às vezes, 
não acontecerá nada daquilo a que nos 
propusemos. Haverá falhas de análise dos 
problemas, deficiências nos fundamentos das 
apostas, incapacidade de prover possibilidades, 
aparição de surpresas, agradáveis e desagradáveis, 
equívocos, no cálculo estratégico e atrasos não 
considerados na gestão rotineira da burocracia 
que executa as operações do plano. 
Nenhuma técnica de planificação é segura diante 
da incerteza do mundo real e devemos nos apoiar 
em nossa capacidade para acompanhar a 
realidade. 
Aqui cabe recordar a análise do grande filósofo 
Hume, que se espantava com o cálculo que um 
cão faz para perseguir e alcançar um coelho. 
Trata-se de um plano em condições de alta 
incerteza. 
O cão tem capacidade nula de predição e baixa 
capacidade de previsão quanto aos movimentos 
do coelho. No entanto, tem um plano de 
perseguição baseado na capacidade de reagir com 
rapidez diante dos inesperados movimentos da 
presa, e esse plano apoia-se num sistema de 
acompanhamento dos movimentos do coelho. 
Notável, neste caso, não é precisamente, a 
preocupação de Hume com as inimagináveis 
matemáticas que o cão utilizaria para reduzir ao 
mínimo o percurso de sua perseguição, mas a 
capacidade do animal de alterar seu plano de 
caça, com o máximo de rapidez, toda a vez que o 
coelho alterar sua rota de fuga. 
Matus, C. O Plano como Aposta. São Paulo em perspectiva. 5 (4): 28-42 out/dez. 1991 
 
41
Se o cão adotasse um único plano e, depois, o 
seguisse cegamente, fracassaria seu objetivo. 
Assim, nada é mais importante que a sequência 
 
Cálculo Ação Correção
 
como método para aproximar-se do objetivo em 
sistemas de incerteza inexorável. 
E aqui é onde importa a direção estratégica, pois, 
de outra forma, o cão pode distrair-se diante de 
qualquer urgência e perder a noção de seu plano 
principal. 
 
 
 
O cão e o coelho de Hume 
C1 L1 C3 L3
C2 L2 C4 L4 
 
 
 
A CONFIABILIDADE DO PLANO 
O plano não é um anúncio de meios e resultados 
fundamentado em cálculos científicos certos. O 
plano é uma grande aposta sustentada em apostas 
parciais. Daí é válida a pergunta: Qual a 
probabilidade de êxito dessa grande aposta? Esta 
questão aponta para a confiabilidade do plano e 
permite avaliar as condições α. 
A confiabilidade de um plano aparece como tema 
crítico apenas no momento em que se toma 
consciência de que o plano é constituído por 
cadeias de apostas prescritivas, estratégicas e 
operacionais. O plano pode falhar por debilidades 
em alguns dos elos dessas cadeias. Portanto, todo 
plano deve estar acompanhado da análise de sua 
confiabilidade. E este metaproblema cruza os 
quatro temas anteriores e cada instância de 
recálculo e adaptação do plano às novas 
realidades. 
A necessidade do plano dual como resposta à 
interferência do outro obriga a ver também a 
análise da confiabilidade nessa perspectiva. No 
plano dual, a aposta é dupla. Aposto no êxito de 
minha ação e aposto no êxito de minhas 
demandas e denúncias. A confiabilidade do plano 
também inclui, por consequência, a dosagem na 
qual se combinam esses dois aspectos do plano 
situacional. 
 
UMA DINÂMICA DE QUATRO ELEMENTOS 
Esses quatro grandes temas constituem os quatro 
momentos da dinâmica do processo de 
planificação que distingue o enfoque situacional. 
Estes quatro elementos coincidem, justamente, 
com os quatro temas expostos, a saber: 
• Primeiro momento: explicativo (foi, é, 
tende a ser) - que se refere à construção 
de explicações para fundamentar a 
própria ação e interferir e compreender a 
ação dos componentes. A apreciação da 
situação conduz aos objetivos, e os 
objetivos à seleção de problemas e ao 
aprofundamento da explicação 
situacional. 
• Segundo momento: normativo ou 
prescritivo (deve ser) - que se refere à 
seleção das operações e ações 
necessárias para atingir os objetivos. 
Neste momento, o plano adquire a forma 
de propostas de decisão que devem ser 
tomadas a partir da situação inicial. O 
Matus, C. O Plano como Aposta. São Paulo em perspectiva. 5 (4): 28-42 out/dez. 1991 
 
42
momento normativo implica um cálculo 
aproximado dos resultados. Por isso, é 
preciso reconhecer a existência da 
incerteza e das surpresas, trabalhando 
com cenários, planos de contingência e 
outros métodos apropriados. Deste 
modo, a situação-objetivo de um plano 
sempre está condicionada à ocorrência 
de um cenário. 
• Terceiro momento: estratégico (pode ser 
do deve ser) - que se refere a explorar 
diferentes modos de jogar, considerando 
os oponentes e os aliados, para 
incorporar viabilidade ao plano 
concebido no segundo momento. Aqui, a 
criação das condições políticas para a 
ação econômica e das condições 
econômicas para a ação política é 
fundamental. O cálculo interativo que 
caracteriza o momento estratégico é o 
que demanda o processamento técnico-
político que compõe toda estratégia. 
• Quarto momento: tático-operacional 
(fazer) - é o momento da ação: a ação, 
porém, nunca é a mera execução do 
plano mas uma adaptação deste às 
circunstâncias do momento. Aqui 
tendem a predominar as urgências, a 
velocidade da ação, as deficiências dos 
organismos executores, a desinformação, 
a distração tática e a incapacidade de 
recalcular o plano e não entregar-se à 
improvisação. Aqui o essencial é dispor 
de um sistema de direção estratégica, de 
uma agenda do dirigente que chame 
atenção sobre as importâncias e 
processos, de modo técnico-político, as 
propostas centrais de decisão. Mas nada 
disso é possível se o jogo institucional 
for de baixa responsabilidade, não existir 
gerência criativa por operações e o 
dirigente não prestar contas nem souber 
exigi-las de seus executivos. Nesse 
momento decide-se tudo e, na prática, 
isto se verifica com o domínio do plano 
sobre a improvisação ou da improvisação 
sobre o plano. 
Cada momento é uma estância inesgotável, pois a 
ele sempre se regressa, e requer particulares 
ferramentas metodológicas de trabalho. O plano é 
apenas um produto renovável desta incessante 
dinâmica. O plano sempre está se fazendo mas 
sempre está pronto para dar suporte a ação do 
dirigente. 
 
 
 
VISÃO CURTA E VISÃO AMPLA 
Mas onde nos conduz esta incessante dinâmica de 
cálculo? Qual a eficácia e validade do objetivo 
que perseguimos? Como podemos imaginar nosso 
futuro? Como podemos verificar se as metas que 
para nós traçamos levam a algo de valor? Nossos 
planos têm um valor independente da sabedoria 
dos objetivos que traçamos? 
As urgências nos distraem da planificação, mas o 
jogo da planificação a curto prazo pode, por sua 
vez, distrair-nos e cegar-nos quanto à reflexão 
sobre nosso lugar no mundo nos próximos 
quarenta anos. Quando estas perguntas surgem, 
ultrapassamos os limites da planificação 
estratégico-situacional como técnica de visão 
curta, para entrar no domínio da grande 
estratégica. O líder é o que vê mais além da 
esquina, mas só é estadista aquele que enxerga 
mais além da estrada. 
A grande estratégia exige uma forma de pensar 
radicalmente diferente daquela que aqui 
expusemos. A grande estratégia não é um jogo 
contra outros jogadores conhecidos, mas contra o 
óbvio, o rotineiro e o legitimado. É um jogo 
contra nós mesmos, como portadores de idéias de 
um mundo de seguidores. Lutamos para percorrer 
de novo, com menos atraso, a mesma via que 
seguem aqueles a quem imitamos? Se não 
pensamos na grande estratégia, estamos 
condenados a ser seguidores e a ficar sempre atrás 
dos que abrem o caminho que seguimos. 
Imaginemos que estamos guiando um veículo no 
meio da neblina e não podemos enxergar muito 
adiante. A comodidade e a conformidade nos 
oferecem uma fácil solução: seguir os faroletes 
vermelhos da traseira do veículo que vai à frente. 
Já não
nos perguntamos quanto ao que se passa 
além da estrada que divisamos, simplesmente nos 
deixamos levar. O outro decide por nós, até 
despedaçar-se na bruma. 
Nossa única vantagem, neste caso, é ver como o 
outro cai primeiro. Vantagem efêmera, pois nossa 
incapacidade de pensar o futuro nos impedirá de 
aproveitá-la para encontrar nosso próprio 
caminho e resistir aos hábitos. Os gritos de 
lamento do veículo que nos antecede terão um eco 
nos nossos, um pouco mais tarde. 
Esta metáfora deve ser um sinal de alerta. Na 
América Latina não existe nenhum centro que se 
preocupe com a grande estratégia para esta região. 
A improvisação domina nosso dia-a-dia e a 
cegueira enevoa o caminho pelo qual trafegamos 
até onde não sabemos. 
A_Texto_Unidade_I_triangulodegoverno.pdf
 
 
STRATEGIA CONSULTORES LTDA 
 
5 de septiembre de 2006 
Autor: FUNDACIÓN ALTADIR 
TRIÂNGULO DE GOVERNO 
CARLOS MATUS ROMO 
 
 
 
ii 
CONTEÚDO 
 
 
CONTEÚDO ................................................................................................................................... II 
 
 
3 
 
O TRIÂNGULO DE GOVERNO E O JOGO SOCIAL 
 
Quem está no jogo social deve apostar em resultados como em um cassino. Ou se 
retira do jogo. O cidadão vota por promessas sobre resultados. O governante deve 
fazer uma aposta tecnopolitica. Há, entretanto, uma grande diferença entre uma 
aposta tecnopolitica e uma aposta ao acaso. Na aposta ao acaso, não há controle 
nem influência sobre os resultados. Na aposta tecnopolitica o apostador tampouco 
controla o resultado, mas influi sobre ele. O que o governo faz pesa nos resultados. 
Ainda mais, pode pesar de maneira decisiva. 
 
O peso da ação sobre os resultados faz que o efeito da ação pública seja 
previsível. A palavra previsível significa que o resultado não depende inteiramente 
de quem atua. Depende também de outros participantes do jogo social e das 
circunstâncias. Logicamente, a previsão de resultados está relacionada com certas 
capacidades e propósitos do governo. Baixas capacidades e propósitos muito 
ambiciosos produzem uma previsão pobre de resultados. Enquanto maior é a 
capacidade de previsão de resultados, maior é a credibilidade do governo. E , em 
política, a credibilidade é quase tudo. Em conseqüência, é importante analisar as 
variáveis que estão por detrás de uma boa previsão de resultados. 
 
Os resultados de um governo são mais previsíveis na medida em que se cumprem 
cinco condições: 
 
1º. Alta capacidade de governo, 
2º. Bom desenho organizativo do aparelho público, 
3º. Projeto de governo compatível com a capacidade pessoal e institucional de 
governo, quer dizer, com as duas primeiras condições, 
4º. Contexto situacional coerente com o projeto de governo, e 
5º. Sorte. 
 
Em todo caso, esta previsão não deve confundir-se com predição de resultados, 
segundo as concepções determinísticas. Previsão significa delimitação do espaço 
dos resultados possíveis conforme sejam as circunstâncias que abrigam a ação. Sem 
capacidade de previsão de resultados, não há governo. O conceito mesmo de 
governo é inerente à capacidade de antecipar os resultados do projeto 
comprometido, de chegar à situação esperada e desfrutar dela. 
 
Estas cinco variáveis podem reduzir-se a três, uma vez descartada a sorte e 
reordenados os outros quatro componentes. A qualidade da organização do 
aparelho do governo é um aspecto da capacidade institucional de governo, e 
também contribui a governabilidade. O contexto situacional sintetiza, a sua vez, os 
principais fatores determinantes da governabilidade. 
 
 
4 
O TRIÂNGULO DE GOVERNO 
 
 
 
 
Governar, então, exige articular três variáveis: 
 
a) O projeto de governo, entendido como a proposta de meios e objetivos 
que compromete uma mudança para a situação esperada, 
b) A capacidade de governo, que expressa a perícia para conduzir, 
manobrar e superar as dificuldades da mudança proposta, e 
c) A governabilidade do sistema, que sintetiza o grau de dificuldade da 
proposta e do caminho que deve percorrer-se, verificável pelo grau de 
aceitação ou rechaço do projeto e a capacidade dos atores sociais para 
respaldar suas motivações favoráveis, adversas ou indiferentes. 
 
Dirigir é assinalar e escolher uma direção. Também é a capacidade de segui-la, 
não obstante os obstáculos que ofereça. Nessa condução contam três variáveis: a 
direção ou norte escolhido, a dificuldade do caminho, e a capacidade de 
condução para driblar as dificuldades previsíveis do percurso. A direção é acertada 
se a bússola política explora com criatividade vários caminhos novos e aponta com 
o dedo do plano para onde estão e podem ser criadas possibilidades. A 
dificuldade do caminho deve calcular-se, sem exagero nem desconto, em um ato de 
previsão flexível do futuro desconhecido e de seus obstáculos. A capacidade de 
condução não surge espontaneamente com a eleição do líder, terá que ser criada. 
 
No exercício da liderança pública convergem três elementos: a proposta de 
objetivos, o grau de dificuldade que apresenta essa proposta e a capacidade para 
driblar tais dificuldades. Três vértices de um sistema complexo: objetivos, dificuldade 
 
 
5 
para alcançá-los e capacidade para lutar com essa dificuldade. Com outras 
palavras, o projeto de governo, a governabilidade e a capacidade de governo. 
 
É o triângulo de governo. Três variáveis fortemente inter-relacionadas mas, ao 
mesmo tempo, bem diferenciadas. 
 
Estas três variáveis sintetizam um modelo muito simples, mas potente para entender o 
processo de governo. 
 
O PROJETO DE GOVERNO (P): 
 
É uma proposta de intercâmbio de problemas. O dirigente oferece à cidadania uma 
empresa de realização e ações que produz benefícios e custos potenciais. Os 
benefícios eliminam problemas para alguns. Os custos criam problemas para outros. 
O projeto faz um balanço do valor dos problemas que elimina frente ao valor dos 
problemas que cria. Um projeto de governo bem desenhado gera, em seu período 
de vigência, um intercâmbio favorável de problemas para a maioria da população. 
Precisa objetivos e meios, e seu debate versa sobre o tipo de sociedade, as 
reformas políticas, o estilo de desenvolvimento, a política econômica, as mudanças 
no nível e qualidade da vida, etc., que parecem pertinentes ao caso e ao grau de 
governabilidade do sistema. Se expressa em uma seleção de problemas e em um 
conjunto de operações para enfrentá-los. Logicamente, o projeto de governo não só 
é o produto das circunstâncias e interesses do ator que governa, além de sua 
capacidade de governo. A eficácia do projeto depende do acerto para combinar o 
mundo dos valores com o aporte das ciências, em um ato de criatividade humana 
que é próprio da arte da política. Não bastam as ciências. Devem complementar-se 
com os valores. Não bastam os valores. Devem ser coerentes com as ciências. E a 
combinação adequada de ambas as esferas se obtém só com imaginação criativa 
em relação com as circunstâncias, os desafios e os objetivos perseguidos. 
 
A GOVERNABILIDADE DO SISTEMA (G): 
 
É uma relação entre o peso das variáveis que controla e não controla um ator 
durante sua gestão. trata-se, naturalmente, das variáveis relevantes e pertinentes ao 
projeto de governo. Também, depende da influência que o ator tem sobre as ditas 
variáveis, ou seja, do grau e o peso com que compartilha tais controles com outros 
atores. O peso das variáveis relevantes varia de acordo ao conteúdo do projeto de 
governo e a capacidade do governante. Quanto mais variáveis decisivas controla 
um ator, maior é sua liberdade de ação e maior é para ele a governabilidade do 
sistema. Quanto menos variáveis de peso controla, menor será sua liberdade de 
ação, ou seja, sua governabilidade
sobre o sistema em relação a esse projeto. A 
governabilidade é sempre relativa a um ator e um projeto. 
 
 
 
6 
Perde-se ou ganha no exercício do governo, conforme sejam a aceitabilidade, a 
eficácia e o valor das decisões. A perda de governabilidade deteriora a 
capacidade de tomar decisões. O aumento da governabilidade amplia tais 
capacidades. Em síntese, a governabilidade expressa o poder de um ator para 
realizar seu projeto. É relativa a cada ator. Eu, tu e ele temos projetos distintos, 
controlamos diferentes variáveis, influímos sobre elas com peso desigual e 
atendemos a demandas ou exigências de grupos sociais com interesses específicos. 
 
O grau de dificuldade de meu projeto é distinto ao do projeto de meu oponente. E 
para driblar essas dificuldades, cada um tem sua própria capacidade de governo. 
A primeira relativização aponta a distinguir que um sistema social não é igualmente 
governável ou ingovernável para os distintos atores, pois cada um deles controla 
uma porção distinta de variáveis do sistema. A segunda relativização assinala que a 
governabilidade do sistema depende do conteúdo propositivo do projeto de 
governo. O sistema é mais governável para objetivos modestos e menos governável 
para objetivos ambiciosos e significativamente redistributivos. A terceira relativização 
indica que a governabilidade do sistema é maior se o ator pertinente tiver alta 
capacidade de governo e é menor se tiver baixa capacidade de governo. A 
governabilidade expressa a capacidade de resistência que oferece o sistema 
político-social a um projeto de governo e ao ator desse projeto. 
 
No uso comum do conceito de governabilidade há uma grande falta de rigor. Às 
vezes a confunde com o sistema que expressa o triângulo de governo em uma 
situação concreta, e se fala de crise de governabilidade. Outras vezes a confunde 
com a capacidade de governo. Em ambos os casos, perde-se a especificidade do 
conceito de capacidade de governo, com o qual se oculta a causa principal da 
crise do estilo de fazer política na América Latina. É o que Yehezkel Dror ([A 
Capacidade para Governar], 1995) chamaria a falta de profissionalismo na arte de 
governar. É o domínio do político improvisado, cujo capital se limita à experiência e 
a capacidade de liderança. Um curandeiro ou bruxo que, para sobreviver, teme e 
nega a medicina. Esta falta de rigor na precisão do conceito de governabilidade, 
que é dominante em alguns círculos intelectuais, impede uma boa análise do 
potente modelo conceitual que expressa o triângulo de governo. Oculta e confunde 
o importante espaço que deve ocupar esta nova disciplina transversal que podemos 
chamar Ciências e Técnicas de Governo. É uma disciplina destinada a potencializar 
a arte do político. 
 
A CAPACIDADE DE GOVERNO (C): 
 
É uma capacidade de liderança, ponderada pela experiência e os conhecimentos 
em Ciências e Técnicas de Governo. É uma capacidade de condução ou direção 
que se acumula na pessoa do líder, em sua equipe de governo e na organização 
que dirige. apóia-se no acervo de técnicas, métodos, destrezas e habilidades de um 
ator e sua equipe de governo requeridas para conduzir o processo social, dadas a 
 
 
7 
governabilidade do sistema e o compromisso do projeto de governo. Capacidade 
de governo é sinônimo de perícia para realizar um projeto. O domínio de teorias, 
métodos e técnicas potentes de governo e planejamento são uma das variáveis mais 
importantes na determinação da capacidade de uma equipe de governo. Quando 
falamos de teorias, técnicas e métodos de governo e planejamento nos referimos, 
por conseguinte, a alterar ou melhorar a capacidade de governo. 
 
Na capacidade de governo, seja pessoal, da equipe ou da organização, 
convergem três elementos: experiência, conhecimentos e liderança. Na experiência 
se acumula a arte que o conhecimento científico é incapaz de prover. Embora a 
arte, sem a companhia das ciências, é arte em bruto. Nenhum componente desta 
tríade vale por si mesmo. O que vale é o produto inseparável suas interações. Os 
conhecimentos sem experiência e a experiência sem conhecimentos valem pouco, e 
ambos ficam muito diminuídos diante da carência de liderança. O mesmo ocorre 
com esta última, se não estar associada aos conhecimentos e a experiência 
pertinente. A experiência só vale em relação ao capital cognitivo com o qual se 
acumula, e esse capital cognitivo está imaturo sem a dose de experiência 
necessária. 
 
CAPACIDADE DE GOVERNO = CONHECIMENTOS EM C&TG*LIDERANÇA 
/EXPERIÊNCIA 
 
Principais deficiências: 
 
 Pessoal do Líder (falha comum bem variável). 
 Equipe de Governo (falha comum bem variável). 
 A Organização (falha comum falha desvalorizada). 
 
Sem capacidade de liderança, os conhecimentos e a experiência só podem 
produzir um bom assessor. Por sua vez, a capacidade de liderança, sem 
conhecimentos e experiência, produz políticos medíocres; é incapaz de produzir um 
líder estadista. O político comum é um ator com liderança e experiência, embora 
com grande debilidade em seu capital cognitivo. 
 
No triângulo de governo se diferenciam variáveis que são distintas e, ao mesmo 
tempo, mutuamente condicionadas. 
 
A diferenciação reconhece três sistemas de distinta natureza: o sistema normativo e 
propositivo de ações que conforma o projeto de governo, o sistema político-social 
que exige a ciência positiva para a análise da governabilidade do sistema, e o 
sistema de direção e planejamento que, como sistema de gestão, caracteriza a 
capacidade de governo. 
 
 
 
8 
O mútuo condicionamento indica, em troca, algo comum aos três sistemas: a ação 
humana. O projeto de governo é um conjunto de propostas de ação, a 
governabilidade do sistema se refere a possibilidades de ação e a capacidade de 
governo aponta às capacidades de ação. 
 
A capacidade de governo é a variável central. Entretanto é a menos valorada. É 
sinônimo de perícia acumulada na pessoa dos dirigentes, em sua equipe e na 
instituição mesma. No primeiro caso falamos de capacidade pessoal de governo. 
No segundo de capacidade institucional. Nesta capacidade de governo confluem 
também a qualidade dos sistemas de trabalho e a estrutura do desenho 
organizativo. Por conseguinte, elevar a capacidade de governo requer atuar sobre a 
perícia dos governantes e das instituições, sobre seus sistemas de trabalho - 
especialmente os sistemas de alta direção - e sobre o desenho organizativo. Neste 
último nível, o desenho macroinstitucional define tudo. Mas, a cabeça que 
encabeça este desenho está no gabinete do dirigente. Essa cabeça impõe um teto 
de qualidade a todos os componentes da capacidade de governo. 
 
Em geral, os líderes políticos têm uma perícia mutilada. São propensos ao 
imediatismo, a micropolítica, e a um excesso de confiança na arte, com menosprezo 
dos métodos de governo. A atração da prática política é tão forte, que até os 
políticos com boa formação acadêmica e bom nível intelectual caem nas mesmas 
deficiências. São pessoas inteligentes que superaram um processo de seleção muito 
duro. Alcançam experiência, têm ou desenvolvem capacidade de liderança, mas 
possuem uma formação intelectual departamentalizada. São advogados, 
economistas, engenheiros, sociólogos, médicos, e outros profissionais 
especializados em alguma disciplina vertical. Não sabem de métodos de governo. 
Não podem aprender, porque não sabem que não sabem. Mas, a prática política 
ignora esta carência, porque assume que sabem do que não sabem. depois de 
tudo, é sua especialidade. 
 
Os problemas de governo cruzam horizontalmente todas as especialidades. Não só 
no sentido temático já tradicional da interdisciplinaridade, pelo qual os problemas 
de saúde são, ao mesmo tempo, problemas políticos, econômicos,
organizativos, 
jurídicos, etc. Isto é evidente e bem conhecido. 
 
A interdisciplinaridade não é o problema central nem o mais complexo que 
apresentam os problemas reais. Não basta com equipes interdisciplinares que 
contribuem com conhecimentos especializados em idiomas particulares 
incapacitados para a interação que exige a deliberação que precede a tomada de 
decisões. Um chinês não forma uma equipe interlinguística com um russo se ambos 
não tiverem uma formação lingüística em comum. Não se trata de uma simples 
tradução, mas sim de uma interação criativa. Há um cruzamento horizontal, 
transdepartamental, que exige uma metateoria para compreender o processo de 
produção social da perspectiva prática do ator comprometido na ação. Toda 
 
 
9 
decisão exige um suporte de conhecimento especializado vertical. Mas, além disso, 
requer do suporte transversal das ciências e técnicas de governo. 
 
