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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP ROBSON JOSÉ ROMANO SILVA GRAFITE EM SÃO PAULO: ENTRE A COMUNICAÇÃO A CÉU ABERTO E A CONTEMPLAÇÃO NAS GALERIAS DE ARTE MESTRADO EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA SÃO PAULO 2014 PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP ROBSON JOSÉ ROMANO SILVA GRAFITE EM SÃO PAULO: ENTRE A COMUNICAÇÃO A CÉU ABERTO E A CONTEMPLAÇÃO NAS GALERIAS DE ARTE Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Comunicação e Semiótica, sob a orientação do Prof. Dr. Jose Amalio de Branco Pinheiro. SÃO PAULO 2014 _____________________________________ _____________________________________ _____________________________________ DEDICATÓRIA Agradeço em primeiro lugar a Deus. À minha mãe, "Guerreira", Iná Romano Silva. Minha rainha Fabíola Meus irmãos Ao meu Orientador Amálio Pinheiro E a todos que participaram deste trabalho, direta ou indiretamente. RECOMEÇAR Não importa onde você parou, em que momento da vida você cansou, o que importa é que sempre é possível e necessário "Recomeçar". Recomeçar é dar uma nova chance a si mesmo. É renovar as esperanças na vida e o mais importante: acreditar em você de novo (...) Paulo Freire RESUMO Esta pesquisa tem como objeto de estudo a forma de expressão conhecida como grafitti na cidade de São Paulo. Atenta, enfocará as suas variações que sugerem instabilidade que se revela grafite como arte mural ou como pichação. O objetivo geral é mostrar as características do grafite, presente nos seus elementos constitutivos e em suas técnicas construtivas. O problema da pesquisa relaciona-se à inseparabilidade entre grafite e pichação e à consequente marginalização desta forma produtiva. Na fundamentação teórica, recorremos a Morin, Lotman, Martín-Barbero, Pinheiro, La Plantine, bem como ao depoimento do renomado grafiteiro Rui Amaral, que trata especificamente sobre a temática e sobre os elementos culturais presentes nesta forma de expressão artística. A hipótese é que o processo de consolidação do grafite lhe confere um sentido ambivalente e mestiço à medida que apresenta-se ora a céu aberto, nas ruas de metrópole paulista, ora em galerias de arte quando, possivelmente, perde seu caráter mais forte, o de contestação, transgressão e insubmissão, marcas estas presentes nos primeiros registros de seu surgimento em movimentos como o de Woodstock. Justifica-se a pesquisa, pois responde à necessidade de criar espaço acadêmico de discussão como uma possibilidade para romper com preconceitos, informando o leitor sobre a história do objeto, suas técnicas e especificidades que seriam, por si, valorosas como marca de um período de nossa história expressas de forma anônima. Palavras-chaves: grafite; arte; mestiçagem; ambivalência; pixação; comunicação. ABSTRACT This research’s object of study is the form of expression known as graffiti in the city of Sao Paulo. It will focus on its variations that suggest an instability that reveals itself as the graffiti as a wall art or graffiti as a wall tagging. The general goal is to show the characteristics of the graffiti, present on its constitutive elements and on its constructive techniques. The research problem relates to the inseparability between graffiti and tagging and the consequent marginalization of this latest productive form. In theoretical reasoning, we recurred to Morin, Lotman, Martín-Barbero, Pinheiro, La Plantine, as well as the testimony of renowned graffiti artist Rui Amaral, who treats specifically about the theme and about its cultural elements that are present in this form of artistic expression. The hypothesis is that the process of consolidation of the graffiti art gives an ambivalent, half-breed meaning as it presents itself sometimes in open air, on Sao Paulo’s big cities, sometimes in art galleries when, possibly, loses its strongest character, the one of contestation, transgression and insubordination, features very present on the first records of its emergence in movements such as Woodstock. This justifies the research, for it answers to the need of creating academic space of discussion as a possibility to disrupt preconceptions, informing the reader about the object’s history, its techniques and specificities that would be, on its own, valuable as a mark of a period in our history expressed as an anonymous form. Keywords: graffiti; art; half-breeding; ambivalence; tagging; communication. LISTA DE FIGURAS Figura 1. Tradução: É proibido, proibir! 15 Figura 2. Tradução: A liberdade é o crime que contém todos os crimes. É nossa arma absoluta! 15 Figura 3. Negros,1930, de José Clemente Orozzo. 16 Figura 4. Mussolini, 1933, de Diego Rivera. 17 Figura 5. Um Trabalhador, 1936, de Davi Alfaro Siqueiros. 17 Figura 6. Dentro dos vagões do metrô: um monte de grafite também. 18 Figura 7. East Side com típico graffiti que desfigura um grande edifício antigo. 19 Figura 8. Foto de trabalho de Vallauri. Exposição, MAM 19/04/2013. 20 Figura 9. Foto de trabalho de Vallauri. Exposição, MAM 19/04/2013. 20 Figura 10. Grafite 3D, de Eduardo Kobra. 29/07/2014. 20 Figura 11. Grafite de Os Gêmeos em Boston. 29/07/2014. 21 Figura 12. Grafite de Rui Amaral, na Av. Paulista. 21 Figura 13. Poesia concreta do poeta Décio Pignatari 23 Figura 14. Poesia concreta do poeta Décio Pignatari. 23 Figura 15. Painel decorativo, Eduardo Kobra. 26 Figura 16. Mural Eduardo Kobra, cidade de São Paulo. 27 Figura 17. Pichadores alcançam topos de prédios altos para deixar suas marcas. 29 Figura 18. Painel do Projeto Grafitran Brasília. 31 Figura 19. Parede com grafite casa cor SC. 31 Figura 20. Pichação no vão central do MASP. 32 Figura 21. Protesto contra novela da Rede Globo. 32 Figura 22. Pichação em propriedade particular. 33 Figura 23. Pichação/Comunicação que se aproxima do grafite. 33 Figura 24. Bomber: são letras gordas e que parecem vivas, geralmente feitas com duas ou três cores. 34 Figura 25. Painel na av. Henrique Schaumann, em Pinheiros, reproduz cena da São Paulo antiga. Quem assina é o grafiteiro Kobra. 38 Figura 26. Beco do Batman: uma ruazinha sinuosa, que já foi bastante degradada, atualmente exibe desenhos que são renovados constantemente. 38 Figura 27. Criações de vários artistas enfeitam os muros imensos que margeiam a Radial Leste. Em destaque, desenho de Nina Pandolfo. 39 Figura 28. Grafiteira Minhau. 40 Figura 29. O túnel de acesso à av. Paulista foi grafitado pela primeira vez em 1987 – e três vezes apagado. Desde 2001, renova-se periodicamente. 41 Figura 30. Túnel Avenida Paulista e Rui Amaral. 42 Figura 31. I Bienal Internacional de Graffiti Fine Art. Foto: Rico Lima. 43 Figura 32. Fachada Estação Adolfo Pinheiro - SP. 44 Figura 33. Mural em fachada de prédio com o rosto do arquiteto Oscar Niemeyer. 45 Figura 34. Grafite de Os Gêmeos. 49 Figura 35. Grafite com mensagem sobre arte. 49 Figura 36. Paródia à frase bíblica ou musical. 50 Figura 37. Holandeses Dre Urhahn e Jeroen Koolhaas participantes do projeto Favela Painting. 52 Figura 38. Grafite aplicado ao lado da escadarias de acesso á favela. 52 Figura 39. Casas da comunidade decoradas com grafite. 53 Figura 40. Foto panorâmica da favela Cruzeiro. 53 Figura 41. Grafite aplicado ao lado da escadarias de acesso á favela. 54 Figura 42. Grafite de carpas ao lado das escadas de acesso a favela. 54 Figura 43. Empresário David Chammas. 55 Figura 44. Personagem de seriado de TV, “Seo Madruga”. 56 Figura 45. Grafite aplicado em superfície irregular, mascom muita técnica. 56 Figura 46. Releitura de Monalisa. 57 Figura 47. Cena do filme Hulk. 57 Figura 48. Pichação feita no segundo andar do pavilhão da Bienal em outubro de 2008. 61 Figura 49. Grafite de Os Gêmeos com cunho social. Convida a sociedade para um novo desafio. 62 Figura 50. Pixadores desafiam a policia. 63 Figura 51. Prédio pichado no centro de São Paulo. De cima abaixo. E espalhando para os lados. 64 Figura 52. Mais um protesto de Os Gêmeos contra a prefeitura de São Paulo. 64 Figura 53. Mensagem de Paz em um muro atingido por bomba. 65 Figura 54. Mensagem de desamor. 65 Figura 55. Questionando o espectador sobre o conhecimento. 66 Figura 56. Buraco grafitado pelo artista Sipros, na Rua Laura Vicuna, na Vila Ida. 67 Figura 57. Buraco grafitado pelo artista Mauro, na Avenida da Liberdade, no Centro. 68 Figura 58. Na Avenida Diogenes Ribeiro de Lima no Alto de Pinheiros grafite de Mudano. 68 Figura 59. Rua Moisés Marx com rua Julio Colaço na Penha obra de Lobote. 69 Figura 60. Feik na Rua Manuel Dorta, Limão. 69 Figura 61. Grafite de Enivo, na Rua dos Pinheiros. 70 Figura 62. Grafite de Mauro na Avenida Liberdade. 70 Figura 63. Buraco coberto por grafite de Mauro na Rua Jaguaribe, em Santa Cecília. 71 Figura 64. Exemplos de Latas produzidas. 72 Figura 65. Propaganda de Whisky. 73 Figura 66. Propaganda de Tênis. 73 Figura 67. Propaganda de carro. 74 Figura 68. Propaganda de carro. 75 Figura 69. Contra Racismo. 79 Figura 70. BRAVOS – DOES – CHOR 81 Figura 71. BRAVO 82 Figura 72. BRAVOS - GENIOS - JEAN CARLOS POZE – CLOWN 82 Figura 73. Muro grafitado com letras 3D. 83 Figura 74. Grafite com técnicas diversas, imagens e letras. 84 Figura 75. Grafite com letras 3D imagens e cores fortes. 84 Figura 76. Grafite com letras 3D em perpectiva e cores fortes e vibrantes. 85 Figura 77. OS GEMEOS em atrito com o Prefeito de São Paulo. 86 Figura 78. Trabalho do artista Rui Amaral, “Grafite”, O Entusiasmo de Annunaki – Avenida Paulista. 88 Figura 79. Trabalho do Rui Amaral “grafite” Como um grafiteiro vê a cidade. Viaduto Comendador Elias Nagib Brein, 15/04/2012. 