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INDICE
Agradecimentos 13
Lista de Fiouras 19
Lista de Tabelas .. 23
Abertura 25
1. 0 Poder na Sociedade em Rede 39
o que e Poder? . 41
Estado e Poder na Era Global....... 49
Redes 52
A Sociedade em Rede Global 58
o Estado em Rede 76
o Poder nas Redes 80
Poeler e Contrapoder na Socieelaele em Rede 86
Conclusao: Enteneler as Relacoes de Poder na Sociedaele em
Reele Global .. 89
9
v j0 ,/ II " IJ,flI? ;
EJi\,ao original: Oxford University Press, 2009
Traclu<,ao: Rita Espanha
Revisao Cientifica: Gustavo Cardoso
vtlsOO0221424 -
Biblioteca do IESP
Em mem6ria de Nicos Poulantzas,
meu irrnao,
te6rico do poder
(.,:} 11111111111\11\\1'11'111'1111\\1111111111 lit
''''';''~ V351146
o [lorJer de corncmcecao I
659.3 C349p
Reservados toclos os direitos de harmonia com a lei
Edicao da
FUNDA<;:Ao CALOUSTE GULBENKlAN
Av. de Berna I Lisboa
2013
Deposito Legal n° 353625/13
ISBN: 978-972-31-1473-7
l(..n. . ') .LI" v \ ,() ~,J
'IL J f' r~t\v' \ Y\
o PODER DA COMUNICACAO
2. Comunicacao na Era Digital 95
Uma Revolucao Cornunicacional?
A Convergencia Tecnologica e 0 Novo Sistema Multimedia:
Da Cornunicacao em Massa para a Autocornunicacao de
Massa .....
97
101
Organizacao e Gestio das Comunicacoes: As Redes de Ernpresas
Multimedia Globais 117
A Politica das Politicas Reguladoras
A Mudanca Cultural num Mundo Globalizado
150
170
A Audiencia Criativa 183
193A Cornunicacao na Era Digital Global
3. Redes da Mente e Poder . 195
197Os Remoinhos da Mente
Emo\=30, Cognicao e Politica .
Emo\=30 e Cognicao nas Campanhas Poliricas
A Politica das Crencas
207
213
217
o Enquadrarnento da Mente 220
Conquistando Mentes, Conquistando 0 Iraque, Conquistando
Washington: Da Desinforrnacao a Mistificacao 232
261o Poder do Enquadrarnento?
4. Programando as Redes de Cornurricacao: Politica Media-
tica, Politic a do Escandalo e Crise da Democracia ..... 265
A Construcao do Poder atraves da Construcao de Imagens ... 267
Campos de Exterrninio (Sernantico): A Politica Mediatica em
AC\=30
A Politica do Escandalo
271
325
10
INDiCt:
o Estado e " Politica Mediatica: Propaganda e Controlo
o Desaparecimento cia Confianca Publica e a Crise cle Legiti-
midacle Politica ..
354
380
392Crise cia Dcmocracia?
5. Reprogramando as Redes de Comunicacao- Movimentos
Sociais, Politicas Insurgentes e 0 Novo Espaco PUblico . 397
Aquecenclo para 0 Aquecimento Global: 0 Movirnento Ambien-
talista e a Nova Cultura cia Natureza 104
A Recle e a Mensagem: Movimento Global contra a Globali-
zacao Empresarial 419
Mobilizando a Resistencia. Cornunicacoes sem fios (Wireless) e
Comunidades cle Praticas Insurgentes 459
"Yes, we Can!" A Carnpanha Presiclencial de Obarna 2008 -
Primarias 480
Reprogramanclo Redes, Muclanclo Menta I iclacles, Muclanclo 0
Munclo .. 541
Conclusao. Para uma Teoria do Poder da Comunicacao 545
Anexos 567
Bibliografia 617
11
AGRADECIMENTOS
Os livros sao, geralmeme, urn esforco colectivo sob a responsabili-
dade unica do autor. Este livro nao e uma excepcao. Nasceu na minha
cabeca ha rnuito tempo, mas envolveu uma interaccao com colegas e
estudantes de todo 0 mundo, e foi sendo criado pelos ambientes acade-
micos e sociais nos quais ell vivi e trabalhei desde 0 inicio do milenio.
E assim, nornear as pessoas e instituicoes que sao co-produtores deste
trabalho nao seria urna questao de cortesia, mas de exactidao na assina-
tura desta obra.
o meu primeiro agradecimento e para a Amelia Arsenault, rninha
estudante de doutorarnento, uma assistente de pesquisa fora de serie,
para com a Wallis Annemberg Graduate Research Fellow at Annemberg
School for Communication, University of Southern California. Clara-
mente, sem a qualidade intelectual e a dedicacao pessoal do seu traba-
lho ao longo dos anos, este livro nao existiria tal qual existe. Ela conti-
nuara a sua carreira e sera uma acadernica de excelente valor, pois esta
empenhada em compreender 0 mundo para 0 tornar urn lugar melhor,
Contei ainda com 0 apoio, para a investigacao na qual este livro
se baseia, das pesquisas realizadas pelos investigadores Lauren Movius,
Sasha Costanza-Chock e Sharon Fain, estudantes pos-graduados na
Annemberg School for Communication, e pela D.ra Meritxell Roca,
minha colaboradora no Internet Interdisciplinary Institute, Instituto de
13
o PODER DA COMUNICA<;:Ao
Investigacao da Universitat Oberta de Catalunya (UOC), em Barcelona.
Versoes iniciais da analise aqui apresentada foram discutidas e alteradas
a partir cia interaccao com os meus esrudantes da Anncmberg School for
Communication. Quero, por isso, declicar urn agradecimcnro especial
aos estudantes clo meu Seminario de Investigacao Commo20: "Cornu-
nicacdo, Tecnologia e Poder ', na Primavera cle 2008 Reconhecimentos
particulares pelo trabalho cle varios estudantes nestc e noutros semina-
rios podem ser encontrados ao longo do livro, nas notas e referencias.
As minhas pesquisas em curso, neste livro e noutros tr.ibalhos, bene-
ficiararn consideravelrnente do esiimulo inielectual lias ininhas duas
casas acadernicas. A Annemberg School for Communication cia Univer-
sity of Southern California (USe) em Los Angeles e 0 Internet Inter-
disciplinary Institute, Institute de lnvesugacao cia Universiiat Oberra cle
Caralunya (UOC), em Barcelona. Sinto-me em divida profunda para com
os meus colegas clas duas instituicoes pelo apoio e companheirismo
que me derarn ao longo dos anos. Agradeco em particular aos Decanos
Geoffrey COW:1I1 e Ernest Wilson, aos Directores Patricia Riley cia USC e
;} Reitora Imrna Tubella da UOC, pelo fanrasuco apoio pessoal e institu-
cional que me derarn ao longo de todo 0 processo de pesquisa desde
que me juntei a Annernberg School for Communication cia USC e ao
Internet Interdisciplinary Institute da UOc. Estas instiiuicoes acadernicas
estao no lirniar da excelencia cia investigacao e cnsino cia socieclade
em rede global, e eu sinto-rne orgulhoso por partilhar 0 seu importante
projecto de colocar a Universidade clentro clas condicoes tecnol6gicas e
intelectuais da Era da Inforrnacao.
Estou tambern grato aos meus colegas e estudantes do Massachusets
Institute of Technology (MIT Science, Technology and Society Program;
Department of Urban Studies and Planning; and Media Labs) pela sua
significativa interaccao durante os meus periodos de docencia como
professor visitante nurna das instituicoes cientificas lideres no mundo.
Especiais agradecimentos a William Mitchel, Rosalind Williams, David
Mindell, Larry Vale e Malo Hutson.
Quando digo que este livro e urn trabalho colectivo, sou sincero.
Recebeu as mais generosas contribuicoes intelectuais de um conjunto de
colegas que lerarn ou todas ou parte das diversas versoes do manuscrito
14
'I ~•
AGRAl)EC1MENTOS
e fizerarn extensos cornentarios sobre elas. Percorri varias rondas de
revisoes para cada capitulo, pois cada vez que achava que tinha che-
gado ao ponto em que a minha pesquisa podia ser divulgada, chegavam
novos cornentarios e sugestoes cle colegas dispostos a encetar UI11 dialogo
cornigo, durante 0 processo de elaboracao deste livro. Modifiquei os
meus argumentos, actualizei os meus dados e apurei a minha escrita
como resultado desias multiplas interaccoes com colegas cle diferenies
instituicoes acadernicas. Nao foi possivel integrar todos os cornenrarios,
uma vez que muitos partern de diferentes perspectivas, mas considerei
seriamenre cada um clos comeniarios que recebi e esse processo con-
duziu a alteracoes substanciais tanto na teoria como na analise que
apresento neste livro. Obviamente, sao da rninha exclusiva response-
bilidade qualquer mal entendidos ou erros durante esta longa revisao.
Assim. quero expressar publica mente a minha profunda gratidao a
Ant6nio Damasio, Hanna Darnasio, Jerry Feldman, George Lakoff,
Jonathan Aronson, Tom Hollihan, Peter Monge, Sarah Banet-welser,
Ernest Wilson,Jeffrey Colo, Jonathan Taplin, Marty Kaplan. Elizabeth
Garrett, Robert Entrnan. Lance Bennett, Frank Webster, Robin Mansell,
William Dutton, Rosalincl Williams, lmma Tubella, Michael Dear, Ingrid
Volkmer, Geoffrey Bowker, John Thompson, Ronald Rice, James Katz,
W. Russel Neuman, George Marcus, Giancarlo Bosetti, Svvetlana Balmaeva,
Eric Klinenberg, Emma Kiselyova, Howard Turnber, Yuezhi Zhao, Rene
Weber, Jeffrey juris, Jack Lindman Qiu, Irene Castells, Robert McChesney,
Henry Jenkins e Gustavo Cardoso. A sua carnaradagern demonstra que
a co-producao de fonte aberta (open-source) e realmente urna invencao
medieval que cornecou no ambiente universitario e continua hoje em
dia com uma pratica essencial na pesquisa cientifica.
Tambern estou agradecido aos colegas, estuclantes e cidadaos em
geral que comentararn as minhas apresentacoes publicas de ideias e
analises sobre comunicacao e poder que finalmente me levararn a elabo-
racao deste livro. Esta interaccao de diferentes origens entre 2003 e
2008 derarn forma ao argumento que tinha na minha cabeca ha ja
alguns anos, quando iniciei este projecto de investigacao. Em particular,
gostaria de mostrar 0 meu reconhecimento a Direccao do International
Communication Association (ICA), com um especial agradecimento a
15
-,
o PODER DA COMUNICAc;:Ao
Ingrid Volkner e Ronald Rice, e JOS participante na minha palestra no
encontro de 2006 do ICA , em Dresden; a American Political Science
Association, e aos participanies da minha palestra em -2004 Ithiel de Sola
Pool, em Chicago; a London School of Economics and Political Science;
ao Programa em Ciencia, Tecnologia e Sociedade do MIT; ao Milano
Graduate School of Management na New School University em New
York; ao Balie Cultural Center in Amsterdam; a Academia Espanhola de
. ,Cinema e Televisao em Madrid; Ao Parlamento Catalao em Barcelona;
:- •.. ;.
Ao Instituto Fernando Henrique Cardoso em S. Paulo; ao Word Political
Forum em veneza; a Fundacao Calouste Gulbenkian em Lisboa; a School
of Information Science da University of California, Berkeley; aos meus
colegas do Center for Science, Tecnology and Society de Santa Clara
University e aos meus pares do Los Angeles Institute of the Humanities.
A elaboracao e producao deste livro s6 foi possivel gracas ao pro-
fissionalismo e colaboracao de Melody Lutz, a minha assistente pessoal
na Annemberg School for Communication e de Anna Sanchez-Juarez. a
rninha assisrenie pessoal na Universitat Oberta da Catalunha. Sem amhas
e a sua coordenacao cuidadosa, plancamento e execucao, esre proiecto
cornplexo podia nunca ter sido concluido. A minha senuda gratidao
para arnbas.
A escrita deste livro beneficiou de urn trabalho editorial fantastico.
A minha assistenre Melody Lutz, uma escritora profissional ela propria,
guiou a rninha escrita respeitanc!o 0 meu estilo, urn estilo que resulta,
para 0 bem e para 0 mal, da mistura cultural que caracteriza a minha
vida. Estou certo de que 0 seu esforco sera recompensado pela gratidao
de muitos leitores, especialmente aqueles estudantes que habitualmente
tern de "lutar" com as paginas dos me us livros para fazer os seus testes
e trabalhos.
Como em todos os rneus livros nas ultimas decadas, a ligacao final
entre 0 rneu leitor e eu, tern sido a rninha editora final, Sue Ashton,
Estou grato por toda a sua ajuda ao longo dos anos.
Tambern quero agradecer sinceramente ao meu editor da Oxford
University Press, David Musson, com quem eu encetei, nurna conversa
intelectual que nunca fecharnos a mais de uma decada, uma troca de
ideias da qual numerosos projectos tern nascido e resultado, inclusiva-
16
~
-I
,\,;HAIJ),CIMENTOS
mente este livro, Quero ainda reconhecer 0 excelente trabalho editorial
de Matthew Derbyshire e Kale Walker durante a producao deste Iivro na
Oxford University Press.
Tenho uma grande divid.i para com os medicos que me tern mantido
a tona durante todos eSles ~IJlOS, rruzendo-rne de volta de uma doenca
muito grave para urna vida normal e produtiva. Desejo que a minha
experiencia pOSSJ dar esperanca ~IS pessoas que dela necessitam. Por
isto, estou profundamente agradecido JO Dr. Peter Carrol e ao Dr. James
Davis da University of California, San Franscisco Medical Center; ao
Dr. Benet Nomdedeu do Hospital Clinic da Universitat de Barcelona:
e ao Dr. John Brodhead da Keck School of Medicine, University of
Southern California.
Por ultimo, mas certamenre nao ultima, a minha farnflia continua a
garantir-me 0 arnbienrc afectivo que me faz ser urna pessoa, e, de facto,
uma pessoa feliz. Por isso, quero expressar a minha gratidao, e 0 meu
amor, a minha mulher Emma Kiselyova, a minha filha Nuria, a minha
enteada Lena, JOS meus netos Clara, Gabriel e Sasha. a minha irrna
Irene e ao meu cunhado Jose Bailo. Urn especial agradecimento a Sasha
Konovalova, com quem partilhei uma sala durante um ano inteiro
durante a fase final cia escrita deste livro, enquanto ela escrevia os seus
trabalhos da Universidade. NJO s6 nunca perturbou a minha concen-
tracao, como se revelou Lima cornentadora muito util e uma referencia
para a minha exploracao sobre cultura juvenil e novo arnbiente cornu-
nicacional.
E assim, este e outro livro, mas um livro especial para mirn, porque
junta a minha pesquisa e 0 rneu desejo de um mundo tornado melhor
por pessoas a cornunicar livremente. Infelizrnente, como vera se passar
para alern desta pagina, estes assuntos nao sao assim tao simples.
Eu convido-o agora a partilhar cornigo est a minha viagem intelectual,
MANUEL CASTELLS
Santa M6nica, California, Agostode 2008
17
~ ..
LISTA DAS FIGURAS
2.l. Ligacoes chave entre media rnultinacionais e ernpresas diversificadas
de internet. Notal' que este diagrams represenra parcerias chave e
investimenros cruzados. Nao e exaustivo. As relacoes sao as que se
verificavarn em Fevereiro de 2008 123
2.2. Activos dos maiores conglomerados de multinacionais de media
diversificados em Fevereiro de 2008 126
23. Despesas globais em publicidade por media. 2002-2007 . 129
2.1. Inierligacoes entre grupos mullinacionais de media de segundo nivel
seleccionados e 0 nucleo central 135
2.5. Mapa de propriedade dos conglomerados de media de "segunda
linha", Dados recolhidos a partir dos mais recentes relatorios de
proxies e/ou sitios Web empresariais ale Fevereiro de 2008. 0 quadro
inclui exploracoes chave e nao e uma lista exaustiva 136
2.6. Tipologia dos padroes culturais 175
2.7. Representacao esquernatica do processo de comunicacao segundo
Umberto Eco. 0 esquema em cima representa 0 modelo classico de
comunicacao, 0 esquema de baixo represenra 0 modelo redefinido.. 185
2.8. 0 processo de comunicacao por uma audiencia criativa 187
3.l. 0 processo de tomada de decisao segundo Antonio Damasio . 205
19
o PODER DA COMUNICA(.AO
3.2. Redes de activacao em cascara
3.3. Apoio a, e avaliacao do sucesso da Guerra do lraque, Marco 2003-
-Abri1200S
3.4. Baixas e feridos das tropas dos Est.idos Unidos no lraque, Janeiro de
2006-Abril cle 200S
3.5. Cobertura mediatica da Gucrra rersus os provavcis interesses dos
eleitores em noticias sobrc guerra, junho 2007-Abril 200S
3.6. Producao social de percepcoes mediadas cia Guerra do Iraque,
2001-200S
4.1. Contribuicoes totais para 0 cicio de eleicoes dos cancliclatos presi-
denciais nos Esrados Unidos 1976-200S
4.2. Principais fontes cle noticias de campanha nos Estados Unidos,
1992-2007
4.3. A vulnerabilidacle crescente dos politicos franceses ao escandalo .
5.1. Perspectivas sobre a actividade humana como causa significativa das
alteracoes climatericas 418
5.2. Nurnero de particirantes no Dia cia Terra, 1970-2007 427
5.3. Indice clc consciencia sobre 0 aqllccimcnlo global nos EUA, 19S2-
-2006, a partir do tabela 5. I. 448
5.4. votos finais para 0 PP, PSOE e outros, entre os eleitores inclecisos
nas eleicoes parlamentares espanholas cle 14 de Marco cle 2004,
segundo a influencia clos acontecimentos cle 11 de Marco na tomada
de decisao dos eleitores
22S
246
253
251
258
296
314
329
474
5.5.Disponibilidade para votar num candiclato Afro-americano, 1955-2007
(questdo: Se 0 seu partido nomeasse um canclidato bem qualificado
em termos gerais para presiclente que Fosse afro-americano, votaria
nessa pessoar) . 506
A4.1. Percentagem de cidadaos que expressam pouca ou nenhuma con-
franca no seu Governo nacional, 1996-2007 602
A4,2. Percentagem de cidadaos que expressam pouca ou nenhuma con-
franca na legislatura ou parlamento nacional, 1997-2007 603
20
I kt
LiSTA DAS FIGURAS
A4.3. Percentagem de cidadaos que acreditarn que os partidos politicos
nacionais sac corrupios ou extrernamenre corrupios
A4.4. Percentagem de inquiriclos que expressam diferentes visoes dos
seus lidercs politicos em 60 paises, 2007
A4.5. Percentagem de inquiriclos por regiao que acreclitam que os seus
Iideres poluicos s;10 desonestos e nao eticos, 2007
AIJ.6. Percentagem de inquiridos que acredirarn que 0 seu pais e gover-
nado por poucos grancies interesses, 200S
A4.7. Percenragern de inquiriclos em 60 raises a exprcssar confianca em
varies tipos de pessoas, 2007
A4.S. Efeitos cia incivilidade na confianca nos governos e nos politicos,
2005
A4.9. Eleitores dos EUA que relatam coruactos com um partido politico,
19S0-2004
604
604
605
605
606
606
607
21
LISTA DAS TABELAS
3.1 Mas inrerpretacoes americanas sobre a guerra do lraque. 2003-2006 233
3.2. Frequencia de mas interpretacoes por inquirido e fonre das 1l00f-
cias (%) . 243
3.3. Fontes de noticias televisivas e crencas sobre 0 lraque e Bush (%) 244
4.1. Resultados das investigacoes sobre corrupcao em Franca durante
os anos 90
3.30
5.1. Conhecimento sobre aquecimento global nos EUA, 1982-2006:
percentagens de respostas "sim" it questao ·'ja ouviu falar sobre 0
efeito de cstufa/aquccirnemo global?" 41
5.2. Niveis de activismo na internet entre Democratas online 490
5.3. Percepcoes que moldam as opinioes de eleitores Norte-americanos
brancos Democratas sobre os candidatos 504
5.4. Percentagem de utilizadores de internet por escalao etario que sao
espectadores de videos politicos online e criadores de conte Lidos . 514
5.5. Percentagem de apoiantes de Obama e de Clinton que consomem
habitual mente conteudos politicos online 516
A2.1. Ligacoes entre lideranca de conglomerados de media multinacio-
nais e outras redes, c. 2008 569
A2.2. Lista de investidores institucionajs com beneficios efectivos em
conglomerados de media, Fevereiro de 2008 577
23
o PODER DA COMUNICACAo
A3.1. Evolucao do apoio a Guerra do lraque e avaliacao da conduta
num contexte de eventos relacionados com guerra, 2003-200S 57i-l
A4.1. Escandalos politicos seleccionados envolvendo a admirustracao
Bush e 0 Partido Republicano. 2002-2008 ')82
A4.2. Escandalos politicos em todo 0 mundo, 1988-2008 584
A4.3. Escandalos politicos selecciomdos em paises do G-8, 19S8-2008.. 'i9i
A4.4. Participacao politica arnericana. para alent de votar. 1980-2004
601
A4.S. Esforcos de mobilizacao por partidos politicos americanos ou outras
organizacoes, 1980-2004 (percentagern a dizer sirn) 601
AS.I. Percentagem de inquiridos que j:'i ouviu falar de Aquecimento
Global por pais, 2006 007
AS.2. Aumento da participacao da juventude e das minorias nas prima-
rias para a eleicao democratica presidencial nos EllA. 2004-2008
(percentagens) 608
AS.3. Padroes de votacao demografica em Obama e Clinton para as e1ei-
coes primarias presidenciais nos EllA (percentagens) 609
A5.4. Atributo mais importante de urn candidato nas eleicoes primarias
democraticas em 200S (percenragens) 610
AS.s. Terna mais importante durante as primarias dernocraticas em 200S
(percentagens) 610
AS.6. Influencia da politica online na corrida as primarias dernocraticas
em 200S: percentagem em cada grupo de todos os entrevistados
(utilizadores e nao utilizadores de internet) que usararn a internet,
email ou SMS para obterern noticias acerca dos politicos ou troca-
rem informacoes acerca da corrida 610
AS.7. Politica na Internet: rumores e campanhas contra os candidates as
eleicoes democraticas de200S nos EUA, Junho de 2007-Fevereiro
de 200S 611
AS.S. Principais casos de frenesim mediatico e de escandalos politicos
durante as primarias democratas nos EUA, Janeiro-Maio de 200S ... 615
24
Abertura
Eu tinha 18 anos. 0 meu desejo de liberdade chocava contra 0 muro
que 0 ditador tinha consrruido a volta da vida, Da minha vida e cia vida
de roclos os Olmos. Escrevi um artigo para a revista cia Faculdade cle
Direito e a revista foi fechada. Actuei na peca "0 Caligula " cle Camus,
e-acusararn 0 nosso grupo de teatro de fornentar a homossexualidacle.
Sinronizavarnos a BBC para ouvir outra versao clas coisas, e nada se
olivia clevido as inrerferencias radiofonicas. Quando queria ler Freud
tinha de ir a unica biblioteca cle Barcelona que tinha os seus livros c
tinha cle preencher um forrnulario a explicar os meus motivos. Quanto
a Marx, Sartre ou Bakunin 0 melhor era esquecer - a nao ser que fizesse
urna viagern cle aurocarro are Toulouse e passasse os livros pela fronteira
arriscando-me nern sei a que se me apanhassem a passar propaganda
subversiva. E por isso clecidi-me a afrontar aquele estupido e asfixiante
regime franquista e juntei-rne a resistencia clandestina. Naquela epoca
a resistencia cia Universidacle cle Barcelona era composta por umas
quantas clezenas cle estuclantes, pois a repressao policial tinha clizi-
mado a antiga oposicao dernocratica e a nova geracao nascida clepois
da Guerra Civil estava apenas agora a entrar na iclacle adulta. Contuclo.
a inrensiclade cia nossa revolta e a promessa cia nossa esperanca clavam-
-nos forca para entrar nessa luta clesigual.
E assim estava eu, na obscuridacle cle um cinema cle urn bairro ope-
rario pronto para despertar as consciencias clas massas, rompenclo os
muros cle isolamento comunicacional a que estavamos confinados,
ou assim eu acreclitava. Tinha urn monte cle panfletos na mao. Mal se
podiam ler, pois estavarn impressos num tipo de copiaclora manual
primitiva, empapaclos cle tinta roxa, que era 0 unico meio de comuni-
cacao que tinharnos, num pais sufocado pela censura Cum tio meu tinha
27
o PODER DA COMUNICAC;;AO
o c6modo trabalho de censor que consistia em ler todo 0 tipo de livros
_ ele era tambern escritor - e alern disso ver todos os filmes eroticos
para decidir 0 que cortar para 0 publico e 0 que guardar para si e para
os seus colegas da lgreja e do Exercito). Decidi entao compensar a coLI-
boracao da minha familia com as forcas da escuridao distribuindo follns
de papel a operarios, para que descobrissem que as suas vidas erarn
realmenre mas (como se eles nao 0 soubessem) e chama-los a aCC;JO
contra a ditadura, sem perder de vista a furura derrota do capitalism,),
a raiz de todo 0 mal. A ideia era deixar os panfletos nos assentos livres
quando saisse da sala de cinema, para que no final da sessao, quando
as luzes se acendessem, os espectadores reconhecessem a mensagem,
a mensagem audaz de resistencia, que lhes daria a esperanca para se
unirern na luta pela clemocracia.
Nessa noite entrei em sete cinemas, deslocando-rne para cinemas
distantes nourros bairros de operarios, para evitar que me apanbassern.
Par rnuito ingenu3 que esta esrrategia de comunicacao fosse, nao era
urna hrincadeira de criancas, pois ser apanhado significava ser espan-
cado pela policia e provav€llmente ser preso, como tinha acontecido ja
a arnigos meus. Mas, ainda assim, desfrutavarnos da nossa proeza ao
mesrno tempo que tentavamos evitar outros perigos. Quando terminei a
accao revolucionaria do dia (urna de muitas ate que, dois anos dcpois,
tive de partir para 0 exilio em Paris), telefonei a rninha namorada, muito
orgulhoso de mirn pr6prio, com a sensacao de que as palavras que
tinha transmitido poderiam mudar algumas mentalidades que rnuda-
riarn 0 mundo. Nao sabia muitas coisas naquele tempo. Nern acho que
agora saiba muito mais. Mas nao sabia na altura que a mensagem 56 e
efectiva se 0 receptor estiver pronto para ela (a maior parte das pessoas
naoestava) e se identificar 0 mensageiro e ele for credivel. E a Frente
de Trabalhadores da Catalunha (onde 95% erarn estudantes), nao era
uma marca tao seria como os comunistas, os socialistas, os nacionalistas
Catalaes ou qualquer urn dos outros partidos classicos, precisamente
porque queriamos ser diferentes - estavamos a procura de uma identi-
clade como geracao p6s-guerra Civil.
Por tudo isso, duvido que a minha efectiva contribuicao para a
Democracia espanhola tenha sido igual as minhas expectativas. De facto,
28
ABERllJRA
a mudanca social e politica sempre se fez, em qualquer lugar e em
qualquer altura, a custa de milhares de accoes gratuitas, por vezes inutil-
mente heroicas (as minhas nao 0 forarn segura mente), desproporcio-
nadas na sua eficacia gotas de urna chuva continua de luta e sacrificio
que por fim transborda e inunda os bastioes da opressao quando, e
se, as paredes da (irncomunicacao entre solidoes paralelas cornecarem
a quebrar-se e as audiencias se transformarem em "n6s, as pessoas".
Afinal, por muito ingenuas que fossem as minhas esperancas revolu-
cionarias, eu tinha algurna razao. Porque e que 0 regime teria de fechar
todos os canais de cornunicacao que estavam fora do seu controlo, se a
censura nao tinha sido essencial para 0 perpetuar do seu poder? Porque
e que os Ministerios da Educacao - os de entao e os de agora - querem
assegurar 0 controlo dos livros de historia, garantindo que s6 os bons
(os realmente verdadeiros) chegam as aulas? Porque tern os estudantes
de lutar pelo direiio a liberdade de expressao: os sindicatos pelo direito
a colocar a sua inforrnacao nas ernpresas (dantes nos placards de anun-
cios, hoje na pagina da internet); as mulheres para abrirern livrarias
de rnulheres, as nacoes subjugadas para comunicarern no seu pr6prio
idioma; os dissidentes sovieticos para partilhar literatura Samizdat, os
afro-americanos nos EUA e os povos colonizados em todo 0 mundo
para poder ler? 0 que eu antes intuia, e agora acredito, e que 0 poder
se baseia no controlo da cornunicacao e da inforrnacao, seja 0 macro
poder do estado e dos grupos de cornunicacao, ou 0 micro poder de
todo 0 tipo de organizacocs. Por isso a minha luta pela liberdade de
cornunicacao, 0 meu blogue primitivo de tinta roxa daquela epoca, era
realmente um acto de desafio, e os fascistas, na sua perspectiva, tinham
motivos para nos tentar impedir e prender-nos, tentando bloquear qual-
quer canal que ligasse a mente individual a colectiva. Poder e algo mais
que cornunicacao, e comunicacao e algo mais que poder. Porern, 0
poder depende do controlo da cornunicacao, da mesrna maneira que
o contrapoder depende de romper com esse controlo. E a cornuni-
cacao de massa, a comunicacao que pode chegar a toda a sociedade,
conforma-se e gere-se em funcao de relacoes de poder enraizadas no
neg6cio dos meios de cornunicacao e na politica do Estado. 0 poder
da comunicacao esta no centro da estrutura e da Dinarnica da sociedade.