B_Texto_Unidade_II_adocao do modelo PES.pdf
149o&s - v.13 - n.39 - Outubro/Dezembro - 2006
A Adoção do Modelo de Planejamento Estratégico Situacional no Setor Público Brasileiro: um Estudo de Caso
D
A ADOÇÃO DO MODELO DE
PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO
SITUACIONAL NO SETOR PÚBLICO
BRASILEIRO: UM ESTUDO DE CASO
Francisco Sobreira Neto*
Flávio Hourneaux Junior**
Edison Fernandes Polo***
RESUMO
pesar da indiscutível importância do planejamento estratégico em organizações
do setor privado, quando se trata de experiências semelhantes em órgãos do setor
público brasileiro, os relatos tornam-se mais escassos, com metodologias utilizadas
não claramente definidas, geralmente adaptações, não tendo sido formuladas es-
pecificamente para a administração pública. Este artigo visa identificar os principais ele-
mentos referentes à metodologia do Planejamento Estratégico Situacional (PES), e sua
adoção pela Coordenadoria da Administração Tributária (CAT) do Estado de São Paulo.
Trata-se de uma pesquisa exploratória com a utilização do método do estudo de caso,
tendo sido selecionada uma experiência de destaque na administração pública tributária
brasileira, apropriada para o estudo de caso único. São abordados no texto: os principais
conceitos da administração estratégica na administração pública; o processo de planeja-
mento estratégico da CAT com a adoção do PES; os principais resultados obtidos; e, final-
mente, as conclusões e recomendações pertinentes, dentro do contexto do caso estudado.
ABSTRACT
espite all the importance of strategic planning in organizations of the private
industry, similar experiences described in the public administration context are
rare. Furthermore, the methodologies used in these cases are neither clear nor
consolidated as they should be, because they are, in general, adaptations from
their parallels of the private sector. This article aims at identifying the main elements
concerning the Situational Strategic Planning (PES) methodology, and its adoption by the
Tributary Administration Coordination (CAT) of the State of São Paulo. It consists of an
exploratory study, introducing a notorious experience within the Brazilian tributary
administration, which qualifies for a unique case study method. The text investigates: the
main aspects of strategic management in the public administration; the process of strategic
planning inside CAT with the PES adoption; the main results achieved; and, finally, the
conclusions considering the case context.
A
*Doutorando FEA/USP
**Mestrando FEA/USP
***Prof. FEA/USP
o&s - v.13 - n.39 - Outubro/Dezembro - 2006150
Francisco Sobreira Neto, Flávio Hourneaux Junior & Edison Fernandes Polo
INTRODUÇÃO
Governo recebe do soberano as ordens que dá ao povo e, para que o Estado
permaneça em bom equilíbrio, é preciso que, tudo compensado, haja igualdade
entre o produto ou o poder do Governo, tomado em si mesmo, e o produto ou
potência dos cidadãos, que de um lado são soberanos e de outro, súditos.
(Rousseau, 1987:75).
Na sua obra “Do Contrato Social”, Rousseau (1987), de certa forma, já colo-
cava as dificuldades inerentes às atividades do Governo na busca do equilíbrio, da
parcimônia, do bem-estar da sociedade como um todo. Muitos anos se passaram
desde então e as dificuldades continuam as mesmas, se não aumentaram ainda
mais, devido ao extremo dinamismo ao qual a sociedade de hoje está submetida.
Como o Governo pode agir de modo a eliminar ou ao menos reduzir as desi-
gualdades a que a população de uma forma geral estaria sujeita? A administração
estratégica utilizada dentro do contexto público emerge, então, como um instru-
mento de gestão que pode ser utilizado na tentativa de contribuir para o
equacionamento e possível resolução desta questão. Wright, Kroll e Parnell (2000)
afirmam que, dentre as principais características estratégicas das organizações
públicas, destacam-se: o caráter de indispensabilidade da manutenção de uma
sociedade civilizada; o necessário suprimento das necessidades básicas da socie-
dade que não podem ser supridas pelas organizações privadas; e a disponibilida-
de de produtos e serviços a todos os membros da sociedade.
Já Campos (1998) ressalta que, no Brasil, desde os anos setenta, há todo um
movimento voltado para estimular a democratização dos serviços públicos, especifi-
camente da área de saúde. Em algumas experiências, ressalta o autor, graças à
utilização de ferramentas de Planejamento Estratégico – no caso, variantes do Pla-
nejamento Estratégico Situacional, objeto deste estudo –, vivenciou-se momentos
de participação comunitária, no entanto, ainda limitados às Oficinas de Planejamen-
to ou a algum departamento intermediário na hierarquia do setor público.
 No entanto, a pesquisa sobre administração estratégica em organizações
públicas e sem fins lucrativos de caráter privado, em pleno início de século XXI,
ainda se ressente de mais e melhores estudos. Segundo Wortman (1979), teoria
e pesquisa em organizações sem fins lucrativos são um território virtualmente
pouco explorado pelos estudiosos de administração estratégica.
Hatten (1982) é um dos primeiros teóricos da administração estratégica que
tentaram aplicar conceitos da matéria às áreas públicas ou às organizações sem fins
lucrativos, porém com poucos casos práticos e resultados a serem discutidos. De
acordo com Schendel e Hofer (1979), esta lacuna teórica e empírica se agrava quan-
do se considera que algumas destas organizações sequer possuem estratégia.
A combinação entre competitividade de mercado e decisões empresarias
direciona uma organização para alcançar seus objetivos, pondera Ansoff (1979).
Contudo, estas atividades são virtualmente inexistentes em entidades prestadoras
de serviços públicos sem objetivo de lucro. Segundo o autor, as organizações pú-
blicas têm um poder outorgado pela sociedade para fornecer os serviços necessá-
rios à manutenção da infra-estrutura social, os quais não são fornecidos pelo se-
tor privado, tais como saneamento, assistência social, segurança pública, entre
outros. Ansoff (1979) ainda afirma que os subsídios recebidos pelas organizações
públicas, para a consecução de seus objetivos e competências, desestimulam a
atividade estratégica e, por conseguinte, há um estímulo à ineficiência. E que,
após a Segunda Grande Guerra Mundial, época caracterizada pela escassez de
recursos, as organizações passaram de um ambiente relativamente estável para
ambientes de mudanças mais rápidas e de maior competição, necessitando, en-
tão, de uma estruturação estratégica de suas administrações.
Gaj (1986), em uma tentativa de sistematização do assunto, coloca que os
elementos da estratégica no setor público são: a postura de mudança, o enfoque
social, a revisão contínua das finalidades dos órgãos e das organizações, a eficá-
O
151o&s - v.13 - n.39 - Outubro/Dezembro - 2006
A Adoção do Modelo de Planejamento Estratégico Situacional no Setor Público Brasileiro: um Estudo de Caso
cia do sistema como exigência da comunidade, o desenvolvimento
organizacional
e a significativa capacidade de administrar conflitos.
Dentro dessa concepção, em termos de estratégias e, também, em relação
ao contexto público, é que se encontra a abordagem deste artigo. Primeiramente,
trata-se do planejamento estratégico no contexto do setor público, descrevendo
alguns conceitos, metodologias e casos de utilizações dos mesmos. Em seguida,
faz-se uma explanação do método de Planejamento Estratégico Situacional - PES,
que constitui a base teórica utilizada do caso estudado: o processo de planeja-
mento estratégico realizado em uma das principais coordenadorias da Secretaria
da Fazenda do Estado de São Paulo - Sefaz-SP. Finalmente, são apresentadas as
conclusões alcançadas com o estudo de caso.
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
A pesquisa tem como fontes primárias informações do programa “CAT 2002”,
da Sefaz-SP, bem como relatórios de acompanhamento e entrevistas pessoais
não estruturadas e diretas, com os principais dirigentes, consultores da área de
planejamento e participantes da equipe de mentores da operação Gestão Estra-
tégica da Coordenadoria da Administração Tributária - CAT. A CAT destaca-se por
sua relação direta com a arrecadação de tributos estaduais, cabendo-lhe seu con-
trole e fiscalização. É por meio desse órgão que os contribuintes de tributos esta-
duais se relacionam com o Estado de São Paulo.
Trata-se de uma pesquisa exploratória com a utilização do método do estu-
do de caso, tendo sido selecionada a experiência de destaque na administração
pública tributária brasileira, atendendo às condições para o estudo de caso único
estabelecidas por Albertin (1997), quais sejam: um caso crítico com teoria bem
formulada; um caso extremo ou efetivamente único; um caso que revele algo novo.
Green, Tull e Albaum (1988) definem a pesquisa exploratória como aquela que visa
identificar problemas, realizar um estudo mais aprofundado desses e formular novas
opções de cursos de ação.
Campomar (1991) observa que o método de estudo de casos implica numa
análise profunda de um número relativamente pequeno de situações, podendo
chegar a apenas uma. O foco é direcionado à descrição completa e à análise do
comportamento dos fatores de cada fenômeno, sendo irrelevantes os números
envolvidos. Yin (1989) reitera-o como cientificamente aceito e muito utilizado nos
estudos experimentais. Considerando que a pesquisa está contextualizada nas
condições e nos requisitos metodológicos definidos, o estudo visa, então, buscar
algumas respostas para as seguintes questões:
Quais os pontos fortes e as limitações da metodologia do PES em órgão
da administração fisco-tributária brasileira?
Quais os principais resultados obtidos pela Sefaz-SP com a metodologia
PES?
A aplicação de conceitos e requisitos do PES atende a Sefaz-SP em suas
necessidades de tratamento das questões estratégicas?
O modelo de administração estratégica criado pela CAT da Sefaz-SP foi
incorporado por outras áreas da organização ou se constituiu apenas
em um instrumento formal de gestão da alta administração fazendária?
Não está no âmbito do estudo avaliar a metodologia do PES propriamente
dita, nem compará-la com outros métodos existentes. O estudo limita-se à expe-
riência de concepção e implantação de um modelo de planejamento estratégico
na CAT da Sefaz-SP, não permitindo generalizações.
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Francisco Sobreira Neto, Flávio Hourneaux Junior & Edison Fernandes Polo
PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO
SITUACIONAL – PES
CONCEITOS SOBRE PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO
NO SETOR PÚBLICO
Ackoff alerta para a complexidade do processo de planejamento e da
interdependência das decisões tomadas. Para ele,
 Planejamento é algo que fazemos antes de agir, isto é, tomada antecipada de
decisão. É um processo de decidir o quê fazer e como fazê-lo, antes que se
requeira uma ação. Planejamento é necessário quando a consecução do estado
futuro que desejamos envolve um conjunto de decisões interdependentes, isto
é, um sistema de decisão. A principal complexidade do planejamento, porém,
advém mais do inter-relacionamento das decisões do que delas em si (ACKOFF,
1982: 2-3).
A questão da dinâmica do ambiente e do papel do planejador é destacada
no trabalho de Lorange e Vancil, (1976: 22). Para esses autores, qualquer empre-
sa – na realidade, qualquer organização – é uma entidade evoluindo dinamica-
mente, cujo ambiente situacional está sujeito a mudanças. Correspondentemente,
para permanecer eficaz, o projeto de um processo de planejamento é uma tarefa
contínua que exige vigilância e introvisão por parte da administração.
Prahalad e Hamel (1995: 168) destacam a questão da viabilização do plane-
jamento estratégico: “o planejamento estratégico é, na prática, um ‘crivo de viabi-
lidade’. É uma ferramenta para garantir que as questões de viabilidade sejam
totalmente abordadas”. As citações anteriores tornam-se mais significativas se
consideradas sob a ótica do setor público, devido à magnitude da ação e à diver-
sidade e multiplicidade de atores envolvidos. Comparando-se com o setor priva-
do, existe relativa escassez de modelos de planejamento estratégico para o setor
público, bem como é escassa a literatura a respeito do assunto, apesar de sua
importância (BRYSON, 1995).
Segundo Mintzberg;
A elaboração de uma estratégia é um processo extremamente complexo, que
envolve os elementos mais sofisticados, sutis e, às vezes, subconscientes do
pensamento humano [...] Uma estratégia pode ser deliberada. Ela pode refletir
as intenções específicas da direção superior de uma organização; [...] estratégias
podem ser desenvolvidas inadvertidamente, independente das intenções cons-
cientes da direção superior e freqüentemente através de um processo de apren-
dizagem (MINTZBERG, 1994: 25-26).
Segundo Gaj (1986: 174), há dois métodos de planejamento estratégico
público: o burocrático e o integrativo ou humanístico. No modelo burocrático, “as
ordens, sugestões e planejamento emanam de cima, com pouca ou nenhuma par-
ticipação das bases da pirâmide”. O planejador, o burocrata, não apresenta um
comprometimento com o processo e seus resultados, tendo uma atitude utilitarista
e irresponsável. No modelo integrativo, “o participante, como indivíduo, se afirma
perante os administradores e deixa de ser uma partícula impotente que não tem
participação ativa no processo (de planejamento)”. As idéias passariam a fluir de
baixo para cima, aumentando o grau de participação. No entanto, o autor faz uma
ressalva quanto a um possível exagero na participação, o que dificultaria o pro-
cesso decisório.
Para Bryson (1995), o sucesso da implementação de um plano estratégico
dentro do setor público e de organizações sem fins lucrativos dependerá, ainda,
da atuação dos responsáveis pelo processo, geralmente internos (insiders) aos
órgãos em questão, cujo papel envolve extrema complexidade, exigindo habilida-
de técnica e política.
153o&s - v.13 - n.39 - Outubro/Dezembro - 2006
A Adoção do Modelo de Planejamento Estratégico Situacional no Setor Público Brasileiro: um Estudo de Caso
As citações anteriores tornam-se mais significativas se consideradas sob a
ótica do setor público, devido à magnitude da ação e à diversidade e multiplicidade
de atores envolvidos. Matus afirma que:
estratégia é a arte de lidar com a incerteza, com a imprecisão e a névoa do
amanhã, ainda que com indivíduos bem-identificáveis como eu, tu e ele, surpre-
endidos num jogo que nos motiva para a cooperação e o conflito. [...] Refere-se
a um jogo de poucos, [...] cada jogada é única, pessoal, o oposto da média
anônima que surge do equilíbrio nos grandes agregados humanos (MATUS,
1996:11).
 Por meio dessa definição de Matus, pode-se vislumbrar como seria o novo
modelo por ele proposto, o Planejamento Estratégico Situacional, cujas caracte-
rísticas principais seriam a de ser um modelo não-determinístico e que levaria em
conta a participação dos vários atores sociais e suas ações e reações, dentre os
quais se inclui o próprio governo,
que é justamente aquele que exerce o papel de
planejador. No próximo item, serão descritos os principais aspectos deste método.
METODOLOGIA DO PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO SITUACIONAL
O Planejamento Estratégico Situacional, modelo consolidado na década de
1970, foi criado pelo economista chileno Carlos Matus, após anos de pesquisa e
de experiências efetuadas no governo do Chile, do qual foi ministro do planeja-
mento e presidente do Banco Central. A principal proposta do autor com o PES era
causar uma ruptura com relação aos modelos usados tradicionalmente no plane-
jamento, estratégico ou não, do setor público. Essa ruptura se daria se a questão
colocada por Matus fosse respondida: “é possível um planejamento onde as técni-
cas econômicas e as técnicas de investigação política se estruturem em uma nova
síntese metodológica que, ao mesmo tempo, amplia seu universo de ação e a faça
mais eficaz como método de governo?” (MATUS apud BELCHIOR, 1999: 28).
O PES é uma metodologia recente e exclusiva ao setor público, e não uma
adaptação ou customização. Segundo Huertas,
É um método e uma teoria de Planejamento Estratégico Público [...] Foi concebi-
do para servir aos dirigentes políticos, no governo ou na oposição. Seus temas
são os problemas públicos e é também aplicável a qualquer órgão cujo centro do
jogo não seja exclusivamente o mercado, mas o jogo político, econômico e
social (HUERTAS, 1996:22-23).
Com relação aos modelos usados tradicionalmente no planejamento públi-
co, os conceitos do PES diferem substancialmente daqueles.
Como mostra o quadro 1, existem significativas diferenças entre o planeja-
mento estratégico tradicional e o PES. Trata-se, como Huertas (1996) afirma, de
um novo enfoque, distinto do padrão vigente. O processo de planejamento não é
um ato isolado. Ele influencia o ambiente social e por este é influenciado, um am-
biente em que a incerteza é uma constante e no qual a ação do governo, enquan-
to ator preponderante, não é tão livre e independente como se poderia pensar.
Além disso, as situações ou problemas que ocorrem ou podem vir a ocorrer
apresentam possibilidades quase infinitas de combinações entre os diversos ato-
res sociais, sendo que tais problemas geralmente possuem uma grande complexi-
dade e são apenas semi-estruturados, com várias possibilidades de solução efi-
caz, dependendo do enfoque utilizado.
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Francisco Sobreira Neto, Flávio Hourneaux Junior & Edison Fernandes Polo
Huertas (1996) considera o planejamento como uma ferramenta de governo,
operando em sistemas complexos. De acordo com o autor, é possível conhecer a
realidade e escolher como fazer planejamento por intermédio de quatro modelos:
Determinista Puro: segue somente leis e a predição é exata e possível,
como a órbita da terra. Não há incertezas nem surpresas, pois todos os
problemas são bem-estruturados e dependem do conhecimento científi-
co do planejador.
Estocástico: segue leis probabilistas, em que todas as possibilidades são
enumeráveis e as probabilidades, também, são objetivamente conheci-
das. O exemplo claro são as leis de Mendel sobre a hereditariedade.
Incerteza Quantitativa: enumera as possibilidades. Difere do anterior
porque é impossível precisar as probabilidades objetivas de cada possi-
bilidade. Envolve cálculo científico sobre as possibilidades e as probabili-
dades. Apresenta vários planos de acordo com a quantidade de possibi-
lidades oferecidas, e o planejador aposta em determinada probabilidade,
se as possibilidades forem muitas.
Incerteza Dura: enumera somente algumas possibilidades, já que a to-
talidade é impossível. Não há como estabelecer probabilidades objetivas.
A capacidade de previsão para a maioria das variáveis é nula. Exige cál-
culos científicos parciais; a aposta é global e não mais numa probabilida-
de. Há precariedade na capacidade de previsão e a árvore de possibilida-
des futuras é nebulosa. O cálculo de risco é impossível. Seu sucesso vai
depender da capacidade de governo.
O PES enquadra-se no quarto modelo de planejamento para sistemas com-
plexos, o de Incerteza Dura. Situa o sujeito que planeja dentro da realidade que
vai receber os efeitos do planejamento, e não mais fora dela, como no caso do
planejamento normativo. O ator que planeja possui uma visão particular da reali-
dade e não tem controle sobre ela porque outros atores também a vêem ao seu
modo, planejam e estão competindo entre si, muitas vezes em situação de con-
fronto. A realidade que o planejamento pretende alcançar, não possui comporta-
mento previsível, não se submetendo a uma lei rígida, bem como o comportamen-
to dos demais atores geralmente muda de modo diferente daqueles imaginados
pela racionalidade do plano. Os recursos são escassos, os valores são diversos,
as formas de encarar os fatos são diferentes, os interesses são muitos e os crité-
rios de eficácia e eficiência não são uniformes.
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A Adoção do Modelo de Planejamento Estratégico Situacional no Setor Público Brasileiro: um Estudo de Caso
Há, então, a necessidade de sobrepujar ou se desviar da resistência ao
plano, por parte dos outros atores. Por isso, a concepção normativa do “deve ser”
fica deslocada, sendo necessário considerar o “pode ser” e a vontade de fazer.
Esse aspecto normativo ocorre somente num momento do estratégico e do
operacional, pois tudo o mais está carregado de incertezas, o que torna impossí-
vel enumerar todas as possibilidades e atribuir as probabilidades. Por isso, o mé-
todo do PES considera que o planejador está frente a um problema quase-
estruturado. Assim sendo, o final do plano está aberto a outras possibilidades
que não se pode imaginar. Trata-se de um grande jogo social, no qual existem
vários jogadores agindo, com a situação em constante mudança.
Um outro ponto destacado por Matus (1993) em seu trabalho, e que o dife-
rencia, é como ele enxerga o próprio governo dentro do processo de planejamen-
to público. Um conceito que permeia o PES em todos os seus momentos, e é fun-
damental para seu entendimento e eficácia, é o chamado Triângulo do Governo.
Tal triângulo seria composto de três vértices: o programa de governo, a capacida-
de do governo e a governabilidade do sistema. De acordo com Belchior (1999),
esses três vértices condicionam-se mutuamente e devem ser equacionadas simul-
taneamente.
O programa de governo diz respeito às propostas que o planejador, no caso,
o governo, tem em mente com base nos seus objetivos, considerando-se caracte-
rísticas e restrições relacionadas aos objetivos propostos. A capacidade de gover-
no é sua competência na condução dos processos e “refere-se ao acervo de téc-
nicas, métodos, destrezas, habilidades e experiências de um ator e sua equipe de
governo, para conduzir o processo social a objetivos declarados, dados a
governabilidade do sistema e o conteúdo propositivo do projeto de governo (MATUS,
1993: 61). A governabilidade do sistema compreende aquelas variáveis que farão
parte do processo de planejamento e que, por sua vez, podem ser divididas em
controladas (pelo ator do planejamento) e não-controladas. Ou seja, quanto mais
variáveis decisivas um ator controla, maior sua liberdade de ação e, por conse-
guinte, a governabilidade do sistema. A eficácia do planejamento estará direta-
mente ligada à compreensão deste ponto.
Matus (1996) coloca, ainda, que o PES busca a eficácia do processo do pla-
nejamento estratégico por meio das respostas a quatro questões, que ele deno-
mina de âmbitos diferenciadores do PES, também chamados de quatro momentos
do PES. A seguir, são sucintamente descritos cada um destes momentos e os
elementos que deles fazem parte.
PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DOS QUATRO
MOMENTOS DO PES
Momento Explicativo
Diferentemente do que ocorre nos modelos de planejamento geralmente
utilizados por empresas, há inúmeras explicações para os diversos fatos e ele-
mentos envolvidos no planejamento, e cada explicação dependerá
da interpreta-
ção dos atores envolvidos. De acordo com Matus (1996), o planejador deve expli-
car a realidade a partir da compreensão do processo de inter-relação entre os
problemas, para ter uma visão de síntese do sistema que os produz. O valor dos
problemas para cada ator social que participa do processo será geralmente dife-
renciado. Neste momento, é realizado o diagnóstico e a análise situacional.
A realidade tem tantas explicações quanto o número de jogadores que par-
ticipam do jogo social. Contudo, as explicações que interessam são dadas pelos
atores que têm influência sobre o jogo considerado. Esses atores são denomina-
dos de atores sociais. Portanto, toda explicação é situacional porque é feita a
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Francisco Sobreira Neto, Flávio Hourneaux Junior & Edison Fernandes Polo
partir da visão particular de um determinado ator, o que explica o nome do método
de Matus. Dentro da perspectiva do PES, um problema é o resultado insatisfatório
do jogo social para um ator desde que este o declare e se proponha a atacá-lo. A
descrição de um problema expressa os fatos que revelam sua existência e os
sintomas que o manifestam, na percepção do ator que o declara. Estes sintomas
se enumeram como um conjunto de descritores do problema, que passa a ser
chamado de Vetor de Descrição do Problema (VDP).
Têm-se, conseqüentemente, os elementos da explicação: as jogadas (flu-
xos); as capacidades (acumulações); e as regras do jogo (regras). As causas
imediatas do placar do jogo são as jogadas (fluxos). Para se produzirem jogadas
requerem-se capacidades de produção (acumulações). Mas as jogadas e as acu-
mulações pertinentes e válidas são as permitidas pelas regras do jogo (regras).
Todos estes componentes, considerados em conjunto, formam o VDP do problema.
Posteriormente, serão definidos os chamados nós críticos do problema,
pontos cruciais para a eficácia do processo. Um elemento é considerado nó crítico
se atender a três requisitos: a) tem alto impacto sobre o VDP do problema; b) é
um centro prático de ação, ou seja, algum dos jogadores deve poder agir de modo
prático, efetivo e direto sobre a causa; e c) é um centro oportuno de ação política
durante o período do plano. Ao conjunto dos nós críticos se dá o nome de Árvore
do Problema. Ao conjunto formado pela Árvore do Problema, mais os fatores
descritores do problema que não são críticos, dá-se o nome de Fluxograma
Situacional. Há três possibilidades de classificação das causas de um problema
de acordo com a influência do ator governo:
Dentro da governabilidade: sob controle total do ator (governo) que
explica e planeja;
Fora da governabilidade: fora do controle do ator, mas com alguma ou
nenhuma influência sobre as causas;
Fora do jogo: causas provenientes de outros problemas que têm outras
regras, outros jogadores e outros objetivos.
Momento Normativo
O Momento Normativo trata da formulação do plano, como objetivo de se
produzir as respostas de ação em um contexto de incertezas e surpresas (HUERTAS,
1996). Ele apresenta um direcionamento que reúne a situação inicial analisada e a
situação a qual se quer chegar (situação-objetivo), por meio desse direcionamento.
O VDP se torna agora em Vetor de Resultados (VDR) e irá refletir a proposta
do direcionamento dado a cada problema. O desenho da situação-objetivo identi-
ficará os nós críticos da rede sobre os quais atuará o planejador e que se tornarão
os pontos de ação futura. Neste momento, também, se constroem os cenários,
situações em que se imaginam diferentes possibilidades de ação, a partir de con-
dições e premissas variadas, considerando-se, inclusive, as contingências e sur-
presas que possam ocorrer durante o processo.
A síntese de todas estas possibilidades é feita pela Árvore de Apostas de
cada problema, com as respectivas operações descritas também no chamado Banco
de Operações, um conjunto de conhecimentos adquiridos e que servem de orien-
tação para a ação em cada situação. O resultado final será o desenho prévio das
operações para montagem do plano direcional. No entanto, é necessário que se
verifique a consistência do plano (viabilidade das situações propostas), com base
em dois aspectos:
Eficácia das operações para atingir a situação-objetivo:
Balanço entre os recursos requeridos para o seu desenvolvimento e os
disponíveis.
Portanto, o plano a ser formulado no momento normativo, para Huertas
(1996), é modular e dinâmico.
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A Adoção do Modelo de Planejamento Estratégico Situacional no Setor Público Brasileiro: um Estudo de Caso
Momento Estratégico
Nesse momento, identificam-se as diversas interações entre os atores e as
oportunidades e restrições que daí decorrem. Segundo Belchior (1999), o plano
direcional, definido anteriormente, será submetido à análise estratégica, decor-
rente dos seguintes aspectos:
Definição dos atores envolvidos com o plano e montagem da matriz de
afinidades e motivações;
Identificação dos recursos que são críticos para a viabilização do plano;
Construção da matriz de peso dos atores;
Realização da avaliação estratégica.
Tais ferramentas possibilitariam ao planejador “obter um plano direcional
que não seja apenas eficaz para alcançar a situação-objetivo, mas que também
seja viável do ponto de vista político, econômico e institucional-organizativo” (MATUS
apud BELCHIOR, 1999: 39). Segundo Huertas (1996: 69), este é o momento mais
complexo do processo, porque “aponta para o problema político de analisar e
construir a viabilidade do plano”. Se não houver uma interação entre os aspectos
técnicos e a viabilidade política do plano, certamente todo o processo se tornará
impraticável.
Momento Tático-Operacional
É o momento em que o plano se converte em ação. De Toni (2004) destaca
esta importância ao dizer que “não podemos esquecer que o planejamento estra-
tégico só termina quando é executado, é o oposto à visão tradicional do plano-livro
que, separando planejadores dos executores, estabelecia uma dicotomia insupe-
rável entre o conhecer e o agir”. Torna-se, portanto, imprescindível um
monitoramento constante das ações e dos resultados que delas advêm. Do ponto
de vista da administração estratégica, talvez seja este o momento mais complexo
do processo (BELCHIOR, 1999). Considerando tal dificuldade, Matus (1993) pro-
põe a divisão do direcionamento estratégico em cinco mecanismos distintos:
Gerência por operações: implementação de uma administração por ob-
jetivos, descentralizando a execução do plano, transferindo-se as res-
ponsabilidades aos respectivos órgãos;
Orçamento por programas: destinação dos recursos necessários pre-
vistos nos vários módulos do plano;
Petição e prestação de contas: estabelecimento dos procedimentos e
critérios de avaliação para os recursos e responsabilidades destinados a
cada órgão;
Planejamento de conjuntura: mediação entre o plano e as ações relati-
vas às questões que possam surgir no dia-a-dia da implementação do
plano.
Sala de situações: monitoramento intenso dos problemas de maior rele-
vância, para dar suporte às decisões dos dirigentes.
Matus apud Belchior (1999: 37) resume bem a compreensão sistêmica dos
quatro momentos citados e sua relação direta com o resultado do processo de
planejamento:
cada momento, se é dominante, articula os outros, como apoio a seu cálculo;
repetem-se constantemente, porém, com distinto conteúdo, tempo e situação;
nunca esgotam sua tarefa, sempre se regressa a eles; em uma data concreta os
problemas do plano se encontram em distintos momentos dominantes e, por
fim, cada momento requer ferramentas metodológicas particulares (MATUS apud
BELCHIOR, 1999:37).
Desta maneira, comentaram-se, sucintamente, os principais elementos do
PES. A seguir, descreve-se o estabelecimento do planejamento estratégico
situacional na CAT da Sefaz-SP e apresentam-se os principais resultados da im-
plantação.
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Francisco Sobreira Neto,
Flávio Hourneaux Junior & Edison Fernandes Polo
O PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO SITUACIONAL
NA CAT DA SEFAZ-SP
A CAT ANTERIOR AO PES
Segundo Fagundes (2003), em 1995, a estrutura organizacional da CAT re-
montava o ano de 1968 e passou por diversas alterações durante os anos. Ela se
caracterizava, principalmente, por rígida hierarquia, centralização das decisões e
verticalização da comunicação. As decisões não eram tomadas de modo articulado
(com o envolvimento das áreas envolvidas), e a filosofia de trabalho do fisco ca-
racterizava-se, principalmente, pela autuação dos sonegadores. Fiscalizar era si-
nônimo de lavrar autos de infração, ainda que seus resultados não
correspondessem à expectativa gerada, diante da disparidade do montante do
crédito apurado nas autuações e do efetivamente recolhido.
Contudo, as mudanças sociais, econômicas e políticas das duas últimas dé-
cadas, ao lado do desenvolvimento da tecnologia da informação e aumento de
tamanho e complexidade da máquina do Estado, passaram a exercer pressão
sobre a estrutura organizacional e modelo de gestão, tornando-os cada vez mais
inadequados. As necessidades de mudanças e de modernização da CAT decorre-
ram, também, do aumento das exigências da população que passou a demandar
serviços públicos de melhor qualidade e da própria necessidade interna de maior
rapidez, melhor qualidade das informações e controle mais eficazes dos recursos
arrecadados pelo Estado.
Em 1995, foi estabelecido um programa de modernização, denominado
Promocat, que teve início em janeiro de 1996, orçado em US$ 78,8 milhões, cujos
recursos seriam provenientes em iguais partes do Tesouro do Estado e do Banco
Interamericano de Desenvolvimento – BID. Sucintamente, a CAT de antes do
Promocat, segundo documento interno do programa, apresentava as seguintes
características:
Base de dados não confiável;
Inexistência de informações gerenciais;
Recursos humanos despreparados e desmotivados;
Estrutura organizacional inadequada;
Recursos materiais obsoletos;
Processos de trabalho anacrônicos;
Contribuinte considerado adversário;
Demora na identificação dos omissos da declaração de apuração do
imposto (40 dias);
Demora na detecção e cobrança da inadimplência (55 dias);
Valor do estoque da dívida impreciso;
Comprometimento do direcionamento fiscal;
Questionamento da competência da máquina fiscal;
Indução à sonegação e à inadimplência.
O PROJETO OEG-1 E O PLANEJAMENTO
ESTRATÉGICO DA CAT
Anteriormente ao programa de modernização, o planejamento estratégico
e o planejamento de operações fisco-tributárias da CAT eram desenvolvidos por
uma diretoria específica, denominada Diretoria de Planejamento da CAT – DIPLAT.
Com o advento do Promocat (Programa de Modernização da CAT), essa diretoria
acabou sendo extinta, devido aos seguintes motivos:
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A Adoção do Modelo de Planejamento Estratégico Situacional no Setor Público Brasileiro: um Estudo de Caso
Perda de suas atribuições relativas às questões estratégicas, assumi-
das temporariamente pelo programa de modernização, que atuava em
paralelo à organização formal da CAT;
Desvio de suas funções precípuas de planejamento, por haver assumido
atribuições de caráter burocrático e não alinhadas ao planejamento;
Descentralização funcional do planejamento tático-operacional por ou-
tras diretorias;
Falta de adequado alinhamento entre os objetivos das diretorias da CAT,
as quais procuravam alcançar os objetivos que julgavam adequados, às
vezes em dissonância com os objetivos das demais diretorias, e, por
vezes, de maneira conflitante, sem coordenação, com dispersão de es-
forços e sem foco na missão da coordenadoria.
Durante determinado período de tempo a CAT deixou de realizar o
planejamento de longo prazo. O Promocat, contudo, contemplava um projeto de-
nominado Gerenciamento pelas Diretrizes – OEG-1 –, que tinha por finalidade im-
plantar na CAT um modelo de gestão que priorizasse o planejamento estratégico.
De acordo com Fagundes (2003), o projeto OEG-1 acarretou a criação de dois
novos órgãos, fundamentais na estrutura da CAT. O primeiro órgão criado foi o
Conselho Superior da CAT, cujo principal atribuição era dotar a Coordenadoria de
uma gestão participativa. Dele fazem parte o coordenador, os coordenadores ad-
juntos e os diretores. Foi o primeiro passo no sentido de direcionar as ações das
diretorias para um alvo único. O segundo órgão criado foi a Assistência Fiscal de
Planejamento Estratégico da CAT – APECAT –, ligada diretamente ao gabinete do
Coordenador, com atribuições de executar as funções de planejamento e gestão
estratégica na Coordenadoria.
Na busca de capacitação para alcançar seus objetivos, a equipe do OEG-1
realizou pesquisas procurando conhecer outras experiências, como, por exemplo,
a do planejamento estratégico de diversos órgãos do governo norte-americano,
via GPRA – Government Performance Results Act. Contudo, a literatura de planeja-
mento e gestão estratégica, tão farta e variada para a atividade privada, para o
serviço público é ainda limitada, tanto no Brasil, quanto no exterior. Nesse momen-
to, deu-se início ao estudo da metodologia do Planejamento Estratégico Situacional.
Essa metodologia já vinha sendo empregada com sucesso em alguns órgãos pú-
blicos brasileiros (BELCHIOR, 1999).
O TRIÂNGULO DE GOVERNO NA CAT
Segundo os entrevistados, o conceito de Triângulo de Governo foi ampla-
mente discutido nas reuniões preliminares à concepção e implantação da nova
metodologia na CAT. Em um primeiro momento, não foi possível tratar de maneira
equilibrada os três vértices do Triângulo. Isto porque:
vértice Programa de Governo, que se refere ao conteúdo dos projetos
de ação que um ator se propõe a realizar para atingir seus intentos, foi
muito bem desenvolvido;
vértice Capacidade de Governo, que engloba as técnicas, métodos e
habilidades de um gestor e respectiva equipe de planejamento para con-
duzir o processo a fim de cumprir seus objetivos, gerou aspectos positi-
vos, como a criação da APECAT e os produtos do Promocat, e aspectos
negativos, como o conflito criado entre a estrutura paralela de gestão do
programa, mais ágil e simples, e a estrutura formal hierárquica da CAT;
vértice Governabilidade do Sistema, que engloba as variáveis de deci-
são controladas e não controladas (que fogem ao controle do gestor e
sua equipe), possibilitou identificar significativo número de nós críticos,
classificados como dentro da governabilidade.
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Francisco Sobreira Neto, Flávio Hourneaux Junior & Edison Fernandes Polo
Contudo, aqueles aspectos relacionados com a demanda de soluções fora
da governabilidade da organização não foram trabalhados. Entre os principais
motivos alegados para o desequilíbrio do triângulo foram mencionados:
Caráter pioneiro da iniciativa de implantação do PES;
Desconhecimento do método ou descrédito quanto aos resultados da
iniciativa de planejamento estratégico;
A resistência à mudança com a implantação do PES e opção de algumas
áreas por outras metodologias;
A complexidade do programa de governo desenhado;
Desconhecimento de especificidades próprias da aplicação do PES em
administrações de caráter fisco-tributário.
OS QUATRO MOMENTOS DO PES NA SEFAZ-SP
Com o auxílio de consultoria externa, contratada pelo programa de moder-
nização, a CAT deu início à implantação do PES com o desenvolvimento do momen-
to explicativo. Documento interno do projeto informa que o ator social que decla-
rou o problema foi o Conselho Superior da CAT. Informa, ainda, que o problema
declarado, diante das diretrizes do Programa CAT 2002, foi a baixa arrecadação
do ICMS em relação às expectativas do Estado. Considerando que não existem
meios de se medir níveis de sonegação, a equipe de planejamento trabalhou com
as possibilidades de incremento da arrecadação e combate à evasão do principal
imposto de competência estadual, ou seja, o Imposto sobre a Circulação de Mer-
cadorias
e Serviços – ICMS. Desse modo, o vetor de descrição do problema foi o
“d1: a arrecadação realizada corresponde a uma porcentagem da arrecadação
esperada”.
Começou-se, então, a desenhar um complexo fluxograma situacional, sen-
do realizado primeiramente o ordenamento horizontal das causas do problema,
identificando-se regras, acumulações e fluxos. Para melhor entendimento deste
desenho, tomou-se como exemplo o Sistema do Contencioso Administrativo, en-
tendido aqui como o conjunto de meios processuais ou de normas jurídicas regu-
ladoras das atividades dos tribunais administrativos ao serviço da garantia dos
particulares ou dos contribuintes de tributos. Desta forma, uma jogada constata-
da foi a morosidade no julgamento dos processos fisco-tributários. Na maior par-
te, estes processos são originados por autos de infração, lavrados por agentes
do fisco contra contribuintes que tenham cometido alguma irregularidade no cum-
primento de suas obrigações fiscais. Esta morosidade acontece por conta de um
Sistema de Contencioso Administrativo inadequado, ineficiente e ineficaz, que re-
Figura 1- Fluxograma Situacional (parte)
Fonte: Fagundes e Freire (2002: 26-28).
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A Adoção do Modelo de Planejamento Estratégico Situacional no Setor Público Brasileiro: um Estudo de Caso
presenta a acumulação. Já este Sistema é regido por uma regra segundo a qual
a legislação que orienta o processo do contencioso permite trâmite longo.
Segundo o ordenamento vertical das causas, que tratam da governabilidade
do ator, o fluxo e a acumulação do exemplo se encontram dentro da
governabilidade do Conselho Superior da CAT, e a regra fora da governabilidade,
porém dentro do jogo. A Figura 1 representa uma pequena parte do desenho
deste fluxograma.
Após o levantamento das causas do problema e montado o fluxograma
situacional, foram detectadas nove causas centrais, chamadas nós críticos. Dois
deles, Infra-Estrutura Inadequada ou Ineficiente (NC 11), ligada a uma outra
coordenadoria da Sefaz-SP, e a Legislação do Contencioso (NC 9), dependem da
Assembléia Legislativa Estadual. Desse modo, foram classificados como Fora da
Governabilidade, ou Região II da Figura 1. Verificou-se, ainda, que os outros sete
nós críticos, considerados como Dentro da Governabilidade do Conselho Superior
da CAT, Região I da Figura 1, concentravam-se na coluna de Acumulações, revelan-
do uma fragilidade da CAT na solução de seus problemas, ou seja, uma deficiência
em sua capacidade de governo. São eles:
Sistema do Contencioso Administrativo Inadequado, Ineficiente e Inefi-
caz (NC 1);
Perfil Profissional Inadequado (NC 2);
Carência de Instrumentos de Gestão Estratégica (NC 4);
Sistema Preventivo da Sonegação Fiscal Repressivo e Debilitado (NC 5);
Inadequação dos Sistemas de Informação Tributários (NC 6);
Sistema de Direcionamento dos Trabalhos Fiscais não induz aos Resulta-
dos de Arrecadação Esperados (NC 7);
Revisão do Prêmio de Produtividade (NC 8).
Observação: os nós críticos inicialmente criados como (NC 3) e (NC 10) fo-
ram posteriormente englobados pelos demais.
No momento normativo do PES, para cada nó crítico foi desenhada uma
operação com seus descritores, produtos e resultados esperados. Foram organi-
zadas equipes de trabalho para sua execução, sob a coordenação de um gestor
de operações que prestava contas ao Conselho Superior da CAT. Conforme
Fagundes (2003), o desenho das operações, ou plano direcional, foi feito em ses-
sões de trabalho denominadas oficinas, mediante grupos de trabalho constituídos
por integrantes de todas as áreas da CAT e por consultores convidados segundo
a especificidade e necessidade de aprofundamento dos temas. Para o NC 4 –
Carência de Instrumentos de Gestão Estratégica –, por exemplo, foi constituída a
Operação 4 (Gestão Estratégica). Para os demais foram criadas uma ou mais ope-
rações, conforme a menor ou maior complexidade do nó crítico.
De acordo com a metodologia do PES, e a fim de subsidiar o estudo de
possíveis cenários estratégicos, foi elaborada a Árvore de Resultados do Plano
Estratégico, na qual consta o detalhamento de todas as operações, dos produtos
e resultados esperados; ficando visível, a exemplo do que consta na Figura 1, de
maneira sucinta, tudo o que se pretende realizar e as relações de interdependência
entre operações. Ainda com o momento normativo, segundo relato dos entrevis-
tados, foi realizada a análise de consistência do plano, pelo exame de seus dois
principais aspectos: eficácia das operações e balanço entre recursos requeridos e
disponíveis. No entanto, o estudo de cenários possíveis se limitou ao desenho
daquele sob situação mais favorável. Não foi possível realizar a configuração para
um cenário desfavorável ou para um intermediário entre o otimista e o pessimista.
Este fato, segundo os planejadores, fez com que a implantação da metodologia
acontecesse de maneira parcial, ficando para um momento posterior o seu estudo
completo.
Não foram construídos os Planos de Contingência para cenários possíveis,
nem a Árvore de Apostas, constante da teoria do PES. O principal motivo, segundo
os planejadores, foram as necessidades de se absorver a arquitetura de projetos
implantada pelo Promocat no fluxograma situacional e de se apresentar resulta-
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Francisco Sobreira Neto, Flávio Hourneaux Junior & Edison Fernandes Polo
dos de curto prazo. A necessidade de apresentar resultados e de inserir os proje-
tos do programa de modernização nas competências ordinárias da CAT, já que
estavam sendo geridos e implantados numa estrutura paralela àquela formal da
CAT, fez com que o momento estratégico fosse deixado, também, para uma segun-
da fase do modelo de gestão estratégica da CAT. Desse modo, o plano direcional
definido no momento normativo acabou não se submetendo ao processo de aná-
lise estratégica, não sendo gerados: o rol dos atores envolvidos com o plano, o
desenho da matriz de afinidades e motivações, a identificação de recursos críticos,
a matriz de peso de atores e o desenvolvimento do cálculo estratégico, conforme
descritos no item 3.3.3.
O momento tático-operacional, também, foi parcialmente implantado, já que
dos cinco mecanismos de direção estratégica do PES, explicados no item 3.3.4,
apenas os dois primeiros se confirmaram: a gerência por operações, que visava à
implementação de uma administração por objetivos e a conseqüente
descentralização do plano, foi implantada com bons resultados; e o orçamento
por programas, que visava a respectiva destinação de recursos orçamentários
aos módulos operacionais do plano, mostrou-se eficiente e funcional. Por não ha-
ver maior conhecimento e experiência para a definição e controle de indicadores
de desempenho e de resultados dos projetos e operações, ficou prejudicada a
implantação do mecanismo de petição e prestação de contas, em que são expos-
tos os critérios e procedimentos de avaliação da aplicação dos recursos. Os itens
planejamento da conjuntura e sala de situações também não foram implantados,
sendo substituídas pelas discussões e deliberações do Conselho Superior da CAT.
PRINCIPAIS RESULTADOS E CONCLUSÕES
De acordo com Belchior (1999), a motivação que leva os órgãos de governo
a adotar o PES se fundamenta numa crise de realização, ou seja, na dificuldade
dos governos em concretizar as ações previamente definidas. A metodologia re-
cém-implantada contribuiu para a integração entre os órgãos subordinados a CAT,
facilitando a identificação de deficiências na capacidade técnico-administrativa da
organização e o alcance dos resultados desejados, bem como tirou o caráter pon-
tual e emergencial do planejamento das ações. Segundo os entrevistados, o mé-
todo melhorou a condução do processo decisório da CAT e deu maior coesão às
equipes de planejadores, diretores, gestores de operação e líderes de projeto,
por trabalharem com objetivos comuns formalmente definidos. Os entrevistados
deram destaque ao apoio, incentivo
e cobrança da alta direção da CAT, sem os
quais o desenho do plano poderia se transformar num mero instrumento de boas
intenções e se perder nos meandros do modelo burocrático dos órgãos públicos.
Com relação a uma possível mudança, trazida pelo PES, no relacionamento
das áreas-meio com áreas-fim, constatou-se que não foram percebidos movimen-
tos de resistência ou desconforto com as medidas aplicadas, talvez porque o PES
tenha sido implantado recentemente e de maneira parcial. Como o controle por
resultados depende da criação e implantação dos indicadores de desempenho,
ainda em fase de definição, não se pode afirmar ainda que o PES foi incorporado
pela CAT ou que o plano se constituiu, até o momento, em um mero instrumento
geral de administração.
Quanto ao perfil dos agentes de planejamento, observou-se que boa parte
dos integrantes da APECAT, dos gestores de operações e dos dirigentes regionais
do estado vem passando por um processo de capacitação contínuo, a fim de que
a cultura do planejamento não fique restrita ao staff da CAT, mas que seja dissemi-
nada pela organização. Constatou-se, com este processo, a necessidade de a
função de planejar ser desenvolvida por funcionários que tenham o perfil específi-
co para esta tarefa; e que, ao longo do processo, aqueles que se mostrarem
inaptos ou mais reticentes sejam substituídos ou estimulados a exercerem este
papel.
163o&s - v.13 - n.39 - Outubro/Dezembro - 2006
A Adoção do Modelo de Planejamento Estratégico Situacional no Setor Público Brasileiro: um Estudo de Caso
Ainda sob o aspecto da participação, apesar do esforço realizado na disse-
minação da cultura do planejamento pelas áreas, não foi possível aos funcionários
das áreas operacionais da CAT contribuírem para a definição das ações do PES. Os
servidores que atuam nas bases ainda se limitam a fazer ajustes naquilo que foi
estabelecido pelos superiores nas operações e projetos. O quadro 2 destaca, de
forma resumida, os principais aspectos positivos e as oportunidades de melhoria
identificados no caso estudado.
Quadro 2 - Aspectos Positivos e Oportunidades de Melhoria no
PES CAT-SEFAZ -
Fagundes (2003) afirma que a situação da CAT exige que novas estruturas
mentais sejam adotadas, também como conseqüência da tecnologia tornada dis-
ponível que levou a novos paradigmas de comportamento, sob pena de dilapidação
do grande capital acumulado até o momento, o que poderá ser evitado somente
com uma mudança da cultura organizacional. O PES foi definido e implantado par-
cialmente a partir do final de 2002, e desde então vem sendo constantemente
avaliado e redesenhado, principalmente em termos de definição de novos nós
críticos e conjunto de operações. Devido ao seu caráter dinâmico, segundo os
entrevistados, a APECAT teve como proposta para os anos seguintes:
formar a cultura do planejamento e de avaliação de resultados;
implantar os módulos não implantados do PES, com base em oito nós
críticos e sete operações recém-criados e na demanda de operação para
o triênio 2004-2006.
Desse modo, o artigo apresenta estudo realizado sobre as experiências de
implantação do PES na CAT da Sefaz-SP, evidenciando as características gerais do
modelo de planejamento adotado, os pontos fortes e as limitações da metodologia
do PES em determinado órgão da administração tributária, os principais resulta-
dos obtidos pela Sefaz-SP com a metodologia PES, o atendimento de necessida-
des de gestão estratégica e a incorporação do PES por outras áreas da organiza-
Fonte: criado pelos autores
o&s - v.13 - n.39 - Outubro/Dezembro - 2006164
Francisco Sobreira Neto, Flávio Hourneaux Junior & Edison Fernandes Polo
ção. O estudo trabalhou uma realidade específica e não pretendeu esgotar o as-
sunto, bem como não permite generalizações. Porém, pode servir de ponto de
partida para estudos em órgãos de administração tributária.
Por fim, destaca-se a afirmação constante do documento BID (2001:10),
relacionando modernização da administração pública com uma visão de gestão
corroborada pelos princípios do PES:
A modernização do estado é um processo de transformação cultural das
instituições públicas. Consiste em passar de um estado burocrático – passivo,
hierárquico e baseado em controles – para um estado flexível e dinâmico, cujo
modelo de gestão esteja fundamentado em três princípios básicos:
orientados para resultados e com capacidades de adaptação às mudanças
externas e às novas demandas da sociedade;
operado por gerentes e funcionários capacitados e comprometidos com suas
funções através de um processo de participação e responsabilidade compar-
tilhada;
sustentado no controle efetivo da sociedade, construído a partir de práticas
de transparência, ou seja, divulgação, participação e prestação de contas de
todos os atos da gestão pública.
O documento BID sugere, também, que a mudança cultural inerente ao pro-
cesso de modernização somente se concretiza a médio ou longo prazo, o que
pressupõe grande investimento em pessoas, métodos e informações. Sugere, ain-
da, que o desenvolvimento articulado e contínuo dos objetivos de eficiência
operacional (ênfase em tecnologia e informação), eficácia gerencial (ênfase em
métodos e instrumentos de gestão), transparência e controle social (ênfase nas
pessoas), e ética pública (ênfase em valores e princípios) são as bases de susten-
tação do processo de modernização da gestão pública na busca de uma adminis-
tração estratégica eficaz. Por fim, Fagundes e Freire (2002) concluem que o gran-
de desafio para os gestores públicos é a efetiva integração do quarto objetivo ao
processo de modernização, ou seja, a discussão e reflexão sobre os princípios e
práticas éticas em todos os níveis da organização.
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B_Texto_Unidade_II_artigo PES pref Santo Andre.pdf
 