89 Figura 80. 'Os Gêmeos' pintam avião que transportará os jogadores da seleção brasileira. 90 Figura 81. Mil latas de spray de tintas foram usadas na pintura do avião da Gol. 91 SUMÁRIO INTRODUÇÃO 11 1. PANORAMA HISTÓRICO E ESTÉTICO DO GRAFITE 13 1.2. GRAFITE VERSUS PICHAÇÃO: ESTÉTICAS ENVOLVIDAS 28 1.3. SÃO PAULO – CAPITAL DO GRAFITE 35 1.4. O GRAFITE COMO GRITO DE LIBERDADE 38 1.5. A ARTE TRANSFORMA VIDAS 40 2. GRAFITE COMO COMUNICAÇÃO: CONTRACULTURA E ARTE 47 2.2. COMUNICAÇÃO, CULTURA E GRAFITE 60 3. O LADO MESTIÇO DO GRAFITE 76 3.2. GRAPIXO 81 3.3. PICHARANA 82 CONCLUSÃO 92 REFERÊNCIAS 94 11 INTRODUÇÃO A presente pesquisa tem como objetivo investigar a proximidade entre o grafite e a pichação apesar de suas diferenças visuais. Tais formas de arte de rua se tornam, de certa forma, muito ligadas uma à outra, dificultando assim a separação entre elas. Uma provém da outra e, já que consideramos ser uma forma de arte mestiça, elas sempre serão mencionadas como grafite/pichação. Entender esta proximidade entre as duas faz com que a sociedade em geral deixe de marginalizar o pichador e enaltecer o grafiteiro. A pesquisa será disposta em três capítulos com abordagens diferentes sobre o objeto. No primeiro capítulo, será apresentada a história do grafite/pichação, desde o seu surgimento nos Estados Unidos e a sua afirmação no Brasil, mais especificamente na cidade de São Paulo, uma metrópole brasileira onde o grafite/pichação se faz muito presente. No segundo capítulo, o grafite/pichação será apresentado como uma forma de comunicação, onde o artista de rua utiliza da sua arte para se comunicar com as pessoas, com a sociedade e com a cidade, seja de forma direta ou indireta, com mensagens com um sentido não explícito que transfere ao espectador o entendimento da mensagem. Os dois serão comparados com a Publicidade, guardadas as devidas proporções, já que tal área tem um objetivo comercial em sua forma e comunicação, diferente do grafite/pichação, que é feito com o objetivo de marcar territórios, como decoração, representação do cotidiano e como forma de comunicação. O terceiro capítulo será onde apresentaremos as teorias onde nos apoiamos para estabelecer um vínculo desta forma de arte com a mestiçagem. Apontando que a pichação é anterior ao grafite e que o pichador foi mudando seu estilo, colocando cores e técnicas de desenho nas suas obras, surgindo então o grafite e, com a união ou a devoração de um pelo outro, um terceiro e novo estilo surge nas paredes e nas ruas com o nome de grapixo. 12 Após identificarmos alguns desenhos que estão espalhados pelas paredes da cidade com características da pichação, do grafite e do grapixo, nos inspirando na palavra “sagarana”, criada por Guimarães Rosa, nós criamos o conceito, apenas para esta pesquisa, de “picharana”. 13 1. PANORAMA HISTÓRICO E ESTÉTICO DO GRAFITE Há algumas ações que mudam nossa maneira de olhar para um fenômeno. O percurso acadêmico, por exemplo, nos ajuda a compreender o que envolve determinada forma de expressão, quais as intencionalidades presentes em suas camadas, qual sua história, dentre outros detalhes. Assim, vemos no Grafite um meio de comunicação, considerado manifestação subversiva por uns, deterioração de patrimônio por outros, além de várias outras visões que trataremos de apresentar nesse trabalho. Discorrer sobre sua história será uma forma de situar nosso leitor no tema e demonstrar em que medida o Grafite deve ser considerado uma forma de comunicação e reconhecido como arte pela sociedade, demolindo preconceitos e levando a um maior aprofundamento sobre suas peculiaridades. Antes de tentarmos definir o que é o Grafite, entretanto, apresentaremos alguns fatos históricos relevantes para sua análise e investigação. O nome de objeto de estudo deriva do italiano graffiare, que significa a ação de riscar algo. Ela é mais comumente utilizada na sua forma plural – grafito –, designação de inscrição feita em muro ou parede, da qual temos registros desde o Império Romano, nas catacumbas de Roma e em Pompeia. Na década de 1960, principalmente, época de intensas manifestações que contestavam a repressão promovida pelos poderes políticos e econômicos, imagens e frases ganhavam um novo sentido e superfície em muros universitários, primeiramente entre "os muros da escola", nas paredes de universidades como a Sorbonne, como forma de contestação e reflexo da vontade de participar de um processo de construção e reescritura da história do país, não somente na Europa. Curiosamente, a pesquisa que nos propomos a executar toma como ponto de partida esse período, no qual uma nuvem de tintas e cores se propagava em Praga, eu um 14 episódio que ficou conhecido como “Primavera de Praga1”, espalhando-se por todo o lado; era despertado nos jovens um sentimento de poder demonstrado através de protestos que vieram ao conhecimento do mundo também com o festival de Woodstock2. Em Paris, a existência imaginária ou real de certas barreiras e proibições, como as que dizem respeito à liberdade de expressão, nos serve como analogia para explicar a intensa pressão sentida pelos jovens que passaram a se manifestar coletivamente, enfrentando instâncias de poder, implodindo e explodindo artisticamente, efusivamente, não sem prejuízo e perigo, já que, em 2 de maio de 1968, a administração da Universidade de Paris decidiu fechar a escola e ameaçou expulsar vários estudantes acusados de liderar o movimento contra a instituição. Tais jovens usavam como modo de protesto também o Grafite. Tratamos o termo Grafite como forma de expressão indissociável do processo histórico em suas apresentações diversas pelo mundo, tanto como obra individual quantocoletiva, plural. Curiosamente constatamos que o Grafite é manifestação de caráter global e característica de certos ambientes culturais que se relacionam com a arte de rua, acompanhando as mudanças tecnológicas e midiáticas, apresentando-se de forma mutante e permeável que se constroem nas intersecções de dinâmicas inerentes às paisagens. No que diz respeito ao Grafite, o seu surgimento/enraizamento local possibilita investigá-lo empiricamente fazendo-nos pressupor que esteja ligado a um circuito global do qual depende como modelo ou que dele se retroalimente. É, ainda, na sua expressão local, constituída mais em termos de fluidez do que de rigidez e permanência, moldada por 1 Na década de 1960, a cidade de Praga era um lugar fácil para jovens cidadãos, que viajavam pela Europa Ocidental para usar drogas e ouvir rock’n roll. Em 1968, Alexander Dubcek assumiu o posto máximo de primeiro-secretário do Partido Comunista da Tchecoslováquia. Chegando ao mais importante cargo político de seu país, Dubcek preocupou-se em dar atenção a uma população que almejava a instalação de medidas liberais no país. Traçando um plano de profundas transformações, o líder tchecoslovaco autorizou total liberdade aos meios de comunicação. Vejam as informações completas em: <http://www.alunosonline.com.br/historia/primavera-de-praga.html>. 2 Woodstock Music & Art Fair (conhecido informalmente como Woodstock ou Festival de Woodstock) foi um festival de música realizado entre os dias 15 e 18 de agosto de 1969 na fazenda de 600 acres de Max Yasgur na cidade de Bethel, Estados Unidos. 15 diferentes forças políticas, sociais e culturais que se constituem como agentes de representação. Um dos mais emblemáticos arranjos representativos de questionamentos ocorreu na França, em maio de 1968, visto por muitos como uma oportunidade de sacudir os valores da “velha sociedade”, contrapondo ideias sobre educação, sexualidade e prazer. A mudança almejada tomava força com outras palavras de ordem que tornavam os espaços brancos dos muros universitários um exato reflexo da vontade de reescrever o contexto da época. Manifestações feitas em paredes e muros buscavam registrar e complementar a voz de um grupo que se entendia participativo e pensante sobre o futuro da nação a partir de frases que representavam um ideal revolucionário em que as palavras impressas em tintas sprays se apresentavam visíveis, em tamanhos que possibilitassem chamar a atenção de todos, como um grito permanente na boca de todos, porém unida e colada às paredes. Figura 1. Tradução: É proibido, proibir! Figura 2. Tradução: A liberdade é o crime que contém todos os crimes. É nossa arma absoluta! Fonte: <http://estoriasdahistoria12.blogspot.com.br/2014/03/maio-de-68.html>. Outro movimento marcante é o Muralismo mexicano, focado na missão de intervenção política e social através da arte, com reconhecidos pintores “revolucionários”, tais como Rivera, Orozco e Siqueiros, rompendo através de seus trabalhos as expressões individualistas 16 das pinturas apoiadas em cavaletes. Assim como o grafite e a pichação, os muralistas produziam obras em locais públicos para que todos pudessem vê-las: uma forma de impedir que estas acabassem em propriedade de algum abastado colecionador. Ades (1997, p. 151) menciona que "os muralistas mexicanos produziram a mais importante arte revolucionária, de sentido popular, ocorrida neste século, e a influência deles em toda a América Latina tem sido contínua e de longo alcance”. Figura 3. Negros,1930, de José Clemente Orozzo Fonte: <http://www.comunistas.spruz.com/blog.htm?b=&tagged=muralistas+mexicanos>. 17 Figura 4. Mussolini, 1933, de Diego Rivera Fonte: <http://www.comunistas.spruz.com/blog.htm?b=&tagged=muralistas+mexicanos>. Figura 5. Um Trabalhador, 1936, de Davi Alfaro Siqueiros3 Fonte: <http://www.comunistas.spruz.com/blog.htm?b=&tagged=muralistas+mexicanos>. 