29
o PODER DA COMUNICAcAO
E este 0 tema deste livro: porque, como e quem constr6i e exerce as
relacoes de poder mediante a gesrao dos processos de cornunicacao e
de que forma os actores sociais que procuram a mudanca social podem
modificar estas relacoes influenciando a mente colectiva. A minha hipo-
tese de trabalho e que a forma primordial de poder esta na capacidade
para modelar a mente. A forma como sentimos e pensamos determina
a nossa maneira cle agir, tanto inclividual como colectivamente. E certo
que a coaccao e a capaciclade para a exercer, legitimamente ou nao,
constituem uma fonte basica de poder, mas a coaccao por si s6 nao
pode garantir a dorninacao. A capacidade de construir 0 consenso ou
pelo menos para instigar 0 medo e a resignacao relativamente a uma
determinada ordern existente e fundamental para impor as regras que
governam as institui<;:oes e as organizacoes da sociedade. I em toclas as
sociedades essas regras represeruarn as rclacoes de poder incorporadas
nas Instttuicoes como resultado dos processes de Iura e compromisso
entre actores socia is em conflito que se mobilizam pelos seus interesses
sob urna mesrna bandeira de valores. Alern disso, 0 processo de insti-
rucionalizacao das normas e regras, e 0 desafio a essas mesmas normas
e regras por parte dos actores que nao se sentern bern representados
no funcionamento do sistema, produzern-se em simultaneo, nurn movi-
rnento incessante cle reproducao cia sociedade e producao de mudanca
social. Se a batalha primordial para a definicao das norm as cia sociedade
e a aplicacao clessas normas na vida diaria gira em torno da rnodelacao
cia mente, a cornunicacao e fundamental nesta luta, ja que e mediante a
cornunicacao que a mente humana interage com a envolvente social e
natural. Este processo de cornunicacao opera de acorclo com a estrutura,
a cultura, a organizacao e a tecnologia de cornunicacao de urna determi-
nada socieclacle. 0 processo de cornunicacao influencia decisivamente a
forma de construir e desafiar as relacoes cle pocler em toclos os campos
das praticas socia is, incluinclo a pratica politica.
A analise que se apresenta neste livro refere-se a urna estrutura social
concreta: a sociedade em rede, a estrutura social que caracteriza a socie-
dacle clo inicio do seculo XXI, uma estrutura social em torno (mas nao
determinada por) das redes digitais cle cornunicacao. Defenclo que 0
processo cle formacao e exercicio das relacoes cle pocler se transforma
\
tf.
30
A13ERTURA
radicalmente no novo contexto organizacional e tecnol6gico que deriva
da erneruencia das recles digitais de cornunicacao global que se ergue
como 0 sistema de sirnbolos fundamental na nossa epoca, Portanto, para
analisar as relacoes de poder e necessario compreender a especificidade
das Iormus e processus cia cornunicacao socializacla, que na sociedacle
em rede se refere tanto aos meios cle comunicacao de massa multimo-
dais como as redes de cornunicacao interactivas criadas em torno da
internet e da cornunicacao sem nos. Efectivarnente, estas redes hori-
zontais possibilirarn 0 aparecirnento daquilo a que chama "autocomu-
nic.icao de massas", que incrementa de forma decisiva a autonomia dos
sujeitos relativamente as empresas cle comunicacao na medida em que
os utilizadores se convertern em ernissores e receptores de mensagens.
Coruudo, para explicar de que forma se constr6i 0 poder na nossa
mente atraves dos processos cle comunicacao, necessitamos de ir mais
alern do como e quem origina as rnensagens e como se transmitern
ou formam nas redes electr6nicas de cornunicacao. Tarnbem temos cle
enrender como se processam nas redes cerebra is. E nas forrnas con-
cretas de conexao entre as redes de cornunicacao e de significados no
nosso mundo e as redes de cornunicacao e de significados no nosso
cerebro que se podern identificar em ultima instancia os rnecanismos de
construcao cle poder.
Este projecto e prograrna de investigacao e de peso. Assirn, apesar
dos muitos anos dedicados ao projecto intelectual que se expoe neste
livro, nao pretendo dar respostas dcfinitivas as questoes que coloco.
o meu objectivo, ja cle si arnbicioso, e propor urn novo enfoque para
cornpreender 0 poder na socieclade em rede e, como um passo neces-
sario para 0 conseguir, especificar a estrutura e a Dinarnica da comuni-
cacao no nosso contexto hist6rico. Para avancar na construcao de urna
teoria empiricarnente fundarnentada sobre 0 poder na sociedade em
rede (0 que para mirn equivale a uma teoria cornunicativa do poder),
centrar-rne-ei no estudo dos processos actuais de afirrnacao clo poder e
de contrapocler politico utilizanclo as pesquisas disponiveis sobre esse
assunto e analisando urna serie cle casos em diferentes contextos sociais
e culturais. Porem, sabernos que 0 poder politico e apenas urna dimen-
sao do poder, e que as relacoes de pocler se constroem numa interaccao
31
o PODER DA COMUNICA~AO
complexa entre diversas esferas da actividade social. Por conseguinte,
a minha analise empirica sera necessariamente incompleta, mas espero
estimular uma perspectivaanalitica semelhante que estude 0 poder nas
ourras dimensoes como a cultura. a tecnologia, as financas, a producao
ou 0 consume. Devo confessar que a escolha do poder politico como
objecto principal da minha investigacao foi determinada pela existencia
de bibliografia cientifica consideravel que nos ultimos anos se tem
debrucado sobre a conexao entre a comunicacao e 0 poder politico
na fronteira entre a ciencia cognitiva, investigacao sobre cornunicacao,
psicologia politica e cornunicacao politica. Neste Iivro combine a minha
experiencia e conhecimentos de analise sociopolitica e 0 estudo das
tecnologias e cornunicacao com os trabalhos de especialistas que inves-
tigam a interaccao entre 0 cerebro e 0 poder politico para estabelecer
uma corrente de observacao que possa dar a real dirnensao da impor-
tancia deste enfoque interdisciplinar. Explorei as Fontes das relacoes
de poder no nosso mundo tentando relacionar a dinarnica estrutural
da sociedade em recle, a transforrnacao do sistema cle cornunicacao, a
interaccao entre emocao, cognicao e comportamento politico e 0 estuclo
cia politica e os movimentos sociais em diversos contextos. E este 0 pro-
jecto que motivou 0 livro, e 0 lei tor avaliara a sua utilidacle. Continuo
a acreclitar que as teorias sao apenas ferrarnentas disponiveis para pro-
duzir conhecimento cujo clestino e serem substituidas, ou porque se
tornam irrelevantes, ou, espero ser este 0 caso, porque se incorporam
num quadro analitico melhorado que alguern na comunidade cientifica
elabora para explicar a nossa experiencia do poder social.
Para facilitar 0 processo de comunicacao com 0 leitor, irei esbocar a
estrutura e a sequencia do Iivro que, em minha opiniao, segue a logica
do que acabo de apresentar, Corneco por definir 0 que entendo por
poder. 0 Capitulo 1 tenta clarificar 0 significado de poder propondo
alguns elementos da teoria do poder, Para talutilizo algumas perspectivas
classicas das ciencias socia is que me parecem oportunas e uteis para 0
tipo de questoes que coloco. Claro que se trata de uma leitura selectiva
das teorias sobre 0 poder, e nao deve ser interpretada como urna inten-
cao de me posicionar no debate teorico. Nao escrevo livros sobre livros,
Uso as teorias, qualquer teoria, da mesma forma em que espero que a
32
AOERTURA
minha teoria se utilize: como um conjunto de ferramentas para com-
preender a realiclade social. Para tal utilizo 0 que me parece uti! e nao
tenho em conta 0 que nao esta directamente relacionado com 0 objecto
cia minha pesquisa, que SaG a rnaior parte das abordagens a teoria do
poder, Assim, nao me parece especialmente interessante contribuir para
a desfloresracao do planeta impriminclo papel para criticar trabalhos
que, apesar cia sua elegancia intelectual ou interesse politico, nao se
inscrevern no horizonte da minha investigacao. Por outro laclo, situo a
minha interpretacao das relacoes de poder no nosso tipo cle socieclacle,
que conceptualizo como sociedacle em rede, que e a Era da Informacao,
como na sociedade industrial foi a Era Inclustrial. Nao entrarei em deta-
lhes cia minha analise cia socieclacle em rede, pois ja the clediquei urna
trilogia ha alguns anos. Contudo, sintetizei no Capitulo 1 os elementos
principais da conceprualizacao da sociedade em rede ja que ajudarn a
cornpreender as relacoes de poder no novo contexto historico.
Depois de estabelecer as bases conceptuais da analise clo poder,
no Capitulo 2 continuo com urna operacao analitica sernelhante sobre
comunicacao Contuclo, quando rrato a cornunicacao, vou mais alcm e
investigo empiricamente a estrutura e a Dinarnica da cornunicacao cle
massas em condicoes de globalizacao e digitalizacao, Analiso tanto os
meios cle comunicacao de massas como as redes horizontais cle cornu-
nicacao interactiva, centranclo-me nas suas diferencas, assim como
nos seus pontos coincidentes. Estuclo a transformacao cia audiencia de
receptora cle mensagens a ernissora-receptora e exploro a relacao entre
este processo de transformacao e 0 processo de mudanca cultural no
nosso mundo, POI' ultimo, identifico as relacoes de poder incorporaclas
no sistema de comunicacao de mass as e na infra-estrutura de redes dos
que dependem das comunicacoes e exploro as ligacoes entre ernpresas,
meios de comunicacao e polltica.
Uma vez estabelecidos os determinantes estruturais da relacao entre
poder e comunicacao na sociedade em rede, mudo a perspectiva de
analise passando da estrutura a agencia, Se 0 poder funciona agindo
sobre a mente hurnana atraves das suas rnensagens, temos de com-
preender de que forma a mente hurnana process a essas mensa gens
e de que forma esse processo se traduz no ambito da politi ca. Esta
33
o PODER DA COMUNICACAO
e a transicao analitica chave deste livro e quica 0 elemento da inves-
tigacao que exige maior esforco da parte do leitor (como me exigiu
a mim), ja que a analise politica esta apenas a cornecar a integrar a
dererrninacao estrutural nos processos cognitivos. Nao embarquci nesta
ernpresa complicada para seguir uma moda. Fi-lo porque me parece
reveladora a grande quantidade de Iiteratura que se tern dedicado nesta
ultima decada a pesquisas experimentais para desvendar os processos
de tomada de decisocs politicas individuals no que diz respeito a rela-
<;;:30 entre processes mentais, pensamenio metaf6rico e formacao de
imagens politicas. Scm aceitar as premissas reducionistas de algumas
destas experiencias, creio que a investigacao da escola da inteligencia
emocional, assirn como outros trabalhos de comunicacao politica, pro-
porcionam uma ponte muito necessaria entre a estrururacao social e 0
processamenio individual das relacoes de poder. As bases cientificas de
muitas destas pesquisas encontrarn-se em novas descobertas da neuro-
ciencia e da ciencia cognitiva, representadas, por exemplo, nos trabalhos
de Ant6nio Darnasio, Hanna Darnasio, George Lakoff ou Jerry Feldman.
POl' isso, ancorei a minha analise da relacao entre cornunicacao e pratica
politica nestas teorias e nas provas ernpiricas que existern no campo da
psicologia politica, como os trabalhos de Drew Westen, que se podem
entender melhor numa perspectiva neurocientifica.
Nao tendo experiencia concreta neste campo, com a ajuda dos meus
colegas tentei apresentar no Capitulo 3 uma analise das relacoes especi-
ficas entre ernocao, cognicao e politica. Depois, re!aciono os resultados
desta analise com 0 que se sabe sobre 0 condicionamento da com un i-
cacao politica por parte dos actores socia is e politicos que intervern deli-
beradamente nos media e noutras redes de comunicacao para promo-
ver os seus interesses atraves de mecanismos como 0 estabelecimento
da agenda, concepcao e preparacao das noticias e outras mensagens.
Para ilustrar 0 potencial valor explicativo desta perspectiva e simpli-
ficar a sua complexidade, continuo no Capitulo 3 a analise empirica
do processo de desinforrnacao do publico norte-arnericano por parte do
governo Bush no que diz respeito a guerra do Iraque. Dessa forma
espero tracar as implicacoes politicas praticas de uma abordagem anali-
tica complicada. Os process os sao complexos, mas os resultados dos
u
34
ABEHTURA
ditos processos sao simples e consequentes, ja que os processos de
cornunicacao tinharn inculcado 0 quadro de "guerra contra 0 terror" nas
mentes de milhoes de pessoas, induzindo a cultura do medo nas nossas
vidas.
Assim, os rres primeiros capitulos deste livro estao indissociavel-
mente ligaclos, pois para compreencler a construcao das relacoes cle
poder atraves cia comunicacao na sociedacle em rede e necessario inte-
grar tres cornponentes chave clos processos estudados separadamenre
em cad a urn clos capitulos.
• Os deterrninantes estruturais clo pocler social e politico na socie-
dacle em rede global;
• Os determinantes estruturais do processo de cornunicacao de mas-
sas nas condicoes organizativas, culrurais e tecnol6gicas cia nossa
epoca;
• 0 processarnento cognitivo dos sinais que apresenta 0 sistema de
cornunicacao cia mente humana na sua relacao comas praticas
sociais politicarnentc relevantes.
Estarei entao em condicoes cle realizar analises empincas concretas
que se servirao, pelo menos ate cerro ponto, clos conceitos e conclu-
soes clos tres primeiros capitulos, que em conjunto constituern 0 quadro
te6rico proposto neste livro. 0 Capitulo 4 explica e documenta porque
e que na socieclade em rede a politica e fundamentalmente uma poli-
tica mediatica, com especial enfoque no seu epitome, a politica do
esdndalo, e relacionando os resultados da analise com a crise munclial
de legitimiclade politica que questiona 0 significado da democracia em
muito lugares no mundo. 0 Capitulo 5 explora de que forma os movi-
mentos socia is e os agentes da mudanca politica avancarn na nossa
sociedade mediante a reprograrnacao das redes de cornunicacao, atraves
da qual podem transmitir mensagens que apresentarn novos valores as
mentes e inspiram esperanca cle mudanca politica. Ambos os capitulos
tratarao do papel especifico dos meios de cornunicacao de massas e das
redes cle cornunicacao horizontais, lima vez que a politica mediatica e
os movimentos sociais usarn ambas as redes e as redes dos media e de
35
o PODEH DA COMUNlCAc;:Ao
internet estao inter-relacionadas. Contudo, aquilo que eu suponho, e
que tentarei dernonstrar, e que quanta maior autonomia proporcionam
as tecnologias de cornunicacao aos utilizadores, mais oportunidades
havera de que os novos valores e interesses entrern no campo da comu-
nicacao socializacla e aunjarn a mente colectiva. Assim, 0 ernergir da
autocomunica<;,:ao de massas, como charno as novas formas de comuni-
cacao em recle, aurnenra as oportunidades de rnudanca social sem defi-
nir por si s6 0 conteudo e 0 obiecto dessa mudanca social. As pessoas,
ou melhor, n6s pr6prios, sornos anjos e dem6nios em simultaneo, e a
nossa maior capacidade para actuar em sociedade projectara simples-
mente 0 que realmente somes em cada contexte espacio-ternporal
Para a analise ernpirica baseei-me na investigacao disponivel, assim
como em alguns estudos de caso pr6prios, de distintos contextos socia is,
culturais e politicos. Ha , contudo, urna grande parte de material relative
aos EUA, pela simples razao de que ali existern mais estudos especia-
lizados nos ternas que trato neste livro. Sern duvida, estou convenciclo
de que a perspectiva analitica que defendo neste livro nao depende
do contexto e pode servir p.ara compreender os processos politicos em
paises distintos, incluindo os do mundo em desenvolvimento. Isto
deve-se ao facto de a sociedade em rede ser global e as redes de comu-
nicacao serem globais, assirn como os process os cognitivos da mente
humans compartilham caracteristicas basicas universals, ainda que com
diferentes variacoes nas suas manifestacoes culturais. Afinal, as relacoes
de poder forarn as relacoes fundarnentais da sociedade ao longo da
hist6ria e em todos os paises e culturas. E se as relacoes de poder se
constroern na mente atraves dos processos de cornunicacao, como
se tenta demonstrar neste livro, essas ligacoes ocultas podem rnuito bem
ser 0 c6digo fonte da condicao hurnana.
As luzes do cinema acenderam-se. A sala esvazia-se lentamente
enquanto os espectadores se movem entre as imagens da tela e as da sua
vida. Ha fila para sair, uma saida para qualquer sitio. Talvez resumam
algumas das frases do filme. Palavras como as do final do The Front
de Martin Ritt (976), em particular as palavras de Woody Allen para
os mernbros do Cornite McCarthy: "Amigos ... Eu nao reconheco a este
Comite 0 direito de me colocar este tipo de questoes. E mais: podern ir
36
AIlERTURA
todos f_ . A seguir. imagens de Allen, algernado a carninho da prisao.
Poder e desafio ao poder. E 0 beijo da rapariga. Algemado, mas livre e
amado. Urn turbilhao de imagens, ideias e sentimentos.
De repente ve este Iivro. Eu escrevi-o para 0 leitor e 0 rneu desejo
e que 0 encontre. A capa chama-lhe a atencao. Comunicacao. Poder.
Oiz-lhe algo. Alguma ligacao se estabeleceu na sua mente, porque agora
esta a le-lo. Porern, nao Ihe digo 0 que tem de fazer. Isso ja eu aprendi
na minha longa viagem. Eu combato nas minhas guerras, nao peco a
outros que 0 facarn por mim, nern sequer que me apoiem. Oigo 0 que
penso com as minhas palavras, digo 0 que aprendi com 0 rneu trabalho
de investigador em ciencias socia is. Palavras que neste caso contarn
uma hist6ria sobre 0 poder. Na realidade, a hist6ria do poder no mundo
em que vivemos. E faco-o a minha maneira, a unica que conheco para
desafiar os poderes existentes: revelando a sua presenca no funciona-
mento das nossas mentes.
37
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o que e 0 Poder?
o poder e 0 processo mais fundamental na sociedade, uma vez que
a sociedade e definida em torno de valores e instituicoes, e 0 que e
valorizado e institucionalizado e definiclo por relacoes de poder.
Pocler e a capacidade relacional que permite ao actor social influen-
ciar de forma assimetrica as decisoes de outro(s) actor(es) social(ais)
no sentido do favorecimenro da vontade. interesses e val ores clo actor
com poder. 0 poder e exerciclo por meios de coercao (ou pela possibili-
dadc de os rer) e/ou pela construcao de significados base clos cliscursos
atraves dos quais os actores socia is guiam a sua accao. As relacoes cle
pocler SaG estruturadas pela dorninacao. que e 0 pocler que e proprio clas
instiruicoes cia sociedacle. A capacidacle relacional clo poder e condicio-
nacla, mas nao cleterminacla, pel a capacidade estrutural de dominacao.
As instituicoes podem envolver-se em relacoes de poder que conrarn
com a dorninacao que essas rnesmas relacoes exercern sobre os seus
destinatarios.
Esta definicao e suficienternente ampla para abarcar quase toclas as
formas cle poder social, porern requer alguma clarificacao. 0 conceito de
actor refere-se a sujeitos clistintos cia accao actores indivicluais, actores
colectivos, organizacoes, instituicoes e redes. Contudo, em ultima ins-
tancia, todas as organizacoes, instituicoes e recles expressarn a accao
dos actores humanos, aincla que essa accao tenha sido institucionalizacla
e organizada em funcao de processos clo passado. A capacidade rela-
cional significa que 0 pocler nao e um atributo mas sim uma relacao.
Nao pode ser abstraido da relacao especifica entre sujeitos de pocler, os
que tern 0 poder e os que estao submetidos ao dito poder num dado
contexto. Assirnetria significa que, se bem que a influencia numa relacao
41
o PODER DA CO,\lI'i'ICACAO
e sernpre reciproca , nas relacoes de poder ha scmpre urn maior grau de
influencia de um actor sobre outro. Coniudo. nao h5 nunca um poder
absoluto, um grau zero de influencia dos que estao submetidos ao
poder relativamente aos que ocupam posicoes de podcr. Exisre sempn-
a possibilidade de resistencia que coloca ern questao a relucao de poder.
Alern disso, em quaJquer relacao de podcr h.i urn certo grau de cumpri-
mento e aceitacao dos que estao sujeiros :10 poder. Quando a resistencia
e a recusa se tornarn considcravclmcntc mais fortes que 0 cumprimento
e a aceitacao, as relacocs de poder tr.msforrnam-se as condicoes da
relacao mudam, 0 poderoso perdc poder e no final da-se um pro-
cesso de mudanca instituciouul ou de mudancu esrrutural, dependendo
da amplitude das transforrnacoes das relacocs de poder. Ou entao, as
relacoes de poder converrem-se em relacoes nao socia is. Tal deve-sc
ao facto de que se uma relacao de pocler somenrc se pode exercer
gracas a dorninacao estrutural baseada na violencia, para manter a sua
dominacao quem ostenta 0 pocler deve destruir a capaciclade relacional
clos actores que the resistem, anulanclo clesse modo a propria relacao,
Proponho a ideia de que a pura imposicao cia Iorca nao e urna relacao
social, ja que leva a obliteracao do actor dominado, de forma a que a
relacao desaparece com a extincao de urna das suas condicoes. E, con-
tudo, uma accao social com significado social, porque 0 usa da forca
implica uma influencia intimidatoria sobre os sujeitos sohreviventessob
urna dominacao sernelhanre, 0 que serve para reafirmar as relacoes de
poder entre os sujeitos. Enquanto se restabelece a relacao de poder com
os seus cliversos componentes, a cornplexidade do mecanisme de dorni-
nacao a multiples niveis funciona nova mente, tornando a violencia mais
um factor de um amplo conjunto de deterrninacoes. Quanto maior e 0
papel da construcao de significados em nome de interesses e valores
especificos no momenta da afirmacao de poder de uma relacao, menor
necessidade existe de recorrer a violencia (legitima ou nao), Contudo, a
institucionalizacao do recurso a violencia pelo Estado e seus derivados
estabelece 0 contexto de dorninacao on de a producao cultural de signi-
ficado pode ostentar a sua eficacia.
Existe um apoio complemental' e reciproco entre os dois princi-
pais mecanismos de formacao cle poder identificados pelas teorias do
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42
CAPITULO 1: 0 PODER NA SOCIEDADE EM REDE
poder: a violencia e 0 cliscurso. Afinal, Michel Foucault corneca a sua
obra Surueiller et Pttnir (1975) com a descricao clo suplicio de Damiens,
antes de expor a sua analise da construcao dos discursos disciplina-
clores que constiruern uma sociedacle onde as "fabricas. escolas, quar-
reis e hospitals parecern prisoes" (1975: 264)1 Esta cornplcrnentaridade
das forcas de poder tambern se percebe em Max Weber quando define
poder como "a probabilidade cle urn actor dentro de uma relacao social
estar em condicoes de fazer prevalecer a sua vontade ~ margem cia
base sobre a qual repousa essa probabilidade ([1922], 1978: 53), e que
em ultima instancia rclaciona 0 poder com a polirica e a politica com 0
Estado: "Uma relacao entre hornens que dominant homens, uma relacao
apoiada por meios cle violencia legitima (isto e. considerada legnima).
Para que exista Estado, 0 dominado deve obeclecer 3 autoriclade clos
pocleres existerues . 0 instrumento decisive da politica e a violencia"
([1919] 1946: 78). Porcrn, tambem adverte que urn Estado "cuja epoca
heroica nao seja entendida como tal pelas rnassas pocle ser sem duvida
algo decisivo para urn pocleroso sentimento cle solidaricdade apesar dos
maiores antagonisrnos internos" ([19191 1946: 177).
E por isso que 0 processo de legitimacao, 0 nucleo da reoria politica
de Haberrnas, e a chave para perrnitir ao Estado estabilizar 0 exercicio
da sua dorninacao (Haberrnas, 1976). A legitimacao pock realizur-se
atraves de cliversos procedimentos, entre os quais a dernocracia cons-
titucional, 0 preferido cle Haberrnas, e urn dcles. Porque :1 democracia
se refere a um con junto de processos e procedimentos, nao se refere a
politica. Efectivamente, se 0 Estado intervern na esfera publica em nome
dos interesses concretos que prevalecern no Estado, tal leva a lima crise
de legitimacao porque se revela como urn instrumento de dominacao
em vez de ser uma instituicao de representacao. A legitimacao depende
em grande medida do consentimento obtido atraves da construcao de
significados partilhados: por exemplo, a crenca na democracia repre-
sentativa. 0 significado constroi-se na sociedade atraves clo processo
da accao cornunicativa. A racionalizacao cognitiva proporciona a base
1 (NT.) Traducao do Ingles a partir da traducao de M. Castells referenciacla no
original.
43
o POOER [)A CO~IIJNICA<;:AO
para as accoes dos actores. Assim, a capacidacle cia sociedade civil para
proporcionar conteudo a accao estatal atraves da esfera publica - "uma
rede para comunicar inforrnacao e pontos de vista" (Haberrnas, 1996:
360) - e 0 que garante a dernocracia e, em ultima instancia, cria as COI1-
dicoes para 0 exercicio legitimo do poder: 0 poder como representacao
dos valores e interesses dos cidadaos expressos atraves do seu debate
na esfera publica. Oeste modo, a estabilidade instirucional baseia-se na
capacidade para articular diferentes interesses e valores no processo
democratico atraves de redes de comunicacao (Haberrnas, 1989).
Quando ha uma separacao entre urn Estado intervencionista e urna
sociedade civil critica, 0 espaco publico desmorona-se, suprimindo a
esfera interrnedia entre 0 aparelho adrninistrativo e os cidadaos. 0 exer-
cicio democrauco do poder depende em ultima instancia da capacidade
institucional para transferir 0 significado gerado pela accao comuni-
cariva para a coordenacao funcional da accao organizada pelo Estado
a partir de principios de consenso constitucional. De forma a, que 0
acesso constitucional a capacidade de coacao e 0 acesso aos recursos
comunicatiuos que permitem co-produ zir Significado se complementam
no momenta de estabelecer relacoes de poder.
Assim, em minha opiniao, algumas das teorias do poder mais influen-
tes, apesar das suas diferencas te6ricas e ideol6gicas, partilharn urna
analise similar e rnultifacetada da construcao clo poder na sociedade-:
a uiolencia, ou a ameaca de recorrer a ela, os discursos disciplina-
dores, a ameaca de implementar a disciplina, a instuucionalizacdo das
relacoes de poder como dorninacdo reproduzivel e 0 processo de legiti-
macdo pelo qual os valores e as regras sdo aceites por parte dos sujeitos
de referencia sdo elementos que interagem no processo de producdo e
reproducdo das relacoes de poder nas prdticas sociais e nas formasorga-
nizativas.
Esta perspectiva eclectica sobre 0 poder - e util, esperemos, como
ferrarnenta de investigacao para Ia do seu nivel de abstraccao - articula
os termos da distincao classica entre poder sobre e poder para, proposta
2 A analise de Gramsci das relacoes entre 0 Estado e a sociedade civil em termos
de hegemonia aproxima-se desta forrnulacao, ainda que conceptualizado a partir de
uma perspectiva te6rica distinta, ancorado na analise de classes (ver Gramsci, 1975).
44
II
II
C'l'iTlILO 1: 0 POllER NA SOCIEOADE EM REOE
por Talcott Parsons (963) e desenvolvida por varies teoricos (por exern-
plo a distincao (1<: Gochler [2000] entre poder transitivo [poder sobrel
e intransitivo [poder p.rral). Porque se supuserrnos que todas as estru-
turas socials se baseiam em relacoes de poder que estao integradas nas
instituicoes e organizacocs (Lukes, 1974), para que urn actor social parti-
cipe nurna esrraregia com 0 fim de chegar a urn objectivo, adquirir 0
poder para agir nos processos socia is significa necessaria mente intervir
no conjunto de rclacocs de poder que marcarn qualquer processo social
e condicionam a concrctizacao de um objectivo concreto. 0 ernpodera-
rnenro> dos act ores sociais nao pode separar-se do seu empoderamento
contra outros .ictores socia is, a menos que aceiternos a ingenua imagem
de uma comunidade humana reconciliada, lima utopia normativa que a
observacao hist6rica clesmente (Tilly, 1990, 1993; Fernandez-Arrnesto,
2000). 0 poder para fazer algo, apesar cle Hannah Arendt (958), e
sempre 0 poder de fazer algo contra alguern. ou contra os valores e inte-
resses clesse "alguem" que estao consagrados nos aparelhos que dirigern
e organizam a vida social. Como escreveu Michael Mann na introducao
do seu estudo historico sobre as Fontes de poder social: "Nurn sentido
muito geral, 0 poder e a capacidade para perseguir e concretizar objec-
tivos atraves clo dominie do que nos rodeia" (Mann, 1986: 6). E, depois
cle se referir a distincao de Parsons entre poder distributivo e colectivo,
assinala que:
Na maioria das relacoes socia is, os do is aspectos do poder, distributivo e
colectivo, explorador e funcional, operam simultaneamente e esrao entre-
3 (NT) Significado de ernpoderarnento: adquirir poder por parte Pesquisas
feitas em corpora e em motores de busca da Internet em lingua portuguesa revelam
que 0 uso de ernpoderamento, adaptacao do ingles empowerment, e ja bastante
generalizado, razao que pode ter Estado na origem da inclusao do termo no Dicio-
ndrio da Lingua Portuguesa Contempordnea (Lisboa: Academia das Ciencias/Verbo,
2001), onde e definido como "obtencao, alargamento ou reforco de poder". Este
neologismo, cuja formacao respeita as regras morfol6gicas da lingua portuguesa,
refere-se maioritariamente ao aumentoda forca politica, social ou econornica de
grupos alvo de discriminacao (etnica, religiosa, sexual ou outra). Na esfera indivi-
dual, refere-se ao desenvolvimento das capacidades de urn individuo, a sua auto-
-realizacao. http://www.nip.ptltabid/325IDefault.aspx>DID=1175)
45
o PODER DA COMUNICA<;:AO
lacados. Efectivamenre, a relacao entre ambos e dialectica, Para conseguir
os seus objectivos, as pessoas esrabclecern relacoes de poder colecuv.is
e cooperativas. Mas, no mornento de levar a cabo objectivos coleciivos.
estabelece-se a organizacao social e a divisao do rrabalho .. os POLICOS que
esrao no topo podem manter as massas obedienres na base, sernpre que 0
sell controlo esteja institucionalizado nas leis e norrnas do gruro social em
que ambos operam.
(1986 6-7)
Portanto, as sociedades nao sao comunidades que cornportam valores
e imeresses. Sao estruturas sociais coruraditorias surgidas de conflitos e
negociacoes entre diversos actores socia is, frequenremente opostos.