A Evolução da Aplicação do Planejamento Estratégico Situacional na Administração 
Pública Municipal Brasileira: o Caso Santo André 
 
AUTORES 
FLAVIO HOURNEAUX JUNIOR 
Universidade de São Paulo 
flaviohjr@uol.com.br 
 
FRANCISCO SOBREIRA NETTO 
Universidade de São Paulo 
fsnetto@usp.br 
 
HAMILTON LUIZ CORREA 
Universidade de São Paulo 
hamillco@usp.br 
 
Resumo: O artigo apresenta a evolução do processo de gestão estratégica com a aplicação da 
metodologia do Planejamento Estratégico Situacional – PES, no contexto da administração 
pública da Prefeitura Municipal de Santo André, considerando dois períodos distintos: 
inicialmente de 1990 a 1996 e no período seguinte, que vai de 1997 a 2004. Trata-se de uma 
pesquisa exploratório-descritiva, com a utilização do método do estudo de caso, tendo sido 
selecionada uma experiência de destaque na administração pública direta brasileira, atendendo 
às condições de busca de maior familiaridade e novas percepções sobre a questão. Apresenta 
ainda alguns dos conceitos básicos da administração estratégica na administração pública; 
arrola as principais características da metodologia do PES, criado por Carlos Matus, a partir 
de suas experiências no governo chileno; expõe os avanços e as dificuldades obtidas pelo 
executivo municipal com a implementação do PES, em duas fases distintas; e, finalmente, 
apresenta as conclusões que resultaram do estudo, com destaque para a proposta de adoção de 
um modelo híbrido, no qual o PES e o Balanced Scorecard podem ser complementares. 
 
Abstract: The paper presents the evolution occurred in the strategic management process in 
the City of Santo André, Brazil, due to the application of Situational Strategic Planning – 
PES, in two different moments: first, from 1990 to 1996, and later, from 1997 to 2004. It 
consists in a both descriptive and exploratory research, using a case study, introducing a 
unique experience in the Brazilian public management, searching for more familiarity and 
new perceptions on the issue. The study displays some of the basic concepts on public 
strategic management; enlists the main characteristics of PES methodology, created by Carlos 
Matus, from his experiences in Chilean Government; shows the progresses and difficulties 
brought by the PES implementation in two distinct moments; and, finally, presents the 
conclusions and recommendations that come from the analysis, emphasising a proposal of an 
hybrid model, in which both PES and BSC may be complementaries. 
 
Palavras-chave: Administração Estratégica; Planejamento Estratégico Situacional; Balanced 
Scorecard 
 
 
 
1. Introdução 
 
A pesquisa sobre administração estratégica em organizações públicas e sem fins 
lucrativos de caráter privado, em pleno início de século XXI, ainda se ressente de mais e 
melhores estudos. Segundo Wortman (1979), teoria e pesquisa em organizações sem fins 
lucrativos se constituíam, há pouco tempo, num território virtualmente pouco explorado pelos 
estudiosos de administração estratégica. Hatten (1982) é um dos primeiros teóricos da 
administração estratégica que tentaram aplicar conceitos da matéria às áreas públicas ou às 
organizações sem fins lucrativos, porém com poucos casos práticos e resultados a serem 
discutidos. Montanari e Bracker (1986) indicam que a diversidade das premissas, por vezes 
conflitantes, propostas sobre as metas na organização sem fins lucrativos torna essencial se 
pensar sobre a real finalidade da organização, antes de se identificar opções estratégicas. 
A combinação entre competitividade de mercado e decisões empresariais direciona uma 
organização para alcançar seus objetivos, pondera Ansoff (1979). Contudo, estes fatores são 
virtualmente inexistentes em entidades prestadoras de serviços públicos sem objetivo de 
lucro. Segundo o autor, as organizações públicas têm um poder outorgado pela sociedade para 
fornecer os serviços necessários à manutenção da infra-estrutura social, que não são 
fornecidos pelo setor privado, tais como saneamento, assistência social, segurança pública, 
entre outros. Eck e Tubaki (1994) colocam que, ao contrário das organizações privadas, que 
competem com base na atuação de conquista dos mercados, as organizações públicas têm a 
sua atuação baseada no alcance dos objetivos sociais, o que justificaria a sua existência dentro 
da sociedade. Gaj (1986), em uma tentativa de sistematização do assunto, afirma que os 
elementos da estratégica no setor público são: a postura de mudança, o enfoque social, a 
revisão contínua das finalidades dos órgãos, a eficácia do sistema como exigência da 
comunidade, o desenvolvimento organizacional e a capacidade de administrar conflitos. 
Dentro desta concepção, em termos de estratégias e também em relação ao contexto 
público, é que se encontra a abordagem deste artigo. Primeiramente, trata-se do planejamento 
estratégico no contexto do setor público, descrevendo alguns conceitos e sua metodologia. Em 
seguida, faz-se uma explanação do método de Planejamento Estratégico Situacional - PES, 
que constitui a base teórica utilizada do caso estudado: o processo de planejamento estratégico 
realizado na prefeitura municipal de Santo André. Finalmente, são apresentadas as conclusões 
originadas com o estudo de caso e uma proposta de utilização de conceitos do PES, com a 
utilização complementar do BSC - Balanced Scorecard. 
 
2. Metodologia 
 
A pesquisa tem como fontes primárias informações do programa de diretrizes e metas 
para a prefeitura de Santo André, a pesquisa desenvolvida por Belchior (1999), bem como 
entrevistas pessoais não estruturadas e diretas, com os principais dirigentes responsáveis pela 
implementação da metodologia PES no município. Trata-se de uma pesquisa exploratória com 
a utilização do método do estudo de caso, tendo sido selecionada uma experiência de destaque 
na administração pública direta brasileira, atendendo às condições estabelecidas por Green, 
Tull e Albaum (1988) como pesquisa que visa identificar problemas, realizar um estudo mais 
aprofundado desses e formular novas opções de cursos de ação. 
Campomar (1991) observa que o método de estudo de casos implica numa análise 
profunda de um número relativamente pequeno de situações, sendo o mais apropriado para a 
investigação da complexidade dos fenômenos organizacionais, ao identificar as características 
mais expressivas
dos fatos da vida real, incluindo processos gerenciais e organizacionais. Yin 
(1989) reitera-o como cientificamente aceito e muito utilizado nos estudos experimentais. 
 
Selltiz et al. (1974) destacam que ao se trabalhar em áreas relativamente não 
exploradas, o estudo de exemplo selecionado é muito produtivo para incentivar o 
entendimento e sugerir novas intuições e novas hipóteses para outras pesquisas. Considerando 
que o trabalho está contextualizado nas condições e nos requisitos metodológicos definidos, o 
estudo visa, então, buscar algumas respostas para as seguintes questões: 
• Quais os principais resultados obtidos pela prefeitura de Santo André com a adoção da 
metodologia PES? Quais benefícios e dificuldades a adoção do PES trouxe? 
• A aplicação de conceitos e requisitos do PES atende a prefeitura de Santo André em suas 
necessidades de tratamento das questões estratégicas? 
Não está no âmbito do estudo avaliar a metodologia do PES propriamente dita, nem 
compará-la com outros métodos existentes.O estudo limita-se à experiência de concepção, 
implantação e evolução de um modelo de planejamento estratégico na administração pública 
municipal direta brasileira, com destaque para os benefícios trazidos e as oportunidades de 
melhoria identificadas, não permitindo generalizações. 
 