3 Davi Alfaro Siqueiros sempre foi um polemista muito lúcido, e desde a época em que se encontrava em Barcelona já havia feito inúmeras críticas contra o que ele considerava "insosso e arcaico estilo da arte nacionalista pitoresca". Dentre os muralistas, Siqueiros era o que tinha maior comprometimento com o mundo moderno, tanto no que diz respeito à temática quanto às técnicas. Para ele a palavra de ordem era: "uma nova direção para uma nova geração de pintores americanos". Ele queria uma arte inovadora, que fosse dinâmica e construtiva. A sua linguagem artística tinha raízes na estética modernista do cubismo e do futurismo. 18 Vimos que há manifestações grafitadas em vários lugares. Trazemos algumas ilustrações nova-iorquinas, pertencentes ou inseridas como elementos formadores da cultura Hip Hop4, movimento essencialmente metropolitano surgido no final dos anos de 1970 e início dos anos de 1980, como forma de manifestação contra a desigualdade social. Esta cultura se compõe por três elementos hip-hop (música), dança, e grafite. O grafite, desde o seu surgimento, era uma maneira de contestação política, inicialmente na Europa, como forma de manifestações estudantis. Porém, ele só adquiriu sua característica de inscrição urbana na década de 60 e se espalhou para o continente americano sofrendo influências hippie e punk nas décadas de 70 e 80. (LAZZARIN, 2007). Foi na década de 1970, em Nova Iorque, nos Estados Unidos, que apareceram os primeiros grafites. Alguns jovens começaram a deixar suas marcas nas paredes da cidade e, algum tempo depois, essas marcas evoluíram com técnicas e desenhos. Figura 6. Dentro dos vagões do metrô: um monte de grafite também. Fonte: NPR. <http://www.blckdmnds.com/fotografias-do-metro-de-nova-york-nos-anos-70/>. 4 Hip hop é uma cultura artística que começou na década de 1970 nas áreas centrais de comunidades jamaicanas, latinas e afro-americanas da cidade de Nova Iorque. Africa Bambaataa, reconhecido como o criador oficial do movimento, estabeleceu quatro pilares essenciais na cultura hip hop: o rap, o Djing, a breakdance e o grafitti. Disponível em: <http://www.significados.com.br/hip-hop/>. 19 Figura 7. East Side com típico graffiti que desfigura um grande edifício antigo. Fonte: Casey Kelbaugh para o New York Times. <http://stuffnobodycaresabout.com/2014/03/31/graffiti-vandalism-art/>. No final da década de 1970, o grafite foi introduzido no Brasil, em São Paulo, e o brasileiro não se contentou com o grafite norte-americano, então começou a incrementar. Não é, portanto, um fenômeno inteiramente novo. O grafite atual apenas se distingue das anteriores manifestações pela extensão que alcança, configurado como uma linguagem supostamente global, porém não podemos permitir que o termo global impeça de observar as variantes locais, inscritas em modelos culturais com regras, vocabulários, práticas e ferramentas que são transmitidas e reproduzidas há mais de três décadas. No início, as obras dos grafiteiros eram apresentadas desde simples traços sem cores com críticas diretas ao governo até as mais rebuscadas com matizes diversos, e sua criação podia durar meses. 20 Figura 8. Foto de trabalho de Vallauri. Exposição, MAM 19/04/2013. Figura 9. Foto de trabalho de Vallauri. Exposição, MAM 19/04/2013. As técnicas utilizadas também eram diferentes, o estêncil5 por exemplo era muito utilizado. As cores também mudaram de forma expressiva, muitos novos tons surgiram, passou-se de um único autor, artista, a uma equipe. Do total anonimato ao reconhecimento artístico, como com os Gêmeos, Kobra, Rui Amaral, este último que vem desde aquela época. Figura 10. Grafite 3D, de Eduardo Kobra. 29/07/2014. Fonte: <http://eduardokobra.com/3d/>.5 Molde recortado em cartolina, radiografias, ou outros materiais de maneira a criar formas pré-defenidas, encostando esse molde a uma superfície, e passando spray por cima, ficando com as formas subtraídas à cartolina, pintadas na parede. Ideal para fazer em superfícies pequenas, é rápido de executar, e permite também reproduzir o mesmo desenho em vários sítios. Fonte: <http://tagraffs.blogs.sapo.pt/1449.html>. 21 Figura 11. Grafite de Os Gêmeos em Boston. 29/07/2014. Fonte: <http://cade.etc.br/tag/os-gemeos/>. Figura 12. Grafite de Rui Amaral, na Av. Paulista. Fonte: <http://www.asys.com.br/blog/wp-content/uploads/2012/08/2.jpg>. 22 Denominada street art, tornam-se objeto de curiosidade incorporados e utilizados com objetivos autorais distintos resultantes de manifestações tipicamente rotuladas como pertencentes à cultura urbana. O que podemos entender sobre cultura? Um termo que abrange o que existe em uma sociedade, ao mesmo tempo em que define o que entra e o que fica fora de sua conceituação. Quando se diz que um povo não tem cultura ou que um indivíduo é mais culto que o outro, o que se leva em consideração para tal afirmação? Dentro dessa discussão, o sociólogo francês Edgar Morin traz o seguinte: uma cultura constitui um corpo complexo de normas, símbolos, mitos e imagens que penetram o indivíduo em sua intimidade, estruturam os instintos, orientam as emoções. Esta penetração se efetua segundo trocas mentais de projeção e de identificação polarizadas nos símbolos, mitos e imagens da cultura como nas personalidades míticas ou reais que encarnam os valores (os ancestrais, os heróis, os deuses). Uma cultura fornece pontos de apoio imaginários à vida prática, pontos de apoio práticos à vida imaginária; ela alimenta o ser semi-real, semi-imaginário, que cada um secreta no interior de si (sua alma), o ser semi-real, semi-imaginário que cada um secreta no exterior de si e no qual se envolve (sua personalidade). (MORIN, 1975, p. 10-11) Dessa forma, temos de pensar, igualmente, as cidades e o espaço urbano enquanto território edificado e habitado por pessoas com lugares e destinos distintos que estabelecem vínculos sociais, afetivos, simbólicos, usando diversos recursos para exprimir algo sobre a sua condição, seja individual ou coletiva. É por essa razão que uma cidade como São Paulo se constitui por signos variados, possui uma memória não apenas materializada, mas igualmente simbólica. Desta forma, vemos grafiteiros como exploradores da cidade que veem as superfícies muradas como telas em que imagens podem ganhar vida e novos significados. Uma das hipóteses surgida durante a pesquisa seria a de que o grafite brasileiro apresenta indícios de hibridez e mescla de elementos franceses e norte-americanos, tal como Laplantine menciona: 23 Aos poucos, notamos que o menor dos nossos comportamentos (gestos, mímicas, posturas, reações afetivas) não tem realmente nada de "natural". Começamos, então, a nos surpreender com aquilo que diz respeito a nós mesmos, a nos espiar. O conhecimento (antropológico) da nossa cultura passa inevitavelmente pelo conhecimento das outras culturas; e devemos especialmente reconhecer que somos uma cultura possível entre tantas outras, mas não a única. (LAPLANTINE, 2000, p. 21) Assim, constatamos a partir da utilização simultânea de frases e ilustrações, palavras sofisticadas graficamente que revelam uma estética bastante peculiar à arte tal como menciona Cauquelin (2005, p. 12) quando afirma que analisando a estética de uma obra no sentido de adjetivo “são qualificados comportamentos que parecem ter alguma coisa em comum com os atributos conferidos à atividade artística: a harmonia, a gratuidade, o prazer, o desprendimento; uma atitude, um gesto estético podem se considerados obras de arte”. O impacto causado pelo grafite e a pichação foi similar ao da poesia concreta, guardada as devidas proporções, que quebrou, à época de seu aparecimento, uma série de paradigmas, revelando-se liberta das amarras infringidas pelo clássico ou dos estilos hegemonicamente aceitos como modelos. Ambas enfrentaram restrições do público: a poesia concreta, quando surgiu, causou estranheza e o grafite foi (e é) marginalizado. Figura 13. Poesia concreta do poeta Décio Pignatari Figura 14. Poesia concreta do poeta Décio Pignatari. Fonte: <http://katarinafarias.blogspot.com.br/2012/09/poesia-concreta.html>. 24 Vimos que nosso objeto de estudo revela-se ligado diretamente a vários movimentos, em especial ao hip-hop, que é uma forma de expressão, ou um movimento social, utilizada pelos menos favorecidos social e economicamente contra a opressão, dirigida frequentemente à sociedade, numa tradição cultural tipicamente de rua. Parece-nos particularmente adequado pensar a natureza política da comunicação na cidade contemporânea como uma arena onde se desenrolam contendas de ordem simbólica em muros, transportes públicos ou em patrimônios ou imóveis como instrumentos para a afirmação de identidades, marcação territorial ou, simplesmente, proclamação de existência livre e/ou sem fronteiras. O grafite apresenta-se ainda como ação coletiva, prática cidadã que aproxima jovens e os leva a participar da história e do idioma com regras e hierarquias próprias. O grafite funde-se ao movimento de permanente construção e reconstrução da cidade que, a partir de seus agentes-habitantes, transforma-se de maneira constante, como resultado claro dos conflitos ocorridos em seu espaço. Justamente por essa razão, carrega em sua estrutura os signos oriundos deste fluxo perene. O diálogo, no caso do grafite, se estabelece de forma produtiva pela complementaridade material entre humano e urbano, pois retórica é a arte do diálogo aliada à arte do debate e ao poder de argumentação. Esse debate acontece onde há ideias diferentes e onde um posicionamento é defendido e contradito logo depois. Como, por exemplo, quando discutimos se o grafite é ou não arte. Não há como