Buscar

RICARDO FONSECA Política e Religião

Prévia do material em texto

¹ Estudante de Direito pelo Instituto Amazônico de Ensino Superior - IAMES 
 
 
Política e Religião 
Ricardo Fonseca¹ 
As vésperas da eleição de 2018, o apoio do jornal Folha Universal – ligado à Igreja Universal do Reino de 
Deus (Iurd) – ao então candidato à Presidência da República Jair Messias Bolsonaro não se deu de forma 
explícita, mas através dos temas das matérias publicadas, que repetiam os mesmos jargões da campanha do 
candidato, como a necessidade de acabar com a “velha política”, a defesa dos “valores da família tradicional” e o 
combate ao comunismo. Além disso, a presença quase exclusiva de Bolsonaro na Rede Record de Televisão, 
emissora vinculada à Iurd, ratificava a condição de candidato apoiado por aquela instituição religiosa. 
Essa bem-sucedida estratégia de um grupo religioso em favor da eleição do atual presidente da República é 
analisada no artigo O Discurso Eleitoral da Igreja Universal do Reino de Deus e a Ascensão de Bolsonaro, 
assinado por Fabrício Roberto Oliveira e Cáio César Martins e publicado na nova edição da Revista Ciências 
Sociais editada por pesquisadores do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Faculdade de Filosofia, 
Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. Lançada em julho passado, a revista traz o dossiê Religião, Cultura 
e Política Entre o Progressismo e o Conservadorismo, com 11 artigos de pesquisadores de diferentes instituições 
que analisam as relações entre religião e política no Brasil atual. 
Um dos artigos do dossiê aborda o programa Escola Sem Partido e sua relação com o fundamentalismo 
religioso. Depois de analisar documentos e declarações de defensores daquele programa, os autores do artigo – 
Erick Padilha de Oliveira e David Oliveira – concluem que o Escola Sem Partido pode ser entendido como uma 
ação de afirmação de fundamentalistas religiosos que procuram dominar a política e a educação visando à 
formação de um modelo de sociedade que seja o reflexo de suas crenças. 
Por isso, os autores consideram que tanto o fundamentalismo religioso como o programa Escola Sem 
Partido representam uma ameaça à democracia e à concepção de sociedade pluralista hoje em vigor no Brasil – 
especialmente no que se refere a grupos minoritários que não baseiam suas condutas na doutrina religiosa 
predominante. “A formação dos cidadãos em um território e o modo como se organizam as instituições de ensino 
podem refletir o caráter, autoritário ou democrático, do Estado”, escrevem Erick e David Oliveira. “As tradições 
culturais no Brasil, sejam elas religiosas ou não, precisam ser respeitadas e pensadas dentro de uma concepção de 
pluralidade e de laicidade. Portanto, para se fortalecer uma concepção democrática de mundo, é fundamental se 
buscar reforçar um modelo de educação que seja capaz de dialogar com isso.” 
Os outros artigos do dossiê são igualmente reveladores dos conflitos provocados pela mistura entre religião 
e política no Brasil atual. O artigo que abre o dossiê, Dimensões Religiosas da Radicalização Política no Brasil 
Contemporâneo, de Brenda Carranza, Renan Santos e Luiz Jácomo, mostra como essa mistura contribui para o 
radicalismo. “A radicalização política tem sido a tônica da governabilidade institucional e da participação popular 
nas relações de poder, e nesse ínterim a dimensão religiosa tem se tornado cada vez mais saliente”, escrevem os 
autores. 
Já o artigo A Quem Pertence o Termo “Católicas”?: Direito e Mídia como Arenas e Estratégias do 
Neoconservadorismo parte de um estudo de caso. As autoras Maria José Rosado Nunes, Olívia Bandeira e Gisele 
Cristina Pereira tratam da ação judicial movida pelo Centro Dom Bosco de Fé e Cultura (CDB) – uma associação 
de leigos católicos – contra as Católicas pelo Direito de Decidir (CDD). Segundo o CDB, o termo “católicas” 
deveria ser retirado da razão social da CDD, uma vez que a defesa dos direitos sexuais e reprodutivos seria 
incompatível com os ideais da religião. Além de documentos judiciais, também são considerados materiais 
veiculados nas mídias sociais religiosas. 
Com temática semelhante, o artigo Aborto e Ativismo “Pró-Vida” na Política Brasileira, de Ana Carolina 
Marsicano e Joanildo Burity, traz reflexões sobre a atuação de grupos políticos conservadores a respeito do aborto 
a partir do perfil dos parlamentares brasileiros. No artigo, os autores mostram que “através de determinada 
política sexual o discurso conservador do mundo religioso católico e evangélico „pró-vida‟ se vê reafirmado e 
reproduzido pelo conservadorismo político que compõe o cenário político contemporâneo no Brasil”. 
 