3. Referencial Teórico - 3.1. O Planejamento Estratégico Situacional (PES) 
 
O modelo do PES, consolidado nos anos 70, foi criado por Carlos Matus, após anos de 
pesquisa e de experiências efetuadas no governo do Chile, do qual foi ministro do 
planejamento e presidente do Banco Central. A principal proposta do autor com relação ao 
PES era de causar uma ruptura com relação aos modelos usados tradicionalmente no 
planejamento, estratégico ou não, do setor público. Essa ruptura se daria se a questão fosse 
respondida: “é possível um planejamento onde as técnicas econômicas e de investigação 
política se estruturem em uma nova síntese metodológica que, ao mesmo tempo, amplia seu 
universo de ação e a faça mais eficaz como método de governo?” (Belchior, 1999:28). 
O PES é uma metodologia recente e exclusiva ao setor público, e não uma adaptação. 
Segundo Huertas (1996:22-23), é “um método e uma teoria de Planejamento Estratégico 
Público [...] Foi concebido para servir aos dirigentes políticos, no governo ou na oposição. 
Seus temas são os problemas públicos e é também aplicável a qualquer órgão cujo centro do 
jogo não seja exclusivamente o mercado, mas o jogo político, econômico e social”. 
Há, portanto, significativas diferenças entre o planejamento estratégico tradicional e o 
PES. Trata-se, como Huertas (1996) afirma, de um novo enfoque, distinto do padrão vigente. 
O processo de planejamento não é um ato isolado. Ele influencia o ambiente social e por este 
é influenciado, um ambiente em que a incerteza é uma constante e no qual a ação do governo, 
enquanto ator preponderante, não é tão livre e independente como se poderia pensar. Além 
disso, as situações ou problemas que ocorrem ou podem vir a ocorrer apresentam 
possibilidades quase infinitas de combinações entre os diversos atores sociais, sendo que tais 
problemas geralmente possuem uma grande complexidade e são apenas semi-estruturados, 
com várias possibilidades de solução eficaz, dependendo do enfoque utilizado. 
Huertas (1996), considera o planejamento como uma ferramenta de governo, operando 
em sistemas complexos, sendo assim possível conhecer a realidade e escolher como fazer 
planejamento por intermédio de alguns modelos. O PES permite situra o sujeito que planeja 
dentro da realidade que vai receber os efeitos do planejamento, e não mais fora dela, como no 
caso do planejamento normativo. O ator que planeja possui uma visão particular da realidade 
e não tem controle sobre ela porque outros atores também a vêem a seu modo, planejam e 
estão competindo entre si, muitas vezes em situação de confronto. A realidade que o 
planejamento pretende alcançar, não possui comportamento previsível, não se submetendo a 
uma lei rígida, bem como o comportamento dos demais atores geralmente muda de modo 
diferente daqueles imaginados pela racionalidade do plano. Os recursos são escassos, os 
 
valores são diversos, as formas de encarar os fatos são diferentes, os interesses são muitos e 
os critérios de eficácia e eficiência não são uniformes. 
Há, então, a necessidade de sobrepujar a resistência ao plano por parte dos outros atores. 
Por isso, a concepção normativa do “deve ser” fica deslocada, sendo necessário considerar o 
“pode ser” e a vontade de fazer. Esse aspecto normativo ocorre somente num momento do 
estratégico e do operacional, pois tudo o mais está carregado de incertezas, o que torna 
impossível enumerar todas as possibilidades e atribuir as probabilidades. Por isso, o PES 
considera que o planejador está frente a um problema quase-estruturado. Trata-se de um jogo 
social, onde existem vários jogadores agindo, com a situação em constante mudança. Um 
outro ponto destacado por Matus (1993, e que o diferencia, é como ele enxerga o próprio 
governo dentro do processo de planejamento público. Um conceito que permeia o PES em 
todos os seus momentos, e é fundamental para seu entendimento e eficácia, é o chamado 
Triângulo do Governo. Este seria composto de três vértices: o programa de governo, a 
capacidade do governo e a governabilidade do sistema. De acordo com Belchior (1999), 
esses três vértices condicionam-se mutuamente e devem ser equacionadas simultaneamente. 
O programa de governo diz respeito às propostas que o planejador, no caso, o 
governo, tem em mente com base nos seus objetivos, considerando-se características e 
restrições relacionadas aos objetivos propostos. A capacidade de governo é sua competência 
na condução dos processos e “refere-se ao acervo de técnicas, métodos, destrezas, habilidades 
e experiências de um ator e sua equipe de governo, para conduzir o processo social a objetivos 
declarados, dados a governabilidade do sistema e o conteúdo propositivo do projeto de 
governo" (Matus, 1993:61). A governabilidade do sistema compreende aquelas variáveis 
que farão parte do processo de planejamento e que, por sua vez, podem ser divididas em 
controladas (pelo ator do planejamento) e não-controladas. Ou seja, quanto mais variáveis 
decisivas um ator controla maior sua liberdade de ação e, por conseguinte, a governabilidade 
do sistema. A eficácia do planejamento estará diretamente ligada à compreensão deste ponto. 
Matus (1996) afirma ainda que o PES busca a eficácia do processo do planejamento 
estratégico através das respostas a quatro questões, que ele denomina de âmbitos 
diferenciadores do PES, também chamados de quatro momentos do PES. A seguir, são 
sucintamente descritos cada um destes momentos e os elementos que deles fazem parte. 
 
a) Momento explicativo 
Diferentemente do que ocorre nos modelos utilizados por empresas, há inúmeras 
explicações para os diversos fatos e elementos envolvidos no planejamento e cada explicação 
dependerá da interpretação dos atores envolvidos. De acordo com Matus (1996), o planejador 
deve explicar a realidade a partir da compreensão do processo de inter-relação entre os 
problemas, para ter uma visão de síntese do sistema que os produz. O valor dos problemas 
para cada ator social que participa do processo será geralmente diferenciado. Neste momento 
são realizados o diagnóstico e a análise situacional. 
A realidade tem tantas explicações quanto o número de jogadores que participam do 
jogo social. Contudo, as explicações que interessam são dadas pelos atores que têm influência 
sobre o jogo considerado, denominados de atores sociais. Portanto, toda explicação é 
situacional porque é feita a partir da visão particular de um determinado ator, o que explica o 
nome do PES. Dentro desta, um problema é o resultado insatisfatório do jogo social para um 
ator desde que este o declare e se proponha a atacá-lo. A descrição de um problema expressa
os fatos que revelam sua existência e os sintomas que o manifestam, na percepção do ator que 
o declara. Estes sintomas são enumerados como um conjunto de descritores do problema, que 
passa a ser chamado de Vetor de Descrição do Problema (VDP). 
Têm-se, conseqüentemente, os elementos da explicação: as jogadas (fluxos); as 
capacidades (acumulações); e as regras do jogo (regras). As causas imediatas do placar do 
 
jogo são as jogadas (fluxos). Para se produzirem jogadas requerem-se capacidades de 
produção (acumulações). Mas as jogadas e as acumulações pertinentes e válidas são as 
permitidas pelas regras do jogo (regras). Todos estes componentes formam o VDP. 
Posteriormente, serão definidos os chamados nós críticos do problema, pontos cruciais 
para a eficácia do processo. Um elemento é considerado nó crítico se atender a três requisitos: 
a) tem alto impacto sobre o VDP do problema; b) é um centro prático de ação, ou seja, algum 
dos jogadores deve poder agir de modo prático, efetivo e direto sobre a causa; e c) é um 
centro oportuno de ação política durante o período do plano. Ao conjunto dos nós críticos se 
dá o nome de Árvore do Problema. Ao conjunto formado pela Árvore do Problema mais os 
fatores descritores do problema que não são críticos dá-se o nome de Fluxograma 
Situacional. Há três possibilidades de classificação das causas de um problema de acordo 
com a influência do ator governo: (a) Dentro da governabilidade: sob controle total do ator 
(governo) que explica e planeja; (b) Fora da governabilidade: fora do controle do ator, mas 
com alguma ou nenhuma influência sobre as causas; e (c) Fora do jogo: causas provenientes 
de outros problemas que têm outras regras, outros jogadores e outros objetivos. 
 
b) Momento Normativo 
O Momento Normativo trata da formulação do plano, com objetivo de se produzir as 
respostas de ação em um contexto de incertezas e surpresas (Huertas, 1996). Ele apresenta um 
direcionamento que reúne a situação inicial analisada e a situação a qual se quer chegar 
(situação-objetivo). O VDP se torna agora em Vetor de Resultados (VDR) e irá refletir a 
proposta do direcionamento dado a cada problema. O desenho da situação-objetivo 
identificará os nós críticos da rede sobre os quais atuará o planejador e que se tornarão os 
pontos de ação futura. Neste momento também se constroem os cenários, situações em que se 
imaginam diferentes possibilidades de ação, a partir de condições e premissas variadas, 
considerando-se as contingências e surpresas que possam ocorrer durante o processo. 
A síntese de todas estas possibilidades é feita pela Árvore de Apostas de cada 
problema, com as respectivas operações descritas também no chamado Banco de Operações, 
um conjunto de conhecimentos adquiridos e que servem de orientação para a ação em cada 
situação. O resultado será o desenho prévio das operações para montagem do plano 
direcional. No entanto, é necessário que se verifique a viabilidade das situações propostas, 
baseada em dois aspectos: a eficácia das operações para atingir a situação-objetivo e o 
balanço entre os recursos requeridos para o seu desenvolvimento e os disponíveis. Para 
Huertas (1996) o plano a ser formulado no momento normativo é modular e dinâmico. 
 
c) Momento Estratégico 
Neste momento identificam-se as diversas interações entre os atores e as oportunidades 
e restrições que daí decorrem. Segundo Belchior (1999), o plano direcional, definido 
anteriormente, será submetido à análise estratégica, decorrente dos seguintes aspectos: 
• Definição dos atores envolvidos e montagem da matriz de afinidades e motivações; 
• Identificação dos recursos que são críticos para a viabilização do plano; 
• Construção da matriz de peso dos atores; 
• Realização da avaliação estratégica. 
Tais ferramentas possibilitariam ao planejador “obter um plano direcional que não seja 
apenas eficaz para alcançar a situação-objetivo, mas também viável do ponto de vista político, 
econômico e institucional-organizativo” (Belchior, 1999:39). Segundo Huertas (1996:69), este 
é o momento mais complexo do processo, porque “aponta para o problema político de analisar 
e construir a viabilidade do plano”. Se não houver uma interação entre os aspectos técnicos e 
a viabilidade política do plano, certamente todo o processo tornar-se-á impraticável. 
 
 
d) Momento Tático-Operacional 
É o momento em que o plano se converte em ação. De Toni (2004), destaca esta 
importância ao dizer que “não podemos esquecer que o planejamento estratégico só termina 
quando é executado, é o oposto à visão tradicional do plano-livro que, separando planejadores 
dos executores, estabelecia uma dicotomia insuperável entre o conhecer e o agir”. Torna-se, 
portanto, imprescindível um monitoramento constante das ações e dos resultados que delas 
advêm. Do ponto de vista da administração estratégica, talvez seja este o momento mais 
complexo do processo (Belchior, 1999). Considerando esta dificuldade, Matus (1993) propõe 
a divisão do direcionamento estratégico em cinco mecanismos distintos: 
• Gerência por operações: implementação de uma administração por objetivos, 
descentralizando a execução do plano, transferindo-se as responsabilidades aos respectivos 
órgãos; 
• Orçamento por programas: destinação dos recursos necessários previstos nos vários 
módulos do plano; 
• Petição e prestação de contas: estabelecimento dos procedimentos e critérios de 
avaliação para os recursos e responsabilidades destinados a cada órgão; 
• Planejamento de conjuntura: mediação entre o plano e as ações relativas às questões 
que possam surgir no dia-a-dia da implementação do plano. 
• Sala de situações: monitoramento intenso dos problemas de maior relevância, para dar 
suporte às decisões dos dirigentes. 
Matus apud Belchior (1999:37) resume bem a compreensão sistêmica dos quatro 
momentos citados e sua relação direta com o resultado do processo de planejamento: “cada 
momento, se é dominante, articula os outros, como apoio a seu cálculo; repetem-se 
constantemente, porém, com distinto conteúdo, tempo e situação; nunca esgotam sua tarefa, 
sempre se regressa a eles; em uma data concreta os problemas do plano se encontram em 
distintos momentos dominantes e, por fim, cada momento requer ferramentas metodológicas 
particulares”. Desta maneira, comentou-se sucintamente os principais elementos do PES. 
 
4. O PES na Prefeitura de Santo André - o período 1990-1996 
 
Segundo Belchior (1999), a administração superior do município identificou nove 
grandes limitações na abordagem de gestão estratégica até então adotada. Entre elas, 
indefinições quanto às responsabilidades e competências dos setores, processos obsoletos, 
política de comunicação desarticulada, estrutura organizacional inadequada, gerenciamento 
sem foco para objetivos e iniciativas de planejamento desintegradas e informais. Na busca de 
uma solução abrangente que pudesse atender a todas as demandas, a equipe de governo 
conheceu a metodologia do PES e o adotou como linha mestra de gestão estratégica. 
Assim, a partir de 1990, o PES foi incorporado à cultura organizacional e implementado 
a partir de cinco ações que mereceram destaque: o seminário para todos os atores do processo 
de planejamento; o detalhamento do triângulo de governo, já referenciado; o primeiro 
exercício de equilíbrio deste triângulo; a montagem da sala de situações; e os sucessivos 
ajustes do triângulo após o equilíbrio inicial. A implantação propriamente dita do PES na 
prefeitura foi precedida pelo estabelecimento de um amplo fórum de debates entre o executivo 
maior e as diversas secretarias que compunham a estrutura organizacional da organização, 
culminando com a escolha de agentes de planejamento das áreas. 
Estes agentes, afastados de suas funções por três meses, foram fundamentais no 
detalhamento do triângulo de governo, agindo desde então como atores do processo, e 
posteriormente, no trabalho de ajustes do plano e criação de mecanismos
de controle e 
acompanhamento de projetos e ações, nos dois anos subseqüentes. Belchior (1999), em 
resumo, revela as motivações que originaram a adoção do PES no executivo municipal: 
 
• dificuldade do governo em concretizar ações previamente definidas (crise de realização); 
• deficiências relativas à capacidade financeira e à governabilidade inicialmente 
desapercebidas; 
• expectativa do método se constituir numa ferramenta na condução do processo de decisão 
de um governo em torno de suas prioridades e gerar coesão na equipe gestora; 
• expectativa de incorporação do instrumento gerencial pela hierarquia da organização e 
não apenas a constituição de um instrumento geral de controle de projetos e ações; 
• necessidade de um instrumento de sistematização das informações para maior 
transparência ao processo de participação popular e segurança em relação aos 
compromissos firmados com a comunidade; 
• necessidade de instrumento de prestação de contas e acompanhamento de projetos à 
sociedade local, para redução do conflito dotação orçamentária versus ações prioritárias. 
 
1º. vértice do triângulo: o programa de governo: Ficou explicitamente evidenciado 
durante o processo de detalhamento dos projetos e identificação dos problemas da área de 
planejamento que um aspecto não estava claro, qual seja, o programa de governo. Segundo os 
entrevistados, acreditava-se inicialmente de que o motor do processo de gestão estratégica 
encontrava-se no vértice capacidade de governo. Contudo, somente com uma carta de 
intenções ou um programa de governo distante da clareza dos propósitos e visando uma 
quantidade grande de projetos sem o estabelecimento de critérios de prioridade, a gestão 
estratégica da prefeitura não alcança eficiência e eficácia. Durante o processo de detalhamento 
de projetos e problemas, e por conseguinte, de implantação do PES, complementa Belchior 
(1999), constatou-se que a capacidade econômica da organização se constituía de fato numa 
limitação, mas que se encontrava apenas obscurecida pelos problemas técnico-administrativos 
mais visíveis. Como, por exemplo, previsões de receitas superestimadas e necessidades de 
recursos econômicos insuficientes diante do detalhamento e especificação dos projetos 
prometidos, bem como no estabelecimento de objetivos comuns e eficácia na priorização dos 
projetos de governo. 
 
2º. vértice do triângulo: a capacidade de governo: No que se refere à competência do 
ator e sua equipe de governo na condução das ações da prefeitura, os entrevistados deram 
maior destaque à criação da figura do agente de planejamento das áreas. Funcionários-chave 
de todas as secretarias da administração municipal foram convidados a desempenhar o papel 
de planejadores setoriais, trabalhando de maneira integrada com os demais, trazendo o 
conhecimento específico de suas áreas e, por sua vez, tomando conhecimento do todo da 
organização. Treinados na metodologia e afastados de suas funções corriqueiras por três 
meses, estes agentes puderam detalhar os principais problemas de capacidade apontados 
preliminarmente pela alta administração da prefeitura, indicando possíveis ações para resolvê-
los. Em que pese não ser tarefa fácil juntar interesses de áreas, às vezes difusos ou até mesmo 
conflitantes entre si, Belchior (1999) destaca que este movimento dos agentes de 
planejamento proporcionou uma maior coesão entre equipes de trabalho, e por conseqüência, 
uma maior sintonia entre os setores. Alguns entrevistados viram nesta ação características de 
sinergia não encontradas antes da implantação e discussão dos conceitos do PES. O que se 
pode constatar também é que o grau de coesão é influenciado pela escolha dos membros que 
irão compor a equipe dos agentes de planejamento e é inversamente proporcional à respectiva 
autonomia de decisões. Isto é facilmente explicável uma vez que sendo um agente mais 
político do que técnico, sua autonomia e representatividade é maior, podendo gerar menos 
coesão. Se o funcionário for escolhido por critérios de capacidade técnica e confiança, a 
coesão acontece com maior freqüência; contudo a autonomia para a condução do processo e 
tomada de decisão é menor. Unânime é a visão de que o agente de planejamento precisa de 
 
um perfil pré-determinado para ocupar a função. Os entrevistados confirmaram que com a 
aplicação do método PES tanto os funcionários das áreas-fim quanto o das áreas-meio da 
prefeitura se sentiram um pouco incomodados com a obrigação de prestarem conta de suas 
atividades com maior freqüência e riqueza de detalhes, quebrando ainda o aspecto cultural de 
que determinado problema era sempre de responsabilidade de outra área, consolidando a visão 
de que a solução era tarefa de todos os setores. 
 
3º. vértice do triângulo: a governabilidade do sistema: Segundo Belchior (1999) um 
dos motivos preponderantes que geraram a opção pelo PES foi a existência do vértice da 
governabilidade do sistema, característica não encontrada nas demais metodologias de gestão 
estratégica estudadas pela alta administração municipal. Paradoxalmente, após a implantação 
parcial do PES, este vértice foi o menos trabalhado e o que provocou, segundo os 
entrevistados, o desequilíbrio do triângulo. Alguns entrevistados acusam até a falta de 
entendimento da teoria PES neste quesito como causa de sua não implementação. Outros 
afirmam que as variáveis dentro da governabilidade da prefeitura, conhecidas como 
controladas, foram devidamente trabalhadas, havendo o consenso, entretanto, de que as não 
controladas sequer foram elencadas. No que se refere às variáveis controladas, a utilização da 
metodologia se restringiu aos projetos ditos prioritários e de natureza mais geral de governo. 
Nos demais projetos e mesmo no universo das secretarias e nos escalões inferiores, a cultura 
do PES não foi eficientemente disseminada ou incorporada pela máquina de governo. 
Momento Explicativo: Segundo os entrevistados, foram elencados os vários atores, 
conforme estabelecido na teoria da metodologia, sendo o principal deles a própria alta 
administração do município. É o ator que vem declarar os problemas de gestão estratégica da 
prefeitura. Contudo, os vetores de descrição de problema; a divisão em fluxos, regras e 
acumulações; a definição dos nós críticos; o desenho da árvore de problemas; e o fluxograma 
de análise situacional não foram detalhados. O que se pode verificar é que os principais 
conceitos do método foram aproveitados pela organização mas o desenvolvimento dos 
instrumentos de planejamento e a sua formalização não foram executados. 
Momento Normativo: Este item foi prejudicado pela falta de formalização do anterior, 
principalmente no que se refere ao Vetor de Descrição de problema, que aqui iria se 
transformar no vetor de resultados. De acordo com os entrevistados, não foi executado. 
Momento Estratégico: Conforme Belchior (1999), este momento foi parcialmente 
implantado. Foi efetuada a definição dos atores envolvidos, como descrito no momento 
explicativo. Realizou-se também a identificação dos recursos críticos para a viabilização do 
plano. Em contrapartida, não foi desenhada a matriz de afinidades e motivações, bem como a 
construção da matriz de peso dos atores e a avaliação estratégica. 
Momento Tático-Operacional: Na teoria, este seria o momento subseqüente aos 
demais e dependente da sua concretização. A prática mostrou que quatro dos cinco 
mecanismos para o direcionamento estratégico descritos por Matus foram contemplados, 
mesmo com a falta de consecução de importantes requisitos constantes dos momentos 
anteriores. Não se tem registro apenas do planejamento de conjuntura, conforme descrito no 
referencial teórico.Entre a gerência por operações, o orçamento por programas, a petição e 
prestação de contas e a sala de situações, Belchior (1999) destaca esta última como a mais 
controversa e complexa. No que se refere à sala de situações, algumas críticas quanto a sua 
atuação foram mencionadas
pelos entrevistados. Dentre as principais encontra-se a de ter 
assumido funções operacionais que não lhes cabia e ter desempenhado tarefas de assessoria 
política que não eram de sua competência, como também ter deixado de lado 
responsabilidades próprias como as de: se relacionar com os agentes de planejamento; 
estabelecer um sistema de controle de ações e não só controle sobre projetos mais visíveis; 
propor a revisão do triângulo de governo, entre outras. Entre as virtudes, a de ter garantido 
 
que as ações de acompanhamento de projetos de fato se concretizassem ou que não ficassem 
paralisadas. 
 
5. O PES na Prefeitura de Santo André - o período 1997-2004 
 
A partir das experiências aprendidas no primeiro período, durante o qual se iniciou a 
adoção da metodologia pelo executivo municipal, observou-se a manutenção do PES como 
instrumento básico de todo o processo de planejamento e administração estratégica do órgão. 
No entanto, algumas de modificações foram introduzidas em relação ao primeiro período, 
conforme descrição a seguir. 
 
1o. vértice do triângulo: o programa de governo: A primeira grande mudança foi a 
criação do conceito de “marcas” do governo, ou seja, desafios que pudessem destacar a 
administração municipal, do ponto de vista de grandes realizações, que seriam percebidas pela 
população e teriam grande efeito sobre ela, possibilitando, dessa forma, uma continuidade no 
processo político da cidade. As cinco “marcas” ou desafios que foram definidos foram: 
modernização; participação do cidadão; inclusão social; desenvolvimento econômico e cidade 
agradável. Com estes programas como prioritários para a administração, o que se viu foi uma 
modificação na estrutura do governo, ou seja, mudanças nas secretarias e departamentos, em 
que as novas estratégias definiriam como seriam alocados os recursos e as pessoas para 
atender a esses programas (melhorando, conseqüentemente, também o vértice de capacidade 
de governo). Assim, o programa do governo passou a ser traduzido em uma lista de projetos, 
que, dentro do conceito estabelecido de “marcas”, seria a expressão da linha ideológica do 
governo e passariam a nortear a ação de uma forma mais coesa. 
 
2o. vértice do triângulo: a capacidade de governo: A partir de 2000, a secretaria de 
planejamento estratégico passou a trabalhar conjuntamente com a coordenação de indicadores 
sócio-econômicos, visando monitorar melhor os efeitos das ações implantadas no município. 
Desse momento em diante, o orçamento do município tornou-se um importante instrumento 
de coordenação por parte da Secretaria do Governo. Dessa forma, com um controle financeiro 
centralizado, ampliou-se a capacidade de controle dos programas que se pretendia realizar, o 
que propiciou um maior alinhamento às estratégias previstas pelo plano de governo. Em 2002, 
esse conceito foi ampliado ainda mais. Criou-se a Secretaria do Orçamento e Planejamento 
Participativo, órgão que passou a controlar o processo orçamentário, dentro da perspectiva de 
participação da comunidade na definição dos programas e dos respectivos recursos alocados. 
Esse enfoque possibilitou que a secretaria de Participação do Cidadão também fizesse parte 
do processo orçamentário. 
 
3o. vértice do triângulo: a governabilidade do sistema: Outro ponto importante trata 
do monitoramento do vértice de governabilidade do triângulo de governo, considerado como 
o mais problemático e complexo.Quando do primeiro período, a sala de situações, 
instrumento criado para monitorar o processo, era um staff subordinado diretamente ao 
prefeito. Já em 1997 foram criados dois outros instrumentos, em substituição à sala de 
situações: a sala do plano, que desenvolvia assuntos relativos aos dois outros vértices do 
triângulo do governo: o programa e a capacidade do governo, ou seja, temas mais ideológicos 
e técnicos, respectivamente; enquanto que a sala da governabilidade era criada para lidar 
exclusivamente com assuntos eminentemente políticos, isto é, o vértice do triângulo referente 
à governabilidade. Além disso, com a implementação dos conceitos de gestão de projetos, o 
monitoramento da situação, por si só, já caracteriza uma tentativa de se diminuir os 
recorrentes problemas de governabilidade. 
 
Momento Explicativo: O momento explicativo trata da tentativa de explicação da 
realidade, através do processo de definição do vetor de descrição do problema, e 
conseqüentemente a árvore do problema e o fluxograma situacional. O que se percebe é que 
há somente uma análise primária dos atores sociais, que seria a base para o desenvolvimento 
das ferramentas citadas. Tal ocorrência é explicada devido à complexidade e abrangência do 
conceito, pela demora do processo e pela falta de recursos para realizá-lo. 
Momento Normativo: Como conseqüência do item anterior, sem o vetor de descrição 
dos problemas estruturado, não é possível transformar o Vetor de Descrição do Problema em 
Vetor de Resultados (VDR) e propor direcionamento aos problemas analisados e atuação 
futura junto nós críticos da rede. Apesar disso, são construídos vários cenários para os 
problemas analisados. No entanto, a proposta de Matus de um plano modular e dinâmico é 
respeitada, devido às revisões e atualizações constantes. 
Momento Estratégico: Como citado no momento explicativo, é realizada a análise dos 
atores sociais, um dos conceitos básicos defendidos por Matus na proposta do PES. A 
importância deste fator tem sido percebida pelo governo municipal de Santo André, com a 
exploração do conceito em termos de identificação dos atores, sua importância e a sua posição 
em termos estratégicos, se favorável ou desfavorável, muito embora a viabilização das 
recomendações seja extremamente complexa. Esta análise tem sido feita para os problemas 
mais impactantes e que requerem maiores cuidados e não de uma forma mais abrangente e 
completa, como se refere o criador do PES, devido a sua complexidade inerente. 
Momento Tático-Operacional: Como se viu acima, há uma preocupação com o 
eficiente monitoramento do ambiente, que justifica a implementação de um programa de 
gestão de projetos. A visualização e ação corretiva, bem como a prestação de contas relativas 
a sua participação no orçamento, caracterizam o recomendado a ser feito no momento tático-
operacional do PES. As mudanças de estrutura – novas secretarias e transformação da sala de 
situações, em sala do plano e sala da governabilidade – também se inserem nas medidas 
recomendadas por Matus. Finalmente, conforme os entrevistados, três pontos são chaves para 
que se obtenha a eficácia desejada do governo: 
• A qualidade do processo de Planejamento Estratégico; 
• O acompanhamento dos projetos em andamento; 
• A verificação do desempenho do governo 
No entender deles, os dois primeiros itens são satisfatórios e caminham para uma 
melhoria, enquanto que o terceiro ainda é uma nova frente a ser encarada pelos governantes. 
 