definir se grafite é arte ou não, o conceito de arte varia de pessoa para pessoa, de sociedade para sociedade, de classe social para classe social: o que é arte para um pode não ser para outro, como fica muito bem definido por Ernst Hans Gombrich Nada existe realmente a que possa dar o nome Arte. Existem somente artistas. Outrora, eram homens que apanhavam um punhado de terra colorida e com ela modelavam toscamente as formas de um bisão na parede de uma caverna, hoje, alguns compram suas tintas e desenham cartazes para tapumes... Não prejudica ninguém dar o nome de arte a todas essas 25 atividades, desde que se conserve em mente que tal palavra pode significar coisas muito diversas, em tempos e lugares diferentes, e que Arte com A maiúsculo não existe. (2012, p. 15) Assim, aproveitando-nos de dúvidas conceituais que surgiram bem como de confusões que ocorrem frequentemente sobre juízos de valores sobre o grafite e a pichação, em que estas duas práticas divergem e, sobretudo, quais seriam os pontos convergentes entre elas, buscamos investigar melhor as questões a esse respeito. Vimos por exemplo que o grafite é reconhecido como arte enquanto que a pichação é manifestação de vandalismo e crime ambiental previsto em lei de acordo com o Artigo 65 da Lei 9.605/98, que penaliza o “criminoso” à detenção de três meses até um ano com multa para quem pichar, grafitar ou, de alguma forma, profanar edificações ou monumentos urbanos. Então, trazemos à discussão: podemos qualificar o grafite como arte? Pra tanto utilizaremos o conceito de arte com base no conceito apresentado anteriormente definido por Gombrich. Encontramos notícias sobre juízes adotarem a aplicação de penas alternativas ao infrator flagrado no exercício da “arte”, tais como o fornecimento de cestas básicas a entidades filantrópicas ou prestação de serviços comunitários, ainda que,em maio de 2011, o governo brasileiro tenha decidido descriminalizar o grafite. Para ratificar a mais recente aceitação do grafite no Brasil, em 2011 foi sancionada uma lei que reconhece a legalidade dos sprays nos muros em casos específicos. Vale ressaltar que essa aprovação foi, na verdade, para alterar a redação da lei 9.605/98 de 12 de fevereiro de 1998, adicionando um segundo parágrafo ao artigo a seguir. Vejamos como ele ficou elaborado: § 2º Não constitui crime a prática de grafite realizada com o objetivo de valorizar o patrimônio público ou privado mediante manifestação artística, desde que consentida pelo proprietário e, quando couber, pelo locatário ou arrendatário do bem privado e, no caso de bem público, com a autorização do órgão competente e a observância das posturas municipais e das normas editadas pelos órgãos governamentais responsáveis pela preservação e conservação do patrimônio histórico e artístico nacional. 26 Em relação às alterações benéficas na lei, Binho Ribeiro, grafiteiro e curador de eventos como o “Graffiti Fine Art”6, faz o seguinte comentário sobre os motivos de sua difusão: O motivo é o amadurecimento dos artistas e das pessoas, a alta qualidade das obras, a degradação da cidade quase abandonada e também os projetos sociais que resgatam centenas de jovens. Assim a cidade ganha e os artistas também. Reconhecendo uma mudança da forma como se entende o grafite, constatamos que atualmente os grafiteiros são convidados para participar de projetos que visam embelezar as cidades. As imagens a seguir servem de exemplo: Figura 15. Painel decorativo, Eduardo Kobra. Fonte: <http://eduardokobra.com/muro-de-memorias>. 6 Com três edições anuais, a Graffiti Fine Art traz a arte urbana para dentro dos limites do MuBE. A mostra foi criada pelo museu, para mostrar a diversidade e qualidade da arte de rua. Disponível em: <http://mube.art.br/projetos/graffiti-fine-art/>. 27 Figura 16. Mural Eduardo Kobra, cidade de São Paulo. Fonte: <http://eduardokobra.com/muro-de-memorias>. Reconhecido como artista grafiteiro, Eduardo Kobra passou a ilustrar paredões, antes imponentes e monocromáticos, com suas cores, sua arte e contextos temáticos tal como vemos nas figuras 15 e 16, nas quais estão retratados elementos de um passado próximo em que bondes circulavam pela cidade, de acordo com as vestimentas e veículos vistos, assim como fachadas e publicidades da época, revelando, mais que imagens, todo um projeto, desde o processo de criação até a execução e apresentação final da obra. Adota-se, aqui, a hipótese de que o grafite urbano, enquanto manifestação, se sujeita a uma leitura plural que oferece possibilidades de um olhar que o privilegie como um exercício discursivo, em relação às grandes questões inerentes ao espaço em que se insere. Obviamente, Kobra foi contratado para a confecção dessas imagens, o que significa conhecimento prévio de seus trabalhos e currículo, o que o eleva à qualidade de artista do ponto de vista da visão social. Por isso, a crença comum de que o grafite faria parte do espaço urbano como poluição visual que afeta as grandes metrópoles, nesse caso, fica abandonada, e a manifestação se torna arte inclusiva e expressão estética valorizada. Esse é um exemplo do grafite ganhando destaque na cidade, o que possibilita criarmos espaços para refletir sobre seus traços, cores, pigmentos, técnicas, todas as formas de 28 expressão confirmando que devemos deixar no passado a desvalorização que perdurou até agora, pichadores e grafiteiros sendo vistos como vândalos, contribuindo assim para elevar as obras ao estatuto de expressão artística. Como signo detentor de sentidos plurais, o grafite pode ser examinado pela sua capacidade comunicativa, pelos códigos e linguagens próprios ou pelas técnicas e tecnologias que utiliza. Estamos tratando do grafite até agora, mas não poderíamos deixar de trabalhar com termos entendidos como sinônimos, tais como a pichação ou o grapixo, buscando revelar em que convergem ou divergem entre si. 1.2. GRAFITE VERSUS PICHAÇÃO: ESTÉTICAS ENVOLVIDAS Uma das razões pelas quais o grafite é desqualificado tem que ver com a forma deturpada de pensar de uma maioria que assim o define por falta de conhecimento. Confundi- lo com a pichação é ainda mais comum, embora ambos possuam, geralmente, a mesma temática, contexto social e político como inspiração para as imagens. Há, contudo, diferenças notórias. Por exemplo, a pichação diverge do grafite por dois motivos: às vezes tem como objetivo nada mais que a demarcação de território por grupos, inclusive com a disputa pelos lugares mais altos possíveis. O outro aspecto está ligado à estética ou forma como pichadores se expressam utilizando mais comumente letras estilizadas do que representações diversas em imagens mais elaboradas, com personagens, objetos, animais, dentre outras. Como expressão de pixe há também aquelas que pretendem representar a assinatura do grafiteiro, tal como mencionamos anteriormente quando trouxemos uma lista de termos relacionados a formas de expressão como essas. As tags são um tipo de marcação bem próxima do grafite podendo ser sinônimo tanto para um estilo quanto para o outro. 29 Figura 17. Pichadores alcançam topos de prédios altos para deixar suas marcas. Fonte: <http://queridoleitor8.zip.net/arch2009-04-19_2009-04-25.html>. Então, para que não haja confusão entre os termos, destacaremos as diferenças entre Grafite e Pichação, a partir das definições a seguir: Grafite: nome dado às inscrições feitas em paredes, considerando expressões “caligrafadas”, desenho pintados ou gravados em superfície vertical comumente encontradas 30 em espaços urbanos. Pode ser considerada arte se partirmos do pressuposto de Ernst Hans Gombrich, citado anteriormente. Na verdade o Grafite é uma arte, dentro do conceito apresentado anteriormente, feita para provocar, representa uma liberdade de expressão, relacionada ao ambiente político e social ou à condução da política em que predominam deveres, enquanto que os direitos são negados para grande parcela da população. São reconhecidos como desenhos em superfícies geralmente verticais, pois estão sempre presentes em circuitos de skates, dentre outros lugares, mas sempre notoriamente em locais públicos. Revela-se com elementos mais elaborados que os presentes em pichações embora tenha a mesma intenção, a de interferir na paisagem da cidade, anônima ou identificada. Sua relação com o espaço urbano é a de não representar um conceito ou expressão unos ou individuais mas sim o coletivo e o plural, como se a opinião geral pudesse ser emprestada à arte expressa por seus traços. Algo como fazer dos desenhos o que o artista pensa a respeito do que é retratado como um forma de fruição da imagem através do espectador ou transeunte. Assim, o processo de criação presente nesse tipo de mídia pode ser compreendido em sua complexidade e diversidade de manifestações. Desta forma, sendo considerado uma forma de arte, observa-se a relevância do grafite; suas motivações expressivas e quais propostas estéticas e de comunicação ele contempla. As próximas imagens são apresentadas a fim de demonstrar como trabalhos grafitados em ambientes diferentes, tais como o lado externo de um muro (Fig. 18) e parte de espaço decorado em ambiente interno de uma loja (Fig. 19), revelam indícios sobre uma possível evolução da técnica do surgimento do grafite, podendo ser executadas tanto com materiais tradicionais como com latas de spray. 31 Figura 18. Painel do Projeto Grafitran Brasília. Figura 19. Parede com grafite casa cor SC. Pichação: considerado o ato de escrever ou rabiscar em muros, fachadas de edificações, asfalto ou monumentos usando tinta em spray, dificilmente removível, estêncilou mesmo rolo de tinta. 