Os conflitos nunca terminarn, simplesmente se interrompern gracas a
acordos temporaries e contraros instaveis que sao transformados em
instituicoes de dominacao pelos actores sociais que conquistarn urna
posicao vanrajosa na luta pelo poder, se bem que cedendo urn cerro
grau de representacao institucional para a pluralidade de interesses e
valores a que permanecem subordinados. De forma que as instituicoes
do Estado e, para alern do Estado, as instituicoes, organizacoes e dis-
curses que marcarn e regulam a vida social nunca sao expressoes cia
"sociedade", uma caixa negra de significado polissernico cuja interpre-
tacao depende das perspectivas dos actores socia is. Isto sao relacoes
de poder cristalizadas; ou seja, os "rneios generaiizados' (Parsons) que
perrnirern a uns actores exercer 0 poder sobre outros actores sociais com
o objectivo de ter poder para concretizar os seus objectives.
Nao e propriameme urn enfoque te6rico inovador. Baseia-se na teoria
da producao da sociedade de Touraine (1970) e na teoria da estruturacao
de Giddens (1984). Os actores produzern as instituicoes cia sociedade
nas condicoes das posicoes estruturais que rnantem, mas com a capa-
cidade (mental, em ultima instancia) de participar numa accao social
autogerada, decidida e positiva. Desta forma, integram-se estrutura e
agencia na cornpreensao da dinarnica social, sem ter de aceitar nem
rejeitar 0 duplo reducionismo do estruturalisrno ou do subjectivismo,
Este enfoque nao e s6 urn ponto de convergencia verosfmil das teo-
rias sociais correspondentes, mas e 0 que parecern indicar as pesquisas
socia is (Mann, 1986, 1992; Giddens, 1979; Melucci, 1987; Bobbio, 1989;
Dalton & Kuechler, 1990; Tilly, 2005; Calderon, 2005; Sassen, 2006).
46
CAPITULO 1: 0 PODER NA SOCIEDADE EM REDE
Contudo, os processos de estruturacao tern escalas e niveis multiples.
Funcionam de formas distintas e a diferentes niveis da pratica social:
economico (producao, consumo, intercambio). tecnologico, arnbiental,
cultural, politico e militar, E incluern relacoes de genero que constiruem
relacoes de poder transversa is ao longo de toda a sua estrurura. Estes
processos de estruturacao muhi-nivel geram Iormas concretas de tempo
e espaco. Cada um destes niveis de pratica, c cada forma espacio-tern-
poral, (re)produzem e desafiarn as relacoes de poder na pr6pria origem
das Instituicoes e discursos. Estas relacoes implicam acordos complexos
entre cliferentes niveis de praticas e instituicoes. global, nacional. local e
individual (Sassen, 2006). Portanto, se a estrururacao e rnultipla, 0 desa-
fio analitico consiste em compreender as relacoes cle poder especificas
em cada urn destes niveis, forrnas e escalas cia pratica social e nos seus
resultados estruturados (Haugaard, 1997) Assim, 0 poder ndo se localiza
nurna esfera ou instituicdo social concreta, pois esta repartido por todo 0
dmbito da accdo bumana. Sem duuida, ba manifestacoes concentradas
de relacoes de poder em certas [ormas sociais que condicionam e mar-
cam a pratica do poder na sociedade em gera! impondo a dominacdo.
o poder e relacional, a dominacdo e institucional. Uma forma especial-
mente relevante de dominacao tern sido, ao longo da historia, 0 Estado
nas suas distintas manifesracoes (Poulantzas, 1978; Mulgan, 2007). Mas
os Estados sao entidades historicas (Tilly, 1974). Portanto, a quantidade
de poder que ostentarn depende da estrutura social geral onde operarn.
E esta e a questao decisiva para compreender a relacao entre poder e
Estado.
Na forrnulacao Weheriana classica, "em ultima instancia pode-se
definir Estado moderno s6 em term os dos meios especificos caracteris-
ticos do mesrno, como de cad a associacao politica, a saber, 0 uso da
forca politica. 0 fundamento de todo 0 Estado e a forca" (Weber [19191,
1946: 77). Como se pode apelar ao Estado para impor relacoes de poder
em cada campo da pratica social, este e 0 garante ultimo dos micro-
-poderes; ou seja, dos poderes que se exercern fora da esfera politica.
Quando as relacoes dos micro-poderes entrarn em contradicao com as
estruturas de dorninacao incorporadas no Estado, ou 0 Estado muda
ou a dorninacao se reinstala atraves de rnetodos institucionais. Tarnbern
47
o PODEll DA COMI'NICA<;:AO
aqui se coloca 0 enfase na forca, a logica de dorninacao tarnbern se
pode integrar nos discursos como formas alternativas ou complemen-
tares de exercfcio de pocler. Os discursos poclem entender-se, de acordo
com a tradicao foucoulcliana, como cornbinacoe-, entre conhecimento e
linguagem. Porern, nao existe cOIllracli\;';lO entre dorninacao pela possi-
biliclacle cle recorrer a forca e por cliscursos disciplinaclores. Na verclacle,
a analise cle Foucault sobre donun.icao a partir cle discursos clisciplina-
clores subjacentes as instiruicoes cia socieclacle refere-se principalmente
a instituicoes estatais ou para-esratais prisoes, exercito e hospitals
psiquiatricos. A logica baseada no ESt3c1o tambern se esrende aos munclos
clisciplinaclores da producao (a labrica) ou da sexualidacle (familia
patriarcal heterossexual) (Foucault, 1976, 1984a, 1984b). Por outras
palavras, os cliscursos disciplinadores estao suportados pelo uso poten-
cial cia violencia, e 3 violencia do Estado racionaliza-se, interioriza-se
e em ultima instancia legitima-se arraves de discursos que enquadrarn e
formam a 3C\;aO hurnana (Cleeg, 2(00) Efectivamente, as instiruicoes
e para-instilUi\;oes estatais (instiruicoes religiosas, universidades, elites
inrelectuais e ate certo ponto os meios cle cornunicacao) sao as prin-
cipais fontes destes discursos. Para desafiar as relacoes de pocler exis-
tcntes sao necessaries cliscursos alternativos que possam veneer a capa-
cidacle cliscursiva clisciplinadora do Estado como passo necessario para
neutralizar 0 usa da violencia. Portanto, enquanto as relacoes cle pocler
estao distribuiclas pela estrutura SOCi31, 0 Estaclo, nurna perspectiva histo-
rica, continua a ser um elemento estrategico para 0 exercfcio clo poder
por diferentes meios. Porern, 0 proprio Estado clepencle cle cliversas
Fontes cle pocler. Geoff Mulgan teorizou sobre a capacidade do Estado
para assumir e exercer 0 poder atraves cia articulacao cle tres fontes de
pocler: violencia, dinheiro e confianc;:a:
Estas rres Fontes de poder sustentarn 0 poder politico, 0 poder soberano
para impor leis, dar ordens e manter unidos um povo e um territorio.
.. 0 Estado concentra forcas atraves dos seus exercitos, concentra recursos
atraves do tesouro publico e concentra poder para modelar as mentes,
nos ultirnos tempos atraves dos sistemas de educacao e comunicacao que
sao os sistemas que ligam os modernos Estados-nacao ... das tres Fontes
de poder, a mais importante para a soberania e 0 poder sobre as ideias
48
'1
I
CAPiTULO I: 0 POOER NA SOCIEDAOE EM REOE
que conduzem a confianca, A violenci« s6 pode usar-se de forma negariva,
o dinheiro s6 pode usar-se de duas forrnas dando-o ou tirando-o Mas 0
conhecimento e as ideias pod em transformar as coisas, mover montanhas
e fazer com que 0 poder efemeropareca perrnanente (Mulgan, 2007: 27).
Contudo, as formas de existencia clo Estaclo e a sua capaciclade para
agir sobre as relacoes de poder clepenclem das caracteristicas cia estru-
tura social em que 0 Estado opera. Efectivamente, as proprias nocoes cle
Estado e sociedacle dependern clos limites que clefinem a sua existencia
num dado contexto historico E 0 nosso contexte hisrorico esra mar-
caclo pelos processes contemporaneos cia globalizacao e 0 nascimento
cia socieclacle em recle, que dependern cle recles cle cornurucacao que
processam 0 conhecimento e as icleias para criar e destruir a confianca,
a fonte clecisiva cle podcr.
Estado e Poder na Era Global
Para Weber, a esfera de actuacao cle qualquer Estado esr.i limitacla
territorialmente: "Hoje temos de dizer que lpor oposicao as instituicoes
clo passado baseadas na forca] 0 Estado e urna comunidade hurnana que
reivinclica (com exito) 0 monopolio clo uso lcgitimo cia forca fisica num
terrirorio cleterminaclo. Observe-se que 0 territorio e uma clas caracte-
risticas clo Estaclo" (Weber (19191, 1946: 78). Este nao e necessaria mente
um Estado-nacao, porern so 0 e na sua manifestac;:ao moderna: "Uma
nacao e uma comuniclacle cle sentimentos que se manifestaria aclequacla-
mente num Estado proprio; portanto, uma nacao e uma comuniclacle que
norrnalmente tende a criar urn Estaclo proprio" (Weber [J 9221, 1946: 176).
Assim, as nacoes (comuniclacles culturais) procluzem Estaclos e fazern-no
reivinclicanclo 0 monopolio cia violencia clentro cle um claclo terrirorio.
A articulacao clo pocler clo Estaclo e cia politica produz-se numa socie-
clacle que 0 Estaclo clefine como tal. Este e 0 pressuposto implicito na
maioria clas analises sobre 0 pocler, que observam as relacoes cle pocler
clentro cle urn Estaclo construido territorial mente ou entre Estados.
Nacao, Estado e territorio definern os limites cia socieclacle.
49
o PODER DA COMUNICAc;:AO
Ulrich Beck questiona acert::Jdamente este "nacionalismo rnetodolo-
gico" porque a globaliza<;:ao levou a reclefini<;:ao clos limites rcrritoriais
clo exercicio clo poder:
A globaliza<;:ao, quando se considera a sua conclusao logica. significi que
as ciencias sociais se devem refundar como uma ciencia baseada na reali-
clade transnacional, e do porno de vista conceptual, teorico. mt'todok\gico
e organizativo. Aqui se inclui 0 facto de que e necessario libertar os con-
ceitos basicos da "sociedade moderna' - casa, familia. classe, dcmocracia,
dorninacao, Estado, economia, esfera publica. poliiica, ere. - das fixacoes
do nacionalismo metodol6gico e redcfmi-los e reconceptualiz5-los 110 COI1-
iexto do cosmopolitismo metodologico (Beck. 2005: 50).
~II
~
I
I
David Helcl, a partir clo seu arrigo funclamental de 1991. ao conti-
nuar uma serie cle analises politicas e econornicas sobre a globaliza<;:ao,
dernonsrrou de que forma a teoria classica clo poder centrada no
Estaclo-na<;:ao ou nas estruturas cle governo supranacionais precisam de
urn quadro de referencia a partir clo mornenro em que os elementos
chave cia estrutura social sao locais e globais ao mesmo tempo. em vez
de locais ou nacionais (Helcl, 1991; Helcl et al., 1999; Helcl, 2004; Held
e McGrew (eds.), 2007). Habermas reconhece os problemas derivaclos
clo nascimento claquilo a que chama "a constelacao pos-nacional' para
o processo de legitima<;:ao democratica, ja que a constitnicao (a insti-
tuir,;ao clefiniclora) e nacional e as Fontes cle pocler constroem-se caela
vez mais na esfera supranacional (Habermas, 1998). Bauman teoriza
uma nova tnterpretacao da politica num munclo globalizaclo (Bauman,
1999). E Saskia Sassen explica a transforma<;:ao da auroridacle e clos
direiros _ e, porranto, das relacoes cle pocler - atraves cia evoluc;:ao cia
estrutura social em "conjuntos globais" (Sassen, 2006).
Em resumo: se as relacoes cle poder existem em estruturas socia is
concretas que se constituem a partir cle formacoes espacio-temporais.
E estas formacoes espacio-temporais ja nao se situarn primorclialmente
a nivcl nacional, uma vez que sao locais e globais ao mesmo tempo,
os limites cia socieclacle mudam, assim como 0 quadro cle referencia
clas relacoes cle pocler que transcenclem 0 nacional (Fraser, 2007). Tal
nao significa que 0 Estaclo-nac;:ao desapareca. Significa que os limites
50
CAPITULO 1: 0 PODER NA SOCIEDAD[ EM REDE
nacionais elas relacoes cle poder sao apenas urna das dimensoes em que
opera 0 poder e 0 contrapoder. Em ultima instancia isto afecta 0 pro-
prio Estado-nacao. Enquanto nao desaparece como forma especifica de
organizacao SOCial, rnuda de papel, de estrutura e de funcoes, evoluinclo
gradualmente para uma nova forma de Estado 0 Estado em Rede que
analiso em seguicla.
Como se compreende que neste novo contexte as relacoes cle poder
nao se definam fundamentalmente dentro de limiies territoriais estabe-
lecidos pelo Estado? A elaboracao teorica proposta por Michael Mann
aprofunda este assunto, ja que, partindo da SUJ investigacao historica,
conceptualiza as socicdades como "formadas por muhiplas redes socio-
-espaciais de poder sobrepostas e que intcragern' (Mann, 1986: 1). Por-
tanto, em vez de procurar limites territoriais, ternos de identificar as
recles de poder socioespaciais (locais, nacionais e globais) que, ria sua
interseccao, configuram as sociedades. Enquanto que a visao cia autori-
dade politica rnundial centrada no Estado proporciona urna clara indi-
cacao dos limites da socieclade, e portanto das sedes de poder na era
global, na caracterizacao de Beck, para entender as instituicoes devemos
cornecar pelas redes (Beck, 2005). Ou, na rerminologia de Sassen, as
forrnas de construcao, nern locals nem globais, mas sim as dU3S coisas
em simultaneo, definern 0 con junto especifico de relacoes de poder que
proporcionarn as bases cia sociedade (Sassen, 2006). POl' ultimo talvez
devamos questionar a ideia tradicional de sociedade, ja que cada rede
(economica, cultural, politica, tecnologica, militar e similares) tern as
suas proprias configuracoes espacio-ternporais e organizativas, de forma
que os sells pontos de interseccao estao sujeitos a rnudancas inces-
sanres. As sociedades tais como as sociedades nacionais segmentam-se
e reconfiguram-se constantemente, por accao de redes dinarnicas nas
suas estruturas sociais herdadas historicamente. Nas palavras de Michael
Mann: "Uma sociedade e uma recle de interaccoes sociais em cujos
limites ha uma certa lacuna na interaccao entre ela e 0 seu arnbiente.
Uma sociedade e uma uniclade com limites" (Mann, 1986:13).
De facto, e dificil imaginar urna sociedade sern limites. Porern, as
redes nao tern limites fixos, estao abertas e possuem numerosos ver-
tices, e a sua expansao ou contraccao dependern da compatibilidade
51
o POIJER DA COMUNICA<;:Ao
ou cornpetencia entre os interesses e os valores programaclos em cada
rede e os interesses e valores programados nas redes com que entram
em contacto no seu movirnento de expansao. Em rerrnos historicos. 0
Estaclo (nacional ou de outro tipo) pode ter funcionado como filtro da
interaccao das redes, proporcionando uma certa estabilidade para uma
determinada configuracao de recles cle poder sobrepostas. Contudo,
para la das condicoes da globalizacao a varies niveis, 0 Estado converte-
-se em mais urn n6 (ainda que importante) de urna rede determinada, a
rede politica, insritucional e militar, que se sobrepoe com outras redes
significativas na construcao cia pratica social. Assim, a dinarnica social
construida em torno das redes parece dissolver a sociedade como forma
estavel de organizacao social. Contudo, urn enfoque mais construtivo
para compreender 0 processo de mudanca hist6rica consisre em con-
ceptualizar uma nova forma de sociedade, a sociedade em rede, com-
posta por configuracoes concretas de redes globais, nacionais e locals
num espaco multidimensional de interaccao social. Proponho a hipo-
tese de que as configuracoes sociais relativarnente estaveis construidas
nas interseccoes destas redes podern constituir os limites quepoderiam
definir uma nova "sociedade", tendo em conta que esses lirnites sao alta-
mente volateis pela mudanca constante da geometria das redes globais
que estruturam as praticas e as organizacoes sociais. Para dernonstrar
esta hip6tese tenho de passar tambern pela teoria das redes e depois
devo apresentar a especificidade da sociedade em rede como um tipo
especial de estrutura social. 56 entao poderemos redefinir as relacoes
de poder no contexto das condicoes de uma sociedade em rede global.
Redes
Uma rede e urn conjunto de n6s interligados. Os n6s podern ter maior
ou menor relevancia para 0 conjunto da rede, de forma que os que sao
especial mente importantes se denominam "centres" em algumas versoes
da teoria das redes. Em todo 0 caso, qualquer componente de uma rede
("centros" incluidos) e urn n6, e a sua funcao e significado dependem
dos prograrnas da rede e da sua interaccao com outros n6s da mesma.
52
...
CAPiTULO I: 0 PODEH NA SOCIEDADE EM REDE
Os n6s aumentam em importancia para :I rede quando absorvern mais
inforrnacao importante e a processarn mais eficientemente. A impor-
tancia relativa de um n6 nao advern das suas caracterislicas especiais,
mas sirn da sua capacidade para contribuir para a eficacia da rede em
atingir os seus objecrivos, definidos pelos valores e interesses progra-
rnados nas redes. Contuclo. rodos os n6s da rede sao necessarios para
o funcionamento da propria recle, se bem que as redes permitam uma
certa redundanc.n como salvagu3rcla do seu proprio funcionamento.
Quando os n6s deixarn de ser necessaries para cumprir os objectivos
das redes, estas tendem 3 reconfigurar-se, eJiminando alguns elos e
acrescentando novos. Os n6s existem e funcionarn exclusivamente
como componentes das redes. A rede e a unidade, nao 0 no.
Na vida social 3S redes sao estruturas comunicativas. "As redes de
comunicacao sao os padroes de contacro criaclos pelo fluxo de mensa-
gens entre comunicadores distintos no tempo e no espaco" (Monge e
Contractor, 2003: 39). Ou seja, as redes processam fluxos Os fluxos sao
correntes de inforrnacao entre n6s que circularn pelos canais que ligam
os n6s. Uma rede esra definida pelo prograrna que atribui os objectivos
e as regras de funcionamento da propria rede. 0 prograrna e composto
por c6digos que incluem LIma valorizacar, do funcionamento e crirerios
unicos para determinar 0 exiro ou 0 fracasso, Nas redes socials e orga-
nizativas os actores socia is. promovendo os seus valores e interesses
e interagindo com outros actores socials, estao na origem da criacao e
prograrnacao das redes. Sern duvida, LIma vez estabelecidas e progra-
rnadas, as redes seguem as instrucoes inscritas no seu sistema opera-
tivo e podern autoconfigurar-se dentro dos para metros dos objectivos e
procedimentos que se tinha atribuido. Para alterar os resultados da rede
e preciso instalar nela urn novo prograrna Cum conjunto de c6digos
compativeis orientados para 0 objectivo) de fora da pr6pria rede.
As redes (e 0 conjunto de interesses e valores que elas representam)
competem OLIcooperarn entre si. A cooperacao baseia-se na sua capa-
cidade para cornunicarern. Esta capacidade depende da existericia de
c6digos de traducao e interoperabiJidade comuns (protocolos de cornu-
nicacao) e do acesso a pontos de conexao. A cornpetencia depende da
habiJidade para superar outras redes gracas a uma maior eficiencia no
53
o PODER DA COMUNICACAO
,
'·1i
funcionamento ou na capacidade de cooperacao A competencia poele
adquirir tarnbern uma forma destrutiva, quando consegue alterar as
redes concorrentes e/ou inierferir nos seus protocolos de cornunicacao.
As redes operarn com uma logics hinaria: inclusao-exclusao. Dentro da
rede a distancia entre nos tende para zero quando os nos esrao ligados
directarnente entre si. Entre os nos da recle e os do exterior a distancia
e infinita, ja que nao existe acesso algum a nao ser que se mude 0 seu
programa. Quando os nos cia rede formam urn cluster, as redes seguem
a logica das propriedacles dos pequenos mundos: os nos podern ligar-se
com toda a recle e com outras redes comunicantes a partir de qualquer
no desta num numero lurutado de passes (Walls e Strogatz. 1998). No
caso c1as redes de cornunicacao, eu acrescentaria na condic,;ao de que
partilhem os protocolos cle comunicacao
Assim, as redes sao estruturas complexas cle comunicacao estabele-
cidas em torno de urn conjunto cle objectives que garantem, ao mesrno
tempo, unidade de propositos e flexibilidade na sua execucao grac,;as a
sua capacidade para adaptar 0 contexte operative. As redes estao progra-
madas e ao mesmo tempo sao autoconfiguraveis Nas reeles sociais e
organizativas, os objectives e procedimentos operativos SaG progra-
mados pelos actores sociais. A sua estrutura evolui cle acordo com a
capacidade da rede para se autoconngurar nurna procura interminavel
de conngurac,;oes de rede mais eficientes,
Contudo, as redes nao sao uma forma especfnca das sociedades do
seculo XXI nern da organizacao hurnana (Buchanan, 2002). As redes
constituem a estrutura fundamental da vida, de todo 0 tipo de vida.
Como escreve Fritjof Capra, "a rede e urna estrutura cornurn a qual-
quer vida; onde quer que vejamos vida , vemos redes'' (Capra, 2002:9).
Quanto a vida social, os analistas passararn muito tempo a investigar a
dinamica das recles sociais no nucleo da interaccao social e na producao
de signincado (Burt, 1980), 0 que lhes permitiu formular urna teoria
sistematica das redes de comunicacao (Monge e Contractor, 2003). Por
outro lado, em termos de estrutura social, os arqueologos e os histo-
riadores da antiguidade tern repetido convincentemente que os dados
historicos mostram a permanencia e a relevancia das recles como espinha
dorsal das sociedades, clesde ha milhoes de anos, nas civilizacoes antigas
54
CAPiTULO 1: 0 PODER NA SOCIEDADE EM REDE
mais avancadas de c1iferentes regioes do planeta. De facto, se rransfcrir-
mos a nocao de globalizacao para a geografia do mundo antigo, deter-
minada pelas recnologias de transporte disponiveis, podcmos clizer que
exisria uma especie de globalizacao na antiguidade, ja que as socicd.i-
des dependiam - para 0 seu sustento, recursos e poder - da ligacao das
suas principals actividades a redes que transcendiam os limites da sua
localizacao (La Bianca, 2006). A cultura rnuculmana mundial baseou-se
tradicionalmente em redes globais (Cooke y Lawrence, 2005). McNeill
e McNeill dernonstrararn 0 papel fundamental das redes na organizacao
social durante tocla a hist6ria (McNeill e McNeill, 200.3)
Esta ohservacao clos factos historicos contradiz a visao predominanre
cia evolucao da sociedade, que se centrou num tipo diferente de orga-
nizacao. as burocracias hierarquicas baseadas na integracao vertical clos
recursos e dos sujeitos, como expressao do poder organizado de urna
elite social, legirirnado pela mitologia e pela religiao. Ate cerro porno,
esta e lima visao distorcida, ja que as analises socia is e hist6ricas se
rem baseado. a maior parte c1as vezes, no etnocentrismo e na ideologia
mais do que na investigacao acadernica da complexidade de um mundo
multicultural. Porern, esta relativa indiferenca da nossa representacao
cia hisioria perante a importancia das redes na estrutura e dinanucas
da sociedade pode tambem associar-se a subordinacao destas redes
na logica das organizacoes verticais, cujo poder se inscreve dentro das
instituicoes da sociedade e se distribuia em fluxos unidireccionais de
comando e controlo (Mann, 1986, 1992; Brauclel, 1949; Colas, 1992;
Fernandez-Arrnesto, 1995). Segundo a minha hipotese, a superioridade
historica das organizacoes hierarquicas verticais sobre as redes horizon-
tais deve-se ao facto de as organizacoes socia is em rede terem limites
materiais a veneer, fundarnentalmente em relacao a tecnologia dispo-
nivel. A forca das redes radica na sua flexibilidade, adaptabilidade e
capacidade de auto-reconfiguracao. Sem duvida, quando superam certo
limite cle tamanho, complexidade e volume de fluxos, tornarn-se menos
eficientesque as estruturas verticais de cornando e controlo, nas condi-
coes existentes com a tecnologia pre-electronica de cornunicacao
(Mokyr, 1990). E certo que os barcos movidos a vento podiam cons-
truir recles mariti mas ou mesmo transoceanicas de comercio e conquista.
55
o PODER DA COMUNICA<;:AO
Tambem os ernissarios a cavalo ou os rnensageiros velozes podiarn
manter a cornunicacao entre 0 centro e a periferia de vastos imperios
ierritoriais. Porern, a demora cia res posta no processo de cornunicacao
era tal que a logica do sistema equivalia a um f1uxo de inforrnacao e
instrucoes nurn so sentido. Em tais condicoes, as redes erarn uma exten-
SaG do poder concentrado no cume das organizacoes verticals que
configurararn a historia da humanidade: Estados, aparelhos religiosos,
senhores da guerra, exercitos, burocracias e sells subordinados respon-
save is pela producao, pelo comercio e pela cultura.
A capacidade das redes para introduzir novos actorcs e novos con-
reudos no processo de organizacao social, com relativa independencia
dos centros de poder, incrernentou-se ao longo do tempo com a rnu-
danca tecnologica e mais concretamente com a evolucao das tecnologias
de cornunicacao. Em particular, isto foi 0 que aconteceu quando surgiu a
possibilidade de utilizar a rede de energia distribuida que caracterizou 0
advento da Revolucao Industrial (Hughes, 1983). 0 carninho-de-fcrro
e 0 telegrafo foram a primeira infra-estrurura de uma rede quase global
com capacidade se auto-reconfigurar (Beniger, 1986) Contudo, a socie-
dacle industrial (tanto na sua versao capitalista como estatal) estrutu-
rou-se, predominantemente, em torno de organizacoes de producao
verticais e a grande escala, e cle aparelhos estatais extrema mente hierar-
quicos, que em certas ocasioes evoluiram para sistemas totalitarios. Isto
quer dizer que as primeiras tecnologias de comunicacao baseadas na
electricidade nao tinham capacidade suficiente para proporcionar auto-
nornia a todos os nos das redes, ja que essa autonomia necessitaria cle
multiclireccionalidade e de urn f1uxo continuo interactivo de processa-
rnento da informacao. Mas tarnbem significa que a disponibilidade de
uma tecnologia adequada e condicao necessaria, mas nao suficiente,
para a transformacao da estrutura social. So as condicoes propiciadas
por uma sociedade industrial rnadura permitiraru 0 surgimento de pro-
jectos autonomos de redes organizativas. Entao, estas puderam utilizar
o potencial das tecnologias de comunicacao digital baseada na micro-
-electronica (Benkler, 2006).
As redes converterarn-se na forma organizativa mais eficiente como
resultado de tres recursos fundamentais que beneficiararn do novo
56
C\.P[TULO 1: 0 PODER NA SOClEDADE EM REDE
ambiente tecnologico. f1exibilidade, adaptabilidacle e capacidacle cle
sobrevivencia. Flexibilidade. as recles podem reconfigurar-se em funcao
das rnudancas do ambiente, rnantendo 0 seu objective ainda que variem
as suas componentes. Sao capazes cle contornar os pontos de bloqueio
nos canais de comunicacao para encontrar novas ligacoes. Adaptabili-
dade. podem expandir-se ou reduzir 0 seu tamanho com poucas altc-
racoes. Capacidade de sobreuioencia. ao nao possuir urn centro e ser
capazes de agir dentro de uma ampla gama de configuracoes, as redes
podern resistir a ataques :1OS seus nos e aos seus codigos, porque os
codigos estao contidos em multiplos nos que podem reproduzir :1S ins-
trucoes e encontrar novas formas de agir. Assim, apenas a capacidade
de destruir fisicarnente os pontos de ligacao po de eliminar a rede.
A mudanca tecnologica que liberalizou todas as potencialidades das
redes foi a transforrnacao das tecnologias de inforrnacao e de cornu-
nicacao, baseada na revolucao da microelecrronica que teve lugar nas
decadas de 1950 e 1960 (Freeman, 1974; Perez, 1983). Esta mudanca
tecnologica assentou as bases de um novo paradigma tecnologico que
se consolidaria nos anos 70. primeiro nos EUA, para se difundir depois
rapidarnente por todo 0 mundo, dando azo ao surgimento do que se
denominou, descritivamente. a Era da Informacao (Castells, 1996-2004).
William Mitchell conceptualizou a evolucao da tecnologia de infor-
macao e cornunicacao ao longo da historia como um processo de expan-
sao e potencializacao do corpo e da mente hurnana (Mitchell, 2003).
Urn processo que, no inicio do seculo XXl, se caracteriza pe\a proliferacao
de aparelhos portateis que proporcionarn urna capaciclade informatica e
de comunicacao ubiqua sem cabos. Tal permite que as unidades sociais
(individuos e organizacoes) interajarn em qualquer rnornento, a partir
de qualquer lugar, dependendo de urna infra-estrutura de apoio que
adrninistra os recursos materiais nurna rede distribuida de informac;;ao
(Castells, Fernandez-Ardevol, Qiu e Sey, 2006). Com 0 advento da nano-
tecnologia e a convergencia cia microelectroruca e os processos biolo-
gicos e materiais, as fronteiras entre a vida hurnana e a vida artificial
tern-se esfumado, e as redes expandem a sua interaccao desde 0 nosso
interior ate todo 0 ambito da actividade humana, transcendendo as
barreiras do tempo e do espaco. Nem Mitchell nem ell proprio recor-
57
o PODEll DA COMUNICA<;:Ao
rernos a cenarios de ficcao cientifica como substitutos da analise do
processo de transformacao tecno-social. Porern, resulta essencial, pre-
cisamente pela propria analise, dar enfase ao papel fundamental da
tecnoJogia denrro do processo de transforrnacao social, especialmente
quando considerarnos a principal tecnologia do nosso tempo, a tecnolo-
gia de comunicacao, que se reJaciona com a essencia da especificidade
da especie humana a comunicacao consciente e significativa (Capara.