6. Conclusão e Considerações Finais 
 
Entre os principais benefícios obtidos com a implantação do PES na administração 
municipal de Santo André pode-se destacar: o detalhamento do programa de governo, suas 
ações e respectivas repercussões nas áreas financeira, administrativa e política da prefeitura; o 
planejamento compartilhado por todas as áreas da organização, com a criação da figura do 
agente de planejamento; a coesão e a sinergia de equipes verificadas após a aplicação da 
metodologia; a possibilidade da organização definir critérios de prioridades e o rumo de 
governo em função delas; o acompanhamento efetivo e a concretização de projetos 
prioritários de governo; o monitoramento das ações de governo com a associação da secretaria 
de planejamento estratégico com a coordenação de indicadores sócio-econômicos. 
As dificuldades consideradas mais relevantes foram: a dificuldade de trabalhar o vértice 
da governabilidade; o viés trazido à implementação do PES pela falta de formalização dos 
vetores de descrição
de problemas, da divisão em fluxos, regras e acumulações, da definição 
dos nós críticos, da definição do vetor de resultados e principalmente do detalhamento do 
fluxo de análise situacional; a falta de implantação dos instrumentos do momento estratégico; 
 
a falta de clareza na atribuição da competência da sala de situações e do limite de atuação dos 
agentes de planejamento; a falta de revisão continuada do triângulo de governo. 
No caso específico de Santo André pode-se constatar, pelo exposto nos itens 4 e 5, que 
o PES se constituiu num mecanismo de modernização da gestão pública trazendo significativo 
avanço na área de planejamento e gestão estratégica do município. Considere-se ainda que 
este avanço foi alavancado pela inexistência de iniciativa sedimentada de planejamento 
estratégico anterior a 1990. No entanto, a falta de implementação de conceitos básicos do 
método como o desenho do fluxograma de análise situacional, da definição dos nós críticos, 
dos vetores de descrição do problema e dos vetores de resultados, compromete a análise mais 
profunda da eficiência e eficácia da metodologia. Desde sua implantação, há 14 anos, até os 
dias de hoje, a administração municipal ainda se ressente de uma maior maturidade do 
processo de planejamento e gestão e de um engajamento maior nos instrumentos do PES. 
Belchior (1999) em sua pesquisa sugere uma incursão maior do método nas áreas ditas 
tático-operacionais, de tal forma que todos os setores da administração possam utilizá-lo 
efetivamente como instrumento gerencial. Sugere ainda a necessidade urgente da definição 
das variáveis do processo de planejamento, divididas em controladas e não-controladas, a fim 
de que competências e ações dentro da governabilidade da organização sejam efetivamente 
cobradas de seus respectivos atores, bem como sejam disparados mecanismos de acionamento 
de atores fora da governabilidade municipal. 
Entre os entrevistados houve consenso num aspecto fundamental da gestão estratégica 
pública, qual seja, o da definição de medidas de desempenho. Não foi encontrado no 
referencial teórico do PES um instrumento explícito para criação e acompanhamento de 
indicadores de desempenho. Conforme os entrevistados, apenas um dos 38 projetos em 
andamento, no ano de 2004, possui algum tipo de indicador de desempenho, criado 
independentemente dos instrumentos propostos pela metodologia. Esta ausência de 
indicadores se constitui na principal crítica apontada pelos entrevistados para a evolução e 
consolidação do PES em Santo André. 
Para Corrêa (1986), as organizações públicas não realizam a mensuração e avaliação 
de seu desempenho de forma adequada, para a qual propõe uma metodologia específica. Esta 
afirmação também encontra suporte em Kiesling (1967), Poole et al (2000), Kaplan e Norton 
(2001) e Robinson (2003). Kaplan e Norton (2001), propõem o Balanced Scorecard (BSC) 
como uma ferramenta capaz de traduzir a visão e a estratégia das organizações no 
desenvolvimento de medidas de desempenho organizacional, em suas diversas divisões, para 
a constituição de um painel de controle onde a organização possa ser monitorada e 
acompanhada segundo critérios financeiros e não-financeiros. Como colocam Kaplan e 
Norton apud Nørreklit (1999:68), outra vantagem da utilização do BSC seria o seu uso como 
sistema de controle estratégico, além do natural emprego como sistema de mensuração, sendo 
que, dentre outros, obter-se-ia como benefício adicional, além daqueles citados 
anteriormente, o estabelecimento de uma relação entre os objetivos estratégicos e metas de 
longo prazo e orçamentos anuais. Assim, a implantação do BSC poderia ser utilizada, 
também, para o controle estratégico do processo orçamentário (Kaplan & Norton, 2001:152). 
Além disso, segundo os autores, o BSC pode ser utilizado simultaneamente a outras 
ferramentas e técnicas, com benefícios que podem advir da sua utilização integrada (Kaplan 
& Norton, 2001:156). 
Avocando o entendimento de Selltiz et al. (1974), descrito no item 2, de que um 
exemplo selecionado pode sugerir novas intuições e novas hipóteses de pesquisa, é que os 
autores formulam a seguinte questão: sendo o PES uma metodologia de planejamento e gestão 
estratégica de órgãos de governo, cuja base teórica não contempla com clareza a formulação 
de medidas de desempenho, mas dispõe de instrumentos eficientes de diagnóstico de 
problemas, formulação e implementação de estratégias, planejamento e gestão de projetos, 
 
entre outros; e o BSC um método conhecido, e bastante estudado na iniciativa privada, de 
criação e acompanhamento de indicadores de desempenho organizacional, por que não 
associá-los naquilo que cada um tem de mais positivo? Poderia o método do BSC ser 
complementar ao método do PES, em órgãos do setor público? 
A hipótese de uma solução híbrida PES-BSC não pôde ser confirmada com o estudo de 
caso da prefeitura municipal de Santo André, mas não invalida novas pesquisas em outros 
órgãos da administração pública que façam a opção por uma metodologia de planejamento e 
gestão estratégica voltada para as especificidades do setor de governo associada a outra 
metodologia, voltada ao desenvolvimento de medidas de desempenho organizacional. 
 
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B_Texto_Unidade_II_oqueePES.pdf
O que é o Planejamento Estratégico Situacional?
 
 Por 
JACKSON DE 
TONI
Economista, Técnico 
em Planejamento da 
Secretaria de 
Planejamento do Rio 
Grande do Sul e 
professor 
universitário na 
ULBRA e UERGS 
VERSÃO 
WORD [ZIP]
 
 
O que é o Planejamento Estratégico Situacional? 
 
“Um governo não pode ser melhor que a organização que comanda.” 
C. Matus (em “Adeus, Senhor Presidente”) 
 
O Planejamento Estratégico e Situacional, sistematizado originalmente pelo 
Economista chileno Carlos Matus[1], diz respeito à gestão de governo, à 
arte de governar. Quando nos perguntamos se estamos caminhando para 
onde queremos, se fazemos o necessário para atingir nossos objetivos, 
estamos começando a debater o problema do planejamento. A grande 
questão consiste em saber se somos arrastados pelo ritmo dos 
acontecimentos do dia-a-dia, como a força da correnteza de um rio, ou se 
sabemos onde chegar e concentramos nossas forças em uma direção 
definida. O planejamento, visto estrategicamente, não é outra coisa senão a 
ciência e a arte de construir maior governabilidade aos nossos destinos, 
enquanto pessoas, organizações ou países. 
O processo de planejamento portanto diz respeito a um conjunto de 
princípios teóricos, procedimentos metodológicos e técnicas de grupo que 
podem ser aplicados a qualquer tipo de organização social que demanda um 
objetivo, que persegue uma mudança situacional futura. O planejamento não 
trata apenas das decisões sobre o futuro, mas questiona principalmente qual 
é o futuro de nossas decisões. 
Se tentamos submeter o ritmo do desenvolvimento dos acontecimentos à 
vontade humana devemos imediatamente pensar que governar em situações 
complexas exige exercer a prática do planejamento estratégico até seu 
último grau. Para atingir este objetivo será necessário entender e ultrapassar 
muitos pré-conceitos em relação à atividade de planejamento no setor 
público. 
Equívocos comuns sobre o conceito e a prática do planejamento: 
I. “planejar é uma coisa, fazer é outra...”: frase utilizada com 
freqüência para tentar minimizar ou ridicularizar o esforço de planejamento 
na organização de sistemas. Esta visão surge normalmente em contextos 
institucionais que tem precário ou nenhum planejamento, opõe processos 
supostamente antagônicos mas que, na verdade, são parte de um único 
momento, é na ação concreta que o plano se decide e prova sua 
importância. Os métodos de planejamento tradicionais, ao ignorar a variável 
política, cortaram o caminha para o diálogo entre plano e gestão, relação 
absolutamente imprescindível para casar o “planejar” com o “fazer”. 
II. “o planejamento engessa a organização...”: ao invés da decisão 
meramente intuitiva e lotérica, da administração do dia-a-dia, estabelecem-
se critérios, metas, objetivos, diretrizes de longo prazo, enfim, o 
planejamento é um exercício sistemático de antecipação do futuro e é 
intensivo em gestão. A crítica ao Planejamento como uma “camisa-de-força” 
normalmente surge das organizações que perdem a base clientelística ou 
 
http://www.espacoacademico.com.br/032/32ctoni.htm (1 of 9)20/08/2012 17:51:11
http://www.espacoacademico.com.br/032/32ctoni.zip
http://www.espacoacademico.com.br/032/32ctoni.zip
O que é o Planejamento Estratégico Situacional?
corporativa quando sistemas de planejamento participativo são implantados. 
Uma organização que pensa e planeja estrategicamente cria condições para 
o surgimento da liderança baseada na democracia interna e na delegação de 
autoridade, o monolitismo político e o dirigente autoritário surgem, quase 
sempre, no ambiente de ausência de planejamento estratégico e 
participativo. 
III. “O Planejamento é um rito formal, falado em código e 
desprovido de substância...”: este preconceito está muito associado com 
o próprio elitismo intelectual que o planejamento tradicional e seus 
defensores construíram ao longo de décadas venerando modelos abstratos e 
inúteis. Neste caso será sempre verdade o ditado que diz ser o improviso 
sempre preferível ao planejamento malfeito, isto é, burocrático, formalista. O 
ritualismo mata o “bom” planejamento e condena à mediocridade dirigentes 
e funcionários. No mercado das consultorias organizacionais é comum o 
surgimento de “novas” técnicas e modelos esotéricos de planejamento ou 
temas afins. As siglas se proliferam e poucas delas tem realmente conteúdo 
prático e a aplicabilidade necessária. Quando se caminha para níveis cada 
vez mais abstrato de raciocínio, variáveis cada vez mais agregadas e grandes 
sínteses políticas é fácil descolar-se da realidade concreta e esta armadilha 
tem apanhado muitos planejadores. Nesta situação é sempre recomendável 
associar a intuição e o bom-senso - a expertise que falta para muitos - com 
as técnicas e modelos racionais adotados em qualquer manual de 
planejamento. 
IV. “o planejamento é obra de pura técnica, deve ser neutro...”: é 
evidente que os planejadores devem ter conhecimento técnico mínimo sobre 
o que planejam. Tais conhecimentos podem ser apreendidos de forma 
padrão e uniforme, estão acumulados historicamente nos mais diversos 
setores do conhecimento humano. Entretanto, no setor público 
especialmente, seria um suicídio “planejado”, fazer planos sem incluir as 
variáveis de poder e da política na sua concepção e execução. Não existe 
planejamento neutro, pelo simples fato de que planejar é priorizar e resolver 
problemas e isto pressupõe uma determinada visão-de-mundo, concepção de 
Estado, de organização social e assim por diante. Planejar estrategicamente 
implica necessariamente em manipular variáveis políticas, em situações de 
poder compartilhado, onde os “outros” também planejam e formulam 
estratégias. O planejamento que se diz meramente técnico na verdade 
resulta em simples adivinhação e charlatanismo intelectual. 
A superação da visão tradicional requer uma mudança de postura intelectual 
e governamental, compreender que não cabe ao planejamento predizer o 
futuro, mas buscar viabilidade para criar o futuro, como uma ferramenta que 
amplia o arco de possibilidades humanas, um instrumento de liberdade. 
A “visão situacional” do PES 
Os principais argumentos que sustentam o Planejamento Estratégico e 
Situacional[2] podem ser assim resumidos: 
Mediação entre o Presente e o Futuro. Todas as decisões que tomamos 
hoje tem múltiplos efeitos sobre o futuro porque dependem não só da minha 
avaliação sobre fatos presentes, mas da evolução futura de processos que 
não controlamos, fatos que ainda não conhecemos. Portanto os critérios que 
utilizamos para decidir as ações na atualidade serão mais ou menos eficazes 
se antecipadamente pudermos analisar sua eficácia futura, para nós mesmos 
e para os outros. Qual o custo da postergação de problemas complexos ? 
Que tipo de efeitos futuros determinada política pública resultará ? Estes 
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O que é o Planejamento Estratégico Situacional?
impactos futuros aumentarão ou diminuirão a eficácia do nosso projeto de 
governo ? Tais perguntas dizem respeito ao necessário exercício de 
simulação e previsão sobre o futuro, quando devemos adotar múltiplos 
critérios de avaliação e decisão. 
É necessário prever possibilidades quando a predição é impossível: 
na produção de fatos sociais, que envolvem múltiplos atores criativos que 
também planejam, a capacidade de previsão situacional e suas técnicas 
devem substituir a previsão determinística, normativa e tradicional que 
observa o futuro como mera conseqüência do passado. Decorre desta 
percepção a necessidade de elaborar estratégias e desenhar operações
para 
cenários alternativos e surpresas, muitas vezes, não imagináveis. 
Capacidade para lidar com surpresas: o futuro sempre será incerto e 
nebuloso, não existe a hipótese de governabilidade absoluta sobre sistemas 
sociais, mesmo próximo desta condição há sempre um componente 
imponderável no planejamento. Devemos então, através de técnicas de 
governo apropriadas, preparar-nos para enfrentar surpresas com planos de 
contingência, com rapidez e eficácia, desenvolvendo habilidades 
institucionais capazes de diminuir a vulnerabilidade do plano. 
Mediação entre o Passado e o Futuro: o processo de planejamento 
estratégico se alimenta da experiência prática e do aprendizado institucional 
relacionados aos erros cometidos. Portanto será preciso desenvolver meios 
de gestão capazes de aprender com os erros do passado e colocar este 
conhecimento a serviço do planejamento. 
Mediação entre o Conhecimento e a Ação: o processo de planejamento 
pode ser comparado a um grande cálculo que não só deve preceder a ação, 
mas presidí-la. Este cálculo não é obvio ou simples, é influenciado e 
dependente das múltiplas explicações e perspectivas sobre a realidade, só 
acontece, em última instância, quando surge a síntese entre a apropriação 
do saber técnico acumulado e da expertise política. É um cálculo técno-
político, pois nem sempre a decisão puramente técnica é mais racional que a 
política, e vice-versa. O cálculo estratégico dissociado da ação, será 
completamente supérfluo e formal, por sua vez, se a ação não for precedida 
e presidida pelo cálculo estratégico então a organização permanecerá 
submetida à improvisação e ao ritmo da conjuntura. 
O enfoque proposto de planejamento, portanto, não é um rito burocrático ou 
um conhecimento que possa ser revelado a alguns e não a outros, mas uma 
capacidade pessoal e institucional de governar – que envolve a um só tempo 
perícia e arte -, de fazer política no sentido mais original deste termo. O 
processo de planejamento não substitui a perícia dos dirigentes, nem 
o carisma da liderança, ao contrário, aumenta sua eficácia porque coloca 
estes aspectos a serviço de um projeto político coletivo. Neste modo de ver a 
política, o governo e o planejamento ninguém detém o monopólio sobre o 
cálculo estratégico e sistemático sobre o futuro, há uma profunda diferença 
em relação ao antigo “planejamento do desenvolvimento econômico e social” 
tão comuns nos órgãos de planejamento de toda América Latina e 
particularmente na tradição brasileira. 
A concepção tradicional de Planejamento e a nova concepção
Os métodos mais tradicionais de planejamento são extremamente 
normativos, impessoais e se dizem neutros, pois se pretendem amparados 
na “boa técnica de planejamento”. Vejamos como se estruturam 
teoricamente tais visões: 
http://www.espacoacademico.com.br/032/32ctoni.htm (3 of 9)20/08/2012 17:51:11
O que é o Planejamento Estratégico Situacional?
Há sempre um ator que planeja e os demais são simples agentes econômicos 
com reações completamente previsíveis. O planejamento pressupõe um 
“sujeito” que planeja, normalmente o Estado, e um “objeto” que é a 
realidade econômica e social. O primeiro pode controlar o segundo. 
As reações dos demais agentes ou atores são previsíveis porque seguem 
leis e obedecem a prognósticos de teorias sociais bem conhecidas. O 
Diagnóstico é pré-condição para o planejamento, ele é verdadeiro e objetivo 
(segue do comportamento social) , portanto, único possível, não explicações 
alternativas dos demais atores. 
O sistema gera incertezas, porém são numeráveis, previsíveis enquanto tais, 
não há possibilidade de surpresas não-imagináveis. 
O ator social que planeja não controla todas variáveis, mas as variáveis 
não-controladas não são importantes ou determinantes, não tem um 
comportamento criativo ou são controladas por outros atores. 
Há nesta visão, uma aparente governabilidade, gerada pela ilusão de que 
as variáveis não controladas simplesmente não são importantes. A 
governabilidade e a capacidade de governar são reduzidas e absorvidos, em 
última instância, pela aparente pujança do projeto político (que é 
“verdadeiro” per si e portanto, auto-legitimado). Neste cenário só há uma 
teoria e técnica de planejamento, além do mais, suas deficiências não 
aparecem como problema a ser resolvido, os dirigentes se concentram mais 
nas relações de mando e hierarquia e no tempo gasto na tentativa de corrigir 
a ineficácia dos projetos (gestados convencionalmente). 
Uma concepção estratégica de planejamento – como a proposta pelo PES - 
parte de outros postulados. Na realidade social há vários agentes que 
planejam com objetivos conflitivos. A eficácia do meu plano depende da 
eficácia das estratégias dos meus oponentes e aliados. Não uma única 
explicação para os problemas, tampouco uma única técnica de 
planejamento. Neste modelo de poder compartilhado a teoria normativa e 
tradicional do planejamento perde toda sua validade. Normalmente 
pensamos que se nada deve mudar o planejamento é muito eficaz, embora 
desnecessário, por outro lado, se tudo está rapidamente mudando o 
planejamento é pouco eficaz, embora muito necessário. Este paradoxo 
aparente se dissolve quando abandonamos a idéia equivocada que associa o 
planejamento ao exercício inconseqüente da pura futurologia. Pensar 
estrategicamente neste novo enfoque pressupõe colocar as relações 
iniciativa-resposta de agentes criativos no lugar das relações causa-efeito, 
típica dos sistemas naturais. 
O cálculo de planejamento é sempre interativo porque, sendo a eficácia do 
nosso plano dependende da eficácia do plano dos outros atores, há um 
componente de incerteza primordial, que é diferente de processos sociais 
repetitivos ou das relações das ciências naturais. Há portanto uma carga 
intensiva em formulação de estratégias e recursos de gestão, o oposto ao 
“plano-livro” estático e tradicional. O ator que planeja está inserido num jogo 
de final aberto, onde o próprio tempo já tem conceitos diferenciados 
conforme a percepção de múltiplos agentes em situação de poder 
compartilhado. Isto não quer dizer, entretanto que se rejeitem instrumentos 
e ferramentas metodológicas comumente utilizadas no planejamento 
normativo, ao contrário, tais ferramentas adquirem uma utilização ainda 
mais pragmática e eficaz. 
 
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O que é o Planejamento Estratégico Situacional?
Podemos resumir os postulados teóricos deste enfoque metodológico nos 
seguintes argumentos: 
O sujeito que planeja está incluído no objeto planejado. Este por sua 
vez é constituído por outros sujeitos/atores que também fazem planos e 
desenvolvem estratégias. Deste contexto surge o componente de incerteza 
permanente e o cálculo interativo que exige intensa elaboração estratégica e 
um rigoroso sistema de gestão. O caráter modular do enfoque estratégico 
deriva desta necessidade de redimensionar, agregar, combinar diferentes 
operações em diferentes estratégias. 
O “diagnóstico” tradicional, único e objetivo, já não existe mais, no lugar 
surgem várias explicações situacionais. Como os demais atores possuem 
capacidades diferenciadas de planejamento, a explicação da realidade 
implica em diferentes graus de governabilidade sobre o sistema social. 
Não há mais comportamentos sociais previsíveis e relações de causa-efeito 
estabelecidas. O “juízo estratégico” de cada ator determina a complexidade 
do jogo aberto e sem fim. A realidade social não pode mais ser explicada por 
modelos totalmente analíticos, a simulação estratégica assume nesse 
contexto uma relevância destacada. 
O planejamento deve centrar sua atenção na conjuntura, no jogo imediato 
dos atores sociais, o contexto conjuntural do plano representa uma 
permanente passagem entre o conflito, a negociação e o consenso, é onde 
tudo se decide. Na conjuntura concreta acumula-se ou não recursos de poder 
relacionados ao balanço político global
da ações de governo. É por isso que 
“planeja quem governa”, e “governa” quem, de fato planeja. Quem tem 
capacidade de decisão e responsabilidade de conduzir as políticas públicas 
deve obrigatoriamente envolver-se no planejamento. A atividade de 
coordenação, assim, é indissociável do planejamento, que é , também, uma 
opção por um tipo organização para a ação que refere-se a oportunidades e 
problemas reais. 
Os problemas sociais são mal-estruturados, no sentido de que, não 
dominamos, controlamos e sequer conhecemos um conjunto de variáveis 
que influenciam os juízos estratégicos dos demais agentes sociais 
envolvidos. Não há portanto como determinar com exatidão as 
possibilidades de eficácia do plano ou os resultados esperados em cada 
ação. Governar com plano estratégico mais do que resolver problemas 
significa promover um intercâmbio de problemas quando nosso objetivo é 
que problemas mais complexos e de menor governabilidade cedam lugar a 
outros menos complexos e de maior governabilidade. 
O planejamento não é monopólio do Estado, nem de uma força social 
situacionalmente dominante. O planejamento sempre é possível e seu 
cumprimento não depende de variáveis exclusivamente econômicas, 
qualquer ator, agente ou força social tem maior ou menor capacidade de 
planejamento e habilidades institucionais. 
A visão normativa e a visão estratégica não existem em “estado puro” na 
prática do planejamento e nas técnicas de governo, embora a maioria dos 
órgãos públicos e da geração de técnicos trabalhe sobre influência 
predominante da primeira. 
Os momentos de aplicação do enfoque metodológico básico do PES 
O enfoque participativo e estratégico do planejamento, no plano geral, é 
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O que é o Planejamento Estratégico Situacional?
estruturado através de quatro grandes passos, ou fases que podem ser 
recursivas e não-lineares, mas que representam um sequenciamento 
lógico da elaboração teórica do planejamento. A seguir suas características 
básicas. 
I . Momento Explicativo: no planejamento tradicional a realidade é dividida 
em setores e o método dos planejadores é tão fragmentado quanto são os 
departamentos dos órgãos de planejamento. O conceito de setor além de 
muito genérico e pouco prático é uma imposição analítica. O planejamento 
estratégico situacional propõe trabalhar com o conceito de problemas. A 
realidade é composto de problemas, oportunidades e ameaças. Esta 
categoria permite sintetizar a noção de explicação da realidade em suas 
múltiplas dimensões (inter-disciplinar) com a noção de direcionalidade do 
ator: saber selecionar e identificar problemas reais (atuais ou potenciais) e 
distinguir causas de sintomas e conseqüências já é mudar radicalmente a 
prática tradicional dos “diagnósticos” convencionais. Explicar a realidade por 
problemas também permite o diálogo e a participação com setores populares 
que afinal sofrem problemas concretos e não “setores” de planejamento, 
além de facilitar a aproximação entre “técnicos” e “políticos”. Na explicação 
da realidade temos que admitir e processar a informação relativa a outras 
explicações de outros atores sobre os mesmos problemas, isto é, a 
abordagem deve ser sempre situacional, posicionada no contexto. 
II. Momento Normativo: após a identificação, seleção e priorização de 
problemas, bem como o debate sobre as causas, sintomas e efeitos estamos 
prontos para desenhar o conjunto de ações ou operação necessárias e 
suficientes para atacar as causas fundamentais dos problemas (também 
chamadas de Nós Críticos). Esta é a hora de definir o conteúdo propositivo 
do plano. O central neste modelo de planejamento é discutir a eficácia de 
cada ação e qual a situação objetivo que sua realização objetiva, cada 
projeto e isso só pode ser feito relacionando os resultados desejados com os 
recursos necessários e os produtos de cada ação. Os planos normativos 
normalmente terminam aqui, onde o planejamento situacional apenas 
começa, para que ações tenham impacto efetivo e real na causa dos 
problemas há ainda dois passos ou momentos fundamentais, o estratégico e 
o tático-operacional. 
III. Momento Estratégico: se a realidade social não pode ser fragmentada 
em diferentes “setores”, se outros “jogadores” existem e tem seus próprios 
planos, se o indeterminismo e as surpresas fazem parte do cotidiano, então 
o debate sobre a viabilidade estratégia das ações planejadas não é só 
necessário como indispensável. Toda estratégia é uma exploração consciente 
do futuro, ela resulta da situação diferenciada dos vários atores em relação à 
problemas, oportunidades e ameaças. A parte a grande quantidade de 
conceitos envolvendo o termo “estratégia” aqui vamos adotá-la com um 
conjunto de procedimentos práticos e teóricos para construir viabilidade para 
o plano, para garantir sua realização com máxima eficácia. Dois 
instrumentos-processos cabem aqui: a análise de cenários e a análise 
criteriosa dos demais atores sociais ou agentes. Os cenários representam 
distintas reflexões, limitadas pela qualidade da informação disponível, sobre 
possíveis “arranjos” econômicos, institucionais, políticos, sociais, etc., 
capazes de influenciar positiva ou negativamente a execução das ações 
planejadas. Ao permitir a simulação sobre as condições futuras os cenários 
permitem a antecipação das possíveis vulnerabilidades do plano e a 
elaboração de planos de contingência necessários para minimizar os 
impactos negativos. Já a análise dos demais agentes envolvidos no espaço 
do problema-alvo do plano é imprescindível para identificar o possível 
interesse e motivação de cada um e o tipo de pressão que é (ou será) 
exercida em relação às ações planejadas. É obvio dizer que a elaboração de 
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O que é o Planejamento Estratégico Situacional?
cenários e o “estudo do outro” só tem um grande objetivo: desenhar as 
melhores estratégias para viabilizar a máxima eficácia ao plano. 
IV. Momento Tático-Operacional: é o momento de fazer, de decidir as 
coisas, de finalmente agir sobre a realidade concreta. É quando tudo se 
decide e por isso do ponto-de-vista do impacto do plano é o momento mais 
importante. Neste momento é importante debater o sistema de gestão da 
organização e até que ponto ele está pronto para sustentar o plano e 
executar as estratégias propostas. Para garantir uma resposta positiva será 
preciso acompanhar a conjuntura detalhadamente e monitorar não só o 
andamento das ações propostas, mas também a situação dos problemas 
originais. Deve-se reavaliar criticamente todo o processo interno de tomada 
de decisões, o sistema de suporte à direção, como os sistemas de 
informações, devem ser revistos e reformulados. Outros temas vitais neste 
momento são a estrutura organizacional, o fluxo interno de informações, a 
coordenação e avaliação do plano, o sistema de prestação de contas, as 
ferramentas gerenciais existentes e necessárias e finalmente a forma, 
dinâmica e conteúdo da participação democrática na condução do plano. Não 
podemos esquecer que o planejamento estratégico só termina quando é 
executado, é o oposto à visão tradicional do “plano-livro” que, separando 
planejadores dos executores, estabelecia uma dicotomia insuperável entre o 
conhecer e o agir. 
Conclusão – O PES na prática. 
O PES é um método que pressupõe constante adaptação a cada situação 
concreta onde é aplicado. Entretanto os principais momentos tendem a 
utilizar instrumentos metodológicos parecidos. Em síntese são trabalhados 
nesta ordem: 
Momento Explicativo (substitui o antigo “diagnóstico”): Análise do Ator que 
planeja (limites e potencialidades, ambiente interno e externo), identificação 
e seleção de problemas estratégicos, montar os Fluxos de explicação do 
problemas com as cadeias causais respectivas, seleção das causas 
fundamentais – chamadas de Nós Críticos como centros
práticos de ação, 
construção da Árvore de Resultados a partir de uma Situação-Objetivo 
definida pelo grupo. 
Momento Operacional: desenhar ações ou projetos concretos sobre cada 
Nó Crítico – as chamadas Operações do Plano, definir para cada Operação 
necessária os recursos necessários, os produtos esperados e os resultados 
previstos, construir cenários possíveis onde o plano será executado, analisar 
a trajetória do conjunto das operações em cada cenários e – a partir disto – 
tentar diminuir a vulnerabilidade do Plano. 
Momento Estratégico: analisar os Atores Sociais envolvidos no Plano, seus 
interesses, motivações e poder em cada uma das Operações previstas e 
cenários imaginados, definir a melhor estratégia possível para cada trajetória 
traçada, estabelecer um programa direcional para o plano, construir 
viabilidade estratégica para atingir a Situação-Objetivo. 
Momento Tático-Operacional (sistema de gestão): debate sobre as 
formas organizativas, a cultura organizacional e o modus operandi da 
organização de modo a garantir a execução do plano. Neste momento devem 
ser encaminhados os seguintes temas: funcionamento da agenda da direção, 
sistema de prestação de contas, participação dos envolvidos, gerenciamento 
do cotidiano, sala de situações e análise sistemática da conjuntura. 
http://www.espacoacademico.com.br/032/32ctoni.htm (7 of 9)20/08/2012 17:51:11
O que é o Planejamento Estratégico Situacional?
A tecnologia de aplicação do PES é extremamente simples: (a) se apóia em 
visualização permanente, usando cartelas ou tarjetas[3], (b) ambientes 
normais, não é necessário nenhum tipo de sofisticação e (c) os tempos 
necessários de trabalho intensivo costumam ser de aproximadamente 40 ou 
50 horas. A realização de um seminário de Planejamento utilizando o PES 
mobiliza muito as tensões internas e faz aflorar conflitos muitas vezes 
ocultos pela rotina burocrática. Neste sentido é sempre recomendável o uso 
de técnicas e dinâmicas de grupo (como os jogos dramáticos, por exemplo) 
para trabalhar positivamente tais tensões e processos grupais. 
Entretanto, pode apresentar algumas desvantagens, principalmente se não 
sofrer as adaptações metodológicas e operacionais necessárias: (a) 
normalmente a qualidade do método depende muito da qualidade do 
facilitador ou monitor que conduz o uso das técnicas e ferramentas 
necessárias. Isto recomenda o máximo cuidado na escolha do Consultor; (b) 
ele é um sistema metodológico tão potente, quanto complexo e motivador de 
compromissos coletivos, só é eficaz se a alta direção participar de todas 
atividades previstas, pelo tempo necessário e (c) não deve ser usado para 
solução de problemas não-complexos ou rotinas administrativas de baixo 
conflito, nestes casos a relação benefício-custo não é adequada. 
O Método do Planejamento Estratégico e Situacional é antes de tudo um 
potente enfoque metodológico, com alguns princípios e visões filosóficas 
sobre a produção social, a liberdade humana e o papel dos governos, 
governante e governados. A análise de problemas, a identificação de 
cenários, a visualização de outros atores sociais, a ênfase na análise 
estratégica são elementos fundamentais e diferenciadores do PES em relação 
a outros métodos de planejamento. 
O método tem particular validade e excepcionalidade de resultados, no setor 
público onde a presença de problemas verdadeiramente complexos e mal-
estruturados compõe o cenário dominante. Além disso o PES, ao contrário de 
outros métodos ditos “estratégicos” assume como dominante na análise 
estratégica as questões relativas às relações de poder entre atores sociais, 
isto é, a variável política preside a elaboração da viabilidade e 
vulnerabilidade do Plano. Esta é uma vantagem metodológica vital para uso 
em organizações públicas onde estas questões fazem parte indissociável da 
produção de políticas públicas e do relacionamento entre staff político-
dirigente e quadro de funcionários permanentes.
[1] Chileno, Carlos Matus foi Ministro do Governo Allende (1973) e consultor 
do ILPES/CEPAL falecido em Dezembro de 1998, ministrou vários cursos no 
brasil nos anos noventa (Escolas Sindicais, IPEA, Ministérios, Governos 
Estaduais e Municipais). Criou a Fundação Altadir com sede na Venezuela para 
difundir o método e capacitar dirigentes. Introduzido no Brasil a partir do final 
dos anos oitenta, o PES disseminou-se e foi adaptado amplamente nos locais 
onde foi utilizado, particularmente no setor público. 
[2] Sob a mesma filosofia inspiradora do PES várias outras adaptações 
metodológicas tem surgido: MAPP – Método Altadir de Planejamento Popular 
- é um “resumo” do PES feito por C. Matus, PED – Planejamento Estratégico 
e Democrático – aplicado por A. K. Sato no Governo Cristóvão Buarque em 
Brasília –DF, PEP - Planejamento Estratégico Participativo, a partir da 
experiência do Governo do Rio Grande do Sul, etc... 
[3] O “Projeto de Desenvolvimento de Sistema de Suporte ao Planejamento e 
Gestão”, desenvolvido pelo Laboratório Nacional de Computação Científica 
(MCT), desenvolveu produtos informatizados para ajudar a capacitação no 
Bibliografia básica 
sobre o PES[4]: 
Huertas, F. 
Entrevista com 
Matus, o Método 
PES. Edições Fundap, 
1997, São Paulo. 
Matus, Carlos. 
Adeus, Senhor 
Presidente, 
Governantes 
Governados. Edições 
Fundap, 1997, São 
Paulo. 
______, Chipanzé, 
Maquiavel e Ghandi, 
Estratégias Políticas. 
Edições Fundap, 
1996, São Paulo. 
______, O Líder Sem 
Estado-Maior. 
Edições Fundap. 
2.000, São Paulo. 
http://www.espacoacademico.com.br/032/32ctoni.htm (8 of 9)20/08/2012 17:51:11
O que é o Planejamento Estratégico Situacional?
método bem como sua aplicação concreta segundo o enfoque do PES (www.
lncc.br ). 
[4] A Fundação de Desenvolvimento Administrativo – FUNDAP (www.fudap.
sp.gov.br ), vinculada ao Governo do Estado de São Paulo tem editado as 
principais obras de C. Matus e é um bom centro de referência sobre o tema, 
possuindo, inclusive um curso regular de Especialização em Ciências e 
Técnicas de Governo de inspiração matusiana. 
 
