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A_Texto_Unidade_I_Oplanocomoaposta.pdf O Plano como Aposta CARLOS MATUS 1 1 Carlos Matus - economista, ministrou a cátedra de Política Econômica nos cursos de pós-graduação em Planejamento da CEPAL e do Instituto Latino-Americano de Planificación e Desarollo (ILPS) das Nações Unidas. Autor de vários livros sobre planejamento. Atualmente preside a Fundação Altadir Caracas, Venezuela. Tradução do texto de Carlos Matus feita por Frank Roy Cintra Ferreira O PLANO E A GOVERNABILIDADE DO HOMEM SOBRE AS SITUAÇÕES O plano é o produto momentâneo do processo pelo qual um ato seleciona uma cadeia de ações para alcançar seus objetivos. Em seu significado mais genérico, podemos falar de plano de ação como algo inevitável na prática humana, cuja única alternativa é o domínio da improvisação. Esse conceito genérico de plano não depende, por conseguinte, de sua pertinência a um sistema econômico-social determinado, mas do uso da razão técnico-política na tomada de decisões. Sempre existe, porém, o perigo de confundir este processo com um cálculo determinado por leis científicas precisas, apoiado num diagnóstico preciso da realidade. O plano, na vida real, está rodeado de incertezas, imprecisões surpresas, rejeições e apoio de outros atores. Em conseqüência, seu cálculo é nebuloso e sustenta- se na compreensão da situação, ou seja, a realidade analisada na particular perspectiva de quem planifica. Eventualmente este plano conduz à ação, de modo que , para repetir a frase de John Friedman, pode-se dizer que o plano é uma mediação entre o conhecimento e a ação. Tal mediação, contudo, não se produz através de uma relação simples entre a realidade e as ciências, porque o conhecimento da primeira vai além do âmbito tradicional da segunda. O homem, perante uma situação, debate-se entre dois extremos. Num deles, controla totalmente os resultados de sua prática. Noutro, desafia ou submete-se a processos nos quais é arrastado por circunstâncias que não controla. No primeiro caso, decide, faz e conhece, de antemão, os objetivos que pode alcançar. No segundo, não decide quanto a nada, só pode apostar no futuro e entregar-se ao destino. É um espectador do mundo que o determina e que não pode alterar. Pode apenas julgar e criticar esta realidade, ou agradecer e lamentar a sua sorte. Mesmo na zona limite deste último caso, porém, a história mostra- nos líderes que desafiam o impossível, nas condições mais adversas. Nesse extremo teórico, o plano submete-se à máxima prova de sua eficácia. Se não pode ser potente na adversidade e cede ante à improvisação, com muito mais razão esta última o deslocará nas condições favoráveis. O governante real, como condutor de situações, situa-se entre os dois extremos. O equilíbrio entre as variáveis que controla e as que não controla define sua governabilidade sobre o objeto do plano. A governabilidade do homem sobre a realidade aponta justamente para qual dos extremos teóricos se encaminha sua situação. O governante pode decidir quanto às variáveis que controla, mas, muitas vezes, não pode assegurar resultados, porque dependem de uma parte do mundo que não controla. Essa dificuldade não desanima o intento do homem de governar a realidade por meio de apostas que, com algum fundamento de cálculo, movem-no a anunciar os resultados de sua ação. A política exige compromissos que se expressam como anúncios de resultados. Um plano é um compromisso que anuncia resultados, ainda que tais resultados não dependam inteira ou Matus, C. O Plano como Aposta. São Paulo em perspectiva. 5 (4): 28-42 out/dez. 1991 29 principalmente do cumprimento daqueles compromissos. Os fundamentos das apostas de um governante são tanto mais sólidas quanto maior for o peso das variáveis que controla em relação ao das que não controla, e são mais débeis se as variáveis que controla forem poucas e de pouco peso. Num extremo do controle absoluto, a aposta converte- se em certeza sobre os resultados. Noutro, de absoluto descontrole, a aposta é um caso de sorte ou azar. O processo de governo situa-se numa zona intermediária entre a certeza absoluta e o puro azar. Consequentemente, a teoria do governo não é uma teoria do controle determinístico do governante sobre um sistema, nem a teoria de um mero jogo de azar, mas contém doses de ambos os ingredientes. O PLANO: COMBINAÇÃO DE CÁLCULO E APOSTAS Na proposta anterior enraíza-se toda a diferença entre a planificação tradicional - muito apegada ao determinismo e ao economicismo tecnocrático, cuja base científica é a teoria do controle de um sistema por um “agente” - e a planificação estratégico-situacional (PES), cujo fundamento é a teoria de um jogo semicontrolado à serviço da prática racional da ação humana. Para entender o que é um jogo semicontrolado, assumamos como metáfora este problema bem simples. Você, o jogador 1, tem uma corda de 1,5 metro de comprimento. No meio da corda está amarrado, pendente de um fio curto, um sininho que, por ser muito sensível à instabilidade, emite seu ruído típico a qualquer movimento. O jogo consiste em tomar a corda pelos dois extremos e esticá-la, tentando reduzir ao mínimo o tempo em que o sino ressoa. Se você é o único jogador, o problema parece fácil. Só depende de você não fazer movimentos desnecessários, e você decide quando a corda elástica está suficientemente esticada. Agreguemos, então, o jogador 2. Agora você segura só um dos extremos da corda e o jogador 2 segura o outro. Suponhamos que ambos os jogadores cooperem. Mesmo assim, o problema já é mais difícil. O menor “movimentozinho” do outro jogador pode derrotar seu objetivo. Tampouco será fácil um acordo sobre o conceito de “corda suficientemente esticada”. Juntemos a seguir mais dois jogadores, de modo que os quatro, em certos momentos, desejem cooperar para alcançar o objetivo e, em outros, tratem de impedir que um mantenha o sino estável e silencioso. O JOGO DA CORDA ELÁSTICA E DO SINO Agora, quanto depende do jogador 1 a meta de estabilizar o sino? Quanto pesam os movimentos de 2, 3 e 4 ao alcance do objetivo? Este é exatamente um jogo em que o resultado depende apenas em parte da ação de 1. Neste caso, o cálculo que deve fazer quem queira impedir que o sino toque é um cálculo não bem estruturado, que supera as possibilidades da moderna matemática, e o plano baseado neste cálculo quase estruturado é uma aposta que encerra certo grau de vulnerabilidade. O jogo social, sem dúvida, é muito mais variado e complexo do que este, porque, entre outras razões, compõe-se de muitos subjogos em que o jogador 1 tem, sobre alguns deles, mais ou menos controle do que noutros. A principal característica do que chamamos de um jogo semicontrolado está no seguinte: há aspectos e momentos do jogo em que, apesar dos outros jogadores, pode-se calcular resultados com alta margem de segurança ou com probabilidades. Se o sino está estabilizado, por exemplo, basta que os jogadores se abstenham de fazer movimentos para que permaneça silencioso. O sistema torna-se mais previsível. Mas há outros aspectos e momentos do jogo em que só se pode fazer apostas condicionadas à ocorrência de determinadas circunstâncias e decidir apenas na base de preferência quanto a alguma aposta, pois o cálculo de resultados é impossível. Por exemplo: o sino está tocando e todos tratam de fazer movimentos para estabilizá-lo, com resultados imprevisíveis. Neste último caso, o futuro é nebuloso, difuso e indeterminável. Não se pode calcular o risco de uma jogada ou de uma decisão. A incerteza é inexorável. o que o plano anuncia é uma aposta débil. Para compreender a teoria da planificação é conveniente, portanto, distinguir um sistema controlado de outro, semicontrolado. O sistema é controlado por um jogador se os outros participantes do jogo têm comportamentos Matus, C. O Plano como Aposta. São Paulo em perspectiva. 5 (4): 28-42 out/dez. 1991 30 predizíveis e se propõem ao máximo uso dos limitados recursos que possuem, a fim de aumentá-los a cada nova jogada. Trata-se de um cálculo científico, apoiado no conhecimento das leis de comportamento dos outros jogadores que cooperam e competem pelos mesmos recursos, cuja posse é indispensável para alcançar objetivos que, por sua vez, também são cooperativos e conflitivos. Neste caso, o suporte essencial para tomar uma decisão no jogo é o cálculo estruturado que permite ao jogador no controle anunciar resultados determináveis, com certeza, ou probabilidades objetivas. No “jogo da velha”, por exemplo, não tenho controle sobre as decisões de meu oponente, mas posso fazer uma precisão precisa de todas as suas possíveis jogadas. O mesmo se dá com meu adversário à respeito de meus planos. Trata-se, por conseguinte, de um jogo estruturado. Algo parecido ocorre implicitamente com um modelo econométrico no qual se assume que o criador do modelo conhece a conduta dos agentes econômicos. Em contraposição, o sistema é semicontrolado se todos os jogadores participantes são estrategistas criativos que cooperam e entram em conflito pelos limitados recursos que o resultado do jogo distribui em cada momento de seu interminável desenvolvimento. Neste caso, o suporte essencial para tomar uma decisão no jogo é o julgamento do apostador, fundamentado, em parte, por cálculos parciais bem estruturados e, em parte, por preferências explícitas quanto aos aspectos nebulosos ou não bem-estruturados. O julgamento do apostador pode refinar-se, explorando a eficácia de nossas ações, ou seja, seus resultados, em diversos futuros possíveis que se desenvolvem em diversas circunstâncias ou cenários. No jogo da corda e do sino, por exemplo, o jogador 1 não tem capacidade alguma de predição e sua capacidade de previsão é incompleta e imprecisa quanto aos movimentos dos outros jogadores. Na vida real, governa-se e planifica-se num jogo semicontrolado, e isto altera todas as nossas bases de pensamento sobre a planificação. NO JOGO SOCIAL, O FUTURO É NEBULOSO; NÃO É PREDIZÍVEL O aspecto incontrolável do jogo social está em que todos os jogadores têm limitações de informação e de recursos para pretender ganhar o jogo e, mesmo com abundância de recursos econômicos, não podem comprar boa parte desta informação. Uma parte muito importante da informação de que os jogadores necessitam para jogar com eficácia não pode ser obtida mediante investigação ou espionagem. Os jogadores, portanto, não sabem com certeza como superar essas limitações, pois, em cada momento do jogo, tampouco sabem com exatidão a jogada seguinte que será mais eficaz. Não se pode comprar ou espionar uma informação que outrem não possui.. Em outras palavras, nenhum jogador pode raciocinar de modo determinístico: “Se decido A, a conseqüência é B”. De outra maneira não seria um jogo, mas um sistema controlado. E isto é válido, embora o jogo social seja desigual e outorgue a uns muito mais poder que a outros. Não obstante, em duas condições extremas e concomitantes é possível reduzir teoricamente a incerteza inexorável e convertê-la em certeza: a) se um jogador chega a controlar todos os recursos limitados de um jogo e transforma seus oponentes em servidores, e b) se esse jogo é completamente independente dos outros jogos que se desenvolvem ao mesmo tempo. Mas tal extremo é mera curiosidade teórica que define a zona fronteiriça entre um jogo e um sistema controlado. Na vida real, política, econômica, cognitiva, social etc., nenhuma das duas condições mencionadas é alcançável por um jogador. Este jogo difuso e nebuloso tem os seguintes ingredientes de incerteza: • Ignorância quanto ao futuro daquela parte do mundo que supomos regida por leis que ainda desconhecemos ou que as ciências ainda não esclareceram. É o aspecto de incerteza originado por nosso desconhecimento da natureza e dos processos sociais em que vigora a lei dos grandes números. A investigação, o estudo, a capacitação e o treinamento podem reduzir esta primeira limitação. Hoje, por exemplo, não conhecemos as leis seguidas pelo desenvolvimento da enfermidade conhecida como AIDS, mas no futuro, por meio da investigação, é possível que descubramos essas leis. É possível, também, que um ator monopolize certos conhecimentos em detrimento de outros. • Criatividade dos jogadores. Irredutível mediante informação e conhecimento, porque esses recursos alimentam mais rapidamente a própria criatividade do que a capacidade humana de predizê-la. É o aspecto interativo e mais fascinante do jogo. A criatividade é uma característica da interação humana entre poucos. Eu jogo “X”; qual será a jogada seguinte de meu oponente? Qual será minha resposta a essa hipotética jogada? Essa é a essência da interação criativa em que cada jogador é um bom ou um mau estrategista. Este cálculo, por definição, não segue leis e gera uma Matus, C. O Plano como Aposta. São Paulo em perspectiva. 5 (4): 28-42 out/dez. 1991 31 certeza inexorável que não se reduz, de forma expressiva, com mais conhecimentos. O surpreendente e o inimaginável descontrolam os planos dos jogadores. Também dificulta o jogo a multiplicidade do futuro imaginável, diante da necessidade de apostar numa variedade muito mais reduzida de possibilidades. Só as possibilidades são aos milhares, como apostar nas duas ou três mais relevantes? Esta incerteza é inevitável. Um jogador pode estar mais ou menos preparado para prover e reagir ante esta nebulosidade do futuro, mas não pode evitá-la, na vida prática. • Opacidade da linguagem, que, muitas vezes, torna ambíguo o intercâmbio de significados, que se produz nas conversações entre jogadores. O jogador 1 pode falar “A” e o jogador 2 escutar “B”. No jogo de bridge, esses erros de conversação são muito comuns, pois fala-se, principalmente, através das próprias jogadas e estas admitem mais de uma interpretação. No jogo social ocorre algo parecido. Como posso saber se a ameaça de uma greve, uma renúncia ou uma guerra é real ou uma fanfarronada? Por isso existe uma dimensão lingüística na nebulosidade do jogo social. • O jogo maior ou o contexto em que se situa o nosso jogo particular, sobre o qual não só não temos controle, como nem mesmo capacidade de predição. Quando muito, dispomos de limitada capacidade de previsão sobre o contexto ou circunstâncias que cercam e condicionam nosso jogo. Aqui, “previsão” é uma predição condicionada que começa com a conjunção “se” precedendo as circunstâncias em que se situa meu plano. Os jogadores escolhem seu plano de jogo, mas não as circunstâncias em que devem realizá-lo. Nesse nicho de incerteza os jogadores entram em cooperação e em conflito e, assim, surgem problemas de relações no interior do plano de um ator, e de relações externas entre os planos dos diversos jogadores. No nível dos objetivos do plano, por exemplo, podem verificar-se as interações descritas no quadro acima. O conflito de planos e objetivos é fonte de incertezas, pois a eficácia da jogada de 1 depende do que antes tenha jogado 2 e do que jogue depois. Contudo, mesmo na cooperação entre jogadores, há incerteza, porque nem sempre é fácil decidir quanto à jogada que é de mútua conveniência. Neste jogo, em cada momento de seu desenvolvimento, os jogadores podem comparar os objetivos a que se propuseram com os resultados do jogo, vale dizer, com os objetivos alcançados. Por esta via, ao analisar os resultados do jogo, cada um dos jogadores identifica problemas. Assim, um problema para um jogador é o resultado insatisfatório que, em determinada data, o jogo lhe oferece. Portanto, é natural que o que é um problema para o jogador 1 seja justamente um bom resultado para o jogador 2. O problema sempre é relativo a um jogador. Não obstante, há uma exceção: os problemas que provém de beneficiários do jogo B que afetam negativamente nosso jogo A. Neste caso, surgem problemas comuns a todos os jogadores participantes do jogo A. APRENDER A JOGAR Se deseja alcançar bons resultados, o governante deve aprender a jogar no jogo social. Mas o que significa jogar bem? Esta é a pergunta-chave para a teoria do governo e a planificação, porque jogar bem não apenas implica o domínio intelectual da complexidade do jogo semicontrolado, como, principalmente, a arte de jogar bem na prática, medir-se com os outros jogadores e dominar a tensão que o jogo produz numa situação concreta. Aqui podemos tratar apenas do problema do domínio intelectual da complexidade do jogo semicontrolado. O outro aspecto, mais importante ainda, requer mestria artística, vocação e aptidões que só são provadas na prática política e conseguidas mediante o treinamento perseverante. Um estadista o é conforme tenha domínio, tanto intelectual como artístico sobre o jogo semicontrolado. Em síntese genérica, pode-se dizer que o domínio intelectual da complexidade do jogo semicontrolado apresenta quatro grandes problemas: • Saber explicar a realidade do jogo; • Saber delinear propostas de ação sob forte incerteza; • Saber pensar estratégias para lidar com os outros jogadores e com as circunstâncias, para calcular bem o que podemos fazer, em cada momento, em relação ao que podemos fazer para alcançar os objetivos; e • Saber fazer no momento oportuno e com eficácia, recalculando e completando o plano com um complemento de improvisação subordinada. Matus, C. O Plano como Aposta. São Paulo em perspectiva. 5 (4): 28-42 out/dez. 1991 32 Contrastes da planificação tradicional com a PES PLANIFICAÇÃO TRADICIONAL PROBLEMAS BÁSICOS PLANIFICAÇÃO ESTRATÉGICA 1. Unidimensional (apenas recursos econômicos) 3. Sem contexto (circunstâncias implícitas 4. Sem atores sociais (um governante e um sistema governado) 5. Proposta de ação ao político com anúncio de resultados precisos 6. O escritório de planificaçào planifica 2. Determinística A B 1. Multidimensional (político, econômico, cognitivo etc. 3. Contexto explícito Parcialmente enumerável (B = a,b...?) 4. Atores sociais em um jogo 5. Vários planos com resultados variáveis segundo as circunstâncias 6. Quem governa planifica 2. Incerteza dura A B β 1. Como explicar 2. Como esboçar o futuro Diagnóstico versus Explicação Situacional Asserção versus Aposta Consulta Política versus Análise Estratégica Conselho Técnico versus Cálculo Situacional 3. Como calcular o possível 4. O que fazer hoje Mesa de Jogo J2 J4 J3 J1 EXPLICAÇÃO SITUACIONAL OU DIAGNÓSTICO? O primeiro problema, “saber explicar”, obriga- nos a questionar o conceito de diagnóstico. Num jogo, há vários jogadores e diferentes perspectivas de análise do mesmo. Existe o outro, que também joga. Quem tem a capacidade e a necessidade de explicar? Todos os jogadores. Existem, pois, várias explicações sobre a realidade do jogo social. Dependo de quem explica. A explicação de João, ganhador, não pode ser a mesma de Pedro, derrotado. Se sou o jogador João, interessa-me conhecer a explicação dos que competem ou cooperam comigo? É óbvio que sim, porque com este conhecimento posso jogar melhor. Minha explicação é mais poderosa se considera e diferencia as dos outros. Explicar bem é diferenciar as explicações dos diversos jogadores e atribuir corretamente a cada jogador as explicações diferenciadas. Implica também verificar se os jogadores jogam de maneira consistente com as explicações que lhes atribuímos. Em face da necessidade de fundamentar suas estratégias, produz-se, entre dois jogadores, João e Pedro, uma recíproca atribuição de explicações situacionais, tal como indicado no quadro a seguir. Diferenciação de Explicações B A João Pedro João (I) João explica o jogo tendo a si próprio como referência... (II) Atribui a Pedro uma explicação do jogo, feito por João Pedro (III) Atribui a João uma explicação do jogo feita por Pedro (IV) Pedro explica o jogo tendo a si próprio como referência e... Certamente a atribuição recíproca de explicações corretas é um ideal inalcançavel e implica: para João, que II = IV para Pedro, que III = I É natural que, quanto mais próximas forem as explicações II e IV, melhor possa jogar João e, inversamente, quanto mais próximas as explicações III e I, melhor pode jogar Pedro. A explicação - de provisória convertida em definitiva, de subjetiva em objetiva ou de apreciação situacional em diagnóstico - supõe a perda da liberdade de ver e aprender o mundo. A realidade é um espaço de possibilidades explicativas aberto a todos os jogadores que nela atuam. Uma explicação, por conseguinte, fecha esse espaço de possibilidades quando se aferra a uma única visão excludente. Matus, C. O Plano como Aposta. São Paulo em perspectiva. 5 (4): 28-42 out/dez. 1991 33 A diferenciação de explicações abre o caminho do entendimento e aperfeiçoa o do confronto. Essa diferenciação explicativa não reside na realidade em si, mas em quem a explica. Mas, como a explicação motiva a ação e esta muda a realidade, toda explicação é uma colaboração na construção do mundo. Existe, pois, uma relação subjetiva e interativa entre o ator que explica e a realidade como dado objetivo, aberto, entretanto, a muitas explicações. Uma explicação situacional o é apenas se há um ator ou jogador que se lhe identifica. Uma investigação, em troca, para ser válida, não requer atores que se identifiquem com sua proposta de causalidade e resultados. Isso leva-nos ao conceito de situação e de explicação situacional. A apreciação situacional de cada jogador é o motivo e o motor de sua ação. O conceito de diagnóstico, porém, apega-se a uma explicação única supostamente objetiva, e, muitas vezes, sem autor reconhecível porque, em vez de diferenciar as explicações dos diversos jogadores, combina-as, ou confunde-as numa só explicação genérica que não representa ninguém em particular, salvo, às vezes, uma técnica de planejamento que não participa da mesa do jogo social, nem a ela tem acesso seus conselhos. Em síntese, o primeiro problema é identificar corretamente os problemas e explicá-los, situacionalmente; quer dizer, diferenciar as explicações, para saber não apenas onde atuar para enfrentá-los, como também perante quem devemos fazê-lo. Na explicação do jogo social não existem problemas óbvios, nem explicações absolutas e seguras. Toda argumentação sobre o jogo passado supõe a relação de causalidade condicionada A B β onde A é uma causa, B é o resultado causado e β as circunstâncias de contexto em gerar cambiantes que, influenciando a explicação, validam a argumentação causal. Por isso, sempre a rigor, é necessário verificar a solidez de cada relação causal que fundamenta nossa ação, pois as circunstâncias β podem ser distintas no plano e na explicação situacional. O PLANO COMO APOSTA ABERTA O segundo problema: “saber delinear frente à incerteza” consiste em saber delinear sob forte dúvida. Isto é o oposto de delinear determinadamente. Um químico, em seu laboratório, pode realizar uma experiência já provada e anunciar, com segurança, seu resultado. Seu experimento não é uma aposta. É um delineamento em que não existem variáveis de incerteza, nem no texto nem no contexto do experimento. Seu anúncio de resultados está a salvo de qualquer perturbação significativa alheia às variáveis que o químico controla, aplica e dosa em precisas proporções. No jogo social, tal certeza é impossível por duas razões: porque o jogador escolhe seu plano segundo o controle que tem sobre as variáveis que para ele são opções, mas apenas uma parcela das variáveis são relevantes para calcular o resultado de sua ação; os outros jogadores também controlam parte das variáveis que influem sobre os resultados de meu plano; e porque o jogador não pode escolher as circunstâncias em que tem de realizar o plano, quer dizer, não pode decidir quanto às variáveis que nenhum dos jogadores dessa mesa de jogo controla. Parte do jogo I se decide no desenvolvimento de um jogo II, do qual, por vezes, sabemos muito pouco. Em consequência, se queremos atingir o resultado B, temos agora de raciocinar considerando nossa ação A e as circunstâncias β que pode se atuar. Como só controlamos A e não podemos afetar β, nosso plano deve trabalhar com previsões como as seguintes: A1 B β 1 A2 β 2 Essa expressão poderia ser lida assim: “Se as circunstâncias são β1, para se atingir o resultado B devo fazer A1. Se as circunstâncias são β2, porém, para atingir B, devo fazer A2”. Se assumirmos que só é possível produzir a ação A1, então o plano será: A1 B β 1 A2 β 2 C Matus, C. O Plano como Aposta. São Paulo em perspectiva. 5 (4): 28-42 out/dez. 1991 34 Quer dizer, os resultados de nosso plano dependerão das circunstâncias. A interação dos jogadores é fonte de geração de circunstâncias β incertas e internas ao jogo. O jogador 1 não escolhe seu adversário e, consequentemente, a força e a qualidade como estrategista deste. Mas as circunstâncias β, por sua vez, estão, em geral, afetadas pelas circunstâncias π, vale dizer, variáveis de outros jogos que perturbam o nosso. O gráfico a seguir ilustra estas relações. β 1 A1 α 1 B β 2 A2 α 2 C π Espaço de governabilidade de J1 J1 J2 Espaço do jogo Outro jogo Pode-se apreciar com clareza que o resultado B, que o jogador 2 tenta conseguir, depende de variáveis que o jogador 1 controla e também de circunstâncias π que escapam ao controle de ambos. Por isso a PES enfatiza a idéia de plano dual, ou seja, um plano que sempre tem duas caras: um plano de ação e um plano de demandas e denúncias. No primeiro, o governante assume a responsabilidade de atacar os problemas. No segundo, reclama a cooperação de outros atores ou denuncia a sua oposição, já que os resultados de B não dependem exclusivamente de seu plano de ação. O bom político sempre dosa com sabedoria o plano de ação com o plano de demandas e denúncias, como forma de cuidar de seu capital político. Entre os elementos condicionantes do resultado B do jogador 1, é importante mencionar as condições α, que se referem à qualidade do plano elaborado e à eficácia de sua gestão. As condições α dependem da capacidade de governo, quer dizer, da potência dos métodos e práticas de trabalho da equipe de governo, assim como da perícia de seus integrantes. Esta capacidade de governo tem um aspecto pessoal e outro aspecto institucional. O pessoal indica a qualidade e a perícia da liderança do momento. O institucional, em troca, é mais estável e refere-se à acumulação de perícia nos estratos político, técnico-político técnico e burocrático da máquina do Estado. Nessa conceituação, denominamos variáveis controladas aquelas que são objeto de opções e escolha para um jogador e, ao mesmo tempo, são relevantes para a consecução do objetivo de seu plano. No outro extremo, as variáveis fora de controle podem ser de natureza muito diferente. A seguinte distinção é útil para a planificação situacional: • Chamamos de invariantes aquelas variáveis que o jogador não controla, mas conhece-lhes a lei de mudança futura e, portanto, tem capacidade de predizê-la • Em contraste, variantes são variáveis que o jogador não controla e tampouco conhece sua lei de mudança, pelo que não tem capacidade de predizê-las • O jogo pode produzir eventos de probabilidade muito baixa, mas de sensível impacto positivo ou negativo sobre os objetivos do plano de um jogador. A estes eventos chamamos de surpresas. Por conseguinte, β compõe-se de eventos de significativa probabilidade de ocorrência no Matus, C. O Plano como Aposta. São Paulo em perspectiva. 5 (4): 28-42 out/dez. 1991 35 próprio jogo, que não controlamos e nem conhecemos sua lei de causalidade, que denominamos variantes do jogo (VP), variantes de outros jogos (VO), invariantes (IV), ou seja, eventos que não controlamos, nem conhecemos a lei de ocorrência e de surpresas (S), que são eventos de probabilidade muito baixa originados na convergência do tempo de vários eventos de baixa probabilidade. (VP, VO) VARIANTES β a A β (Variáveis fora de controle) β b β c B α (Qualidade do plano e sua gestão) (IV) INVARIANTES (S) SURPRESAS Noutras palavras, a condicionante β, que afeta os resultados de nossa ação, se compõe de: β = (VP, VO, IV, S) Nestas condições, não é possível anunciar resultados absolutos e precisos. Apenas podemos fazer prognósticos condicionados pelo conjunto de circunstâncias que dão forma ao contexto que chamamos β. O esquema a seguir mostra as relações de condicionamento que um plano estratégico deve explicitar. As principais relações anteriores podem também ilustrar o que a PES denomina de triângulo de governo. B (Projeto de governo) α (Capacidade de governo) β (Governabilidade) Peso de β Peso de α Esse triângulo sintetiza a situação de um governante perante a realidade. As três variáveis (B, β e α) dão forma ao sistema. A baixa capacidade de governo afeta a governabilidade, a qualidade da proposta e a gestão do governo. As exigências do projeto de governo põem em prova a capacidade de governo e a governabilidade do sistema. A governabilidade do sistema, por fim, impõe limites ao projeto de governo e faz exigências à capacidade de governo. A planificação situacional, em síntese, nos diz que nunca se governa com total governabilidade do sistema e total capacidade de governo. Deve haver um equilíbrio dinâmico entre B, β e α. Essas limitações nos impõem abandonar o delineamento determinístico sobre o futuro e adotar formas de delineamento mais flexíveis. Noutras palavras, devemos substituir o cálculo determinístico pelo cálculo interativo e a fundamentação de apostas em contextos explícitos. Estes contextos explícitos são cenários possíveis do plano. O delineamento do plano converte-se, portanto, numa série de cadeias de apostas bem ou mal sustentadas em cadeias de argumentos, cálculos parciais e pressupostos. Devemos, então, revisar radicalmente nossa forma de delinear planos num mundo infestado de incertezas e surpresas. Num jogo semicontrolado, combinam-se nos grandes problemas do plano as relações de texto (plano) e contexto (cenários estáveis ou turbulentos) com situações de diferentes tipos de incerteza. Quando o plano se localiza no caso em que β = 0, estamos na presença da planificação tradicional normativa ou prescritiva, geralmente sem contexto explícito. Em troca, a planificação estratégico-situacional contempla todas as situações anteriores e obriga a explicitar o contexto β em que o plano se situa e anuncia resultados. Se nos perguntarmos agora sobre as vias para lidar com as circunstâncias β e elevar a qualidade das condições α, podemos sintetizar as propostas da PES no esquema que se segue. Matus, C. O Plano como Aposta. São Paulo em perspectiva. 5 (4): 28-42 out/dez. 1991 36 (VP, VO) A β (Variáveis fora de controle) B α (Qualidade do plano e sua gestão) (IV) (S) Técnicas de cenários Técnicas de absorção de incertezas Planos de contingência Direção estratégica Análise de vulnerabilidade e confiabilidade do plano Pré e pós-avaliação de operações Aqui, destacam-se as técnicas de cenários, de absorção de incertezas e de planos de contingência para enfrentar a incerteza que β gera. Para elevar a qualidade das condições α, destacam-se expressamente a adoção de métodos de direção estratégica, a análise de vulnerabilidade e confiabilidade do plano e a pré e pós avaliação de operações. Todas essas considerações sobre a incerteza fazem mais complexo o delineamento prescritivo do plano, mas o tornam muito mais flexível e realista. A realidade complexa não pode ser abordada com métodos simples. Com efeito, quanto mais variedade e peso apresentam as condições β, tanto maior será a necessidade de elevar a qualidade dos condicionantes α, e isto obriga a métodos mais poderosos e complexos de direção e planificação. Pelas razões anteriores, como indica o gráfico a seguir, o plano é uma seleção de operações destinadas a alterar a situação inicial e atingir a situação-objetivo. Mas a pertinência, o produto e os resultados ou efeitos de tais operações sobre a situação inicial só estão explorados num espaço parcial das possibilidades que podem ser gestadas pelas condições β, fora do controle do ator, e das condições α, que dependem das capacidades de gestão e planificação do plano. História Hoje Futuro (plano) Não ocorreu Não ocorreu História Real Possibilidades exploradas no plano Possibilidades não exploradas Possibilidades não exploradas Matus, C. O Plano como Aposta. São Paulo em perspectiva. 5 (4): 28-42 out/dez. 1991 37 Um plano não deve cobrir o universo teórico de possibilidades que o futuro oferece e, por razões práticas, explora apenas algumas. As demais permanecem na nebulosidade do futuro. O plano fecha um espaço de possibilidades que a realidade mantém abertas. Embora isso seja, a nosso ver, totalizante, satisfatório e pouco vulnerável, sempre será incompleto, pois refere-se apenas a uma interpretação das muitas outras interpretações possíveis que o futuro encerra. Este é um argumento claro e definitivo para compreender o plano como uma obra aberta para a permanente e incessante necessidade de ajuste às surpresas e alterações, que permanecem não- reveladas e potenciais no momento de sua revelação. A NECESSIDADE DO CÁLCULO ESTRATÉGICO O terceiro problema: o “cálculo estratégico” refere-se a pensar estratégias para tornar o plano viável. Ou seja, articular o “deve ser” com o “pode ser”. Não basta dispor de um bom delineamento normativo e prescritivo do plano. É preciso, além disso, uma boa estratégia para lidar com os outros jogadores e com as circunstâncias que cercam o jogo social. É este, exatamente, o problema de saber jogar. Um jogador pode dispor de boas cartas num jogo de baralho, mas, se não souber jogá-las, perde para outro que tem cartas inferiores. A metáfora iguala o delineamento prescritivo do plano às cartas que o jogador tem. O plano tradicional consiste em dizer: “Estas são as cartas que devemos jogar. São boas cartas”. Mas é evidente que o plano não pode limitar-se a isto, ou seja, a nos comprometermos com uma proposta prescritiva sobre o que devemos fazer. É imprescindível a exploração de estratégias de jogo para descobrir o máximo que podemos fazer. Neste ponto, emergem com clareza as limitações da antiga planificação do desenvolvimento econômico e social, que isola uma parcela da realidade do jogo político à qual pertence o econômico-social. E, para maior simplicidade, trata a parcela econômica de modo determinista e no mero plano prescritivo. A análise estratégica leva-nos, inevitavelmente, à planificação integral da ação, sem separar o econômico do político. O poder, como recurso escasso, desempenha, nesta interação sistêmica, um papel chave para entender-se a complexidade do problema que um governante enfrenta ao tomar decisões diante de opções de resultados incertos que também dependem da ação de outros jogadores. Nessas decisões, cada jogador fica limitado em sua capacidade de ação por um vetor variado de múltiplos recursos escassos. Neste vetor de peso de um jogador podem-se diferenciar grandes domínios de escassez de recursos, dentre os quais convém destacar o controle dos centros de decisão (poder político), o controle de recursos econômicos e decisões orçamentárias (poder econômico), o controle de recursos comunicacionais (poder comunicacional) e o controle das capacidades científicas e técnicas (poder cognitivo e organizativo). O vetor de peso de um jogador é a enumeração das capacidades que ele controla diretamente ou de maneira indireta por meio das adesões de outros jogadores e da população não-organizada. O vetor de peso de um ator A, pode ser estruturado da seguinte forma: VPA = X1A...X2A...X3A.......XjA Xj + 1A Xj + 2A Xj + kA Controle direto de recursos Adesões onde cada XjA, precisa de um controle de recursos do ator A, e cada Xj + kA, indica uma adesão de outros atores A1, A2, A3.... Aj. Qualquer jogada de um ator requer uma combinação de recursos escassos que o vetor de peso enumera, embora algumas exijam predominantemente apenas alguns dos tipos de recursos enumerados. Os resultados de uma jogada sobre o jogo, por sua vez, cruzam todos os domínios mencionados, se bem que possam concentrar-se, transitoriamente, em alguns destes e sobre alguns dos outros jogadores. A eficácia política surge, aqui, como critério essencial de avaliação estratégica, em concorrência com os critérios de eficácia econômica, cognitiva e organizativa. A eficácia global de uma jogada não pode, portanto, ser avaliada apenas num domínio parcial do jogo e em relação a um único recurso escasso. A planificação tradicional omite este capítulo e formula seus planos num vazio de contexto situacional que ignora o político como oposto ao técnico. Assume que o problema estratégico é dos políticos e a planificação econômica é de domínio dos técnicos. Por esta razão, temos praticado uma planificação formal, ritual e tecnocrática, sem estratégica política que lhe incorpore viabilidade. Esta planificação, na prática, é ignorada pelos políticos, que primeiro intuem e depois comprovam sua inutilidade. A análise estratégica suscita as questões mais complexas, pois devemos trabalhar num nível prático-operacional com os conceitos de poder, motivação para atuar usando o poder, força aplicada ou pressão de um jogador sobre uma jogada etc. Devemos saber, ademais, distinguir Matus, C. O Plano como Aposta. São Paulo em perspectiva. 