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Filme, HOLOCAUSTO Brasileiro. Direção de Daniela Arbex e Armando Mendz. HBO. 2016. (1h30m). ARBEX, Daniela. Holocausto Brasileiro. São Paulo: Geração, 2013. O angustiante documentário “Holocausto Brasileiro” é baseado no livro de mesmo nome, escrito pela jornalista Daniela Arbex. Este se propõe a retratar a história do Hospital Psiquiátrico de Barbacena, a partir dos depoimentos de pessoas que trabalharam ali ou que conheciam de perto aquela realidade e todo o seu histórico de horrores. Criado em 1903 e situado em Barbacena (Minas Gerais), o Hospital Colônia, se tornou um matadouro. Cerca de mais de 60 mil pessoas morreram ali. A maioria das pessoas não possuíam diagnóstico de doença mental, eles eram abandonados por suas famílias e largados no hospital, como, por exemplo, por serem gays, alcoólatras, pessoas em situação de rua, entre outros motivos absurdos, os quais nos fazem comparar o Colônia com um campo de concentração nazista. Além de serem abandonados ou levados à força, os pacientes viviam em uma situação muito precária dentro do hospital, sofrendo maus-tratos, passando fome, frio, grande parte despidos, num ambiente absurdamente sujo e sem nenhuma condição de hospitalizar centenas de pessoas como abrigava. O estado dos pacientes era deplorável, além das terapias extremas as quais os mesmos eram submetidos, eram torturados, violentados e mortos. Acordavam às 5h da manhã e eram encaminhados para o pátio onde ficavam até às 19h, dormiam em cima de folhas de capim, eram medicados indevidamente, eram forçados a trabalhar manualmente, quase sempre sem receber nada em troca, ou então no máximo um maço de cigarro. Torturas físicas e psicológicas, estupros, terapia de choque (que era utilizada como punição), por isso tudo passaram os pacientes do Colônia. Os pacientes eram abandonados em seus leitos para morrer, suas famílias não eram comunicadas sobre sua situação. Com o fechamento, na década de 70, do Hospital de Neuropsiquiatria Infantil de Oliveira, diversas crianças foram transferidas para o Hospital Colônia. Em sua maioria eram portadores de alguma deficiência física ou mental, e foram abandonados por suas famílias. Sendo transferidos para o Colônia, as crianças foram submetidas aos mesmos tratamentos e condições dos outros pacientes. Com o alto número de mortes que aconteciam dentro do hospital, o cemitério municipal já não comportava mais o número de corpos, assim, funcionários do Colônia começaram a traficar corpos para universidades de medicina, que os utilizavam em aulas de anatomia. Os responsáveis, ao serem questionados sobre esse assunto, diziam não ter conhecimento do mesmo. Depois de um tempo, as universidades não tinham mais interesse nos cadáveres, então os mesmos passaram a ser decompostos por ácidos em tonéis nos pátios do hospital, na frente dos outros pacientes. Após o aparecimento das fotos realizadas no Hospital Colônia pelo fotógrafo Napoleão Xavier, o hospital começou a ser comparado com um campo de concentração nazista e a mídia fez com que iniciassem os debates sobre a situação precária em que viviam os pacientes e começaram a surgir as denúncias e a mobilização das pessoas que viram a situação de fora. Esse movimento deu origem à reforma psiquiátrica em Minas Gerais. Na década de 80, o Hospital Colônia foi fechado, sendo reaberto um tempo depois. Atualmente, o hospital é mantido pela Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (FHEMIG), tendo alguns dos sobreviventes da época residindo lá, com seus traumas, suas saudades, porém agora com dignidade. O modo como Daniela Arbex aborda o que aconteceu no Hospital Colônia afeta a quem assiste de uma maneira que, ao mesmo tempo, emociona e angustia, com imagens fortes e relatos cheios de dor e tristeza. O nome da obra ser “Holocausto” provoca desde o início um grande impacto, que é condizente com o conteúdo exposto. Da forma mais cruel e real o local era um depósito de pessoas excluídas da sociedade. Ao decorrer do documentário, se concretiza ainda mais a ideia de que realmente os pacientes do Hospital Colônia de Barbacena foram completamente desumanizados, literalmente largados na periferia social de encontro a morte - antecipada. A obra tem como um de seus maiores serviços nos fazer refletir sobre a padronização do ser social que a própria sociedade impõe de maneira impensada, ou seja, que todos aqueles que seriam considerados o ponto fora da curva, realmente deveriam ser descartados. E assim eram as pessoas que sofriam de algum tipo de deficiência física ou intelectual, bem como as que não se encaixavam nos padrões da sociedade da época. Eram descartáveis. E mesmo quando as pessoas não possuíam qualquer tipo de transtorno, acabavam desenvolvendo grandes dificuldades por conviver constantemente com a insanidade. O documentário denuncia e traz à tona um crime que foi cometido contra os seres humanos indefesos e que teve o Estado, bem como a sociedade como coniventes, para que fosse garantido a “limpeza” do ambiente de trânsito social e que as dificuldades fossem afastadas dos olhos de quem vê. Visto que os pacientes não tinham absolutamente nenhuma voz e, a partir dos registros fotográfico e do discurso de quem viveu a experiência, percebe-se um grande grito que o silencio dá, de imensa dor. O ponto crucial da obra é trazer a reflexão sobre o considerado normal e anormal na sociedade, que ainda resiste em olhar para além dos muros que aprisionam nossas mentes através de preconceitos. Estes muitas vezes reproduzidos inconscientemente, e que naturalizam a barbárie que é excluir uma pessoa pelo simples fato de ela ter características que divergem do aceito pela sociedade, do dito “normal”. A linguagem clara e objetiva e, principalmente, a verdade estampada nas