32 No geral, são escritas frases de protesto ou insulto, assinaturas pessoais ou mesmo declarações de amor, embora a pichação seja também utilizada como forma de demarcação de territórios entre grupos – às vezes gangues rivais. Difere do grafite e geram polêmicas e desvalorização; em comparação ao grafite chega a ser considerada vandalismo. Figura 20. Pichação no vão central do MASP. Figura 21. Protesto contra novela da Rede Globo. 33 Figura 22. Pichação em propriedade particular.7 Temos constatado que a incidência de manifestações deste tipo parece estar em vias de aprimoramento no que diz respeito aos traços cada vez mais elaborados, tais como vemos nas imagens a seguir: Figura 23. Pichação/Comunicação que se aproxima do grafite. 8 7 As imagens 20, 21 e 22 mostram pixos em locais diferentes São Paulo, expressam suas opiniões com relação ao racismo e em outro momento apenas marcam território, com suas tags, em um prédio de são Paulo. 8 As imagens 23 e 24 demonstram pichações diferentes das anteriores, nestas podemos notar uma maior elaboração para a sua realização, onde o pichador utiliza cores, e adiciona desenhos e personagens. 34 Figura 24. Bomber: são letras gordas e que parecem vivas, geralmente feitas com duas ou três cores. A análise do grafite e da pichação leva em conta o contexto urbano e a cidade como um sistema vivo e dinâmico. Um ponto de grande importância diz respeito à valorização do trabalho e do estilo do grafite feito no Brasil, o que gerou um aumento do interesse da comunicação visual institucional por esta linguagem, que está em voga, influência modismos e revela tendências. Mediante ao aparente aumento de interesse ou simpatia pela arte do grafite, a Universidade de São Paulo (USP), por exemplo, organizou, em 15 de maio de 2002, a primeira cooperativa brasileira de grafiteiros, onde muitos deles intitulavam-se ex-pichadores. O objetivo da referida instituição foi o de levar professores experientes em artes plásticas ou designers a orientar os artistas, possibilitando a confecção de painéis em muros especialmente destinados para exibição e promoção desta arte. Cada vez mais, e em maior número, moradores têm apoiado essa forma de comunicação visual ao oferecerem os muros de suas casas para que os grafiteiros desenvolvam sua arte e mostrem para a sociedade sua maneira de expressão e comunicação. As imagens que vemos estampadas em ambientes externos e internos nada mais representam do que vozes que clamam por serem ouvidas na dimensão do entendimento de 35 que existe algo mais e além do que os códigos escritos formais que a população está habituada a decifrar. Parece inclusive tendência presenciar designers gráficos e meios industriais de produção gráfica utilizando esta forma de expressão. 1.3. SÃO PAULO – CAPITAL DO GRAFITE9 Desde seu aparente surgimento na Roma Antiga, até a sua eclosão na década de 1970, o grafite passou por grandes períodos de adversidades que acabaram colaborando para maximizar uma mentalidade revolucionária: a primeira seria a bipolarização entre o capitalismo e o socialismo, em um cenário de tensão entre EUA e União Soviética10. No Brasil, períodos problemáticos foram as crises do petróleo e, é inevitável, a ditadura militar, coincidindo com o surgimento da cultura hip-hop11. Uma de suas principais características da cidade de São Paulo, devido à sua diversidade cultural, é presença muito forte da mestiçagem. É, por exemplo, a cidade que mais abriga japoneses, libaneses e alemães fora dos respectivos países. Isso sem falar em quem vem de outros estados brasileiros: gaúchos, amazonenses, baianos, capixabas, mineiros, potiguares e tantos outros trabalhando e colaborando para a formação cultural da cidade. Muito se fala sobre São Paulo ser a locomotiva do Brasil. Um termo popular, porém um pouco injusto, uma vez que, quando pensamos em “locomotiva”, pensamos em uma imensa máquina. 9 São Paulo – Brasil, Instituto Callis, 2006. 10 A década de 1970 demonstrou ao mundo que a União Soviética já não era mais a grande rival dos Estados Unidos, sua capacidade já havia sido reduzida consideravelmente. Os sinais de esgotamento econômico começaram a aparecer e isso se tornou evidente com a divulgação de problemas graves, como a falta de alimentos. A partir daí, seguiram-se uma série de estratégias erradas que só piorariam sua situação. Logo depois, a União Soviética invadiria o Afeganistão, aumentando a crise. Esta se consolidava, pois a maior parte dos recursos estava sendo consumida pelo setor militar, a capacidade industrial – especialmente no que se refere aos bens de consumo – não dava conta de atender à população, população esta que não era consultada em momento algum e, por isso, perdia a atração pelo sistema. A falta de liberdade para expressão do povo refletia-se diretamente na produtividade do país, pois os indivíduos sentiam-se desmotivados com a realidade que viviam. Disponível em: <http://www.infoescola.com/historia/crise-sovietica/>. 11 Arte Urbana <http://jpress.jornalismojunior.com.br/2013/08/grafite-arte-%E2%80%93-preconceito- superado/>. 36 Mas a maior força dessa cidade, o que a faz há muito tempo percorrer os trilhos do crescimento cultural, são os condutores dessa tal locomotiva. O elemento humano é o maior bem de São Paulo. Além das inúmeras figuras ilustres e históricas que ajudaram a projetar a cidade no campo das artes, esportes, política, ciências, engenharia, dentre outros, São Paulo só se tornou o maior marco urbano do Brasil graças aos seus milhões de anônimos. O fato é que, notórios ou anônimos, todos os moradores de São Paulo desfrutam diariamente de suas (muitas) qualidades e enfrentam seus (muitos) desafios e cabe a cada um de nós continuar trabalhando para que a nossa cidade se torne tudo aquilo que ela merecemos que ela seja. Com seus quase 12 milhões de habitantes, a cidade de São Paulo é a maior metrópole em extensão territorial da América Latina, marcada por grandes contrastes e simultaneidades que imbricam e matizam – para além de uma perspectiva dual – o arcaico e o moderno, a cidade rica e a cidade pobre, o legal e o ilegal, o lícito e o ilícito, a exclusão e a inclusão, o global e o local etc. O seu gigantismo é proporcional à intensidade e à complexidade dos seus desafios urbanos e das suas desigualdades. O crescimento econômico intenso das últimas décadas, como centro da economia nacional e polo da economia global, não gerou ganhos similares na massa salarial e em qualidade de vida para o conjunto de seus habitantes, ou seja, não gerou uma cidade com urbanidade para a maioria (SANTOS; SILVEIRA, 2006, apud, CARREIRA, 2013, p. 11). Pelo contrário, o crescimento econômico acirrou dinâmicas de segregação socioespacial, concentração do patrimônio e inserção precária na cidade para grande parte da população com base em um liberalismo exacerbado com relação aos interesses privados (TRINDADE, 2011; ROLNIK; KLINK, 2011, apud, CARREIRA, 2013, p. 11). 37 Uma das faces desse fenômeno foi a expansão territorial das periferias, em resposta à especulação imobiliária, em uma cidade com muitos vazios urbanos. Segundo o Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE 201012, a cidade de São Paulo possui 290 mil imóveis vazios, que seriam suficientes para abrigar toda a população que vive em áreas de risco, cerca de 130 mil pessoas. A expansão territorial da cidade imposta aos segmentos mais pobres, em áreas sem infraestrutura urbana (saneamento, educação, saúde, cultura etc.), degradação ambiental, perda de tempo da população entre ida e vinda do trabalho, gera condições de vida precárias, necessidade de investimento público em transporte,dentre outros problemas, que alimentam a lógica segregadora da cidade. A história de uma cidade pode ser contada de várias maneiras e por meio de vários recursos, que ela transmite por meio da ocupação de seus espaços, de suas obras de arte e de sua arquitetura. “Uma imagem vale mais que mil palavras”. São Paulo, cidade de inúmeros talentos criativos, começou a ganhar o colorido dos grafites nos anos de 1980. Muitos agentes, reconhecidos internacionalmente como artistas, atraem visitantes à procura de suas obras, pois acreditam existir novos gênios da arte de rua. Alguns artistas começaram a usar o espaço público para democratizar a arte, e os muros da cidade foram sendo preenchidos com belos grafismos e desenhos. Assim, não é exagero afirmar que a capital paulista nos reserva uma surpresa a cada esquina. 12 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE 2010. 38 Figura 25. Painel na av. Henrique Schaumann, em Pinheiros, reproduz cena da São Paulo antiga. Quem assina é o grafiteiro Kobra. Figura 26. Beco do Batman: uma ruazinha sinuosa, que já foi bastante degradada, atualmente exibe desenhos que são renovados constantemente. 1.4. O GRAFITE COMO GRITO DE LIBERDADE Não se espante se você sair pelas ruas de São Paulo num domingo e se deparar com algum grafiteiro pintando muros ou paredes dos bairros. Esse é o dia da semana em que a maioria deles escolhe para fazer o que mais gosta: ficar ao ar livre, expressando-se em espaços públicos. "Eu faço arte para ser feliz, e o que mais me atrai no grafite é a capacidade de criar diálogos com a cidade", conta o grafiteiro Rui Amaral, um dos precursores dessa arte urbana. 