5 (4): 28-42 out/dez. 1991 38 entre viabilidade para decidir uma jogada e viabilidade para alterar estavelmente a situação do jogo depois da jogada. Uma coisa não leva, necessariamente, à outra. Em um e outro caso, é preciso avaliar os resultados sobre o poder acumulado pelos jogadores e suas motivações. Por fim, é preciso propor estratégias de jogo em que se combinam a autoridade, a cooptação, a negociação, o confronto e a dissuasão. É preciso combinar estas estratégias, diferenciando jogadores e jogadas ao longo da trajetória do jogo, donde a consideração do tempo e da oportunidade podem ser muito importantes. Na análise estratégica, é necessário combinar as seguintes variáveis: a) Atores ou jogadores, quer dizer, os sujeitos criativos que dinamizam o jogo com seus interesses em confronto. b) Motivação e peso dos atores, variáveis que dependem de: • interesse ou posição que os jogadores assumem perante às operações que os participantes do jogo social buscam realizar (apoio, recusa, indiferença); • valor ou importância que os jogadores atribuem à cada operação (alto, médio, baixo); • peso ou força que cada jogador tem, definido pelo correspondente valor de peso; • pressão ou força aplicada sobre uma operação ou jogada numa situação concreta, que depende da motivação e do vetor de peso. As categorias anteriores permitem construir o seguinte modelo conceitual: Interesse (+, -, 0) Valor (a, m, b) Vetor de peso Motivação Pressão c) Estratégia, ou seja, a maneira ou modo de atuar diante dos outros jogadores em relação à cada operação ou jogada. Entre as diversas estratégias, convém destacar: • autoridade; • cooptação; • negociação; • confronto; • dissuasão d) Trajetórias, ou seja, a maneira de utilizar o tempo e a sequência das ações para provocar as consequências desejadas e) Operações ou jogadas que podem ser de dois tipos: • operações ou jogadas constitutivas do plano, sem as quais é impossível alcançar a situação-objeto, que denominamos operações Op; e • operações ou jogadas táticas, cuja única utilidade consiste em buscar, durante o jogo, incorporar viabilidade às operações Op. A essas operações chamamos Ok. Uma operação Op pode ser realizada por meio de uma gama de alternativas de operações Ok, de modo que uma operação Ok sempre é prescindível, mas alguma operação Ok sempre é necessária. A análise estratégica explora a maneira de combinar todas as variáveis mencionadas para incorporar viabilidade a cada operação do próprio plano. O princípio estratégico fundamental consiste em conseguir uma combinação com a qual cada operação jogada abra caminho a outra que vem a seguir, até realizá-las todas numa determinada trajetória. Naturalmente nossos oponentes buscarão fazer o mesmo em relação a seus planos. As possibilidades de combinação, num jogo de três atores A1, A2 e A3, em relação ao plano de A1 que contempla 3 operações Op1, Op2 e Op3, podem ser vistas na ilustração a seguir. Matus, C. O Plano como Aposta. São Paulo em perspectiva. 5 (4): 28-42 out/dez. 1991 39 Autoridade Cooptação Negociação Confronto Decisão A2 A3 OP1 OP2 OP3 Atores t1 t2 O Gráfico tridimensional explica uma estratégia possível de A1. Este ator propõe-se a negociar com o ator A2 e cooptar A3 para a realização da operação Op2, como forma de iniciar sua trajetória de jogadas. Este cálculo deve ser feito para cada operação, a fim de que a estratégia dê forma a uma trajetória em que cada operação situa-se em dadas coordenadas estratégicas. As coordenadas da operação Op1 no tempo t1, por exemplo, são: Op1 [(negociação, A2), (cooptação, A3)] t1 A estratégia deve procurar esquivar-se ao confronto, para realizar o plano por consenso (autoridade, cooptação, negociação) mas, se o confronto é inevitável, convém chegar a ela escolhendo o momento em que as condições sejam melhores, vale dizer, naquela situação em que podemos exercer mais pressão que os outros oponentes. Para isso, a condição é a seguinte: Motivação sobre Opx Vetor de peso aplicável (+) Motivação sobre Opx Vetor de peso aplicável (-)0 Ator A1 Pressão de A1 Oponentes Pressão dos oponentes> Por conseguinte, boa parte da qualidade de uma estratégia decide-se na escolha do confronto ou negociação conflitiva, e do momento para fazê-lo. Deve ser vencido antes que ocorra, criando-se as condições prévias mais favoráveis para o êxito. Se formos capazes de explorar tudo isso de forma razoável, então estamos preparados para jogar com o suporte de um cálculo estratégico eficaz. Agora, resta apenas atuar com este suporte em cada momento do jogo, já que só a ação altera a realidade. NO MOMENTO DE FAZER, DECIDE-SE TUDO O quarto problema: “fazer”, refere-se a atuar, a jogar, a realizar de acordo com o plano. É curioso que o problema do fazer ocupe pouco espaço na teoria da planificação, quando o plano só se completa na ação, nunca antes. Este é um ponto de extrema importância prática. Não existe a possibilidade de um plano completo em seu delineamento e cálculo estratégico antes da ação. Na improvisação tática da ação do momento, completa-se o conteúdo prático do plano. Em consequência, um tema central de preocupação deve ser o estudo das forças que, no momento da prática, decretam o domínio da improvisação sobre o plano ou do plano sobre a improvisação. Esta é uma luta típica que se expressa na desigual concorrência entre as urgências e as importâncias na agenda do dirigente. Como a improvisação é um cálculo situacional oportuno, supera facilmente a planificação tradicional, que é tecnocrática e lenta. Aqui surge um requisito bem preciso: o plano deve ser um cálculo superior à improvisação, para o que deve ser, não apenas oportuno, como também profundo e acertado. Estudar o momento de fazer conduz ao conceito de sistema de direção. A planificação pode ser Matus, C. O Plano como Aposta. São Paulo em perspectiva. 5 (4): 28-42 out/dez. 1991 40 parte ritual ou operacional do sistema de direção; que ocorra uma coisa ou outra, porém, não depende principalmente do sistema de planificação, mas das regras que sustentam o sistema de direção. Tais regras podem gerar demanda por planificação ou demanda por improvisação. O dirigente troca compromissos com seus superiores e subordinados. A prestação de contas quanto aos compromissos assumidos constitui regra-chave para compreender que uma direção responsável está submetida a uma estrita prestação de contas que a obriga a operar com uma gerência criativa, a dar espaço em sua agenda às importâncias e a sustentar o tratamento das importâncias com um poderoso sistema de planificação. Como são as regras do jogo institucional? É a pergunta chave para entender o que acontece com o sistema de direção e planificação. Se não existe uma direção responsável, a agenda fica tolhida de urgências, a gerência será rotineira e a planificação subsistirá como mero ritual de efeitos simbólicos. A velocidade de fazer, exigida pela velocidade dos acontecimentos, é um sério desafio ao que poderíamos chamar de tecnologia de planificação. Como resposta, a planificação estratégica situacional propõe o conceito de plano modular. O conceito de módulo alude à idéia de construir algo combinando peças previamente elaboradas. Essas peças elementares, naturalmente, estão abertas a muitas formas de combinação e significado, pois, de outra maneira, não seriam peças, mas obras fechadas. Em nosso caso, trata-se dois arquivos. O primeiro é o próprio plano como estrutura composta de módulos processados segundo critério e visão do ator que assume o plano. O arquivo plano é uma obra fechada à interpretação de um ator e a serviço de seu jogo. O segundo arquivo, em troca, é a reserva com a qual se constrói o primeiro e compõe-se de módulos pré-processados que podem ser postos em aplicações com rápidas adaptações às circunstâncias do jogo concreto do momento. Este é um arquivo aberto, não é produto de uma seleção situacional filtrada pela subjetividade de um ator. Pelo contrário, é formado por sedimentação de muitos planos anteriores ou pelo critério de várias equipes de estado-maior que entendem conveniente esta reserva para responder com agilidade ante à demanda de seus líderes. Surge aqui o conceito de “investimento” em módulos pré-processados, a fim de transformar o processo de fazer um plano no de “armar” e “adaptar” módulos previamente elaborados, na referência situacional do ator em comando. Boa parte do tempo de uma agência de planejamento deve ser dedicado a investir na elaboração e no processamento de módulos. Nessa tecnologia por módulos adotada pela PES, vale distinguir o seguinte: • módulos explicativos (macroproblemas, megaproblemas, problemas etc.); • módulos de ação (projetos de ação, operações, ações etc.); • módulos de gestão (organismos que assumem responsabilidades por problemas e operações); e • módulos complementares (cenários, planos de contingência etc.). Esta proposta de trabalhar com módulos tem muitas vantagens. Entre outras, a de precisão e rigor que sua conformação exige, constituindo-se frente à ambigüidade e à imprecisão prática da planificação tradicional. A idéia do plano modular permite ainda a vinculação real do plano e do orçamento, já que entrega ao plano a função de ser instrumento de organização para ação, com responsabilidades bem definidas. Não obstante, na prática diária da ação, nada vai ocorrer exatamente como planejado e, às vezes, não acontecerá nada daquilo a que nos propusemos. Haverá falhas de análise dos problemas, deficiências nos fundamentos das apostas, incapacidade de prover possibilidades, aparição de surpresas, agradáveis e desagradáveis, equívocos, no cálculo estratégico e atrasos não considerados na gestão rotineira da burocracia que executa as operações do plano. Nenhuma técnica de planificação é segura diante da incerteza do mundo real e devemos nos apoiar em nossa capacidade para acompanhar a realidade. Aqui cabe recordar a análise do grande filósofo Hume, que se espantava com o cálculo que um cão faz para perseguir e alcançar um coelho. Trata-se de um plano em condições de alta incerteza. O cão tem capacidade nula de predição e baixa capacidade de previsão quanto aos movimentos do coelho. No entanto, tem um plano de perseguição baseado na capacidade de reagir com rapidez diante dos inesperados movimentos da presa, e esse plano apoia-se num sistema de acompanhamento dos movimentos do coelho. Notável, neste caso, não é precisamente, a preocupação de Hume com as inimagináveis matemáticas que o cão utilizaria para reduzir ao mínimo o percurso de sua perseguição, mas a capacidade do animal de alterar seu plano de caça, com o máximo de rapidez, toda a vez que o coelho alterar sua rota de fuga. Matus, C. O Plano como Aposta. São Paulo em perspectiva. 5 (4): 28-42 out/dez. 1991 41 Se o cão adotasse um único plano e, depois, o seguisse cegamente, fracassaria seu objetivo. Assim, nada é mais importante que a sequência Cálculo Ação Correção como método para aproximar-se do objetivo em sistemas de incerteza inexorável. E aqui é onde importa a direção estratégica, pois, de outra forma, o cão pode distrair-se diante de qualquer urgência e perder a noção de seu plano principal. O cão e o coelho de Hume C1 L1 C3 L3 C2 L2 C4 L4 A CONFIABILIDADE DO PLANO O plano não é um anúncio de meios e resultados fundamentado em cálculos científicos certos. O plano é uma grande aposta sustentada em apostas parciais. Daí é válida a pergunta: Qual a probabilidade de êxito dessa grande aposta? Esta questão aponta para a confiabilidade do plano e permite avaliar as condições α. A confiabilidade de um plano aparece como tema crítico apenas no momento em que se toma consciência de que o plano é constituído por cadeias de apostas prescritivas, estratégicas e operacionais. O plano pode falhar por debilidades em alguns dos elos dessas cadeias. Portanto, todo plano deve estar acompanhado da análise de sua confiabilidade. E este metaproblema cruza os quatro temas anteriores e cada instância de recálculo e adaptação do plano às novas realidades. A necessidade do plano dual como resposta à interferência do outro obriga a ver também a análise da confiabilidade nessa perspectiva. No plano dual, a aposta é dupla. Aposto no êxito de minha ação e aposto no êxito de minhas demandas e denúncias. A confiabilidade do plano também inclui, por consequência, a dosagem na qual se combinam esses dois aspectos do plano situacional. UMA DINÂMICA DE QUATRO ELEMENTOS Esses quatro grandes temas constituem os quatro momentos da dinâmica do processo de planificação que distingue o enfoque situacional. Estes quatro elementos coincidem, justamente, com os quatro temas expostos, a saber: • Primeiro momento: explicativo (foi, é, tende a ser) - que se refere à construção de explicações para fundamentar a própria ação e interferir e compreender a ação dos componentes. A apreciação da situação conduz aos objetivos, e os objetivos à seleção de problemas e ao aprofundamento da explicação situacional. • Segundo momento: normativo ou prescritivo (deve ser) - que se refere à seleção das operações e ações necessárias para atingir os objetivos. Neste momento, o plano adquire a forma de propostas de decisão que devem ser tomadas a partir da situação inicial. O Matus, C. O Plano como Aposta. São Paulo em perspectiva. 5 (4): 28-42 out/dez. 1991 42 momento normativo implica um cálculo aproximado dos resultados. Por isso, é preciso reconhecer a existência da incerteza e das surpresas, trabalhando com cenários, planos de contingência e outros métodos apropriados. Deste modo, a situação-objetivo de um plano sempre está condicionada à ocorrência de um cenário. • Terceiro momento: estratégico (pode ser do deve ser) - que se refere a explorar diferentes modos de jogar, considerando os oponentes e os aliados, para incorporar viabilidade ao plano concebido no segundo momento. Aqui, a criação das condições políticas para a ação econômica e das condições econômicas para a ação política é fundamental. O cálculo interativo que caracteriza o momento estratégico é o que demanda o processamento técnico- político que compõe toda estratégia. • Quarto momento: tático-operacional (fazer) - é o momento da ação: a ação, porém, nunca é a mera execução do plano mas uma adaptação deste às circunstâncias do momento. Aqui tendem a predominar as urgências, a velocidade da ação, as deficiências dos organismos executores, a desinformação, a distração tática e a incapacidade de recalcular o plano e não entregar-se à improvisação. Aqui o essencial é dispor de um sistema de direção estratégica, de uma agenda do dirigente que chame atenção sobre as importâncias e processos, de modo técnico-político, as propostas centrais de decisão. Mas nada disso é possível se o jogo institucional for de baixa responsabilidade, não existir gerência criativa por operações e o dirigente não prestar contas nem souber exigi-las de seus executivos. Nesse momento decide-se tudo e, na prática, isto se verifica com o domínio do plano sobre a improvisação ou da improvisação sobre o plano. Cada momento é uma estância inesgotável, pois a ele sempre se regressa, e requer particulares ferramentas metodológicas de trabalho. O plano é apenas um produto renovável desta incessante dinâmica. O plano sempre está se fazendo mas sempre está pronto para dar suporte a ação do dirigente. VISÃO CURTA E VISÃO AMPLA Mas onde nos conduz esta incessante dinâmica de cálculo? Qual a eficácia e validade do objetivo que perseguimos? Como podemos imaginar nosso futuro? Como podemos verificar se as metas que para nós traçamos levam a algo de valor? Nossos planos têm um valor independente da sabedoria dos objetivos que traçamos? As urgências nos distraem da planificação, mas o jogo da planificação a curto prazo pode, por sua vez, distrair-nos e cegar-nos quanto à reflexão sobre nosso lugar no mundo nos próximos quarenta anos. Quando estas perguntas surgem, ultrapassamos os limites da planificação estratégico-situacional como técnica de visão curta, para entrar no domínio da grande estratégica. O líder é o que vê mais além da esquina, mas só é estadista aquele que enxerga mais além da estrada. A grande estratégia exige uma forma de pensar radicalmente diferente daquela que aqui expusemos. A grande estratégia não é um jogo contra outros jogadores conhecidos, mas contra o óbvio, o rotineiro e o legitimado. É um jogo contra nós mesmos, como portadores de idéias de um mundo de seguidores. Lutamos para percorrer de novo, com menos atraso, a mesma via que seguem aqueles a quem imitamos? Se não pensamos na grande estratégia, estamos condenados a ser seguidores e a ficar sempre atrás dos que abrem o caminho que seguimos. Imaginemos que estamos guiando um veículo no meio da neblina e não podemos enxergar muito adiante. A comodidade e a conformidade nos oferecem uma fácil solução: seguir os faroletes vermelhos da traseira do veículo que vai à frente. Já não nos perguntamos quanto ao que se passa além da estrada que divisamos, simplesmente nos deixamos levar. O outro decide por nós, até despedaçar-se na bruma. Nossa única vantagem, neste caso, é ver como o outro cai primeiro. Vantagem efêmera, pois nossa incapacidade de pensar o futuro nos impedirá de aproveitá-la para encontrar nosso próprio caminho e resistir aos hábitos. Os gritos de lamento do veículo que nos antecede terão um eco nos nossos, um pouco mais tarde. Esta metáfora deve ser um sinal de alerta. Na América Latina não existe nenhum centro que se preocupe com a grande estratégia para esta região. A improvisação domina nosso dia-a-dia e a cegueira enevoa o caminho pelo qual trafegamos até onde não sabemos. A_Texto_Unidade_I_triangulodegoverno.pdf STRATEGIA CONSULTORES LTDA 5 de septiembre de 2006 Autor: FUNDACIÓN ALTADIR TRIÂNGULO DE GOVERNO CARLOS MATUS ROMO ii CONTEÚDO CONTEÚDO ................................................................................................................................... II 3 O TRIÂNGULO DE GOVERNO E O JOGO SOCIAL Quem está no jogo social deve apostar em resultados como em um cassino. Ou se retira do jogo. O cidadão vota por promessas sobre resultados. O governante deve fazer uma aposta tecnopolitica. Há, entretanto, uma grande diferença entre uma aposta tecnopolitica e uma aposta ao acaso. Na aposta ao acaso, não há controle nem influência sobre os resultados. Na aposta tecnopolitica o apostador tampouco controla o resultado, mas influi sobre ele. O que o governo faz pesa nos resultados. Ainda mais, pode pesar de maneira decisiva. O peso da ação sobre os resultados faz que o efeito da ação pública seja previsível. A palavra previsível significa que o resultado não depende inteiramente de quem atua. Depende também de outros participantes do jogo social e das circunstâncias. Logicamente, a previsão de resultados está relacionada com certas capacidades e propósitos do governo. Baixas capacidades e propósitos muito ambiciosos produzem uma previsão pobre de resultados. Enquanto maior é a capacidade de previsão de resultados, maior é a credibilidade do governo. E , em política, a credibilidade é quase tudo. Em conseqüência, é importante analisar as variáveis que estão por detrás de uma boa previsão de resultados. Os resultados de um governo são mais previsíveis na medida em que se cumprem cinco condições: 1º. Alta capacidade de governo, 2º. Bom desenho organizativo do aparelho público, 3º. Projeto de governo compatível com a capacidade pessoal e institucional de governo, quer dizer, com as duas primeiras condições, 4º. Contexto situacional coerente com o projeto de governo, e 5º. Sorte. Em todo caso, esta previsão não deve confundir-se com predição de resultados, segundo as concepções determinísticas. Previsão significa delimitação do espaço dos resultados possíveis conforme sejam as circunstâncias que abrigam a ação. Sem capacidade de previsão de resultados, não há governo. O conceito mesmo de governo é inerente à capacidade de antecipar os resultados do projeto comprometido, de chegar à situação esperada e desfrutar dela. Estas cinco variáveis podem reduzir-se a três, uma vez descartada a sorte e reordenados os outros quatro componentes. A qualidade da organização do aparelho do governo é um aspecto da capacidade institucional de governo, e também contribui a governabilidade. O contexto situacional sintetiza, a sua vez, os principais fatores determinantes da governabilidade. 4 O TRIÂNGULO DE GOVERNO Governar, então, exige articular três variáveis: a) O projeto de governo, entendido como a proposta de meios e objetivos que compromete uma mudança para a situação esperada, b) A capacidade de governo, que expressa a perícia para conduzir, manobrar e superar as dificuldades da mudança proposta, e c) A governabilidade do sistema, que sintetiza o grau de dificuldade da proposta e do caminho que deve percorrer-se, verificável pelo grau de aceitação ou rechaço do projeto e a capacidade dos atores sociais para respaldar suas motivações favoráveis, adversas ou indiferentes. Dirigir é assinalar e escolher uma direção. Também é a capacidade de segui-la, não obstante os obstáculos que ofereça. Nessa condução contam três variáveis: a direção ou norte escolhido, a dificuldade do caminho, e a capacidade de condução para driblar as dificuldades previsíveis do percurso. A direção é acertada se a bússola política explora com criatividade vários caminhos novos e aponta com o dedo do plano para onde estão e podem ser criadas possibilidades. A dificuldade do caminho deve calcular-se, sem exagero nem desconto, em um ato de previsão flexível do futuro desconhecido e de seus obstáculos. A capacidade de condução não surge espontaneamente com a eleição do líder, terá que ser criada. No exercício da liderança pública convergem três elementos: a proposta de objetivos, o grau de dificuldade que apresenta essa proposta e a capacidade para driblar tais dificuldades. Três vértices de um sistema complexo: objetivos, dificuldade 5 para alcançá-los e capacidade para lutar com essa dificuldade. Com outras palavras, o projeto de governo, a governabilidade e a capacidade de governo. É o triângulo de governo. Três variáveis fortemente inter-relacionadas mas, ao mesmo tempo, bem diferenciadas. Estas três variáveis sintetizam um modelo muito simples, mas potente para entender o processo de governo. O PROJETO DE GOVERNO (P): É uma proposta de intercâmbio de problemas. O dirigente oferece à cidadania uma empresa de realização e ações que produz benefícios e custos potenciais. Os benefícios eliminam problemas para alguns. Os custos criam problemas para outros. O projeto faz um balanço do valor dos problemas que elimina frente ao valor dos problemas que cria. Um projeto de governo bem desenhado gera, em seu período de vigência, um intercâmbio favorável de problemas para a maioria da população. Precisa objetivos e meios, e seu debate versa sobre o tipo de sociedade, as reformas políticas, o estilo de desenvolvimento, a política econômica, as mudanças no nível e qualidade da vida, etc., que parecem pertinentes ao caso e ao grau de governabilidade do sistema. Se expressa em uma seleção de problemas e em um conjunto de operações para enfrentá-los. Logicamente, o projeto de governo não só é o produto das circunstâncias e interesses do ator que governa, além de sua capacidade de governo. A eficácia do projeto depende do acerto para combinar o mundo dos valores com o aporte das ciências, em um ato de criatividade humana que é próprio da arte da política. Não bastam as ciências. Devem complementar-se com os valores. Não bastam os valores. Devem ser coerentes com as ciências. E a combinação adequada de ambas as esferas se obtém só com imaginação criativa em relação com as circunstâncias, os desafios e os objetivos perseguidos. A GOVERNABILIDADE DO SISTEMA (G): É uma relação entre o peso das variáveis que controla e não controla um ator durante sua gestão. trata-se, naturalmente, das variáveis relevantes e pertinentes ao projeto de governo. Também, depende da influência que o ator tem sobre as ditas variáveis, ou seja, do grau e o peso com que compartilha tais controles com outros atores. O peso das variáveis relevantes varia de acordo ao conteúdo do projeto de governo e a capacidade do governante. Quanto mais variáveis decisivas controla um ator, maior é sua liberdade de ação e maior é para ele a governabilidade do sistema. Quanto menos variáveis de peso controla, menor será sua liberdade de ação, ou seja, sua governabilidade sobre o sistema em relação a esse projeto. A governabilidade é sempre relativa a um ator e um projeto. 6 Perde-se ou ganha no exercício do governo, conforme sejam a aceitabilidade, a eficácia e o valor das decisões. A perda de governabilidade deteriora a capacidade de tomar decisões. O aumento da governabilidade amplia tais capacidades. Em síntese, a governabilidade expressa o poder de um ator para realizar seu projeto. É relativa a cada ator. Eu, tu e ele temos projetos distintos, controlamos diferentes variáveis, influímos sobre elas com peso desigual e atendemos a demandas ou exigências de grupos sociais com interesses específicos. O grau de dificuldade de meu projeto é distinto ao do projeto de meu oponente. E para driblar essas dificuldades, cada um tem sua própria capacidade de governo. A primeira relativização aponta a distinguir que um sistema social não é igualmente governável ou ingovernável para os distintos atores, pois cada um deles controla uma porção distinta de variáveis do sistema. A segunda relativização assinala que a governabilidade do sistema depende do conteúdo propositivo do projeto de governo. O sistema é mais governável para objetivos modestos e menos governável para objetivos ambiciosos e significativamente redistributivos. A terceira relativização indica que a governabilidade do sistema é maior se o ator pertinente tiver alta capacidade de governo e é menor se tiver baixa capacidade de governo. A governabilidade expressa a capacidade de resistência que oferece o sistema político-social a um projeto de governo e ao ator desse projeto. No uso comum do conceito de governabilidade há uma grande falta de rigor. Às vezes a confunde com o sistema que expressa o triângulo de governo em uma situação concreta, e se fala de crise de governabilidade. Outras vezes a confunde com a capacidade de governo. Em ambos os casos, perde-se a especificidade do conceito de capacidade de governo, com o qual se oculta a causa principal da crise do estilo de fazer política na América Latina. É o que Yehezkel Dror ([A Capacidade para Governar], 1995) chamaria a falta de profissionalismo na arte de governar. É o domínio do político improvisado, cujo capital se limita à experiência e a capacidade de liderança. Um curandeiro ou bruxo que, para sobreviver, teme e nega a medicina. Esta falta de rigor na precisão do conceito de governabilidade, que é dominante em alguns círculos intelectuais, impede uma boa análise do potente modelo conceitual que expressa o triângulo de governo. Oculta e confunde o importante espaço que deve ocupar esta nova disciplina transversal que podemos chamar Ciências e Técnicas de Governo. É uma disciplina destinada a potencializar a arte do político. A CAPACIDADE DE GOVERNO (C): É uma capacidade de liderança, ponderada pela experiência e os conhecimentos em Ciências e Técnicas de Governo. É uma capacidade de condução ou direção que se acumula na pessoa do líder, em sua equipe de governo e na organização que dirige. apóia-se no acervo de técnicas, métodos, destrezas e habilidades de um ator e sua equipe de governo requeridas para conduzir o processo social, dadas a 7 governabilidade do sistema e o compromisso do projeto de governo. Capacidade de governo é sinônimo de perícia para realizar um projeto. O domínio de teorias, métodos e técnicas potentes de governo e planejamento são uma das variáveis mais importantes na determinação da capacidade de uma equipe de governo. Quando falamos de teorias, técnicas e métodos de governo e planejamento nos referimos, por conseguinte, a alterar ou melhorar a capacidade de governo. Na capacidade de governo, seja pessoal, da equipe ou da organização, convergem três elementos: experiência, conhecimentos e liderança. Na experiência se acumula a arte que o conhecimento científico é incapaz de prover. Embora a arte, sem a companhia das ciências, é arte em bruto. Nenhum componente desta tríade vale por si mesmo. O que vale é o produto inseparável suas interações. Os conhecimentos sem experiência e a experiência sem conhecimentos valem pouco, e ambos ficam muito diminuídos diante da carência de liderança. O mesmo ocorre com esta última, se não estar associada aos conhecimentos e a experiência pertinente. A experiência só vale em relação ao capital cognitivo com o qual se acumula, e esse capital cognitivo está imaturo sem a dose de experiência necessária. CAPACIDADE DE GOVERNO = CONHECIMENTOS EM C&TG*LIDERANÇA /EXPERIÊNCIA Principais deficiências: Pessoal do Líder (falha comum bem variável). Equipe de Governo (falha comum bem variável). A Organização (falha comum falha desvalorizada). Sem capacidade de liderança, os conhecimentos e a experiência só podem produzir um bom assessor. Por sua vez, a capacidade de liderança, sem conhecimentos e experiência, produz políticos medíocres; é incapaz de produzir um líder estadista. O político comum é um ator com liderança e experiência, embora com grande debilidade em seu capital cognitivo. No triângulo de governo se diferenciam variáveis que são distintas e, ao mesmo tempo, mutuamente condicionadas. A diferenciação reconhece três sistemas de distinta natureza: o sistema normativo e propositivo de ações que conforma o projeto de governo, o sistema político-social que exige a ciência positiva para a análise da governabilidade do sistema, e o sistema de direção e planejamento que, como sistema de gestão, caracteriza a capacidade de governo. 