1996,2002; Darnasio, 2003). Gracas as tecnologias de inforrnacao e
cornunicacao clisponiveis, a sociedade em recle pode estender-se ple-
namente. transcendcndo os limites hist6ricos das redes como forma de:
organizacao e interaccao social.
A Sociedade em Rede Global:'
Uma socieclade em rede e aquela cuja estrutura social e cornposta de
redes activadas por iecnologias digitais de cornunicacao e inforrnacao
baseadas em microelectr6nica. Entendo por estrutura social os acordos
organizativos hurnanos na relacao com a producao, 0 consumo, a repro-
ducao, a experiencia e 0 poder expressos por uma comunicacao signifi-
cativa codificada pela cultura.
As redes digitais sao globais pela sua capacidade para se autoconfi-
gllrarem de acorclo com as instrucoes dos programadores, transcen-
dendo os limites territoriais e institucionais atraves de redes de cornputa-
dores ligadas entre si. Portanto, uma estrutura social cuja infra-estrutura
se baseia em redes digitais tern as possibilidades de ser global. Contudo,
a tecnologia de redes e a organizacao em rede sao s6 meios que reflectem
as tendencias inscritas na estrutura social: 0 actual processo de globali-
zacao tem a sua origem em factores econ6micos, politicos e culturais,
4 Esta seccao elabora e actualiza a analise apresentada no meu livro A Socie-
dade em Rede (2000c). Torno a liberdade de remeter 0 leitor a essa obra para
uma elaboracao mais detalhada e suporte ernpirico da teorizacao aqui apresentacla.
Tambern se pode encontrar material de referencia noutras obras recentes (Castel I."
2000; Castells, 2001; Castells e Himanen, 2002; Castells (eds.), 2004; Caste lis, 2005;
Castells, Fernandez-Ardevol, Qiu e Sey, 2006; Castells, Tubella, Sancho e Roca, 2007;
Casrells, 2008a, 2008h)
58
CAPiTULO 1: 0 PODER NA SOCIEDADE EM REDE
como nos dizem os estudos acadernicos sobre globalizacao (Beck, :WOO;
Held e McGrew (eds.), 2000; Stiglitz, 2002; Held e McGrew (eds.), 2007).
Porem, tal como sugerem uma serie de estuclos, as forcas que impul-
sionararn a globalizacao s6 puderarn desencadear-se porque tin ham a
sua disposicao a capacidade de conexao numa rede global que propor-
cionarn as tecnologias digitais de cornunicacao e os sistemas de infor-
macae, incluindo as redes informatizadas de transporte rapido a longa
distancia (Grewal, 2008; Kiyoshi, Lakshrnanan e Anderson, 2006).De
facto, e isto que diferencia em tarnanho, velocidacle e compJexidade 0
actual processo de globalizacao de outras formas de globalizacao em
epocas historicas anieriores.
A socieclade em rede e pois uma sociedade global. Tal nao signi-
fica, contudo, que as pessoas de toclo 0 mundo participern nas redes.
De facto, por enquanto, a maioria nao 0 faz (Hamond e outros, 2007).
Porern, todo 0 munelo se ve afectado pelos processos que tern lugar nas
redes globais desta estrutura social.
As actividades basicas que configuram e controlarn a vida hurnana
em cada canto elo planeta estao organizadas em redes globais. os mer-
caclos financeiros, a producao, gestae e distribuicao transnacional de
bens e services, 0 trabalho muito qualificado, a ciencia e a tecnologia,
incluinelo a formacao umversitaria, os meios cle comunicacao, as redes
de internet de cornunicacao interactiva multi-objecto. a arte, a culrura,
os espectaculos e os desportos; as instituicoes internacionais que gerem
a economia global e as relacoes intergovernamentais, a religiao, a econo-
mia criminal; e as ONG transnacionais e os rnovimentos socia is que
fazern valer os direitos e valores de urna nova sociedade civil global
(Held e outros, 1999; Castells, 1998/2000b; Volkmer, 1999; Stiglitz, 2002;
Jacquet, Pisani-Ferry y Tubiana, 2002; Kaldor, 2003; Grewal, 2008; juris,
2008). A globalizacao cornpreende-se melhor como a interaccao destas
redes globais social mente decisivas. Portanto, a exclusao dessas redes,
que frequentemente se produz num processo cumulativo de exclusao,
equivale a marginalizacao estrutural na sociedade em rede global (Held
e Kaya (eds.), 2006)
A sociedade em rede esta distribuida selectivarnente pelo planeta,
utilizando os lugares, organizacoes e instituicoes ja existentes que cons-
59
o PODER DA COMUNICACAo
tituem a maior parte do ambiente material da vida das pessoas. A estru-
tura social e global, porern, na maior parte das vezes a experiencia
hurnana e local, tanto no sentido territorial como cultural (Borja e
Castells, 1997; Norris, 2000). As sociedades especificas, definidas pelos
limites actuais dos Estados-nacao ou pelas fronreiras culturais cia sua
identidacle hist6rica, estao profundarnenre fragmentadas pela dupla
l6gica cia inclusao ou exclusao nas redes globais que estruturam a pro-
ducao, 0 consumo, a cornunicacao e 0 pocler. Defenclo a hipotese de
que esta fragmentacao nao se deve simplesmente ao atraso temporal
necessario para a .incorporai¥ao gradual de formas sociais anteriores a
nova l6gica dorninante. Trata-se, de facto, de uma caracreristica estrutu-
ral cia sociedade em rede. Tal deve-se a capacidade de reconfiguracao
inscrita no processo de extensao das redes que perrnite aos progra-
mas que gerem cada rede procurar os acrescenros que sejarn valiosos
e incorpora-les, enquanto negligenciam l' excluem os territories, activi-
dades e pessoas que possuem pouco ou nenhum valor para a realizacao
das tarefas ligadas a rede.
Como observou Geoff Mulgan: "As redes criam-se nao s6 para cornu-
nicar, mas tarnbern para nos posicionarrnos, para nos imporrnos na
cornunicacao" (Mulgan, 1991: 21). A sociedade em rede funciona com
base nurna 16gica binaria de inclusao-exclusao, cujas fronteiras variam
no tempo, tanto devido as mudancas nos programas na rede como
dando as condicoes de funcionamento desses prograrnas. Tarnbern
depende cia capacidade dos actores socia is, em diferentes contextos,
em actuar sobre esses programas, modificando-os segundo os seus inte-
resses. A sociedade em rede global e uma estrutura dinarnica, altamente
adaptavel as forcas sociais, a cultura, a politica e as cstrategias econo-
micas. Porem, 0 que permanece em todos os casos e 0 seu predorninio
sobre as actividades e as pessoas estranhas a pr6pria rede. Neste sen-
tido, 0 global esmaga 0 local. A nao ser que 0 local se ligue ao global
convertendo-se num no de redes alternativas globais constituidas pelos
movimentos sociais.
A globalizacao imperfeita da sociedade e, de facto, uma caracterfstica
muito significativa da sua estrutura social. A coexistencia da sociedacle
em rede, com a sua estrutura global, associada as sociedades indus-
60
CAPiTULO 1: 0 PODER NA SOCIEDADE EM REDE
triais, rurais, cornunitarias ou de sobrevivencia, caracteriza a realidade
de todos os paises, ainda que em proporcoes diferentes de P' >pulal;':lo
e territorio de cacla urn dos lados do fosso, dependendo cia rclevancia
de cada segmento para a l6gica dorninante de cada recle. lsto quer
dizer que as diferentes redes terao cliferentes geomerrias e geografias
de exclusao e inclusao, 0 mapa da econornia criminal global nao e 0
rnesmo que 0 mapa da localizacao internacional cia industria da alra
tecnologia.
Em terrnos te6ricos, a sociedade em recle deve analisar-se. em pri-
meiro lugar, como uma arquitectura global de recles auto-rcconfigu-
raveis, prograrnadas e reprogramadas constantemente pelos poderes
existentes em cacla dimensao, em segunclo lugar, como 0 resultado cia
interaccao entre as diferenres geometrias e geografias das redes que
incluem as activiclades basicas, ou seja, as actividades que configuram
a vida e 0 trabalho da sociedacle e, em terceiro lugar, como 0 resultado
de urna interaccao de segundo nivel entre estas recles domin.intes e a
geomerria e a geografia cia desconexao das forrnas socia is que perrna-
necem fora cia l6gica de redes global.
Para compreender as relacoes cle poder do nosso munclo devernos
referirrno-nos especificamente a esta sociedacle em particular. Para
poder Ialar com conhecimento cle causa desta especificiclacle e neces-
sario clefinir os principals componentes cia sociedade em rede: producao
e apropriacao de valor, trabalho, cornunicacao, cultura e a sua forma de
existencia como formacao espacio-ternporal. 56 entao se podera apre-
sentar lima hip6tese aproxirnada sobre a especificiclacle das relacoes de
poder na sociedade em recle global, uma hip6tese que guiara a analise
apresentada neste Iivro.
o que e "valor" na sociedade em rede?
As estruturas sociais, como a socieclade em rede, tern a sua origem
a partir clos processos cle producao e apropriacao de valor. POI'em, 0
que constitui 0 valor na sociedade em rede? 0 que move 0 sistema de
producao? 0 que motiva aqueles que se apropriarn do valor e controlam
61
o PODEll DA COMUNICA<;:Ao
a sociedade? Aqui nao ha nenhuma rnudanca em termos de estruturas
sociais anteriores. valor e 0 que as instituicoes dominantes da sociedade
decidem que seja. Portanto, se 0 capitalismo global domina 0 mundo e
a acumulacao de capital mediante a valorizacao dos actives financeiros
do mercado global (' 0 valor supremo, entao este sera 0 valor em cada
caso. ja que, num sistema capitalista, os beneficios e a sua materiali-
za<;ao em term os monetarios podem comprar, em ultima instancia, tudo
o resto. 0 factor decisivo e que nurna estrurura social organizada em
ree!es glohais, qualquer que seja a hierarquia existente entre elas se con-
vertera em regra para todo 0 reticulado de redes que organizarn ou
dominam 0 planeta. Por exemplo, se afirrnarnos que a acurnulacao de
capital e 0 que move 0 sistema, e 0 retorno de capital se realiza funda-
menralmente nos rnercados financeiros globais, estes represenram um
valor para cada transaccao em cada pais, ja que nenhuma econornia e
independenre da valorizacao financeira decidida nos rnercados finan-
ceiros globais. Porern, se considerarmos que 0 valor supremo e 0 pocler
militar, a capacidade tecnol6gica e organizativa das poderosas rnaquinas
rnilitares estruturara 0 poder nas suas esferas de influencia e criara as
condicoes para que outras forrnas de valor, ou seja, a acurnulacao de
capital ou a dorninacao politica, fiquern sob sua proteccao. Em todo 0
caso, se se bloqueia a transrnissao de tecnologia, informacao e conheci-
mento a urna dada organizacao armada, ela deixara de ter relevancia no
contexte mundial. Podernos entao dizer que as redes globais de infor-
macao e tecnologia sao dorninantes porque condicionam a capacidade
militar, quepor sua vez proporciona seguranca para que 0 mercado
funcione. Outro exemplo de processos de criacao de valor: poclemos
afirrnar que a influencia rnais importante no mundo de hoje e a trans-
formacao da mentalidade das pessoas. Sendo assim, os meios de cornu-
nicacao sao as redes essenciais, ja que eles, organizados em oligopolies
globais e com as suas redes de distribuicao, sao a Fonte principal das
mensagens e das imagens que chegam as mentes das pessoas. Porern,
se considerarmos os meios de cornunicacao como neg6cios, entao a
logica de rentabilidade, tanto na cornercializacao dos meios por parte
da industria da publicidade como na valorizacao das suas accoes, e pri-
mordial.
i1
62
CAPITULO 1: 0 PODER NA SOCIEDAOE EM REOE
Dada a variedade de origens potenciais da dorninacao das redes,
a sociedade em rede e uma estrutura social multidimensional na qual
redes de diferentes classes tern 16gicas distintas para criar valor. A defi-
nicao do que constitui valor depende da especificidade da rede e do
seu programa. Qualquer intencao de reduzir todos os valores a urn
criterio cornum revesre-se de dificuldades metodologicas e praticas insu-
peraveis. Por exemplo. se bem que a rentabilidade e urn valor supremo
para 0 capitalismo, 0 poder militar constirui, em ultima instancia, a
base do poder do Estado, e 0 Estado tern uma capacidade consideravel
para decidir e impor novas norrnas para 0 funcionamenro dos neg6-
cios (perguniem aos oligarcas russos 0 que acharn de Putin). Ao ruesrno
tempo, 0 poder estaral, incluido em contextos dernocraticos, depende
em grande medida das crencas clas pessoas, da sua capacidade para
aceitar as regras ou, caso contra rio, da sua vontade cle resistir. Entao,
o sistema mediatico e outros meios de cornunicacao como a internet
poderiarn manobrar 0 poder clo Estado que, por sua vez, condicionaria
as regras para obter heneficios, podendo assim substiruir 0 valor do
dinheiro como valor supremo.
Portanto, 0 valor e, deJacto. uma expressdo de poder: quem ostenta 0
pocler (que rnuitas vezes nao e quem governa) decide 0 que e valioso.
Neste sentido, a sociedade global nao e inovadora. 0 que e novo e 0
seu alcance global e a sua arquitectura em recle. Isto significa, por urn
lado, que as relacoes de dorninacao entre redes sao funclamenrais. Estao
caracterizaclas por uma interaccao constante e flexivel. por exemplo,
entre mercaclos financeiros globais, processosgeopolfticos e estrategias
rnediaticas. Por outro laclo, como a logica cle criacao de valor, enquanto
expressao de dorninacao, e global, quem tenha urn impeclimento estru-
tural para existir global mente esta em desvanragern em relacao aqueles
cuja logica seja inteiramenre global. Este aspecto tem uma consideravel
importancia pratica, porque esta na origem das crises clo Estado-nacao
cia era industrial (nao do Estado enquanto tal, porque cada estrutura
social gera a sua propria forma de Estado). Como 0 Estado-nacao s6
pode impor as suas regras no seu territ6rio, excepto no caso cle alian-
cas ou de invasao, tem cle converter-se em imperial ou fazer parte de
uma rede para relacionar-se com outras redes na definicao do valor.
63
o PODER DA COMUNICA,.AO
Essa e a razao, por exemplo, pela qual 0 Estado norte-americano, no
inicio do seculo XXI, se empenhou em defmir a seguranca contra 0 terro-
rismo como 0 valor supremo para todo 0 mundo. E uma forma de cons-
truir urna rede de base militar que garantisse a sua hegemonia siiuando
a seguranca acima do dinheiro ou de ouiros objectivos menores (por
exemplo, os direitos humanos ou 0 meio ambiente) como valor supre-
mo. Nao obstante, a 16gica capitalista aparece frequentemente, disfarcada
de projectos de seguran<;:a, como 0 rentavel neg6cio das empresas norte-
-arnericanas "arnigas" no Iraque 0 demonstra clararnente (Klein, 2007).
o capital sempre gostou da ideia de um mundo sem fronteiras, como
nos recordou David Harvey repetidas vezes, de forma que as redes
financeiras globais tern vantagem como entidades definidoras do valor
na sociedade global em rede (Harvey, 1990). Sern duvida, 0 pensarnento
humane e provavelmente 0 elernento mais influente e de mais rapida
propagacao de qualquer sistema social quando conta com urn sistema
de cornunicacao interactiva local-global em tempo real, que e exacta-
mente 0 que acontece na actualidade, pela prirneira vez na historia
(Dutton, 2000; Benkler, 2006). Portanto. as ideias, ou conjuntos concre-
tos de ideias, poderiam reafirmar-se como 0 verdadeiro valor supremo
(tal como preservar 0 nosso planeta ou a nossa especie ou bern servir
os designios de Deus) priorirario em relacao a qualquer outra coisa.
Em resumo. a antiga pergunta da socieclade industrial, na realidade
a pedra angular cia economia politica classica, ou seja, "0 que e valor?",
nao tern urna res posta definida na sociedade em rede global. Valor e
o que se process a em cada rede dorninante em cada momento, em
cada lugar, de acordo com a hierarquia prograrnada em rede pelos que
actuarn nela. 0 capitalismo nao desapareceu. Na realidade esta mais
presente que nunca. Mas nao e, contra a percepcao ideol6gica tipica, 0
unico jogo que se joga na aldeia global.
Trabalbo, trabalhadores, classe e genero:
a empresa em rede e a nova divisiio social do trabalho
A analise anterior sobre a nova economia politica da criacao de valor
nas redes globais ajuda-nos a compreender a nova divisao dos traba-
64
l
CAPITULO ]: 0 PODER NA SOCIEDADE EM REDE
lhadores e, portanto, do trabalho, da produtividade e da exploracao.
As pessoas trabalharn, como sernpre. Na realidade, trabalharn mais que
nunca (em termos de horas totais numa dada sociedade), ja que a maior
parte do trabalho das mulheres nao se considera trabalho socialmente
reconhecido (retribuido). A questao crucial tern sido sempre 0 modo
como este trabalho se organiza e se compensa. A divisao do trabalho
era, e continua a ser, urna medida do que se valoriza ou nao na contri-
buicao laboral. Este juizo de valor organiza 0 processo de producao.
Tambern define os criterios segundo os quais se reparte 0 produto, 0
que determina 0 consumo diferencial e a estratificacao social. A divisao
fundamental na sociedade em rede, em bora nao a unica, e a que se
faz entre trabalhadores autoprograrnaveis e trabalhadores genericos
(Castells, 1996-2000; Carnoy, 2000; Benner, 2002). Os trabalhadores auto-
prograrnaveis tern a capacidade aut6noma de se centrar numa meta que
Ihes tenha sido atribuida no processo de producao, encontrar a infor-
macao relevante, recornbina-la em forma de conhecimento utilizando 0
conhecimento acumulado e aplica-la nas tarefas necessarias para con-
quistar 0 objectivo do processo. Quanto mais complexos sao os nossos
sistemas de inforrnacao e mais interconexoes temos com as bases de
dados e as fontes de inforrnacao, mais os trabalhadores necessitam
de utilizar esta capacidade de procurar e recornbinar a inforrnacao. Isto
requer uma educacao adequada, nao em termos de habilitacoes, mas
sim em termos de capacidade criativa e recursos para evoluir com as
mudancas organizativas e tecnol6gicas e com os novos conhecimentos.
Pelo contrario, as tarefas pouco valorizadas, mas que continuam a ser
necessarias, sao 0 chamado trabalho generico, as vezes substituido por
maquinas ou alterado para centros de producao de baixo custo, em
funcao de uma analise dinarnica de custo-beneficio. A grande maioria
dos trabalhadores do planeta e a maioria dos paises desenvolvidos
continua a constituir mao-de-obra generica. Sao descartaveis, a nao ser
que exercarn 0 seu direito de existir como seres humanos e cidadaos
atraves da accao colectiva. Sem duvida, em termos de criacao de valor
(no campo das financas, da fabricacao, da investigacao, do desporto,
das accoes militares ou de capital politico), 0 que conta para qualquer
organizacao que controle os recursos e 0 trabalhador autoprogramavel,
65
66
o PODER OA COMUNICA<;:Ao
Assirn, a organizacao laboral na sociedade em rede tarnbem actua numa
16gica binaria, distinguindo entre trabalhadores autoprogramaveise
genericos. Por outro lado, a flexibilidacle e adaptabiliclade cle ambos
a urn contexto em mudanca permanentc constitui urna condicao previa
para a sua utilizacao como mao-de-ohra.
Esta divisao especifica do trabalho e rnuito marcada pelo genero,
o aurnento do trabalho flexfvel esta directamente relacionado com a
ferninizacao cla mao-de-obra remunerada, uma tcndencia fundamental
na estrutura social da ultimas tres decadas (Carnoy, 2000). A organi-
zacao patriarcal da familia ohriga a mulher a valorizar a organizacao
flexivel do seu trabalho como unica forma de compatibilizar familia e
obrigacoes profissionais. Por essa razao, uma ampla maioria dos traba-
Ihadores eventuais e a tempo parcial na maior parte dos paises SaG
mulheres. Alern disso, embora a maioria das mulheres sejam empre-
gues como mao-de-obra generica. 0 seu nivel educacional aumentou
consideravelmente em comparacao com os homens, apesar de os seus
salaries e condicoes laborais nao terem mudado no mesmo ritmo. Por
isso. as mulheres converteram-se nos trabalhadores idea is da economia
capiialista global em rede: por um lado, podern trabalhar eficientemente
e adaptar-se aos requisitos em mudanca das ernpresas, por outro lado,
recebem menor cornpensacao pelo mesmo trabalho e tern menos hip6-
teses de promocao devido a ideologia e a pratica comum de diferen-
ciacao de genero do trabalho na sociedade patriarca!. Sem duvida, a reali-
dade e, para usar um termo antigo, dialectica. Apesar da incorporacao
rnassiva das mulheres no trabalho remunerado, em parte devido a sua
condicao de subordinacao patriarcal, ser um factor decisivo na expansao
do capitalismo global e informacional, essa mesma transforrnacao da
condicao das mulheres em assalariadas acabou por minar as bases
da sociedade patriarcal. As ideias feministas que surgiram nos movi-
mentos sociais e culturais dos anos 70 encontrararn terre no baseado na
experiencia das mulheres trabalhadoras expostas a descrirninacao. Mas,
aquilo que e mais irnportante, 0 poder de negociacao econ6mica conse-
guido pelas mulheres no lar reforcou a sua posicao perante 0 varao
cabeca de casal, uma vez que esvaziava 0 conteudo da justificacao
ideol6gica de subordinacao baseada no respeito a autoridade de quem
CAPiTULO 1: 0 PODER NA SOCIEDAOE EM REOE
levava 0 sustento para a unidade familiar. Assim, a divisao do trabalho
ria nova organizacao do trabalho e de genero, porern trata-se de um
processo dinarnico em que as mulheres esrao a reverter as tendencias
estruturais dominantes e induzem as empresas a situar os homens den-
tro dos mesmos padroes de flexibilidade, inseguranca laboral, reducao
do emprego c deslocalizacao que deveria ser 0 destino das mulheres.
As trabalhadoras n.io estao a ascender ao nivel dos seus companheiros,
mas a maior parte destes descenderam ao nivel delas, apesar das rnu-
Iberes profissionais terem alcancado um maior nivel de conectiviclacle
que nao tin ham nas antigas recles masculinas. Estas tendencias tern pro-
fundas implicacoes tanto para a estrutura de classes da sociedade como
para as relacoes entre homens e mulheres no trabalho e na familia
(Castells e Subirats, 2007).
A criatividade, a autonornia e a capacidade de autoprograrnacao dos
trabalhadores do conhecimento nao seriarn produuvas se nao pudessem
combinar-se com 0 trabalho em rede. De facto, a razao fundamental da
necessidade estrutural cle flexibilidacle e autonornia e a transforrnacao
da organizacao do processo de producao. Esta transforrnacao esta repre-
sentada pelo surgimento da empresa em rede. A nova forma de organi-
zacao empresarial e 0 equivalente hist6rico na era do informacionismo
cia chamada organizacao fordista do industrialismo (capitalista e esta-
tista); ou seja, a organizacao caracterizada por uma producao estandardi-
zada em massa e urn controlo vertical do processo laboral segundo uma
logica de cima para baixo ("gestao cientifica" e taylorismo, os metodos
que provocaram a adrniracao de Lenine e que foram imitados na Undo
Sovietica). Apesar de haver mil hoes de trabalhadores em fabricas simi-
lares, as actividades produtivas mais valiosas no processo de producao
(investigacao e desenvolvimento, inovacao, desenbo, marketing, gestae
e producao flexivel e massiva) dependem de um tipo de empresa com-
pletamente diferente e, portanto, de urn tipo diferente de processo de
producao e rnao-de-obra: a empresa em rede. Nao se trata de uma rede
de empresas. E uma rede formada por firmas, ou segmentos de firmas,
e/ou a fragmentacao intern a destas. Deste modo, as grandes empresas
estao descentralizadas internamente como redes. As pequenas e medias
empresas ligam-se em redes assegurando assim a massa critica da sua
67
o PGDER DA COMUNICA<;:Ao
contribuicao como subcontratadas, uma vez que conservarn 0 seu prin-
cipal activo: a flexibilidade. As pequenas e medias empresas sac por
vezes auxiliares de grandes firrnas, em muitos casos de varias. As grandes
empresas e as suas redes auxiliares conseguem formar redes de coope-
ra~ao chamadas na giria empresarial aliancas estrategicas ou parcerias.
Porem, estas aliancas raras vezes se constituem em estruturas perma-
nentes de cooperacao. Nao se trata de urn processo de oligopolizacao.
Estas redes cornplexas Iigam-se e vincularn-se para realizar dererrni-
nados projectos empresariais e reconfiguram a sua cooperacao em
recles distintas em cada novo projecto. A pratica empresarial habitual
nesta econornia em recJe baseia-se em aliancas, socieclades e colabora-
coes especificas para urn produto, urn processo, urn lugar e urn dado
memento. Partilham capital e mao-de-obra, mas funclamentalmente
partilharn inforrnacao e conhecimento para ganhar quota de mercacJo.
Sao basicamente redes de inforrnacao, que relacionarn os fornecedores
com os clientes atraves cia firrna estruturada em rede. A unidade do
processo produtivo nao e a empresa, mas sirn 0 projecto empresarial.
representado por uma rede, a ernpresa em recle. A firma continua a ser
a entidade legal cle acumulacao cle capital, porern, claclo que 0 seu valor
cJepencle em ultima instancia da sua valorizacao financeira no mercaclo
bolsista, a firrna, unidade cJe acumulacao de capital, converte-se nurn no
dentro cia rede global de f1uxos financerros Deste modo, na econornia
em rede, 0 estrato dominante e 0 mercaclo financeiro global, a rnae de
todas as valorizacoes.
o mercado financeiro global funciona s6 em parte de acordo com
as regras cle mercado. Tambern e influenciado e alterado por turbulen-
cias de informacao de cliversas origens, processadas e comunicadas por
redes inforrnaticas que constituern 0 sistema nervoso da econornia capi-
talista informacional (Hutton e Giddens (eds.), 2000; Obstfield e Taylor,
2004; Zaloom, 2006).
A valorizacao financeira determina a dinarnica da economia a curto
prazo. Mas a longo prazo, tudo depende do crescimento da produti-
vida de. Por isso a Fonte de produtividade e a pedra angular do cresci-
mento econornico e, portanto, dos beneficios, salaries, acumulacao e
investimento (CasteUs, 2006). E 0 factor chave para 0 crescimento da
68
CAPITULO 1: 0 PODER NA SOCIEDADE EM REDE
proclutividacle nesta economia em recle baseada no conhecimento e a
inovacao (Lucas, 1999; Tuomi, 2003). A inovacao e a capaciclade para
recornbinar factores cle producao de uma forma rnais eficiente e/ou
obter urn valor acresceruado maior no processo ou no procluto. Os ino-
vadores depenclem cJa criativiclade cultural, cia abertura instirucional aos
ernpreendedores, cia autonornia dos trabalhadores e do financiamento
adequaclo desta economia impulsionada pela inovacao.
A nova economia do nosso tempo e indubitavelrnente capiralisra,
mas de urn novo tipo de capitalismo, Depencle da inovacao como Fonte
de crescimento cia produtividade, de mercados financeiros glohais
Iigaclos a partir de urna rede inforrnatica, cujos criterios de valorizacao
sac influenciados por turbulencias de inforrnacao, de redes de producao
e gestae, internas e externas, locais e globais, e de uma mao-de-obra
flexivel e adaptavel. Oscriadores de valor devem ser autoprogramaveis
e capazes de processar de forma autonoma a informacao para produzir
conhecimentos concretes. Os trabalhadores genericos, reduziclos ao
papel de executantes, devern estar preparaclos para se adaptarern as
necessiclades da ernpresa em rede ou arriscarn-se a ser substitufdos por
maquinas ou por outra mao-de-obra.
Neste sistema, 0 principal problema para os trabalhadores, alern da
exploracao no sentido tradicional, e a segrnentacao em tres categorias:
aqueles que sac Fonte cJe inovacao e valor, os que se limitarn a obedecer
a instrucoes e aqueles que, na perspectiva dos programas de obtencao
de beneficios do capitalismo global, sac estruturalrnente irrelevantes,
tanto como trabalhadores (sern formacao suficiente, habitantes de zonas
sem infra-estruturas nern 0 contexte institucional adequados para a pro-
ducao global), tanto como consumidores (dernasiado pobres para fazer
parte do rnercado), ou ambos. A preocupacao de uma grande parte
da populacao mundial e evitar a irrelevancia e estabelecer uma relacao
significativa, como aquela a que costumamos chamar exploracao. Porque
a exploracao tern sentido para 0 explorado, Maior risco corrern aqueles
que se tornarn invisiveis aos programas que controlarn as redes globais
de producao, distribuicao e valorizacao.
69
o PODER I)A COMUNICA<;AO
Bspaco defluxos e tempo atemporal
Como aconrece em todas 3S transformacoes hist6ricas, 0 apareci-
mente de uma nova estruiura social esta relacionada com a redefinicao
dos fundamentos materia is da nossa exisrencia, 0 espaco e 0 tempo, tal
como explicaram, entre outros Giddens (984), Adams (990), Lash e
Urry (1994), Thrift (1991), Harvey (1990), Dear (2000, 2002), Graham
e Simon (200]), Hall e Pain (2006), Mitchell 0999, 2003) e Tabboni
~ (2006). As relacoes de poder estiio sobrepostas na construcao social do
espaco e do tempo por sua vez condicionadas pelas formacoes cspacio-
-temporais caracteristicas dessa sociedade.