39 Sua geração ocupou as ruas da cidade com desenhos no início da década de 1980, quando o país ainda saboreava a amargura da ditadura. "A repressão política fez com que as pessoas se fechassem nas casas. Tomar a rua era um jeito de quebrar o paradigma repressivo", diz o artista Jaime Prades, ex-integrante do grupo “Tupinãodá”, que ganhou fama nos muros da Vila Madalena no final dos anos 1980. Figura 27. Criações de vários artistas enfeitam os muros imensos que margeiam a Radial Leste. Em destaque, desenho de Nina Pandolfo. O acesso mais democrático deu chance também às mulheres. Entre elas, está a paulista Minhau, 35 anos, seu grafite é inconfundível, caracterizado pelos fortes traços e grandes contraste de cores. 40 Figura 28. Grafiteira Minhau. Fonte: <http://www.menzil505.com.br/2014/04/a-fabrica-de-gatos-de-minhau.html#.U7VZh4dOVnI>. O codinome nasceu dos desenhos de gatos grandes e coloridos, que são sua marca registrada. Ela utiliza o grafite como forma e relacionamento com as pessoas: "Arrancar sorrisos de crianças e idosos na rua é uma experiência viciante. Graças ao grafite, eu me relaciono com pessoas de todos os níveis sociais”. 1.5. A ARTE TRANSFORMA VIDAS13 "O grafite ajuda também a elevar a autoestima das pessoas", diz o artista conhecido por Birigui, que cresceu na Vila Madalena e ainda criança se sentiu atraído pelos desenhos nos muros. A convivência com artistas de rua e do hip-hop o fez perceber que a arte poderia servir como um meio de inclusão das populações mais carentes. "Virei professor numa ONG há dez anos e, desde então, percebi como as pessoas se sentem valorizadas ao entrar em contato com a arte. Gosto de ver como vão construindo seu 13 Disponível em: <http://jpress.jornalismojunior.com.br/2013/08/grafite-arte>. 41 aprendizado e se desenvolvendo. Isso só é possível porque o grafite é acessível, democrático", diz14. Figura 29. O túnel de acesso à av. Paulista foi grafitado pela primeira vez em 1987 – e três vezes apagado. Desde 2001, renova-se periodicamente. Afinal, pichar e grafitar são a mesma coisa? "As pichações, que são rabiscos e letras feitos para demarcar território ou ir contra as instituições, têm seu valor antropológico. Já o grafite é uma forma de arte e envolve conceito e pesquisa", explica Baixo Ribeiro. "Os dois têm a mesma essência: são meios de protesto ou de diversão, na falta de opções de lazer", diz Rui Amaral15, que assina o emblemático túnel da Avenida Paulista. Aos 51 anos, ele continua ativo: "Não gosto de ficar pintando telas no ateliê. Meu grande barato é mesmo a rua". 14 Idem. 15 O grafiteiro/pichador e artista plástico Rui Amaral, um dos pioneiros desta arte de rua, nos concedeu uma entrevista muito interessante onde conta a sua trajetória com o grafite desde o início no bairro da Vila Madalena, em São Paulo. Conta como conheceu grafiteiros internacionais e outros grafiteiros famosos da época como Jean- Michel Basquiat, John Howard, Keith Haring, Alex Vallauri e Mauricio Villaça. Rui também fala de sua participação no Grupo Tupi Não Dá onde atua como grafiteiro/pichador, professor e em projetos sociais relacionados ao grafite. Esta entrevista está disponível em um CD no final do trabalho. 42 Figura 30. Túnel Avenida Paulista e Rui Amaral. Um exemplo vinculado ao grafite é o Projeto Quixote, onde jovens em situações difíceis podem participar de cursos e workshops de técnicas de pintura e desenho. Depois, eles vão para a Agência Quixote Spray Arte, onde produzem material com aquilo que aprenderam e podem comercializá-lo. Neste material pode incluir-se desde grafitagem de fachadas até camisetas e móveis. E, além de tudo isso, os jovens são remunerados. Bem como os planos sociais atrelados a esta arte, eventos indoor e colaborativos também têm dado maior visibilidade para a nobreza que o grafite carrega. O projeto Color+City, desenvolvido pela empresa Google, visa unir e colocar em contato aqueles que desejam ter suas paredes grafitadas e aqueles que desejam deixar nelas suas respectivas obras de arte. 43 Desse modo, os artistas também podem garantir a autorização legal para que certos muros sejam preenchidos, minimizando o estigma de marginalização devido à sua elevação a crime ambiental. Figura 31. I Bienal Internacional de Graffiti Fine Art. Foto: Rico Lima. Como representante dos eventos, está o Graffiti Fine Art, que traz grandes nomes da cultura urbana nacional e internacional. Além da temática, o interessante é que o próprio nome do evento já traz em si um paradoxo benéfico. A mistura da palavra “graffiti” (que, para alguns, remete a um sentido subversivo) com “fine art” eleva a prática ao patamar artístico. Ao mesmo tempo, o fato de ser desenvolvida uma exposição, aos moldes daquelas dedicadas às obras tradicionais de arte, eleva o Grafite à condição de sofisticado e ratifica que ele possui a mesma nobreza de outras artes. Apesar de eventos indoor e autorizações para grafitar abrirem questionamentos acerca da essência frenética da arte de rua, o Fine Art, Color+City e Quixote possuem um objetivo em comum no que diz respeito ao spray no Brasil. 44 “Grandes projetos, exposições e campanhas publicitárias, isso tudo somado ajuda bastante”, disse o grafiteiro Binho Ribeiro quando questionado sobre o que o motiva a continuar nesta mudança de imagem. A política também não fica fora desta esfera artística. Apesar do grafite ser uma arte que não depende necessariamente do funcionamento da cidade, as parcerias e intervenções governamentais tornaram-se inevitáveis. Para Binho, a relação do grafite com o governo é confusa. “O grafite ora é agressivo e outrora suave e agradável, então é difícil definir isso. No geral, se apoia o agradável e educacional e se reprime o protesto e o vandalismo”. Não é raro encontrar casos ilustrativos para o que o artista disse. A cidade de São Paulo, maior foco de arte urbana do Brasil, carrega inúmeros em seu histórico. Figura 32.Fachada Estação Adolfo Pinheiro - SP. Fonte: <http://www.geracaohiphop.com/lembre-do-caso-metro-de-sp-apaga-grafites-de-pm-coxinha-e-vagao- negreiro>. Um exemplo é o caso da fachada da (futura) estação Adolfo Pinheiro do Metrô. Grafiteiros foram convidados a preencher o tapume com suas obras e foi fornecido até o material necessário. No entanto, um dos desenhos dos artistas consistia em uma crítica à Polícia Militar paulistana: uma coxinha uniformizada como policial, com um cassetete na mão, correndo atrás de um punhado de pessoas. Hoje não há mais grafitagens na fachada da Estação Adolfo Pinheiro, ainda em construção. 45 Outra obra que estava presente na fachada trazia a seguinte frase: “Todo vagão tem um pouco de navio negreiro”, criticando a situação precária do transporte público na cidade e comparando-a com os navios lotados e em péssimas condições que traziam escravos para o Brasil. A obra foi censurada pela prefeitura, passando-se tinta verde somente por cima da “coxinha militar”. Em contrapartida à censura, há projetos de parceria com empresários e prefeituras para que os artistas da rua mostrem seu talento. Figura 33. Mural em fachada de prédio com o rosto do arquiteto Oscar Niemeyer. Fonte: <http://movimentohotspot.com/noticias/niemeyer-na-paulista/>. 46 Ainda na cidade de São Paulo, encontramos os casos do Museu Aberto de Arte Urbana (MAAU-SP). As composições desse museu são feitas nas colunas de sustentação do metrô, entre as estações Santana e Portuguesa-Tietê. Além desse caso, são exemplos também as frentes do Edifício Regina, com 36 metros de mural, e de outro prédio na Praça Oswaldo Cruz, preenchido com a imagem do rosto de Oscar Niemeyer. Os casos acima servem para elucidar as contradições às quais o grafite e a cultura urbana, artes antes tão incompreendidas, estão submetidas. 47 2. GRAFITE COMO COMUNICAÇÃO: CONTRACULTURA E ARTE Há vários segmentos na sociedade, como os acadêmicos, publicitários ou os anônimos passantes que avaliam o grafite como forma de comunicação ou, quando muito, de protesto que polui a paisagem urbana. Outros afirmam que trata-se de arte. Não há consenso. Supomos que ambas opiniões são formas de refletir sobre aspectos relacionados ao grafite rotulando-o como arte ou como representação de um movimento de contracultura. Este termo foi mencionado com alguma frequência no auge dos anos 1960 como forma de expressão radical, experimentada, na maioria das vezes, por jovens que pleiteavam mudanças. Um representante dessa época, Maciel (1981), em uma tentativa de explicar o que foram as manifestações da época, explica que o termo "contracultura" foi inventado pela imprensa norte-americana, nos anos 60, para designar um conjunto de manifestações culturais novas que floresceram, não só nos Estados Unidos, como em vários outros países, especialmente na Europa e, embora com menor intensidade e repercussão, na América Latina [...] Contracultura é a cultura marginal, independente do reconhecimento oficial [...] Cultura é um produto histórico, isto é, contingente, mais acidental que necessário, uma criação arbitrária da liberdade – cujo modelo supremo é a Arte. (MACIEL, 1981 apud PEREIRA, 1983, p. 13-15) Defendemos que o grafite seja arte e procuramos, com esta pesquisa, trazer dados sobre sua história, formas de expressão, materiais utilizados e outras especificidades para promover, através dessa dissertação, espaço para reflexão a fim de que sejam analisados diversos pontos de vista, tanto do artista ou grafiteiro como de outros, simples espectadores dessas imagens em seu entorno, em vaivém diário, apressado, contemplativo, interpretativo, desinteressado, indiferente, reflexivo ou de outros tipos. Constatamos que essa forma de expressão artística está carregada de intencionalidades, compartilhada em superfícies rígidas de tijolos, armações em ferro, cimento e água misturadas a pigmentos que camuflam propagandas políticas coladas e esquecidas de outros períodos eleitorais, além da própria marca de