8 O mútuo condicionamento indica, em troca, algo comum aos três sistemas: a ação humana. O projeto de governo é um conjunto de propostas de ação, a governabilidade do sistema se refere a possibilidades de ação e a capacidade de governo aponta às capacidades de ação. A capacidade de governo é a variável central. Entretanto é a menos valorada. É sinônimo de perícia acumulada na pessoa dos dirigentes, em sua equipe e na instituição mesma. No primeiro caso falamos de capacidade pessoal de governo. No segundo de capacidade institucional. Nesta capacidade de governo confluem também a qualidade dos sistemas de trabalho e a estrutura do desenho organizativo. Por conseguinte, elevar a capacidade de governo requer atuar sobre a perícia dos governantes e das instituições, sobre seus sistemas de trabalho - especialmente os sistemas de alta direção - e sobre o desenho organizativo. Neste último nível, o desenho macroinstitucional define tudo. Mas, a cabeça que encabeça este desenho está no gabinete do dirigente. Essa cabeça impõe um teto de qualidade a todos os componentes da capacidade de governo. Em geral, os líderes políticos têm uma perícia mutilada. São propensos ao imediatismo, a micropolítica, e a um excesso de confiança na arte, com menosprezo dos métodos de governo. A atração da prática política é tão forte, que até os políticos com boa formação acadêmica e bom nível intelectual caem nas mesmas deficiências. São pessoas inteligentes que superaram um processo de seleção muito duro. Alcançam experiência, têm ou desenvolvem capacidade de liderança, mas possuem uma formação intelectual departamentalizada. São advogados, economistas, engenheiros, sociólogos, médicos, e outros profissionais especializados em alguma disciplina vertical. Não sabem de métodos de governo. Não podem aprender, porque não sabem que não sabem. Mas, a prática política ignora esta carência, porque assume que sabem do que não sabem. depois de tudo, é sua especialidade. Os problemas de governo cruzam horizontalmente todas as especialidades. Não só no sentido temático já tradicional da interdisciplinaridade, pelo qual os problemas de saúde são, ao mesmo tempo, problemas políticos, econômicos, organizativos, jurídicos, etc. Isto é evidente e bem conhecido. A interdisciplinaridade não é o problema central nem o mais complexo que apresentam os problemas reais. Não basta com equipes interdisciplinares que contribuem com conhecimentos especializados em idiomas particulares incapacitados para a interação que exige a deliberação que precede a tomada de decisões. Um chinês não forma uma equipe interlinguística com um russo se ambos não tiverem uma formação lingüística em comum. Não se trata de uma simples tradução, mas sim de uma interação criativa. Há um cruzamento horizontal, transdepartamental, que exige uma metateoria para compreender o processo de produção social da perspectiva prática do ator comprometido na ação. Toda 9 decisão exige um suporte de conhecimento especializado vertical. Mas, além disso, requer do suporte transversal das ciências e técnicas de governo. B_Texto_Unidade_II_adocao do modelo PES.pdf 149o&s - v.13 - n.39 - Outubro/Dezembro - 2006 A Adoção do Modelo de Planejamento Estratégico Situacional no Setor Público Brasileiro: um Estudo de Caso D A ADOÇÃO DO MODELO DE PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO SITUACIONAL NO SETOR PÚBLICO BRASILEIRO: UM ESTUDO DE CASO Francisco Sobreira Neto* Flávio Hourneaux Junior** Edison Fernandes Polo*** RESUMO pesar da indiscutível importância do planejamento estratégico em organizações do setor privado, quando se trata de experiências semelhantes em órgãos do setor público brasileiro, os relatos tornam-se mais escassos, com metodologias utilizadas não claramente definidas, geralmente adaptações, não tendo sido formuladas es- pecificamente para a administração pública. Este artigo visa identificar os principais ele- mentos referentes à metodologia do Planejamento Estratégico Situacional (PES), e sua adoção pela Coordenadoria da Administração Tributária (CAT) do Estado de São Paulo. Trata-se de uma pesquisa exploratória com a utilização do método do estudo de caso, tendo sido selecionada uma experiência de destaque na administração pública tributária brasileira, apropriada para o estudo de caso único. São abordados no texto: os principais conceitos da administração estratégica na administração pública; o processo de planeja- mento estratégico da CAT com a adoção do PES; os principais resultados obtidos; e, final- mente, as conclusões e recomendações pertinentes, dentro do contexto do caso estudado. ABSTRACT espite all the importance of strategic planning in organizations of the private industry, similar experiences described in the public administration context are rare. Furthermore, the methodologies used in these cases are neither clear nor consolidated as they should be, because they are, in general, adaptations from their parallels of the private sector. This article aims at identifying the main elements concerning the Situational Strategic Planning (PES) methodology, and its adoption by the Tributary Administration Coordination (CAT) of the State of São Paulo. It consists of an exploratory study, introducing a notorious experience within the Brazilian tributary administration, which qualifies for a unique case study method. The text investigates: the main aspects of strategic management in the public administration; the process of strategic planning inside CAT with the PES adoption; the main results achieved; and, finally, the conclusions considering the case context. A *Doutorando FEA/USP **Mestrando FEA/USP ***Prof. FEA/USP o&s - v.13 - n.39 - Outubro/Dezembro - 2006150 Francisco Sobreira Neto, Flávio Hourneaux Junior & Edison Fernandes Polo INTRODUÇÃO Governo recebe do soberano as ordens que dá ao povo e, para que o Estado permaneça em bom equilíbrio, é preciso que, tudo compensado, haja igualdade entre o produto ou o poder do Governo, tomado em si mesmo, e o produto ou potência dos cidadãos, que de um lado são soberanos e de outro, súditos. (Rousseau, 1987:75). Na sua obra “Do Contrato Social”, Rousseau (1987), de certa forma, já colo- cava as dificuldades inerentes às atividades do Governo na busca do equilíbrio, da parcimônia, do bem-estar da sociedade como um todo. Muitos anos se passaram desde então e as dificuldades continuam as mesmas, se não aumentaram ainda mais, devido ao extremo dinamismo ao qual a sociedade de hoje está submetida. Como o Governo pode agir de modo a eliminar ou ao menos reduzir as desi- gualdades a que a população de uma forma geral estaria sujeita? A administração estratégica utilizada dentro do contexto público emerge, então, como um instru- mento de gestão que pode ser utilizado na tentativa de contribuir para o equacionamento e possível resolução desta questão. Wright, Kroll e Parnell (2000) afirmam que, dentre as principais características estratégicas das organizações públicas, destacam-se: o caráter de indispensabilidade da manutenção de uma sociedade civilizada; o necessário suprimento das necessidades básicas da socie- dade que não podem ser supridas pelas organizações privadas; e a disponibilida- de de produtos e serviços a todos os membros da sociedade. Já Campos (1998) ressalta que, no Brasil, desde os anos setenta, há todo um movimento voltado para estimular a democratização dos serviços públicos, especifi- camente da área de saúde. Em algumas experiências, ressalta o autor, graças à utilização de ferramentas de Planejamento Estratégico – no caso, variantes do Pla- nejamento Estratégico Situacional, objeto deste estudo –, vivenciou-se momentos de participação comunitária, no entanto, ainda limitados às Oficinas de Planejamen- to ou a algum departamento intermediário na hierarquia do setor público. No entanto, a pesquisa sobre administração estratégica em organizações públicas e sem fins lucrativos de caráter privado, em pleno início de século XXI, ainda se ressente de mais e melhores estudos. Segundo Wortman (1979), teoria e pesquisa em organizações sem fins lucrativos são um território virtualmente pouco explorado pelos estudiosos de administração estratégica. Hatten (1982) é um dos primeiros teóricos da administração estratégica que tentaram aplicar conceitos da matéria às áreas públicas ou às organizações sem fins lucrativos, porém com poucos casos práticos e resultados a serem discutidos. De acordo com Schendel e Hofer (1979), esta lacuna teórica e empírica se agrava quan- do se considera que algumas destas organizações sequer possuem estratégia. A combinação entre competitividade de mercado e decisões empresarias direciona uma organização para alcançar seus objetivos, pondera Ansoff (1979). Contudo, estas atividades são virtualmente inexistentes em entidades prestadoras de serviços públicos sem objetivo de lucro. Segundo o autor, as organizações pú- blicas têm um poder outorgado pela sociedade para fornecer os serviços necessá- rios à manutenção da infra-estrutura social, os quais não são fornecidos pelo se- tor privado, tais como saneamento, assistência social, segurança pública, entre outros. Ansoff (1979) ainda afirma que os subsídios recebidos pelas organizações públicas, para a consecução de seus objetivos e competências, desestimulam a atividade estratégica e, por conseguinte, há um estímulo à ineficiência. E que, após a Segunda Grande Guerra Mundial, época caracterizada pela escassez de recursos, as organizações passaram de um ambiente relativamente estável para ambientes de mudanças mais rápidas e de maior competição, necessitando, en- tão, de uma estruturação estratégica de suas administrações. Gaj (1986), em uma tentativa de sistematização do assunto, coloca que os elementos da estratégica no setor público são: a postura de mudança, o enfoque social, a revisão contínua das finalidades dos órgãos e das organizações, a eficá- O 151o&s - v.13 - n.39 - Outubro/Dezembro - 2006 A Adoção do Modelo de Planejamento Estratégico Situacional no Setor Público Brasileiro: um Estudo de Caso cia do sistema como exigência da comunidade, o desenvolvimento organizacional e a significativa capacidade de administrar conflitos. Dentro dessa concepção, em termos de estratégias e, também, em relação ao contexto público, é que se encontra a abordagem deste artigo. Primeiramente, trata-se do planejamento estratégico no contexto do setor público, descrevendo alguns conceitos, metodologias e casos de utilizações dos mesmos. Em seguida, faz-se uma explanação do método de Planejamento Estratégico Situacional - PES, que constitui a base teórica utilizada do caso estudado: o processo de planeja- mento estratégico realizado em uma das principais coordenadorias da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo - Sefaz-SP. Finalmente, são apresentadas as conclusões alcançadas com o estudo de caso. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS A pesquisa tem como fontes primárias informações do programa “CAT 2002”, da Sefaz-SP, bem como relatórios de acompanhamento e entrevistas pessoais não estruturadas e diretas, com os principais dirigentes, consultores da área de planejamento e participantes da equipe de mentores da operação Gestão Estra- tégica da Coordenadoria da Administração Tributária - CAT. A CAT destaca-se por sua relação direta com a arrecadação de tributos estaduais, cabendo-lhe seu con- trole e fiscalização. É por meio desse órgão que os contribuintes de tributos esta- duais se relacionam com o Estado de São Paulo. Trata-se de uma pesquisa exploratória com a utilização do método do estu- do de caso, tendo sido selecionada a experiência de destaque na administração pública tributária brasileira, atendendo às condições para o estudo de caso único estabelecidas por Albertin (1997), quais sejam: um caso crítico com teoria bem formulada; um caso extremo ou efetivamente único; um caso que revele algo novo. Green, Tull e Albaum (1988) definem a pesquisa exploratória como aquela que visa identificar problemas, realizar um estudo mais aprofundado desses e formular novas opções de cursos de ação. Campomar (1991) observa que o método de estudo de casos implica numa análise profunda de um número relativamente pequeno de situações, podendo chegar a apenas uma. O foco é direcionado à descrição completa e à análise do comportamento dos fatores de cada fenômeno, sendo irrelevantes os números envolvidos. Yin (1989) reitera-o como cientificamente aceito e muito utilizado nos estudos experimentais. Considerando que a pesquisa está contextualizada nas condições e nos requisitos metodológicos definidos, o estudo visa, então, buscar algumas respostas para as seguintes questões: Quais os pontos fortes e as limitações da metodologia do PES em órgão da administração fisco-tributária brasileira? Quais os principais resultados obtidos pela Sefaz-SP com a metodologia PES? A aplicação de conceitos e requisitos do PES atende a Sefaz-SP em suas necessidades de tratamento das questões estratégicas? O modelo de administração estratégica criado pela CAT da Sefaz-SP foi incorporado por outras áreas da organização ou se constituiu apenas em um instrumento formal de gestão da alta administração fazendária? Não está no âmbito do estudo avaliar a metodologia do PES propriamente dita, nem compará-la com outros métodos existentes. O estudo limita-se à expe- riência de concepção e implantação de um modelo de planejamento estratégico na CAT da Sefaz-SP, não permitindo generalizações. o&s - v.13 - n.39 - Outubro/Dezembro - 2006152 Francisco Sobreira Neto, Flávio Hourneaux Junior & Edison Fernandes Polo PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO SITUACIONAL – PES CONCEITOS SOBRE PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO NO SETOR PÚBLICO Ackoff alerta para a complexidade do processo de planejamento e da interdependência das decisões tomadas. Para ele, Planejamento é algo que fazemos antes de agir, isto é, tomada antecipada de decisão. É um processo de decidir o quê fazer e como fazê-lo, antes que se requeira uma ação. Planejamento é necessário quando a consecução do estado futuro que desejamos envolve um conjunto de decisões interdependentes, isto é, um sistema de decisão. A principal complexidade do planejamento, porém, advém mais do inter-relacionamento das decisões do que delas em si (ACKOFF, 1982: 2-3). A questão da dinâmica do ambiente e do papel do planejador é destacada no trabalho de Lorange e Vancil, (1976: 22). Para esses autores, qualquer empre- sa – na realidade, qualquer organização – é uma entidade evoluindo dinamica- mente, cujo ambiente situacional está sujeito a mudanças. Correspondentemente, para permanecer eficaz, o projeto de um processo de planejamento é uma tarefa contínua que exige vigilância e introvisão por parte da administração. Prahalad e Hamel (1995: 168) destacam a questão da viabilização do plane- jamento estratégico: “o planejamento estratégico é, na prática, um ‘crivo de viabi- lidade’. É uma ferramenta para garantir que as questões de viabilidade sejam totalmente abordadas”. As citações anteriores tornam-se mais significativas se consideradas sob a ótica do setor público, devido à magnitude da ação e à diver- sidade e multiplicidade de atores envolvidos. Comparando-se com o setor priva- do, existe relativa escassez de modelos de planejamento estratégico para o setor público, bem como é escassa a literatura a respeito do assunto, apesar de sua importância (BRYSON, 1995). Segundo Mintzberg; A elaboração de uma estratégia é um processo extremamente complexo, que envolve os elementos mais sofisticados, sutis e, às vezes, subconscientes do pensamento humano [...] Uma estratégia pode ser deliberada. Ela pode refletir as intenções específicas da direção superior de uma organização; [...] estratégias podem ser desenvolvidas inadvertidamente, independente das intenções cons- cientes da direção superior e freqüentemente através de um processo de apren- dizagem (MINTZBERG, 1994: 25-26). Segundo Gaj (1986: 174), há dois métodos de planejamento estratégico público: o burocrático e o integrativo ou humanístico. No modelo burocrático, “as ordens, sugestões e planejamento emanam de cima, com pouca ou nenhuma par- ticipação das bases da pirâmide”. O planejador, o burocrata, não apresenta um comprometimento com o processo e seus resultados, tendo uma atitude utilitarista e irresponsável. No modelo integrativo, “o participante, como indivíduo, se afirma perante os administradores e deixa de ser uma partícula impotente que não tem participação ativa no processo (de planejamento)”. As idéias passariam a fluir de baixo para cima, aumentando o grau de participação. No entanto, o autor faz uma ressalva quanto a um possível exagero na participação, o que dificultaria o pro- cesso decisório. Para Bryson (1995), o sucesso da implementação de um plano estratégico dentro do setor público e de organizações sem fins lucrativos dependerá, ainda, da atuação dos responsáveis pelo processo, geralmente internos (insiders) aos órgãos em questão, cujo papel envolve extrema complexidade, exigindo habilida- de técnica e política. 153o&s - v.13 - n.39 - Outubro/Dezembro - 2006 A Adoção do Modelo de Planejamento Estratégico Situacional no Setor Público Brasileiro: um Estudo de Caso As citações anteriores tornam-se mais significativas se consideradas sob a ótica do setor público, devido à magnitude da ação e à diversidade e multiplicidade de atores envolvidos. Matus afirma que: estratégia é a arte de lidar com a incerteza, com a imprecisão e a névoa do amanhã, ainda que com indivíduos bem-identificáveis como eu, tu e ele, surpre- endidos num jogo que nos motiva para a cooperação e o conflito. [...] Refere-se a um jogo de poucos, [...] cada jogada é única, pessoal, o oposto da média anônima que surge do equilíbrio nos grandes agregados humanos (MATUS, 1996:11). Por meio dessa definição de Matus, pode-se vislumbrar como seria o novo modelo por ele proposto, o Planejamento Estratégico Situacional, cujas caracte- rísticas principais seriam a de ser um modelo não-determinístico e que levaria em conta a participação dos vários atores sociais e suas ações e reações, dentre os quais se inclui o próprio governo, que é justamente aquele que exerce o papel de planejador. No próximo item, serão descritos os principais aspectos deste método. METODOLOGIA DO PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO SITUACIONAL O Planejamento Estratégico Situacional, modelo consolidado na década de 1970, foi criado pelo economista chileno Carlos Matus, após anos de pesquisa e de experiências efetuadas no governo do Chile, do qual foi ministro do planeja- mento e presidente do Banco Central. A principal proposta do autor com o PES era causar uma ruptura com relação aos modelos usados tradicionalmente no plane- jamento, estratégico ou não, do setor público. Essa ruptura se daria se a questão colocada por Matus fosse respondida: “é possível um planejamento onde as técni- cas econômicas e as técnicas de investigação política se estruturem em uma nova síntese metodológica que, ao mesmo tempo, amplia seu universo de ação e a faça mais eficaz como método de governo?” (MATUS apud BELCHIOR, 1999: 28). O PES é uma metodologia recente e exclusiva ao setor público, e não uma adaptação ou customização. Segundo Huertas, É um método e uma teoria de Planejamento Estratégico Público [...] Foi concebi- do para servir aos dirigentes políticos, no governo ou na oposição. Seus temas são os problemas públicos e é também aplicável a qualquer órgão cujo centro do jogo não seja exclusivamente o mercado, mas o jogo político, econômico e social (HUERTAS, 1996:22-23). Com relação aos modelos usados tradicionalmente no planejamento públi- co, os conceitos do PES diferem substancialmente daqueles. Como mostra o quadro 1, existem significativas diferenças entre o planeja- mento estratégico tradicional e o PES. Trata-se, como Huertas (1996) afirma, de um novo enfoque, distinto do padrão vigente. O processo de planejamento não é um ato isolado. Ele influencia o ambiente social e por este é influenciado, um am- biente em que a incerteza é uma constante e no qual a ação do governo, enquan- to ator preponderante, não é tão livre e independente como se poderia pensar. Além disso, as situações ou problemas que ocorrem ou podem vir a ocorrer apresentam possibilidades quase infinitas de combinações entre os diversos ato- res sociais, sendo que tais problemas geralmente possuem uma grande complexi- dade e são apenas semi-estruturados, com várias possibilidades de solução efi- caz, dependendo do enfoque utilizado. o&s - v.13 - n.39 - Outubro/Dezembro - 2006154 Francisco Sobreira Neto, Flávio Hourneaux Junior & Edison Fernandes Polo Huertas (1996) considera o planejamento como uma ferramenta de governo, operando em sistemas complexos. De acordo com o autor, é possível conhecer a realidade e escolher como fazer planejamento por intermédio de quatro modelos: Determinista Puro: segue somente leis e a predição é exata e possível, como a órbita da terra. Não há incertezas nem surpresas, pois todos os problemas são bem-estruturados e dependem do conhecimento científi- co do planejador. Estocástico: segue leis probabilistas, em que todas as possibilidades são enumeráveis e as probabilidades, também, são objetivamente conheci- das. O exemplo claro são as leis de Mendel sobre a hereditariedade. Incerteza Quantitativa: enumera as possibilidades. Difere do anterior porque é impossível precisar as probabilidades objetivas de cada possi- bilidade. Envolve cálculo científico sobre as possibilidades e as probabili- dades. Apresenta vários planos de acordo com a quantidade de possibi- lidades oferecidas, e o planejador aposta em determinada probabilidade, se as possibilidades forem muitas. Incerteza Dura: enumera somente algumas possibilidades, já que a to- talidade é impossível. Não há como estabelecer probabilidades objetivas. A capacidade de previsão para a maioria das variáveis é nula. Exige cál- culos científicos parciais; a aposta é global e não mais numa probabilida- de. Há precariedade na capacidade de previsão e a árvore de possibilida- des futuras é nebulosa. O cálculo de risco é impossível. Seu sucesso vai depender da capacidade de governo. O PES enquadra-se no quarto modelo de planejamento para sistemas com- plexos, o de Incerteza Dura. Situa o sujeito que planeja dentro da realidade que vai receber os efeitos do planejamento, e não mais fora dela, como no caso do planejamento normativo. O ator que planeja possui uma visão particular da reali- dade e não tem controle sobre ela porque outros atores também a vêem ao seu modo, planejam e estão competindo entre si, muitas vezes em situação de con- fronto. A realidade que o planejamento pretende alcançar, não possui comporta- mento previsível, não se submetendo a uma lei rígida, bem como o comportamen- to dos demais atores geralmente muda de modo diferente daqueles imaginados pela racionalidade do plano. Os recursos são escassos, os valores são diversos, as formas de encarar os fatos são diferentes, os interesses são muitos e os crité- rios de eficácia e eficiência não são uniformes. 155o&s - v.13 - n.39 - Outubro/Dezembro - 2006 A Adoção do Modelo de Planejamento Estratégico Situacional no Setor Público Brasileiro: um Estudo de Caso Há, então, a necessidade de sobrepujar ou se desviar da resistência ao plano, por parte dos outros atores. Por isso, a concepção normativa do “deve ser” fica deslocada, sendo necessário considerar o “pode ser” e a vontade de fazer. Esse aspecto normativo ocorre somente num momento do estratégico e do operacional, pois tudo o mais está carregado de incertezas, o que torna impossí- vel enumerar todas as possibilidades e atribuir as probabilidades. Por isso, o mé- todo do PES considera que o planejador está frente a um problema quase- estruturado. Assim sendo, o final do plano está aberto a outras possibilidades que não se pode imaginar. Trata-se de um grande jogo social, no qual existem vários jogadores agindo, com a situação em constante mudança. Um outro ponto destacado por Matus (1993) em seu trabalho, e que o dife- rencia, é como ele enxerga o próprio governo dentro do processo de planejamen- to público. Um conceito que permeia o PES em todos os seus momentos, e é fun- damental para seu entendimento e eficácia, é o chamado Triângulo do Governo. Tal triângulo seria composto de três vértices: o programa de governo, a capacida- de do governo e a governabilidade do sistema. De acordo com Belchior (1999), esses três vértices condicionam-se mutuamente e devem ser equacionadas simul- taneamente. O programa de governo diz respeito às propostas que o planejador, no caso, o governo, tem em mente com base nos seus objetivos, considerando-se caracte- rísticas e restrições relacionadas aos objetivos propostos. A capacidade de gover- no é sua competência na condução dos processos e “refere-se ao acervo de téc- nicas, métodos, destrezas, habilidades e experiências de um ator e sua equipe de governo, para conduzir o processo social a objetivos declarados, dados a governabilidade do sistema e o conteúdo propositivo do projeto de governo (MATUS, 1993: 61). A governabilidade do sistema compreende aquelas variáveis que farão parte do processo de planejamento e que, por sua vez, podem ser divididas em controladas (pelo ator do planejamento) e não-controladas. Ou seja, quanto mais variáveis decisivas um ator controla, maior sua liberdade de ação e, por conse- guinte, a governabilidade do sistema. A eficácia do planejamento estará direta- mente ligada à compreensão deste ponto. Matus (1996) coloca, ainda, que o PES busca a eficácia do processo do pla- nejamento estratégico por meio das respostas a quatro questões, que ele deno- mina de âmbitos diferenciadores do PES, também chamados de quatro momentos do PES. A seguir, são sucintamente descritos cada um destes momentos e os elementos que deles fazem parte. PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DOS QUATRO MOMENTOS DO PES Momento Explicativo Diferentemente do que ocorre nos modelos de planejamento geralmente utilizados por empresas, há inúmeras explicações para os diversos fatos e ele- mentos envolvidos no planejamento, e cada explicação dependerá da interpreta- ção dos atores envolvidos. De acordo com Matus (1996), o planejador deve expli- car a realidade a partir da compreensão do processo de inter-relação entre os problemas, para ter uma visão de síntese do sistema que os produz. O valor dos problemas para cada ator social que participa do processo será geralmente dife- renciado. Neste momento, é realizado o diagnóstico e a análise situacional. A realidade tem tantas explicações quanto o número de jogadores que par- ticipam do jogo social. Contudo, as explicações que interessam são dadas pelos atores que têm influência sobre o jogo considerado. Esses atores são denomina- dos de atores sociais. Portanto, toda explicação é situacional porque é feita a o&s - v.13 - n.39 - Outubro/Dezembro - 2006156 Francisco Sobreira Neto, Flávio Hourneaux Junior & Edison Fernandes Polo partir da visão particular de um determinado ator, o que explica o nome do método de Matus. Dentro da perspectiva do PES, um problema é o resultado insatisfatório do jogo social para um ator desde que este o declare e se proponha a atacá-lo. A descrição de um problema expressa os fatos que revelam sua existência e os sintomas que o manifestam, na percepção do ator que o declara. Estes sintomas se enumeram como um conjunto de descritores do problema, que passa a ser chamado de Vetor de Descrição do Problema (VDP). Têm-se, conseqüentemente, os elementos da explicação: as jogadas (flu- xos); as capacidades (acumulações); e as regras do jogo (regras). As causas imediatas do placar do jogo são as jogadas (fluxos). Para se produzirem jogadas requerem-se capacidades de produção (acumulações). Mas as jogadas e as acu- mulações pertinentes e válidas são as permitidas pelas regras do jogo (regras). Todos estes componentes, considerados em conjunto, formam o VDP do problema. Posteriormente, serão definidos os chamados nós críticos do problema, pontos cruciais para a eficácia do processo. Um elemento é considerado nó crítico se atender a três requisitos: a) tem alto impacto sobre o VDP do problema; b) é um centro prático de ação, ou seja, algum dos jogadores deve poder agir de modo prático, efetivo e direto sobre a causa; e c) é um centro oportuno de ação política durante o período do plano. Ao conjunto dos nós críticos se dá o nome de Árvore do Problema. Ao conjunto formado pela Árvore do Problema, mais os fatores descritores do problema que não são críticos, dá-se o nome de Fluxograma Situacional. Há três possibilidades de classificação das causas de um problema de acordo com a influência do ator governo: Dentro da governabilidade: sob controle total do ator (governo) que explica e planeja; Fora da governabilidade: fora do controle do ator, mas com alguma ou nenhuma influência sobre as causas; Fora do jogo: causas provenientes de outros problemas que têm outras regras, outros jogadores e outros objetivos. Momento Normativo O Momento Normativo trata da formulação do plano, como objetivo de se produzir as respostas de ação em um contexto de incertezas e surpresas (HUERTAS, 1996). Ele apresenta um direcionamento que reúne a situação inicial analisada e a situação a qual se quer chegar (situação-objetivo), por meio desse direcionamento. O VDP se torna agora em Vetor de Resultados (VDR) e irá refletir a proposta do direcionamento dado a cada problema. O desenho da situação-objetivo identi- ficará os nós críticos da rede sobre os quais atuará o planejador e que se tornarão os pontos de ação futura. Neste momento, também, se constroem os cenários, situações em que se imaginam diferentes possibilidades de ação, a partir de con- dições e premissas variadas, considerando-se, inclusive, as contingências e sur- presas que possam ocorrer durante o processo. A síntese de todas estas possibilidades é feita pela Árvore de Apostas de cada problema, com as respectivas operações descritas também no chamado Banco de Operações, um conjunto de conhecimentos adquiridos e que servem de orien- tação para a ação em cada situação. O resultado final será o desenho prévio das operações para montagem do plano direcional. No entanto, é necessário que se verifique a consistência do plano (viabilidade das situações propostas), com base em dois aspectos: Eficácia das operações para atingir a situação-objetivo: Balanço entre os recursos requeridos para o seu desenvolvimento e os disponíveis. Portanto, o plano a ser formulado no momento normativo, para Huertas (1996), é modular e dinâmico. 157o&s - v.13 - n.39 - Outubro/Dezembro - 2006 A Adoção do Modelo de Planejamento Estratégico Situacional no Setor Público Brasileiro: um Estudo de Caso Momento Estratégico Nesse momento, identificam-se as diversas interações entre os atores e as oportunidades e restrições que daí decorrem. Segundo Belchior (1999), o plano direcional, definido anteriormente, será submetido à análise estratégica, decor- rente dos seguintes aspectos: Definição dos atores envolvidos com o plano e montagem da matriz de afinidades e motivações; Identificação dos recursos que são críticos para a viabilização do plano; Construção da matriz de peso dos atores; Realização da avaliação estratégica. Tais ferramentas possibilitariam ao planejador “obter um plano direcional que não seja apenas eficaz para alcançar a situação-objetivo, mas que também seja viável do ponto de vista político, econômico e institucional-organizativo” (MATUS apud BELCHIOR, 1999: 39). Segundo Huertas (1996: 69), este é o momento mais complexo do processo, porque “aponta para o problema político de analisar e construir a viabilidade do plano”. Se não houver uma interação entre os aspectos técnicos e a viabilidade política do plano, certamente todo o processo se tornará impraticável. Momento Tático-Operacional É o momento em que o plano se converte em ação. De Toni (2004) destaca esta importância ao dizer que “não podemos esquecer que o planejamento estra- tégico só termina quando é executado, é o oposto à visão tradicional do plano-livro que, separando planejadores dos executores, estabelecia uma dicotomia insupe- rável entre o conhecer e o agir”. Torna-se, portanto, imprescindível um monitoramento constante das ações e dos resultados que delas advêm. Do ponto de vista da administração estratégica, talvez seja este o momento mais complexo do processo (BELCHIOR, 1999). Considerando tal dificuldade, Matus (1993) pro- põe a divisão do direcionamento estratégico em cinco mecanismos distintos: Gerência por operações: implementação de uma administração por ob- jetivos, descentralizando a execução do plano, transferindo-se as res- ponsabilidades aos respectivos órgãos; Orçamento por programas: destinação dos recursos necessários pre- vistos nos vários módulos do plano; Petição e prestação de contas: estabelecimento dos procedimentos e critérios de avaliação para os recursos e responsabilidades destinados a cada órgão; Planejamento de conjuntura: mediação entre o plano e as ações relati- vas às questões que possam surgir no dia-a-dia da implementação do plano. Sala de situações: monitoramento intenso dos problemas de maior rele- vância, para dar suporte às decisões dos dirigentes. Matus apud Belchior (1999: 37) resume bem a compreensão sistêmica dos quatro momentos citados e sua relação direta com o resultado do processo de planejamento: cada momento, se é dominante, articula os outros, como apoio a seu cálculo; repetem-se constantemente, porém, com distinto conteúdo, tempo e situação; nunca esgotam sua tarefa, sempre se regressa a eles; em uma data concreta os problemas do plano se encontram em distintos momentos dominantes e, por fim, cada momento requer ferramentas metodológicas particulares (MATUS apud BELCHIOR, 1999:37). Desta maneira, comentaram-se, sucintamente, os principais elementos do PES. A seguir, descreve-se o estabelecimento do planejamento estratégico situacional na CAT da Sefaz-SP e apresentam-se os principais resultados da im- plantação. o&s - v.13 - n.39 - Outubro/Dezembro - 2006158 Francisco Sobreira Neto, Flávio Hourneaux Junior & Edison Fernandes Polo O PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO SITUACIONAL NA CAT DA SEFAZ-SP A CAT ANTERIOR AO PES Segundo Fagundes (2003), em 1995, a estrutura organizacional da CAT re- montava o ano de 1968 e passou por diversas alterações durante os anos. Ela se caracterizava, principalmente, por rígida hierarquia, centralização das decisões e verticalização da comunicação. As decisões não eram tomadas de modo articulado (com o envolvimento das áreas envolvidas), e a filosofia de trabalho do fisco ca- racterizava-se, principalmente, pela autuação dos sonegadores. Fiscalizar era si- nônimo de lavrar autos de infração, ainda que seus resultados não correspondessem à expectativa gerada, diante da disparidade do montante do crédito apurado nas autuações e do efetivamente recolhido. Contudo, as mudanças sociais, econômicas e políticas das duas últimas dé- cadas, ao lado do desenvolvimento da tecnologia da informação e aumento de tamanho e complexidade da máquina do Estado, passaram a exercer pressão sobre a estrutura organizacional e modelo de gestão, tornando-os cada vez mais inadequados. As necessidades de mudanças e de modernização da CAT decorre- ram, também, do aumento das exigências da população que passou a demandar serviços públicos de melhor qualidade e da própria necessidade interna de maior rapidez, melhor qualidade das informações e controle mais eficazes dos recursos arrecadados pelo Estado. Em 1995, foi estabelecido um programa de modernização, denominado Promocat, que teve início em janeiro de 1996, orçado em US$ 78,8 milhões, cujos recursos seriam provenientes em iguais partes do Tesouro do Estado e do Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID. Sucintamente, a CAT de antes do Promocat, segundo documento interno do programa, apresentava as seguintes características: Base de dados não confiável; Inexistência de informações gerenciais; Recursos humanos despreparados e desmotivados; Estrutura organizacional inadequada; Recursos materiais obsoletos; Processos de trabalho anacrônicos; Contribuinte considerado adversário; Demora na identificação dos omissos da declaração de apuração do imposto (40 dias); Demora na detecção e cobrança da inadimplência (55 dias); Valor do estoque da dívida impreciso; Comprometimento do direcionamento fiscal; Questionamento da competência da máquina fiscal; Indução à sonegação e à inadimplência. O PROJETO OEG-1 E O PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO DA CAT Anteriormente ao programa de modernização, o planejamento estratégico e o planejamento de operações fisco-tributárias da CAT eram desenvolvidos por uma diretoria específica, denominada Diretoria de Planejamento da CAT – DIPLAT. Com o advento do Promocat (Programa de Modernização da CAT), essa diretoria acabou sendo extinta, devido aos seguintes motivos: 159o&s - v.13 - n.39 - Outubro/Dezembro - 2006 A Adoção do Modelo de Planejamento Estratégico Situacional no Setor Público Brasileiro: um Estudo de Caso Perda de suas atribuições relativas às questões estratégicas, assumi- das temporariamente pelo programa de modernização, que atuava em paralelo à organização formal da CAT; Desvio de suas funções precípuas de planejamento, por haver assumido atribuições de caráter burocrático e não alinhadas ao planejamento; Descentralização funcional do planejamento tático-operacional