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O CICLO DO SANGUE da captação de doadores à transfusão de hemocomponentes UNIDADE 1 Breve histórico da transfusão e o ciclo do sangue Leilanne Kelly Borges de Albuquerque Santos Manuela Pinto Tibúrcio Rodolfo Daniel de Almeida Soares 2 AULA 1 - Você sabe como começou a transfusão? Caro aluno, para que possamos falar da transfusão de sangue, é impres- cindível que se conheça a história da terapia transfusional. Saber como tudo começou ajudará a refletir sobre todo o processo e ciclo do sangue. Nesta primeira unidade veremos um breve histórico da terapia transfu- sional no Brasil e no mundo, conheceremos o perfil das doações realiza- das em nosso país e abordaremos, de forma sucinta, o ciclo do sangue. Ao final, você será capaz de identificar os marcos que muito contribuíram para a evolução da terapia transfusional e de distinguir os diferentes per- fis de doadores existentes no país. Então, vamos começar nossos estudos! Você sabe como começou a história da transfusão? Você imagina quantas experiências empíricas foram desenvolvidas para se chegar ao processo transfusional atual? Diante dessas indagações, vamos passe- ar pela história dessa importante prática para a medicina moderna na Linha do Tempo 1, que você acessa no AVASUS. Até este ponto apresentamos a história da prática transfusional no mundo. Mas como ela se desenvolveu no Brasil? Vamos ver? Linha do Tempo 1 3 AULA 2 - A história da transfusão no Brasil No Brasil, a prática transfusional teve início em 1910. O relato mais importante veio de Salvador, onde o médico Garcez Fróes, por meio do uso de um aparelho de agote improvisado por ele, realizou uma transfu- são de 129 ml de sangue, braço a braço, para tratar uma paciente com metrorragia importante por pólipo uterino. Figura 1 - Aparelho de Agote – adaptação de Eugênio de Souza. Fonte: Coelho (2013). Na década de 40, a hemoterapia começa a ser vista como especialidade médica, proporcionando o surgimento de bancos de sangue por todo o país, sendo o primeiro inaugurado em 1942, no Rio de Janeiro. Esses serviços eram de organização simples, contando com um médico trans- fusionista que selecionava e avaliava doadores do grupo sanguíneo O. Você sabia que, nesse período, diferente do que acontecia na Europa, o sangue era comercializado? Era um mercado lucrativo que se sustentava pela falta de esclarecimento da população. Essa prática comercial acabou estimulando o surgimento de mais bancos de sangue e favorecendo a proliferação de doenças transmissíveis, além do baixo rendimento transfusional, tendo em vista que se candidatavam, para doação de sangue, pessoas doentes, alcoólatras, mendigos e anêmicos. Nesse cenário surge a Associação de Doadores Voluntários de Sangue (ADVS), dirigida por Carlota Osório, que lutava pela doação não remunerada e pela distribuição gratuita de sangue para quem precisasse, sendo todos os custos arcados pelo Estado. 4 Na década de 60, inicia-se a implantação dos testes sorológicos para doença de chagas, sífilis e hepatite B. Em outubro de 1964, o então presidente da República, Marechal Castelo Branco, institui a criação da Comissão Nacional de Hemoterapia (CNH), que estabelece a Política Nacional de Sangue. Começam, assim, a surgir os primeiros decretos regulamentadores da prática. Em 1965, é criada a Comissão Nacional de Hemoterapia, que traz o importante estabelecimento de critérios que visam à proteção dos doa- dores e dos receptores de sangue, entre eles, a determinação da obri- gatoriedade dos testes sorológicos pré-transfusionais. No entanto, tais medidas foram insuficientes para a organização do processo. Você sabia que a doação de sangue no Brasil, nessa época, ainda era remunerada? Então quando houve um salto significativo no quadro da hemoterapia brasileiro? Surpreenda-se, mas foi o advento da AIDS, na década de 80, que modificou significativamente o panorama da hemoterapia no Brasil e no mundo. A partir daí, manifestou-se uma maior preocupação com a segurança transfusional mediante o risco de disseminação e contami- nação de pessoas por doenças transmissíveis via transfusão sanguínea. Na