Duas formas sociais emergentes do tempo e do espaco caracterizam
a socieclade em rede e coexistem com formas anteriores. Sao 0 espaco
de fluxos e 0 tempo atemporal. 0 tempo e 0 espaco estao relacionados,
tanto na natureza como na sociedade. Na teoria social, 0 espaco pode
definir-se como 0 suporte material das praticas socia is simultaneas: ou
seja, a construcao cia simultaneidade. 0 desenvolvimento das tecnolo-
gias de cornurucacao pode interpretar-se como 0 dissociar gradual da
contiguidade e cia simultaneidade. 0 espaco de fluxos faz referencia
a possibilidacle tecnologica e organizativa de praricar a simultaneidade
sem contiguidade. Tambem se verifica a possibilidade de uma interaccao
assincrona num dererrninado memento, a distancia. A maior parte das
funcoes dominantes na sociedade em rede (os mercados financeiros,
as redes de producao transnacionais, as redes mediaticas, as formas de
govemac;;:ao global em rede, os movimentos sociais globais) organizam-
-se em tomo do espaco de fluxos. Contudo, este espaco de fluxos nao
precisa de lugares. E formado por n6s e redes, ou seja, por lugares Iiga-
dos pelas redes electr6nicas de cornunicacao atraves das quais circulam
e interagem fluxos de inforrnacao que asseguram a simultaneidade das
praticas processadas nesse espaco. Enquanto que no espaco de lugares,
baseaclo na contiguidade das praticas, 0 significado, a funcao e 0 local
estao estreitamente inter-relacionados, no espaco de fluxos os lugares
adquirem 0 seu significado e a sua funcao pelo papel nodal que desern-
penham nas redes espedficas a que pertencern. Assim, 0 espaco de flu-
xos nao e 0 mesrno para as actividades financeiras e para a ciencia, para
70
I
_1
L.
CAPITULO I: 0 PODEH NA SOCIEDADE EM R£DE
as redes rnediaticas ou para as redes do poder politico. Na teoria social,
o espaco nao se pode conceber separado das praticas socia is. Por isso,
cada uma das dimensoes da sociedade em rede que rernos analisado
neste capitulo, tern uma manifestacao espacial. Como as praticas estao
ligadas em rede, 0 espaco tarnbem esta. Urna vcz que as praticas em
rede se baseiam em fluxos de inforrnacao processaclos por tecnologias
de comunicacao em diferentes lugares, 0 espaco cia sociedade em rede
e constituido pela articulacao entre tres elementos: os lugares oncle se
localizam as actividades (e as pessoas que as executam), as redes de
cornunicacao material que vinculum essas actividades, e 0 conteudo e a
geometria de fluxos de informacao que desenvolvem as actividades em
terrnos de funcao e significado. E esre 0 espaco dos fluxos. 0 tempo,
em terrnos socia is, pode definir-se como urna sequencia de praticas.
o tempo biol6gico, caracteristico da maior parte cia existencia humana
(e que e 0 destino cia maioria da populacao mundial), e definido pela
sequencia programada dos ciclos vitais da natureza. 0 tempo social foi
modelado ao longo da hist6ria por aquilo que eu denornino de tempo
burocratico. ou seja, a organizacao do tempo nas instituicoes e na vida
quotidiana. pelos c6digos dos aparelhos ideol6gico-militares impostos
sobre os ritrnos do tempo biol6gico. Na Era Industrial foi-se impondo
o tempo do rel6gio ate constituir aquilo a que eu chamaria, seguindo
a tradicao foulcauldiana, tempo disciplinador. Trata-se da medida e da
organizacao de uma sequenciacao suficienternente precisa para desig-
nar tarefas e trazer ordem a cada momenta da vida, cornecando pela
estandardizacao do tempo industrial e 0 calculo do horizonte temporal
das transaccoes financeiras, do is componentes fundamentais do capita-
lismo industrial que nao poderia funcionar sem 0 tempo regulado pelo
relogio: 0 tempo e dinheiro e 0 dinheiro acumula-se com 0 tempo.
Na sociedade em rede, 0 enfase na sequenciacao inverte-se. A relacao
com 0 tempo e definida pelo uso das tecnologias de inforrnacao e
comunicacao, num esforco incessante para aniquilar 0 tempo, negando
a sequenciacao, Isto consegue-se, por urn lado, comprimindo 0 tempo
(como nas transaccoes financeiras globais instantaneas ou na pratica
generalizada de multitasking, acurnulando mais actividades num dado
tempo) e, por outro, esfumando a sequencia das praticas sociais,
7l
o PODER DA CmIUNICA(,Ao
incluindo passado, presente e futuro numa ordem aleat6ria, como aeon-
tece com 0 hipertexto electr6nico na Web 2.0 ou na indefinicao das
regras do ciclo vital, tanto em relacao ao trabalho como a maternidade.
Na sociedade industrial, que se organiza em torno da ideia do pro-
gresso e desenvolvimeruo das forcas produtivas, 0 tornar-se estruturava
o ser, e 0 tempo moldava 0 espaco. Na sociedade em rede, 0 espaco
de f1uxos dissolve 0 tempo ao desordenar a sequencia cle aconteci-
mentos ao toma-les simultaneos, imponclo a sociedacle uma transitorie-
dade estrutural: 0 ser anula 0 tornar-se.
A construcao clo espaco e do tempo e diferenciacla socialmente.
o espaco multiplo cle lugares, fragmentaclo e desconectado, rnostra
diversas temporalidades que vao clesde a dorninacao mais tradicional
dos ritmos biol6gicos, ate ao controlo clo tempo do rel6gio. Algumas
funcoes e individuos seleccionados transcendem 0 tempo (como se esti-
vessem a mudar de fuso horatio global), enquanto que as actividades
desvalorizadas e as pessoas subordinadas suporram a vicla enquanto
o tempo passa. Exisrern, sem duvida, projectos alternativos de estrutu-
racao do tempo e do espaco que sao expressao de movimentos socia is
que se propoern modificar os prograrnas dominantes da sociedacle em
rede. Assim, em vez cle aceitar 0 tempo aternporal como 0 tempo dos
aut6matos financeiros, 0 movimento ecologista propoern viver 0 tempo
numa perspectiva cosmol6gica de longo prazo, conternplando as nossas
vidas como uma parte da evolucao da nossa especie e sentindo-nos
solidarios com as futuras geracoes e com a nossa heranca cosmol6gica.
E a is to que Lash e Urry (1994) conceptualizaram como tempo glacial.
As comunidades de todo 0 mundo lutam para preservar a irnpor-
tancia da localidade e para afirrnar 0 espaco dos lugares, baseado na
experiencia, sobre a 16gica do espaco dosf1uxos, baseado na instrumen-
talizacao, num processo que denorninei "enraizamento" do espaco de
f1uxos (Castells, 1999). Na realidade, 0 espaco de f1uxos nao desaparece,
ate porque e a forma espacial da sociedade em rede, mas a sua 16gica
pode transformar-se. Em vez de fechar 0 significado e a funcao nos pro-
gramas das redes, pode ir buscar apoio material para a ligacao global da
experiencia local, como as comunidades online que surgem quando as
culturas locais se ligam em rede (Castells, 2001).
72
CAPiTULO 1: 0 PODER NA SOCIEDADE EM REDE
o cspaco e 0 tempo redefinern-se tanto pelo aparecimento de uma
nova estrutura social como pelas lutas sobre a forma e os programas
da dita estrutura social. 0 espa<;;o e 0 tempo expressam as relacoes de
pocler cia sociedade em recle.
A cultura na sociedade em rede
As sociedades sao construcoes culturais. Por cultura entendo 0 con-
junto de valores e crencas que dao forma, orientam e motivam 0 com-
porrarnento das pessoas. Portanto, se existe uma sociedade em rede
especifica, deveriarnos ser capazes de identificar a sua cultura como 0
seu inclicaclor hist6rico. Mais uma vez, a complexidade e a novidade da
socieclade em rede sugerem precaucao. Em primeiro lugar, porque a
sociedade em rede e global, lida com uma multiplicidade de culturas,
ligadas a hist6ria e a geografia de cada area do mundo, integrando-as.
Na realidade, 0 industrialismo e a cultura da sociedade industrial nao
fizeram desaparecer as culturas do mundo. A sociedade industrial
manifestou-se de maneiras muito diferentes e de facto contraditorias
(dos EUA a Uniao Sovietica, do japao ao Reino Unido). Tambern havia
nucleos industrializados em sociedades maioritariamente rurais e tradi-
cionais. Nem 0 capitalismo unificou culturalmente 0 seu ambito de exis-
tencia hist6rica. E certo que 0 mercado governou em todos os paises
capitalistas, mas sob regras tao especfficas e com tal variedade de formas
culturais que identificar uma cultura como capitalista oferece escasso
valor analitico, a menos que 0 que queiramos realmente denominar seja
a cultura norte-arnericana ou a cultura ocidental, e nesse caso 0 resul-
tado e empiricamente falso.
Do mesmo modo, a sociedade em rede evolui em multiples arnbien-
tes culturais, produzidos pela hist6ria diferencial de cad a contexto.
Materializa-se em formas especificas, provocando a criacao de sistemas
institucionais muito diferentes (Castells (ed.), 2004). Ainda assim, existe
um nucleo comum na sociedade em rede, tal como existia na socie-
dade industrial. Mas ha uma camada de unidade adicional na sociedade
em rede. Existe global mente em tempo real. E global na sua estrutura.
73
o PODER DA COMUr-.~CA\_~O
Portanto, nao so mostra a sua logica em todo 0 mundo, como manrem
a sua organizacao reticular no ambito global ao mesmo tempo que
desenvolve a especificidade de cada sociedade. Este duplo movimento
de uniformizacao e singularidade tern duas consequencias importantes
no ambito cultural.
Por urn lado, as identidades culturais especificas converrern-se em
focos de autonomia, e as vezes de resistencia, para grupos e indivi-
duos que negam a dissipar-sc na logica das redes dorninantes (Castells,
2003). Ser Frances torna-se tao importante como ser urn cidadao ou
consumidor. Ser catalao, basco, galego, irlandes, gales, escoces. quebc-
quense, curdo, xiita, sunita, ou maori converte-se em motivo de auto-
-identificacao face a dorninacao imposta pelos Estados-nacao Em con-
traste com as visoes norrnativas ou ideologicas que propoern a fusao de
todas as culturas no "caldeirao" cosmopolita dos cidadaos do mundo,
o mundo n30 e plano. As identiclades de resistencia multiplicararn-se
com estas primeiras fases do desenvolvimento cia sociedade em rede
global e provocaram os conflitos sociais e politicos mais dramaticos clos
ultimos tempos. Teoricos experientes e ideo logos nao tao experientes
podem prevenir os riscos dessa evolucao. Mas nao podemos ignora-la.
A observacao cleve dar forma a teoria, e nao 0 contrario. Por isso, 0 que
caracteriza a sociedade em rede global e a contraposicao da logica da
rede global e a afirmacao da multiplicidade de identidades locais, como
tentei racionar e documentar na minha obra CCastells, 1996-2004; veja-se
tarnbern Tilly, 2005).
Mais que 0 aparecimento de LIma cultura homogenea global, 0 que
pode observar-se como tcndencia principal e a diversidade historica e
cultural: fragrnentacao mais do que convergencia. A questao chave que
se levanta e se estas identidades culturais especfficas (criadas com mate-
ria is herdados de historias singulares reelaboradas num novo contexte)
possuem a capacidade de comunicar umas com as outras (Tourraine,
1997). Caso contrario, 0 facto de partilhar urna estrutura social global
interdependente e nao serem capazes de falar urna linguagem comum
de valores e crencas provoca urn mal-entendido sisternico e esta na
base da violencia destrutiva contra 0 outro. Assim, os protocolos de
cornunicacao entre diferentes culturas sao a pedra angular da sociedade
74
CAPiTULO 1: 0 PODEH N,\ SOCIEDADE EM REDE
em rede, ja que sem isso nao existc- tal sociedade, mas apenas redes
dominantes e comunidades de resisiencia. 0 projecto de uma cultura
cosmopolita comum aos cidadaos do mundo que sentem as bases de
uma governacao democratica global e aborcla 0 prohlema cultural-insti-
tucional fundamental da sociedade em rede (Habermas, 1998; Beck,
2005). Infelizmente, est a visao propoe a solucao, mas nao e capaz de
identificar, excepto em terrnos norm.n ivos, os processos pelos quais se
poderiam eriar estes protocolos de cornunicacao, dado que a cultura
cosmopolita, como dcmonstra a investigacao ernpirica, so esta presente
nurna parte muito pequena cia populacao, inclusivamente na Europa
(Norris, 2000; Furobarometro, varies anos). Por isso, embora pessoal-
mente desejasse que a cultura cosmopolita incrernentasse gradualmente
a cornunicacao entre povos e culturas, a observacao das actuais tenden-
cias aponta no sentido contrario.
Determinar esses protocolos de comunicacao intercultural talvez seja
urn tema de investigacao Esia mvesrigacao iniciara este livro partindo
da seguinte hipotese: a cultura comurn. da sociedade em rede global e
uma cultura de protocolos que perrnite a comunicacdo entre diferentes
culturas sobre a base, ndo necessariamente de ualores partilbados, mas
de partilba do valor da comunicacdo. Isto quer dizer que a nova cultura
nao esta baseada no conteudo, mas no processo, tal como a cultura
democratica constitucional se baseia no procedimento, nao em progra-
mas concretos. A cultura global e urna cultura da comunicacao pel a
cornunicacao. E urna rede aberta de significados culturais que podern
nao so coexistir, mas tarnbern interagir e modificar-se mutuamente sobre
a base deste intercambio. A cultura da sociedade em rede e urna cultura
de protocolos de cornunicacao entre todas as culturas do mundo, desen-
volvida sobre a base de uma crenca comurn no poder das redes e da
sinergia obtida ao dar e receber dos outros. 0 processo de construcao
material da cultura da sociedade em rede esta em marcha. Mas nao se
trata da difusao da mentalidade capitalista atraves do poder exercido
pelas elites dominantes herdadas da sociedade industrial. Muito rnenos
das propostas idealistas dos filosofos que sonharn com urn mundo de
cidadaos abstractos e cosmopolitas. E 0 processo pelo qual os actores
socia is conscientes de diferentes origens fornecem a outros os seus
75
o PODER J)A COMUNICA<;:AO
recursos e as suas crencas, esperando receber 0 mesmo em troca e mais
ainda: partilhar um mundo diverso que acabe com 0 meclo ancestral
do Outro.
o Estado em rede
o poder pode reduzir-se ao Estado. No entanto, a cornpreensao do
Estado e da sua especificiclade historica e cultural e urn elernento neces-
sario para qualquer ieoria do poder.
Por Estado refire-me as instituicoes de governacao da sociedacle e os
seus organismos de rcpresentacao politica institucionalizados, e a gestae
e ao controlo da vida social, ou seja, 0 poderexecutivo, legislativo,
judicial, a adrninistracao publica, 0 exercito, os corp os de seguranca.
Os organismos reguladores e os particlos politicos, nos distintos niveis
de governo nacional. regional, local e internacionaL
o Estado pretende afirrnar a soberania, 0 monopolio da tomada de
decisoes sobre os seus subditos em determinados limites territoriais.
o Estado define a cidaclania, conferinclo direitos e exigindo obrigacoes
aos seus subditos. Por isso, estencle a sua autoridacle aos estrangeiros
sob a sua jurisdicao. E, mantern relacoes de cooperacao, competencia
e poder com ourros Estados. Na analise anterior demonstrei, de acorclo
com uma serie de acadernicos e observadores, a crescente contradicao
entre a estruturacao clas relacoes instrumentais em recles globais e a
delirnitacao da autoridade do Estado-nacao nos seus Iimites territoriais.
Existe real mente uma crise do Estado-nacao como entidade soberana
(Appadurai, 1996; Nye e Donahue, 2000; Price, 2002; Jacquet, Pisani-
-Ferry e Tubiana, 2002; Beck, 2005; Fraser, 2007). No entanto, os Estados-
-nacdo, apesar da sua crise multidimensional, ndo desaparecem; trans-
formam-se para se adaptarem ao novo contexto. A sua transforrnacao
pragrnatica e 0 que realmente muda 0 panorama politico na sociedade
em rede global. Esta transforrnacao esta sujeita a influencia e a oposicao
de uma serie de projectos que constituem 0 material cultural/ideologico
sobre 0 que os distintos interesses politicos e socia is presentes na socie-
dade trabalham para alcancar a transforrnacao do Estado.
76
CAPiruLO 1: 0 PODEH NA SOCIEDADE EM REDE
Os Estados-nacao respondem as crises induzidas pelos processos
paralelos de globalizacao e da instrumentalizacao e identificacao da cul-
tura de tres Iormas:
1. Associam-se e formam redes de Estados, algumas com multiples
objectivos e partilhando soberania, como a Uniao Europeia.
Outras centrarn-se numa serie de assuntos, geralmente de comer-
cio, por exemplo, NAFTA ou Mercosur; ou de seguranca, como
a NATO. E ha outras que se constituern como espacos de coor-
denacao, negociacao e debate entre Estados com interesses em
regioes especificas do mundo, como a OEA (Organizacao de
Estados Americanos), a UA (Uniao Africana), a liga Arabe, ASEAN
(Associacao de Nacoes do Sudeste Asiatico), APEC (Forum de
Cooperacao Econornica Asia-Pacifico), a Cimeira da Asia Oriental,
a Organizacao de Cooperacao de Xangai, CPLP (Comunidade de
Paises de Lingua Portuguesa), ete. Nas redes mais fortes, os Esta-
dos partilham alguns atributos da soberania Os Estados estabe-
lecem tambern redes informais permanentes ou serniperrnanentes
para elaborar estrategias e adrninistrar 0 mundo de acordo com
os interesses dos participantes na rede. Ha uma ordem hierar-
quica nestes grupos, com 0 G-8 (que rapidarnenre se convertera
em G-13, G-15 ou G-20) no topo cia cadeia trofica,
2. Os Estados construirarn uma rede cada vez mais densa de insti-
tuicoes internacionais e organizacoes supranacionais para tratar
dos problemas globais, desde instituicoes de caracter geral, como
as Nacoes Unidas, ate outras especializadas, como a OMC, FMI,
Banco Mundial, 0 Tribunal Internacional de justica, ete. Tarnbern
ha instituicoes especiais para urna serie de assuntos, por exemplo,
os tratados sobre 0 meio ambiente e as suas agencias.
3. Os Estados-nacao de muitos paises iniciararn urn processo de
devolucao de poder aos governos regionais e locais abrindo
canais para a participacao das ONG, com a esperanca de poder
deter a sua crise de legitimidade politica, fazendo a ligacao com a
identidade dos povos.
77
o PODER DA COMUNICA<;:Ao
o actual processo de tomada de decisoes politic-as opera numa
rede de interaccao entre instituicoes nacionais, supranacionais, interna-
cionais, regionais e locais que alcancarn as organizacoes da sociedade
civil. Neste processo assistimos 3 transforrnacao do Est.ido-nacao sobe-
rano que surgiu na Idade Moclerna numa nova forma de Estado: 0 que
contextualizei como Estado em rede (Castells, 1998; edicao de 2000:
338-365). 0 novo Estado em rede caracteriza-se por p.utilhar soberania
e a responsabilidade entre diferentes Estados e niveis de governo, a fle-
xibilidade nos procedirnenros do governo e urna maior diversidade de
tempos e espacos na relacao entre govern os e cidadaos em cornparacao
com 0 anterior Estado-nacao.
Todo 0 sistema se desenvolve cle forma pragmatica. mediante deci-
soes ad hoc, acomoclando normas e instituicoes 3S vezes contraditorias
e fazenclo 0 sistema de representacao politica rnais obscuro e mais
alheaclo clo controlo dos cidadaos, A eficiencia do Estado-nacao
melhora, mas a sua crise de legitimiclade piora, embora a legitimidacle
politica geral possa rnelhorar se as instiruicoes locais e regionais desern-
pen harem 0 seu pape!. De todo 0 modo, a maior autonomia do Estado
local e regional pode criar contradicoes em distintos niveis do Estado
e enfrenta-las, Esta nova forma de Estado da lugar a novos problemas
derivados da contradicao entre a natureza historicarnenre construida da
instituicao e as novas funcoes e mecanismos que tern que assumir para
funcionar na rede, ao mesmo tempo que se relacionarn com as suas
sociedades nacionais Iimitadas no territorio.
Assim, 0 Estado em rede enfrenta um problema de coordenacdo,
desde tres pontos de vista: organizativo, tecnico e politico.
Organizatiuo. as agencias criadas para proteger 0 seu territorio e
a sua posicao privilegiada de comando sobre as suas sociedades nao
podem ter a mesma estrutura nem os mesmos sistemas de recompensa e
princlpios operatives que as agencias cujo papel fundamental e encon-
trar sinergias com outras agencias,
Tecnico. os protocolos de comunicacao nao funcionarn, a introducao
de redes inforrnaticas rnuitas vezes desorganiza as agencias participan-
tes em vez de Iiga-las, como ocorre com 0 novo Homeland Security
Administration (Departamento de Seguranca do Territorio Nacional)
78
CAPiTULO 1: 0 PODER NA SOCIEDADE EM REDE
criado nos EUA depois de declarar a guerra ao terrorismo. As agen-
cias rnostram-se reticentes a usar a tecnologia em rede que pressuponha
partilhar as suas praticas e possa por em perigo a sua capacidade para
conservar 0 controlo sobre as suas atribuicoes burocraticas.
Politico: a estrategia de coordenacao entre agencias nao e so hori-
zontal, tarnbem e vertical em duas direccoes: ligacao com os seus super-
visores politicos, pelo que perdern <J sua autonomia burocr.itica, e liga-
cao com os seus eleitores, pelo que aumenta a sua responsabilidade
perante eles.
o Estado em rede tambem enfrenta um problema ideologico: coorde-
nar uma politica comum significa urn idiorna cornum e urn conjunto de
valores partilhados, por exemplo contra 0 fundamentalismo de mercado
na regulacao do mesmo. a aceitacao do desenvolvimento sustentavel na
politica do meio ambiental, ou a prioridade aos direitos humanos sobre
a raison d'etat na politica de seguranca. Nao e claro que exista a dita
compatibilidade entre diferentes aparelhos do Estado.
Tambem, ha 0 problema geopolilico Os Estados-nacao continuam a
considerar as redes de governa.;,:ao como urna mesa de negociacao onde
tern a oportunidade de prornover os seus inreresses. Em vez de coope-
rar em causas de bern comum rnundial, os Estados-na<;:ao continuam a
guiar-se por principios politicos que mandarn em cada Estado-nacao.
o governo global considera-se urn campo de oportunidades para maxi-
mizar os interesses proprios em vez de um novo contexte no qual as
instituicoes politicas partilharn 0 governo em torno de projectos comuns.
De facto, quanta mais avanca 0 processo de globaliza.;,:ao, maiores con-
tradicoes gera (crises de identidade, crises economicas, crises de legiti-
midade), contradicoes que levam a um renascimento clo nacionalismo
e a tentativas de restaurar a primeira soberania. De facto, 0 mundo e
objectivamente multilateral, mas alguns dos actores politicos mais pode-
rosos no cenario internacional, como os EUA, Russia OLl China, tendern
a actuar unilateralrnente, dando prioridadeao seu interesse nacional,
sem se preocuparempela desestabilizacao do mundo num sentido
ample. Desta forma poem em perigo a sua propria seguranca porque as
suas accoes unilaterais num contexto de um mundo globalmente inter-
dependente induzern a um caos sisternico (por exemplo, a ligacao entre
79
~
80
o PODEn DA COMUNICA<;Ao
a guerra do Iraque, as tensoes com 0 Irao, a intensificacao da guerra
no Afeganistao, 0 aumento dos precos do petr61eo e a crise econ6mica
global). Embora persistam estas contradis;:oes geopoliticas, 0 mundo nao
pode passar de urna forma pragmatica e pontual de tomada de decisoes
negociaclas a um sistema cle governo constitucional global em recle.
Em ultima instancia, s6 0 poder cia socieclacle civil global actuando
sobre a opiniao publica atraves dos media e clas recles cle cornunicacao
podera superar final mente a inercia hist6rica clos Estados-nacao e con-
seguir que estes aceitern a realidade clo seu pocler limitado a troco de
aumentar a sua legitimidade e eficacia.
o Poder nas Redes
Reuni elementos analiticos necessaries para tratar a quesrao que
constitui 0 terna central deste livro. Oncle radica 0 pocler na socieclacle
em recle global? Para clar enfase a esta questao, prirneiro devo diferen-
ciar quarro formas cle pocler clistintas
• pocler cle ligar-se em recle (netw01-king power);
pocler da rede (network power);
pocler em rede (networked power);
• e pocler para criar recles (network-making power).
Cacla urna clestas forrnas cle pocler define processos concretos cle
exercicio cle pocler.
opoder de ligar-se em rede refere-se ao pocler dos actores e organiza-
coes ineluiclos nas recles que constituern 0 nucleo cia socieclacle em rede
global sobre os grupos ou pessoas que ndo estao integraclos ne!as. Esta
forma de pocler opera por inclusao/exclusao. Tongia e Wilson (2007)
propuseram urna analise formal que clemonstra que 0 custo cia exclusao
clas redes aumenta mais clepressa que as vantagens de inclusao nelas.
Isto deve-se a que 0 valor cle estar numa recle aumenta exponencial-
mente com 0 tamanho clesta, como propos em 1976 a lei cle Metcalfe.
1
CAJ'fruLO l: 0 PODER NA SOCIEDADE EM R£DE
Mas, ao mesmo tempo, a desvalorizacao que envolve a exclusao da
rede tarnbern aumenta exponencialmente, e a uma velociclade maior
que 0 aurnenro do valor cle estar na recle. A teoria de gatekeeping ou
filtro da rede investigou os distiruos processes pelos quais os n6s
ineluem ou excluern da rede, demonsrrando 0 papel fundamental cia
capaciclacle cle filtro para irnpor 0 pocler colectivo cle algumas recles
sobre ourras, ou cle urna cleterrninacla recle sobre as uniclacles socials
desligaclas (Barzilai-Nahon, 2008) Os actores sociais poclem estabelecer
a sua posicao cle pocler constituindo urna recle que acumule recursos
valiosos e clepois exercendo as suas estrategias cle filtro para impedir 0
acesso aqueles que nao acrescenrarn valor a recle ou poem em perigo
os interesses clominantes nos seus programas.
o pocler cia rede entende-se melhor na concepcao proposta por
Grewal para reorizar sobre a globalizacao clescle a perspectiva clas ana-
lises cle recles. Oeste ponto de vista. a globalizacao supoe uma coorde-
nacao social entre multiples actores ligaclos. Esta coordenacao requer
standards:
Os standards que permitem a coordenacao global mostrarn 0 que eu
chama poder da rcde. A ideia de poder da rede consiste em unir duas
ideias. em primeiro lugar, que os standards de coordenacao sao mais
valiosos quanta mais genre os utiliza. e em segundo lugar que esta dina-
mica - que descrevo como uma forma de poder - pocle levar it pro-
gressiva eliminac;:ao das alternativas sobre as que. noutro caso, se pode
exercer a livre eieicao colectivamente. Os novos standards globais ..
lproporcionam] a solucao para 0 problema cia coordenacao global entre
distintos participantes, mas fazem-no elevando urna solucao sobre as
outras e arneacando eliminar as solucoes alternativas para esse mesmo
problema (Grewal, 2008. p. 5).
Portanto, os standards, ou, na rninha terminologia, os protocolos
cle comunicacao, determinarn as regras que tern cle se aceitar quanclo
se esta na rede. Neste caso, 0 pocler exerce-se nao por exclusao das
recles, mas pela imposicao cle regras cle inclusao. E claro, clepenclendo
clo nivel de abertura cia rede, estas regras poclem negociar-se entre os
seus componentes. Mas, uma vez estabelecidas, tornarn-se obrigat6rias
para toclos os n6s da rede, ja que 0 respeito a estas normas e 0 que
81
o PODER DA eOMUNICACAo
possibilita a existencia da rede como estrutura comunicativa. 0 poder
da rede e 0 poder dos standards da rede sobre os seus cornponentes,
embora este poder favoreca, em ultima instancia, os interesses de urn
con junto especifico de actores sociais na origem da formacao da rede
e do estabelecimento de standards (protocolos de cornunicacao). A
nocao do chamado "consenso de Washington" como principio operativo
da economia de mercado global ilustra 0 significado do poder da rede.
Mas. quem ostenta 0 poder nas redes dominantes? Como open 0
poder em rede? Como disse anteriorrnente, 0 poder e a capacidade rela-
cional para impor a vontade de urn actor sobre a de outro a partir cia
capacidade estrutural de dominacao integrada nas instituicoes da socie-
dade. Segundo esta definicao, a questao de quem detern 0 poder nas
redes da sociedade em rede poderia ser muito sensivel ou impossivel
de responder.
E aconselhavel respondermos a pergunta analisando a actuacao de
cada rede dominante concreta. Cada rede define as suas proprias rela-
coes de poder em funcao das suas metas programadas. Assirn, no capi-
talismo global, 0 mercado financeiro tern a ultima palavra, e 0 FMI ou
as agencias qualificadoras ou de rating (como a Moody's ou a Standard
and Poor) sao os interpretes autorizados para os comuns dos mortais.
A ultima palavra e normalmente pronunciada no idioma do Departa-
mento do Tesouro, da Reserva Federal dos EUA, ou de Wall Street, com
sotaque alernao, frances, japones, chines ou de Oxbridge, dependendo
do tempo e do lugar. Ou entao, 0 poder dos EUA, em termos de poder
estatal-militar, e, em termos mais analiticos, 0 poder de qualquer apare-
lho capaz de servir-se da inovacao e dos conhecimentos tecnologicos na
prossecucao do poder militar, que possui recursos materia is para inves-
tir a grande escala em tecnologia de defesa.
Mas a questao poderia converter-se num be co sem saida analitica se
tentarmos responde-la unidimensionalmente e tentarmos determinar a
Fonte de Poder como uma entidade unica. 0 poder militar nao e capaz
de prevenir uma crise financeira catastrofica, mais, poderia provoca-la
sob determinadas condicoes de paranoia irracional defensiva e a deses-
tabilizacao dos paises produtores de petroleo. Contudo, os mercados
financeiros globais poderiam converter-se num Automate, fora do con-
82
L
T
I
CAPITULO 1: 0 PODER NA SOCIEDADE EM REDE
trolo de qualquer instituicao reguladora importante, dado 0 tamanho,
volume e complexidade dos fluxos de capital que circulam pelas suas
redes, e da dependencia que rem os seus crirerios de valorizacao de
turbulencias informativas incompreensiveis. Diz-se que a tomada de
decisoes politicas dependern dos media, mas estes constituern urn rer-
reno plural, ernbora inclinado em termos ideologicos e politicos, e 0
processo da politica dos media e rnuito complicado (ver Capitulo 4).