por ou- tras diretorias; Falta de adequado alinhamento entre os objetivos das diretorias da CAT, as quais procuravam alcançar os objetivos que julgavam adequados, às vezes em dissonância com os objetivos das demais diretorias, e, por vezes, de maneira conflitante, sem coordenação, com dispersão de es- forços e sem foco na missão da coordenadoria. Durante determinado período de tempo a CAT deixou de realizar o planejamento de longo prazo. O Promocat, contudo, contemplava um projeto de- nominado Gerenciamento pelas Diretrizes – OEG-1 –, que tinha por finalidade im- plantar na CAT um modelo de gestão que priorizasse o planejamento estratégico. De acordo com Fagundes (2003), o projeto OEG-1 acarretou a criação de dois novos órgãos, fundamentais na estrutura da CAT. O primeiro órgão criado foi o Conselho Superior da CAT, cujo principal atribuição era dotar a Coordenadoria de uma gestão participativa. Dele fazem parte o coordenador, os coordenadores ad- juntos e os diretores. Foi o primeiro passo no sentido de direcionar as ações das diretorias para um alvo único. O segundo órgão criado foi a Assistência Fiscal de Planejamento Estratégico da CAT – APECAT –, ligada diretamente ao gabinete do Coordenador, com atribuições de executar as funções de planejamento e gestão estratégica na Coordenadoria. Na busca de capacitação para alcançar seus objetivos, a equipe do OEG-1 realizou pesquisas procurando conhecer outras experiências, como, por exemplo, a do planejamento estratégico de diversos órgãos do governo norte-americano, via GPRA – Government Performance Results Act. Contudo, a literatura de planeja- mento e gestão estratégica, tão farta e variada para a atividade privada, para o serviço público é ainda limitada, tanto no Brasil, quanto no exterior. Nesse momen- to, deu-se início ao estudo da metodologia do Planejamento Estratégico Situacional. Essa metodologia já vinha sendo empregada com sucesso em alguns órgãos pú- blicos brasileiros (BELCHIOR, 1999). O TRIÂNGULO DE GOVERNO NA CAT Segundo os entrevistados, o conceito de Triângulo de Governo foi ampla- mente discutido nas reuniões preliminares à concepção e implantação da nova metodologia na CAT. Em um primeiro momento, não foi possível tratar de maneira equilibrada os três vértices do Triângulo. Isto porque: vértice Programa de Governo, que se refere ao conteúdo dos projetos de ação que um ator se propõe a realizar para atingir seus intentos, foi muito bem desenvolvido; vértice Capacidade de Governo, que engloba as técnicas, métodos e habilidades de um gestor e respectiva equipe de planejamento para con- duzir o processo a fim de cumprir seus objetivos, gerou aspectos positi- vos, como a criação da APECAT e os produtos do Promocat, e aspectos negativos, como o conflito criado entre a estrutura paralela de gestão do programa, mais ágil e simples, e a estrutura formal hierárquica da CAT; vértice Governabilidade do Sistema, que engloba as variáveis de deci- são controladas e não controladas (que fogem ao controle do gestor e sua equipe), possibilitou identificar significativo número de nós críticos, classificados como dentro da governabilidade. o&s - v.13 - n.39 - Outubro/Dezembro - 2006160 Francisco Sobreira Neto, Flávio Hourneaux Junior & Edison Fernandes Polo Contudo, aqueles aspectos relacionados com a demanda de soluções fora da governabilidade da organização não foram trabalhados. Entre os principais motivos alegados para o desequilíbrio do triângulo foram mencionados: Caráter pioneiro da iniciativa de implantação do PES; Desconhecimento do método ou descrédito quanto aos resultados da iniciativa de planejamento estratégico; A resistência à mudança com a implantação do PES e opção de algumas áreas por outras metodologias; A complexidade do programa de governo desenhado; Desconhecimento de especificidades próprias da aplicação do PES em administrações de caráter fisco-tributário. OS QUATRO MOMENTOS DO PES NA SEFAZ-SP Com o auxílio de consultoria externa, contratada pelo programa de moder- nização, a CAT deu início à implantação do PES com o desenvolvimento do momen- to explicativo. Documento interno do projeto informa que o ator social que decla- rou o problema foi o Conselho Superior da CAT. Informa, ainda, que o problema declarado, diante das diretrizes do Programa CAT 2002, foi a baixa arrecadação do ICMS em relação às expectativas do Estado. Considerando que não existem meios de se medir níveis de sonegação, a equipe de planejamento trabalhou com as possibilidades de incremento da arrecadação e combate à evasão do principal imposto de competência estadual, ou seja, o Imposto sobre a Circulação de Mer- cadorias e Serviços – ICMS. Desse modo, o vetor de descrição do problema foi o “d1: a arrecadação realizada corresponde a uma porcentagem da arrecadação esperada”. Começou-se, então, a desenhar um complexo fluxograma situacional, sen- do realizado primeiramente o ordenamento horizontal das causas do problema, identificando-se regras, acumulações e fluxos. Para melhor entendimento deste desenho, tomou-se como exemplo o Sistema do Contencioso Administrativo, en- tendido aqui como o conjunto de meios processuais ou de normas jurídicas regu- ladoras das atividades dos tribunais administrativos ao serviço da garantia dos particulares ou dos contribuintes de tributos. Desta forma, uma jogada constata- da foi a morosidade no julgamento dos processos fisco-tributários. Na maior par- te, estes processos são originados por autos de infração, lavrados por agentes do fisco contra contribuintes que tenham cometido alguma irregularidade no cum- primento de suas obrigações fiscais. Esta morosidade acontece por conta de um Sistema de Contencioso Administrativo inadequado, ineficiente e ineficaz, que re- Figura 1- Fluxograma Situacional (parte) Fonte: Fagundes e Freire (2002: 26-28). 161o&s - v.13 - n.39 - Outubro/Dezembro - 2006 A Adoção do Modelo de Planejamento Estratégico Situacional no Setor Público Brasileiro: um Estudo de Caso presenta a acumulação. Já este Sistema é regido por uma regra segundo a qual a legislação que orienta o processo do contencioso permite trâmite longo. Segundo o ordenamento vertical das causas, que tratam da governabilidade do ator, o fluxo e a acumulação do exemplo se encontram dentro da governabilidade do Conselho Superior da CAT, e a regra fora da governabilidade, porém dentro do jogo. A Figura 1 representa uma pequena parte do desenho deste fluxograma. Após o levantamento das causas do problema e montado o fluxograma situacional, foram detectadas nove causas centrais, chamadas nós críticos. Dois deles, Infra-Estrutura Inadequada ou Ineficiente (NC 11), ligada a uma outra coordenadoria da Sefaz-SP, e a Legislação do Contencioso (NC 9), dependem da Assembléia Legislativa Estadual. Desse modo, foram classificados como Fora da Governabilidade, ou Região II da Figura 1. Verificou-se, ainda, que os outros sete nós críticos, considerados como Dentro da Governabilidade do Conselho Superior da CAT, Região I da Figura 1, concentravam-se na coluna de Acumulações, revelan- do uma fragilidade da CAT na solução de seus problemas, ou seja, uma deficiência em sua capacidade de governo. São eles: Sistema do Contencioso Administrativo Inadequado, Ineficiente e Inefi- caz (NC 1); Perfil Profissional Inadequado (NC 2); Carência de Instrumentos de Gestão Estratégica (NC 4); Sistema Preventivo da Sonegação Fiscal Repressivo e Debilitado (NC 5); Inadequação dos Sistemas de Informação Tributários (NC 6); Sistema de Direcionamento dos Trabalhos Fiscais não induz aos Resulta- dos de Arrecadação Esperados (NC 7); Revisão do Prêmio de Produtividade (NC 8). Observação: os nós críticos inicialmente criados como (NC 3) e (NC 10) fo- ram posteriormente englobados pelos demais. No momento normativo do PES, para cada nó crítico foi desenhada uma operação com seus descritores, produtos e resultados esperados. Foram organi- zadas equipes de trabalho para sua execução, sob a coordenação de um gestor de operações que prestava contas ao Conselho Superior da CAT. Conforme Fagundes (2003), o desenho das operações, ou plano direcional, foi feito em ses- sões de trabalho denominadas oficinas, mediante grupos de trabalho constituídos por integrantes de todas as áreas da CAT e por consultores convidados segundo a especificidade e necessidade de aprofundamento dos temas. Para o NC 4 – Carência de Instrumentos de Gestão Estratégica –, por exemplo, foi constituída a Operação 4 (Gestão Estratégica). Para os demais foram criadas uma ou mais ope- rações, conforme a menor ou maior complexidade do nó crítico. De acordo com a metodologia do PES, e a fim de subsidiar o estudo de possíveis cenários estratégicos, foi elaborada a Árvore de Resultados do Plano Estratégico, na qual consta o detalhamento de todas as operações, dos produtos e resultados esperados; ficando visível, a exemplo do que consta na Figura 1, de maneira sucinta, tudo o que se pretende realizar e as relações de interdependência entre operações. Ainda com o momento normativo, segundo relato dos entrevis- tados, foi realizada a análise de consistência do plano, pelo exame de seus dois principais aspectos: eficácia das operações e balanço entre recursos requeridos e disponíveis. No entanto, o estudo de cenários possíveis se limitou ao desenho daquele sob situação mais favorável. Não foi possível realizar a configuração para um cenário desfavorável ou para um intermediário entre o otimista e o pessimista. Este fato, segundo os planejadores, fez com que a implantação da metodologia acontecesse de maneira parcial, ficando para um momento posterior o seu estudo completo. Não foram construídos os Planos de Contingência para cenários possíveis, nem a Árvore de Apostas, constante da teoria do PES. O principal motivo, segundo os planejadores, foram as necessidades de se absorver a arquitetura de projetos implantada pelo Promocat no fluxograma situacional e de se apresentar resulta- o&s - v.13 - n.39 - Outubro/Dezembro - 2006162 Francisco Sobreira Neto, Flávio Hourneaux Junior & Edison Fernandes Polo dos de curto prazo. A necessidade de apresentar resultados e de inserir os proje- tos do programa de modernização nas competências ordinárias da CAT, já que estavam sendo geridos e implantados numa estrutura paralela àquela formal da CAT, fez com que o momento estratégico fosse deixado, também, para uma segun- da fase do modelo de gestão estratégica da CAT. Desse modo, o plano direcional definido no momento normativo acabou não se submetendo ao processo de aná- lise estratégica, não sendo gerados: o rol dos atores envolvidos com o plano, o desenho da matriz de afinidades e motivações, a identificação de recursos críticos, a matriz de peso de atores e o desenvolvimento do cálculo estratégico, conforme descritos no item 3.3.3. O momento tático-operacional, também, foi parcialmente implantado, já que dos cinco mecanismos de direção estratégica do PES, explicados no item 3.3.4, apenas os dois primeiros se confirmaram: a gerência por operações, que visava à implementação de uma administração por objetivos e a conseqüente descentralização do plano, foi implantada com bons resultados; e o orçamento por programas, que visava a respectiva destinação de recursos orçamentários aos módulos operacionais do plano, mostrou-se eficiente e funcional. Por não ha- ver maior conhecimento e experiência para a definição e controle de indicadores de desempenho e de resultados dos projetos e operações, ficou prejudicada a implantação do mecanismo de petição e prestação de contas, em que são expos- tos os critérios e procedimentos de avaliação da aplicação dos recursos. Os itens planejamento da conjuntura e sala de situações também não foram implantados, sendo substituídas pelas discussões e deliberações do Conselho Superior da CAT. PRINCIPAIS RESULTADOS E CONCLUSÕES De acordo com Belchior (1999), a motivação que leva os órgãos de governo a adotar o PES se fundamenta numa crise de realização, ou seja, na dificuldade dos governos em concretizar as ações previamente definidas. A metodologia re- cém-implantada contribuiu para a integração entre os órgãos subordinados a CAT, facilitando a identificação de deficiências na capacidade técnico-administrativa da organização e o alcance dos resultados desejados, bem como tirou o caráter pon- tual e emergencial do planejamento das ações. Segundo os entrevistados, o mé- todo melhorou a condução do processo decisório da CAT e deu maior coesão às equipes de planejadores, diretores, gestores de operação e líderes de projeto, por trabalharem com objetivos comuns formalmente definidos. Os entrevistados deram destaque ao apoio, incentivo e cobrança da alta direção da CAT, sem os quais o desenho do plano poderia se transformar num mero instrumento de boas intenções e se perder nos meandros do modelo burocrático dos órgãos públicos. Com relação a uma possível mudança, trazida pelo PES, no relacionamento das áreas-meio com áreas-fim, constatou-se que não foram percebidos movimen- tos de resistência ou desconforto com as medidas aplicadas, talvez porque o PES tenha sido implantado recentemente e de maneira parcial. Como o controle por resultados depende da criação e implantação dos indicadores de desempenho, ainda em fase de definição, não se pode afirmar ainda que o PES foi incorporado pela CAT ou que o plano se constituiu, até o momento, em um mero instrumento geral de administração. Quanto ao perfil dos agentes de planejamento, observou-se que boa parte dos integrantes da APECAT, dos gestores de operações e dos dirigentes regionais do estado vem passando por um processo de capacitação contínuo, a fim de que a cultura do planejamento não fique restrita ao staff da CAT, mas que seja dissemi- nada pela organização. Constatou-se, com este processo, a necessidade de a função de planejar ser desenvolvida por funcionários que tenham o perfil específi- co para esta tarefa; e que, ao longo do processo, aqueles que se mostrarem inaptos ou mais reticentes sejam substituídos ou estimulados a exercerem este papel. 163o&s - v.13 - n.39 - Outubro/Dezembro - 2006 A Adoção do Modelo de Planejamento Estratégico Situacional no Setor Público Brasileiro: um Estudo de Caso Ainda sob o aspecto da participação, apesar do esforço realizado na disse- minação da cultura do planejamento pelas áreas, não foi possível aos funcionários das áreas operacionais da CAT contribuírem para a definição das ações do PES. Os servidores que atuam nas bases ainda se limitam a fazer ajustes naquilo que foi estabelecido pelos superiores nas operações e projetos. O quadro 2 destaca, de forma resumida, os principais aspectos positivos e as oportunidades de melhoria identificados no caso estudado. Quadro 2 - Aspectos Positivos e Oportunidades de Melhoria no PES CAT-SEFAZ - Fagundes (2003) afirma que a situação da CAT exige que novas estruturas mentais sejam adotadas, também como conseqüência da tecnologia tornada dis- ponível que levou a novos paradigmas de comportamento, sob pena de dilapidação do grande capital acumulado até o momento, o que poderá ser evitado somente com uma mudança da cultura organizacional. O PES foi definido e implantado par- cialmente a partir do final de 2002, e desde então vem sendo constantemente avaliado e redesenhado, principalmente em termos de definição de novos nós críticos e conjunto de operações. Devido ao seu caráter dinâmico, segundo os entrevistados, a APECAT teve como proposta para os anos seguintes: formar a cultura do planejamento e de avaliação de resultados; implantar os módulos não implantados do PES, com base em oito nós críticos e sete operações recém-criados e na demanda de operação para o triênio 2004-2006. Desse modo, o artigo apresenta estudo realizado sobre as experiências de implantação do PES na CAT da Sefaz-SP, evidenciando as características gerais do modelo de planejamento adotado, os pontos fortes e as limitações da metodologia do PES em determinado órgão da administração tributária, os principais resulta- dos obtidos pela Sefaz-SP com a metodologia PES, o atendimento de necessida- des de gestão estratégica e a incorporação do PES por outras áreas da organiza- Fonte: criado pelos autores o&s - v.13 - n.39 - Outubro/Dezembro - 2006164 Francisco Sobreira Neto, Flávio Hourneaux Junior & Edison Fernandes Polo ção. O estudo trabalhou uma realidade específica e não pretendeu esgotar o as- sunto, bem como não permite generalizações. Porém, pode servir de ponto de partida para estudos em órgãos de administração tributária. Por fim, destaca-se a afirmação constante do documento BID (2001:10), relacionando modernização da administração pública com uma visão de gestão corroborada pelos princípios do PES: A modernização do estado é um processo de transformação cultural das instituições públicas. Consiste em passar de um estado burocrático – passivo, hierárquico e baseado em controles – para um estado flexível e dinâmico, cujo modelo de gestão esteja fundamentado em três princípios básicos: orientados para resultados e com capacidades de adaptação às mudanças externas e às novas demandas da sociedade; operado por gerentes e funcionários capacitados e comprometidos com suas funções através de um processo de participação e responsabilidade compar- tilhada; sustentado no controle efetivo da sociedade, construído a partir de práticas de transparência, ou seja, divulgação, participação e prestação de contas de todos os atos da gestão pública. O documento BID sugere, também, que a mudança cultural inerente ao pro- cesso de modernização somente se concretiza a médio ou longo prazo, o que pressupõe grande investimento em pessoas, métodos e informações. Sugere, ain- da, que o desenvolvimento articulado e contínuo dos objetivos de eficiência operacional (ênfase em tecnologia e informação), eficácia gerencial (ênfase em métodos e instrumentos de gestão), transparência e controle social (ênfase nas pessoas), e ética pública (ênfase em valores e princípios) são as bases de susten- tação do processo de modernização da gestão pública na busca de uma adminis- tração estratégica eficaz. Por fim, Fagundes e Freire (2002) concluem que o gran- de desafio para os gestores públicos é a efetiva integração do quarto objetivo ao processo de modernização, ou seja, a discussão e reflexão sobre os princípios e práticas éticas em todos os níveis da organização. REFERÊNCIAS ACKOFF, R. Planejamento empresarial. Rio de Janeiro: LTC, 1982. 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Trata-se de uma pesquisa exploratório-descritiva, com a utilização do método do estudo de caso, tendo sido selecionada uma experiência de destaque na administração pública direta brasileira, atendendo às condições de busca de maior familiaridade e novas percepções sobre a questão. Apresenta ainda alguns dos conceitos básicos da administração estratégica na administração pública; arrola as principais características da metodologia do PES, criado por Carlos Matus, a partir de suas experiências no governo chileno; expõe os avanços e as dificuldades obtidas pelo executivo municipal com a implementação do PES, em duas fases distintas; e, finalmente, apresenta as conclusões que resultaram do estudo, com destaque para a proposta de adoção de um modelo híbrido, no qual o PES e o Balanced Scorecard podem ser complementares. Abstract: The paper presents the evolution occurred in the strategic management process in the City of Santo André, Brazil, due to the application of Situational Strategic Planning – PES, in two different moments: first, from 1990 to 1996, and later, from 1997 to 2004. It consists in a both descriptive and exploratory research, using a case study, introducing a unique experience in the Brazilian public management, searching for more familiarity and new perceptions on the issue. The study displays some of the basic concepts on public strategic management; enlists the main characteristics of PES methodology, created by Carlos Matus, from his experiences in Chilean Government; shows the progresses and difficulties brought by the PES implementation in two distinct moments; and, finally, presents the conclusions and recommendations that come from the analysis, emphasising a proposal of an hybrid model, in which both PES and BSC may be complementaries. Palavras-chave: Administração Estratégica; Planejamento Estratégico Situacional; Balanced Scorecard 1. Introdução A pesquisa sobre administração estratégica em organizações públicas e sem fins lucrativos de caráter privado, em pleno início de século XXI, ainda se ressente de mais e melhores estudos. Segundo Wortman (1979), teoria e pesquisa em organizações sem fins lucrativos se constituíam, há pouco tempo, num território virtualmente pouco explorado pelos estudiosos de administração estratégica. Hatten (1982) é um dos primeiros teóricos da administração estratégica que tentaram aplicar conceitos da matéria às áreas públicas ou às organizações sem fins lucrativos, porém com poucos casos práticos e resultados a serem discutidos. Montanari e Bracker (1986) indicam que a diversidade das premissas, por vezes conflitantes, propostas sobre as metas na organização sem fins lucrativos torna essencial se pensar sobre a real finalidade da organização, antes de se identificar opções estratégicas. A combinação entre competitividade de mercado e decisões empresariais direciona uma organização para alcançar seus objetivos, pondera Ansoff (1979). Contudo, estes fatores são virtualmente inexistentes em entidades prestadoras de serviços públicos sem objetivo de lucro. Segundo o autor, as organizações públicas têm um poder outorgado pela sociedade para fornecer os serviços necessários à manutenção da infra-estrutura social, que não são fornecidos pelo setor privado, tais como saneamento, assistência social, segurança pública, entre outros. Eck e Tubaki (1994) colocam que, ao contrário das organizações privadas, que competem com base na atuação de conquista dos mercados, as organizações públicas têm a sua atuação baseada no alcance dos objetivos sociais, o que justificaria a sua existência dentro da sociedade. Gaj (1986), em uma tentativa de sistematização do assunto, afirma que os elementos da estratégica no setor público são: a postura de mudança, o enfoque social, a revisão contínua das finalidades dos órgãos, a eficácia do sistema como exigência da comunidade, o desenvolvimento organizacional e a capacidade de administrar conflitos. Dentro desta concepção, em termos de estratégias e também em relação ao contexto público, é que se encontra a abordagem deste artigo. Primeiramente, trata-se do planejamento estratégico no contexto do setor público, descrevendo alguns conceitos e sua metodologia. Em seguida, faz-se uma explanação do método de Planejamento Estratégico Situacional - PES, que constitui a base teórica utilizada do caso estudado: o processo de planejamento estratégico realizado na prefeitura municipal de Santo André. Finalmente, são apresentadas as conclusões originadas com o estudo de caso e uma proposta de utilização de conceitos do PES, com a utilização complementar do BSC - Balanced Scorecard. 2. Metodologia A pesquisa tem como fontes primárias informações do programa de diretrizes e metas para a prefeitura de Santo André, a pesquisa desenvolvida por Belchior (1999), bem como entrevistas pessoais não estruturadas e diretas, com os principais dirigentes responsáveis pela implementação da metodologia PES no município. Trata-se de uma pesquisa exploratória com a utilização do método do estudo de caso, tendo sido selecionada uma experiência de destaque na administração pública direta brasileira, atendendo às condições estabelecidas por Green, Tull e Albaum (1988) como pesquisa que visa identificar problemas, realizar um estudo mais aprofundado desses e formular novas opções de cursos de ação. Campomar (1991) observa que o método de estudo de casos implica numa análise profunda de um número relativamente pequeno de situações, sendo o mais apropriado para a investigação da complexidade dos fenômenos organizacionais, ao identificar as características mais expressivas dos fatos da vida real, incluindo processos gerenciais e organizacionais. Yin (1989) reitera-o como cientificamente aceito e muito utilizado nos estudos experimentais. Selltiz et al. (1974) destacam que ao se trabalhar em áreas relativamente não exploradas, o estudo de exemplo selecionado é muito produtivo para incentivar o entendimento e sugerir novas intuições e novas hipóteses para outras pesquisas. Considerando que o trabalho está contextualizado nas condições e nos requisitos metodológicos definidos, o estudo visa, então, buscar algumas respostas para as seguintes questões: • Quais os principais resultados obtidos pela prefeitura de Santo André com a adoção da metodologia PES? Quais benefícios e dificuldades a adoção do PES trouxe? • A aplicação de conceitos e requisitos do PES atende a prefeitura de Santo André em suas necessidades de tratamento das questões estratégicas? Não está no âmbito do estudo avaliar a metodologia do PES propriamente dita, nem compará-la com outros métodos existentes.O estudo limita-se à experiência de concepção, implantação e evolução de um modelo de planejamento estratégico na administração pública municipal direta brasileira, com destaque para os benefícios trazidos e as oportunidades de melhoria identificadas, não permitindo generalizações. 3. Referencial Teórico - 3.1. O Planejamento Estratégico Situacional (PES) O modelo do PES, consolidado nos anos 70, foi criado por Carlos Matus, após anos de pesquisa e de experiências efetuadas no governo do Chile, do qual foi ministro do planejamento e presidente do Banco Central. A principal proposta do autor com relação ao PES era de causar uma ruptura com relação aos modelos usados tradicionalmente no planejamento, estratégico ou não, do setor público. Essa ruptura se daria se a questão fosse respondida: “é possível um planejamento onde as técnicas econômicas e de investigação política se estruturem em uma nova síntese metodológica que, ao mesmo tempo, amplia seu universo de ação e a faça mais eficaz como método de governo?” (Belchior, 1999:28). O PES é uma metodologia recente e exclusiva ao setor público, e não uma adaptação. Segundo Huertas (1996:22-23), é “um método e uma teoria de Planejamento Estratégico Público [...] Foi concebido para servir aos dirigentes políticos, no governo ou na oposição. Seus temas são os problemas públicos e é também aplicável a qualquer órgão cujo centro do jogo não seja exclusivamente o mercado, mas o jogo político, econômico e social”. Há, portanto, significativas diferenças entre o planejamento estratégico tradicional e o PES. Trata-se, como Huertas (1996) afirma, de um novo enfoque, distinto do padrão vigente. O processo de planejamento não é um ato isolado. Ele influencia o ambiente social e por este é influenciado, um ambiente em que a incerteza é uma constante e no qual a ação do governo, enquanto ator preponderante, não é tão livre e independente como se poderia pensar. Além disso, as situações ou problemas que ocorrem ou podem vir a ocorrer apresentam possibilidades quase infinitas de combinações entre os diversos atores sociais, sendo que tais problemas geralmente possuem uma grande complexidade e são apenas semi-estruturados, com várias possibilidades de solução eficaz, dependendo do enfoque utilizado. Huertas (1996), considera o planejamento como uma ferramenta de governo, operando em sistemas complexos, sendo assim possível conhecer a realidade e escolher como fazer planejamento por intermédio de alguns modelos. O PES permite situra o sujeito que planeja dentro da realidade que vai receber os efeitos do planejamento, e não mais fora dela, como no caso do planejamento normativo. O ator que planeja possui uma visão particular da realidade e não tem controle sobre ela porque outros atores também a vêem a seu modo, planejam e estão competindo entre si, muitas vezes em situação de confronto. A realidade que o planejamento pretende alcançar, não possui comportamento previsível, não se submetendo a uma lei rígida, bem como o comportamento dos demais atores geralmente muda de modo diferente daqueles imaginados pela racionalidade do plano. Os recursos são escassos, os valores são diversos, as formas de encarar os fatos são diferentes, os interesses são muitos e os critérios de eficácia e eficiência não são uniformes. Há, então, a necessidade de sobrepujar a resistência ao plano por parte dos outros atores. Por isso, a concepção normativa do “deve ser” fica deslocada, sendo necessário considerar o “pode ser” e a vontade de fazer. Esse aspecto normativo ocorre somente num momento do estratégico e do operacional, pois tudo o mais está carregado de incertezas, o que torna impossível enumerar todas as possibilidades e atribuir as probabilidades. Por isso, o PES considera que o planejador está frente a um problema quase-estruturado. Trata-se de um jogo social, onde existem vários jogadores agindo, com a situação em constante mudança. Um outro ponto destacado por Matus (1993, e que o diferencia, é como ele enxerga o próprio governo dentro do processo de planejamento público. Um conceito que permeia o PES em todos os seus momentos, e é fundamental para seu entendimento e eficácia, é o chamado Triângulo do Governo. Este seria composto de três vértices: o programa de governo, a capacidade do governo e a governabilidade do sistema. De acordo com Belchior (1999), esses três vértices condicionam-se mutuamente e devem ser equacionadas simultaneamente. O programa de governo diz respeito às propostas que o planejador, no caso, o governo, tem em mente com base nos seus objetivos, considerando-se características e restrições relacionadas aos objetivos propostos. A capacidade de governo é sua competência na condução dos processos e “refere-se ao acervo de técnicas, métodos, destrezas, habilidades e experiências de um ator e sua equipe de governo, para conduzir o processo social a objetivos declarados, dados a governabilidade do sistema e o conteúdo propositivo do projeto de governo" (Matus, 1993:61). A governabilidade do sistema compreende aquelas variáveis que farão parte do processo de planejamento e que, por sua vez, podem ser divididas em controladas (pelo ator do planejamento) e não-controladas. Ou seja, quanto mais variáveis decisivas um ator controla maior sua liberdade de ação e, por conseguinte, a governabilidade do sistema. A eficácia do planejamento estará diretamente ligada à compreensão deste ponto. Matus (1996) afirma ainda que o PES busca a eficácia do processo do planejamento estratégico através das respostas a quatro questões, que ele denomina de âmbitos diferenciadores do PES, também chamados de quatro momentos do PES. A seguir, são sucintamente descritos cada um destes momentos e os elementos que deles fazem parte. a) Momento explicativo Diferentemente do que ocorre nos modelos utilizados por empresas, há inúmeras explicações para os diversos fatos e elementos envolvidos no planejamento e cada explicação dependerá da interpretação dos atores envolvidos. De acordo com Matus (1996), o planejador deve explicar a realidade a partir da compreensão do processo de inter-relação entre os problemas, para ter uma visão de síntese do sistema que os produz. O valor dos problemas para cada ator social que participa do processo será geralmente diferenciado. Neste momento são realizados o diagnóstico e a análise situacional. A realidade tem tantas explicações quanto o número de jogadores que participam do jogo social. Contudo, as explicações que interessam são dadas pelos atores que têm influência sobre o jogo considerado, denominados de atores sociais. Portanto, toda explicação é situacional porque é feita a partir da visão particular de um determinado ator, o que explica o nome do PES. Dentro desta, um problema é o resultado insatisfatório do jogo social para um ator desde que este o declare e se proponha a atacá-lo. A descrição de um problema expressa os fatos que revelam sua existência e os sintomas que o manifestam, na percepção do ator que o declara. Estes sintomas são enumerados como um conjunto de descritores do problema, que passa a ser chamado de Vetor de Descrição do Problema (VDP). Têm-se, conseqüentemente, os elementos da explicação: as jogadas (fluxos); as capacidades (acumulações); e as regras do jogo (regras). As causas imediatas do placar do jogo são as jogadas (fluxos). Para se produzirem jogadas requerem-se capacidades de produção (acumulações). Mas as jogadas e as acumulações pertinentes e válidas são as permitidas pelas regras do jogo (regras). Todos estes componentes formam o VDP. Posteriormente, serão definidos os chamados nós críticos do problema, pontos cruciais para a eficácia do processo. Um elemento é considerado nó crítico se atender a três requisitos: a) tem alto impacto sobre o VDP do problema; b) é um centro prático de ação, ou seja, algum dos jogadores deve poder agir de modo prático, efetivo e direto sobre a causa; e c) é um centro oportuno de ação política durante o período do plano. Ao conjunto dos nós críticos se dá o nome de Árvore do Problema. Ao conjunto formado pela Árvore do Problema mais os fatores descritores do problema que não são críticos dá-se o nome de Fluxograma Situacional. Há três possibilidades de classificação das causas de um problema de acordo com a influência do ator governo: (a) Dentro da governabilidade: sob controle total do ator (governo) que explica e planeja; (b) Fora da governabilidade: fora do controle do ator, mas com alguma ou nenhuma influência sobre as causas; e (c) Fora do jogo: causas provenientes de outros problemas que têm outras regras, outros jogadores e outros objetivos. b) Momento Normativo O Momento Normativo trata da formulação do plano, com objetivo de se produzir as respostas de ação em um contexto de incertezas e surpresas (Huertas, 1996). Ele apresenta um direcionamento que reúne a situação inicial analisada e a situação a qual se quer chegar (situação-objetivo). O VDP se torna agora em Vetor de Resultados (VDR) e irá refletir a proposta do direcionamento dado a cada problema. O desenho da situação-objetivo identificará os nós críticos da rede sobre os quais atuará o planejador e que se tornarão os pontos de ação futura. Neste momento também se constroem os cenários, situações em que se imaginam diferentes possibilidades de ação, a partir de condições e premissas variadas, considerando-se as contingências e surpresas que possam ocorrer durante o processo. A síntese de todas estas possibilidades é feita pela Árvore de Apostas de cada problema, com as respectivas operações descritas também no chamado Banco de Operações, um conjunto de conhecimentos adquiridos e que servem de orientação para a ação em cada situação. O resultado será o desenho prévio das operações para montagem do plano