quem a idealizou, traçou e a coloriu, às pressas com olhar perturbado, atento às reações dos passantes, na tentativa de 48 expressar temas confusos, contestadores, poéticos e críticos do cotidiano, possibilitando que todos possam fazer suas leituras próprias na tentativa de compreender o verdadeiro sentido do artista e sua imagem grafitada, aproximando-se do processo feito pelo contemplador de outras obras. São imagens tipicamente urbanas, geralmente de fácil acesso ao público pedestre ou de condutores de veículos, particulares ou coletivos, e de várias camadas sociais. Muitas vezes trazem exacerbada crítica política e social, depondo e convidando os outros a pararem um momento e pensarem a respeito da imagem representada. Assim, interferindo no trânsito das pessoas e nas ideias preconcebidas da população, tais imagens podem vir a provocar com o sentido impregnado na imagem, contribuindo, interferindo ou sugerindo mudanças. Segundo Canevacci: Na decodificação da mensagem existe sempre um lado criativo, um critério subjetivo. Ela é interpretada segundo a formação particular do pesquisador, sua biografia intelectual e política, seus gostos e emoções, ou segundo o acaso. A tradução da mensagem urbana é sempre uma traição. (CANEVACCI, 1993, p. 27) Apresentamos para ilustrar a Figura 34, grafitada pelos irmãos conhecidos como Os Gêmeos. Os artistas defendem nessa ilustração o direito à liberdade de expressão como “atividade intelectual, artística, científica” fazendo inclusive menção ao Artigo de Lei n. 5. Não bastasse o uso do texto em forma de protesto, eles criam um personagem que indica e chama a atenção de quem passa por perto desse grafite apontando para o texto, simples, direto, objetivo, mostrando a posição assumida. Interessante verificar que o próprio personagem esconde sua identidade utilizando uma espécie de venda que esconde praticamente todo o rosto, indicando um ato que precisaria ser anônimo para que não haja retaliações. Porém, tratando-se dos irmãos, internacionalmente conhecidos, surge como um elemento duplo de protesto encerrando na imagem e no texto a expressão e quem se expressa desta forma é considerado pela maioria como um líder. 49 Figura 34. Grafite de Os Gêmeos Fonte: <https://eusr.wordpress.com/2013/07/19/grafite-de-osgemeos-que-fazia-referencia-a-protestos-e- apagado/> Na Figura 35 abaixo, tons ou nuances revelam certa crítica poética, sugerindo que a arte resulta em permanência que ultrapassa o indivíduo que a idealizou ou o tempo. Figura 35 Fonte: <http://www.coxinhanerd.com.br/olhe-os-muros/>. 50 Figura 36. Paródia à frase bíblica ou musical. 16 Disponível em: <https://pt-br.facebook.com/ColetivoPROTESTarte>. O grafite da Fig. 36 pode ser interpretado como inspirado no evangelho de São Mateus, como a música de Chico Buarque, paródia do bíblico ressignificada no muro como forma humorada de crítica sobre a falta de elementos que possam dar cor ao logradouro. No que diz respeito à música, Amaral e Sousa (2012, p. 16) mencionam que Cálice é uma canção com muitas metáforas, nas quais Chico Buarque e Gilberto Gil usaram para contar sobre a situação em que a sociedade vivia durante a ditadura militar. Na canção eles expressam o desejo de se livrar 16 Na figura 36 a frase nos remete ao Evangelho de Mateus (26:39-42) ou à canção Cálice de Chico Buarque e Gil. Cálice é uma canção com muitas metáforas, nas quais Chico Buarque e Gilberto Gil usaram para contar sobre a situação em que a sociedade vivia durante a ditadura militar. Na canção eles expressam o desejo de se livrar das desigualdades sociais no Brasil nesse período. Eles ainda abordam a questão do envolvimento de políticos com as mortes ocorridas nesse período, denunciam os métodos de torturae repressão que eram submetidas às vítimas para conseguir o silêncio das mesmas e o desejo de liberta-se das imposições feitas pelo governo Militar. 51 das desigualdades sociais no Brasil nesse período. Eles ainda abordam a questão do envolvimento de políticos com as mortes ocorridas nesse período, denunciam os métodos de tortura e repressão a que eram submetidas as vítimas para conseguir o silêncio das mesmas e o desejo de liberta-se das imposições feitas pelo governo Militar. Não seriam os muros, colunas de viadutos ou paredões lugares em que podem haver formas de expressões que pretendem “livrar das desigualdades sociais”? Obviamente, essa ilustração surge não como denúncia à tortura física, mas reflete, sim, uma tortura estética em relação à cor cinza como algo negativo, como um silêncio forçado que pode ganhar “voz” na aplicação de cores de latas de sprays, contornos, materialização de figuras como convite à liberdade de expressão do artista, bem como um convite à mesma liberdade de reflexão a partir da imagem grafitada. Para os estudiosos, críticos se o grafite é arte ou não, vimos que alguns defendem o valor do objeto, pintura ou outros materiais como aquilo que representa um período da civilização em que nota-se certa mudança de apresentação de estilos. Há aqueles que definem períodos, movimentos artísticos de vanguarda, mas o que nos parece é que a longevidade de uma forma de expressão pode vir a ganhar essa classificação ou a técnica, que pode ser à época completamente nova, a qualifica como arte. Já historiadores poderão contestar esse tipo de valorização e indicar outros. Assim, vemos que o conceito de arte geralmente resulta de uma série de processos mesclados uns aos outros, formas de expressão, materiais e técnicas diversas que caem no gosto do popular, da massa seguindo como padrão, forma ou estética apresentada e que variam entre si. Há casos em que o sentimento que a obra proporciona é tão poderosa e tão clara que reproduções dela podem ser encontradas em locais habitados por pessoas que entendem ou não de “arte”. É o que aconteceu na favela do Cruzeiro na cidade do Rio de Janeiro, idealizado por dois holandeses que vieram ao Rio de Janeiro. 52 Figura 37. Holandeses Dre Urhahn e Jeroen Koolhaas participantes do projeto Favela Painting. Fonte: <http://www.favelapainting.com/media?mediaId=16813742>. Figura 38. Grafite aplicado ao lado da escadarias de acesso á favela. Fonte: <http://www.favelapainting.com/media?mediaId=16813753>. Quando vieram ao Brasil pela primeira vez, no ano de 2012, os artistas holandeses Dre Urhahn e Jeroen Koolhaas foram convidados por um amigo a visitar a Favela do Cruzeiro. A 53 dupla de artistas teve a ideia de pintar um mural no morro. Foi assim que começou o projeto Favela Painting17, que consiste em cobrir o morro de arte. Figura 39. Casas da comunidade decoradas com grafite. Fonte: <http://www.zillamag.com/art/favela-painting-project-by-haas-and-hahn/>. Figura 40. Foto panorâmica da favela Cruzeiro. Fonte: <https://eusr.wordpress.com/arte-na-favela/#jp-carousel-2235> 17 A reportagem completa sobre a Arte na favela está no site: <https://eusr.wordpress.com/arte-na-favela>. 54 Figura 41. Grafite aplicado ao lado da escadarias de acesso á favela. Fonte: <https://eusr.wordpress.com/arte-na-favela/#jp-carousel-2230>. Figura 42. Grafite de carpas ao lado das escadas de acesso a favela. Fonte: <http://www.favelapainting.com/media?mediaId=16813756>. 55 Existem obras feitas com expressões mais difíceis de serem interpretadas e que, talvez por essa característica, chamem a atenção de forma curiosa e desafiadora no que concerne a sua possibilidade de interpretação. Outras ainda tornam-se peças para colecionadores que saem das ruas e vão para galerias de arte, como no exemplo de David Chamas que comprou as placas de metal pintadas pelo grafiteiro Onesto, instaladas para proteger um terreno baldio em muro nas imediações da Rua da Consolação. Grafite de rua vira peça de colecionador18 As placas de metal pintadas pelo grafiteiro Onesto, que protegiam um terreno baldio em um muro na rua da Consolação, agora decoram um galpão do empresário David Chammas, 60 anos. (Jornal Agora. Segunda-feira, 08/09/2014. Folha de S.Paulo.) Figura 43. Empresário David Chammas. Dono de uma coleção de cerca de 150 obras de arte, com telas de pintores como Anita Malfatti e Aldemir Martins, Chammas tem garimpado pelas ruas da cidade peças grafitadas para incluir em seu acervo pessoal. Já tem 15 tapumes resgatados do lixo ou comprados por “alguns trocados” em obras do centro. O empresário não está só nessa empreitada. A badalação em torno do grafite paulistano e a promessa de valorização desses artistas no mercado da arte provocou uma espécie de corrida aos muros da cidade.19 Encontramos em Gombrich, conforme mencionado anteriormente, uma forma de conceituar produtos que reconhecemos como arte no grafite. 18 Reportagem no site Agora – Nas Ruas – Grafite de rua vira peça de colecionador – 28/02/2010. Disponível em: <http://www.agora.uol.com.br/saopaulo/ult10103u700123.shtml>. 19 Folha de S.Paulo, 8 set. 2014. 56 As imagens a seguir são exemplos de grafites feitos com muita técnica, cores e conhecimento de proporção, luz e sombra e muito mais, por isso são verdadeiras obras de arte e poderiam estar expostas em qualquer sala de grandes museus em São Paulo ou em qualquer lugar do mundo. Figura 44. Personagem de seriado de TV, “Seo Madruga”. Disponível em: <http://zonatroll.blogspot.com.br/2013/01/os-melhores-grafites-de-rua.html>. Figura 45. Grafite aplicado em superfície irregular, mas com muita técnica. Disponível em: <http://zonatroll.blogspot.com.br/2013/01/os-melhores-grafites-de-rua.html>. 57 Figura 46. Releitura de Monalisa. Disponível em: <http://sulinhacidad3.blogspot.com.br/2013/02/classico-revisitados-monalisa.html>. Figura 47. Cena do filme Hulk. Disponível em: < http://www.pinterest.com/pin/317785317426454771/>. 