época, cerca de 2% dos casos de AIDS no Brasil foram causados por transfusão. Nesse contexto, surge a Política Pública do Sangue, tendo como foco e iniciativa o incentivo à doação não remunerada, voluntária e altruísta. A partir desse cenário, a Constituição de 1988 incluiu o artigo 199, o qual determina a proibição de toda e qualquer forma de comer- cialização do sangue humano ou de seus componentes. Assim, as técnicas, a segurança do processo e os critérios de aplicabilida- de da terapia transfusional foram se expandindo e sendo aprimoradas. O cenário atual é de uma hemoterapia envolvida por um avanço cientí- fico e de conhecimento fundamentais para o desenvolvimento de uma prática mais segura. Continuando a pensar no quadro da hemoterapia em nosso país, surgem algumas questões importantes: qual o percentual de doações realizadas no país? Qual a frequência de doações? Que estratégias são adotadas no país para manter um nível de doa- ções adequado às necessidades? Qual o perfil do nosso doador? 5 AULA 3 - Conhecendo o perfil do doador brasileiro Segundo o Ministério da Saúde, 1,8% da população brasileira doa san- gue. No entanto, o percentual considerado aceitável pela Organização Mundial de Saúde (OMS) é de 3% a 5%. Perceba que ainda precisamos melhorar muito, não acha? Nessa perspectiva, o Brasil tem buscado traçar estratégias para aumentar esse índice, visto que, devido ao atual perfil epidemiológico brasileiro, a quantidade de sangue doado, muitas vezes, é insuficiente para atender à demanda. Sempre assistimos nos noticiários a reporta- gens que relatam a falta de sangue nos hemocentros. No entanto, no Brasil, essa conscientização da necessidade de doação voluntária não é habitual, e isso se deve, em parte, aos mitos e preconceitos que per- meiam essa temática. Existe, portanto, uma necessidade de aumentar o número de doações voluntárias visando garantir um estoque quantitati- vamente razoável e de qualidade. Segundo a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), os índices apontam para um crescimento gradual e discreto, porém constante, das doações voluntárias. Em novembro de 1998, o Ministério da Saúde institui o Programa Nacional de Doação Voluntária de Sangue (PNDVS), visando sensibilizar e mobilizar a sociedade brasileira a participar ativa- mente do processo de doação de sangue, buscando, assim, amenizar esse grave problema de saúde pública que é a baixa dos estoques nos hemocentros em todo o país. Os dados compilados pelo Ministério da Saúde, a partir da avaliação de 26 serviços de hemoterapia, mostram que, em 2012, a região Norte teve um aumento de 4,84% nas doações espontâneas. Já a região Nordes- te tem o menor índice desse tipo de doação (43,21%), predominando a doação por reposição (doação feita para atender às necessidades de algum amigo ou parente). Mas a região Centro-Oeste é a que apresenta, quantitativamente, o maior número de doações espontâneas. 6 Lembra-se de Luís Eduardo, nosso potencial doador de sangue? Ele pode ser considerado um doador de reposição, uma vez que a sua disponibilidade em ir até o hemocentro doar sangue está intimamente relacionada à necessidade de reposição do estoque de hemocomponen- tes devido às múltiplas transfusões sanguíneas feitas em seu primo. 7 Alguns conceitos importantes relacionados à doação de san- gue, segundo a Portaria 158, de 4 de fevereiro de 2016: Doação autóloga: doação do próprio paciente para seu uso exclusivo. Doação de reposição: doação advinda do indivíduo que doa para atender à necessidade de um paciente, feita por pes- soas motivadas pelo próprio serviço, família ou amigos dos receptores de sangue para repor o estoque de componentes sanguíneos do serviço de hemoterapia. Doação espontânea: doação feita por pessoas motivadas a manter o estoque de sangue do serviço de hemoterapia,decorrente de um ato de altruísmo, sem identificação do nome do possível receptor. Doador apto: doador cujos dados pessoais, condições clínicas, laboratoriais e epidemiológicas se encontram em conformidade com os critérios de aceitação vigentes para doação de sangue. Doador de repetição: doador que realiza 2 (duas) ou mais