direcional. No entanto, é necessário que se verifique a viabilidade das situações propostas, baseada em dois aspectos: a eficácia das operações para atingir a situação-objetivo e o balanço entre os recursos requeridos para o seu desenvolvimento e os disponíveis. Para Huertas (1996) o plano a ser formulado no momento normativo é modular e dinâmico. c) Momento Estratégico Neste momento identificam-se as diversas interações entre os atores e as oportunidades e restrições que daí decorrem. Segundo Belchior (1999), o plano direcional, definido anteriormente, será submetido à análise estratégica, decorrente dos seguintes aspectos: • Definição dos atores envolvidos e montagem da matriz de afinidades e motivações; • Identificação dos recursos que são críticos para a viabilização do plano; • Construção da matriz de peso dos atores; • Realização da avaliação estratégica. Tais ferramentas possibilitariam ao planejador “obter um plano direcional que não seja apenas eficaz para alcançar a situação-objetivo, mas também viável do ponto de vista político, econômico e institucional-organizativo” (Belchior, 1999:39). Segundo Huertas (1996:69), este é o momento mais complexo do processo, porque “aponta para o problema político de analisar e construir a viabilidade do plano”. Se não houver uma interação entre os aspectos técnicos e a viabilidade política do plano, certamente todo o processo tornar-se-á impraticável. d) Momento Tático-Operacional É o momento em que o plano se converte em ação. De Toni (2004), destaca esta importância ao dizer que “não podemos esquecer que o planejamento estratégico só termina quando é executado, é o oposto à visão tradicional do plano-livro que, separando planejadores dos executores, estabelecia uma dicotomia insuperável entre o conhecer e o agir”. Torna-se, portanto, imprescindível um monitoramento constante das ações e dos resultados que delas advêm. Do ponto de vista da administração estratégica, talvez seja este o momento mais complexo do processo (Belchior, 1999). Considerando esta dificuldade, Matus (1993) propõe a divisão do direcionamento estratégico em cinco mecanismos distintos: • Gerência por operações: implementação de uma administração por objetivos, descentralizando a execução do plano, transferindo-se as responsabilidades aos respectivos órgãos; • Orçamento por programas: destinação dos recursos necessários previstos nos vários módulos do plano; • Petição e prestação de contas: estabelecimento dos procedimentos e critérios de avaliação para os recursos e responsabilidades destinados a cada órgão; • Planejamento de conjuntura: mediação entre o plano e as ações relativas às questões que possam surgir no dia-a-dia da implementação do plano. • Sala de situações: monitoramento intenso dos problemas de maior relevância, para dar suporte às decisões dos dirigentes. Matus apud Belchior (1999:37) resume bem a compreensão sistêmica dos quatro momentos citados e sua relação direta com o resultado do processo de planejamento: “cada momento, se é dominante, articula os outros, como apoio a seu cálculo; repetem-se constantemente, porém, com distinto conteúdo, tempo e situação; nunca esgotam sua tarefa, sempre se regressa a eles; em uma data concreta os problemas do plano se encontram em distintos momentos dominantes e, por fim, cada momento requer ferramentas metodológicas particulares”. Desta maneira, comentou-se sucintamente os principais elementos do PES. 4. O PES na Prefeitura de Santo André - o período 1990-1996 Segundo Belchior (1999), a administração superior do município identificou nove grandes limitações na abordagem de gestão estratégica até então adotada. Entre elas, indefinições quanto às responsabilidades e competências dos setores, processos obsoletos, política de comunicação desarticulada, estrutura organizacional inadequada, gerenciamento sem foco para objetivos e iniciativas de planejamento desintegradas e informais. Na busca de uma solução abrangente que pudesse atender a todas as demandas, a equipe de governo conheceu a metodologia do PES e o adotou como linha mestra de gestão estratégica. Assim, a partir de 1990, o PES foi incorporado à cultura organizacional e implementado a partir de cinco ações que mereceram destaque: o seminário para todos os atores do processo de planejamento; o detalhamento do triângulo de governo, já referenciado; o primeiro exercício de equilíbrio deste triângulo; a montagem da sala de situações; e os sucessivos ajustes do triângulo após o equilíbrio inicial. A implantação propriamente dita do PES na prefeitura foi precedida pelo estabelecimento de um amplo fórum de debates entre o executivo maior e as diversas secretarias que compunham a estrutura organizacional da organização, culminando com a escolha de agentes de planejamento das áreas. Estes agentes, afastados de suas funções por três meses, foram fundamentais no detalhamento do triângulo de governo, agindo desde então como atores do processo, e posteriormente, no trabalho de ajustes do plano e criação de mecanismos de controle e acompanhamento de projetos e ações, nos dois anos subseqüentes. Belchior (1999), em resumo, revela as motivações que originaram a adoção do PES no executivo municipal: • dificuldade do governo em concretizar ações previamente definidas (crise de realização); • deficiências relativas à capacidade financeira e à governabilidade inicialmente desapercebidas; • expectativa do método se constituir numa ferramenta na condução do processo de decisão de um governo em torno de suas prioridades e gerar coesão na equipe gestora; • expectativa de incorporação do instrumento gerencial pela hierarquia da organização e não apenas a constituição de um instrumento geral de controle de projetos e ações; • necessidade de um instrumento de sistematização das informações para maior transparência ao processo de participação popular e segurança em relação aos compromissos firmados com a comunidade; • necessidade de instrumento de prestação de contas e acompanhamento de projetos à sociedade local, para redução do conflito dotação orçamentária versus ações prioritárias. 1º. vértice do triângulo: o programa de governo: Ficou explicitamente evidenciado durante o processo de detalhamento dos projetos e identificação dos problemas da área de planejamento que um aspecto não estava claro, qual seja, o programa de governo. Segundo os entrevistados, acreditava-se inicialmente de que o motor do processo de gestão estratégica encontrava-se no vértice capacidade de governo. Contudo, somente com uma carta de intenções ou um programa de governo distante da clareza dos propósitos e visando uma quantidade grande de projetos sem o estabelecimento de critérios de prioridade, a gestão estratégica da prefeitura não alcança eficiência e eficácia. Durante o processo de detalhamento de projetos e problemas, e por conseguinte, de implantação do PES, complementa Belchior (1999), constatou-se que a capacidade econômica da organização se constituía de fato numa limitação, mas que se encontrava apenas obscurecida pelos problemas técnico-administrativos mais visíveis. Como, por exemplo, previsões de receitas superestimadas e necessidades de recursos econômicos insuficientes diante do detalhamento e especificação dos projetos prometidos, bem como no estabelecimento de objetivos comuns e eficácia na priorização dos projetos de governo. 2º. vértice do triângulo: a capacidade de governo: No que se refere à competência do ator e sua equipe de governo na condução das ações da prefeitura, os entrevistados deram maior destaque à criação da figura do agente de planejamento das áreas. Funcionários-chave de todas as secretarias da administração municipal foram convidados a desempenhar o papel de planejadores setoriais, trabalhando de maneira integrada com os demais, trazendo o conhecimento específico de suas áreas e, por sua vez, tomando conhecimento do todo da organização. Treinados na metodologia e afastados de suas funções corriqueiras por três meses, estes agentes puderam detalhar os principais problemas de capacidade apontados preliminarmente pela alta administração da prefeitura, indicando possíveis ações para resolvê- los. Em que pese não ser tarefa fácil juntar interesses de áreas, às vezes difusos ou até mesmo conflitantes entre si, Belchior (1999) destaca que este movimento dos agentes de planejamento proporcionou uma maior coesão entre equipes de trabalho, e por conseqüência, uma maior sintonia entre os setores. Alguns entrevistados viram nesta ação características de sinergia não encontradas antes da implantação e discussão dos conceitos do PES. O que se pode constatar também é que o grau de coesão é influenciado pela escolha dos membros que irão compor a equipe dos agentes de planejamento e é inversamente proporcional à respectiva autonomia de decisões. Isto é facilmente explicável uma vez que sendo um agente mais político do que técnico, sua autonomia e representatividade é maior, podendo gerar menos coesão. Se o funcionário for escolhido por critérios de capacidade técnica e confiança, a coesão acontece com maior freqüência; contudo a autonomia para a condução do processo e tomada de decisão é menor. Unânime é a visão de que o agente de planejamento precisa de um perfil pré-determinado para ocupar a função. Os entrevistados confirmaram que com a aplicação do método PES tanto os funcionários das áreas-fim quanto o das áreas-meio da prefeitura se sentiram um pouco incomodados com a obrigação de prestarem conta de suas atividades com maior freqüência e riqueza de detalhes, quebrando ainda o aspecto cultural de que determinado problema era sempre de responsabilidade de outra área, consolidando a visão de que a solução era tarefa de todos os setores. 3º. vértice do triângulo: a governabilidade do sistema: Segundo Belchior (1999) um dos motivos preponderantes que geraram a opção pelo PES foi a existência do vértice da governabilidade do sistema, característica não encontrada nas demais metodologias de gestão estratégica estudadas pela alta administração municipal. Paradoxalmente, após a implantação parcial do PES, este vértice foi o menos trabalhado e o que provocou, segundo os entrevistados, o desequilíbrio do triângulo. Alguns entrevistados acusam até a falta de entendimento da teoria PES neste quesito como causa de sua não implementação. Outros afirmam que as variáveis dentro da governabilidade da prefeitura, conhecidas como controladas, foram devidamente trabalhadas, havendo o consenso, entretanto, de que as não controladas sequer foram elencadas. No que se refere às variáveis controladas, a utilização da metodologia se restringiu aos projetos ditos prioritários e de natureza mais geral de governo. Nos demais projetos e mesmo no universo das secretarias e nos escalões inferiores, a cultura do PES não foi eficientemente disseminada ou incorporada pela máquina de governo. Momento Explicativo: Segundo os entrevistados, foram elencados os vários atores, conforme estabelecido na teoria da metodologia, sendo o principal deles a própria alta administração do município. É o ator que vem declarar os problemas de gestão estratégica da prefeitura. Contudo, os vetores de descrição de problema; a divisão em fluxos, regras e acumulações; a definição dos nós críticos; o desenho da árvore de problemas; e o fluxograma de análise situacional não foram detalhados. O que se pode verificar é que os principais conceitos do método foram aproveitados pela organização mas o desenvolvimento dos instrumentos de planejamento e a sua formalização não foram executados. Momento Normativo: Este item foi prejudicado pela falta de formalização do anterior, principalmente no que se refere ao Vetor de Descrição de problema, que aqui iria se transformar no vetor de resultados. De acordo com os entrevistados, não foi executado. Momento Estratégico: Conforme Belchior (1999), este momento foi parcialmente implantado. Foi efetuada a definição dos atores envolvidos, como descrito no momento explicativo. Realizou-se também a identificação dos recursos críticos para a viabilização do plano. Em contrapartida, não foi desenhada a matriz de afinidades e motivações, bem como a construção da matriz de peso dos atores e a avaliação estratégica. Momento Tático-Operacional: Na teoria, este seria o momento subseqüente aos demais e dependente da sua concretização. A prática mostrou que quatro dos cinco mecanismos para o direcionamento estratégico descritos por Matus foram contemplados, mesmo com a falta de consecução de importantes requisitos constantes dos momentos anteriores. Não se tem registro apenas do planejamento de conjuntura, conforme descrito no referencial teórico.Entre a gerência por operações, o orçamento por programas, a petição e prestação de contas e a sala de situações, Belchior (1999) destaca esta última como a mais controversa e complexa. No que se refere à sala de situações, algumas críticas quanto a sua atuação foram mencionadas pelos entrevistados. Dentre as principais encontra-se a de ter assumido funções operacionais que não lhes cabia e ter desempenhado tarefas de assessoria política que não eram de sua competência, como também ter deixado de lado responsabilidades próprias como as de: se relacionar com os agentes de planejamento; estabelecer um sistema de controle de ações e não só controle sobre projetos mais visíveis; propor a revisão do triângulo de governo, entre outras. Entre as virtudes, a de ter garantido que as ações de acompanhamento de projetos de fato se concretizassem ou que não ficassem paralisadas. 5. O PES na Prefeitura de Santo André - o período 1997-2004 A partir das experiências aprendidas no primeiro período, durante o qual se iniciou a adoção da metodologia pelo executivo municipal, observou-se a manutenção do PES como instrumento básico de todo o processo de planejamento e administração estratégica do órgão. No entanto, algumas de modificações foram introduzidas em relação ao primeiro período, conforme descrição a seguir. 1o. vértice do triângulo: o programa de governo: A primeira grande mudança foi a criação do conceito de “marcas” do governo, ou seja, desafios que pudessem destacar a administração municipal, do ponto de vista de grandes realizações, que seriam percebidas pela população e teriam grande efeito sobre ela, possibilitando, dessa forma, uma continuidade no processo político da cidade. As cinco “marcas” ou desafios que foram definidos foram: modernização; participação do cidadão; inclusão social; desenvolvimento econômico e cidade agradável. Com estes programas como prioritários para a administração, o que se viu foi uma modificação na estrutura do governo, ou seja, mudanças nas secretarias e departamentos, em que as novas estratégias definiriam como seriam alocados os recursos e as pessoas para atender a esses programas (melhorando, conseqüentemente, também o vértice de capacidade de governo). Assim, o programa do governo passou a ser traduzido em uma lista de projetos, que, dentro do conceito estabelecido de “marcas”, seria a expressão da linha ideológica do governo e passariam a nortear a ação de uma forma mais coesa. 2o. vértice do triângulo: a capacidade de governo: A partir de 2000, a secretaria de planejamento estratégico passou a trabalhar conjuntamente com a coordenação de indicadores sócio-econômicos, visando monitorar melhor os efeitos das ações implantadas no município. Desse momento em diante, o orçamento do município tornou-se um importante instrumento de coordenação por parte da Secretaria do Governo. Dessa forma, com um controle financeiro centralizado, ampliou-se a capacidade de controle dos programas que se pretendia realizar, o que propiciou um maior alinhamento às estratégias previstas pelo plano de governo. Em 2002, esse conceito foi ampliado ainda mais. Criou-se a Secretaria do Orçamento e Planejamento Participativo, órgão que passou a controlar o processo orçamentário, dentro da perspectiva de participação da comunidade na definição dos programas e dos respectivos recursos alocados. Esse enfoque possibilitou que a secretaria de Participação do Cidadão também fizesse parte do processo orçamentário. 3o. vértice do triângulo: a governabilidade do sistema: Outro ponto importante trata do monitoramento do vértice de governabilidade do triângulo de governo, considerado como o mais problemático e complexo.Quando do primeiro período, a sala de situações, instrumento criado para monitorar o processo, era um staff subordinado diretamente ao prefeito. Já em 1997 foram criados dois outros instrumentos, em substituição à sala de situações: a sala do plano, que desenvolvia assuntos relativos aos dois outros vértices do triângulo do governo: o programa e a capacidade do governo, ou seja, temas mais ideológicos e técnicos, respectivamente; enquanto que a sala da governabilidade era criada para lidar exclusivamente com assuntos eminentemente políticos, isto é, o vértice do triângulo referente à governabilidade. Além disso, com a implementação dos conceitos de gestão de projetos, o monitoramento da situação, por si só, já caracteriza uma tentativa de se diminuir os recorrentes problemas de governabilidade. Momento Explicativo: O momento explicativo trata da tentativa de explicação da realidade, através do processo de definição do vetor de descrição do problema, e conseqüentemente a árvore do problema e o fluxograma situacional. O que se percebe é que há somente uma análise primária dos atores sociais, que seria a base para o desenvolvimento das ferramentas citadas. Tal ocorrência é explicada devido à complexidade e abrangência do conceito, pela demora do processo e pela falta de recursos para realizá-lo. Momento Normativo: Como conseqüência do item anterior, sem o vetor de descrição dos problemas estruturado, não é possível transformar o Vetor de Descrição do Problema em Vetor de Resultados (VDR) e propor direcionamento aos problemas analisados e atuação futura junto nós críticos da rede. Apesar disso, são construídos vários cenários para os problemas analisados. No entanto, a proposta de Matus de um plano modular e dinâmico é respeitada, devido às revisões e atualizações constantes. Momento Estratégico: Como citado no momento explicativo, é realizada a análise dos atores sociais, um dos conceitos básicos defendidos por Matus na proposta do PES. A importância deste fator tem sido percebida pelo governo municipal de Santo André, com a exploração do conceito em termos de identificação dos atores, sua importância e a sua posição em termos estratégicos, se favorável ou desfavorável, muito embora a viabilização das recomendações seja extremamente complexa. Esta análise tem sido feita para os problemas mais impactantes e que requerem maiores cuidados e não de uma forma mais abrangente e completa, como se refere o criador do PES, devido a sua complexidade inerente. Momento Tático-Operacional: Como se viu acima, há uma preocupação com o eficiente monitoramento do ambiente, que justifica a implementação de um programa de gestão de projetos. A visualização e ação corretiva, bem como a prestação de contas relativas a sua participação no orçamento, caracterizam o recomendado a ser feito no momento tático- operacional do PES. As mudanças de estrutura – novas secretarias e transformação da sala de situações, em sala do plano e sala da governabilidade – também se inserem nas medidas recomendadas por Matus. Finalmente, conforme os entrevistados, três pontos são chaves para que se obtenha a eficácia desejada do governo: • A qualidade do processo de Planejamento Estratégico; • O acompanhamento dos projetos em andamento; • A verificação do desempenho do governo No entender deles, os dois primeiros itens são satisfatórios e caminham para uma melhoria, enquanto que o terceiro ainda é uma nova frente a ser encarada pelos governantes. 6. Conclusão e Considerações Finais Entre os principais benefícios obtidos com a implantação do PES na administração municipal de Santo André pode-se destacar: o detalhamento do programa de governo, suas ações e respectivas repercussões nas áreas financeira, administrativa e política da prefeitura; o planejamento compartilhado por todas as áreas da organização, com a criação da figura do agente de planejamento; a coesão e a sinergia de equipes verificadas após a aplicação da metodologia; a possibilidade da organização definir critérios de prioridades e o rumo de governo em função delas; o acompanhamento efetivo e a concretização de projetos prioritários de governo; o monitoramento das ações de governo com a associação da secretaria de planejamento estratégico com a coordenação de indicadores sócio-econômicos. As dificuldades consideradas mais relevantes foram: a dificuldade de trabalhar o vértice da governabilidade; o viés trazido à implementação do PES pela falta de formalização dos vetores de descrição de problemas, da divisão em fluxos, regras e acumulações, da definição dos nós críticos, da definição do vetor de resultados e principalmente do detalhamento do fluxo de análise situacional; a falta de implantação dos instrumentos do momento estratégico; a falta de clareza na atribuição da competência da sala de situações e do limite de atuação dos agentes de planejamento; a falta de revisão continuada do triângulo de governo. No caso específico de Santo André pode-se constatar, pelo exposto nos itens 4 e 5, que o PES se constituiu num mecanismo de modernização da gestão pública trazendo significativo avanço na área de planejamento e gestão estratégica do município. Considere-se ainda que este avanço foi alavancado pela inexistência de iniciativa sedimentada de planejamento estratégico anterior a 1990. No entanto, a falta de implementação de conceitos básicos do método como o desenho do fluxograma de análise situacional, da definição dos nós críticos, dos vetores de descrição do problema e dos vetores de resultados, compromete a análise mais profunda da eficiência e eficácia da metodologia. Desde sua implantação, há 14 anos, até os dias de hoje, a administração municipal ainda se ressente de uma maior maturidade do processo de planejamento e gestão e de um engajamento maior nos instrumentos do PES. Belchior (1999) em sua pesquisa sugere uma incursão maior do método nas áreas ditas tático-operacionais, de tal forma que todos os setores da administração possam utilizá-lo efetivamente como instrumento gerencial. Sugere ainda a necessidade urgente da definição das variáveis do processo de planejamento, divididas em controladas e não-controladas, a fim de que competências e ações dentro da governabilidade da organização sejam efetivamente cobradas de seus respectivos atores, bem como sejam disparados mecanismos de acionamento de atores fora da governabilidade municipal. Entre os entrevistados houve consenso num aspecto fundamental da gestão estratégica pública, qual seja, o da definição de medidas de desempenho. Não foi encontrado no referencial teórico do PES um instrumento explícito para criação e acompanhamento de indicadores de desempenho. Conforme os entrevistados, apenas um dos 38 projetos em andamento, no ano de 2004, possui algum tipo de indicador de desempenho, criado independentemente dos instrumentos propostos pela metodologia. Esta ausência de indicadores se constitui na principal crítica apontada pelos entrevistados para a evolução e consolidação do PES em Santo André. Para Corrêa (1986), as organizações públicas não realizam a mensuração e avaliação de seu desempenho de forma adequada, para a qual propõe uma metodologia específica. Esta afirmação também encontra suporte em Kiesling (1967), Poole et al (2000), Kaplan e Norton (2001) e Robinson (2003). Kaplan e Norton (2001), propõem o Balanced Scorecard (BSC) como uma ferramenta capaz de traduzir a visão e a estratégia das organizações no desenvolvimento de medidas de desempenho organizacional, em suas diversas divisões, para a constituição de um painel de controle onde a organização possa ser monitorada e acompanhada segundo critérios financeiros e não-financeiros. Como colocam Kaplan e Norton apud Nørreklit (1999:68), outra vantagem da utilização do BSC seria o seu uso como sistema de controle estratégico, além do natural emprego como sistema de mensuração, sendo que, dentre outros, obter-se-ia como benefício adicional, além daqueles citados anteriormente, o estabelecimento de uma relação entre os objetivos estratégicos e metas de longo prazo e orçamentos anuais. Assim, a implantação do BSC poderia ser utilizada, também, para o controle estratégico do processo orçamentário (Kaplan & Norton, 2001:152). Além disso, segundo os autores, o BSC pode ser utilizado simultaneamente a outras ferramentas e técnicas, com benefícios que podem advir da sua utilização integrada (Kaplan & Norton, 2001:156). Avocando o entendimento de Selltiz et al. (1974), descrito no item 2, de que um exemplo selecionado pode sugerir novas intuições e novas hipóteses de pesquisa, é que os autores formulam a seguinte questão: sendo o PES uma metodologia de planejamento e gestão estratégica de órgãos de governo, cuja base teórica não contempla com clareza a formulação de medidas de desempenho, mas dispõe de instrumentos eficientes de diagnóstico de problemas, formulação e implementação de estratégias, planejamento e gestão de projetos, entre outros; e o BSC um método conhecido, e bastante estudado na iniciativa privada, de criação e acompanhamento de indicadores de desempenho organizacional, por que não associá-los naquilo que cada um tem de mais positivo? Poderia o método do BSC ser complementar ao método do PES, em órgãos do setor público? A hipótese de uma solução híbrida PES-BSC não pôde ser confirmada com o estudo de caso da prefeitura municipal de Santo André, mas não invalida novas pesquisas em outros órgãos da administração pública que façam a opção por uma metodologia de planejamento e gestão estratégica voltada para as especificidades do setor de governo associada a outra metodologia, voltada ao desenvolvimento de medidas de desempenho organizacional. 7. Referências Bibliográficas ANSOFF, H. I. Strategic Management. Nova Iorque: Wiley, 1979. BELCHIOR, M. A aplicação de planejamento estratégico situacional em governos locais: possibilidades e limites. São Paulo: 1999. Dissertação (Mestrado em Administração) EAESP, Fundação Getúlio Vargas. São Paulo. CAMPOMAR, M. C. Do uso de estudos de casos em pesquisas para dissertações e teses em administração. Revista de Administração, São Paulo, v. 26, n. 3, p. 95-97, jul-set. 1991. CORRÊA, H. L. O estado da arte da avaliação de empresas estatais. 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Matus (em “Adeus, Senhor Presidente”) O Planejamento Estratégico e Situacional, sistematizado originalmente pelo Economista chileno Carlos Matus[1], diz respeito à gestão de governo, à arte de governar. Quando nos perguntamos se estamos caminhando para onde queremos, se fazemos o necessário para atingir nossos objetivos, estamos começando a debater o problema do planejamento. A grande questão consiste em saber se somos arrastados pelo ritmo dos acontecimentos do dia-a-dia, como a força da correnteza de um rio, ou se sabemos onde chegar e concentramos nossas forças em uma direção definida. O planejamento, visto estrategicamente, não é outra coisa senão a ciência e a arte de construir maior governabilidade aos nossos destinos, enquanto pessoas, organizações ou países. O processo de planejamento portanto diz respeito a um conjunto de princípios teóricos, procedimentos metodológicos e técnicas de grupo que podem ser aplicados a qualquer tipo de organização social que demanda um objetivo, que persegue uma mudança situacional futura. O planejamento não trata apenas das decisões sobre o futuro, mas questiona principalmente qual é o futuro de nossas decisões. Se tentamos submeter o ritmo do desenvolvimento dos acontecimentos à vontade humana devemos imediatamente pensar que governar em situações complexas exige exercer a prática do planejamento estratégico até seu último grau. Para atingir este objetivo será necessário entender e ultrapassar muitos pré-conceitos em relação à atividade de planejamento no setor público. Equívocos comuns sobre o conceito e a prática do planejamento: I. “planejar é uma coisa, fazer é outra...”: frase utilizada com freqüência para tentar minimizar ou ridicularizar o esforço de planejamento na organização de sistemas. Esta visão surge normalmente em contextos institucionais que tem precário ou nenhum planejamento, opõe processos supostamente antagônicos mas que, na verdade, são parte de um único momento, é na ação concreta que o plano se decide e prova sua importância. Os métodos de planejamento tradicionais, ao ignorar a variável política, cortaram o caminha para o diálogo entre plano e gestão, relação absolutamente imprescindível para casar o “planejar” com o “fazer”. II. “o planejamento engessa a organização...”: ao invés da decisão meramente intuitiva e lotérica, da administração do dia-a-dia, estabelecem- se critérios, metas, objetivos, diretrizes de longo prazo, enfim, o planejamento é um exercício sistemático de antecipação do futuro e é intensivo em gestão. A crítica ao Planejamento como uma “camisa-de-força” normalmente surge das organizações que perdem a base clientelística ou http://www.espacoacademico.com.br/032/32ctoni.htm (1 of 9)20/08/2012 17:51:11 http://www.espacoacademico.com.br/032/32ctoni.zip http://www.espacoacademico.com.br/032/32ctoni.zip O que é o Planejamento Estratégico Situacional? corporativa quando sistemas de planejamento participativo são implantados. Uma organização que pensa e planeja estrategicamente cria condições para o surgimento da liderança baseada na democracia interna e na delegação de autoridade, o monolitismo político e o dirigente autoritário surgem, quase sempre, no ambiente de ausência de planejamento estratégico e participativo. III. “O Planejamento é um rito formal, falado em código e desprovido de substância...”: este preconceito está muito associado com o próprio elitismo intelectual que o planejamento tradicional e seus defensores construíram ao longo de décadas venerando modelos abstratos e inúteis. Neste caso será sempre verdade o ditado que diz ser o improviso sempre preferível ao planejamento malfeito, isto é, burocrático, formalista. O ritualismo mata o “bom” planejamento e condena à mediocridade dirigentes e funcionários. No mercado das consultorias organizacionais é comum o surgimento de “novas” técnicas e modelos esotéricos de planejamento ou temas afins. As siglas se proliferam e poucas delas tem realmente conteúdo prático e a aplicabilidade necessária. Quando se caminha para níveis cada vez mais abstrato de raciocínio, variáveis cada vez mais agregadas e grandes sínteses políticas é fácil descolar-se da realidade concreta e esta armadilha tem apanhado muitos planejadores. Nesta situação é sempre recomendável associar a intuição e o bom-senso - a expertise que falta para muitos - com as técnicas e modelos racionais adotados em qualquer manual de planejamento. IV. “o planejamento é obra de pura técnica, deve ser neutro...”: é evidente que os planejadores devem ter conhecimento técnico mínimo sobre o que planejam. Tais conhecimentos podem ser apreendidos de forma padrão e uniforme, estão acumulados historicamente nos mais diversos setores do conhecimento humano. Entretanto, no setor público especialmente, seria um suicídio “planejado”, fazer planos sem incluir as variáveis de poder e da política na sua concepção e execução. Não existe planejamento neutro, pelo simples fato de que planejar é priorizar e resolver problemas e isto pressupõe uma determinada visão-de-mundo, concepção de Estado, de organização social e assim por diante. Planejar estrategicamente implica necessariamente em manipular variáveis políticas, em situações de poder compartilhado, onde os “outros” também planejam e formulam estratégias. O planejamento que se diz meramente técnico na verdade resulta em simples adivinhação e charlatanismo intelectual. A superação da visão tradicional requer uma mudança de postura intelectual e governamental, compreender que não cabe ao planejamento predizer o futuro, mas buscar viabilidade para criar o futuro, como uma ferramenta que amplia o arco de possibilidades humanas, um instrumento de liberdade. A “visão situacional” do PES Os principais argumentos que sustentam o Planejamento Estratégico e Situacional[2] podem ser assim resumidos: Mediação entre o Presente e o Futuro. Todas as decisões que tomamos hoje tem múltiplos efeitos sobre o futuro porque dependem não só da minha avaliação sobre fatos presentes, mas da evolução futura de processos que não controlamos, fatos que ainda não conhecemos. Portanto os critérios que utilizamos para decidir as ações na atualidade serão mais ou menos eficazes se antecipadamente pudermos analisar sua eficácia futura, para nós mesmos e para os outros. Qual o custo da postergação de problemas complexos ? Que tipo de efeitos futuros determinada política pública resultará ? Estes http://www.espacoacademico.com.br/032/32ctoni.htm (2 of 9)20/08/2012 17:51:11 O que é o Planejamento Estratégico Situacional? impactos futuros aumentarão ou diminuirão a eficácia do nosso projeto de governo ? Tais perguntas dizem respeito ao necessário exercício de simulação e previsão sobre o futuro, quando devemos adotar múltiplos critérios de avaliação e decisão. É necessário prever possibilidades quando a predição é impossível: na produção de fatos sociais, que envolvem múltiplos atores criativos que também planejam, a capacidade de previsão situacional e suas técnicas devem substituir a previsão determinística, normativa e tradicional que observa o futuro como mera conseqüência do passado. Decorre desta percepção a necessidade de elaborar estratégias e desenhar operações para cenários alternativos e surpresas, muitas vezes, não imagináveis. Capacidade para lidar com surpresas: o futuro sempre será incerto e nebuloso, não existe a hipótese de governabilidade absoluta sobre sistemas sociais, mesmo próximo desta condição há sempre um componente imponderável no planejamento. Devemos então, através de técnicas de governo apropriadas, preparar-nos para enfrentar surpresas com planos de contingência, com rapidez e eficácia, desenvolvendo habilidades institucionais capazes de diminuir a vulnerabilidade do plano. Mediação entre o Passado e o Futuro: o processo de planejamento estratégico se alimenta da experiência prática e do aprendizado institucional relacionados aos erros cometidos. Portanto será preciso desenvolver meios de gestão capazes de aprender com os erros do passado e colocar este conhecimento a serviço do planejamento. Mediação entre o Conhecimento e a Ação: o processo de planejamento pode ser comparado a um grande cálculo que não só deve preceder a ação, mas presidí-la. Este cálculo não é obvio ou simples, é influenciado