58 É essencial entender ou aceitar que grafite é a criação de forma que se oferece à percepção do mundo, de sua realidade e de injustiças sociais. Então, teria como finalidade despertar sentidos e possibilidades de interpretação. Essas possibilidades de interpretações possíveis, a partir de uma forma de expressão artística parece estar relacionada ao espaço em que ocorre com o tempo de criação ou processo criativo e tudo o que o envolve. Salles menciona que Com relação a arte, em diálogo com aqueles que, como Arlindo Machado (1999), defendem a abordagem da comunicação em âmbito expandido, por perceber que se trata de “um conceito-chave” no mundo contemporâneo, pois dá conta de alguns processos vitais que definem esse mesmo mundo, mas está longe de ser um conceito consensual. Alguns o tomam num sentido mais restritivo, abrangendo apenas o campo de atuação das mídias de massa, outros preferem dar maior extensão ao conceito, incluindo no seu campo semântico todas as formas de semiose, ou seja, de circulação e intercâmbio de mensagens, inclusive até fora do âmbito do social e do humano, no nível molecular, por exemplo, ou na linguagem das máquinas. (Salles. 2006, p. 14-15) Para a autora, os elementos participantes do processo criativo são pistas ou indícios que devem levar o pesquisador à reflexão sobre o começo, meio e fim que definiram renúncias e escolhas para a apresentação da obra finalizada, mas aberta à intervenções ou novas reapresentações da mesma, não necessariamente modificada, mas acrescida de ideias. Devem ser observados não somente através de teorias ou conceitos existentes, mas reflexões específicas de acordo com cada artista. Acrescenta que Nestescasos, os conceitos perderiam seu poder heurístico, ou seja, a pesquisa ofereceria muito pouco retorno no que diz respeito a descobertas sobre o ato criador. Por outro lado, se o que buscamos é a melhor compreensão da complexidade que envolve o processo criativo, não podemos lançar mão de conceitos teóricos isolados, como, por exemplo, percepção ou acaso. (SALLES, 2006, p. 15) Para um designer gráfico/grafiteiro como Rui Amaral, é inegável a representação exponencial dos grafiteiros e do meio como se comunicam através de suas imagens, utilizando como tela superfícies de prédios, viadutos ou muros como um outdoor, onde publica sua forma de ver o espaço público ou um momento político, por exemplo. Porém, possivelmente, o que ele deseja transmitir, passará pela capacidade de interpretação do outro, 59 dependendo assim do olhar do sujeito que o contempla bem como de seu repertório cultural ou político. O artista é consciente de que nem tudo o que escreve é facilmente compreendido, assim como muitos outros artistas, grafiteiros, pois muitos têm uma forma de se expressar através da escrita estilizada definidas como marca própria, uma nova forma de imagem gráfica urbana ou criação. Também neste sentido, Salles menciona que uma imagem tem muito do aspecto sentimental e momentâneo do artista, sentimento este que fica incutido em sua memória e é externado mesmo que sem intenção quando ele produz uma obra. Acrescenta ainda que A criação artística é marcada por sua dinamicidade que nos põe, portanto, em contato com um ambiente que se caracteriza pela flexibilidade, não fixidez, mobilidade e plasticidade. Uma memória criadora em ação que também deve ser vista nessa perspectiva da mobilidade: não como um local de armazenamento de informações, mas um processo dinâmico que se modifica com o tempo. (SALLES, 2006, p. 19) Justamente pensando nesses elementos que contribuem para a apresentação da imagem, pensamos que o grafite pode ser analisado como uma representação social ensinando-nos através de sua técnica e suporte como dialoga com o público. Procuramos entender como um grafite ou uma pichação se tornam únicos e como um artista materializa seu pensamento, como o tempo e o espaço mudam sua forma de expressão. Vemos que as imagens produzidas por eles têm muito sobre o contexto em que se encontravam, pois o momento em que foram pensadas, elaboradas e materializadas em suas cores e tintas, remete à ideia de que vários elementos permitiram seu nascimento tal como (SALLES, 2006, p. 24) menciona Morin ao falar de "tecido em conjunto", revelando um velho paradigma que nos obriga a disjuntar, a simplificar, a reduzir sem poder conceber a complexidade e buscamos outro capaz de reunir, de contextualizar, de globalizar, mas, ao mesmo tempo, capaz de reconhecer o singular, o individual, o concreto. 60 Diria respeito ao "jogo de interações" ou "rede de criação" que significa “Influência mútua, algo agindo sobre outra coisa e algo sendo afetado por outros elementos. Estamos assim em plena tentativa de lidar com a complexidade e as consequências de enfrentar esse desafio”. (MORIN, 2002, p. 11) Essas reflexões nos remetem às ideias de Lotman no que diz respeito a tendências estéticas e filosóficas que estão presentes nas representações artísticas mencionando "um princípio de arte criando um novo nível de realidade que se diferencia da própria realidade por uma imensa ampliação de liberdade". Acrescenta ele ainda que a liberdade se introduz mais facilmente em esferas carentes da sociedade, "assim, aquela que está sem alternativa, consegue encontrar uma”. (LOTMAN, 1988, p. 55) 2.2. COMUNICAÇÃO, CULTURA E GRAFITE A cidade de São Paulo diariamente oferece imagens de todos os tipos e formas de forma efêmera, em jornais e revista, ou intensas em sprays grafitados que invadem superfícies rígidas, de concreto ou em madeira com traçados que representam pensamentos e/ou ideais dos pichadores. Interessante constatar que a maioria delas parecem atender a objetivos como marcação de território, protesto ou apenas de embelezamento da cidade, cercada por prédios que tornam as aparências urbanas extremamente acinzentadas e com ângulos retos, lugares que convidam aquele que tem um olhar artístico a estampá-las com vida, cor e novos contornos, propostas oferecidas aos cidadãos para contemplação. 61 Figura 48. Pichação feita no segundo andar do pavilhão da Bienal em outubro de 2008. Fonte: <http://ultimosegundo.ig.com.br/cultura/bienal-celebra-arte-e-politica-em-2010/n1237650121737.html>. Nesse sentido, acreditamos que o grafite seja parte integrante da comunicação social e herdeiro legítimo de uma cultura visual de massa, passível de leitura e de compreensão subjetiva para quem o observa, interpreta e lhe atribui significado. Martin-Barbero afirma que formas de comunicação e movimentos sociais seriam formas de expressões que convidam a Abordá-los em sua forma, explicitá-los, esclarecer o movimento que, dissolvendo pseudo-objetos teóricos e implodindo inércias ideológicas, vem se desenvolvendo na América Latina nos últimos anos: a investigação sobre processos de constituição do massivo a partir das transformações nas culturas subalternas. Sobrecarregada tanto pelos processos de transnacionalização quanto pela emergência de sujeitos sociais e identidades culturais novas, a comunicação está se convertendo num espaço estratégico a partir do qual se podem pensar bloqueios e as contradições que dinamizam essas sociedades-encruzilhadas, a meio caminho entre um subdesenvolvimento acelerado e uma modernização compulsiva. Assim, o eixo do debate deve se deslocar dos meios para as mediações, isto é, para as articulações entre práticas de comunicação e movimentos sociais, para as diferentes temporalidades e para a pluralidade de matrizes culturais. (MARTIN-BARBERO, 2006, p. 261) 62 Na Figura 49 a seguir, podemos notar a busca dos artistas, Os Gêmeos, em se comunicar com os passantes locais que podem interpretá-la como uma mensagem clara, que incita à ideia de mudança na cidade, no país ou, talvez, no mundo. Através dela, o artista estabelece um contato com o espectador convidando-o à ação. Ela também faz paródia ao lema inscrito na bandeira do Brasil, “Ordem e Progresso”, sendo ressignificada, reapresentada e parodiada como “Acordem e Progresso” sugerindo ser o momento mais que necessário de ação nacional, acordar, reagir, perceber tudo o que envolve nossa política e caminhos que a pátria pode vir a seguir, apesar de ter mantido a palavra progresso que para a nossa atual condição não se aplica. Figura 49. Grafite de Os Gêmeos com cunho social. Convida a sociedade para um novo desafio. Disponível em: <https://pt-br.facebook.com/muchatinta/posts/597046920336081>. Ainda que a pichação busque confrontação, marcar território e provocação com a autoridade, como se fosse um jogo, em que o desafio do pichador é deixar a sua marca num lugar de difícil acesso, seja pela topografia, seja pela vigilância ou proibição de acesso, sem ser pego pela polícia, o autor da pichação, ao vencer o desafio, tal como um ritual, alcança o 63 reconhecimento como participante do grupo. Utiliza, geralmente, gírias ou dialetos que são compreendidos apenas pelos participantes, de difícil decodificação por outros frequentadores ou passantes locais. Figura 50. Pixadores desafiam a policia. Fonte: <http://g1.globo.com/minas-gerais/noticia/2013/05/alem-de-sujarem-imoveis-pichadores-desafiam- policia-em-belo-horizonte.html>. Na Figura 50, a frase “Prenda-me se for capaz” é a única que foi pintada ou pincelada de forma mais clara. Há outras tantas na altura dos olhos, acima e outras ainda em locais mais elevados sugerindo certa acrobacia para fazê-las, todas na cor preta, supostamente feitas com pincéis largos ou ainda rolinhos de pintar. A impossibilidade
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