Quanto a cIasse capitalista, possui urn certo poder, mas nao 0 poder
sobre todas as pessoas e coisas, ja que tern LIma grande dependcncia
tanto das dinarnicas autonornas dos mercados globais como das deci-
soes dos governos em termos de regulacoes e politicas. Finalmente, os
proprios governos estao ligados em redes complexas de governacao
global imperfeita, condicionados pelas pressoes dos grupos empresariais
e de interesse, obrigados a negociar com os media, que rraduzern as
accoes governamentais a sua cidadania, e periodicamente atacados por
movimentos socia is e manifestacoes de resistencia que nao se resignarn
a retirar-se para "as traseiras"do final da historia (Nye e Donahue (eds.),
2000; Price, 2002; juris, 2008; Sirota, 2008). No entanto, em alguns casos,
como 0 dos EUA depois do 11 de Setembro OLIa Russia, a China, 0 Irao
ou Israel nas suas zonas de influencia, os governos podern ernbarcar
em accoes unilaterais que levam 0 caos ao cenario Internacional. Mas
fazern-no arriscando-se (sendo nos as vitimas dos danos colaterais),
Assim, a unilateralidade geopolitics subrnete-se, em ultima analise, as
realidades do nosso mundo globalrnente interdependente. Resurnindo,
os Estados, incluindo os mais poderosos, tern algo de poder (geral-
mente, destrutivo), mas nao 0 Poder,
Entao, talvez a questao do poder, como se formulava tradicional-
mente, nao tenha sentido na sociedade em rede. Mas existem novas for-
mas de dominacao e deterrninacao que SaG fundamentals no memento
de moldar a vida das pessoas independentemente dos seus desejos.
Ha relacoes de poder, com novas formas e novos actores. As formas
mais cruciais de poder continuam a logica do poder para criar redes.
Vamos explica-las com um certo cuidado,
Nurn mundo de redes, a capacidade para exercer controlo sobre
outros depende de dois mecanismos bdsicos. 1) a capacidade de cons-
83
o PODEll DA COML'NICA(AO
truir redes e de programar/reprogramar as redes segundo os objeciiuos
que se lbes atribui, e 2) a capacidade para ligar diferentes redes e asse-
gurar a sua cooperacao partilhando objectives e cornbinando recursos,
enquanto se evita a competic.io de outras rcdes estabelecendo uma
cooperacao cstrategica.
Denomino a quem detern 0 primeiro podcr de programadores (pro-
grammers), e a quem detern 0 segundo. de suitcbers. E importante assi-
nalar que tanto uns como outros sao aciores socia is, mas nao estao
necessariamente identificados com urn grupo ou individuo em particular.
Em geral, estes mecanismos actuarn no rerreno comum entre varies
actores sociais, definidos em funcao da sua posicao na estrutura social,
e no marco organizativo da sociedade. Por isso, sugiro que, em muitos
casos, quem detern0 poder sdo, tambem, redes. Nao recles abstractas e
inconscientes nem aut6nomas: trata-se de seres hurnanos organizados
envolvidas nos seus projectos e interesses. Mas nao SaG actores isolados
(individuos, grupos, classes, licleres religiosos ou politicos), ja qu~ 0
exercicio de poder na sociedade em reele requer urn complexo grupo
de accao conjunta que rranscenele as aliancas ate converter-se numa
nova forma de sujeito, similar ao que Bruno Latour descreveu brilhanre-
mente como "actor-rede" (2005).
Examinemos 0 funcionamento destes mecanismos de criacao de
pocler nas redes: ligacao e programacdo. A capacidade de programar
os objectivos da rede (assim como a de reprograma-la) e evidentemente
decisiva porque, uma vez prograrnada, a rede actuara com eficiencia
e reconfigurara a sua estrutura e n6s para atingir os seus objectivos.
o moclo em que os diferentes actores programam a recle e urn processo
especifico cle caela recle. Nao e igual nas financas globais e no pocler
militar, na investlgacao cientifica, no crime organizaclo ou no des porto
profissional. Portanto, as relacoes cle poder na recle tern que identifi-
car-se e entender-se em termos especificos para cacla recle. Contuclo,
todas as redes tern algo em comurn: sdo as ideias, as oisoes, os projectos
e os conte:xtos que geram os programas. Estes sao materia is culturais.
Na socieclacle em recle, a cultura esta, geralmente, incorporada nos pro-
cessos cle cornunicacao, especialmente no hipertexto electr6nico, senclo
o seu nucleo as recles empresariais multimedia globais e Internet. Assim,
84
CAPITULO 1: 0 PODER NA SOCIEOAOE EM i{EOE
as ideias podem gerar-se em distintas fontes e estar ligadas a interesses
e subculturas especificos (por exemplo, a econornia neoclassica, as
religioes, 0 culto a liberclade pessoal, e outros). No entanto, rodas sao
processadas na socieclade de acordo com a rnaneira como sao repre-
sentaclas no campo cia cornunicacao. E, em ultima instancia, alcancarn
os apoios de cada rede segundo a exposicao desres aos processos cle
comunicacao. Assim, 0 principal activo na capacidade para prograrnar
cacla recle e 0 controlo das recles cle comunicacao, ou a influencia sobre
elas, e a capacidade para criar um processo de cornunicacao e persuasao
efectivo que favoreca os projectos dossupostos programadores. Dito cle
outra maneira, 0 processo cle comunicacao na sociedade, e as organi-
zacoes e recles que se encarregam deste processo, SaG os 5mbitos deci-
sivos nos quais se criam os projectos de prograrnacao e se formam os
apoios clestes projectos. Sao os ambitos cle pocler na socieclacle em recle.
Existe uma segunda fonre de pocler: 0 controlo clos pontos de ligacao
entre diferentes recles estrategicas. Denomino switchers os que ocuparn
estas posicoes. Por exernplo, as ligacoes entre as redes de lideranca
politica, as redes rnediaticas, as recles cientificas e tecnol6gicas e as
recles militares e cle seguranca para estabelecer lima estraregia geopoli-
tica. Ou a ligacao entre recles ernpresariais e redes mediaticas para pro-
cluzir e clifundir cliscursos politico-icleol6gicos concretos. Ou as relacoes
entre redes religiosas e politicas para promoverem urna agenda religiosa
nurna sociedacle laica. Ou entre redes empresariais e academicas para
intercarnbiar conhecimentos e legitimiclacle a troco de recursos para as
Universiclades e emprego para os seus proclutos (leia-se licenciados).
Nao se trata cle recles cle antigos alunos. Sao sistemas cle interface espe-
cificos estabelecidos sobre uma base cia sociedade rnais alern clas auto-
-apresentacoes das instituicoes e organizacoes.
Mas nao pretenclo ressuscitar a icleia cle urna elite cle pocler. Nao
existe a clita elite. Esta e lima imagem simplificada clo pocler na socie-
clacle cujo valor analitico se limita a alguns casos extremos. Precisamente
porque nao existe nenhurna elite cle pocler capaz cle manter sob 0 seu
controlo toclas as operacoes cle prograrnacao e ligacao cle toclas as recles
importantes, clevem estabelecer-se sistemas mais subtis, compJexos
e negociados cle irnposicao clo pocler. Para qlle as relacoes cle pocler
85
o POOER OA COMUNICAc;:AO
se afirmern, os prograrnas das redes dominantes da sociedade devem
estabelecer objectivos compativeis entre elas (por exemplo, dominie
do mercado e estabilidade social; poder militar e contencao financeiru.
representac;:ao politica e reproducao do capitalismo; livre expressao e
controlo cultural). Tarnbem, devern ser capazes, mediante os processes
de ligacao representados por actores-redes, de comunicar-se umas com
as outras, induzindo sinergias e limitando as conrradicoes. Por isso e t.to
irnportante que os magnatas dos media nao se convertam em lideres
politicos, como e 0 caso de Berlusconi. Quanros mais suntcbers se con-
verterern em expressao crua da mera dominacao, mais sufocam as rela-
coes de pocler na sociedade em rede, 0 dinamismo e a cnatividadc das
suas multiplas Fontes de estruturacao e da mudanca social. Os suntcbers
nao S30 pessoas, mas sao formados por pessoas. Sao actores, consti-
tuidos por redes de actores que interagern em interfaces dinarnicas que
funcionam especificamente em cada processo de ligacao. Os programa-
dares e as suntcbers sao aqueles actores e redes de actores que, grac;:as
a sua posicao na estrutura social, exercern 0 poder para erial' redes. a
forma suprema de poder na sociedade em rede.
Poder e Contrapoder na Sociedade em Rede
Os processos de construcao de poder devern olhar-se a partir de
duas perspectivas: pOI' urn lado, podern aplicar a dominacao existente ou
adquirir posicoes estruturais de dorninacao, pOI' outro lado, tarnbem ha
processos de resistencia ao poder, em nome de interesses, valores e pro-
jectos excluidos ou sub-representados nos programas e composicao das
redes. Analiticamente, ambos os process os configuram em ultima instan-
cia as estruturas de poder mediante a sua interaccao. Sao diferentes,
embora actuem sob a mesma logica. Isto quer dizer quea resistencia
ao poder efectua-se mediante os dois mecanismos que constituem 0
poder na sociedade em rede: os programas das redes e a ligacao entre
elas. Oeste modo, a accao colectiva dos movimentos sociais, nas suas
diferentes formas, pretende introduzir novas instrucoes e c6digos nos
programas das redes. Por exemplo, uma nova instrucao nas redes finan-
86
CAPiTULO 1: 0 POOER NA SOCIEDADE EM REDE
ceiras globais poderia levar, em certas condicoes de pobreza extrema,
ao perdao da divida exrerna de alguns paises, como foi exigido, e em
parte conseguido pelo movimento Jubileu 2000. Outro exemplo de
novos c6digos nas redes financeiras globais e 0 projecto para avaliar
o capital social das empresas segundo a sua deontologia arnbiental ou
o seu respeito peJos direitos humanos, com a esperanca de que isto
influencie pOI' firn, a atitude dos investidores e dos accionistas relativa-
mente as empresas consideradas boas ou mas cidadas do planeta. Nestas
condicoes, 0 c6digo de calculo econ6mico muda de crescimenro poten-
cial a crescimento sustentavel potencial. Os rnovimentos de resistencia
dirigidos a transforrnar 0 principio fundamental de urna rede - ou 0
nucleo do c6digo de programa, para conservar 0 paralelisrno com a lin-
guagem inforrnatica - pretendem uma reprograrnacao mais radical. Por
exemplo, se a vontade de Deus deve prevalecer em todas as circuns-
tancias (como afirmarn os fundamentalistas cristaos), as redes institu-
cionais que formam os sistemas legal e judicial devern prograrnar-se
nao para seguir a constituicao politica, as normas legais ou as decisoes
governamenrais (pOI' exemplo, perrnitindo que as mulheres deciclam
sobre 0 seu corpo e as suas gravidezes), mas para subrnete-las a inter-
pretacao que da vontade de Deus fazem os seus Bispos terrestres.
Noutro caso, quando 0 rnovirnento pela justica global reclama que os
acordos comerciais que regulam a Organizacao Mundial cle Cornercio
se voltem a reforrnular tendo em consideracao a conservacao arnbiental,
os direitos sociais e 0 respeito pelas minorias indigenas, esta a actual'
para modificar os programas segundo os quais funcionam as redes da
economia global.
o segundo mecanismo de resistencia consiste em bloquear os pontos
de ligacao entre redes que permitem 0 controlo destas pelos metapro-
gramadores de vaJores partilhados que expressam a dorninacao estru-
tural. POI' exemplo, propondo leis ou influenciando 0 Congresso norte-
-america no para quebrar a ligacao entre os oligop6lios da comunicacao
e 0 governo como desafio as normas da Comissao Federal de Comuni-
cacao dos EUA, que permitem uma maior concentracao da propriedade.
Outras formas de resistencia consistem em bJoquear as redes entre
empresas e 0 sistema politico mediante regulacao do financiamento
87
o rODm DA COMUNICA<;Ao
uas campanhas eleitorais ou realcando 0 confliro de interesses existente
entre ser 0 vice-presidente do pais e lucrar na sua antiga empresa que foi
beneficiada com contratos militares, Ou mediante a oposicao a servidao
intelectual perante os poderes estabelecidos daqueles acadernicos que
utilizarn as suas catedras como plataformas de propaganda. A alteracao
mais radical dos switchers afecta a infra-estrutura material da sociedade
em rede: os ataques fisicos e psicol6gicos ao trans porte aereo, as redes
informaticas, aos sistemas de inforrnacao ou aquelas redes de services
das quais depende a vida da sociedade no sistema interdependente,
altamonte complexo, que caracteriza 0 mundo informacional. 0 desafio
do terrorismo baseia-se precisamente na sua capacidade para arentar
contra as Iigacoes estrategicas materia is, para que a sua interrupcao ou
a arneaca da sua alteracao desorganize a vida quotidiana das pessoas
e as obrigue a viver num Esrado de ernergencia, alimentando com isso
o crescirnento de outras redes de poder. as redes de seguranca, que
se estendem a todos os arnbiros da vida. Existe, de facto, uma relacao
simbi6tica entre a alteracao de ligacoes estraregicas por accoes de resis-
tencia e a reconfiguracao das redes de poder nurn novo conjunto de
ligacoes organizadas em torno das redes de seguranca.
A resistencia ao poder programado nas redes tambem se leva a cabo
por e a/raves das redes. Estas sao assim mesmo redes de inforrnacao
sustentadas por tecnologias da inforrnacao e da cornunicacao (Arquilla e
Rondfeldt, 2002). 0 inadequadamente chamado "movimento antiglobali-
zacao" e uma rede local-global organizada e debatida na Internet e estru-
turalmente Iigada com a rede mediatica (ver Capitulo 5). A Al-Qaeda
- e as organizacoes relacionadas com ela - sao uma rede constituida par
multiples n6s, com escassa coordenacao central, e directamente dirigida
pela sua ligacao com as redes mediaticas, atraves das quais pretende
infligir me do aos infieis e despertar esperancas entre as massas oprirni-
das de crentes (Gunaratna, 2002; Seib, 2008). 0 movimento ambiental
e uma rede local mente enraizada e ligada globalmente que pretende
mudar a mentalidade do publico com 0 firn de influenciar nas decisoes
politicas para salvar 0 planeta ou 0 pr6prio bairro (ver Capitulo 5).
Uma caracteristica central da sociedade em rede e que tanto as dina-
micas de dominacao como as de resistencia estao baseadas na formacao
88
II
11 I
CAPIruLO I: 0 Pourn NA SOCIEDADE E~I REOF
de redes e na estrategia de ataque e defesa atraves de redes. Na reali-
dade, e urna continuacao da experiencia historica de sociedades ante-
riores, como a sociedade industrial. A fabrica e as grandes empresas
industria is arganizadas verticalmente forarn a base material do desen-
volvimento tanto da burguesia industrial como do movimento dos traba-
Ihadores. De forma analoga, hoje em dia as redes inforrnaticas para os
mercados financeiros globais, os sistemas de producao transnacionais,
as forcas armadas "inteligentes'' com alcance global, as redes terroristas
de resistencia, a sociedade civil global e os movimentos socia is em rede
que lutam por um mundo melhor. fazem parte da socicdade em rede
global. Os conflitos da nossa epoca instalarn-se entre actores sociais em
rede que pretendem chegar as suas bases de apoio e as suas audiencias
atraves da ligacao decisiva com as redes de cornunicacao multimedia.
Na sociedade em rede 0 poder esta redefinido, mas nao desapa-
receu. Tal como nao desapareceram os confliros sociais. A dominacao
e a resistencia a dorninacao mudarn de caracter segundo a estrutura
social especffica em que se originam e que modificarn com a sua accao.
o poder governa, 0 contrapoder cornbate. As redes processam os seus
prograrnas contradit6rios enquanto as pessoas tentarn encontrar sentido
para a fonte dos seus medos e das suas esperancas.
Conclusao, Entender as Relacoes de Poder na Sociedade
em Rede Global
As Fontes de poder social no nosso mundo - violencia e discurso,
coaccao e persuasao, dorninacao politica e enquadrarnento cultural _
nao mudaram fundamentalmente na nossa experiencia hist6rica, como
teorizararn os principais pensadores do poder. Mas 0 terreno em que
operam as relacoes de poder mudou de duas formas principals- cons-
truiu-se primordial mente em redor da articulacao entre 0 global e 0
local e esta organizado principalmente em redes, nao em unidades
individuais. Visto que as redes sao multiplas, as relacoes de poder sao
especificas de cada rede. Mas ha uma forma fundamental de exercer 0
poder que e comum a todas as redes: a exclusao da rede. Tambern isto
89
o PODER DA COMUNICA<;:j\O
e especffico de cada rede: uma pessoa, urn grupo ou territorio podc ser
excluido de uma rede mas incluido noutras. No enranto, como as redes
estraregicas chave sao globais, ha uma forma de exclusao, e portanto de
poder, que prevalece nurn mundo de redes: a inclusao de tudo 0 que e
valioso no global embora se exclua 0 local desvalorizado. Ha cidadaos
do mundo, que vivem no espaco de fluxos, por oposicao aos locais,
que vivern no espaco dos lugares. Visto que 0 espaco na sociedacle em
rede se configura em torno a oposicao entre 0 espaco de fluxos (global)
e 0 cspaco delugares (local), a estrutura espacial da nossa sociedade e
urna grande fonte de estrururacao das relacoes de poder,
o mesmo ocorre com 0 tempo. 0 tempo atemporal, 0 tcmpo cia
socieclacle em recle nao tem passado nem futuro. Nem sequer passaclo
recente. E 0 cancelarnento cia sequencia, e portanto do tempo, seja por
cornpressao ou por indefinicao da sequencia. De forma que as rela-
coes de pocler constroem-se em torno da oposicao entre 0 tempo arern-
poral e as restantes formas de tempo. 0 tempo arernporal, 0 tempo
do breve "agora", sem sequencia nem ciclo, e 0 tempo do poderoso,
dos que saturarn 0 seu tempo ate ao limite porque a sua actividade e
muito valiosa. 0 tempo comprime-se ate ao nann segundo para aqueles
que 0 tempo e ouro. 0 tempo cia historia, e das identidades historicas,
clifuncle-se num munclo em que so irnporta a gratificacao irnediata. e
oncle 0 fim cia historia e proclarnado pelos bardos dos venceclores. Mas
o tempo de relogio clo taylorismo continua a ser 0 clestino cia maioria
clos trabalhaclores, e 0 tempo cle longue duree dos que imaginarn 0
que vai passar pelo planeta e 0 tempo dos projectos alternatives que
se negam a submeter-se ao dominio clos ciclos acelerados do tempo
instrumental. E interessante que tarnbern haja urn "tempo futuro" mitico
dos poderosos, ou seja, 0 tempo projectado dos futurologos do munclo
ernpresarial. De facto, esta e a ultima forma de conquistar 0 tempo.
Colonizar 0 futuro extrapolando os valores dorninantes do presente nas
projeccoes: como continuar a fazer 0 mesmo, com mais beneficios e
poder, dentro de vinte anos. A capaciclacle para projectar 0 tempo actual
de cada um negando 0 passaclo e 0 futuro a humanidade no sentido
amplo e outra forma cle estabelecer 0 tempo aternporal como forma cle
afirmar 0 poder na sociedacle em rede.
90
CAPiTULO I: 0 PODER NA SOCIEDADE EM REDE
Mas, como se exerce 0 poder denrro clas redes e pelas redes, para
os que estao incluidos nas redes centrais que estruturarn a sociedade?
Considerarei em primeiro lugar as formas conternporaneas de exercicio
clo poder .itraves do monopolio cia violencia e depois atraves cia cons-
trucio de significado com cliscursos clisciplinaclores.
Em primeiro lugar porque as redes sao globais, 0 Estado, que irnpoe
o poder atraves clo monopolio da violencia, encontra lirnites consiclc-
raveis a sua capacidade coerciva a menos que participe em redes com
outros Estados e com quem detern 0 poder nas redes decisivas que
rnoldarn as praticas sociais nos seus territories, ernbora se implementem
no terreno global. Portanto, a capacidade para ligar diferentes recles e
restaurar urn tipo de limite dentro do qual 0 Estado conserve a sua
capacidade para intervir e fundamental para reprocluzir a dorninacao
instirucionalizada do Estaclo. Mas a capacidacle para estabelecer a liga-
cao nao esta necessaria mente nas maos do Estaclo. 0 pocler de ligas;:ao
ostentarn-no os sunicbers, actores sociais de diferentes tipos que se
defincm pelo contexto em que as recles especificas clevem ligar-se para
alcancar objectivos concretos. E claro que os Estados podern continuar
a bornbardear, a encarcerar e a torturar. Mas, a nao ser que encontrem
forma de reunir varias redes estrategicas interessadas nas vantagens cia
capacidade clo Estado para exercer a violencia, 0 exercicio clo seu poder
coercitivo geralrnente e efernero. A dorninacao estavel, que proporciona
a base para impor as relacoes de poder em cada recle, requer uma nego-
ciacao complexa a fim de estabelecer associacoes com os estados, ou
com 0 Estado em recle, que contribuam para melhorar os objectivos
atribuidos acacia rede pelos seus respectivos programas.
Em segunclo lugar, os cliscursos de poder proporcionam os objecti-
vos substantivos para os programas clas recles. As redes processam os
materiais culturais que se constroem no variado terreno discursivo. Estes
programas clirigem-se a obtencao cle certos interesses e valores socia is.
Para serem eficazes no momento cle programar as redes, necessitam
apoiar-se nurn metaprogramador que garanta que os receptores do dis-
curso internalizern as categorias mecliante as quais dotarn cle Significado
as suas proprias accoes cle acordo com os programas das recles. Isto
e especialmente importante num contexto de redes globais. Porque a
91
o PODER DA COMUNICA<;:AO
diversidade cultural do rnundo deve revertcr-se com alguns quadros
comuns que tenharn relacao com os discursos que transmitem os inre-
resses partilhados de cada rede global. Noutras palavras. e nccessario
produzir urna cultura global que se some as identidades especificas em
vez de substitui-las, para levar a cabo os programas de redes que SaG
globais no seu alcance e objectivo. Para que haja globalizacao, esta tern
que afirrnar um discurso disciplinado capaz de enquadrar as culturas
especificas (Lash e Urry, 2007).
Assim, a ligacao e a prograrnacao das redes globais sao as forrnas
de exercitar 0 poder na nossa sociedade em rede global. A ligacao e
rcalizada pelos suntcbers, a prograrnacao, pelos programadores. Quem
e suntcber e quem e programador depende de cada rede e nao pode
deterrninar-se sem se estudar cada caso concreto.
Resistir-se a prograrnacao e interromper as ligacoes para defender
val ores e interesses alternatives sao as formas de contrapoder que exer-
cem os movimentos socia is e a sociedacle civil - local, nacional e glo-
bal - com a dificuldade de que as redes cle poder sao normalmente
globais enquanto que a resistencia do contrapoder e usualmente local.
De que forma alcancar 0 global a partir do local, a partir da ligacao em
rede com outros lugares, como enraizar 0 espaco de fluxos, e a questao
estraregica chave para os movimentos socia is do nosso tempo.
Os meios concretos de ligacao e prograrnacao determinam em grande
medida as formas de poder e contrapoder na sociedade em rede. A liga-
~ao de diferentes redes requer a capacidade para construir urn interface
cultural e organizativo, urn idioma cornurn, um meio cornum, 0 apoio
de urn valor universalmente aceite: 0 valor da troca, No nosso mundo, a
forma tipica de valor de troca que serve para tudo e 0 dinheiro. Com a
moeda em comum, normalmente e medido 0 p?~er que tern as distintas
redes. Esta unidade de medida e essencial, po is a apropriacao de valor
por todas as redes depende das transaccoes financeiras. Isto nao signi-
fica que os capitalistas controlem tudo. Apenas significa que qualquer
urn que disponha de dinheiro suficiente, incluidos os lideres politicos,
tera mais oportunidades de que a ligacao funcione a seu favor. Mas,
como na economia capitalista, alern das transaccoes rnonetarias, tarnbem
se pode utilizar a permuta: urn intercambio de services entre redes (por
92
CAPiTULO 1: 0 PODER NA SOCIEDA.llE EM REDE
exernplo, 0 poder regulador a troco do financiarnento politico por parte
das empresas ou a alavancagem do acesso aos media para ter influencla
politica). Ou seja, 0 pocler de ligacao dependc da capaciclade para gerar
valor de troca, seja mediante dinheiro ou perrnura.
Ha uma segunda grande Fonte de pocler: a capaciclacle de progra-
macae das recles. Esta capacidacle depencle em, ultima instancia, cia
possibiliclacle cle gerar, clifundir e por em pratica os cliscursos que enqua-
dram a accao humana. Sel11 esta capaciclade cliscursiva. a prograrnacao
cle recles concretas e fragil, e clepencle unicarnente clo pocler clos actores
arraigados nas instituicoes. Os cliscursos na nossa sociedade moldarn
a mente atraves de uma tecnologia concrera as recles cle cornunicacao
que organizam a cornunicacao socializacla. Visto que a mente publica
- ou seja, 0 conjunto cle val ores e marcos que tern uma grande visibili-
clacle na sociedacle - e em ultima instancia 0 que influencia 0 cornporta-
mento incliviclual e colectivo, a prograrnacao das redes de cornunicacao
e a Fonte decisiva clos materiais culturais que alimentam os objectivos
programaclos de qualquer outra recle. Por outro lado, como as redes
de cornunicacao ligam 0 local e 0 global, os c6digos que se difundernnestas redes tern alcance global.
Os projectos alternativos e os valores que representam os actores
sociais para reprogramar a sociedacle tarnbern clevem passar pelas recles
de cornunicacao com 0 objective de transforrnar a consciencia e as
opinioes das pessoas para desafiar os pocleres existentes. E 56 actuando
sobre os discursos globais atraves das recles cle cornunicacao globais
podem influenciar as relacoes cle poder nas recles globais que estru-
turarn toclas as sociedacles. Em ultima instancia, 0 pocler de progra-
rnacao condiciona 0 pocler cle ligacao porque os programas das recles
deterrninam a categoria cle possiveis interfaces no processo cle Iigacao.
Os discursos enquadram as opcoes clo que as recles podem ou nao
fazer. Na socieclade em recle, os discursos geram, clifundem, debatem,
internalizam e finalmente incorporam a accao hurnana, no ambito cia
cornunicacao socializada, construida em torno das recles locais-globais
cle cornunicacao digital multimoclal, incluinclo os media e a Internet.
o pocler na sociedacle em rede e 0 poder cia cornunicacao.
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Vma Revolucao Comunicacional?
Comunicar e distribuir significados mediante 0 inrercarnbio de infor-
macao. 0 processo de comunicacao define-se pela tecnologia de cornu-
nicacao, as caracteristicas dos ernissores e os receptores da informacao,
os seus c6digos culturais de referencia, os seus protocol os de cornu-
nicacao e 0 ambito do processo. 0 significado s6 se pode com preen-
der no contexto das relacoes sociais onde se processarn a inforrnacao e
a comunicacao (Shillder, 2007, p.18). Explicarei com maior detalhe os
elementos clesta definicao no contexto da sociedade em rede global.
Cornecando pelo ambito do processo em si mesmo, deve distinguir-se
entre cornunicacao interpessoal e cornurucacao social. No primeiro caso.
os ernissores e receptores designaclos sao os temas da cornunicacao.
No segundo, 0 conteudo da cornunicacao pode difundir-se pela socie-
dade: e 0 que geralmente charnarnos comunicacdo de massas. A cornu-
nicacao interpessoal e interactiva (a mensagem envia-se de urn para
outro com loops de feedback), enquanto que a cornunicacao de rnassas
pode ser interactiva ou unidireccional. A comunicacao de massas tradi-
cional e uniclireccional (a rnensagern e enviada de um para muitos, em
livros, jornais, filmes, radio e televisao). Obviarnente, algumas forrnas de
interactividade podern incorporar-se na comunicacao de rnassas atraves
de outros media. Por exernplo, a audiencia pode participar nos pro-
gramas de radio ou de televisao telefonando, escrevendo cartas ou por
correia electr6nico. Nao obstante, a comunicacao de rnassas tende a
ser predominanternente unidireccional. No entanto, com a difusao da
Internet, surgiu uma nova forma de comunicacao interactiva caracteri-
zada pela capacidade para enviar mensagens de muitos para muitos,
em tempo real ou num momenta concreto, e com a possibilidade de
97
o PODER DA COMUNICA<,:AO
usar a cornunicacao ponto-a-ponto, sendo a amplitude da sua difusao
em Iuncao das caracterisricas das praticas de comunicacao exercidas.
A esta nova forma hist6rica de cornunicacao dei-Ihe 0 nome de auto-
comu nicacao de massas. E cornunicacao de rnassas porque potencial-
mente pode chegar a urna audiencia global, como quando se descarrega
urn video no Youtube, um blogue, com links RSS numa serie de sites,
ou uma mensa gem para uma lista enorme de contacros de correio elec-
tr6nico. Ao rnesmo tempo e autocornurucacao porque ela mesma gera
uma mensagem, define os possiveis rcceptores e selecciona mensagens
especificas ou 0 conteudo da Web e das redes de cornunicacao electro-
nica que cleseja recuperar. As tres formas de cornunicacao (interpessoal,
comunicacao de massas e autocomunicacao de massas) coexistem,
interagem e, ao inves cle se substituirem, complementam-se entre si.
o que e historicamente novidade, e tem enormes consequencias para
a organizacao social e a mudanca cultural, e a articulacao de todas as
formas de comunicacao num hipertexto digital, interactivo e complexo
que integra. mistura e recombina na sua diuersidade uma ampla varie-
clade cle expressoes culturais produziclas pela interaccao humana. Na
realiclacle, a dirnensao mais importante da convergencia da comuni-
cacao, como assinala Jenkins (2006, p. 3.), "produz-se dentro do cerebro
dos consumidores individuals e atraves da sua interaccao social com os
demais."