e dependente das múltiplas explicações e perspectivas sobre a realidade, só acontece, em última instância, quando surge a síntese entre a apropriação do saber técnico acumulado e da expertise política. É um cálculo técno- político, pois nem sempre a decisão puramente técnica é mais racional que a política, e vice-versa. O cálculo estratégico dissociado da ação, será completamente supérfluo e formal, por sua vez, se a ação não for precedida e presidida pelo cálculo estratégico então a organização permanecerá submetida à improvisação e ao ritmo da conjuntura. O enfoque proposto de planejamento, portanto, não é um rito burocrático ou um conhecimento que possa ser revelado a alguns e não a outros, mas uma capacidade pessoal e institucional de governar – que envolve a um só tempo perícia e arte -, de fazer política no sentido mais original deste termo. O processo de planejamento não substitui a perícia dos dirigentes, nem o carisma da liderança, ao contrário, aumenta sua eficácia porque coloca estes aspectos a serviço de um projeto político coletivo. Neste modo de ver a política, o governo e o planejamento ninguém detém o monopólio sobre o cálculo estratégico e sistemático sobre o futuro, há uma profunda diferença em relação ao antigo “planejamento do desenvolvimento econômico e social” tão comuns nos órgãos de planejamento de toda América Latina e particularmente na tradição brasileira. A concepção tradicional de Planejamento e a nova concepção Os métodos mais tradicionais de planejamento são extremamente normativos, impessoais e se dizem neutros, pois se pretendem amparados na “boa técnica de planejamento”. Vejamos como se estruturam teoricamente tais visões: http://www.espacoacademico.com.br/032/32ctoni.htm (3 of 9)20/08/2012 17:51:11 O que é o Planejamento Estratégico Situacional? Há sempre um ator que planeja e os demais são simples agentes econômicos com reações completamente previsíveis. O planejamento pressupõe um “sujeito” que planeja, normalmente o Estado, e um “objeto” que é a realidade econômica e social. O primeiro pode controlar o segundo. As reações dos demais agentes ou atores são previsíveis porque seguem leis e obedecem a prognósticos de teorias sociais bem conhecidas. O Diagnóstico é pré-condição para o planejamento, ele é verdadeiro e objetivo (segue do comportamento social) , portanto, único possível, não explicações alternativas dos demais atores. O sistema gera incertezas, porém são numeráveis, previsíveis enquanto tais, não há possibilidade de surpresas não-imagináveis. O ator social que planeja não controla todas variáveis, mas as variáveis não-controladas não são importantes ou determinantes, não tem um comportamento criativo ou são controladas por outros atores. Há nesta visão, uma aparente governabilidade, gerada pela ilusão de que as variáveis não controladas simplesmente não são importantes. A governabilidade e a capacidade de governar são reduzidas e absorvidos, em última instância, pela aparente pujança do projeto político (que é “verdadeiro” per si e portanto, auto-legitimado). Neste cenário só há uma teoria e técnica de planejamento, além do mais, suas deficiências não aparecem como problema a ser resolvido, os dirigentes se concentram mais nas relações de mando e hierarquia e no tempo gasto na tentativa de corrigir a ineficácia dos projetos (gestados convencionalmente). Uma concepção estratégica de planejamento – como a proposta pelo PES - parte de outros postulados. Na realidade social há vários agentes que planejam com objetivos conflitivos. A eficácia do meu plano depende da eficácia das estratégias dos meus oponentes e aliados. Não uma única explicação para os problemas, tampouco uma única técnica de planejamento. Neste modelo de poder compartilhado a teoria normativa e tradicional do planejamento perde toda sua validade. Normalmente pensamos que se nada deve mudar o planejamento é muito eficaz, embora desnecessário, por outro lado, se tudo está rapidamente mudando o planejamento é pouco eficaz, embora muito necessário. Este paradoxo aparente se dissolve quando abandonamos a idéia equivocada que associa o planejamento ao exercício inconseqüente da pura futurologia. Pensar estrategicamente neste novo enfoque pressupõe colocar as relações iniciativa-resposta de agentes criativos no lugar das relações causa-efeito, típica dos sistemas naturais. O cálculo de planejamento é sempre interativo porque, sendo a eficácia do nosso plano dependende da eficácia do plano dos outros atores, há um componente de incerteza primordial, que é diferente de processos sociais repetitivos ou das relações das ciências naturais. Há portanto uma carga intensiva em formulação de estratégias e recursos de gestão, o oposto ao “plano-livro” estático e tradicional. O ator que planeja está inserido num jogo de final aberto, onde o próprio tempo já tem conceitos diferenciados conforme a percepção de múltiplos agentes em situação de poder compartilhado. Isto não quer dizer, entretanto que se rejeitem instrumentos e ferramentas metodológicas comumente utilizadas no planejamento normativo, ao contrário, tais ferramentas adquirem uma utilização ainda mais pragmática e eficaz. http://www.espacoacademico.com.br/032/32ctoni.htm (4 of 9)20/08/2012 17:51:11 O que é o Planejamento Estratégico Situacional? Podemos resumir os postulados teóricos deste enfoque metodológico nos seguintes argumentos: O sujeito que planeja está incluído no objeto planejado. Este por sua vez é constituído por outros sujeitos/atores que também fazem planos e desenvolvem estratégias. Deste contexto surge o componente de incerteza permanente e o cálculo interativo que exige intensa elaboração estratégica e um rigoroso sistema de gestão. O caráter modular do enfoque estratégico deriva desta necessidade de redimensionar, agregar, combinar diferentes operações em diferentes estratégias. O “diagnóstico” tradicional, único e objetivo, já não existe mais, no lugar surgem várias explicações situacionais. Como os demais atores possuem capacidades diferenciadas de planejamento, a explicação da realidade implica em diferentes graus de governabilidade sobre o sistema social. Não há mais comportamentos sociais previsíveis e relações de causa-efeito estabelecidas. O “juízo estratégico” de cada ator determina a complexidade do jogo aberto e sem fim. A realidade social não pode mais ser explicada por modelos totalmente analíticos, a simulação estratégica assume nesse contexto uma relevância destacada. O planejamento deve centrar sua atenção na conjuntura, no jogo imediato dos atores sociais, o contexto conjuntural do plano representa uma permanente passagem entre o conflito, a negociação e o consenso, é onde tudo se decide. Na conjuntura concreta acumula-se ou não recursos de poder relacionados ao balanço político global da ações de governo. É por isso que “planeja quem governa”, e “governa” quem, de fato planeja. Quem tem capacidade de decisão e responsabilidade de conduzir as políticas públicas deve obrigatoriamente envolver-se no planejamento. A atividade de coordenação, assim, é indissociável do planejamento, que é , também, uma opção por um tipo organização para a ação que refere-se a oportunidades e problemas reais. Os problemas sociais são mal-estruturados, no sentido de que, não dominamos, controlamos e sequer conhecemos um conjunto de variáveis que influenciam os juízos estratégicos dos demais agentes sociais envolvidos. Não há portanto como determinar com exatidão as possibilidades de eficácia do plano ou os resultados esperados em cada ação. Governar com plano estratégico mais do que resolver problemas significa promover um intercâmbio de problemas quando nosso objetivo é que problemas mais complexos e de menor governabilidade cedam lugar a outros menos complexos e de maior governabilidade. O planejamento não é monopólio do Estado, nem de uma força social situacionalmente dominante. O planejamento sempre é possível e seu cumprimento não depende de variáveis exclusivamente econômicas, qualquer ator, agente ou força social tem maior ou menor capacidade de planejamento e habilidades institucionais. A visão normativa e a visão estratégica não existem em “estado puro” na prática do planejamento e nas técnicas de governo, embora a maioria dos órgãos públicos e da geração de técnicos trabalhe sobre influência predominante da primeira. Os momentos de aplicação do enfoque metodológico básico do PES O enfoque participativo e estratégico do planejamento, no plano geral, é http://www.espacoacademico.com.br/032/32ctoni.htm (5 of 9)20/08/2012 17:51:11 O que é o Planejamento Estratégico Situacional? estruturado através de quatro grandes passos, ou fases que podem ser recursivas e não-lineares, mas que representam um sequenciamento lógico da elaboração teórica do planejamento. A seguir suas características básicas. I . Momento Explicativo: no planejamento tradicional a realidade é dividida em setores e o método dos planejadores é tão fragmentado quanto são os departamentos dos órgãos de planejamento. O conceito de setor além de muito genérico e pouco prático é uma imposição analítica. O planejamento estratégico situacional propõe trabalhar com o conceito de problemas. A realidade é composto de problemas, oportunidades e ameaças. Esta categoria permite sintetizar a noção de explicação da realidade em suas múltiplas dimensões (inter-disciplinar) com a noção de direcionalidade do ator: saber selecionar e identificar problemas reais (atuais ou potenciais) e distinguir causas de sintomas e conseqüências já é mudar radicalmente a prática tradicional dos “diagnósticos” convencionais. Explicar a realidade por problemas também permite o diálogo e a participação com setores populares que afinal sofrem problemas concretos e não “setores” de planejamento, além de facilitar a aproximação entre “técnicos” e “políticos”. Na explicação da realidade temos que admitir e processar a informação relativa a outras explicações de outros atores sobre os mesmos problemas, isto é, a abordagem deve ser sempre situacional, posicionada no contexto. II. Momento Normativo: após a identificação, seleção e priorização de problemas, bem como o debate sobre as causas, sintomas e efeitos estamos prontos para desenhar o conjunto de ações ou operação necessárias e suficientes para atacar as causas fundamentais dos problemas (também chamadas de Nós Críticos). Esta é a hora de definir o conteúdo propositivo do plano. O central neste modelo de planejamento é discutir a eficácia de cada ação e qual a situação objetivo que sua realização objetiva, cada projeto e isso só pode ser feito relacionando os resultados desejados com os recursos necessários e os produtos de cada ação. Os planos normativos normalmente terminam aqui, onde o planejamento situacional apenas começa, para que ações tenham impacto efetivo e real na causa dos problemas há ainda dois passos ou momentos fundamentais, o estratégico e o tático-operacional. III. Momento Estratégico: se a realidade social não pode ser fragmentada em diferentes “setores”, se outros “jogadores” existem e tem seus próprios planos, se o indeterminismo e as surpresas fazem parte do cotidiano, então o debate sobre a viabilidade estratégia das ações planejadas não é só necessário como indispensável. Toda estratégia é uma exploração consciente do futuro, ela resulta da situação diferenciada dos vários atores em relação à problemas, oportunidades e ameaças. A parte a grande quantidade de conceitos envolvendo o termo “estratégia” aqui vamos adotá-la com um conjunto de procedimentos práticos e teóricos para construir viabilidade para o plano, para garantir sua realização com máxima eficácia. Dois instrumentos-processos cabem aqui: a análise de cenários e a análise criteriosa dos demais atores sociais ou agentes. Os cenários representam distintas reflexões, limitadas pela qualidade da informação disponível, sobre possíveis “arranjos” econômicos, institucionais, políticos, sociais, etc., capazes de influenciar positiva ou negativamente a execução das ações planejadas. Ao permitir a simulação sobre as condições futuras os cenários permitem a antecipação das possíveis vulnerabilidades do plano e a elaboração de planos de contingência necessários para minimizar os impactos negativos. Já a análise dos demais agentes envolvidos no espaço do problema-alvo do plano é imprescindível para identificar o possível interesse e motivação de cada um e o tipo de pressão que é (ou será) exercida em relação às ações planejadas. É obvio dizer que a elaboração de http://www.espacoacademico.com.br/032/32ctoni.htm (6 of 9)20/08/2012 17:51:11 O que é o Planejamento Estratégico Situacional? cenários e o “estudo do outro” só tem um grande objetivo: desenhar as melhores estratégias para viabilizar a máxima eficácia ao plano. IV. Momento Tático-Operacional: é o momento de fazer, de decidir as coisas, de finalmente agir sobre a realidade concreta. É quando tudo se decide e por isso do ponto-de-vista do impacto do plano é o momento mais importante. Neste momento é importante debater o sistema de gestão da organização e até que ponto ele está pronto para sustentar o plano e executar as estratégias propostas. Para garantir uma resposta positiva será preciso acompanhar a conjuntura detalhadamente e monitorar não só o andamento das ações propostas, mas também a situação dos problemas originais. Deve-se reavaliar criticamente todo o processo interno de tomada de decisões, o sistema de suporte à direção, como os sistemas de informações, devem ser revistos e reformulados. Outros temas vitais neste momento são a estrutura organizacional, o fluxo interno de informações, a coordenação e avaliação do plano, o sistema de prestação de contas, as ferramentas gerenciais existentes e necessárias e finalmente a forma, dinâmica e conteúdo da participação democrática na condução do plano. Não podemos esquecer que o planejamento estratégico só termina quando é executado, é o oposto à visão tradicional do “plano-livro” que, separando planejadores dos executores, estabelecia uma dicotomia insuperável entre o conhecer e o agir. Conclusão – O PES na prática. O PES é um método que pressupõe constante adaptação a cada situação concreta onde é aplicado. Entretanto os principais momentos tendem a utilizar instrumentos metodológicos parecidos. Em síntese são trabalhados nesta ordem: Momento Explicativo (substitui o antigo “diagnóstico”): Análise do Ator que planeja (limites e potencialidades, ambiente interno e externo), identificação e seleção de problemas estratégicos, montar os Fluxos de explicação do problemas com as cadeias causais respectivas, seleção das causas fundamentais – chamadas de Nós Críticos como centros práticos de ação, construção da Árvore de Resultados a partir de uma Situação-Objetivo definida pelo grupo. Momento Operacional: desenhar ações ou projetos concretos sobre cada Nó Crítico – as chamadas Operações do Plano, definir para cada Operação necessária os recursos necessários, os produtos esperados e os resultados previstos, construir cenários possíveis onde o plano será executado, analisar a trajetória do conjunto das operações em cada cenários e – a partir disto – tentar diminuir a vulnerabilidade do Plano. Momento Estratégico: analisar os Atores Sociais envolvidos no Plano, seus interesses, motivações e poder em cada uma das Operações previstas e cenários imaginados, definir a melhor estratégia possível para cada trajetória traçada, estabelecer um programa direcional para o plano, construir viabilidade estratégica para atingir a Situação-Objetivo. Momento Tático-Operacional (sistema de gestão): debate sobre as formas organizativas, a cultura organizacional e o modus operandi da organização de modo a garantir a execução do plano. Neste momento devem ser encaminhados os seguintes temas: funcionamento da agenda da direção, sistema de prestação de contas, participação dos envolvidos, gerenciamento do cotidiano, sala de situações e análise sistemática da conjuntura. http://www.espacoacademico.com.br/032/32ctoni.htm (7 of 9)20/08/2012 17:51:11 O que é o Planejamento Estratégico Situacional? A tecnologia de aplicação do PES é extremamente simples: (a) se apóia em visualização permanente, usando cartelas ou tarjetas[3], (b) ambientes normais, não é necessário nenhum tipo de sofisticação e (c) os tempos necessários de trabalho intensivo costumam ser de aproximadamente 40 ou 50 horas. A realização de um seminário de Planejamento utilizando o PES mobiliza muito as tensões internas e faz aflorar conflitos muitas vezes ocultos pela rotina burocrática. Neste sentido é sempre recomendável o uso de técnicas e dinâmicas de grupo (como os jogos dramáticos, por exemplo) para trabalhar positivamente tais tensões e processos grupais. Entretanto, pode apresentar algumas desvantagens, principalmente se não sofrer as adaptações metodológicas e operacionais necessárias: (a) normalmente a qualidade do método depende muito da qualidade do facilitador ou monitor que conduz o uso das técnicas e ferramentas necessárias. Isto recomenda o máximo cuidado na escolha do Consultor; (b) ele é um sistema metodológico tão potente, quanto complexo e motivador de compromissos coletivos, só é eficaz se a alta direção participar de todas atividades previstas, pelo tempo necessário e (c) não deve ser usado para solução de problemas não-complexos ou rotinas administrativas de baixo conflito, nestes casos a relação benefício-custo não é adequada. O Método do Planejamento Estratégico e Situacional é antes de tudo um potente enfoque metodológico, com alguns princípios e visões filosóficas sobre a produção social, a liberdade humana e o papel dos governos, governante e governados. A análise de problemas, a identificação de cenários, a visualização de outros atores sociais, a ênfase na análise estratégica são elementos fundamentais e diferenciadores do PES em relação a outros métodos de planejamento. O método tem particular validade e excepcionalidade de resultados, no setor público onde a presença de problemas verdadeiramente complexos e mal- estruturados compõe o cenário dominante. Além disso o PES, ao contrário de outros métodos ditos “estratégicos” assume como dominante na análise estratégica as questões relativas às relações de poder entre atores sociais, isto é, a variável política preside a elaboração da viabilidade e vulnerabilidade do Plano. Esta é uma vantagem metodológica vital para uso em organizações públicas onde estas questões fazem parte indissociável da produção de políticas públicas e do relacionamento entre staff político- dirigente e quadro de funcionários permanentes. [1] Chileno, Carlos Matus foi Ministro do Governo Allende (1973) e consultor do ILPES/CEPAL falecido em Dezembro de 1998, ministrou vários cursos no brasil nos anos noventa (Escolas Sindicais, IPEA, Ministérios, Governos Estaduais e Municipais). Criou a Fundação Altadir com sede na Venezuela para difundir o método e capacitar dirigentes. Introduzido no Brasil a partir do final dos anos oitenta, o PES disseminou-se e foi adaptado amplamente nos locais onde foi utilizado, particularmente no setor público. [2] Sob a mesma filosofia inspiradora do PES várias outras adaptações metodológicas tem surgido: MAPP – Método Altadir de Planejamento Popular - é um “resumo” do PES feito por C. Matus, PED – Planejamento Estratégico e Democrático – aplicado por A. K. Sato no Governo Cristóvão Buarque em Brasília –DF, PEP - Planejamento Estratégico Participativo, a partir da experiência do Governo do Rio Grande do Sul, etc... [3] O “Projeto de Desenvolvimento de Sistema de Suporte ao Planejamento e Gestão”, desenvolvido pelo Laboratório Nacional de Computação Científica (MCT), desenvolveu produtos informatizados para ajudar a capacitação no Bibliografia básica sobre o PES[4]: Huertas, F. Entrevista com Matus, o Método PES. Edições Fundap, 1997, São Paulo. Matus, Carlos. Adeus, Senhor Presidente, Governantes Governados. Edições Fundap, 1997, São Paulo. ______, Chipanzé, Maquiavel e Ghandi, Estratégias Políticas. Edições Fundap, 1996, São Paulo. ______, O Líder Sem Estado-Maior. Edições Fundap. 2.000, São Paulo. http://www.espacoacademico.com.br/032/32ctoni.htm (8 of 9)20/08/2012 17:51:11 O que é o Planejamento Estratégico Situacional? método bem como sua aplicação concreta segundo o enfoque do PES (www. lncc.br ). [4] A Fundação de Desenvolvimento Administrativo – FUNDAP (www.fudap. sp.gov.br ), vinculada ao Governo do Estado de São Paulo tem editado as principais obras de C. Matus e é um bom centro de referência sobre o tema, possuindo, inclusive um curso regular de Especialização em Ciências e Técnicas de Governo de inspiração matusiana. ______, Política, Planejamento & Governo, IPEA, 1993, Brasília. (Tomos I e II) http://www.espacoacademico.com.br - Copyright © 2001-2003 - Todos os direitos reservados http://www.espacoacademico.com.br/032/32ctoni.htm (9 of 9)20/08/2012 17:51:11 http://www.lncc.br/ http://www.lncc.br/ http://www.fudap.sp.gov.br/ http://www.fudap.sp.gov.br/ mailto:Jackson@portoweb.com.br http://www.espacoacademico.com.br/index.htm http://www.espacoacademico.com.br/ www.espacoacademico.com.br O que é o Planejamento Estratégico Situacional? B_Texto_Unidade_II_textopes.pdf PLANEJAMENTO EM SAÚDE 29 método PES é, segundo Matus, particularmente potente para o nível de direção central, onde se enfrentam problemas de alta complexidade. Ainda segundo esse autor, o método MAPP “combina simplicidade e potência, porém para enfrentar poucos problemas de baixa interação e baixa complexidade, onde domina o processo prático-operacional”, sendo, então, bastante adequado para a planificação de ações regionais e locais. O MÉTODO Para melhor abordar este tema, inicialmente mostramos o quadro extraí- do de Matus, que compara as diferenças entre o planejamento tradicional e o Planejamento Estratégico Situacional (5). PLANEJAMENTO TRADICIONAL PES Determinista (predições certas) Indeterminista (predições incertas) Objetivo (diagnóstico) Subjetivo (apreciação situacional) Predições únicas Várias apostas em cenários Plano por setores Plano por problemas Certeza Incerteza e surpresas Cálculo técnico Cálculo tecnopolítico Os sujeitos são agentes Os sujeitos são atores Sistema fechado (metas únicas) Sistema aberto (várias possibilidades) Teoria do controle de um sistema Teoria da participação em um jogo Quadro 1 Algumas características que diferenciam o planejamento tradicional do PES Fonte: O Método PES – Roteiro de Análise Teórica (material elaborado para o curso “Governo e Planejamento” FUNDAP – Fundación Altadir). PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO SITUACIONAL – PES O PLANEJAMENTO EM SAÚDE 30 Matus advoga que o planejamento tradicional é impotente para lidar com a complexidade da realidade social, por ter sido concebido com princípios deter- ministas, em que o cálculo se baseia na predição e não considera a capacidade de planejamento de outro ator nem a ocorrência de surpresas ou a existência de incertezas, enquanto a realidade é um sistema complexo de incerteza dura, com problemas quase-estruturados (quadro 2). Chama-se de incerteza dura pela pre- cariedade de previsão do futuro, uma vez que, dada a complexidade do contex- to de um determinado problema, o leque de desdobramentos, assim como as conseqüências das atitudes do gestor, são inúmeros: alguns conhecidos, outros possíveis de prever e grande parte desconhecidos. Além disso, há situações ini- magináveis que ocorrem no meio de um processo e que freqüentemente pegam de surpresa o gestor menos avisado, os chamados “incêndios”, e até mesmo os acidentes e as catástrofes naturais. O método nos reporta a encarar a realidade com todas essas nuances em que, obviamente, não é possível trabalhar com relações diretas de causa e efeito, pelo que acabamos de expor. MODELOS DE SISTEMAS I – Determinista puro II – Estocástico III – Incerteza quantitativa IV – Incerteza dura CARACTERÍSTICAS Um só passado, um só futuro, segue somente leis. A predição exata é possível. Ex.: movimento de um astro em órbita. Segue leis probabilísticas, a cada possibilidade é associada uma probabilidade conhecida. Ex.: leis de Mendel sobre hereditariedade. As possibilidades podem ser enumeradas, mas não é possível atribuir-lhes uma probabilidade objetiva. Ex.: no jogo do coelho num cír- culo de 10 casinhas, sabe-se o número de possibilidades, mas não a probabilidade de ele entrar em cada casa. Somente algumas possibilidades podem ser enumeradas e não é possível atribuir nenhuma probabilidade objetiva. Ex.: qualquer prognóstico sobre o futuro dentro do contexto social. TIPO DE PROBLEMA Bem-estruturado Bem-estruturado Bem-estruturado Quase-estruturado Quadro 2 Modelos de sistemas e suas principais características Fonte: O Método PES – Roteiro de Análise Teórica (material elaborado para o curso “Governo e Planejamento” FUNDAP – Fundación Altadir). 31 O PES mostra-se adequado para lidar com os problemas quase-estruturados1 dos sistemas de incerteza dura, por respeitar os requisitos básicos necessários ao planejamento em sistemas complexos. Dessa forma: • reconhece a existência de outros atores em situação; • reconhece sua capacidade de planejamento; • explica a realidade a partir dessa ótica. Dispõe de métodos para lidar com surpresas e diferenciar os problemas bem-estruturados dos quase-estruturados, reconhece, a existência de recursos escassos – político, econômico, cognitivo e organizacional –, útil para tomada de decisões no presente e preparado para renovar o cálculo sobre o futuro, de acordo com as mudanças da realidade. Antes de discutirmos o método propriamente dito, é necessário uma abor- dagem das condições a que o gestor municipal deve estar atento, no sentido de garantir efetividade às ações desenvolvidas em seu governo, quais sejam: • o projeto de governo; • sua capacidade para governar; • sua governabilidade. Entende-se por capacidade de governo o elenco de qualificações reunidas pelo gestor e seu staff administrativo que lhes conferem a competência neces- sária à compreensão, elucidação e enfrentamento de problemas: • bagagem intelectual; • experiência; • expertise; • capacidade pessoal e institucional de governo. O projeto de governo ou proposta de governo consiste na seleção de proble- mas que o gestor se dispõe a enfrentar durante seu período de governo e a estratégia escolhida para esse enfrentamento. A escolha dos problemas deve ser criteriosa, estratégica, pois implica a capacidade de resolvê-los e a viabili- dade política desse enfrentamento, assim como a obtenção de resultados den- tro do período de governo do gestor. A governabilidade diz respeito à relação entre o peso das variáveis que o ator controla e o das que não controla somada à capacidade de percepção que o ges- PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO SITUACIONAL 1. Consideram-se problemas bem-estruturados aqueles para os quais se podem enumerar todas as variáveis, precisar todas as relações entre elas e cuja solução é objetiva. Os problemas quase-estruturados podem ter ape- nas algumas de suas variáveis e as relações entre elas enumeradas, sua solução é situacional, discutível segun- do interesses e posições. tor tem dessa relação, ou seja, de sua limitação quanto ao controle majoritário de determinada situação. É essa capacidade de percepção que lhe possibilita identi- ficar entre os atores envolvidos aqueles que têm maior controle da situação, as alianças possíveis, os enfrentamentos inevitáveis, as operações mais viáveis; enfim, abre a possibilidade de uma análise estratégica da seleção de problemas. O gestor não pode se esquecer da necessidade constante de garantir um balanço positivo ao seu governo, ou seja, um saldo politicamente satisfatório da sua gestão, decorrente das medidas mais ou menos simpáticas ou aceitas no ambiente político e pelo eleitorado. Esse balanço depende do manejo dos cha- mados três cintos: • político: legalidade e representatividade política, ética, representativi- dade dos partidos, equilíbrio dos poderes, sintonia política do projeto; • econômico: manejo da economia; • intercâmbio de problemas: saldo do enfrentamento de problemas de maior valor para a população. É importante lembrar que nunca se deve apertar os três cintos ao mesmo tempo. Os efeitos negativos de um devem ser compensados com os efeitos positivos de outro. COMO APLICAR O MÉTODO I – Identificação, seleção e priorização dos problemas Neste passo é necessário fazer a análise da situação. O autor utiliza esse con- ceito para expressar a existência de diferentes explicações da realidade a par- tir da interpretação dos distintos atores sociais e dos conflitos gerados pela diferença de interesses. A técnica de Estimativa Rápida Participativa mostra- se bastante coerente com o PES e tem sido utilizada nas experiências de diversos países. Essa técnica foi apresentada pormenorizadamente no capítu- lo anterior. A seleção dos problemas deve atender aos seguintes critérios (5): 1. Valor político do problema: • para o ator central e outros atores; • para o partido político do ator central; • para a população em geral; • para a população afetada. 2. Tempo de maturação dos resultados: • resultados fora ou dentro do período de governo; PLANEJAMENTO EM SAÚDE 32 • maturação em tempo humano; • maturação em tempo social. 3. Vetor de recursos exigidos pelo enfrentamento do problema em relação ao vetor de recursos do ator: • poder político; • recursos econômicos; • recursos cognitivos; • capacidade organizativa. 4. Governabilidade sobre o problema: • controle dos nós críticos de maior peso no problema; • fraco controle dos nós críticos; • nós críticos fora do jogo. 5. Resposta dos atores com governabilidade: • colaboração dos atores com governabilidade; • rejeição dos atores com governabilidade; • indiferença dos atores com governabilidade. 6. Custo de postergação: • imediato e alto; • mediato, lento e baixo. 7. Exigência de inovação e continuidade: • problemas que exigem inovação; • problemas que exigem continuidade. 8. Impacto regional: • equilibrante; • desequilibrante. 9. Impacto sobre o balanço político de gestão ao término de governo: • da gestão política; • do balanço macroeconômico; • de intercâmbio de problemas específicos. 33 PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO SITUACIONAL Sugere-se que, para facilitar a visualização e a análise desses critérios, seja elaborado um protocolo de seleção dos problemas em forma de gráfico no qual as colunas enumeram os critérios, os problemas são listados nas linhas e no quadro de interseção anota-se o resultado da análise: II – Descrição do problema O problema deve ser declarado por um ator a partir da análise situacional do passo anterior. Segundo Matus, a diferença entre um problema e um simples incômodo é a capacidade de explicá-lo. A explicação do problema deve ser objetiva e permi- tir caracterizá-lo e mensurá-lo. O método introduz o conceito de Vetor de Des- crição do Problema (VDP). O VDP é comparado ao placar de um jogo e pode ter um ou mais descritores. O objetivo do VDP é neutralizar a ambigüidade inerente ao título do proble- ma e evitar que ele possa ter mais que uma interpretação e, portanto, mais que uma explicação, levando à total desorganização do processo de planejamento. Para isso o Vetor de Descrição do Problema é um conjunto de descritores que tornam a explicação do problema única, clara e objetiva a todos os atores envolvidos. Características do VDP (5): • os descritores devem enunciar o problema e não suas causas ou con- seqüências; • devem ser precisos e monitoráveis; • cada um deve ser necessário à descrição e o conjunto, suficiente; • não deve haver relações causais entre os descritores; • a descrição será suficiente quando a eliminação da carga negativa resolver o problema. Exemplo: Vamos utilizar como exercício o problema selecionado pela Secretaria Muni- cipal da Saúde de uma cidade hipotética que iremos denominar Cidade das Violetas. PLANEJAMENTO EM SAÚDE 34 programa 1 valor político ALTO governabilidade ALTA VDP = d1, d2, dn Problema: alta mortalidade neonatal na Cidade das Violetas Ator: secretário municipal da Saúde VDP: d1= mortalidade neonatal na Cidade das Violetas atualmente é de 16,7 para 1.000 nascidos vivos, enquanto o índice esperado é de 5/1.000 NV. d2=d1 alto Observa-se que nesse caso foi necessário para descrever o problema apenas um descritor e outro de tendência. O descritor d1 é quantitativo e compara o CMI neonatal local com o padrão internacional. III – Explicação do problema Identificar as causas do VDP. Essas causas podem ser de três tipos: fluxos, acu- mulações ou regras formais ou informais. Cada causa é denominada “nó expli- cativo”. O conjunto de nós deve ser ordenado graficamente num fluxograma situacional em que se distinguem outras três áreas: • governabilidade: onde o controle total é do ator que declara o problema; • área de influência: o ator tem capacidade de influenciar, mesmo que no momento atual essa influência seja zero; • fora do jogo: área onde o ator não tem qualquer controle sobre as cau- sas do problema. O fluxograma situacional (Anexo 1) possui nove quadrantes onde irão loca- lizar-se os nós explicativos. Esses nós devem ser expressos de forma clara e telegráfica, e as relações de causalidade entre eles deverão ser representadas por setas. No fluxograma as regras referem-se às leis e normas formais ou de fato; as acumulações, às causas com caráter cognitivo, e os fluxos, àquelas que representam ações. Alguns nós explicativos são críticos para a mudança dos descritores do pro- blema. Estes são então denominados nós críticos. Critérios para selecionar os nós críticos: • alto impacto sobre o VDP; • ser um centro prático de ação – algum dos atores deverá ter governa- bilidade sobre essa causa; • ser um centro oportuno de ação política – ter viabilidade política durante o período do plano. 35 PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO SITUACIONAL Regras Governabilidade Influência Fora do jogo Acumulações Fluxos d1 d2 dn PLANEJAMENTO EM SAÚDE 36 No exemplo citado foi possível identificar dez nós críticos: NC1: descontinuidade de assistência ao pré-natal e/ou início tardio; NC2: falta de treinamento dos profissionais de saúde dos serviços de saúde; NC3: baixo controle das patologias maternas crônicas; NC4: ausência de controle de ocorrência de malformações, doenças congêni- tas e enfermidades no período de 28 dias; NC5: insuficiência de leitos de berçário de médio e alto risco na região; NC6: sistema de referência e contra-referência existente na região não garan- te atendimento ao paciente; NC7: prática médica intervencionista e mercantilista, levando a uma assistên- cia inadequada ao pré-natal e partos; NC8: insuficiência de equipamentos de monitoramento fetal nos hospitais; NC9: baixa qualificação da mão-de-obra nos serviços de saúde; NC10: insuficiência de neonatologista na assistência ao RN na sala de parto e berçário. Uma vez identificados os nós críticos, deve-se construir com eles a árvore de um problema. Cada nó crítico deve ser descrito – VDNC. Para resolver o pro- blema teremos que programar operações capazes de alterar os vetores de des- crição de cada nó crítico (Anexo 2). VDNC2 n2.1 n2.4 VDNC1 n1.1 n1.3 VDNC4 n4.1 n4.7 VDNC9 n9.1 n9.2 VDNC8 n8.1 n8.2 VDNC6 n6.1 n6.2 VDNC5 n5.1 n5.2 VDNC10 n10.1 n10.2 VDNC4 n4.1 n4.8 VDNC7 n7.1 n7.5 D1 D2 VDP Fonte: Problema analisado no curso Governo e Planejamento (FUNDAP – Fundación Altadir, 1996, mimeografado). 