doações no período de 12 (doze) meses. Doador esporádico: doador que repete a doação após inter- valo superior a 12 (doze) meses da última doação. Doador inapto definitivo: doador que nunca poderá doar sangue para outra pessoa, podendo, em alguns casos, realizar doação autóloga. Doador inapto por tempo indeterminado: doador que se encontra impedido de doar sangue para outra pessoa por um período indefinido de tempo segundo as normas regulatórias vigentes, mas apto a realizar doação autóloga. Doador inapto temporário: doador que se encontra impedido de doar sangue para outra pessoa por determinado período de tempo, podendo realizar doação autóloga quando possível e necessário. Com relação ao perfil do doador no Brasil, a maioria é do sexo masculino e com idade superior a 29 anos. Vale ressaltar, ainda, que a maioria das doações, em todo o país, ocorre nos serviços públicos de hemoterapia. 8 Assim, é fundamental conhecer o perfil dos doadores por todo o país, pois esses dados irão nortear as realizações de campanhas em prol das doações de sangue. Figura 2 - Distribuição percentual de motivação da doação, do tipo de doador, do gênero de doador e da idade do doador por região geográfica. Fonte: Ministério da Saúde (2012). 9 AULA 4 - O CICLO DO SANGUE Caro aluno, você já sabe a história do surgimento e evolução da hemo- terapia no Brasil e no mundo, além das características dos doadores no Brasil. Vamos agora conhecer o que acontece com o sangue até ele ser transfundido? O ciclo do sangue é um processo sistemático que tem suas etapas regulamentadas por resoluções que visam nortear as ações e garantir a qualidade do sangue, contribuindo para a segurança do processo durante todo o ciclo. Elas devem ser cumpridas por todos os estabelecimentos de hemoterapia que desenvolvem essas práticas e pelos serviços de saúde, públicos e privados, que realizem procedimentos transfusionais em todo o território nacional. Esse ciclo é composto pelas etapas de captação do doador, triagem clínico-epidemiológica, coleta de sangue, triagem laboratorial das amostras por meio da realização de sorologias, fracionamento, armazenamento, transporte, distribuição e a transfusão propriamente dita. A partir da implementação da Portaria nº 1.376/93, passou-se a ter mais rigor no processo. Todas as etapas do ciclo do sangue foram normatizadas, de forma que qualquer serviço de hemoterapia trabalha seguindo os mes- mos critérios, uma vez que tal Portaria determina todas as normas técnicas para realização de coleta, processamento e a distribuição do sangue. Nesta aula, abordaremos todas as etapas do ciclo de uma forma geral. Dessa maneira, no decorrer do módulo, elas serão tratadas de forma mais detalhada. Confira o Infográfico 1 - Ciclo do Sangue, disponível no AVASUS. Infográfico 1 - Ciclo do Sangue 10 • Lei nº 10.205 de 2001 – regulamenta o parágrafo 4 do artigo 199 da Constituição brasileira, que dispõe sobre a proibição de qualquer tipo de comercialização do sangue e de seus componentes. <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/ l10205.htm> • Portaria do MS nº 1.353 de 2011 – regula todas as atividades hemoterápicas brasileiras. <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2011/ prt1353_13_06_2011.html> • RDC nº 34 de 2014 – dispõe sobre as boas práticas no ciclo do sangue. < h t t p : / / p o r t a l . a n v i s a . g o v . b r / documents/10181/2867975/RDC_34_2014_COMP. pdf/283a192e-eee8-42cc-8f06-b5e5597b16bd?version=1.0> • Portaria nº 158 de 2016 – redefine o regulamento técnico de procedimentos hemoterápicos. <http://portalarquivos.saude.gov.br/images/pdf/2016/ abril/12/PORTARIA-GM-MS-N158-2016.pdf> http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10205.