No entanto, para chegar a esta convergencia de acontecer uma serie
de transforrnacoes decisivas em cada uma clas dimensoes do processo de
comunicacao tal como 0 defini anteriorrnente. Estas dimensoes consti-
tuem um sistema, e uma transforrnacao nao pode ser compreendida sem
a outra. Juntas constituem 0 pano de [undo do que McChesney (2007)
ou Mansell (ed. 2002) clenominaram cle uma "revolucao cia comuni-
cacao", Cowney e outros (Cowney, Aronson e Richards, 2009) definem
como "0 ponto de inflexao" ou, tal como Rice e Outros (984) ha muito
tempo identificaram como 0 nascimento de novos media gracas a
interaccao entre a rnudanca tecnol6gica e a cornunicacao. Para bem cia
c1areza, examinarei em separado as transforrnacoes que estao a ocorrer,
sem que 0 fim da minha apresentacao implique qualquer tipo de casua-
lidacle. Depois analisarei a sua interaccao.
98
CAPiTULO 2: A COMUNICACAO NA ERA DIGITAl.
Em primeiro lugar, existe uma transformacdo tecnologica com base
na digitalizacao cia cornunicacao, a interligacao de cornputadores, 0
softtiare avancado, a maior capacidade de transmissao por bancla larga
e a omnipresente cornunicacao local-global com redes sem fio, de
maneira crescente, com acesso a Internet.
Em segunclo lugar, a definicao cle emissores e receptores diz respeito
a estrutura institucional e organizatiua cia cornunicacao, especialmente
cia cornunicacao social, em que os emissores e receptores sao os media
de alegada audiencia (pessoas identificadas como consumidores de
media). Nas duas ultimas decadas alcancou-se uma transformacao funda-
mental nesre ambito:
1. A cornercializacao generalizada clos media em quase todo 0
mundo;
2. A globalizacao e concentracao das empresas cle media de massas
atraves cle grupos e redes,
3. A segrnentacao, personalizacao e diversificacao clos mercados cle
media, com especial enfase na identificacao cultural cia audiencia;
4. A formacao de grupos empresariais multimedia que abarcam todas
as formas de cornunicacao e, claro, a Internet;
5. E uma maior convergencia empresarial entre operadores de tele-
cornunicacoes, fabricantes cle computadores, operaclores e forne-
cedores de Internet e empresas proprietarias dos media.
A formacao destas recles globais cle empresas multimedia foi possivel
gracas as politicas publicas e as mudancas institucionais caracterizadas
pela liberalizacao, a privatizacao e a desregularnentacao regulamentada,
nacional e internacionalmente, como consequencia clas politicas governa-
mentais favoraveis ao mercado que predominaram a partir dos anos 80.
Em terceiro lugar, a dimensdo cultural do proeesso de transformacdo
multinivel da comunicacdo compreendicla no ponto cle interseccao de
clois pares de tendencias opostas (mas nao compartilhaveis). 0 clesenvol-
vimento paralelo cle uma cultura global e de multiplas identidades cultu-
rais; e a ascensao simultanea clo individualismo e associativismo como
dois model os culturais opostos, claro que igualmente poderosos, que
99
o PODERDACOMUNICA<;:AO
caracterizam 0 nosso mundo (Castells, 2004; Bakker, 2005; Norris, 2000;
Rantenen, 2005). A capacidade ou incapacidade para criar protocolos
de comunicacao entre estas estruturas culturais contradit6rias define
a possibilidade de cornunicacao ou ma cornunicacao entre sujeitos de
diferentes processos de boa cornunicacao. Os media, clesde as cacleias
de televisao culturalmente distintas (por exemplo, Al jazeera em arabe
ou ingles, ou a CNN americana e internacional ou a CNN em espanhol)
ate a Web 2.0, poclem ser os protocol os de cornunicacao,a ponte para
colmatar as lacunas culturais ou fragmentar aincla mais a nossa socie-
clade em ilhas autonornas culturais e trincheiras de resistencia.
Por ultimo, cada um clos elementos desta grande transforrnacao cia
cornunicacao representa a expressao das relacoes sociais, em ultima
instancia das relacoes cle poder subjacente a evolucao do sistema cle
cornunicacao multimoclal. Isto e especialmente evidente na persistencia
do fosso cligital entre diferentes paises e dentro dos paises, que depende
do pocler de aquisicao dos consumiclores e cio clesenvolvimento c!as
infra-estruturas cle cornunicacao. Mesmo com urn acesso crescente a
Internet e as cornunicacoes sem fios, existe uma diferenca abismal no
acesso a banda larga, e as lacunas eclucativas quanto a capacidade de
impelir uma cultura digital tendern a reprociuzir e a arnpliar as estruturas
de dorninacao social por classe, etnia, raca, idacle e sexo entre paises
e dentro de cada pais (Wilson, 2004; Galperin y Mariscal (eds.), 2007;
Katz (ed.), 2008; Rice (ed.), 2008). A crescente influencia clas ernpresas
do sector clos media de inforrnacao e cornunicacao sobre as institui-
coes publicas reguladoras pode incitar a revolucao cias comunicacoes ao
service dos interesses empresariais. A influencia do sector cia publici-
clacle nas empresas cle media mecliante a transformacao clas pessoas em
audiencia rnensuravel tencle a subordinar a inovacao cultural ou 0 prazer
clo entretenimento em consumismo comercial. As burocracias gover-
namentais, as elites politicas ou os aparelhos ideol6gicos e religiosos
com frequencia recluzem e vigiarn a liberclacle cle expressao e comuni-
cacao cia Internet e clo sistema multimedia global-local. A privaciclacle
percleu-se ha muito tempo num enredo de "cookies" e estrategias de
recuperacao de dados pessoais dos quais se livram parcialmente os utili-
zadores com um alto nivel de sofisticacao tecnol6gica (Solove, 2004;
Whitaker, 1999)
100
CAPiTULO2: A COMUNICA<;:AoNAERADIGITAL
Ao mesmo tempo, no entanto, actores sociais e cidaddos de todo 0
mundo estdo a usar esta nova capacidade das redes de comunicacdo
para fazer auancar os seus projectos, defender os seus interesses e
reafirmar os seus valores (Downing, 2003; ]liris, 2008; Costanza-Chock,
no prelo). Alern disso, derarn conta do papel crucial do novo sistema
multimedia e suas instituicoes reguladoras na politica e na cultura da
sociedade. Estarnos a assistir em algumas zonas cio rnundo, particular-
mente nos EUA, a rnobilizacoes socia is e politicas que tentarn estabe-
lecer um certo grau de controlo cios cidadaos sobre os controladores
da cornunicacao, reafirmando 0 direito dos primeiros a liberdade no
espaco das comunicacoes (McChestney, 2007, 2008; K1inenberg, 2006;
Couldry e Curran (eds.), 2003)
Portanto, 0 novo campo de comunicacdo da nossa epoca esta a
surgir atraues de um processo de mudanca multidimensional, configu-
rado pelos conflitos enraizados na estrutura contraditoria de interesses e
valores que constituem a sociedade.
A seguir, identifico com maior precisao 0 processo de mudanca em
cada urna destas dimensoes que, em conjunto, definern a transforrnacao
cia comunicacao na era digital.
A Convergencia Tecnol6gica e 0 Novo Sistema Multimedia:
Da Comuriicacao de Massas a Autocomunicacao de Massa
Urn processo denominado "convergencia de modos'' esta a esbater as fron-
teiras entre sistemas de cornunicacao - incluindo as forrnas de comuni-
cacao ponto-a-ponto tais como 0 correio, 0 telefone, 0 telegrafo - e os
media de massas como a imprensa, a radio e a teleuisdo. Um s6 meio fisico
- seja por cabo ou ondas electromagneticas - pode transportar seruicos
que no passado se [orneciam em separado. Ao inves, um service que no
passado se fornecia por urn meio - radio, imprensa ou telefonia - agora
facilita-se em diferentes suportes fisicos, Por isso, a relacao urn-a-um que
existia entre 0 meio e seu uso esta a desaparecer Othiel de Sola Pool, 1983,
citado por Jenkins, 2006, p. 10).
A tendencia que Ithiel de Sola Pool identificou na sua obra pioneira
de 1983 e agora uma realidade que redesenha 0 panorama da comuni-
101
o PODER DA COMUNICA<;:AO
cacao. Nao e de todo surpreendente que 0 novo paradigma tecnologico
com base nas tecnologias da informacao e da cornunicacao que surgiu
nos anos 70 tenha tido uma influencia decisiva no mundo da comuni-
cacao (Freeman, 1974; Perez, 1983; Caste lis. 2000; Mansell e Steinmueller,
2000; Wilson. 2004). Do ponto de vista tecnologico, as redes de comu-
nicacao, as redes de computadores e as redes de radio e televisao con-
vergiram gracas as redes digitais, as novas tecnologias ele transmissao e
armazenarnento de dados, em particular a fibra optica, as comunicacoes
por satelire e 0 software avancado (Cowhey, Aronson e Richards, 2009),
No entanto, as diferentes tecnologias e moelelos cmpresariais, apoia-
dos pelas politicas das agencias reguladoras, induziram diversas tenden-
cias de mudanca em cada urn dos elementos elo sistema de comuni-
cacao. Nas decadas de oitenta e noventa a radio e a relevisao evoluirarn
nurna direccao que sublinhava a continuidaele na forma de cornunicar,
ao mesrno tempo que aumentava a diversidade de plataformas de difu-
sao e a concentracao da propriedade dos media (Hesmondhalgh, 2007).
A radio, a televisao e a imprensa continuaram, em grande medida, media
de massas. Por sua vez, as redes de computadores e as telccomunica-
coes souberarn tirar partido do potencial da digitalizacao e do software
de codigo aberto para gerar novas forrnas de cornunicacao interactiva
local-global, muiras vezes criadas pelos proprios utilizadores das redes
(Benkler, 2006). A convergencia tecnologica e organizativa entre os dois
sistemas comecou a produzir na primeira decada do seculo XXI e condu-
ziu a formacao gradual de urn novo sistema multimedia (jenkins, 2006).
A teleuis do mutante, a eterma companbeira
Desde 0 principio dos anos 90 que a televisao, 0 modelo de comu-
nicacao de massas, escapou dos limites da adjudicacao do espectro
desenvolvendo novas formas de difusao por cabo e por satelite. 0 meio
passou a ser um sistema de cornunicacao unidireccional altamente
centralizado, com base num numero limitado de redes emissoras, a urn
sistema de ernissao altamonte diversificado e descentralizado baseado na
maior capacidade de transmissao (Croteau e Hoynes, 2006). As tecno-
102
CAPiTULO 2: A COMUNICA<;:Ao NA ERA DIGITAL
logias digitais perrnitiram a multiplicacao do numero de canais que
se podem receber (Galperion, 2004). Embora a televisao digital tenha
aumentado a capacidade do meio libertando espectro, so cornecou
a funcionar nos paises mais desenvolvidos no periodo 2009-2012.
No entanto, mesmo .inres da chegada da televisao digital, houve uma
incubacao de canals de televisao e horarios televisivos diversos em todo
o mundo. Em 2007, 0 agregado familiar medio norte-america no tinha
acesso a 104 canais de relevisao, mais 16 que em 2006 e mais 43 que no
ana 2000 (Nielsen Research, 2007)1. Segundo 0 Observatorio Europeu
do Audiovisual, nos paises da OCDE 0 numero total de canais de tele-
vis.io disponiveis (incluindo os terrestres, a radiodifusao e 0 satelite)
passou de 816 em 2004 a 1 165 em 2006, um crescimento de 43% (OCDE,
2007, p. 175). Os dados ainda incompletos para todo 0 mundo mostrarn
aurnentos sirnilares (Sakr, 2001; Hafez, 2004; Rai e Cottle, 2007).
A introducao da televisao tambern se tern rnantido estavel nos EUA,
com 98% durante os ultirnos vinte anos. Na Europa, 0 nurnero de agrega-
dos com acesso a televisao passou de 1.162.490,4 em 2002 a 1.340.201,3
em 2007 (Euromonitor, 2007). 0 numero de horas passadas em frente a
televisao cresceu a urn ritmo constante na maioria dos paises. Nos EUA,
o agregado familiar medic passou 57 horas e 37 minutes por sernana a
ver televisao. em 2006, urn aurnento de 20 minutos desde 2005 e de
quase 10 horas desele que a Nielsen comecou a utilizar audiornetros, ha
2 decadas (Mandese, 2007). Entre 1997 e 2005 0 tempo que um especta-
dor rnedio dedicou aver televisaoaumentou em quase todos os paises
da OCDE (excepto Nova Zelandia, Espanha e Coreia do SuI) (OCDE,
2007, p. 176). Assirn, a televisao esta viva e continua a ser 0 principal
meio de cornunicacao de massas do seculo XXI. 0 que mudou foi a
fragmentacao da televisao em multiples canais, muitas vezes dirigidos
a audiencias concretas, uma pratica de difusao restringida que tende a
aumentar a difercnciacao cultural no mundo dos media (Turow, 2005).
I Mas 0 numero de canais que pode sintonizar actualmente 0 agregado medic
americano e aproximadamente 0 mesmo, havendo passado a 15,7 em 2006 dos 15,4
em 2005 e dos 15,0 em 2004, 0 primeiro ano que Nielsen ofereceu dados estatisticos
sobre esta questao (Mandese, 2007).
103
, !
o PODER DA COMUNICA<;:Ao
Por outro lado, a pratica da globalizacao em video digital e a progra-
macao informatizada para ver televisao, com a introducao de disposi-
tivos como 0 TiVo individualizou e personalizou a recepcao da progra-
macae Ou seja, a televisao continua a ser um meio de cornunicacao
de massas na perspectiva do emissor, mas muitas vezes e urn meio de
comunicacao pessoal do ponto de vista do receptor. A crescente capaci-
dade para controlar a recepcao de televisao inclui um software capaz de
programar gravacoes e saltar a publicidade, uma ameaca fundamental
para a principal Fonte de rendimentos das cadeias de televisao.
Apesar de a televisao continuar a ser 0 meio de cornunicacao de
massas dorninante, a tecnologia, os neg6cios e a cultura transforrna-
rarn-na profundamente, ao ponto de que agora se considera urn meio
que combina difusao massiva com difusao personalizada. Em 1980, uma
media de 40% dos agregados familiares norte-arnericanos com televisao
sintonizararn urn dos tres principais canais de noticias nurna determi-
nada noite. Em 2006, este valor desceu ate 18,2%2 Segundo a Nielsen
Media Research, em 2006 mais de 85% dos agregados norte-arnericanos
detinha televisao por cabo ou satelite, contra os 56% de 1990. A audien-
cia do horatio nobre da televisao (8h-11h da noite) caiu de 80% em
1990 e para 56% em 2006 (Standard and Poor, 2007a ).
Contudo, rnesmo as novas infra-estruturas tecnol6gicas e 0 desenvol-
vimento das ernissoras por cabo e satelite aumentaram a personalizacao
do produto e a segrnentacao da audiencia, a integracao vertical das
ernissoras locais de televisao em redes nacionais, propriedade de gran-
des empresas (como nos EUA, mas tarnbern em Italia, India, Australia e
outros paises) deram lugar a uma crescente uniformidade de conteudos,
com aparente diferenciacao (Shiller, 2007; Hesmondhalgh, 2007; Bosetti,
2007; Campo Vidal, 2008; Chatterjee, 2004; Flew, 2007). Eric Kiinenberg,
no seu inovador estudo sobre os debates politicos em torno da trans-
formacao dos media nos EUA, documentou como as emissoras locais
das redes de televisao foram perdendo a sua capacidade para decidir
o conteudo da prograrnacao e se viram obrigadas a emitir prograrnas
2 Project for Exellence in Journalism, 2007. Nao obstante, Segundo Nielsen Media
Research, apesar do rapido aurnento do numero de canais, 0 consumidor medio 56
ve 15 canais semanalmente (OCDE, 2007, p.175).
104
CAPiTULO 2: A COMUNICA<;:AO NA ERA DIGITAL
produzidos central mente, muitas vezes com base em sistemas automati-
zados, como por exemplo a inforrnacao do tempo "local", apresentado
num tom familiar por jornalistas que nunca tinham estado no local que
estavam a falar (Klinenberg, 2007).
A radio: ligar em rede um Iugar imaginado
A radio, 0 meio de comunicacao de massas mais adaptavel aos hora-
rios individuals e ao local da audiencia durante 0 seculo xx, seguiu uma
trajectoria de integracao vertical semelhante. As rnudancas tecnol6gicas,
numa situacao de concentracao de propriedade, leva ram a urn maior
controlo local do conteudo por parte de esnidios que servern roda a
rede. As gravacoes e as edicoes digitais permitern a integracao de ernis-
soras de radios locais em redes empresariais nacionais. A maior parte do
conteudo das noticias locais e. na verda de, nao local, e algumas repor-
tagens de mvestigacao "exclusivas" sao prograrnas genericos adaptados
ao contexto da audiencia. A ernissao autornatizada de musica a partir de
repertorios gravados aproxima as emissoras ao modelo i-Pod de music
on demand. As possibilidades de personalizacao e diferenciacao que
perrnitem as tecnologias digitais utilizaram-se uma vez mais para dis-
farcar a producao centralizada de produtos distribuidos localmente e
adaptados a audiencias especificas seguindo modelos de marketing.
Antes do Telecommunications Act de 1996 suprimir muitas das restri-
coes para a concentracao de propriedade, havia mais de 10.400 ernis-
soras de radio comerciais privadas nos EUA (veja-se mais a frente).
Entre 1996 e 1998 0 numero de proprietaries de emissoras reduziu-se
para 700. Nos dois anos posteriores a aprovacao da lei no Congresso,
as empresas compraram e venderam rnais de 4.400 emissoras de radio e
estabeleceram grandes redes nacionais numa presenca oligopolista nas
maiores areas metropolitanas. Assirn, as tecnologias da liberdade e 0
seu potencial de diversificacao nao levarn necessariamente a diferen-
ciacao de prograrnacao e localizacao do conteudo, mas podem distorcer
a identidade nurna tentativa de combinar controlo centralizado e emis-
sao descentralizada como uma eficaz estrategia empresarial (Klinenberg,
2007, p. 27).
105
:r
o PODEH [)A COMUNlCA<;:Ao
o auge da Internet e das comunicaciies sem fios
Alern disso, as redes de comput.idores, 0 softioare de c6digo aberto
(incluindo os protocolos de Internet), e 0 rapido desenvolvimento da
capacidade de cornutacao e transmissao digital etas redes de telecomu-
nicacoes levaram a espectacular expansao da Internet depois da sua
privatizacao nos anos 90. Na realidade, Internet e uma tecnologia antiga:
utilizou-se pela primeira vez em 1969. Mas nao cornecou a difundir-se
em grande escala ate ha vinte anos arras, devido a varies factores.
rnudancas de regularnentacao, largura da banda, difusao dos compu-
tadores pessoais, programas de sofuoare facers de utilizar que simplifi-
cavam 0 download, 0 acesso e a transmissao de conteudos (cornecando
pelo navegador e servidor da rede em 1990) e a crescente procura social
de redes de todo 0 tipo que surgiram pelas necessidades do mundo
empresarial e pelo desejo do publico de ter as suas pr6prias redes de
cornunicacao (Abbate, 1999; Casrells. 2001; Benkler, 2006).
Como resultado, 0 nurnero de utilizadores da Internet no mundo
passou de 40 mil hoes em 1995 a quase l.400 milhoes em 2008. Nesse
ano, as taxas de penetracao alcancararn rnais de 60% em quase todos
os paises desenvolvidos e cresceram rapidamente nos paises em desen-
volvimento (Center for the Digital Future, varies anos), A penetracao
global da Internet em 2008 era ainda uma quinta parte da populacao
mundial, e menos de 10% dos utilizadores da Internet tinharn aces so
a banda larga. Contudo, desde 2000 0 fosso digital, na perspectiva da
relacao do acesso a Internet entre a OCDE e os paises em desenvolvi-
mento baixou de 80,6:1 em 1997 para 5,8:1 em 2007. Em 2005 aderiram
a Internet quase 0 dobro de novos utilizadores nos paises em desen-
volvimento do que nos paises da OCDE (lTU, 2007). A China e 0 pais
com 0 crescimento mais rapido de utilizadores da Internet, se bem que
a taxa de penetracao continua abaixo dos 20% da populacao em 2008.
Em julho de 2008, 0 nurnero de utilizadores de Internet na China era
de 253 rnilhoes, superando os 223 mil hoes de utilizadores nos EUA
(CNNIC,2008). Em 2007, os paises da OCDE tinham uma taxa de pene-
tracao de aproximadamente 65% da sua populacao, Tarnbern, dada a
enorme disparidade no uso da Internet entre as pessoas maiores de 60
106
CAPITULO 2: A COMUNICA<;:AO NA ERA DIGITAL
anos e as menores de 30. a proporcao de utilizadores da Internet sem
duvida se aproxirnara do ponto de saturacao nos paises desenvolvidos
e aumentara substancialmente em todo 0 mundo a medida que a rninha
gera<;ao vai desaparecendo.
A partir dos anos 90 deu-seoutra revolucao das cornunicacocs em
todo 0 rnundo: a explosao das comunicacoes sem fios, com maior capa-
cidade de conexao e largura de banda nas sucessivas gera<;;oes de tele-
fones moveis (Castells, Fernandez-Ardevol, Qiu e Sey, 2006; Katz (ed.),
2008). Foi a tecnologia de mais rapida difusao na hist6ria das comuni-
cacoes. Em 1991 havia quase 16 milhoes de contratos de telefone sem
fios no mundo. Em Julho de 2008 superou-se os 3.400 milhoes de con-
tratos, quase 52% da populacao mundial. Utilizando um factor multipli-
cador conservador (os bebes nao utilizam telem6veis - pelo menos por
enquanto - e nos paises pobres familias e aldeias dividern urn unico
telefone), podemos calcular sem medo de equivoco que rnais de 60%
da popula<;;ao mundial tinha acesso as cornunicacoes sem fios em 2008,
embora este valor esteja muito limitado pelos rendimentos. Efectivamente,
estudos realizados na China, America Latina e Africa demonstraram que
os pobres ciao uma alta prioriciade as suas necessidades de comuni-
cacao e utilizarn urna parte irnportante do seu orcarnento para satis-
faze-las (Qiu, 2007: Sey, 2008; Wallis, 2008; Katz (ed), 2008). Nos paises
desenvolvicios, a taxa de penetracao dos contratos de telefone m6vel
varia entre os 82,4% dos EUA e os mais de 100% de ltalia, Portugal ou
Espanha, e esta a chegar ao ponto de saturacao.
Ha urn novo escalao de convergencia tecnol6gica que integra a
Internet e as cornunicacoes sern fios, incluincio as redes Wi-Fi e WiMax,
e diversas aplicacoes que distribuern a capacidade de comunica<;;ao
at raves de redes sern fios, multiplicando assim os pontos de acesso a
Internet. Isto e muito importante para os paises em desenvolvimento
porque a taxa de crescimento da penetracao da Internet abrandou pela
escassez de linhas telef6nicas. No novo modelo de relecomunicacoes, a
comunicacao sern fios converteu-se na forma predominante de cornu-
nicacao em todas as partes, especial mente nos paises em desenvolvi-
rnento. 0 ana de 2002 foi 0 primeiro em que 0 numero de assinantes de
telefones m6veis superou 0 numero de assinantes de telefones fixos em
107
, ~
1
,I
o PODER DA COMUNICA<;:Ao
todo 0 mundo. Portanro, a capacidade para !igar-se a Internet a partir
dum dispositivo sem fios converteu-se num factor decisivo na nova onda
de difusao de Internet no mundo. Esta capacidade depende em grande
medida da instalacao de infra-estruturas sem fios, dos novos protocol os
de Internet sem fios e cia difusao da capacidacle de largura cle banda
avanr;:ada. Desde os anos 80, a capacidade de transmissao das redes cle
telecomunicar;:oes passaram cle 26k a 64k, depois para 256k, alcanr;:ando
os 45MBP nas redes empresariais mais desenvolvidas em 2007. Os
lideres mundiais em largura de banda e irnplantacao sac a Coreia do Sui,
Singapura e a Holanda. Quase rodos os outros tern urn longo caminho a
percorrer para se colocarem ao seu nivel, Nao obstante, a possibilidade
tecnol6gica de uma rede de banda larga sem fios quase ubiqua ja existe,
o que incrernentara as possibilidades de cornunicacao multimodal de
qualquer ripo de inforrnacao em qualquer formato, entre todas as pes-
soas e a partir de qualquer lugar. No entanto, para que esta rede global
funcione realmente, tern de se construir as infra-estruturas adequadas e
implanrar uma regulacao propicia, tanto nacional como internacional-
mente (Cowhey, Aronson e Richards, 2009).
Autocomunicat;;ii.o de mas sa
Observe-se que passarnos a falar da difusao e dos media a comuni-
cacao em geral. A Internet, a Worl Wide Web e as comunicar;:6es sem
fios nao sac media no sentido tradicional. Mas sac media interactivos.
No entanto, como a maioria dos analistas deste campo, afirmo que os
lirnites entre os media de massas e outras formas de cornunicacao sac
difusos (Cardoso, 2006; Rice (ed.), 2008). 0 correio electr6nico e funda-
mentalmente uma forma de comunicacao pessoal, ainda que tendo em
conta as c6pias multiplas e os envios massivos de correio. Mas a Internet
e muito mais arnpla que isto. A World Wide Web e uma rede de comu-
nicacao utilizada para enviar e trocar documentos. Estes documentos
podem ser textos, sons, videos, programas de software, literalmente
qualquer coisa que se possa digitalizar, Por isso, faz sentido cornparar a
Internet com a televisao em termos de "audiencia", como sucede muitas
108
CAPiTULO 2: A COMUNlCA<;:Ao NA ERA DIGITAL
vezes com as analises desactualizadas dos media. Na verdade, na
economia da inforrnacao, a maior parte do tempo que se consome
na Internet e tempo de estudo ou trabalho (Caste lis, Tubella, Sancho e
Roca, 2007). Nao "vernos" a Internet como vemos a televisao. Na pra-
tica, os utilizadores da Internet (a maioria da populacao nas sociedades
avancadas e uma proporcao cada vez maior no Terceiro Mundo) uiuem
com a Internet. Como se pode constatar em multiplas investigacoes,
a Internet. nas suas distintas aplicacoes, e 0 elo da cornunicacao das
nossas vidas. para 0 trabalho, os contactos pessoais, a mforrnacao, 0
entretenimento, os services publicos, a politica e a religiao (Castells
e Tubella (dirs.), 2007; Center for the Digital Future, 2005, 2007, 2008;
Cardoso, 2006; Katz e Rice, 2002; Weiman e Haythornwaite (eds.), 2002).
Nao se pode isolar 0 uso da Internet como entretenimento ou para ver
as noticias e compara-la com os media de massas em horas de "visio-
namento", porque trabalhar com a Internet inclui a busca ocasional de
paginas Web nao relacionadas com 0 trabalho ou 0 envio de correia
electr6nico privado como resultado da cada vez mais clifundida multi-
tarefa no contexto informacional (Tubella e outros, 2008; Katz (ed.),
2008; Montgomery, 2007). Alern disso, a Internet utiliza-se cad a vez mais
para aceder a media de massas (televisao, radio, jornais), bem como em
qualquer forma de produto informativo ou cultural digitalizado (filmes,
musica, revistas, livros, artigos jornalisticos, bases de dados).
A rede ja transformou a televisao. Os adolescentes entrevistados por
investigadores do USC Center for the Digital Future nem sequer com-
preendem a ideia de ver a televisao com urn horario ja programado.
Vern programas inteiros no monitor do computador e, cada vez mais,
em dispositivos portateis. Assim, a televisao continua a ser urn meio
de comunicacao de mass as importante, mas 0 seu Formato e recepcao
estao a mudar a medida que a recepcao se personaliza (Center for the
Digital Future, "World Internet Survey", varios anos, Cardoso, 2006). Urn
fen6meno similar ocorreu com a imprensa. Em todo 0 rnundo, os utili-
zadores de Internet com menos de 30 anos, basicamente leern os jornais
online. De modo que, ainda que 0 jornal continue a ser urn meio de
cornunicacao de rnassas, a sua plataforma de difusao muda. Ainda que
nao haja urn modelo de neg6cio claro para 0 jornalismo online (Beckett
109
.;1
o PODER DA COMUNlCA<;:AO CAPiTULO 2: A COMUNICA<;:AO NA EM DIGITAL
e Mansell, 2008); no entanto, a Internet e as tecnologias digitais transfor-
maram 0 processo de trabalho de jornais e media de massas desenvol-
vidas. Os jornais converteram-se em organizacoes ligadas em rede inter-
namente que se ligam globalmente a redes de cornunicacao na Internet.
Alern disso, os conteudos online dos jornais levaram a introducao e
sinergia com outras organizacoes de noticias e media (Beckett e Man-
sell, 2008). As redaccoes dos jornais, televisoes e radios transformaram-
-se com a digitallzacao das noticias e 0 incessante processamento global-
-local (Boczkowski, 2005). Assim, a cornunicacao de massas no sentido
rradicional agora e tarnbern urna cornunicacao baseada na Internet tanto
na sua producao como na sua transmissao. Alern disso, a cornbinacao
~ de noticias online com 0 blogging interactivo e 0 correia electr6nico,
assim como os conteudos RSS de outros documentos da rede, trans-
formaram os jornais num dos elementos de uma diferente forma de
cornunicacao. a autocomunicacdo de massas. Esta forma de comuni-
cacao surgiu com 0 desenvolvimento das chamadas Web 2.0 e Web 3.0,
ou 0 grupo de tecnologias, dispositivose aplicacoes que sustentam a
proliferacao de espacos socia is na Internet gracas a rnaior capacidade
de banda larga, 0 revolucionario sojiware de c6digo abeno e a melhor
qualidade dos graficos e interface, incluindo a interaccao de avatares em
espacos virtuais tridimensionais.