37 PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO SITUACIONAL Cadeias causais: a. Cadeia 1: relacionada ao controle da gravidez; b. Cadeia 2: relacionada à assistência ao parto; c. Cadeia 3: relacionada ao feto e RN menor que 28 dias. IV – Definição da situação objetivo Neste passo, devem-se definir os resultados esperados, isto é, a mudança que se pretende obter a respeito dos descritores dos nós críticos e dos descritores do VDP do problema (Anexo 3). V – Identificação das operações necessárias ao enfrentamento do problema Chamam-se operações àquelas que estão na área de governabilidade do ator que declara o problema, e demandas de operação àquelas que estão na área de governabilidade de outro ator. Cada operação deve apontar os resultados desejados e as atividades neces- sárias para alcançar esses resultados, definir os responsáveis pelas atividades e os atores que devem estar envolvidos, o prazo para sua realização, os recursos necessários e o cronograma (Anexo 4). NC2 NC1 NC3 NC9 NC7 NC2 NC7 NC9 NC6 NC8 NC4 NC4 NC5 NC10 VI – Análise de viabilidade Construir uma matriz de motivação dos atores, em que se analisará o vetor de motivação de cada ator em relação às operações desenhadas. Identificar os atores que são aliados, oponentes e indiferentes ao plano. Identificar as operações de consenso e de conflito e definir as táticas para viabilizar as operações de conflito. Interesse: +, – , 0 (indiferente) Valor: A (alto), B (baixo), M (médio) Aliados: A1, A3 Oponentes: A2 Operações de consenso: OP2, OP4 Operações de conflito: OP1, OP3 VII – Implementação Definir o modelo de gestão e do processo de acompanhamento do plano. Desenhar um modelo de avaliação baseado em indicadores específicos ao problema em questão. PLANEJAMENTO EM SAÚDE 38 OP1 OP2 OP3 OP4 A1 + A + A + M + A A2 – M + B – A 0 M A3 0 B 0 M + A + B C_Texto_Unidade_III_Astrajetorias.pdf 5 RSP Revista do Serviço Público Ano 55 Número 4 Out-Dez 2004 As trajetórias do planejamento governamental no Brasil: meio século de experiências na administração pública Antônio Ricardo de Souza Introdução A proposta de construção deste artigo surge, inicialmente, da constatação de que, analisando-se a literatura especializada acerca do tema do planejamento governamental, ao longo de vários anos, essa atividade experimenta uma evolução considerável. Originariamente era privilégio da chamada tecnocracia brasileira; em seguida, evolui do chamado planeja- mento tradicional e governamental para uma concepção de planejamento estratégico, para atingir, do ponto de vista da sociedade, a sua forma mais democrática e transparente com o planejamento, participativo, o qual, em alguns momentos, também aparece com a roupagem de orçamento participativo. Em um segundo momento, a motivação origina-se, também, do fato de que a atividade de planejamento alçada historicamente ao status de agenda governamental, começa, na década de 1980, a passar por uma crise intensa em termos de credibilidade social e de legitimidade, ao mesmo tempo em que ocorrem grandes mudanças no cenário mundial e nacional, com os movimentos de globalização econômica, o acirramento da crise financeira do Estado e do modelo burocrático de intervenção do setor público, entre outras, que afetam profundamente a sociedade. Durante muitas décadas, na Administração Pública Federal, o plane- jamento foi instrumento de intervenção e controle social e também, em alguns períodos, como ocorreu na década de 1950, no governo de Jusce- lino Kubitscheck, com o Programa de Metas, o principal agente do desen- volvimento socioeconômico no país. Desse modo, é importante recuperar e analisar, a partir de metodologia de path dependency, as perspectivas históricas das experiências de planejamento do país, identificando, na medida do possível, resultados positivos e outros menos exitosos. Antônio Ricardo de Souza é doutorando em Administração pela Universi- dade Federal da Bahia. Contato: ricjanesalvador@ terra.com.br 6 RSP Um breve histórico das origens e trajetória do planejamento brasileiro As raízes do planejamento governamental no Brasil datam do século XIX, sobretudo a partir de 1890, conforme Maciel (1989). Nesse período, o governo da chamada República Velha ou República Agrária institucio- nalizou um plano geral, conhecido como Plano de Viação, que deu os primeiros passos rumo à sistematização da coordenação das contas públicas no país. Posteriormente, já no fim do século XIX, em função dos desequilíbrios das contas públicas, o governo criou o Plano de Recuperação Econômico-Financeira, coordenado pelo então Ministro da Fazenda Joaquim Murtinho. Entretanto, somente a partir do advento do Estado Novo, nos anos 30, é que o Brasil ingressa sistematicamente na adoção e concepção de planejamento governamental (MACIEL, 1989). Num primeiro momento, essa prática de planejamento inicia-se por meio de pequenas comissões e coordenações ad hoc que, vinham para o país auxiliar governos e burocracias públicas na sistematização de planos, programas e projetos de ação, o que, posteriormente, transformou-se em atividade da Administração Pública Federal, responsável pela condução dos negócios públicos, pelos investimentos, pelo crescimento econômico e pelo desen- volvimento social. Para fins de análises das experiências de planejamento no Brasil, uma agenda de debates poderia ser apresentada a partir de dois grandes divisores de águas em relação à política, à economia e à definição do marco legal-institucional do país: o primeiro é o Estado Novo de 1930, momento em que se inicia a construção de um Estado capitalista de caráter nacional-desenvolvimentista, planejador e intervencionista; e o segundo é o Regime Militar de 1964, em que essas relações construídas no Estado capitalista aprofundam-se e internacionalizam-se, guiadas por raciona- lidade técnica e de eficiência econômica, articuladas com ideologia de segurança nacional. Assim, esses dois períodos ou marcos políticos de análises serão os grandes eixos norteadores da identificação sucinta das experiências brasileiras de planejamento econômico no país. É a partir dos anos 30 que, no Brasil, inicia-se a construção de cultura e prática de planejamento governamental, assentado nas principais bases da incipiente industrialização brasileira, na intervenção do Estado, na criação de empresas públicas e estatais, na valorização do capital nacional e na política nacionalista de defesa dos interesses das elites industrializantes (IANNI, 1986). As iniciativas que vigoraram nas décadas de 1930 e 1940 culminaram com forte intervenção do Estado na sociedade, por meio do planejamento governamental. É importante enfatizar que, nesse primeiro momento de adoção de planejamento pela Administração Pública Brasileira, coube ao Estado o 7 RSPpapel de principal indutor e condutor da atividade de planejamento econômico, assim como à sua burocracia estatal o papel de implementação das ações governamentais, que ainda prevalecem até os dias atuais. Durante os primeiros anos do Estado Novo de 1930, as elites gover- nantes (políticas, agrárias e industrializantes) empenharam-se em viabilizar a tão propalada industrialização brasileira, via processo de substituição de importações. É a partir de discurso nacionalista, estatizante e intervencio- nista, principalmente, que o Estado brasileiro fomenta iniciativas, como a valorização do capital e da empresa nacional, para viabilizar a política de industrialização, tendo como base algumas ações que, até aquele momento, não se constituíam, ainda, em planejamento governamental. Tais iniciativas tinham como objetivos construir um Estado capitalista brasileiro dotado de economia forte, com base nacional, e, dessa forma, viabilizar as suas relações de produção com maior ênfase na presença do setor estatal no processo de industrialização. Um dos grandes desafios dos anos 30 foi, a partir das empresas públicas estatais, as elites criarem um modelo de desenvolvimento planejado, com ênfase somente no capital nacional e na valorização do mercado interno. Ou seja, as elites do Estado Novo queriam implementar no país um processo de industrialização com bases predomi- nantemente nacionalistas, sem interferências externas que pudessem ferir os grandes objetivos nacionais. Dentro desse contexto, alguns autores, como Ianni (1987), Láfer (1987), Kon (1999), afirmam que é, a partir das décadas de 1930 e 1940, que o Brasil cria iniciativas importantes que originaram a atividade de plane- jamento governamental. Tais iniciativas são apresentadas nas seguintes propostas: 1) Relatório Simonsen (1944-1945); 2) Missão Cooke (1942- 1943); 3) Missão Abbink (1948); 4) Comissão Mista Brasil – EUA (1951- 1953); 5) Plano Salte (1948), que contribuíram para criar e articular cultura e prática de planejamento que viessem atender às principais demandas sociais. Entretanto, mesmo antes dessas importantes iniciativas governa- mentais, houve ainda esforços para construir matriz decisória global que pudesse criar instrumentos de política econômica para os setores públicos e privados no país, de acordo com Souza (1984). Esses esforços estão esposados nas caracterizações do Plano de Obras e Equipamentos, que teve como base o Plano Especial de Obras Públicas e Preparo da Defesa Nacional, decorrentes das necessidades do período da Segunda Grande Guerra, no período de 1939-1945; a Coorde- nação da Mobilização Econômica de 1942, em que o governo coordenava assuntos econômicos, financeiros, tecnológicos do país em estado de guerra; o Plano Salte (1949-1953), que priorizava os setores da Saúde, da Alimentação, do Transporte e da Energia, implementado pelo Departa- mento Administrativo do Serviço Público (DASP); o Plano de Reapare- lhamento Econômico ou Plano Láfer, anunciado em 1951 e coordenado 8 RSP pelo Ministro da Fazenda Horácio Láfer, que objetivava investimentos nas indústrias de base, energia, frigoríficos, entre outras (SOUZA, 1984; IANNI, 1986). Todos esses esforços contribuíram não somente para a cons- trução de cultura e prática de planejamento no país, como colaboraram na determinação de colocar mais racionalidade nas ações e no processo decisório das políticas governamentais. Para Souza (1984), o Plano de Metas do Governo Juscelino Kubitschek, para o período de 1956-1961, não era um plano, e, sim, um programa, por não terem sido concebidos em sua formulação programas e projetos de ação governamental. Assim, esse plano caracterizou-se por vir acompanhado de articulação entre o capital privado nacional, o capital estrangeiro e o Estado, no processo de industrialização, que foi forte- mente acentuado no governo JK (KON, 1999). No período seguinte, de 1963 a 1965, durante o governo Jânio Quadros e João Goulart, foi desenvolvido o Plano Trienal, que objetiva a recuperação do ritmo de crescimento econômico no período do governo JK (MACEDO, 1987). Esse plano foi formulado e coordenado pelo econo- mista brasileiro Celso Furtado, que nem sequer conseguiu articular ações no governo que pudessem tirá-lo do papel e levá-lo para a sociedade. Assim, após a renúncia de Jânio e a deposição do Presidente Jango pelo golpe militar de 1964, as perspectivas econômicas e sociais de cresci- mento são postergadas para os governos militares que se instalam no período pós-64 no país. Um dos primeiros atos do novo regime militar foi a retomada do crescimento da economia, comprometida pelos governos anteriores de Jânio e Jango, por meio do Plano de Ação Econômica do Governo (PAEG) para o período de 1964-1966. Posteriormente, já em processo de retomada do crescimento eco- nômico, a partir de algumas reformas importantes, como a institucional e a do sistema tributário brasileiro, o regime militar lança mão do Programa Estratégico de Desenvolvimento (PED), para o período de 1968-1970, tendo como objetivos a valorização da empresa privada e a aceleração do desenvolvimento econômico, com a estabilização de preços e o controle inflacionário. Já, na década de 1970, o Brasil inicia período grandioso de cresci- mento e desenvolvimento econômico, capitaneado pela intervenção do Estado, por meio do planejamento econômico, tendo como base os altos níveis de crescimento do Produto Interno Bruto nacional. Assim, é a partir do I Plano Nacional de Desenvolvimento Econômico, o I PND, para o período de 1972-1974, que o país alavancou o seu padrão de crescimento econômico com base em investimentos em setores dinâmicos, como a construção e ampliação da infra-estrutura do país, assim como a dissemi- nação de política e ideologia de desenvolvimento nacional pautada na 9 RSPforte presença do Estado e de suas empresas públicas, estatais e sociedade de economia mista (MARTINS, 1985). Dessa forma, sob os auspícios da máquina estatal e da ação efi- ciente do planejamento governamental na Administração Pública Federal, o Brasil, assim como todos os países capitalistas, foi abalado pela primeira crise do petróleo, que culminou com o aumento dos preços internacionais, em fins dos anos de 1973, provocando crise internacional de reajustes nas contas nacionais (KON, 1999). Então, o regime militar brasileiro reage com a implementação do II Plano Nacional de Desenvolvimento, o II PND, para o período de 1975-1979, que previa um programa de investimentos condizentes com as altas taxas de crescimento dessa década. Esse período foi extremamente turbulento, tendo em vista que ocorreu, ainda em 1979, a segunda crise do petróleo, que forçou, novamente, as economias a se reajus- tarem e a viabilizarem alternativas de políticas econômicas que pudessem superar as dificuldades causadas pelos aumentos do preço do barril de petróleo, que ficaram 37,9% acima do preço do ano anterior. Nos anos 1980-1985, em relação à queda do ritmo de investimentos e à diminuição de demanda, restringindo o crescimento da produção, o regime militar tenta alavancar a economia com a implementação do III Plano Nacional de Desenvolvimento, o III PND, que concebeu diversas alterações em relação ao I e II PNDs, e, na prática, significou uma busca pelo equilíbrio do setor público/contas públicas, tentando controlar o déficit fiscal e a inflação. Não por acaso, a partir da década de 1980, o controle inflacionário passa a ser estratégico para o governo militar para assegurar não só a retomada do crescimento econômico, mas, também, o controle sobre a inflação, de forma a não inviabilizar no país os interesses das grandes empresas privadas e do grande capital nacional e internacional, que sempre estiveram vinculados ao Estado brasileiro. Assim, o Brasil entra na década de 1980 – considerada por membros da classe política, analistas e economistas como a “década perdida” –, tendo como centro de sua agenda governamental o controle da inflação e a retomada do crescimento econômico. É bom frisar que, não por acaso, já existia, desde os anos 30, preocupação com a questão inflacionária, mas é a partir dos anos 80 que a inflação passa a ser o grande desafio estratégico dos sucessivos governos. Planejamento governamental e suas principais características nas experiências brasileiras As principais experiências de planejamento aqui apresentadas têm como base duas iniciativas importantes para o país, porém não estratégicas. A primeira é o Plano de Obras e Equipamentos, que teve como seu 10 RSP antecessor o Plano de Obras Públicas e Preparo da Defesa Nacional no Brasil, que tinha a finalidade de preparar o país para os infortúnios da Segunda Guerra Mundial. Esses dois planos foram elaborados pelo mesmo governo de Getúlio Vargas, no período do Estado Novo. Sua ênfase recaía na construção de obras de infra-estrutura e na criação de indústrias de base, que seriam as grandes alavancas do processo de industrialização. Nesse período, esses planos não concebiam as condições financeiras em que se dava a concretização das intenções do governo. O que se verifica é que, do ponto de vista administrativo, esses planos legitimavam a posi- ção de poder do ministro da Fazenda, na medida em que coube ao Minis- tério da Fazenda a condução das políticas e articulações para a formulação, implementação e coordenação do planejamento, no período de 1939-1945. Esses planos sofreram alterações em 1945 e praticamente foram extintos em 1946 (SOUZA, 1984). A queda de Vargas, a Constituição de 1946 e os fatos que findaram a Segunda Guerra Mundial forçaram o Brasil a reto- mar posição de destaque como democracia da América Latina. Por isso adotou iniciativas e princípios do liberalismo econômico, retomou o cres- cimento econômico, realizou reformas na Administração Pública Federal e, apontando na direção da renovação de sua frota mercante e de sua infraestrutura, reequipou portos (SOUZA, 1984; IANNI, 1986; LÁFER, 1987). Assim, a partir desse quadro, o país acena com o Plano Salte (Saúde, Alimentação, Transporte e Energia), coordenado pelo Departamento Admi- nistrativo do Serviço Público (DASP), no governo do General Eurico Gaspar Dutra, para o período de 1946-1950, implementa política forte- mente antiintervencionista, herdada da era ditatorial de Vargas, prioriza, além deste plano, a política cambial, a salarial e, sobretudo, a Missão Abbink em 1948, que era uma comissão ad hoc do governo americano encarregada de assessorar e diagnosticar as questões nacionais mais importantes – os chamados “pontos de estrangulamento” (IANNI, 1986) da economia e da sociedade brasileira – e propor políticas e estratégias governamentais voltadas para a superação das dificuldades do país à época. O governo Dutra apresentou alguns avanços sociais, como a democrati- zação do país, e também alguns retrocessos políticos, como a cassação do Partido Comunista, mas caracterizou-se por uma política externa de proximidade com os Estados Unidos da América a partir da doutrina e da ideologia liberal, tanto do Estado como do aparato público-estatal, permi- tindo a presença incessante dos interesses internacionais no país. O que os especialistas apontam é que o Plano Salte acabou sendo um apanágio de retóricas e intenções governamentais sem nenhuma articulação de política econômica, apresentando graves equívocos de financiamento e omissão de aspectos administrativos, que culminaram com a total desarticulação entre o orçamento e o próprio plano. Para Souza (1984), não é por acaso que, à época, especialistas afirmavam que o plano era 11 RSPtotalmente inexeqüível em relação à proposta governamental. Apesar das incongruências, dos equívocos e das inconsistências apresentadas no Plano Salte, o governo Dutra inicia a sua implementação a partir de 1949, já no final de seu período governamental. Em suma, poderíamos afirmar que essa experiência de planejamento, em plena democracia liberal no Brasil, foi pautada pela falta de aportes financeiros, pela não-formulação de pro- jetos e programas governamentais, pela desarticulação financeira e orça- mentária, pela ineficiência da administração pública governamental em relação à articulação e coordenação de políticas e pela sua discutível viabilidade técnica. Portanto, o Plano Salte tornou-se antiexemplo de pla- nejamento governamental no Brasil (SOUZA, 1984). Para além das incompreensões apresentadas pelo Plano Salte, o Brasil inicia a próxima década, de 1950, convivendo com o retorno da mais importante liderança política e um dos grandes “arquitetos” da cons- trução do Estado brasileiro, o Presidente Getúlio Vargas, para seu segundo governo, de 1951 a 1954. Nesse segundo governo, o Presidente Getúlio Vargas encontrou um país já democratizado, um Estado já privatizado e permeado pelos interesses dos grandes capitalistas e pelas elites nacionais e internacionais, além de uma política econômica liberalizante (IANNI, 1986). Além disso, já existia, de forma consolidada, uma burguesia industrial que demandava do Estado políticas e articulações que viessem ao encontro de suas grandes aspirações de produção e consumo. Nesse período, a tônica do governo Vargas, do ponto de vista político-ideológico, foi combater o que ele chamava de entreguismo da nação aos capitalistas nacionais e interna- cionais, realizando algumas iniciativas de planejamento, como foi o Plano Nacional de Reaparelhamento Econômico, ou Plano Láfer1, anunciado em 1951, juntamente com a criação de um Fundo de Reaparelhamento Econômico para financiar iniciativas público-privadas, e, principalmente, a criação de agência de fomento, como o Banco Nacional do Desenvol- vimento Econômico (BNDE), em 1952, além da Petrobras, BNB, BASA, Bandesul, Eletrobrás, encarregados de financiar principalmente o cresci- mento nos setores de infra-estrutura e obras públicas, viabilizando, assim, o desenvolvimento econômico do país (SOUZA, 1984; IANNI, 1986). Para além dessas realizações, o governo Vargas não conseguiu concretizar outras iniciativas na administração federal, mesmo que tími- das, pois tinha de superar as dificuldades e os obstáculos criados pelos grandes interesses nacionais e internacionais das elites capitalistas, que mantinham, a todo custo, o controle do poder político por meio do Congresso Nacional e do aparelho do Estado. Assim, ficou evidenciado que tais interesses eram incompatíveis com os objetivos nacionais à época. Além do mais, havia, em desenvolvimento no país, uma sociedade mais articulada politicamente, convivendo com os partidos políticos de oposição 12 RSP e de esquerda de forma livre e democrática, em ambiente em que as regras do livre mercado dirigiam os destinos de toda a economia nacional. Assim, a partir desse quadro político-econômico, o Presidente Getúlio Vargas, diante de sua incapacidade e fragilidade política de enfrentar essas dificuldades em pleno regime democrático, provocou grave crise institucional com seu suicídio em 25 de agosto de 1954, mergulhando o país em grandes dificuldades e dilemas institucionais. Portanto, o que há, nesse período, sobre planejamento governamental é que, apesar das inten- ções de Vargas de realizar políticas nacionalistas que defendessem os interesses nacionais, como retratou bem a criação da Petrobras, o governo não conseguiu retomar as condições político-econômicas que pudessem tirar o Brasil da situação de transição, ou seja, de país com características predominantemente agrárias para outro, moderno, industrial e inserido na economia capitalista mundial. Assim, verifica-se que, no período que antecede o governo de Jusce- lino Kubitschek (JK), o Brasil já tinha incorporado uma racionalidade téc- nica, incipiente – resultado das experiências anteriores sobre a adoção do planejamento governamental –, que combinava três pontos importantes em relação ao sistema econômico brasileiro e à dinâmica capitalista mundial: 1) o poder público no país já tinha incorporado as experiências de planejamento, manipulando os instrumentos de política econômica; 2) desde 1948, a Comissão Econômica para a América Latina (Cepal) vinha desenvolvendo debates e propostas de desenvolvimento conforme a estratégia de substituição de importações, programação econômica nos níveis setorial, regional e global, que praticamente dominou a agenda gover- namental nesse período; e 3) os EUA já tinham iniciado suas experiências no governo e em setores empresariais, pelas quais já era possível identificar a participação do Estado nas decisões e propostas de realizações sócio- econômicas para a população e, com isso, alavancar o processo de indus- trialização. Em suma, pode-se afirmar que havia reordenamento das relações econômicas entre o Estado e as forças produtivas do país (DRAIBE, 1985; IANNI, 1986; BIELSCHOWSKY, 1988). Além desses precedentes do período JK no Brasil, enfatiza-se que esse governo herdou grave crise de instabilidade política, derivada do suicídio do Presidente Getúlio Vargas em 1954 e do movimento militar de novembro de 1955, movimento que tinha como objetivo garantir a instala- ção do governo recém-eleito em outubro do mesmo ano. Assim, podería- mos afirmar que o período JK herdou grandes turbulências políticas, mas foi capaz de iniciá-lo com uma das mais exitosas experiências de planeja- mento governamental: o Programa de Metas, que vigorou no Brasil a partir de um discurso político, ideológico, retratado no slogan: “Brasil, 50 anos em cinco”. 13 RSPEsse programa adotou uma estratégia de governo muito interessante e diferente do que vinha sendo adotado pelos governos anteriores, que foi a transformação qualitativa do Estado em termos de política econômica, com a expansão do Estado e do capitalismo brasileiro, de forma dependente e associada aos grandes interesses econômicos e empresariais nacionais e internacionais (SOUZA, 1984). Tal estratégia dependentista de JK foi marcada por quatro grandes realizações para o Brasil: 1) a implementação do Programa de Metas, que será analisada em seguida; 2) a criação da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), em1959, que tinha como objetivo principal o combate às secas e às desigualdades regionais; 3) a Operação Pan-Americana (OPA), que visava à aproximação dos países da América Latina entre si e com os Estados Unidos; e 4) a construção de Brasília, que transferiu a capital do país do Rio de Janeiro para a região do Planalto Central, em 1960 (IANNI, 1986). O que interessa, então, nesse período do governo JK é analisar o Programa de Metas, que deu início à consolidação de modelo de cresci- mento e desenvolvimento econômico, articulados com o processo de indus- trialização, capitaneado pelo Estado, o que propiciou, desta forma, grandes transformações nas estruturas produtiva, pública e estatal no Brasil (IANNI, 1986; DRAIBE, 1985). O Programa de Metas tinha sido estruturado para atacar pontos de estrangulamento da economia brasileira, viabilizando investimentos em infraestrutura, sob a responsabilidade do Estado, pois nessa época esse setor não constituía setor atrativo para investimentos do setor privado, e expandindo o setor de indústria de base – automotivo, indústria pesada e de material elétrico – para dar condições de criação, instalação e consoli- dação do parque industrial nacional (IANNI, 1986, LÁFER, 1987). De acordo com Láfer (1987), o Programa de Metas atingia os seguintes setores: 1) energia, que abrangia 43,4% do investimento inicial- mente planejado e compreendia as seguintes metas: setor elétrico – elevação da capacidade instalada em até 9.000.000 kW em 1965; energia nuclear – formação de pessoal técnico especializado para a execução do programa nacional de energia nuclear, para fabricar combustível nuclear, planejar usinas termelétricas, entre outras; carvão mineral – elevação da produção mineral para até 3.000.000 de toneladas; petróleo – criação de condições para o refino de até 308.000 b/d; 2) transporte, que abrangia 29,6% dos investimentos e estava dividido nos seguintes segmentos: ferrovias, que necessitavam de reaparelhamento, construções novas e modernização urgentemente; rodovias, que necessitavam ser construídas e pavimentadas para criar condições concretas para o escoamento da produção e a integração do país; melhoria dos serviços de dragagens e portuários; investimentos na marinha mercante, nos transportes aeroviários para que pudessem dar maior consistência ao crescimento econômico no 14 RSP período; 3) alimentação, que contemplou a agricultura, à exceção do trigo, criando condições de fortalecimento da infra-estrutura agrícola a partir das seguintes estratégias: aumento do número de construções de armazéns e silos, armazéns frigoríficos e matadouros industriais, mecanização e uso de fertilizantes. Esse setor foi privilegiado com um crescimento, entre 1955-1960, de 7,2% aa, contrastando com a ínfima taxa de 3,3% no início da década de 1950; 4) indústria de base, setor estratégico para o sucesso do Programa de Metas, que aumentou vigorosamente, no período, a pro- dução industrial em mais de 96% em relação ao período de 1952-1955, que crescera apenas 42%. Essa produção industrial diversificou os bens de tal forma que o setor dividia-se em: siderurgia, que ultrapassou a meta em 1960, com uma produção do parque siderúrgico em 2.485.000 tonela- das; alumínio, cuja produção foi de 16.573 toneladas; metais não ferrosos, com a expansão, principalmente, das indústrias de chumbo, estanho, níquel e cobre; produção de cimento, álcalis, celulose e papel, borracha e expor- tação de minérios de ferro, que atingiu aumento de até 94% em relação ao Plano de Metas; o setor da indústria automobilística praticamente conso- lidou o seu apogeu com a meta atingida de 92,3% em 1960, acompanhado pelas indústrias de construção, metal-mecânica e de material elétrico, que tiveram significativos aumentos de produção para o período; 5) edu- cação, setor ainda secundarizado e não contemplado ainda nas políticas e no planejamento governamental. No Programa de Metas, a educação, timidamente, apresentava como objetivo viabilizar a qualificação técnica do pessoal do setor produtivo por meio dos chamados cursos técnicos especializados (LÁFER, 1987). Além dessas questões, o Programa de Metas, apesar de ter tido muito sucesso econômico à época, apresentava algumas debilidades/difi- culdades administrativas, como: ausência de integração das áreas exe- cutiva do plano com a financeira; manipulação de alguns instrumentos de política econômica sem lógica racional que estruturasse as atividades necessárias para o atendimento das pressões sociais e as exigências técnicas do programa; e a necessidade de reforma administrativa coerente, com o objetivo de ajustar a Administração Pública Federal, o Estado e os objetivos do Programa de Metas (SOUZA, 1984). Finalizando, poder-se-ia, então, afirmar que o Programa de Metas traduziu, por meio da atividade de planejamento governamental, os inte- resses das elites nacionais e internacionais capitalistas de viabilizar no Brasil a consolidação de um modelo de crescimento econômico capitalista dinâmico, a partir da intervenção do Estado como o grande mentor do desenvolvimento econômico e social (SOUZA, 1984; LÁFER, 1987). Antes da análise do Plano Trienal, é importante enfatizar, mais uma vez, outra crise político-institucional que ocorreu no país, com o interregno do governo de Jânio Quadros (1961-1964), que tomou posse em 31 de 15 RSPjaneiro de 1961. Após oito meses de governo, em 25 de agosto desse ano, alegando que “forças ocultas o impediam de governar o país”, ele renuncia ao cargo de Presidente da República do Brasil, mergulhando o país em mais uma crise de instabilidade política, econômica, social e institucional. Não vem ao caso tratar dessa questão neste artigo, entretanto é importante frisar que essa posição tomada pelo Presidente Jânio Quadros, além de surpreender o povo brasileiro, que tinha depositado nele todas as esperanças de retomada do crescimento, de combate ao desemprego e à corrupção no país, vem corroborar as análises e opiniões a respeito de sua personalidade dúbia, equivocada e, às vezes, inexplicável, na medida em que ele demonstrava, em seus discursos, uma mistura de discurso oficial inerente ao poder público com propostas de caráter moralista e laico. Além da crise instalada pela renúncia de Jânio, o governo de Jango herdou, também, contexto turbulento em função dos limites impostos pelo mau desempenho econômico, pelos altos níveis de desemprego e inflação, pela total desorganização do setor público e, sobretudo, pela falta de apoio político das elites, dos militares e de parte da classe média brasileira. Também, aliado a esse confronto político de crise institucional, o governo de Jango viu-se pressionado por interesses internacionais, em particular dos americanos, que pressionavam o governo em busca de política mais liberal e menos restritiva em termos de concessão às grandes empresas capitalistas. Nesse quadro crítico, o governo de Jango implementa o Plano Trienal para o período de 1963-1965, elaborado por técnicos brasileiros em fins de 1962, sob a coordenação do renomado economista brasileiro Celso Furtado, com o objetivo de retomar o crescimento econômico, reduzir o processo inflacionário e criar condições concretas para a distribuição de renda e a intensificação da ação governamental na área educacional (SOUZA, 1984; KON, 1999; IANNI, 1986; MACEDO, 1987). O Plano Trienal, desde o primeiro momento, demonstrou, conforme Souza (1984), grandes níveis de incongruência. Tais níveis estão expressos no fato de que, nesse governo, criou-se um superministério, ou um ministro extraordinário para a atividade de planejamento, rompendo, dessa forma, com as concepções de planejamento como atividade acessória ou, segun- do as agências financeiras, como algo predominantemente voltado para uma lógica racional. Outra incongruência do Plano Trienal era o seu autoritarismo na formulação, ou seja, foi planejado de cima para baixo, sem participação social e de outros níveis governamentais e administrativos da administração pública do país. Ainda nesse quadro de incongruências, o plano era predominantemente tecnocrático, porque dominado por técnicos (economistas) e burocratas, os principais responsáveis pela formulação das políticas públicas. Entretanto, houve um ponto positivo no Plano Trienal: 16 RSP a competência com que se deu a integração entre a política econômica e as proposições das ações governamentais do plano (SOUZA, 1984). Diante de tal quadro de crises político-socioeconômicas desse período em que se gerou o Plano Trienal do governo de Jango, o resultado, sem dúvida nenhuma, mostra total fracasso gerencial, político e adminis- trativo, levando alguns analistas a afirmar que o plano nem saiu do papel. Em 1963, criou uma Coordenação de Planejamento Nacional, para tentar recompor o plano a partir de outras bases; no entanto, ele morrera atacado pelos altos níveis inflacionários, pelo baixo nível de crescimento e pela falta de investimentos para a retomada do crescimento econômico do país (SOUZA, 1984; MACEDO, 1987). Após a desilusão deixada pelo fracasso do Plano Trienal e pelos malogrados governos de Jânio e, sobretudo, após a deposição do Presidente Jango por um golpe militar, em março de 1964, o Brasil ingressa na chamada era dos governos militares. Não é propósito, neste artigo, analisar o golpe militar de 31 de março de 1964 no país, no entanto é a partir desse período que o Brasil adota o planejamento