______, Política, 
Planejamento & 
Governo, IPEA, 
1993, Brasília. 
(Tomos I e II) 
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http://www.espacoacademico.com.br/032/32ctoni.htm (9 of 9)20/08/2012 17:51:11
http://www.lncc.br/
http://www.lncc.br/
http://www.fudap.sp.gov.br/
http://www.fudap.sp.gov.br/
mailto:Jackson@portoweb.com.br
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		O que é o Planejamento Estratégico Situacional?
B_Texto_Unidade_II_textopes.pdf
PLANEJAMENTO EM SAÚDE
29
método PES é, segundo Matus, particularmente potente para o nível de
direção central, onde se enfrentam problemas de alta complexidade.
Ainda segundo esse autor, o método MAPP “combina simplicidade e
potência, porém para enfrentar poucos problemas de baixa interação e baixa
complexidade, onde domina o processo prático-operacional”, sendo, então,
bastante adequado para a planificação de ações regionais e locais.
O MÉTODO
Para melhor abordar este tema, inicialmente mostramos o quadro extraí-
do de Matus, que compara as diferenças entre o planejamento tradicional e o
Planejamento Estratégico Situacional (5).
PLANEJAMENTO TRADICIONAL PES
Determinista (predições certas) Indeterminista (predições incertas)
Objetivo (diagnóstico) Subjetivo (apreciação situacional)
Predições únicas Várias apostas em cenários
Plano por setores Plano por problemas
Certeza Incerteza e surpresas
Cálculo técnico Cálculo tecnopolítico
Os sujeitos são agentes Os sujeitos são atores
Sistema fechado (metas únicas) Sistema aberto (várias possibilidades)
Teoria do controle de um sistema Teoria da participação em um jogo
Quadro 1
Algumas características que diferenciam o
planejamento tradicional do PES
Fonte: O Método PES – Roteiro de Análise Teórica (material elaborado para o curso “Governo
e Planejamento”
FUNDAP – Fundación Altadir).
PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO
SITUACIONAL – PES
O
PLANEJAMENTO EM SAÚDE
30
Matus advoga que o planejamento tradicional é impotente para lidar com a
complexidade da realidade social, por ter sido concebido com princípios deter-
ministas, em que o cálculo se baseia na predição e não considera a capacidade
de planejamento de outro ator nem a ocorrência de surpresas ou a existência de
incertezas, enquanto a realidade é um sistema complexo de incerteza dura, com
problemas quase-estruturados (quadro 2). Chama-se de incerteza dura pela pre-
cariedade de previsão do futuro, uma vez que, dada a complexidade do contex-
to de um determinado problema, o leque de desdobramentos, assim como as
conseqüências das atitudes do gestor, são inúmeros: alguns conhecidos, outros
possíveis de prever e grande parte desconhecidos. Além disso, há situações ini-
magináveis que ocorrem no meio de um processo e que freqüentemente pegam
de surpresa o gestor menos avisado, os chamados “incêndios”, e até mesmo os
acidentes e as catástrofes naturais. O método nos reporta a encarar a realidade
com todas essas nuances em que, obviamente, não é possível trabalhar com
relações diretas de causa e efeito, pelo que acabamos de expor.
MODELOS DE SISTEMAS 
I – Determinista puro
II – Estocástico
III – Incerteza quantitativa
IV – Incerteza dura 
CARACTERÍSTICAS
Um só passado, um só 
futuro, segue somente leis. 
A predição exata é possível.
Ex.: movimento de um astro
em órbita.
Segue leis probabilísticas, 
a cada possibilidade é 
associada uma 
probabilidade conhecida.
Ex.: leis de Mendel 
sobre hereditariedade.
As possibilidades podem 
ser enumeradas, mas não 
é possível atribuir-lhes uma
probabilidade objetiva. Ex.:
no jogo do coelho num cír-
culo de 10 casinhas, sabe-se
o número de possibilidades,
mas não a probabilidade de
ele entrar em cada casa.
Somente algumas 
possibilidades podem 
ser enumeradas e não é 
possível atribuir nenhuma
probabilidade objetiva. 
Ex.: qualquer prognóstico
sobre o futuro dentro 
do contexto social.
TIPO DE PROBLEMA
Bem-estruturado
Bem-estruturado
Bem-estruturado
Quase-estruturado
Quadro 2
Modelos de sistemas e suas principais características
Fonte: O Método PES – Roteiro de Análise Teórica (material elaborado para o curso “Governo e Planejamento”
FUNDAP – Fundación Altadir).
31
O PES mostra-se adequado para lidar com os problemas quase-estruturados1
dos sistemas de incerteza dura, por respeitar os requisitos básicos necessários
ao planejamento em sistemas complexos. Dessa forma:
• reconhece a existência de outros atores em situação;
• reconhece sua capacidade de planejamento;
• explica a realidade a partir dessa ótica.
Dispõe de métodos para lidar com surpresas e diferenciar os problemas
bem-estruturados dos quase-estruturados, reconhece, a existência de recursos
escassos – político, econômico, cognitivo e organizacional –, útil para tomada
de decisões no presente e preparado para renovar o cálculo sobre o futuro, de
acordo com as mudanças da realidade.
Antes de discutirmos o método propriamente dito, é necessário uma abor-
dagem das condições a que o gestor municipal deve estar atento, no sentido
de garantir efetividade às ações desenvolvidas em seu governo, quais sejam:
• o projeto de governo;
• sua capacidade para governar;
• sua governabilidade. 
Entende-se por capacidade de governo o elenco de qualificações reunidas
pelo gestor e seu staff administrativo que lhes conferem a competência neces-
sária à compreensão, elucidação e enfrentamento de problemas:
• bagagem intelectual;
• experiência;
• expertise;
• capacidade pessoal e institucional de governo.
O projeto de governo ou proposta de governo consiste na seleção de proble-
mas que o gestor se dispõe a enfrentar durante seu período de governo e a
estratégia escolhida para esse enfrentamento. A escolha dos problemas deve
ser criteriosa, estratégica, pois implica a capacidade de resolvê-los e a viabili-
dade política desse enfrentamento, assim como a obtenção de resultados den-
tro do período de governo do gestor.
A governabilidade diz respeito à relação entre o peso das variáveis que o ator
controla e o das que não controla somada à capacidade de percepção que o ges-
PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO SITUACIONAL
1. Consideram-se problemas bem-estruturados aqueles para os quais se podem enumerar todas as variáveis,
precisar todas as relações entre elas e cuja solução é objetiva. Os problemas quase-estruturados podem ter ape-
nas algumas de suas variáveis e as relações entre elas enumeradas, sua solução é situacional, discutível segun-
do interesses e posições.
tor tem dessa relação, ou seja, de sua limitação quanto ao controle majoritário de
determinada situação. É essa capacidade de percepção que lhe possibilita identi-
ficar entre os atores envolvidos aqueles que têm maior controle da situação, as
alianças possíveis, os enfrentamentos inevitáveis, as operações mais viáveis;
enfim, abre a possibilidade de uma análise estratégica da seleção de problemas.
O gestor não pode se esquecer da necessidade constante de garantir um
balanço positivo ao seu governo, ou seja, um saldo politicamente satisfatório
da sua gestão, decorrente das medidas mais ou menos simpáticas ou aceitas no
ambiente político e pelo eleitorado. Esse balanço depende do manejo dos cha-
mados três cintos:
• político: legalidade e representatividade política, ética, representativi-
dade dos partidos, equilíbrio dos poderes, sintonia política do projeto;
• econômico: manejo da economia;
• intercâmbio de problemas: saldo do enfrentamento de problemas de
maior valor para a população.
É importante lembrar que nunca se deve apertar os três cintos ao mesmo
tempo. Os efeitos negativos de um devem ser compensados com os efeitos
positivos de outro.
COMO APLICAR O MÉTODO
I – Identificação, seleção e priorização dos problemas 
Neste passo é necessário fazer a análise da situação. O autor utiliza esse con-
ceito para expressar a existência de diferentes explicações da realidade a par-
tir da interpretação dos distintos atores sociais e dos conflitos gerados pela
diferença de interesses. A técnica de Estimativa Rápida Participativa mostra-
se bastante coerente com o PES e tem sido utilizada nas experiências de
diversos países. Essa técnica foi apresentada pormenorizadamente no capítu-
lo anterior.
A seleção dos problemas deve atender aos seguintes critérios (5): 
1. Valor político do problema: 
• para o ator central e outros atores;
• para o partido político do ator central;
• para a população em geral;
• para a população afetada.
2. Tempo de maturação dos resultados:
• resultados fora ou dentro do período de governo;
PLANEJAMENTO EM SAÚDE
32
• maturação em tempo humano;
• maturação em tempo social.
3. Vetor de recursos exigidos pelo enfrentamento do problema em relação ao
vetor de recursos do ator:
• poder político;
• recursos econômicos;
• recursos cognitivos;
• capacidade organizativa.
4. Governabilidade sobre o problema:
• controle dos nós críticos de maior peso no problema;
• fraco controle dos nós críticos;
• nós críticos fora do jogo.
5. Resposta dos atores com governabilidade:
• colaboração dos atores com governabilidade;
• rejeição dos atores com governabilidade;
• indiferença dos atores com governabilidade.
6. Custo de postergação:
• imediato e alto;
• mediato, lento e baixo.
7. Exigência de inovação e continuidade:
• problemas que exigem inovação;
• problemas que exigem continuidade.
8. Impacto regional:
• equilibrante;
• desequilibrante.
9. Impacto sobre o balanço político de gestão ao término de governo:
• da gestão política;
• do balanço macroeconômico;
• de intercâmbio de problemas específicos.
33
PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO SITUACIONAL
Sugere-se que, para facilitar a visualização e a análise desses critérios, seja
elaborado um protocolo de seleção dos problemas
em forma de gráfico no qual
as colunas enumeram os critérios, os problemas são listados nas linhas e no
quadro de interseção anota-se o resultado da análise:
II – Descrição do problema
O problema deve ser declarado por um ator a partir da análise situacional do
passo anterior.
Segundo Matus, a diferença entre um problema e um simples incômodo é a
capacidade de explicá-lo. A explicação do problema deve ser objetiva e permi-
tir caracterizá-lo e mensurá-lo. O método introduz o conceito de Vetor de Des-
crição do Problema (VDP). O VDP é comparado ao placar de um jogo e pode
ter um ou mais descritores.
O objetivo do VDP é neutralizar a ambigüidade inerente ao título do proble-
ma e evitar que ele possa ter mais que uma interpretação e, portanto, mais que
uma explicação, levando à total desorganização do processo de planejamento.
Para isso o Vetor de Descrição do Problema é um conjunto de descritores que
tornam a explicação do problema única, clara e objetiva a todos os atores
envolvidos. 
Características do VDP (5):
• os descritores devem enunciar o problema e não suas causas ou con-
seqüências;
• devem ser precisos e monitoráveis;
• cada um deve ser necessário à descrição e o conjunto, suficiente;
• não deve haver relações causais entre os descritores;
• a descrição será suficiente quando a eliminação da carga negativa
resolver o problema.
Exemplo:
Vamos utilizar como exercício o problema selecionado pela Secretaria Muni-
cipal da Saúde de uma cidade hipotética que iremos denominar Cidade das
Violetas.
PLANEJAMENTO EM SAÚDE
34
programa 1 valor político
ALTO
governabilidade
ALTA
VDP = d1, d2, dn
Problema: alta mortalidade neonatal na Cidade das Violetas
Ator: secretário municipal da Saúde
VDP: d1= mortalidade neonatal na Cidade das Violetas atualmente é de
16,7 para 1.000 nascidos vivos, enquanto o índice esperado é
de 5/1.000 NV. 
d2=d1 alto
Observa-se que nesse caso foi necessário para descrever o problema apenas
um descritor e outro de tendência. O descritor d1 é quantitativo e compara o
CMI neonatal local com o padrão internacional.
III – Explicação do problema
Identificar as causas do VDP. Essas causas podem ser de três tipos: fluxos, acu-
mulações ou regras formais ou informais. Cada causa é denominada “nó expli-
cativo”. O conjunto de nós deve ser ordenado graficamente num fluxograma
situacional em que se distinguem outras três áreas: 
• governabilidade: onde o controle total é do ator que declara o problema;
• área de influência: o ator tem capacidade de influenciar, mesmo que
no momento atual essa influência seja zero;
• fora do jogo: área onde o ator não tem qualquer controle sobre as cau-
sas do problema.
O fluxograma situacional (Anexo 1) possui nove quadrantes onde irão loca-
lizar-se os nós explicativos. Esses nós devem ser expressos de forma clara e
telegráfica, e as relações de causalidade entre eles deverão ser representadas
por setas. No fluxograma as regras referem-se às leis e normas formais ou de
fato; as acumulações, às causas com caráter cognitivo, e os fluxos, àquelas que
representam ações.
Alguns nós explicativos são críticos para a mudança dos descritores do pro-
blema. Estes são então denominados nós críticos.
Critérios para selecionar os nós críticos:
• alto impacto sobre o VDP;
• ser um centro prático de ação – algum dos atores deverá ter governa-
bilidade sobre essa causa;
• ser um centro oportuno de ação política – ter viabilidade política
durante o período do plano.
35
PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO SITUACIONAL
Regras
Governabilidade
Influência
Fora do jogo
Acumulações Fluxos
d1
d2
dn
PLANEJAMENTO EM SAÚDE
36
No exemplo citado foi possível identificar dez nós críticos:
NC1: descontinuidade de assistência ao pré-natal e/ou início tardio;
NC2: falta de treinamento dos profissionais de saúde dos serviços de saúde;
NC3: baixo controle das patologias maternas crônicas;
NC4: ausência de controle de ocorrência de malformações, doenças congêni-
tas e enfermidades no período de 28 dias;
NC5: insuficiência de leitos de berçário de médio e alto risco na região;
NC6: sistema de referência e contra-referência existente na região não garan-
te atendimento ao paciente;
NC7: prática médica intervencionista e mercantilista, levando a uma assistên-
cia inadequada ao pré-natal e partos;
NC8: insuficiência de equipamentos de monitoramento fetal nos hospitais;
NC9: baixa qualificação da mão-de-obra nos serviços de saúde;
NC10: insuficiência de neonatologista na assistência ao RN na sala de parto e
berçário.
Uma vez identificados os nós críticos, deve-se construir com eles a árvore de
um problema. Cada nó crítico deve ser descrito – VDNC. Para resolver o pro-
blema teremos que programar operações capazes de alterar os vetores de des-
crição de cada nó crítico (Anexo 2).
VDNC2
n2.1
n2.4
VDNC1
n1.1
n1.3
VDNC4
n4.1
n4.7
VDNC9
n9.1
n9.2
VDNC8
n8.1
n8.2
VDNC6
n6.1
n6.2
VDNC5
n5.1
n5.2
VDNC10
n10.1
n10.2
VDNC4
n4.1
n4.8
VDNC7
n7.1
n7.5
D1
D2
VDP
Fonte: Problema analisado no curso Governo e Planejamento (FUNDAP – Fundación Altadir, 1996,
mimeografado).
37
PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO SITUACIONAL
Cadeias causais:
a. Cadeia 1: relacionada ao controle da gravidez;
b. Cadeia 2: relacionada à assistência ao parto;
c. Cadeia 3: relacionada ao feto e RN menor que 28 dias.
IV – Definição da situação objetivo
Neste passo, devem-se definir os resultados esperados, isto é, a mudança que
se pretende obter a respeito dos descritores dos nós críticos e dos descritores
do VDP do problema (Anexo 3).
V – Identificação das operações necessárias ao 
enfrentamento do problema
Chamam-se operações àquelas que estão na área de governabilidade do ator
que declara o problema, e demandas de operação àquelas que estão na área de
governabilidade de outro ator. 
Cada operação deve apontar os resultados desejados e as atividades neces-
sárias para alcançar esses resultados, definir os responsáveis pelas atividades e
os atores que devem estar envolvidos, o prazo para sua realização, os recursos
necessários e o cronograma (Anexo 4).
NC2 NC1 NC3
NC9 NC7
NC2
NC7 NC9 NC6
NC8
NC4
NC4
NC5 NC10
VI – Análise de viabilidade 
Construir uma matriz de motivação dos atores, em que se analisará o vetor de
motivação de cada ator em relação às operações desenhadas. Identificar os atores
que são aliados, oponentes e indiferentes ao plano. Identificar as operações de
consenso e de conflito e definir as táticas para viabilizar as operações de conflito.
Interesse: +, – , 0 (indiferente)
Valor: A (alto), B (baixo), M (médio)
Aliados: A1, A3
Oponentes: A2
Operações de consenso: OP2, OP4
Operações de conflito: OP1, OP3
VII – Implementação
Definir o modelo de gestão e do processo de acompanhamento do plano.
Desenhar um modelo de avaliação baseado em indicadores específicos ao
problema em questão.
PLANEJAMENTO EM SAÚDE
38
OP1 OP2 OP3 OP4
A1 + A + A + M + A
A2 – M + B – A 0 M
A3 0 B 0 M + A + B
C_Texto_Unidade_III_Astrajetorias.pdf
5
RSP
Revista do
Serviço
Público
Ano 55
Número 4
Out-Dez 2004
As trajetórias do planejamento
governamental no Brasil: meio
século de experiências na
administração pública
Antônio Ricardo de Souza
Introdução
A proposta de construção deste artigo surge, inicialmente, da
constatação de que, analisando-se a literatura especializada acerca do tema
do planejamento governamental, ao longo de vários anos, essa atividade
experimenta uma evolução considerável. Originariamente era privilégio da
chamada tecnocracia brasileira; em seguida, evolui do chamado planeja-
mento tradicional e governamental para uma concepção de planejamento
estratégico, para atingir, do ponto de vista da sociedade, a sua forma mais
democrática e transparente com o planejamento, participativo, o qual, em
alguns momentos, também aparece com a roupagem de orçamento
participativo. Em um segundo momento, a motivação origina-se, também,
do
fato de que a atividade de planejamento alçada historicamente ao status
de agenda governamental, começa, na década de 1980, a passar por uma
crise intensa em termos de credibilidade social e de legitimidade, ao mesmo
tempo em que ocorrem grandes mudanças no cenário mundial e nacional,
com os movimentos de globalização econômica, o acirramento da crise
financeira do Estado e do modelo burocrático de intervenção do setor público,
entre outras, que afetam profundamente a sociedade.
Durante muitas décadas, na Administração Pública Federal, o plane-
jamento foi instrumento de intervenção e controle social e também, em
alguns períodos, como ocorreu na década de 1950, no governo de Jusce-
lino Kubitscheck, com o Programa de Metas, o principal agente do desen-
volvimento socioeconômico no país. Desse modo, é importante recuperar
e analisar, a partir de metodologia de path dependency, as perspectivas
históricas das experiências de planejamento do país, identificando, na
medida do possível, resultados positivos e outros menos exitosos.
Antônio
Ricardo de
Souza é
doutorando em
Administração
pela Universi-
dade Federal da
Bahia.
Contato:
ricjanesalvador@
terra.com.br
6
RSP Um breve histórico das origens e
trajetória do planejamento brasileiro
As raízes do planejamento governamental no Brasil datam do século
XIX, sobretudo a partir de 1890, conforme Maciel (1989). Nesse período,
o governo da chamada República Velha ou República Agrária institucio-
nalizou um plano geral, conhecido como Plano de Viação, que deu os
primeiros passos rumo à sistematização da coordenação das contas públicas
no país. Posteriormente, já no fim do século XIX, em função dos
desequilíbrios das contas públicas, o governo criou o Plano de Recuperação
Econômico-Financeira, coordenado pelo então Ministro da Fazenda
Joaquim Murtinho. Entretanto, somente a partir do advento do Estado
Novo, nos anos 30, é que o Brasil ingressa sistematicamente na adoção e
concepção de planejamento governamental (MACIEL, 1989). Num primeiro
momento, essa prática de planejamento inicia-se por meio de pequenas
comissões e coordenações ad hoc que, vinham para o país auxiliar
governos e burocracias públicas na sistematização de planos, programas
e projetos de ação, o que, posteriormente, transformou-se em atividade
da Administração Pública Federal, responsável pela condução dos negócios
públicos, pelos investimentos, pelo crescimento econômico e pelo desen-
volvimento social.
Para fins de análises das experiências de planejamento no Brasil,
uma agenda de debates poderia ser apresentada a partir de dois grandes
divisores de águas em relação à política, à economia e à definição do
marco legal-institucional do país: o primeiro é o Estado Novo de 1930,
momento em que se inicia a construção de um Estado capitalista de caráter
nacional-desenvolvimentista, planejador e intervencionista; e o segundo é
o Regime Militar de 1964, em que essas relações construídas no Estado
capitalista aprofundam-se e internacionalizam-se, guiadas por raciona-
lidade técnica e de eficiência econômica, articuladas com ideologia de
segurança nacional. Assim, esses dois períodos ou marcos políticos de
análises serão os grandes eixos norteadores da identificação sucinta das
experiências brasileiras de planejamento econômico no país.
É a partir dos anos 30 que, no Brasil, inicia-se a construção de
cultura e prática de planejamento governamental, assentado nas principais
bases da incipiente industrialização brasileira, na intervenção do Estado,
na criação de empresas públicas e estatais, na valorização do capital
nacional e na política nacionalista de defesa dos interesses das elites
industrializantes (IANNI, 1986). As iniciativas que vigoraram nas décadas
de 1930 e 1940 culminaram com forte intervenção do Estado na sociedade,
por meio do planejamento governamental.
É importante enfatizar que, nesse primeiro momento de adoção de
planejamento pela Administração Pública Brasileira, coube ao Estado o
7
RSPpapel de principal indutor e condutor da atividade de planejamento
econômico, assim como à sua burocracia estatal o papel de implementação
das ações governamentais, que ainda prevalecem até os dias atuais.
Durante os primeiros anos do Estado Novo de 1930, as elites gover-
nantes (políticas, agrárias e industrializantes) empenharam-se em viabilizar
a tão propalada industrialização brasileira, via processo de substituição de
importações. É a partir de discurso nacionalista, estatizante e intervencio-
nista, principalmente, que o Estado brasileiro fomenta iniciativas, como a
valorização do capital e da empresa nacional, para viabilizar a política de
industrialização, tendo como base algumas ações que, até aquele momento,
não se constituíam, ainda, em planejamento governamental. Tais iniciativas
tinham como objetivos construir um Estado capitalista brasileiro dotado
de economia forte, com base nacional, e, dessa forma, viabilizar as suas
relações de produção com maior ênfase na presença do setor estatal no
processo de industrialização. Um dos grandes desafios dos anos 30 foi, a
partir das empresas públicas estatais, as elites criarem um modelo de
desenvolvimento planejado, com ênfase somente no capital nacional e na
valorização do mercado interno. Ou seja, as elites do Estado Novo queriam
implementar no país um processo de industrialização com bases predomi-
nantemente nacionalistas, sem interferências externas que pudessem ferir
os grandes objetivos nacionais.
Dentro desse contexto, alguns autores, como Ianni (1987), Láfer
(1987), Kon (1999), afirmam que é, a partir das décadas de 1930 e 1940,
que o Brasil cria iniciativas importantes que originaram a atividade de plane-
jamento governamental. Tais iniciativas são apresentadas nas seguintes
propostas: 1) Relatório Simonsen (1944-1945); 2) Missão Cooke (1942-
1943); 3) Missão Abbink (1948); 4) Comissão Mista Brasil – EUA (1951-
1953); 5) Plano Salte (1948), que contribuíram para criar e articular cultura
e prática de planejamento que viessem atender às principais demandas
sociais. Entretanto, mesmo antes dessas importantes iniciativas governa-
mentais, houve ainda esforços para construir matriz decisória global que
pudesse criar instrumentos de política econômica para os setores públicos e
privados no país, de acordo com Souza (1984).
Esses esforços estão esposados nas caracterizações do Plano de
Obras e Equipamentos, que teve como base o Plano Especial de Obras
Públicas e Preparo da Defesa Nacional, decorrentes das necessidades
do período da Segunda Grande Guerra, no período de 1939-1945; a Coorde-
nação da Mobilização Econômica de 1942, em que o governo coordenava
assuntos econômicos, financeiros, tecnológicos do país em estado de
guerra; o Plano Salte (1949-1953), que priorizava os setores da Saúde, da
Alimentação, do Transporte e da Energia, implementado pelo Departa-
mento Administrativo do Serviço Público (DASP); o Plano de Reapare-
lhamento Econômico ou Plano Láfer, anunciado em 1951 e coordenado
8
RSP pelo Ministro da Fazenda Horácio Láfer, que objetivava investimentos
nas indústrias de base, energia, frigoríficos, entre outras (SOUZA, 1984;
IANNI, 1986). Todos esses esforços contribuíram não somente para a cons-
trução de cultura e prática de planejamento no país, como colaboraram
na determinação de colocar mais racionalidade nas ações e no processo
decisório das políticas governamentais.
Para Souza (1984), o Plano de Metas do Governo Juscelino
Kubitschek, para o período de 1956-1961, não era um plano, e, sim, um
programa, por não terem sido concebidos em sua formulação programas
e projetos de ação governamental. Assim, esse plano caracterizou-se por
vir acompanhado de articulação entre o capital privado nacional, o capital
estrangeiro e o Estado, no processo de industrialização, que foi forte-
mente acentuado no governo JK (KON, 1999).
No período seguinte, de 1963 a 1965, durante o governo Jânio
Quadros e João Goulart, foi desenvolvido o Plano Trienal, que objetiva a
recuperação do ritmo
de crescimento econômico no período do governo
JK (MACEDO, 1987). Esse plano foi formulado e coordenado pelo econo-
mista brasileiro Celso Furtado, que nem sequer conseguiu articular ações
no governo que pudessem tirá-lo do papel e levá-lo para a sociedade.
Assim, após a renúncia de Jânio e a deposição do Presidente Jango
pelo golpe militar de 1964, as perspectivas econômicas e sociais de cresci-
mento são postergadas para os governos militares que se instalam no
período pós-64 no país.
Um dos primeiros atos do novo regime militar foi a retomada do
crescimento da economia, comprometida pelos governos anteriores de
Jânio e Jango, por meio do Plano de Ação Econômica do Governo (PAEG)
para o período de 1964-1966.
Posteriormente, já em processo de retomada do crescimento eco-
nômico, a partir de algumas reformas importantes, como a institucional e
a do sistema tributário brasileiro, o regime militar lança mão do Programa
Estratégico de Desenvolvimento (PED), para o período de 1968-1970,
tendo como objetivos a valorização da empresa privada e a aceleração do
desenvolvimento econômico, com a estabilização de preços e o controle
inflacionário.
Já, na década de 1970, o Brasil inicia período grandioso de cresci-
mento e desenvolvimento econômico, capitaneado pela intervenção do
Estado, por meio do planejamento econômico, tendo como base os altos
níveis de crescimento do Produto Interno Bruto nacional. Assim, é a partir
do I Plano Nacional de Desenvolvimento Econômico, o I PND, para o
período de 1972-1974, que o país alavancou o seu padrão de crescimento
econômico com base em investimentos em setores dinâmicos, como a
construção e ampliação da infra-estrutura do país, assim como a dissemi-
nação de política e ideologia de desenvolvimento nacional pautada na
9
RSPforte presença do Estado e de suas empresas públicas, estatais e sociedade
de economia mista (MARTINS, 1985).
Dessa forma, sob os auspícios da máquina estatal e da ação efi-
ciente do planejamento governamental na Administração Pública Federal,
o Brasil, assim como todos os países capitalistas, foi abalado pela primeira
crise do petróleo, que culminou com o aumento dos preços internacionais,
em fins dos anos de 1973, provocando crise internacional de reajustes nas
contas nacionais (KON, 1999). Então, o regime militar brasileiro reage com
a implementação do II Plano Nacional de Desenvolvimento, o II PND,
para o período de 1975-1979, que previa um programa de investimentos
condizentes com as altas taxas de crescimento dessa década. Esse período