gravações, nos permite sentir muitas das emoções vividas dentro do Hospital Colônia. Um documentário rico em detalhes e depoimentos que nos leva a uma reflexão sobre como a sociedade pôde ser omissa em esconder um passado tão cruel e cheio de marcas que ainda causam dor em todos os envolvidos nessa história. A obra por fim, mostra-se bastante atual, diante dos riscos de retrocesso que o campo da saúde mental brasileira vem sofrendo. Fornece também ao telespectador elementos expressivos para compreender, refletir e problematizar a constituição e o funcionamento das relações de poder que vigoram no Brasil, relações que sustentam processos de inclusão e exclusão social. Deixando bem claro a importância de refletir e falar sobre a reforma psiquiátrica, que já obteve grandes avanços, mas que infelizmente não possui políticas públicas suficientes capazes de acompanhar tais progressos. QUINDERÉ, P,H,D. JORGE, M,S,B. FRANCO, T.B. Rede de Atenção Psicossocial: qual o lugar da saúde mental?. Physis, Mar 2014, vol.24, no.1, p.253271 O artigo “Rede de atenção psicossocial: Qual o lugar da saúde mental?” é um estudo do tipo qualitativo, desenvolvido na Rede de Atenção Integral à Saúde Mental do município de Sobral – CE. Este artigo objetivou discutir as interações entre os níveis de complexidade do sistema de saúde na atenção à saúde mental e compreender a conformação da rede de atenção à saúde mental no município de Sobral - CE. O estudo mostra que a Reforma Sanitária brasileira propiciou maior aplicabilidade das ações locais, favorecendo o surgimento de experiências exitosas nos diversos setores da saúde. Utilizou-se como critério de inclusão para a entrevista aqueles que receberam cuidados de saúde mental nos mais diferentes níveis de atenção na rede, no intuito de observar de que maneira são implementadas essas ações do ponto de vista dos usuários e familiares. Os resultados demonstram que os serviços de saúde mental de Sobral têm uma grandediversidade de dispositivos de cuidado, tendo assim projetos terapêuticos com menos medicalização. Como os problemas de saúde possuem uma alta complexidade acabam envolvendo vários campos do saber. Um primeiro movimento importante para a formação de redes se deu com a descentralização da saúde no Brasil, a qual possibilitou maior aplicabilidade das ações locais, favorecendo o surgimento de experiências exitosas nos vários setores da saúde e nos seus diversos níveis de atenção, mediante processos de regionalização e hierarquização (FERLA; LEAL; PINHEIRO, 2006). No entanto, essas ações foram implementadas por procedimentos normativos, que tentam organizar o fluxo das pessoas via sistema, ocasionando um enrijecimento da atenção à saúde, ao se estruturar com base em um modelo piramidal de assistência (MATTOS, 2007), porém ocorriam de maneira rígida. Então surge um outro movimento onde existem várias portas de entrada no sistema, onde a atenção básica é uma delas, sugerindo um modelo circular, o que propiciou que o sistema funcionasse de acordo com a necessidade de seus usuários e não ao contrário como antes acontecia. Os caminhos a serem percorridos são acionados sempre para cada caso, e pautados nas necessidades dos usuários e nos recursos disponíveis para o seu cuidado. A Rede de Atenção Integral à Saúde Mental do município de Sobral - CE é uma das que incorporam o Pacto pela Vida e em Defesa do SUS, com ampla cobertura do PSF. Nessa rede constam os serviços de Centro de Atenção Psicossocial (Caps-Geral), que atende à clientela com transtornos mentais; Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (Caps-Ad), responsável pelo atendimento das pessoas com problemas atinentes ao uso abusivo de substâncias psicoativas; Serviço Residencial Terapêutico, local onde moram pessoas que perderam os vínculos familiares e sociais egressas do antigo manicômio da cidade; Unidade de Internação Psiquiátrica em Hospital Geral, que é referência tanto para os usuários do município de Sobral e como para os demais da Macrorregião Norte do Estado do Ceará; Clínica Médica em Hospital Geral, para os casos de desintoxicação moderada e grave; Ambulatório de Psiquiatria do Centro de Especialidades Médicas (CEM), referência para os casos de transtornos mentais da Macrorregião Norte, e a Terapia Comunitária realizada nos territórios. A partir da leitura do artigo “Rede de atenção psicossocial: Qual o lugar da saúde mental?” e após assistir ao documentário “Holocausto brasileiro”, fica notório a enorme divergência entre as realidades vivenciadas e os modelos de ação abordados. Fica claro também a mudança que ocorreu no modo de ver e abordar a saúde mental após as Reformas Sanitária e Psiquiátrica e da aprovação da Lei 10.216/2001, de Atenção ao Portador de Transtorno Mental. Na época do documentário, a pessoa considerada “louca” ou que fugia dos padrões impostos pela sociedade, era simplesmente descartada e excluída da sociedade. Nos dias atuais é possível perceber um modelo de atendimento bem mais humanizado, possibilitando uma vida digna e pertencendo à sociedade. Houve um longo caminho de reformas e transformações para que hoje tivéssemos um cuidado mais humano para com as pessoas portadoras de algum transtorno mental, por meio do tratamento adequado e livre de torturas e exclusão. A atenção psicossocial para a saúde mental é de extrema importância, visto que sem ela talvez não fosse possível a inserção dessas pessoas na sociedade, pois elas necessitam de ajuda para que essa inserção ocorra de maneira adequada, buscando sempre uma melhor qualidade de vida para todos os envolvidos. Mesmo com todo esse avanço, este é um tema que precisa sempre ser abordado, para que surjam cada vez mais mudanças positivas e que não ocorra um retrocesso no atendimento psicossocial e na abordagem da saúde mental.