governamental como instrumento de intervenção e controle social, além dos objetivos de desenvolvimento. O ciclo do governo militar no Brasil tem início com a ascensão do Presidente Marechal Humberto de Alencar Castello Branco, que formulou e implementou o mais intervencionista planejamento governamental, depois dos anos 30, no Brasil: o Plano de Ação Econômica do Governo (PAEG) para o período 1964-1966. De acordo com Martone (1987), o PAEG fazia parte das chamadas reformas institucionais relevantes desse período e apontava para os seguintes principais objetivos: a) combater o processo inflacionário; b) acelerar o ritmo de crescimento econômico; c) atenuar os desníveis de desenvolvimentos setoriais e regionais; d) assegurar uma política de investimentos; e) aumentar as oportunidades de emprego. Um dos elementos políticos que mais caracterizavam o PAEG como instrumento de intervenção e controle social era o total controle sobre as variáveis “políticas” para executar uma política planificada no país (IANNI, 1986). Para Souza (1984), além dessa característica, o PAEG ainda possuía as seguintes qualidades e pontos positivos em termos de planejamento governamental: 1) significava uma primeira tentativa de integrar a política econômica de forma coerente; 2) havia sincronia entre as pastas do Planejamento e da Fazenda; 3) havia em curso ampla reforma da Admi- nistração Pública Federal, para articular de forma mais eficiente os aspectos macro e a realização dos objetivos do Governo Federal. Entre- tanto, o que mais se destacava no PAEG era um conjunto de diretrizes de política econômica integradas, voltadas para a estabilização da economia, 17 RSPtendo como objetivo central a excessiva preocupação em combater a inflação, de forma coordenada e como prioridade da agenda governa- mental (SOUZA, 1984; MARTONE, 1987). O PAEG também capitaneou, além do combate inflacionário, duas grandes reformas no setor das finanças públicas: a do Sistema Monetário- Creditício, em 1964, e a Reforma Financeira, em 1965, estabelecendo as principais bases de modernização financeira do país, criando novos instru- mentos de crédito, como: a) a Coordenação Nacional de Crédito Rural (CNCR); b) o Fundo de Democratização do Capital das Empresas (Fundece); c) o Fundo de Financiamento para a Aquisição de Máquinas e Equipamentos Industriais (Finame); d) o Fundo de Financiamento de Estudos e Projetos e Programas (Finep); e) o Banco Nacional de Habitação (BNH) (SOUZA, 1984; IANNI, 1986; KON, 1999). Tais reformas propiciaram o desenvolvimento do sistema financeiro brasileiro. Tal como ocorreu com a grande maioria dos planos governamentais do país, os retrocessos e os avanços nessa atividade de planejamento deixaram marcas profundas na definição cultural e prática de planeja- mento governamental no Brasil. Assim, a exemplo disso, pode-se afirmar que existiram três impor- tantes dimensões contempladas no PAEG, que, de acordo com Souza (1984), significaram grandes avanços em relação às experiências ante- riores: 1) a identificação do uso de diagnósticos, que serviram de base para formulação do plano nas áreas econômica e social; 2) o correto uso da política econômica; e 3) a reforma e modernização da Administração Pública Federal, com o objetivo de instrumentalizá-la em relação às neces- sidades de implementação da política econômica. Tais dimensões tiveram papel importante na formulação e implementação do plano, servindo de lição e exemplo para os futuros planejamentos públicos do governo. Em relação aos retrocessos do PAEG, Souza (1984) aponta os seguintes elementos: a) inconsistência nos dados devido ao sistema estatís- tico ser débil, defasado e deixar grandes dúvidas a respeito das infor- mações que precisariam ser coletadas na formulação do diagnóstico; b) a reforma administrativa pretendida, por mais que avançasse, não atingiu os objetivos de descentralização e eficiência das ações adminis- trativas do governo; c) as recorrentes mudanças institucionais e trocas de técnicos para a formulação e gestão dos planos contribuíram para a sua baixa eficiência, pois os técnicos da área de planejamento do Governo Federal eram recrutados de fora do setor público, com salários e garantias trabalhistas diferenciadas, gerando instabilidade e mudança na condução dos negócios públicos, incapacitando o governo de criar cultura e competência na Administração Pública Federal. Em suma, em que pesem as dificuldades político-institucionais enfrentadas pelo PAEG, no período de 1964-1966, pode-se afirmar que, 18 RSP pela primeira vez, o governo adota a atividade de planejamento de forma sistematizada, articulada e integrada com a política econômica, priorizando, dessa forma, a agenda pública governamental. A partir de 1967, foi publicado o Plano Estratégico de Desenvolvi- mento (PED) para o período de 1968-1970, durante o governo do Marechal Costa e Silva, que estava apoiado, num primeiro momento, no combate ao processo inflacionário e na retomada acelerada do desenvolvimento, e, num segundo momento, apontava na direção do fortalecimento da empresa privada, na estabilização gradativa dos preços, na consolidação de infra- estrutura pelo governo e no fortalecimento e ampliação do mercado interno (ALVES; SAYAD, 1987; KON, 1999). Alguns analistas apontam que o PED foi diagnosticado a partir da crise da economia no período de 1962, no momento em que a economia brasileira enfrentava uma de suas grandes crises, com o esgotamento do processo de substituição de importações e a estagnação econômica. Assim, num contexto de crise e estagnação econômica, conforme Alves e Sayad (1987), o PED foi concebido para alterar os padrões econômicos de desen- volvimento à época, corrigindo algumas distorções herdadas de anos anteriores, que ainda permeavam a economia brasileira. Tais distorções, como a crescente inflação e as dificuldades econômico-financeiras do processo de industrialização brasileira, paralisaram o desenvolvimento a partir de 1962 e o crescimento vertiginoso do setor público na economia, provocando elevado custo de oportunidade. Em suma, tais distorções, acabaram conduzindo a economia do país a uma retração nas taxas de crescimento do produto nacional bruto. Finalmente, o PED demonstrou que o Brasil já possuía experiência acumulada em planejamento governamental, com base já definida e estruturada na Administração Pública Federal, que consolidava, nesse primeiro momento, um modelo de planejamento que se caracterizava pela sua consistência analítica e definição de metas de médio prazo mais precisas, voltadas para a retomada do desenvolvimento econômico do país. Assim, o PED representa certo nível de avanço na prática e na cultura do planejamento governamental no país. A partir da década de 1970, o regime militar adota estratégia de crescimento e desenvolvimento econômico caracterizada pela formulação e implementação dos Planos Nacionais de Desenvolvimento (PNDs), que vigoraram no país até meados da década de 1980. Esse período, conhecido como a Era dos PNDs, por causa do I, II e III PNDs durante os governos militares, estendeu-se até o governo Sarney, da Nova República, em 1985. Assim, o planejamento, durante os governos militares, tornou-se paradigmático para o Brasil, na medida em que prepara o país para o crescimento e o desenvolvimento econômico amparados em ideologia de segurança nacional – o seu salto para a modernidade. 19 RSPConforme Kon (1999) e Gremaud e Pires (1999), o I PND, formu- lado para o período de 1972-1974, vem acompanhado pelo fenômeno econômico conhecido como “milagre” econômico, que tinha as seguintes premissas: a) as reformas econômico-financeiras introduzidas no período 1964-1967 aumentaram a capacidade de investimento do Estado brasileiro; b) o quadro externo de crescimento econômico, propiciou grande liquidez no mercado financeiro mundial; e c) a existência de capacidade ociosa, como resultado da crise econômica de 1962-1966. Assim, a partir desses fatores, consolidaram-se no país, como resultado econômico, altos níveis de crescimento do PIB, o que levou o país, em 1973, a atingir metas de até 7% aa. de crescimento econômico – percentual histórico para o país. Além desse quadro econômico favorável, nesse contexto de “milagre” econômico, o país entra em processo de enrijecimento governamental, do ponto de vista político-institucional, com a promulgação do Ato Institucional no 5, o AI-5, como ficou conhecido, editado em novembro de 1968, que proibia todo tipo de manifestação político-social, dando amplos poderes ao Poder Executivo, configurando-se como o mais duro momento do regime militar. É a partir desse quadro de êxito econômico e dura inter- venção do regime militar na sociedade que o governo lança o I PND, que continha, além das principais metas e bases para a ação do governo – que visava à definição de objetivos nacionais e o atingimento das metas estra- tégicas governamentais –, duas outras dimensões de política econômica: o Orçamento Plurianual de Investimentos para o período de 1971-1973 e o I Plano Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social para o período de 1972-1974 (GREMAUD; PIRES, 1999). Assim, o I PND apresenta ideologia, em sua retórica, de forma muito eficiente em termos de ganhos econômicos, numa proposta de governo que era tornar o Brasil uma das grandes potências econômicas e bélicas até fim do século XX. Esse sentimento nacional-patriótico dos militares foi muito bem esposado no documento que apresentou o I PND, a partir da seguinte afirmação: “(...) objetivava-se, no período de uma geração, transformar o Brasil em nação desenvolvida”. As principais diretrizes governamentais dos militares norteadoras do I PND foram: a) a modernização da sociedade; b) a otimização dos recursos humanos; e c) a definição de uma política de integração nacional com o objetivo de promover o progresso e a ocupação em diversas regiões do país. Para Gremaud e Pires (1999), o I PND tinha como linhas básicas de ação as seguintes estratégias de crescimento econômico: a) aumento do crescimento por meio da aceleração da economia, aumentando-se o PIB para 9% aa., procurando fazer o país alcançar a posição de oitava economia do mundo ocidental. Uma outra questão que envolve essa variável econômica 20 RSP é o aumento do emprego, que deveria crescer a uma taxa média de 3% entre 1970 e 1974. Então, haveria esforço concentrado nos setores terciário, da agricultura e da construção civil, de forma a propiciar aumento do nível de emprego para combater as pressões advindas dos grandes centros populacionais. Observa-se, ainda, que a maior parte das fontes de cresci- mento passa a ser aqueles setores que aumentaram sua produtividade a partir dos ganhos tecnológicos. Outrossim, enfatiza-se que, no governo do General Médice, viabilizou-se, entre outras políticas, a criação de instru- mentos para favorecer o setor privado da economia por meio de financia- mentos do Banco Central do Brasil (Bacen), Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE) e Banco Nacional de Habitação (BNH); b) outra estratégia do I PND foi o papel que as empresas públicas e estatais realizaram no país, assim como as fontes de financiamentos para a modernização da Administração Pública Federal. Tudo isso trazia, como conseqüência, crescimento desmesurado do aparato público-estatal, pro- vocando brutal centralização político-institucional e econômica, assim como hipertrofia do Poder Executivo na condução dos negócios públicos. Não vem ao caso analisar, neste artigo, a expansão do Estado no Brasil nesse período, mas vale citar que Martins (1985) realizou estudo clássico sobre a expansão do Estado no Brasil pós-64, em que apontou nessa direção da hipertrofia do Poder Executivo e da expansão da materialidade do Estado por meio das empresas estatais na Administração Pública Federal do país; c) a integração nacional foi acompanhada da Política de Integração Nacional (PIN), que disseminava os resultados do progresso econômico a partir de centros de crescimento regionais e de seus efeitos multiplicadores, de acordo com as vantagens comparativas; d) a política econômica; e) a distribuição de renda também estava nessa agenda, como quesito importante na execu- ção do I PND no Brasil. Os resultados do Plano de Metas e Bases para a Ação de Governo, para o período 1970-1973, e do I Plano Nacional de Desenvolvimento, para o período 1972-1974, foram estrondosos, pois o país alcançou níveis de crescimento que variaram de 7% a 9%, entre 1970 e1973, atingindo 10%, em 1973, e, entre 8% e 10%, em 1974, segundo o I PND, superando todas as expectativas governamentais do regime militar no país. Ainda, nessa mesma linha de argumentação, além dos resultados dessas inter- venções planejadas dos governos militares, soma-se, também, o combate às disparidades setoriais entre a agricultura e a indústria, culminando com a liderança inconteste do setor industrial, que teve crescimento médio de 12%, contrastando com o crescimento tímido de 4% da agricultura. Neste período, a primeira crise do petróleo acirrou o conflito distributivo, forçando o governo militar a deixar que o processo inflacionário do país se encarre- gasse de distribuir os custos das alterações de preços dos combustíveis e derivados do petróleo (MARTINS, 1985). Não é objetivo deste artigo analisar 21 RSPa primeira nem a segunda crise do petróleo no mundo capitalista à época, no entanto é condição sine qua non o seu entendimento, para conhece- rem-se os desdobramentos dessa crise nas economias capitalistas mundiais. Assim, além do que foi apresentado e analisado, o I PND retrata de forma inexorável a ideologia e a política de crescimento e desenvolvi- mento econômico com segurança nacional, o que vigorou até meados dos anos 80 no país. Seguiram-se, nessa mesma racionalidade de desenvolvi- mento, a formulação e a implementação do II PND no Brasil, que dava seqüência à lógica de acumulação capitalista capitaneada pelo Estado e assegurada pelos governos militares. Como afirmado anteriormente, o contexto da crise do petróleo, for- çando os reajustes das economias mundiais e impondo novas condicionantes econômicas nesses países, gerou, na concepção do II PND para o período 1975-1979, um programa de investimentos voltados à taxa média de crescimento de 10% a.a., tendo como estratégia econômica o processo de substituição de importações. Para Gremaud e Pires (1999), o II PND passa a ser, então, o planejamento mais importante nesse momento, para os governos militares, na medida em que esse plano representa uma reação à crise do petróleo e ao rompimento das regras de Bretton Woods, merecendo, dessa forma, destaque especial em termos de estratégia de desenvolvimento econômico para o Brasil. A principal diretriz do II PND era o crescimento econômico de forma acelerado e contínuo, que tinha como retórica a afirmação do Brasil potência e a continuação da política econômica antiinflacionária por meio do gradualismo, da manutenção do equilíbrio na balança de pagamentos, entre outros. Nesse sentido, os choques do petróleo não alteraram os objetivos do plano, no entanto o Brasil teve de recorrer ao endividamento externo para reagir às novas condicionantes impostas pela nova situação mundial. Ainda, segundo Gremaud e Pires (1999), o II PND desenhava um modelo econômico com as seguintes características: a) consolidação da economia moderna de mercado, que refletisse preocupação contínua com crescimento e competitividade; b) ênfase na sociedade, fortalecendo o setor agropecuário; e c) condições concretas para assegurar equilíbrio entre o capital nacional e o estrangeiro. As principais áreas de atuação do plano foram: 1) consolidação de economia moderna na região Centro-Sul do país, apontando, também, para desconcentração industrial mais bem distribuída regionalmente; 2) desenvolvimento de novas fontes de energia; 3) intensifi- cação da política de integração regional; 4) combate à pobreza, atacando os principais focos no país; e 5) integração com a economia mundial. O II PND priorizava a política industrial voltada para a consoli- dação de matriz industrial brasileira condizente com a dos países desenvolvidos, expandindo os setores de base, abrindo novos campos de exportação, dando novo impulso tecnológico e amenizando os níveis de 22 RSP desigualdades regionais. No setor agrícola, a direção dada pelo plano foi de modernização e expansão das fronteiras agrícolas, com a execução de política de uso da terra para fins agropecuários, a definição de política de reforma agrária e a adoção de estratégia global para o setor rural. Além das principais características e dimensões apontadas no II PND, os resultados são significativos no que se refere à substituição de importações, ao aumento das exportações e à concretização de grande parte dos projetos de desenvolvimento. Assim, deve-se considerar que os principais resultados alcançados entre meados das décadas de 1970 e 1980 foram, em grande parte, operados pelo II PND. A produção de aço, por exemplo, foi significativa para o país, levando-se em conta que, no período 1970-1974, o gasto com as importações de aço decuplicaram, passando de 160 milhões para 1,5 bilhão de dólares. As metas estabelecidas no II PND aponta- vam para a produção de aço em 22,3 milhões de toneladas até 1979. A produção no país acabou atingindo, nesse ano, 13,9 milhões de tonela- das, portanto 63% do total das metas do plano. É importante observar que, mesmo que as metas alcançadas, no caso dos aços, sejam menos significativas que as pretendidas pelo II PND, os altos níveis obser- vados em relação à importação e à exportação culminaram com a redução das necessidades de importação, de um total de 39%, em 1974, para 3%, em 1979, ampliando significativamente os excedentes exportáveis de 2% para 38%, no período de 1974-1983 (GREMAUD; PIRES, 1999). Outros resultados apontados pelo II PND envolvem, também, o setor de energia, que, em função da crise mundial do petróleo, forçou país a investir no incremento da produção nacional do petróleo e em fontes alternativas, como o Proálcool. Verificou-se que a prioridade de aumento da produção do petróleo ampliou-a bastante, passando de 27% em 1974 para 70% em 1980. Tal aumento decorreu principalmente dos investi- mentos aplicados no refino e transporte do petróleo, culminando, dessa forma, em resultados significativos de produção de até 17% a.a, no período de 1979-1986. Além desse aumento na produção do petróleo, é importante também frisar que a produção de energia alternativa, como a energia elétrica ligada à cana-de-açúcar, foi muito significativa em 1974 e 1979, com aumentos anuais de 12% e 9%, respectivamente. Outros resultados surpreendentes da economia brasileira durante o II PND apontam ainda na direção de outros setores que também foram muito importantes para o crescimento econômico do país, como os bens de capital e comunicações (KON, 1999). O III PND, para o período 1980-1985, foi formulado em conjun- tura de turbulências econômicas no balanço de pagamentos, pressões sobre alta de preços, pagamento da dívida externa e níveis crescentes de desemprego. 23 RSPAs principais estratégias do III PND apontavam nas seguintes direções: a) priorização do setor agrícola e de abastecimento, com vistas ao aumento da produção, estímulo às pesquisas, criação de sistemas inte- grado de produção e política fundiária, entre outros; b) na área industrial, propiciou a elevação da produtividade do setor, com incentivos aos principais projetos industriais de política energética e ampliação das expor- tações; c) na área de energia, apoio a programas de racionalização do uso da energia, prioridade à substituição do uso de derivados de petróleo, acelerando o Programa Nacional do Álcool e novos projetos de geração hidrelétrica e de aproveitamento de outras fontes de energia; e d) na área social, democratização da cultura e educação no país, criação de condições de valorização do trabalho, habitação e maior participação social nas políticas públicas e sociais. Tais estratégias, fortemente abaladas pela crise externa da economia já no início da década de 1980, não conseguiram, de forma geral, retomar o crescimento econômico e, principalmente, combater os altos níveis inflacionários no país. A recessão econômica de 1981-1983 e os altos níveis de inflação, que, a partir de 1984 até 1986, atingiram o patamar de 220% a.a., comprometeram o poder de compra dos salários, aumentando a exclusão social e provocando tensões no campo e nas cidades (GREMAUD; PIRES, 1999). Então, a partir desse quadro de crises e dificuldades financeiras, aliadas ao atraso tecnológico e à ausência de política industrial efetiva, o país tenta retomar os rumos da economia com a adoção de novo plano econômico. A decadência do planejamento como instrumento do desenvolvimento e a ascensão da agenda neoliberal no Brasil A década de 1990 foi a da Reforma do Estado. É a partir desse momento, na sociedade contemporânea, que o Estado passa a ser questio- nado, criticado e apontado como o grande vilão da crise financeira, que vinha sendo diagnosticada desde fins da década de 1970 e início dos anos 80. Não foi por acaso que o Brasil se inseriu nesse conjunto de países que sofreu os impactos tanto do processo de globalização da economia como da crise do Estado fiscal, aqui entendido como exaustão financeira do Estado, que impossibilita financiar políticas públicas e promover o desen- volvimento social. É a partir dessas premissas e em articulação com a adoção de agenda liberal que o Brasil abandona as políticas de médio e longo prazo, optando por uma política de manutenção de curto prazo, que dá conta das expectativas financeiras mais imediatas, abandonando e/ou preterindo o planejamento que, durante muitos anos, foi o grande instru- mento de crescimento econômico no país. 24 RSP Assim, a implementação da agenda neoliberal nos países da Amé- rica Latina e, em especial, no Brasil passou a apontar na direção das chamadas reformas estruturais e/ou ajustes estruturais, como o redimen- sionamento do papel do Estado e de seu caráter de intervenção no setor público; a reforma fiscal e tributária, com objetivo de equilibrar as contas públicas; a reforma administrativa, tornando o serviço público mais efi- ciente; e maior eficiência das políticas públicas e sociais. Essa agenda neoliberal, com base nas privatizações de empresas públicas, tinha como característica preparar o país para viabilizar modelo de capitalismo globalizado, centrado nos mercados e com uma estabili- dade monetária condizente com os interesses dos mercados financeiros mais desenvolvidos. Assim, não é por acaso que o país incorpora na sua política macroeconômica, centrada nos juros altos e no câmbio fixo, um dilema que inviabiliza o crescimento e a possibilidade de planejamento: a total dependência do poder público em relação ao capital financeiro especulativo para financiar suas políticas públicas. Além desses requisitos econômicos, somam-se os juros altos e os baixos níveis de investimentos na produção, comprometendo ainda mais a retomada do crescimento econômico do país. Assim, essa dinâmica econômica capitalista e globalizada, imediatista e financeiramente predatória em termos de produção, passa a ser a principal matriz orientadora e norteadora do crescimento econômico do país, que, com base nas políticas de curto prazo, dão respostas mais rápidas e eficientes na dinâmica financeira global. O Brasil perde sua visão e perspectiva de longo prazo, reduzindo os investimentos na produção, na criação de emprego, no financiamento das políticas públicas e sociais, na alavancagem financeira das pequenas e médias empresas e, de forma geral, passa a ser dependente das polí- ticas de curto prazo voltadas para a financeirização da riqueza, que se acumula de forma desproporcional no país. O resultado de tudo isso é o aumento do desemprego, a ausência de políticas públicas e sociais, o aumento da fome e da miséria social, que contribuem cada vez mais para o aumento dos excluídos do processo de crescimento econômico e do desenvolvimento social do país. Por último, mas não menos importante, o que mais caracteriza a decadência do planejamento no país, a nosso juízo, é a ausência de um projeto de nação e de tomadas de decisão que valorizem a sociedade a curto, médio e longo prazos e tragam benefícios materiais e sociais compa- tíveis com uma sociedade desenvolvida. 25 RSPConclusões Diante do exposto, fica evidenciado que, de acordo com as traje- tórias do planejamento governamental como instrumento do desenvolvi- mento econômico e social, o país sofreu, ao longo do tempo, avanços e retrocessos em relação à utilização do planejamento governamental. Como se afirmou inicialmente, neste artigo, não se pretende dar conta das complexidades que envolvem as diversas dinâmicas do Estado, da economia e da sociedade em geral e, em particular, dos impactos dos diversos planos no desenvolvimento da sociedade brasileira. Entretanto, é necessário conhecer e compreender as trajetórias históricas dos plane- jamentos no Brasil, as suas características principais, seus objetivos, fracassos e sucessos, de forma a melhor entender os diversos períodos dos ciclos econômicos e desenvolvimentistas do país, que foram funda- mentais na definição do atual modelo de desenvolvimento socioeconômico. Também ficou evidenciado que, nessa perspectiva histórica apre- sentada, o papel do Estado na direção da economia foi fundamental e decisiva na priorização de programas, planos e políticas de desenvolvi- mento econômico, que, salvo melhor juízo, no conjunto das suas ações, não conseguiram superar as desigualdades sociais e de renda, que ainda prevalecem na sociedade brasileira. Tais desigualdades envolvem o aumento da pobreza e da miséria social no país, acentuado pela grande concentração de renda e falta de políticas de redistribuição de renda, políticas de emprego e ações sociais emancipatórias e de justiça social, voltadas para a melhoria da qualidade de vida da sociedade e, principal- mente, para a inclusão social de grandes segmentos sociais marginalizados pelo crescimento da economia. Além dessas questões, a opção política do país pela manutenção de políticas econômicas de corte liberal, apontando na direção da estabi- lidade macroeconômica, e o atendimento das metas de combate à inflação são fatores que contribuem para a diminuição dos investimentos sociais em algumas áreas, como as de educação, saúde e saneamento básico. O quadro socioeconômico do país apresenta diagnóstico inexorável: o país não conseguiu recuperar e retomar o ritmo de crescimento econô- mico em 2004, na medida em que as prioridades de investimentos são canalizadas para o equilíbrio das contas públicas e a manutenção das metas antiinflacionárias. Ou seja: é impossível um país como o Brasil buscar o desenvolvimento social, na medida em que, na ausência de polí- ticas de desenvolvimento planejadas a curto e médio prazo, suas elites dirigentes e políticas adotam, como estratégias de desenvolvimento, ações de curto prazo, que viabilizam não só a valorização financeira dos mercados de capitais, como o gerenciamento das conhecidas e famigeradas taxas 26 RSP de juros, que se tornaram as grandes variáveis macroeconômicas da política econômica do governo. Sendo assim, resta-nos levantar alguns elementos que poderiam fazer parte de agenda de desenvolvimento planejado, com vistas a atenuar os grandes desníveis socioeconômicos tanto em nível inter-regional como local da sociedade brasileira. Como parte dessa agenda, poderiam destacar- se as seguintes políticas, ações e estratégias governamentais: • formulação e implementação de políticas públicas e sociais emancipatórias, voltadas para a reinserção de grandes contigentes de excluídos no mercado de trabalho, com políticas de qualificação profis- sional e de emprego e renda de forma sistemática, em diversas regiões do país, principalmente, nos grandes centros populacionais mais atingidos pela violência urbana, pelo desemprego e pela marginalização social; • implementação de política industrial voltada para o crescimento e aparecimento de novos atores econômicos nos diversos setores produtivos, apoiados pelo poder público e por políticas de desenvolvimento e de plane- jamento que objetivem, a médio e longo prazo, a retomada do crescimento, o fortalecimento e a abertura de empresas e postos de trabalho; • retomada dos investimentos sociais em educação, saúde, sanea- mento básico, recuperando no setor público, por meio de investimentos e captação financeira, a capacidade produtiva de o Estado financiar e gerenciar serviços públicos de qualidade que atendam, em especial, os segmentos mais carentes da sociedade; e • viabilidade de melhor articulação e coordenação entre as políticas econômica, fiscal e tributária, para criar alternativas ao crescimento eco- nômico, fora do padrão de manutenção das altas taxas de juros, que só servem para estabilizar a economia. O país precisa criar alternativa ao fortíssimo ajuste fiscal, tributário e financeiro imposto pelas altas taxas de financiamento cobradas pelo governo para o fomento dos setores produ- tivos, como o agrícola e o industrial, e fomentar o setor de serviços. Neste artigo, o propósito foi oferecer uma visão geral do planeja- mento governamental no Brasil, e entende-se que a compreensão do que foram o planejamento e o desenvolvimento econômico no país passa pela análise das políticas e ações priorizadas pelas elites brasileiras e capita- neadas pelo Estado. De resto, concordando com Maciel (1989), “o plano constitui não só o azimute que permite orientar a ação do Estado e da sociedade, mas a expressão democrática da vontade nacional” (p. 47). 27 RSPNota 1 Esse plano era assim conhecido, porque o Ministro da Fazenda Horácio Láfer estava à frente de sua coordenação. Referências bibliográficas ALVES, Denysard O.; SAYAD, João. O plano estratégico de desenvolvimento (1968-1970). In: LÁFER, Betty Mindlin. Planejamento no Brasil. São Paulo: Perspectiva, 1987. BIELSCHOWSKY, Ricardo. Pensamento econômico brasileiro: o ciclo ideológico do desenvolvimentismo. Rio de Janeiro: IPEA/INPES, 1988. DRAIBE, Sônia Miriam. Rumos e metamorfoses: Estado e industrialização no Brasil. São Paulo: Paz e Terra, 1985. GREMAUD, Amaury Patrick; PIRES, Júlio Manuel. “Metas e bases” e I Plano Nacional de Desenvolvimento – I PND (1970-1974). In: KON, Anita. Planejamento no Brasil II. São Paulo: Perspectiva, 1999. IANNI, Octávio. Estado e planejamento econômico no Brasil. Rio Janeiro: Civilização Brasileira, 1986. KON, Anita. Introdução: a experiência brasileira de planejamento público federal. In: KON, Anita (Org.). Planejamento no Brasil II. São Paulo: Perspectiva, 1999. LÁFER, Betty Mindlin. Planejamento no Brasil. São Paulo: Editora Perspectiva, 1987. MACEDO, Roberto B. M. Plano trienal de desenvolvimento econômico e social (1963- 1965). In: LÁFER, Betty Mindlin. 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Desse modo, o artigo aponta na direção de que este balanço de análises das experiências de planejamento no Brasil demonstrou grandes avanços econômico-financeiros e alguns fracassos de coordenação e articulação com outras esferas, como a executiva e a financeira. Assim, desde os anos 80, em detrimen- to da crise do Estado, o planejamento entra em declínio nas agendas governamentais, impossibilitado, por questões de ordem financeira, de realizar suas funções de racionaliza- ção e eficiência econômica. Dessa forma, o Estado, nesse contexto, sempre representou, de forma geral, as diversas articulações de interesses capitaneados pelo planejamento como instrumento de intervenção e controle social no Brasil. La trayectoria del planeamiento gubernamental en Brasil: medio siglo de experiencias en la administración pública Antônio Ricardo de Souza Este artículo tiene como objetivo analizar el rol del Estado en la formulación de la planificación en Brasil a partir de los años 30, período que dió origen a las primeras iniciativas de planificación, hasta los años 80, momento en que se inicia la decandencia de la planificación gubernamental en el país. Se optó por una retropectiva histórica que levantase los principales aspectos inherentes a la planificación como instrumento de desarrollo económico de ese período, verificando las principales modificaciones ocurridas en la sociedad. El artículo no pretende abarcar todas las dimensiones y complejidades del tema, ni agotar el asunto que es polémico y envuelve articulaciones teóricas com otras áreas, como administración pública, economía y ciencia política. De ese modo, el artículo apunta en la dirección de que ese balance de análisis de las experiencias de planificación en Brasil demostró grandes avances económicos-financieros y algunos fracasos de coordinación y articulación com otras esferas, como por ejemplo, ejecutiva y financiera. Asi, desde los años 80, en detrimento de la crisis del Estado, a planificación entra en declinio en las agencias gubernamentales, imposibilitada por cuestiones de orden financiera para realizar sus funciones de racionalización e eficiencia económica. De esa manera, el Estado en este contexto, siempre representó, de una forma general, las diversas articulaciones de intereses impulsados por la planificación como instrumento de intervención y control social en Brasil. Revista do Serviço Público Ano 55 Número 4 Out-Dez 2004 Antônio Ricardo de Souza é doutorando em Administração pela Universi- dade Federal da Bahia. Contato: ricjanesalvador@ terra.com.br 29 RSPThe trajectories of the governmental planning in Brazil: half-century of experiences in the public administration Antônio Ricardo de Souza This paper is about to analyse the State’s role on the formulation of planning in Brazil from the 30’s – period of the first planning initiatives – to the 80’s, when the government planning decays in the country. It was chosen a historical review that could raise the most important aspects regarding planning as an instrument for the economic development in this period, verifying the main changes which have occurred in the society. The article does not intend to cover all dimensions or complexities about the theme, nor to exhaust this controversial matter which has lots of theoretical articulations within other areas, such as economics and politic sciences. This way, this paper aims the direction in which this balance of analysis concerning planning experiences in Brazil have shown great economic and financial advances – and some coordination and other spheres articulation failure. Since the 80’s, to the detriment of the State crisis, planning starts declining in the governmental agendas not becoming possible for finantial reasons. The State, in this context, has always represented, in general, those various articulations of interference and social control in Brazil.