foi extremamente turbulento, tendo em vista que ocorreu, ainda em 1979, a
segunda crise do petróleo, que forçou, novamente, as economias a se reajus-
tarem e a viabilizarem alternativas de políticas econômicas que pudessem
superar as dificuldades causadas pelos aumentos do preço do barril de
petróleo, que ficaram 37,9% acima do preço do ano anterior.
Nos anos 1980-1985, em relação à queda do ritmo de investimentos
e à diminuição de demanda, restringindo o crescimento da produção, o
regime militar tenta alavancar a economia com a implementação do III
Plano Nacional de Desenvolvimento, o III PND, que concebeu diversas
alterações em relação ao I e II PNDs, e, na prática, significou uma busca
pelo equilíbrio do setor público/contas públicas, tentando controlar o déficit
fiscal e a inflação. Não por acaso, a partir da década de 1980, o controle
inflacionário passa a ser estratégico para o governo militar para assegurar
não só a retomada do crescimento econômico, mas, também, o controle
sobre a inflação, de forma a não inviabilizar no país os interesses das
grandes empresas privadas e do grande capital nacional e internacional,
que sempre estiveram vinculados ao Estado brasileiro.
Assim, o Brasil entra na década de 1980 – considerada por membros
da classe política, analistas e economistas como a “década perdida” –,
tendo como centro de sua agenda governamental o controle da inflação e
a retomada do crescimento econômico. É bom frisar que, não por acaso,
já existia, desde os anos 30, preocupação com a questão inflacionária,
mas é a partir dos anos 80 que a inflação passa a ser o grande desafio
estratégico dos sucessivos governos.
Planejamento governamental e
suas principais características nas
experiências brasileiras
As principais experiências de planejamento aqui apresentadas têm
como base duas iniciativas importantes para o país, porém não estratégicas.
A primeira é o Plano de Obras e Equipamentos, que teve como seu
10
RSP antecessor o Plano de Obras Públicas e Preparo da Defesa Nacional no
Brasil, que tinha a finalidade de preparar o país para os infortúnios da
Segunda Guerra Mundial. Esses dois planos foram elaborados pelo mesmo
governo de Getúlio Vargas, no período do Estado Novo. Sua ênfase recaía
na construção de obras de infra-estrutura e na criação de indústrias de
base, que seriam as grandes alavancas do processo de industrialização.
Nesse período, esses planos não concebiam as condições financeiras em
que se dava a concretização das intenções do governo. O que se verifica
é que, do ponto de vista administrativo, esses planos legitimavam a posi-
ção de poder do ministro da Fazenda, na medida em que coube ao Minis-
tério da Fazenda a condução das políticas e articulações para a formulação,
implementação e coordenação do planejamento, no período de 1939-1945.
Esses planos sofreram alterações em 1945 e praticamente foram extintos
em 1946 (SOUZA, 1984). A queda de Vargas, a Constituição de 1946 e os
fatos que findaram a Segunda Guerra Mundial forçaram o Brasil a reto-
mar posição de destaque como democracia da América Latina. Por isso
adotou iniciativas e princípios do liberalismo econômico, retomou o cres-
cimento econômico, realizou reformas na Administração Pública Federal
e, apontando na direção da renovação de sua frota mercante e de sua
infraestrutura, reequipou portos (SOUZA, 1984; IANNI, 1986; LÁFER, 1987).
Assim, a partir desse quadro, o país acena com o Plano Salte (Saúde,
Alimentação, Transporte e Energia), coordenado pelo Departamento Admi-
nistrativo do Serviço Público (DASP), no governo do General Eurico
Gaspar Dutra, para o período de 1946-1950, implementa política forte-
mente antiintervencionista, herdada da era ditatorial de Vargas, prioriza,
além deste plano, a política cambial, a salarial e, sobretudo, a Missão
Abbink em 1948, que era uma comissão ad hoc do governo americano
encarregada de assessorar e diagnosticar as questões nacionais mais
importantes – os chamados “pontos de estrangulamento” (IANNI, 1986) da
economia e da sociedade brasileira – e propor políticas e estratégias
governamentais voltadas para a superação das dificuldades do país à época.
O governo Dutra apresentou alguns avanços sociais, como a democrati-
zação do país, e também alguns retrocessos políticos, como a cassação
do Partido Comunista, mas caracterizou-se por uma política externa de
proximidade com os Estados Unidos da América a partir da doutrina e da
ideologia liberal, tanto do Estado como do aparato público-estatal, permi-
tindo a presença incessante dos interesses internacionais no país. O que
os especialistas apontam é que o Plano Salte acabou sendo um apanágio
de retóricas e intenções governamentais sem nenhuma articulação de
política econômica, apresentando graves equívocos de financiamento e
omissão de aspectos administrativos, que culminaram com a total
desarticulação entre o orçamento e o próprio plano. Para Souza (1984),
não é por acaso que, à época, especialistas afirmavam que o plano era
11
RSPtotalmente inexeqüível em relação à proposta governamental. Apesar das
incongruências, dos equívocos e das inconsistências apresentadas no Plano
Salte, o governo Dutra inicia a sua implementação a partir de 1949, já no
final de seu período governamental. Em suma, poderíamos afirmar que
essa experiência de planejamento, em plena democracia liberal no Brasil,
foi pautada pela falta de aportes financeiros, pela não-formulação de pro-
jetos e programas governamentais,
pela desarticulação financeira e orça-
mentária, pela ineficiência da administração pública governamental em
relação à articulação e coordenação de políticas e pela sua discutível
viabilidade técnica. Portanto, o Plano Salte tornou-se antiexemplo de pla-
nejamento governamental no Brasil (SOUZA, 1984).
Para além das incompreensões apresentadas pelo Plano Salte, o
Brasil inicia a próxima década, de 1950, convivendo com o retorno da
mais importante liderança política e um dos grandes “arquitetos” da cons-
trução do Estado brasileiro, o Presidente Getúlio Vargas, para seu segundo
governo, de 1951 a 1954.
Nesse segundo governo, o Presidente Getúlio Vargas encontrou
um país já democratizado, um Estado já privatizado e permeado pelos
interesses dos grandes capitalistas e pelas elites nacionais e internacionais,
além de uma política econômica liberalizante (IANNI, 1986). Além disso, já
existia, de forma consolidada, uma burguesia industrial que demandava
do Estado políticas e articulações que viessem ao encontro de suas grandes
aspirações de produção e consumo. Nesse período, a tônica do governo
Vargas, do ponto de vista político-ideológico, foi combater o que ele
chamava de entreguismo da nação aos capitalistas nacionais e interna-
cionais, realizando algumas iniciativas de planejamento, como foi o Plano
Nacional de Reaparelhamento Econômico, ou Plano Láfer1, anunciado
em 1951, juntamente com a criação de um Fundo de Reaparelhamento
Econômico para financiar iniciativas público-privadas, e, principalmente,
a criação de agência de fomento, como o Banco Nacional do Desenvol-
vimento Econômico (BNDE), em 1952, além da Petrobras, BNB, BASA,
Bandesul, Eletrobrás, encarregados de financiar principalmente o cresci-
mento nos setores de infra-estrutura e obras públicas, viabilizando, assim,
o desenvolvimento econômico do país (SOUZA, 1984; IANNI, 1986).
Para além dessas realizações, o governo Vargas não conseguiu
concretizar outras iniciativas na administração federal, mesmo que tími-
das, pois tinha de superar as dificuldades e os obstáculos criados pelos
grandes interesses nacionais e internacionais das elites capitalistas, que
mantinham, a todo custo, o controle do poder político por meio do
Congresso Nacional e do aparelho do Estado. Assim, ficou evidenciado
que tais interesses eram incompatíveis com os objetivos nacionais à época.
Além do mais, havia, em desenvolvimento no país, uma sociedade mais
articulada politicamente, convivendo com os partidos políticos de oposição
12
RSP e de esquerda de forma livre e democrática, em ambiente em que as
regras do livre mercado dirigiam os destinos de toda a economia nacional.
Assim, a partir desse quadro político-econômico, o Presidente Getúlio
Vargas, diante de sua incapacidade e fragilidade política de enfrentar essas
dificuldades em pleno regime democrático, provocou grave crise
institucional com seu suicídio em 25 de agosto de 1954, mergulhando o
país em grandes dificuldades e dilemas institucionais. Portanto, o que há,
nesse período, sobre planejamento governamental é que, apesar das inten-
ções de Vargas de realizar políticas nacionalistas que defendessem os
interesses nacionais, como retratou bem a criação da Petrobras, o governo
não conseguiu retomar as condições político-econômicas que pudessem
tirar o Brasil da situação de transição, ou seja, de país com características
predominantemente agrárias para outro, moderno, industrial e inserido na
economia capitalista mundial.
Assim, verifica-se que, no período que antecede o governo de Jusce-
lino Kubitschek (JK), o Brasil já tinha incorporado uma racionalidade téc-
nica, incipiente – resultado das experiências anteriores sobre a adoção do
planejamento governamental –, que combinava três pontos importantes
em relação ao sistema econômico brasileiro e à dinâmica capitalista
mundial: 1) o poder público no país já tinha incorporado as experiências
de planejamento, manipulando os instrumentos de política econômica;
2) desde 1948, a Comissão Econômica para a América Latina (Cepal)
vinha desenvolvendo debates e propostas de desenvolvimento conforme
a estratégia de substituição de importações, programação econômica nos
níveis setorial, regional e global, que praticamente dominou a agenda gover-
namental nesse período; e 3) os EUA já tinham iniciado suas experiências
no governo e em setores empresariais, pelas quais já era possível identificar
a participação do Estado nas decisões e propostas de realizações sócio-
econômicas para a população e, com isso, alavancar o processo de indus-
trialização. Em suma, pode-se afirmar que havia reordenamento das
relações econômicas entre o Estado e as forças produtivas do país (DRAIBE,
1985; IANNI, 1986; BIELSCHOWSKY, 1988).
Além desses precedentes do período JK no Brasil, enfatiza-se que
esse governo herdou grave crise de instabilidade política, derivada do
suicídio do Presidente Getúlio Vargas em 1954 e do movimento militar de
novembro de 1955, movimento que tinha como objetivo garantir a instala-
ção do governo recém-eleito em outubro do mesmo ano. Assim, podería-
mos afirmar que o período JK herdou grandes turbulências políticas, mas
foi capaz de iniciá-lo com uma das mais exitosas experiências de planeja-
mento governamental: o Programa de Metas, que vigorou no Brasil a
partir de um discurso político, ideológico, retratado no slogan: “Brasil, 50
anos em cinco”.
13
RSPEsse programa adotou uma estratégia de governo muito interessante
e diferente do que vinha sendo adotado pelos governos anteriores, que foi
a transformação qualitativa do Estado em termos de política econômica,
com a expansão do Estado e do capitalismo brasileiro, de forma dependente
e associada aos grandes interesses econômicos e empresariais nacionais
e internacionais (SOUZA, 1984). Tal estratégia dependentista de JK foi
marcada por quatro grandes realizações para o Brasil: 1) a implementação
do Programa de Metas, que será analisada em seguida; 2) a criação da
Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), em1959,
que tinha como objetivo principal o combate às secas e às desigualdades
regionais; 3) a Operação Pan-Americana (OPA), que visava à aproximação
dos países da América Latina entre si e com os Estados Unidos; e 4) a
construção de Brasília, que transferiu a capital do país do Rio de Janeiro
para a região do Planalto Central, em 1960 (IANNI, 1986).
O que interessa, então, nesse período do governo JK é analisar o
Programa de Metas, que deu início à consolidação de modelo de cresci-
mento e desenvolvimento econômico, articulados com o processo de indus-
trialização, capitaneado pelo Estado, o que propiciou, desta forma, grandes
transformações nas estruturas produtiva, pública e estatal no Brasil (IANNI,
1986; DRAIBE, 1985).
O Programa de Metas tinha sido estruturado para atacar pontos de
estrangulamento da economia brasileira, viabilizando investimentos em
infraestrutura, sob a responsabilidade do Estado, pois nessa época esse
setor não constituía setor atrativo para investimentos do setor privado, e
expandindo o setor de indústria de base – automotivo, indústria pesada e
de material elétrico – para dar condições de criação, instalação e consoli-
dação do parque industrial nacional (IANNI, 1986, LÁFER, 1987).
De acordo com Láfer (1987), o Programa de Metas atingia os
seguintes setores: 1) energia, que abrangia 43,4% do investimento inicial-
mente planejado e compreendia as seguintes metas: setor elétrico –
elevação da capacidade instalada em até 9.000.000 kW em 1965; energia
nuclear – formação de pessoal técnico especializado para a execução do
programa nacional de energia nuclear, para fabricar combustível nuclear,
planejar usinas termelétricas, entre outras; carvão mineral – elevação da
produção mineral para até 3.000.000 de toneladas; petróleo – criação de
condições para o refino de até 308.000 b/d; 2) transporte, que abrangia
29,6% dos investimentos e estava dividido nos seguintes segmentos:
ferrovias, que necessitavam de reaparelhamento, construções novas
e
modernização urgentemente; rodovias, que necessitavam ser construídas
e pavimentadas para criar condições concretas para o escoamento da
produção e a integração do país; melhoria dos serviços de dragagens e
portuários; investimentos na marinha mercante, nos transportes aeroviários
para que pudessem dar maior consistência ao crescimento econômico no
14
RSP período; 3) alimentação, que contemplou a agricultura, à exceção do trigo,
criando condições de fortalecimento da infra-estrutura agrícola a partir
das seguintes estratégias: aumento do número de construções de armazéns
e silos, armazéns frigoríficos e matadouros industriais, mecanização e uso
de fertilizantes. Esse setor foi privilegiado com um crescimento, entre
1955-1960, de 7,2% aa, contrastando com a ínfima taxa de 3,3% no início
da década de 1950; 4) indústria de base, setor estratégico para o sucesso
do Programa de Metas, que aumentou vigorosamente, no período, a pro-
dução industrial em mais de 96% em relação ao período de 1952-1955,
que crescera apenas 42%. Essa produção industrial diversificou os bens
de tal forma que o setor dividia-se em: siderurgia, que ultrapassou a meta
em 1960, com uma produção do parque siderúrgico em 2.485.000 tonela-
das; alumínio, cuja produção foi de 16.573 toneladas; metais não ferrosos,
com a expansão, principalmente, das indústrias de chumbo, estanho, níquel
e cobre; produção de cimento, álcalis, celulose e papel, borracha e expor-
tação de minérios de ferro, que atingiu aumento de até 94% em relação
ao Plano de Metas; o setor da indústria automobilística praticamente conso-
lidou o seu apogeu com a meta atingida de 92,3% em 1960, acompanhado
pelas indústrias de construção, metal-mecânica e de material elétrico,
que tiveram significativos aumentos de produção para o período; 5) edu-
cação, setor ainda secundarizado e não contemplado ainda nas políticas e
no planejamento governamental. No Programa de Metas, a educação,
timidamente, apresentava como objetivo viabilizar a qualificação técnica
do pessoal do setor produtivo por meio dos chamados cursos técnicos
especializados (LÁFER, 1987).
Além dessas questões, o Programa de Metas, apesar de ter tido
muito sucesso econômico à época, apresentava algumas debilidades/difi-
culdades administrativas, como: ausência de integração das áreas exe-
cutiva do plano com a financeira; manipulação de alguns instrumentos de
política econômica sem lógica racional que estruturasse as atividades
necessárias para o atendimento das pressões sociais e as exigências
técnicas do programa; e a necessidade de reforma administrativa coerente,
com o objetivo de ajustar a Administração Pública Federal, o Estado e os
objetivos do Programa de Metas (SOUZA, 1984).
Finalizando, poder-se-ia, então, afirmar que o Programa de Metas
traduziu, por meio da atividade de planejamento governamental, os inte-
resses das elites nacionais e internacionais capitalistas de viabilizar no
Brasil a consolidação de um modelo de crescimento econômico capitalista
dinâmico, a partir da intervenção do Estado como o grande mentor do
desenvolvimento econômico e social (SOUZA, 1984; LÁFER, 1987).
Antes da análise do Plano Trienal, é importante enfatizar, mais uma
vez, outra crise político-institucional que ocorreu no país, com o interregno
do governo de Jânio Quadros (1961-1964), que tomou posse em 31 de
15
RSPjaneiro de 1961. Após oito meses de governo, em 25 de agosto desse ano,
alegando que “forças ocultas o impediam de governar o país”, ele renuncia
ao cargo de Presidente da República do Brasil, mergulhando o país em
mais uma crise de instabilidade política, econômica, social e institucional.
Não vem ao caso tratar dessa questão neste artigo, entretanto é
importante frisar que essa posição tomada pelo Presidente Jânio
Quadros, além de surpreender o povo brasileiro, que tinha depositado
nele todas as esperanças de retomada do crescimento, de combate ao
desemprego e à corrupção no país, vem corroborar as análises e opiniões
a respeito de sua personalidade dúbia, equivocada e, às vezes,
inexplicável, na medida em que ele demonstrava, em seus discursos,
uma mistura de discurso oficial inerente ao poder público com propostas
de caráter moralista e laico.
Além da crise instalada pela renúncia de Jânio, o governo de Jango
herdou, também, contexto turbulento em função dos limites impostos pelo
mau desempenho econômico, pelos altos níveis de desemprego e inflação,
pela total desorganização do setor público e, sobretudo, pela falta de apoio
político das elites, dos militares e de parte da classe média brasileira.
Também, aliado a esse confronto político de crise institucional, o governo
de Jango viu-se pressionado por interesses internacionais, em particular
dos americanos, que pressionavam o governo em busca de política mais
liberal e menos restritiva em termos de concessão às grandes empresas
capitalistas.
Nesse quadro crítico, o governo de Jango implementa o Plano Trienal
para o período de 1963-1965, elaborado por técnicos brasileiros em fins
de 1962, sob a coordenação do renomado economista brasileiro Celso
Furtado, com o objetivo de retomar o crescimento econômico, reduzir o
processo inflacionário e criar condições concretas para a distribuição de
renda e a intensificação da ação governamental na área educacional
(SOUZA, 1984; KON, 1999; IANNI, 1986; MACEDO, 1987).
O Plano Trienal, desde o primeiro momento, demonstrou, conforme
Souza (1984), grandes níveis de incongruência. Tais níveis estão expressos
no fato de que, nesse governo, criou-se um superministério, ou um ministro
extraordinário para a atividade de planejamento, rompendo, dessa forma,
com as concepções de planejamento como atividade acessória ou, segun-
do as agências financeiras, como algo predominantemente voltado para
uma lógica racional. Outra incongruência do Plano Trienal era o seu
autoritarismo na formulação, ou seja, foi planejado de cima para baixo,
sem participação social e de outros níveis governamentais e administrativos
da administração pública do país. Ainda nesse quadro de incongruências,
o plano era predominantemente tecnocrático, porque dominado por técnicos
(economistas) e burocratas, os principais responsáveis pela formulação
das políticas públicas. Entretanto, houve um ponto positivo no Plano Trienal:
16
RSP a competência com que se deu a integração entre a política econômica e
as proposições das ações governamentais do plano (SOUZA, 1984).
Diante de tal quadro de crises político-socioeconômicas desse
período em que se gerou o Plano Trienal do governo de Jango, o resultado,
sem dúvida nenhuma, mostra total fracasso gerencial, político e adminis-
trativo, levando alguns analistas a afirmar que o plano nem saiu do papel.
Em 1963, criou uma Coordenação de Planejamento Nacional, para tentar
recompor o plano a partir de outras bases; no entanto, ele morrera atacado
pelos altos níveis inflacionários, pelo baixo nível de crescimento e pela
falta de investimentos para a retomada do crescimento econômico do
país (SOUZA, 1984; MACEDO, 1987).
Após a desilusão deixada pelo fracasso do Plano Trienal e pelos
malogrados governos de Jânio e, sobretudo, após a deposição do Presidente
Jango por um golpe militar, em março de 1964, o Brasil ingressa na
chamada era dos governos militares.
Não é propósito, neste artigo, analisar o golpe militar de 31 de março
de 1964 no país, no entanto é a partir desse período que o Brasil adota o
planejamento governamental como instrumento de intervenção e controle
social, além dos objetivos de desenvolvimento.
O ciclo do governo militar no Brasil tem início com a ascensão do
Presidente Marechal Humberto de Alencar Castello Branco, que formulou
e implementou o mais intervencionista planejamento governamental, depois
dos anos 30, no Brasil: o Plano de Ação Econômica do Governo (PAEG)
para o período 1964-1966.
De acordo com Martone (1987), o PAEG fazia parte das chamadas
reformas institucionais relevantes desse período e apontava para os
seguintes principais objetivos:
a) combater o processo inflacionário;
b) acelerar o ritmo de crescimento econômico; c) atenuar os desníveis de
desenvolvimentos setoriais e regionais; d) assegurar uma política de
investimentos; e) aumentar as oportunidades de emprego.
Um dos elementos políticos que mais caracterizavam o PAEG como
instrumento de intervenção e controle social era o total controle sobre as
variáveis “políticas” para executar uma política planificada no país (IANNI,
1986).
Para Souza (1984), além dessa característica, o PAEG ainda possuía
as seguintes qualidades e pontos positivos em termos de planejamento
governamental: 1) significava uma primeira tentativa de integrar a política
econômica de forma coerente; 2) havia sincronia entre as pastas do
Planejamento e da Fazenda; 3) havia em curso ampla reforma da Admi-
nistração Pública Federal, para articular de forma mais eficiente os
aspectos macro e a realização dos objetivos do Governo Federal. Entre-
tanto, o que mais se destacava no PAEG era um conjunto de diretrizes de
política econômica integradas, voltadas para a estabilização da economia,
17
RSPtendo como objetivo central a excessiva preocupação em combater a
inflação, de forma coordenada e como prioridade da agenda governa-
mental (SOUZA, 1984; MARTONE, 1987).
O PAEG também capitaneou, além do combate inflacionário, duas
grandes reformas no setor das finanças públicas: a do Sistema Monetário-
Creditício, em 1964, e a Reforma Financeira, em 1965, estabelecendo as
principais bases de modernização financeira do país, criando novos instru-
mentos de crédito, como: a) a Coordenação Nacional de Crédito Rural
(CNCR); b) o Fundo de Democratização do Capital das Empresas
(Fundece); c) o Fundo de Financiamento para a Aquisição de Máquinas e
Equipamentos Industriais (Finame); d) o Fundo de Financiamento de
Estudos e Projetos e Programas (Finep); e) o Banco Nacional de
Habitação (BNH) (SOUZA, 1984; IANNI, 1986; KON, 1999). Tais reformas
propiciaram o desenvolvimento do sistema financeiro brasileiro.
Tal como ocorreu com a grande maioria dos planos governamentais
do país, os retrocessos e os avanços nessa atividade de planejamento
deixaram marcas profundas na definição cultural e prática de planeja-
mento governamental no Brasil.
Assim, a exemplo disso, pode-se afirmar que existiram três impor-
tantes dimensões contempladas no PAEG, que, de acordo com Souza
(1984), significaram grandes avanços em relação às experiências ante-
riores: 1) a identificação do uso de diagnósticos, que serviram de base
para formulação do plano nas áreas econômica e social; 2) o correto uso
da política econômica; e 3) a reforma e modernização da Administração
Pública Federal, com o objetivo de instrumentalizá-la em relação às neces-
sidades de implementação da política econômica. Tais dimensões tiveram
papel importante na formulação e implementação do plano, servindo de
lição e exemplo para os futuros planejamentos públicos do governo.
Em relação aos retrocessos do PAEG, Souza (1984) aponta os
seguintes elementos: a) inconsistência nos dados devido ao sistema estatís-
tico ser débil, defasado e deixar grandes dúvidas a respeito das infor-
mações que precisariam ser coletadas na formulação do diagnóstico;
b) a reforma administrativa pretendida, por mais que avançasse, não
atingiu os objetivos de descentralização e eficiência das ações adminis-
trativas do governo; c) as recorrentes mudanças institucionais e trocas de
técnicos para a formulação e gestão dos planos contribuíram para a sua
baixa eficiência, pois os técnicos da área de planejamento do Governo
Federal eram recrutados de fora do setor público, com salários e garantias
trabalhistas diferenciadas, gerando instabilidade e mudança na condução
dos negócios públicos, incapacitando o governo de criar cultura e
competência na Administração Pública Federal.
Em suma, em que pesem as dificuldades político-institucionais
enfrentadas pelo PAEG, no período de 1964-1966, pode-se afirmar que,
18
RSP pela primeira vez, o governo adota a atividade de planejamento de forma
sistematizada, articulada e integrada com a política econômica, priorizando,
dessa forma, a agenda pública governamental.
A partir de 1967, foi publicado o Plano Estratégico de Desenvolvi-
mento (PED) para o período de 1968-1970, durante o governo do Marechal
Costa e Silva, que estava apoiado, num primeiro momento, no combate ao
processo inflacionário e na retomada acelerada do desenvolvimento, e,
num segundo momento, apontava na direção do fortalecimento da empresa
privada, na estabilização gradativa dos preços, na consolidação de infra-
estrutura pelo governo e no fortalecimento e ampliação do mercado interno
(ALVES; SAYAD, 1987; KON, 1999).
Alguns analistas apontam que o PED foi diagnosticado a partir da
crise da economia no período de 1962, no momento em que a economia
brasileira enfrentava uma de suas grandes crises, com o esgotamento do
processo de substituição de importações e a estagnação econômica. Assim,
num contexto de crise e estagnação econômica, conforme Alves e Sayad
(1987), o PED foi concebido para alterar os padrões econômicos de desen-
volvimento à época, corrigindo algumas distorções herdadas de anos
anteriores, que ainda permeavam a economia brasileira. Tais distorções,
como a crescente inflação e as dificuldades econômico-financeiras do
processo de industrialização brasileira, paralisaram o desenvolvimento a
partir de 1962 e o crescimento vertiginoso do setor público na economia,
provocando elevado custo de oportunidade. Em suma, tais distorções,
acabaram conduzindo a economia do país a uma retração nas taxas de
crescimento do produto nacional bruto.
Finalmente, o PED demonstrou que o Brasil já possuía experiência
acumulada em planejamento governamental, com base já definida e
estruturada na Administração Pública Federal, que consolidava, nesse
primeiro momento, um modelo de planejamento que se caracterizava pela
sua consistência analítica e definição de metas de médio prazo mais
precisas, voltadas para a retomada do desenvolvimento econômico do
país. Assim, o PED representa certo nível de avanço na prática e na
cultura do planejamento governamental no país.
A partir da década de 1970, o regime militar adota estratégia de
crescimento e desenvolvimento econômico caracterizada pela formulação
e implementação dos Planos Nacionais de Desenvolvimento (PNDs), que
vigoraram no país até meados da década de 1980.
Esse período, conhecido como a Era dos PNDs, por causa do I, II e
III PNDs durante os governos militares, estendeu-se até o governo Sarney,
da Nova República, em 1985. Assim, o planejamento, durante os governos
militares, tornou-se paradigmático para o Brasil, na medida em que prepara