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10205.htm http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2011/prt1353_13_06_2011.html http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2011/prt1353_13_06_2011.html http://portal.anvisa.gov.br/documents/10181/2867975/RDC_34_2014_COMP.pdf/283a192e-eee8-42cc-8f06-b5e5597b16bd?version=1.0 http://portal.anvisa.gov.br/documents/10181/2867975/RDC_34_2014_COMP.pdf/283a192e-eee8-42cc-8f06-b5e5597b16bd?version=1.0 http://portal.anvisa.gov.br/documents/10181/2867975/RDC_34_2014_COMP.pdf/283a192e-eee8-42cc-8f06-b5e5597b16bd?version=1.0 http://portalarquivos.saude.gov.br/images/pdf/2016/abril/12/PORTARIA-GM-MS-N158-2016.pdf http://portalarquivos.saude.gov.br/images/pdf/2016/abril/12/PORTARIA-GM-MS-N158-2016.pdf RESUMINDO Caro aluno, como vimos nesta unidade, a terapia transfusional vivenciou um processo de evolução significativo a partir da rea- lização de várias experiências empíricas. Seu desenvolvimento foi marcado por importantes acontecimentos e descobertas como, por exemplo, a classificação ABO, a técnica da trans- fusão braço a braço e a criação de um anticoagulante para proporcionar a estocagem das bolsas de sangue. No entanto, inúmeros insucessos terapêuticos rodeavam a prática. A preocupação com a segurança do processo transfusional começava a surgir e, junto com ela, os primeiros decretos regulamentadores da prática, como a implementação da rea- lização de testes sorológicos a cada doação. O sangue virou um comércio lucrativo, até que, na década de 1980, com o surgimento da AIDS, houve um aumento da preocupação com a segurança e a proibição da comercialização do sangue e de seus componentes. Agora, a doação de sangue é um ato voluntário, solidário e altruísta. A partir daí, fizemos um breve levantamento sobre o ciclo do sangue. Falando suscintamente sobre o processo, desde a captação do doador de sangue até o ato final do ciclo: a trans- fusão do hemocomponente no paciente. 12 REFERÊNCIAS BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção a Saúde. Departamento de Atenção Especializada e Temática. Manual de orientações para promoção da doação voluntária de sangue. 1. ed. Brasília: Ministério da Saúde, 2015. 152 p. ______. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Hospitalar e de Urgência. Caderno de informação: sangue e hemoderivados. 7. ed. Brasília: Ministério da Saúde, 2014. 158 p. ______. Ministério da Saúde. Campanha visa sensibilizar novos doadores e fidelizar os existentes. Disponível em: <http:// portalsaude.saude.gov.br/index.php/cidadao/principal/agencia- saude/13355ministerio-da-saude-lanca-nova-campanha-de-doacao-de- sangue>. Acesso em: 03 ago. 2016. COELHO, I. G.; ROQUE, L. S. Caracterização do perfil antigênico eritrocitário de doadores voluntários e pacientes politransfundidos do Hemocentro de Ribeirão Preto. 2013. 45 f. Monografia (Curso de Aprimoramento Profissional) – Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, 2013. GIACOMINI, L.; LUNARDI FILHO, W. Estratégias para fidelização de doadores de sangue voluntários e habituais. Acta Paul Enferm 2010;23(1):65-72. 2010. JUNQUEIRA, Pedro C.; ROSENBLIT, Jacob; HAMERSCHLAK, Nelson. History of Brazilian Hemotherapy. Revista Brasileira de Hematologia e Hemoterapia, v. 27, n. 3, p. 201-207, 2005. MINISTÉRIO DA SAÚDE - MS. Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA. Diário Oficial da União Resolução da Diretoria Colegiada – RDC n° 34, de 11 de junho de 2014. Dispõe Sobre As Boas Práticas No Ciclo Do Sangue. Disponível em: <http://portal.anvisa.gov.br/ documents/10181/2867975/RDC_34_2014_COMP.pdf/283a192e-eee8- 42cc-8f06-b5e5597b16bd?version=1.0>. Acesso em: 09 ago. 2016 MOURA, Aldilene Sobreira de et al. Doador de sangue habitual e fidelizado: fatores motivacionais de adesão ao programa. Revista Brasileira em Promoção da Saúde, v. 19,n. 2, 2006. 13 OPAS. Organização Pan-Americana de Saúde. América Latina e Caribe estão quase na metade do caminho de alcançar 100% de doadores voluntário de sangue. Disponível em: <http://www.paho.org/bra/index. php?option=com_content&view=article&id=5149:america-latina-e-caribe- estao-quase-na-metade-do-caminho-de-alcancar-100-de-doadores- voluntarios-de-sangue&Itemid=455>. Acesso em: 04 ago. 2016. VERAN, Mirela Pezzini. Funções do enfermeiro no ciclo do sangue. Curitiba, Universidade Federal do Paraná. 2012. 118 f. Dissertação (mestrado) – Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, Setor de Ciências da Saúde, Universidade Federal do Paraná. Curitiba, 2012.
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