Visão Relativista Visão Universalista 
“Política e religião não se discutem” é uma regrinha utilizada 
para manter a paz nos almoços da casa da avó ou o último 
verniz de civilidade nas reuniões de condomínio. 
 
Quando o assunto é “religião na política” o cenário tende a 
ficar mais explosivo, podendo atingir as proporções de uma 
batalha épica. 
 
Estes assuntos realmente fazem o sangue ferver e por conta 
disso muitas vezes a gente deixa de se informar melhor sobre 
eles, infelizmente, uma coisa leva à outra. 
 
Ao não nos informarmos, é fácil acreditar que algo que a gente 
discorda é provavelmente mais um caso de burrice ou de 
safadeza, ou pior, se for um assunto um pouco mais distante, a 
gente tende a generalizar esta opinião negativa para todo um 
grupo. 
 
A Nova Institucionalidade Brasileira e os Riscos às Práticas 
Afrorreligiosas, Valdevino dos Santos Júnior discute a 
marginalização de religiões de matriz africana, em oposição 
aos grupos religiosos cristãos, dominantes na política e cada 
vez mais inseridos na institucionalidade. O autor expõe a 
dificuldade de manifestação dessas religiões no território 
brasileiro. 
Outros artigos partem de casos específicos para explorar a 
relação religião-política. Christina Vital da Cunha, em Cultura 
Pentecostal em Periferias Cariocas: Grafites e Agenciamentos 
Políticos Nacionais, analisa a performance artística utilizada 
como estratégia por jovens marginalizados que se engajam em 
lutas sociais. 
Em Conflitos entre Democracia Parlamentar e Religião 
Reacionária na Câmara Municipal de Fortaleza, Emanuel 
Freitas da Silva e Emerson Sena trabalham com enunciados 
políticos nas redes sociais para compreender “a legitimação do 
campo religioso cristão e a legitimação política a partir desse 
campo”. Por sua vez, Marcelo Camurça, em Conservadores x 
Progressistas no Espiritismo Brasileiro: Tentativa de 
Interpretação Histórico-Hermenêutica, discute como o plano 
político também repercute nos debates internos das religiões, 
onde disputas discursivas são estabelecidas. 
Pluralistas - Acreditam que a revelação (ou textos sagrados) 
podem auxiliar na organização política da sociedade, porém 
aceitam a autonomia entre ambas. O texto sagrado ocorre em 
um contexto social específico, portanto deve ser interpretado 
de modo a encontrar um princípio que possa ser aplicado no 
contexto social atual. 
Fundamentalistas - Acreditam que a revelação deva estruturar a 
sociedade em todas as suas dimensões. Historicamente este 
termo foi criado no início do século XX por protestantes do sul 
dos EUA que ao desejarem se diferenciar das teologias 
modernas elencaram “Os Fundamentos” que um cristão 
deveria seguir, posteriormente tal termo ganhou também uma 
acepção quase pejorativa ao ser aplicado a grupos radicais 
islâmicos. Tanto nos fundamentalismos cristãos quanto nos 
islâmicos há um princípio escrituralista*, ou seja, o texto 
sagrado independe do contexto social e deve ser entendido do 
modo mais literal possível. 
O sociólogo traça ainda um segundo eixo para classificar tais 
teologias de acordo com suas intervenções políticas. As 
extremidades de tal eixo são: 
Tradicionalistas - As diferenças sociais, por já existirem 
também nos textos sagrados, são encaradas como naturais, 
inevitáveis ou até mesmo investidas de um significadoque 
atende a algum desígnio divino. O passado glorioso existente 
nos textos sagrados é usado para demonstrar que as regulações 
sociais daquela época funcionam e portanto são um bom 
caminho para resolver os problemas do presente. 
Progressistas - As desigualdades são desnaturalizadas e vistas 
como decorrentes de questões de um sistema social e 
econômico que atenta contra os princípios da religião. Traçam 
uma distinção entre a religião que se preocupa com os 
“oprimidos” e uma religião institucional que ajuda a manter os 
privilégios de quem esteja no poder. O progressismo tem ainda 
uma tendência ecumênica e inter-religiosa. 
 
Referencia: 
 
CHAUÍ, M. A universidade operacional. In: Atualização - Informativo da Associação dos Professores da 
Faculdade Católica de Goiás, n° 19, Goiânia, 1999.

Continue navegando