o país para o crescimento e o desenvolvimento econômico amparados em
ideologia de segurança nacional – o seu salto para a modernidade.
19
RSPConforme Kon (1999) e Gremaud e Pires (1999), o I PND, formu-
lado para o período de 1972-1974, vem acompanhado pelo fenômeno
econômico conhecido como “milagre” econômico, que tinha as seguintes
premissas: a) as reformas econômico-financeiras introduzidas no período
1964-1967 aumentaram a capacidade de investimento do Estado brasileiro;
b) o quadro externo de crescimento econômico, propiciou grande liquidez
no mercado financeiro mundial; e c) a existência de capacidade ociosa,
como resultado da crise econômica de 1962-1966. Assim, a partir desses
fatores, consolidaram-se no país, como resultado econômico, altos níveis
de crescimento do PIB, o que levou o país, em 1973, a atingir metas de
até 7% aa. de crescimento econômico – percentual histórico para o país.
Além desse quadro econômico favorável, nesse contexto de “milagre”
econômico, o país entra em processo de enrijecimento governamental, do
ponto de vista político-institucional, com a promulgação do Ato Institucional
no 5, o AI-5, como ficou conhecido, editado em novembro de 1968, que
proibia todo tipo de manifestação político-social, dando amplos poderes
ao Poder Executivo, configurando-se
como o mais duro momento do
regime militar. É a partir desse quadro de êxito econômico e dura inter-
venção do regime militar na sociedade que o governo lança o I PND, que
continha, além das principais metas e bases para a ação do governo – que
visava à definição de objetivos nacionais e o atingimento das metas estra-
tégicas governamentais –, duas outras dimensões de política econômica:
o Orçamento Plurianual de Investimentos para o período de 1971-1973 e
o I Plano Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social para o período
de 1972-1974 (GREMAUD; PIRES, 1999).
Assim, o I PND apresenta ideologia, em sua retórica, de forma
muito eficiente em termos de ganhos econômicos, numa proposta de
governo que era tornar o Brasil uma das grandes potências econômicas e
bélicas até fim do século XX. Esse sentimento nacional-patriótico dos
militares foi muito bem esposado no documento que apresentou o I PND,
a partir da seguinte afirmação: “(...) objetivava-se, no período de uma
geração, transformar o Brasil em nação desenvolvida”.
As principais diretrizes governamentais dos militares norteadoras
do I PND foram: a) a modernização da sociedade; b) a otimização dos
recursos humanos; e c) a definição de uma política de integração nacional
com o objetivo de promover o progresso e a ocupação em diversas regiões
do país.
Para Gremaud e Pires (1999), o I PND tinha como linhas básicas de
ação as seguintes estratégias de crescimento econômico: a) aumento do
crescimento por meio da aceleração da economia, aumentando-se o PIB
para 9% aa., procurando fazer o país alcançar a posição de oitava economia
do mundo ocidental. Uma outra questão que envolve essa variável econômica
20
RSP é o aumento do emprego, que deveria crescer a uma taxa média de 3%
entre 1970 e 1974. Então, haveria esforço concentrado nos setores terciário,
da agricultura e da construção civil, de forma a propiciar aumento do nível
de emprego para combater as pressões advindas dos grandes centros
populacionais. Observa-se, ainda, que a maior parte das fontes de cresci-
mento passa a ser aqueles setores que aumentaram sua produtividade a
partir dos ganhos tecnológicos. Outrossim, enfatiza-se que, no governo do
General Médice, viabilizou-se, entre outras políticas, a criação de instru-
mentos para favorecer o setor privado da economia por meio de financia-
mentos do Banco Central do Brasil (Bacen), Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico (BNDE) e Banco Nacional de Habitação
(BNH); b) outra estratégia do I PND foi o papel que as empresas públicas
e estatais realizaram no país, assim como as fontes de financiamentos para
a modernização da Administração Pública Federal. Tudo isso trazia, como
conseqüência, crescimento desmesurado do aparato público-estatal, pro-
vocando brutal centralização político-institucional e econômica, assim como
hipertrofia do Poder Executivo na condução dos negócios públicos. Não
vem ao caso analisar, neste artigo, a expansão do Estado no Brasil nesse
período, mas vale citar que Martins (1985) realizou estudo clássico sobre a
expansão do Estado no Brasil pós-64, em que apontou nessa direção da
hipertrofia do Poder Executivo e da expansão da materialidade do Estado
por meio das empresas estatais na Administração Pública Federal do país;
c) a integração nacional foi acompanhada da Política de Integração Nacional
(PIN), que disseminava os resultados do progresso econômico a partir de
centros de crescimento regionais e de seus efeitos multiplicadores, de acordo
com as vantagens comparativas; d) a política econômica; e) a distribuição
de renda também estava nessa agenda, como quesito importante na execu-
ção do I PND no Brasil.
Os resultados do Plano de Metas e Bases para a Ação de Governo,
para o período 1970-1973, e do I Plano Nacional de Desenvolvimento,
para o período 1972-1974, foram estrondosos, pois o país alcançou níveis
de crescimento que variaram de 7% a 9%, entre 1970 e1973, atingindo
10%, em 1973, e, entre 8% e 10%, em 1974, segundo o I PND, superando
todas as expectativas governamentais do regime militar no país. Ainda,
nessa mesma linha de argumentação, além dos resultados dessas inter-
venções planejadas dos governos militares, soma-se, também, o combate
às disparidades setoriais entre a agricultura e a indústria, culminando com
a liderança inconteste do setor industrial, que teve crescimento médio de
12%, contrastando com o crescimento tímido de 4% da agricultura. Neste
período, a primeira crise do petróleo acirrou o conflito distributivo, forçando
o governo militar a deixar que o processo inflacionário do país se encarre-
gasse de distribuir os custos das alterações de preços dos combustíveis e
derivados do petróleo (MARTINS, 1985). Não é objetivo deste artigo analisar
21
RSPa primeira nem a segunda crise do petróleo no mundo capitalista à época,
no entanto é condição sine qua non o seu entendimento, para conhece-
rem-se os desdobramentos dessa crise nas economias capitalistas mundiais.
Assim, além do que foi apresentado e analisado, o I PND retrata
de forma inexorável a ideologia e a política de crescimento e desenvolvi-
mento econômico com segurança nacional, o que vigorou até meados dos
anos 80 no país. Seguiram-se, nessa mesma racionalidade de desenvolvi-
mento, a formulação e a implementação do II PND no Brasil, que dava
seqüência à lógica de acumulação capitalista capitaneada pelo Estado e
assegurada pelos governos militares.
Como afirmado anteriormente, o contexto da crise do petróleo, for-
çando os reajustes das economias mundiais e impondo novas
condicionantes econômicas nesses países, gerou, na concepção do II PND
para o período 1975-1979, um programa de investimentos voltados à taxa
média de crescimento de 10% a.a., tendo como estratégia econômica o
processo de substituição de importações. Para Gremaud e Pires (1999), o
II PND passa a ser, então, o planejamento mais importante nesse momento,
para os governos militares, na medida em que esse plano representa uma
reação à crise do petróleo e ao rompimento das regras de Bretton Woods,
merecendo, dessa forma, destaque especial em termos de estratégia de
desenvolvimento econômico para o Brasil.
A principal diretriz do II PND era o crescimento econômico de forma
acelerado e contínuo, que tinha como retórica a afirmação do Brasil potência
e a continuação da política econômica antiinflacionária por meio do
gradualismo, da manutenção do equilíbrio na balança de pagamentos, entre
outros. Nesse sentido, os choques do petróleo não alteraram os objetivos do
plano, no entanto o Brasil teve de recorrer ao endividamento externo para
reagir às novas condicionantes impostas pela nova situação mundial.
Ainda, segundo Gremaud e Pires (1999), o II PND desenhava um
modelo econômico com as seguintes características: a) consolidação da
economia moderna de mercado, que refletisse preocupação contínua com
crescimento e competitividade; b) ênfase na sociedade, fortalecendo o setor
agropecuário; e c) condições concretas para assegurar equilíbrio entre o
capital nacional e o estrangeiro. As principais áreas de atuação do plano
foram: 1) consolidação de economia moderna na região Centro-Sul do país,
apontando, também, para desconcentração industrial mais bem distribuída
regionalmente; 2) desenvolvimento de novas fontes de energia; 3) intensifi-
cação da política de integração regional; 4) combate à pobreza, atacando
os principais focos no país; e 5) integração com a economia mundial.
O II PND priorizava a política industrial voltada para a consoli-
dação de matriz industrial brasileira condizente com a dos países
desenvolvidos, expandindo os setores de base, abrindo novos campos de
exportação, dando novo impulso tecnológico e amenizando os níveis de
22
RSP desigualdades regionais. No setor agrícola, a direção dada pelo plano foi
de modernização e expansão das fronteiras agrícolas, com a execução de
política de uso da terra para fins agropecuários, a definição de política de
reforma agrária e a adoção de estratégia global para o setor rural.
Além
das principais características e dimensões apontadas no II
PND, os resultados são significativos no que se refere à substituição de
importações, ao aumento das exportações e à concretização de grande
parte dos projetos de desenvolvimento.
Assim, deve-se considerar que os principais resultados alcançados
entre meados das décadas de 1970 e 1980 foram, em grande parte,
operados pelo II PND. A produção de aço, por exemplo, foi significativa
para o país, levando-se em conta que, no período 1970-1974, o gasto
com as importações de aço decuplicaram, passando de 160 milhões
para 1,5 bilhão de dólares. As metas estabelecidas no II PND aponta-
vam para a produção de aço em 22,3 milhões de toneladas até 1979. A
produção no país acabou atingindo, nesse ano, 13,9 milhões de tonela-
das, portanto 63% do total das metas do plano. É importante observar
que, mesmo que as metas alcançadas, no caso dos aços, sejam menos
significativas que as pretendidas pelo II PND, os altos níveis obser-
vados em relação à importação e à exportação culminaram com a redução
das necessidades de importação, de um total de 39%, em 1974, para
3%, em 1979, ampliando significativamente os excedentes exportáveis
de 2% para 38%, no período de 1974-1983 (GREMAUD; PIRES, 1999).
Outros resultados apontados pelo II PND envolvem, também, o
setor de energia, que, em função da crise mundial do petróleo, forçou país
a investir no incremento da produção nacional do petróleo e em fontes
alternativas, como o Proálcool. Verificou-se que a prioridade de aumento
da produção do petróleo ampliou-a bastante, passando de 27% em 1974
para 70% em 1980. Tal aumento decorreu principalmente dos investi-
mentos aplicados no refino e transporte do petróleo, culminando, dessa
forma, em resultados significativos de produção de até 17% a.a, no período
de 1979-1986. Além desse aumento na produção do petróleo, é importante
também frisar que a produção de energia alternativa, como a energia
elétrica ligada à cana-de-açúcar, foi muito significativa em 1974 e 1979,
com aumentos anuais de 12% e 9%, respectivamente. Outros resultados
surpreendentes da economia brasileira durante o II PND apontam ainda
na direção de outros setores que também foram muito importantes para o
crescimento econômico do país, como os bens de capital e comunicações
(KON, 1999).
O III PND, para o período 1980-1985, foi formulado em conjun-
tura de turbulências econômicas no balanço de pagamentos, pressões
sobre alta de preços, pagamento da dívida externa e níveis crescentes de
desemprego.
23
RSPAs principais estratégias do III PND apontavam nas seguintes
direções: a) priorização do setor agrícola e de abastecimento, com vistas
ao aumento da produção, estímulo às pesquisas, criação de sistemas inte-
grado de produção e política fundiária, entre outros; b) na área industrial,
propiciou a elevação da produtividade do setor, com incentivos aos
principais projetos industriais de política energética e ampliação das expor-
tações; c) na área de energia, apoio a programas de racionalização do
uso da energia, prioridade à substituição do uso de derivados de petróleo,
acelerando o Programa Nacional do Álcool e novos projetos de geração
hidrelétrica e de aproveitamento de outras fontes de energia; e d) na área
social, democratização da cultura e educação no país, criação de condições
de valorização do trabalho, habitação e maior participação social nas
políticas públicas e sociais. Tais estratégias, fortemente abaladas pela
crise externa da economia já no início da década de 1980, não conseguiram,
de forma geral, retomar o crescimento econômico e, principalmente,
combater os altos níveis inflacionários no país. A recessão econômica de
1981-1983 e os altos níveis de inflação, que, a partir de 1984 até 1986,
atingiram o patamar de 220% a.a., comprometeram o poder de compra
dos salários, aumentando a exclusão social e provocando tensões no
campo e nas cidades (GREMAUD; PIRES, 1999). Então, a partir desse quadro
de crises e dificuldades financeiras, aliadas ao atraso tecnológico e à
ausência de política industrial efetiva, o país tenta retomar os rumos da
economia com a adoção de novo plano econômico.
A decadência do planejamento como
instrumento do desenvolvimento e a
ascensão da agenda neoliberal no Brasil
A década de 1990 foi a da Reforma do Estado. É a partir desse
momento, na sociedade contemporânea, que o Estado passa a ser questio-
nado, criticado e apontado como o grande vilão da crise financeira, que
vinha sendo diagnosticada desde fins da década de 1970 e início dos anos
80. Não foi por acaso que o Brasil se inseriu nesse conjunto de países que
sofreu os impactos tanto do processo de globalização da economia como
da crise do Estado fiscal, aqui entendido como exaustão financeira do
Estado, que impossibilita financiar políticas públicas e promover o desen-
volvimento social. É a partir dessas premissas e em articulação com a
adoção de agenda liberal que o Brasil abandona as políticas de médio e
longo prazo, optando por uma política de manutenção de curto prazo, que
dá conta das expectativas financeiras mais imediatas, abandonando e/ou
preterindo o planejamento que, durante muitos anos, foi o grande instru-
mento de crescimento econômico no país.
24
RSP Assim, a implementação da agenda neoliberal nos países da Amé-
rica Latina e, em especial, no Brasil passou a apontar na direção das
chamadas reformas estruturais e/ou ajustes estruturais, como o redimen-
sionamento do papel do Estado e de seu caráter de intervenção no setor
público; a reforma fiscal e tributária, com objetivo de equilibrar as contas
públicas; a reforma administrativa, tornando o serviço público mais efi-
ciente; e maior eficiência das políticas públicas e sociais.
Essa agenda neoliberal, com base nas privatizações de empresas
públicas, tinha como característica preparar o país para viabilizar modelo
de capitalismo globalizado, centrado nos mercados e com uma estabili-
dade monetária condizente com os interesses dos mercados financeiros
mais desenvolvidos.
Assim, não é por acaso que o país incorpora na sua política
macroeconômica, centrada nos juros altos e no câmbio fixo, um dilema
que inviabiliza o crescimento e a possibilidade de planejamento: a total
dependência do poder público em relação ao capital financeiro especulativo
para financiar suas políticas públicas. Além desses requisitos econômicos,
somam-se os juros altos e os baixos níveis de investimentos na produção,
comprometendo ainda mais a retomada do crescimento econômico do
país. Assim, essa dinâmica econômica capitalista e globalizada, imediatista
e financeiramente predatória em termos de produção, passa a ser a principal
matriz orientadora e norteadora do crescimento econômico do país, que,
com base nas políticas de curto prazo, dão respostas mais rápidas e
eficientes na dinâmica financeira global.
O Brasil perde sua visão e perspectiva de longo prazo, reduzindo
os investimentos na produção, na criação de emprego, no financiamento
das políticas públicas e sociais, na alavancagem financeira das pequenas
e médias empresas e, de forma geral, passa a ser dependente das polí-
ticas de curto prazo voltadas para a financeirização da riqueza, que se
acumula de forma desproporcional no país. O resultado de tudo isso é o
aumento do desemprego, a ausência de políticas públicas e sociais, o
aumento da fome e da miséria social, que contribuem cada vez mais para
o aumento dos excluídos do processo de crescimento econômico e do
desenvolvimento social do país.
Por último, mas não menos importante, o que mais caracteriza a
decadência do planejamento no país, a nosso juízo, é a ausência de um
projeto de nação e de tomadas de decisão que valorizem a sociedade a
curto, médio e longo prazos e tragam benefícios materiais e sociais compa-
tíveis com uma sociedade desenvolvida.
25
RSPConclusões
Diante do exposto, fica evidenciado que, de acordo com as traje-
tórias do planejamento governamental como instrumento do desenvolvi-
mento econômico e social,
o país sofreu, ao longo do tempo, avanços e
retrocessos em relação à utilização do planejamento governamental.
Como se afirmou inicialmente, neste artigo, não se pretende dar
conta das complexidades que envolvem as diversas dinâmicas do Estado,
da economia e da sociedade em geral e, em particular, dos impactos dos
diversos planos no desenvolvimento da sociedade brasileira. Entretanto, é
necessário conhecer e compreender as trajetórias históricas dos plane-
jamentos no Brasil, as suas características principais, seus objetivos,
fracassos e sucessos, de forma a melhor entender os diversos períodos
dos ciclos econômicos e desenvolvimentistas do país, que foram funda-
mentais na definição do atual modelo de desenvolvimento socioeconômico.
Também ficou evidenciado que, nessa perspectiva histórica apre-
sentada, o papel do Estado na direção da economia foi fundamental e
decisiva na priorização de programas, planos e políticas de desenvolvi-
mento econômico, que, salvo melhor juízo, no conjunto das suas ações,
não conseguiram superar as desigualdades sociais e de renda, que ainda
prevalecem na sociedade brasileira. Tais desigualdades envolvem o
aumento da pobreza e da miséria social no país, acentuado pela grande
concentração de renda e falta de políticas de redistribuição de renda,
políticas de emprego e ações sociais emancipatórias e de justiça social,
voltadas para a melhoria da qualidade de vida da sociedade e, principal-
mente, para a inclusão social de grandes segmentos sociais marginalizados
pelo crescimento da economia.
Além dessas questões, a opção política do país pela manutenção
de políticas econômicas de corte liberal, apontando na direção da estabi-
lidade macroeconômica, e o atendimento das metas de combate à inflação
são fatores que contribuem para a diminuição dos investimentos sociais
em algumas áreas, como as de educação, saúde e saneamento básico.
O quadro socioeconômico do país apresenta diagnóstico inexorável:
o país não conseguiu recuperar e retomar o ritmo de crescimento econô-
mico em 2004, na medida em que as prioridades de investimentos são
canalizadas para o equilíbrio das contas públicas e a manutenção das
metas antiinflacionárias. Ou seja: é impossível um país como o Brasil
buscar o desenvolvimento social, na medida em que, na ausência de polí-
ticas de desenvolvimento planejadas a curto e médio prazo, suas elites
dirigentes e políticas adotam, como estratégias de desenvolvimento, ações
de curto prazo, que viabilizam não só a valorização financeira dos mercados
de capitais, como o gerenciamento das conhecidas e famigeradas taxas
26
RSP de juros, que se tornaram as grandes variáveis macroeconômicas da política
econômica do governo.
Sendo assim, resta-nos levantar alguns elementos que poderiam
fazer parte de agenda de desenvolvimento planejado, com vistas a atenuar
os grandes desníveis socioeconômicos tanto em nível inter-regional como
local da sociedade brasileira. Como parte dessa agenda, poderiam destacar-
se as seguintes políticas, ações e estratégias governamentais:
• formulação e implementação de políticas públicas e sociais
emancipatórias, voltadas para a reinserção de grandes contigentes de
excluídos no mercado de trabalho, com políticas de qualificação profis-
sional e de emprego e renda de forma sistemática, em diversas regiões do
país, principalmente, nos grandes centros populacionais mais atingidos
pela violência urbana, pelo desemprego e pela marginalização social;
• implementação de política industrial voltada para o crescimento e
aparecimento de novos atores econômicos nos diversos setores produtivos,
apoiados pelo poder público e por políticas de desenvolvimento e de plane-
jamento que objetivem, a médio e longo prazo, a retomada do crescimento,
o fortalecimento e a abertura de empresas e postos de trabalho;
• retomada dos investimentos sociais em educação, saúde, sanea-
mento básico, recuperando no setor público, por meio de investimentos e
captação financeira, a capacidade produtiva de o Estado financiar e
gerenciar serviços públicos de qualidade que atendam, em especial, os
segmentos mais carentes da sociedade; e
• viabilidade de melhor articulação e coordenação entre as políticas
econômica, fiscal e tributária, para criar alternativas ao crescimento eco-
nômico, fora do padrão de manutenção das altas taxas de juros, que só
servem para estabilizar a economia. O país precisa criar alternativa ao
fortíssimo ajuste fiscal, tributário e financeiro imposto pelas altas taxas de
financiamento cobradas pelo governo para o fomento dos setores produ-
tivos, como o agrícola e o industrial, e fomentar o setor de serviços.
Neste artigo, o propósito foi oferecer uma visão geral do planeja-
mento governamental no Brasil, e entende-se que a compreensão do que
foram o planejamento e o desenvolvimento econômico no país passa pela
análise das políticas e ações priorizadas pelas elites brasileiras e capita-
neadas pelo Estado. De resto, concordando com Maciel (1989), “o plano
constitui não só o azimute que permite orientar a ação do Estado e da
sociedade, mas a expressão democrática da vontade nacional” (p. 47).
27
RSPNota
1 Esse plano era assim conhecido, porque o Ministro da Fazenda Horácio Láfer estava à
frente de sua coordenação.
Referências bibliográficas
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MACIEL, Everardo. A crise do planejamento brasileiro. Revista do Serviço Público. Brasília:
DF, v. 117, no 1, p. 37-48, jun./set.1989.
MARTINS, Luciano. Estado capitalista e burocracia no Brasil pós-64. São Paulo: Paz e
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MARTONE, Celso L. Análise do Plano de Ação Econômica do Governo (PAEG) (1964-
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SOUZA, Nelson Mello e. O planejamento econômico no Brasil: considerações críticas. Revista
de Administração Pública, Rio de Janeiro, v. 18, no 4, p. 25-71, out./dez. 1984.
28
RSP Resumo
Resumen
Abstract
As trajetórias do planejamento governamental no Brasil: meio século de
experiências na administração pública
Antônio Ricardo de Souza
Este artigo tem como objetivo analisar o papel do Estado na formulação do planeja-
mento no Brasil a partir dos anos 30, período que deu origem às primeiras iniciativas de
planejamento, até os anos 80, momento em que se inicia a decadência do planejamento
governamental no país. Optou-se por uma retrospectiva histórica que levantasse os prin-
cipais aspectos inerentes ao planejamento como instrumento do desenvolvimento econô-
mico deste período, verificando as principais mudanças ocorridas na sociedade. O artigo
não pretende dar conta de todas as dimensões e complexidades do tema nem esgotar o
assunto, que é polêmico e envolve muitas articulações teóricas com outras áreas, como
administração pública, economia e ciência política. Desse modo, o artigo aponta na direção
de que este balanço de análises das experiências de planejamento
no Brasil demonstrou
grandes avanços econômico-financeiros e alguns fracassos de coordenação e articulação
com outras esferas, como a executiva e a financeira. Assim, desde os anos 80, em detrimen-
to da crise do Estado, o planejamento entra em declínio nas agendas governamentais,
impossibilitado, por questões de ordem financeira, de realizar suas funções de racionaliza-
ção e eficiência econômica. Dessa forma, o Estado, nesse contexto, sempre representou, de
forma geral, as diversas articulações de interesses capitaneados pelo planejamento como
instrumento de intervenção e controle social no Brasil.
La trayectoria del planeamiento gubernamental en Brasil: medio siglo de
experiencias en la administración pública
Antônio Ricardo de Souza
Este artículo tiene como objetivo analizar el rol del Estado en la formulación de la
planificación en Brasil a partir de los años 30, período que dió origen a las primeras
iniciativas de planificación, hasta los años 80, momento en que se inicia la decandencia de
la planificación gubernamental en el país. Se optó por una retropectiva histórica que
levantase los principales aspectos inherentes a la planificación como instrumento de
desarrollo económico de ese período, verificando las principales modificaciones ocurridas
en la sociedad. El artículo no pretende abarcar todas las dimensiones y complejidades del
tema, ni agotar el asunto que es polémico y envuelve articulaciones teóricas com otras
áreas, como administración pública, economía y ciencia política. De ese modo, el artículo
apunta en la dirección de que ese balance de análisis de las experiencias de planificación en
Brasil demostró grandes avances económicos-financieros y algunos fracasos de coordinación
y articulación com otras esferas, como por ejemplo, ejecutiva y financiera. Asi, desde los
años 80, en detrimento de la crisis del Estado, a planificación entra en declinio en las
agencias gubernamentales, imposibilitada por cuestiones de orden financiera para realizar
sus funciones de racionalización e eficiencia económica.
De esa manera, el Estado en este contexto, siempre representó, de una forma general,
las diversas articulaciones de intereses impulsados por la planificación como instrumento
de intervención y control social en Brasil.
Revista do
Serviço
Público
Ano 55
Número 4
Out-Dez 2004
Antônio
Ricardo de
Souza é
doutorando em
Administração
pela Universi-
dade Federal da
Bahia.
Contato:
ricjanesalvador@
terra.com.br
29
RSPThe trajectories of the governmental planning in Brazil: half-century of
experiences in the public administration
Antônio Ricardo de Souza
This paper is about to analyse the State’s role on the formulation of planning in Brazil
from the 30’s – period of the first planning initiatives – to the 80’s, when the government
planning decays in the country. It was chosen a historical review that could raise the most
important aspects regarding planning as an instrument for the economic development in
this period, verifying the main changes which have occurred in the society. The article does
not intend to cover all dimensions or complexities about the theme, nor to exhaust this
controversial matter which has lots of theoretical articulations within other areas, such as
economics and politic sciences. This way, this paper aims the direction in which this
balance of analysis concerning planning experiences in Brazil have shown great economic
and financial advances – and some coordination and other spheres articulation failure. Since
the 80’s, to the detriment of the State crisis, planning starts declining in the governmental
agendas not becoming possible for finantial reasons. The State, in this context, has always
represented, in general, those various articulations of interference and social control in
Brazil.

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