A difusao da Internet, as cornunicacoes sem fios, os media digitais
e uma serie de ferramentas de software social provocaram 0 desenvol-
vimento de redes horizontais de comunicacao interactiva que ligam 0
local e 0 global em qualquer memento. Com a convergencia da Internet,
as cornunicacoes sem fios e a difusao gradual de uma maior capacidade
de banda larga, 0 poder de processamento de informacao e comuni-
cacao da Internet chega a todas as areas da vida social como chegavam
a rede electrica e a energia nas sociedades industria is (Hughes, 1983;
Benker, 2006; Caste lis e Tubella (dirs.), 2007). A medida que as pessoas
(os cham ados utilizadores) incorporaram novas formas de cornunicacao,
foram construindo 0 seu pr6prio sistema de cornunicacao de massas
atraves de SMS, blogues, vlogs, podcasts, wikis e similares (Cardoso,
2006; Tubella e outros, 2008; Gillespie, 2006). As redes de troca de
ficheiros e P2P (Peer-to-Peer) permitem a circulacao, cornbinacao e
forrnatacao de qualquer conteudo digitalizado. Em Fevereiro de 2008, a
Technorati contabilizou 112,8 mil hoes de blogues e rnais de 250 milhoes
de artigos classificaclos como media socia is, contra os quatro milhoes de
blogues que existiarn em Outubro de 2004. Em media, de acordo com a
Informacao recolhida nurn periodo de sesscnta dias, criaram-se 120.000
blogues, publicaral11-se 1,5 milhoes de entradas e actualizaram-se apro-
ximadamente 60 milhoes de blogues por dia (Baker, 2008). A charnada
"blogosfera" e UI11 espaco de cornunicacao internacional e multilingue.
Embora 0 Ingles dominasse nas prirneiras Iases do desenvolvimento dos
blogues, em Abril de 2007 so 36% das entradas dos blogues eram em
Ingles, enquanto 37% eram em [apones e 8% em chines. A maioria de
entradas de outros blogues repartiam-se entre espanhol (3%), italiano
(3%), DISSO (2%), Frances (2%), porrugues (2%), alernao (1%) e persa
(1%) (Sifry, 2007; Bussiness Week, 2008). Os blogues estao a converter-se
numa importante area de expressao pessoal para a juventude chinesa
(Dong, no prelo). Uma contagem mais exacta dos blogues chineses
provavelmente aumentaria a proporcao do chines na blogosfera aproxi-
mando-o ao ingles e ao [apones.
A maioria dos blogues em todo 0 mundo e de natureza pessoal.
Segundo 0 Pew Internet & American LifeProject, 52% dos blogers dizem
que escrevem fundamental mente para eles proprios, enquanto 32%
fazern-no para 0 seu publico (Lenart e Fox. 2006, pp. ii-iii)3. Ou seja, ate
certo ponto, uma parte importante desta forma de autocomuriicacdo
de massas estd mais proxima do "autismo electronico" do que da comu-
nicacdo real. No entanto, qualquer coisa que se coloque na Internet,
independentemente da mtencao do autor, converte-se numa garrafa
lancada ao oceano da cornunicacao global, uma mensagem susceptive!
de ser recebida e processada de formas imprevistas.
Da inteligencia de jovens utilizadores reconvertidos em produtores
surgiraru formas revolucionanas de autocomunicac;:ao de massas. Urn
exemplo e 0 You tube, urn sitio da Web onde utilizadores particulares,
organizacoes, empresas e governos podem carregar os seus proprios
3 Tarnbern, segundo a mesma pesquisa Pew, s6 11% dos novos blogues tratam
de politica.
110 111
j
,j
o PODER DA COMUNICA<;:AO
videos (Madden, 2007, p. 7)4 Fundado em 2005 por jawed Karim,
Steven Chen e Chad Hurley>, rres norte-americanos que se conheceram
quando trabalhavam na PayPal, a versao americana do YouTube alojava
69.800.000 videos em Fevereiro de 2008. Em Novembro de 2007, por
exemplo, 74,5 milhoes de pessoas virarn 2.900 mil hoes de video no
YouTube.com (39 videos por espectador) (ComScore, 2008). Por outro
lado, cadeias nacionais e internacionais como Al Jazeera, CNN, NTV do
Quenia, France 24, TV3 cJa Catalunha e muitos outros media mantern
o seu proprio canal de YouTube para conseguir novas audiencias e
conectar as pessoas interessadas na sua diaspora. Tarnbern, em julho
de 2007, 0 YouTube Iancou 18 sitios especificos para muitos outros pai-
ses e urn sitio concebido apenas para utilizadores de telefones moveis.
Isto converteu 0 YouTube no maior meio de comunica~ao de massas
do mundo. Na Internet estao a proliferar os sitios na Web que imitam 0
YouTube, como 0 Ifilm.com, revver.com e Grouper.com. Tudou.com e
o sitio Web de videos mais popular na China e urn dos de crescimento
mais rapido, com mais de seis rnilhoes de visitantes por dia em Agosto
de 2007, um aumemo de 175% relativamente ao nurnero de visitantes
tres meses antes (Nielsen Netratings, 2007). As redes socia is como 0
MySpace.com tambern permitem carregar conteudos de video. De facto,
o MySpace foi em 2008 0 segundo maior sitio de alojarnento de videos
na rede. Em Novembro de 2007, 43,2 milhoes de pessoas virarn 389
milhoes de videos no MySpace.com (ComScore, 2007). A ernissao de
video em tempo real e uma forma cada vez mais popular de consumo
e producao de videos. Urn estudo do Pew Internet & American LifePro-
ject mostrou que, em Dezembro de 2007, 48% dos utilizadores norte-
-arnericanos consumiam regularmente videos online, cornparando com
os 33% do ana anterior. Esta tendencia e mais marcada em utilizadores
4 No eruanto, segundo os resultados do Pew Internet Project, a maioria dos
utilizadores prefere conteudos de video profissional (62%), contra 19% que prefere
conteudo amador e 11% que nao demonstra preferencia. A medida que mais ernpre-
sas distribuem os seus videos online, parece dar-se uma tendencia para abandonar
os conteudos criados pelos proprios utilizadores (ainda que possa ser temporario).
5 Steven Chen chegou de Taiwan aos EUA com oito anos, Jawed Karim nasceu
na A1emanha, mas emigrou para os EUA aos 13 anos.
112
CAPiTULO 2: A COMUNICA<;:Ao NA ERA DIGITAL
com menos de 30 anos, 70% dos quais visitam sitios de video online
(Rainie, 2008, p. 2).
Assim, 0 YouTube e outros sitios Web com conreudos criados pelos
utilizadores sao media de massas. No entanto, sao distintos dos media
tradicionais. Qualquer urn pode carregar (fazer upload) urn VIdeo no
YouTube, com algumas restricoes. E 0 utilizador escolhe 0 video que
quer ver e comentar entre uma enorme lista de possibilidades. Claro
que ha pressoes sobre a liberdade de expressao no YouTube, espe-
cialmente arneacas legais por infraccao do copyright e censura dos
governos sobre 0 conteudo politico em situacoes de crise. No entanto,
o YouTube tern crescido de tal forma que a Rainha de Inglaterra decidiu
fazer la 0 seu discurso de 2007. Da mesma forma, os debates televisivos
dos candidatos a Presidencia dos EUA em 2008 e as eleicoes ao Con-
gresso Espanhol em 2008, foram emitidos no YouTube e complernen-
tararn-se com videos dos proprios cidadaos.
As redes horizontais de cornunicacao estabelecidas por iniciativa,
interesse e cJesejo das pessoas SaG multimodais e incorporam muitos
tipos de documentos, desde a fotografia (aiojadas em sitios como 0
Photobucket.com, que tinha 60 mil hoes de utilizadores registados em
Fevereiro de 2008), e projectos cooperativos a grande escala, como a
Wikipedia (a enciclopedia cJe codigo aberto com 26 milhoes de cola-
boradores, mas so 75.000 SaG activos), ate a rnusica e filmes (redes P2P
baseadas em programas de software gratuito como 0 Kazaa) e redes de
activistas sociais/politicos/religiosos que combinam fotografias de deba-
tes baseados na rede com incorporacao de VIdeos, som e texto.
Para os adolescentes "0 que interessa lsobre a capacidade de criar
conteudos e distribui-los na rede] nao SaG os 15 minutos de fama, mas
sim os 15 mega bytes de fama" (Ieffrey Cole, cornunicacao pessoal,
julho de 2008).
Os espacos sociais na rede, criados na tradicao pioneira das cornuni-
cacoes virtuais dos anos 80 e que superaram as rniopes formulas comer-
cias do espaco social introduzidas inicialmentepela AOL, multiplicaram-
-se em conteudo e dispararam em nurnero, formando uma sociedade
virtual dispersa e difundida pela rede. 0 MySpace (com 110 milhoes de
utilizadores activos em 2008) continuava a ser 0 sitio Web mais popular
113
It
o PODER DA COMUNICA<;:Ao
para 0 intercarnbio social em 2008, mas era habitado, em grande medida,
por uma populacao muito jovern (Forrester, 2008). Mas outras formulas,
como 0 Facebook. ampliararn as Iorrnas de sociabilidade em reck de
relacoes concrcras entre pessoas identificadas de todas as idades. As
comunidades online atraem todo 0 tipo de projcctos, como por cxern-
plo a Societyfor Creative Anacbonism, com rnais de 30.000 mernbros
pagantes em Dezernbro de 2007, urna cornunidade virtual de recriacao
hist6rica fundada em 1996. Para rnilhoes de utilizadores da Internet
com menos de 30 anos. as comunidades online sao urna dirnensao fun-
damental cia vida di.iria que continua a expandir-se em todo 0 laclo,
incluindo a China e os paises em desenvolvimento, e 0 seu cresci-
mento e travado pelas lirnir.icoes da largura de banda e 0 acesso (Boyd,
2006a, 2006h; Montgomery, 2007; Williams, 2007). Com as previsoes de
desenvolvimento das infra-esiruturas e 0 menor preco das cornunica-
coes, dizer que as comunidades online estao a crescer rapidarnente, nao
como um mundo virtual, mas como uma virtualidade real integrada em
outras formas de interaccao na vida diaria cada vez mais hibrida, nao e
uma previsao mas uma observacao (Center for the Digital Future, 2008)
Urna nova geracao de prograrnas de software social perrnitiu a explo-
530 de oideojogos interactiuos, urn sector mundial avaliado hoje em
40.000 milhoes de dolares, S6 nos EUA 0 sector dos videojogos acumu-
Iou, em 2007, 18.700 rnilhoes de dolares em vendas. Durante 0 primeiro
dia de vendas do jogo Halo 3, em Seternbro de 2007, a Sony arrecadou
170 milhoes de d6lares. mais do que 0 arrecadado num fim-de-sernana
por qualquer filme de Hollywood ate aquela data (www.boxofficernojo.
com/alltime/weekends. Recolhido em 5 de Agosto de 2008). A maior
cornunidade de jogos online, World of Warcraft (WOW), que suporta
pouco rnais de metade do sector MMOG (iogo multijogador massivo
online), tinha mais de 10 rnilhoes de mernbros activos (mais de metade
vivern na Asia), em 2008. Estas pessoas organizam-se cuidadosarnente
em associacoes hierarquicas baseadas no merito e na afinidade (Blizzard
Entretainment, 2008). Se os media se baseiarn em grande medida no
entretenimento, esta sua nova forma, baseada cornpletamente em
Internet e na prograrnacao de software, e urn elemento fundamental do
sistema dos media.
114
T
I
CAPITULO 2: A COMUNICA<;:Ao NA ERA DIGITAL
As novas tecnologias tarnbern estao a fornentar 0 desenvolvirnento
de espacos sociais de realidadc virtual que combinarn a sociabilidade
c a experimentacao com RPG (Role-Playing-Game). 0 mais conhecido
C 0 Second Life (Au, 2008). Em Fevereiro de 2008 contava com 12,3
mil hoes de utilizadores registados e quase 50.000 visitantes, em qualquer
memento de um dia normal. Para muitos observadores, a tendencia mais
interessante entre as comunidades do Second Life e a sua incapacidade
para criar uma Utopia, incluinclo quando nao ha limita<;oes institucio-
nais nem espaciais. Os residentcs do Second Life reproduziram algumas
caracteristicas da nossa sociedacle, incluindo muitas das piores, como as
agress6es e as violacoes. 0 Second Life e propriedade da Linden Corpo-
ration, e as propriedades virtuais depressa se converterarn nUIl1 neg6cio
rentavel, ate ao ponto do Minisrerio da Economia dos EUA (IRS) comecar
a desenvolver pianos para tornar os cl61ares Linden convertivcis em
dolares none-americanos. No entanto, esre espaco virtual tern tal capa-
cidade de comunica<;ao que algumas universidacles estabeleceram urn
1'610 no Second Life; tambern h.i experiencias para utiliza-lo como plata-
forma educativa, bancos virtuais abrern e fecham seguindo os altos
e baL'COS dos rnercados norte-americanos; na cidade virtual ha lugar a
manifestacoes politicas, incluindo confromos violentos entre indivlduos
de esquerda e de direita, e as novas hist6rias do Second Life chegam ao
mundo real atraves de urn corpo de correspondentes jornaHsticos cacla
vez mais atentos. Os ut6picos desapontados comecarn a abandonar os
Second Life para encontrar liberdacle noutra terra virtual oncle possam
cornecar uma vida nova, como sempre fizeram os emigrantes no rnundo
Fisico. Oeste modo estao a ampliar as fronteiras da virtualidade aos limi-
tes da interaccao entre diferentes forrnas da nossa construcao mental.
A comurticacao sem fios converteu-se numa plataforma de difusdo
de muitos tipos distintos de produtos digitalizados, como jogos, musica,
imagens e noticias, assim como mensa gens instantaneas, que cobrem
roda a gama de actividades humanas, desde as redes de apoio pessoal
ate as tarefas profissionais e a mobilizacao politica. Assim, a rede de
cornunicacao electr6nica esta presente em tudo 0 que fazernos, em
qualquer lugar e em qualquer momenta (Koskinen, 2007; Ling, 2004).
Os estudos mostrarn que a grande maioria das chamadas e mensagens
115
o PODER DA COMUKICA<;AO
de telem6veis tern origem em casa, no trabalho e na escola, os locais
onde as pessoas norrnalmente esrao, e on de frequernernente tern uma
linha fixa de relefone. A principal caracreristica da comunicacao sem
fios nao c a mobilidade, mas sirn a conectividade permanente (Katz c
Aakhus, 2002; Katz (ed.), 2008; Castells, Fernandcz-Ardevol, Qiu e Sey,
2006; Ito e ouiros, 2005). 0 crescimento da autocomunicacao de rnassas
n30 se limita ao nivel superior cia recnologia. Organiz;u,;oes pioneiras
estao a ut ilizar novas forrnas de cornunicacao autonoma , como estacoes
de radio de baixa porencia , canais pirata de televisao e producao de
video independente. aproveitando a capacidade de prOdU(30 c distri-
huicao a baixo custo do video digital (Costanza-Chock, no prelo a).
E certo que os media tradicionais utilizarn blogues e redes interacti-
vas para distribuir os seus conieudos c inreragir com a audiencia, mistu-
rando modes de cornunicacao horizontals e verticais. Mas ha muitos
exernplos em que os media tradicionais, como ;1 ielevisao por cabo.
se alimentarn de conteudos autonornos utilizando a capacidade digital
para procluzir e distribuir muitos tipos de conteudo. Nos EUA, urn dos
exemplos mais conhecidos e a Current TV de AIGorc, em que os con-
teudos cri.idos por utilizadores e edirados pOI' profissionn is representant
aproximaclamente 40% do conteudo do canal. Alguns media noticiosos
na Internet, baseados em grande meclida na informacao que propor-
cionam os utilizadores, como Jinbonet e Ohmy News na Coreia clo Sui,
ou Vila web em Barcelona, converteram-se em fontes inclepenclentes e
relativamente fiaveis cle informacao a grande escala. Assim. a crescerue
interaccao entre redes verticals e redes horizontals de comunicacao nao
significa que os media tradicionais estejarn a rnonopolizar as novas for-
mas independentes de criacao e distribuicao de conreudos. Significa que
existe urn processo de complementaridade que da lugar a uma nova
realidade rnediatica cujos contornos e efeitos se decidirao em ultima
instancia nas lutas do poder politico e empresarial, a rnedida que os
donos das recles de telecomunicacoes tomem posicoes para controlar 0
acesso e 0 trafego a favor dos seus socios e clientes privilegiaclos (ver
mais a frente).
o crescente interesse dos media ernpresariais pelas forrnas cle cornu-
nicacao baseadas na Internet reflecte 0 reconhecimento da importancia
116
CAl'iTI·1.O 2· A COMUNICM':AO NA ERA DIGITAL
clesta nova forma de cornunicacao social que denorninei autocomu-
nicacdo de massas. I: comunicacao cle massas porque chega a urna
audiencia porencialmerue global atraves das redes P2P e da ligacao a
Internet. E multimodal porque a digitalizacao do conteudo e 0 software
social avancado, baseado Irequenternente em prograrnas de c6digo
aberto que se podem descarregar graruirarnente, perrnitern a troca de
Formato cle quase quulquerconteudo em praticamente qualquer forma,
distribuido cada vez mais .uraves de redes sem fios, Alern disso, 0 seu
conteudo e autoprodu zido, (/sua emissdo auiodirigida e a sua reccpcao
auto-seleccionada por todos aque/es que se comunicam. Este e 0 novo
campo de comunicaciro e, em ultima instancia, urn novo media susten-
tado par redes de cornputadores que falarn na linguagem digital e cujos
emissores estao repariidos e interagern por todo 0 mundo. E verdade
que os media. incluindo urn media tao revolucionario como este, nao
determina 0 conreudo nem 0 efeito das mensagens. Mas rem potencial
de tornar possivel uma diversidade ilirnitada e a producao autonorna
da maioria dos fluxos de cornunicacao que constroem 0 significado do
irnaginano colectivo. No entanto, sao organizacoes e instituicoes influen-
ciadas, em grande medida. pelas esrrategias ernpresariais de rentabili-
dade e expansao de mercado, quem processa e rnolda (mas nao deter-
mina) a revolucao das recnologias da comunicacao e as novas culturas
de cornunicacao autonorna.
Organizacao e Gestao das Cornunicacoes.
As Redes de Empresas Multimedia Globais e
Na sociedade em rede os media funcionam, de modo geral, de
acordo com uma 16gica ernpresarial independente do seu estatuto legal.
Dependem da publiciclade, de patrocinadores empresariais e dos paga-
mentos dos consumidores para obter beneficios para os accionistas,
Embora haja alguns exemplos de services publicos relativarnente inde-
6 Esta seccao baseia-se num artigo de que e co-aurora Amelia Arsenault e
Castells, 2008b.
117
o PODER DA COMUI']CA<;:AO
~
pendentes (a SSC, a TVE, a RAI iralianu, a SAl3C sul-africana, a CRC
canac!iana, a ABC australiana, RTP, etc.), estas entidades enfreruarn uma
crescente pressao para comercializar a sua prograrnacao e manter as
audiencias contra a concorrencia do sector privado (EUMap, 2005 e
2008). De facto, muitas cadeias publicas como a BSC e a SASC sul-
-africana estabeleceram ramos de negocio empresarial para financiar
as suas iniciativas publicas. Enquanto isso, em paises como a China,
as operacoes mediaticas controladas pelo Estado estao a passar de urn
modelo propagandistico a um modelo empresarial centrado nas audien-
cias (Huang, 2007)7 Alern do mais, enquanto a Internet e urna rede
autonorna de cornunicacao local-global. as ernpresas publicas e privadas
tambern possuem urna infra-estrutura propria, e os seus espacos socia is
e sitios W'eb mais populates estao a converter-se rapidamente num
segmento do negocio multimedia (Artz, 2007; Chesler, 2007).
Desde que os media sdo predominantcmerue um negocio, as mesmas
tendencias gerais que transformaram 0 inundo empresarial - ou seja,
globalizacdo, digitalizacao. criacdo de redes e "itesregulamel1lafao -
alteraram radicalmente as operacoes mediaticas (Schiller, 1999, 2007).
Estas tendencias eliminaram praticamente os limites da expansao me-
diatica permitindo a consolidacao do controlo oligopolista de algumas
ernpresas sobre boa parte do nucleo cia rede global de media (\X!arf,
2007)8 Embora os maiores conglomerados mediaticos tenham as suas
raizes no Ocidente, a maioria das empresas de media clo mundo conti-
nuarn centradas no nacional e local. Nao ha quase nenhurn grupo de
cornunicacao verdadeiramente global, e urn nurnero decrescente de
7 A cornercializacao do mercado mediarico interno chines denomina-se gllan
ling bing zbuan, termo que caracreriza urn processo em que os media do Estado
nao conseguem rentabilidade econ6mica ou fecharn-se, anexam-se ou fundem-se
com organizacoes mediaticas comerciais ou transformam-se em entidades corpora-
tivas comerciais (Huang, 2007, p. 418). Entre 2003 e 2007, fecharam 677 jornais do
governo ou do partido e 325 transforrnararn-se em gmpos de imprensa comercial.
8 A epoca dos estudios de Hollywood depois da Segunda Guerra Mundial tam-
bem esteve marcada pela integracao vertical e pelo desproporcionado controlo sobre
o mercado do cinema por alguns actores privilegiados. No entanto, com a digitali-
zacao e a globalizacao os conglomerados multimedia conternporaneos controlam
uma maior gama de plataformas de difusao.
118
CAPiTULO 2: A COMUNICA<;:Ao NA ERA DIGITAl
media sac excepcionalmente locais. 0 que e global sdo as redes que
ligam 0 financiamento, a producao e a distribuicao dos media clentro
de cada pais e entre paises. A principal transformacao organizatiua dos
media e a formacao de redes globaisde empresas multimedia interli-
gadas que se organizam em aliancas estrategicas.
Contudo, estas redes organizam-se em nos-chave. Umas quantas
mega-empresas formam a coluna vertebral da rede global de redes de
media. 0 seu dominio baseia-se na sua capaciclacle para se ligar em
todo 0 lado com ernpresas de media cle ambito local e nacional e servir-
-se delas. Pelo contra rio, as empresas de media de ambito nacional e
regional, confiarn cada vez mais nas aliancas com essas mega-empresas
para conseguirem a sua propria expansao ernpresarial. Embora 0 capital
e a producao estejarn globalizados, 0 conteudo dos media adapta-se
a cultura local e a diversidade cle audiencias fragmentadas. Assirn, a
globalizacao e diversificacao dao-se conjuntamente, como sucecle em
outros sectores. De facto, os processos estao entrelacados. so as redes
globais podern controlar os recursos da producao cle media globais,
mas a sua capacidade para conquistar quotas de mercaclo clepencle da
adaptacao clo seu conteudo ao gosto das audiencias locais. 0 capital e
global, as identidades sac locais ou nacionais.
A digitalizacdo da comunicacdo impulsionou a difusdode um sistema
de media tecnologicamente integrado, onde produtos e processos se
desenuoluem em distintas plataformas de conteudo e expressoes media-
ticas dentro da mesma rede de comunicacao global-local. A linguagem
digital comurn perrnite a existencia de economias de escala e, 0 que
e mais importante, economias de sinergia entre cliversas plataforrnas e
produtos. Por economias de sinergia refiro-me aquelas em que a inte-
gracao de plataforrnas e produtos podem produzir uma rentabilidade
maior que a soma das partes invertidas, na fusao ou ligacao em rede
dessas plataforrnas ou produtos. A sinergia produz-se como resultado
dos process os de criatividade e inovacao facilitados pela integracao.
A difusao da Internet e das comunicacoes sem fios descentralizaram
as redes de comunicacao, 0 que permite multiples pontos cle entrada na
rede. Embora 0 crescimento desta forma de autocomunicacao de massas
aumente a autonornia e liberdade dos actores da cornunicacao, a dita
119
1
r o PODEH DA CO~IUNICACAo
autonomia tecnol6gica e cultural nao e necessaria mente das empresas
mediaticas. Na verda de, cria novos rnercados e novas oportunidades de
neg6cio. Os grupos mediaticos integraram-se em redes multimedia glo-
bais cujos objectives sao a priv.u izacao e cornercializacao da Internet
para ampliar e explorar estes novos mercados.
o resultado destas diferenres tcndencias e cia sua interaccao e a
formacao de urn novo sistema multimedia global. Para compreender
a comunicacao do seculo XX! ha que identificar a esrrutura e a dinarnica
deste sistema multimedia. Para tal cornecarei centrando-me no nucleo
global desta estrutura, assim COIllO nas redes de comunicacao chave
organizadas em torno dele. Depois analisarei a organizacao e as estra-
tegias das maiores organizacoes multimedia que constituern a coluna
vertebral da rede de media glohal. Em terceiro lugar, examinarei a inte-
raccao entre estas ernpresas "de media globais" e as ernpresas de media
regionais e locais. Por ultimo, desenvolverei a dinarnica das redes de
media explicando de que forma as empresas negoceiam com as redes
paralelas e tentarn controlar os pontes de ligacao entre as redes de
media e as redes financeiras, industria is ou politicas.
o nucleo das redes de media globais
o nucleo das redes de media globais e formado por ernpresas mul-
timedia cuja principal fonte de rendimento e holdings diversificados
provern de distintas regioes e paises do mundo, Como ja 0 disse ante-
riormente,as empresas "de media globais" nao sao realmente globais.
Globais sao as suas redes. No entanto, algumas empresas de media tern
uma presenca internacional mais forte que outras e as estrategias globa-
lizantes das empresas locais e regionais dependem da dinarnica deste
nucleo de redes globais de media, enquanto 0 facilitam. Portanto, yOU
examinar a organizacao das redes internas das empresas mediaticas glo-
bais maiores (pelos seus rendimentos em 2007): Time Warner, Disney,
NewsCorp, Bertelsmann, NBC Universal, Via com e COB. Depois induirei
na analise a interaccao destas "Sete Magnificas" com ernpresas infor-
rnaticas e de Internet de maior dirnensao e mais diversificadas: Google,
Microsoft, Yahoo e Apple.
120
CAPiTLLO 2: A COMUNICA<;.AO NA ERA DIGITAL
Se observarrnos a configuracao deste nucleo de media globais, vernos
quatro tendencias inter-relacionadas: (1) A propriedade dos media esta
cada uez rnais concentrada. (2) Ao mesmo tempo, os conglomerados
mediaticos agora podem cfcrecer diversos produtos numa plataforma.
assim como um s6 produto em diuersas plataformas. Tambem for-
mam novos produtos combinando partes digirais de outros produtos.
(3) A segmentacdo das audiencias, adaptando-se a elas, para maxi-
mizar os renclimentos pela publicidade. que se fomenta mediante 0
movimento de produtos de cornunicacao entre plataforrnas. (4) Por
ultimo. 0 exito destas estraregias e determinaclo pela capacidade das
redes internas de media para encontrar boas economias de sinergia que
aproveitarn 0 ambiente de mudanca das cornunicacoes.
Vejamos detalhadamente cada uma destas caracteristicas do nucleo
clas redes multimedia globais.
Concentracdo da propriedade
Diversos analistas documentaram a tendencia para a ernpresariali-
zacao e concentracao de media em mementos e partes do munclo dife-
rentes (Bagdikian, 2000, 2004; Bennett, 2004: McChesney, 1999, 2004,
2007, 2008; I-lesmondhalgh, 2007; Thussu, 2006; Campo Vidal, 2008;
Rice (ed.), 2008)
A concentracao de media nao e algo cle novo. A hist6ria esta cheia
de exemplos de controlo oligopolista sobre os media, como 0 controlo
clos sacerdotes sobre a escrita em quadros cle argila, 0 controlo da igreja
sobre a Biblia em latim, a concessao de prerrogativas a imprensa, os
sistemas de correia estatais e a redes militares de sinalizacao, entre
outros. Em qualquer momento e lugar da-se LIma estreita relacao entre a
concentracao de pocler e a concentracao de media (Rice, cornunicacao
pessoal, 2008). Ate aos anos 80 clo seculo xx, as "tres grancles" cadeias,
ABC, CBS e NBC, dorninararn tanto a radio como a televisao nos EUA.
Nos inicios clo seculo xx, a agencia britanica Reuters, a francesa Havas e
a alerna Wolf News formaram um "cartel de noticias globais" que domi-
nava a transrnissao de noticias internacionais (Rantanen, 2006). Fora dos
121
o PODER DA COMUNICAc;:Ao
EUA, a maioria dos governos mantinharn tradicionalmente urn mono-
polio de redes de radio e televisao. Assim, 0 controlo do espaco da
cornunicacao sempre sofreu vai-e-vens como resultado de mudancas
complementares e contradit6rias na regulamcruacao nos mcrcados. no
contexte politico e nas inovacoes tecnol6gicas. No entanto, a digitali-
zacao da informacao e 0 nascirnento das plataforrnas de cornunicacao
por sateliie, sern fios e a Internet implicam urn enfraquecimento dos
tradicionais muros de contencao para a expansao da propriedade. No
inicio dos a110S 90, as fusees e aquisicoes des media chegaram a niveis
nunca visros. Por exemplo, entre 1990 e 1995 houve tantas fusees como
entre 1960 e 1990 (Grecco, 1996, p. 5, Hesmondhalgh, 2007, p 170)
Na primeira edicao do seu livro pioneiro, The Media Monopoly
(Bagdikian, 1983), Ben Bagdikian identificou cinquenta empresas que
dominavam 0 mercado americano de media. Sucessivas edicoes revistas
do livro mostravarn urn nurnero decrescente de cornpanhias dominantes:
29 empresas em 1987, 23 em 1990, 10 em 1997, 6 em 2000 e 5 em 2004
(citado por Hesmondhalgh, 2007, p. 170). Embora Bagdikian se cen-
trasse nos EUA, a mesrna tendencia pode observar-se em todo 0 mundo
(fox e Waisbord (eds.), 2002; Winseck, 2008; Campo Vidal, 2008) Por
exernplo, em 2006, a Disney, Time Warner, NBC Universal,Fox Studios
(NewsCorp) e Viacom representavam 79% da producao cinematografica
e ')5% da distribuicao rnundial (IBIS, 2007a, 2007b)
Esta concentracao gradual do campo dos media nao s6 e 0 resultado
da concorrencia, mas tarnbem da maior capacidade das grandes empre-
sas de formar redes tanto como as outras com actores regionais (como
veremos com rnais detalhe na seccao seguinte). A Figura 2.1 mostra urn
mapa com as principais associacoes e investimentos cruzados entre as
ernpresas que dominam 0 campo multimedia global e a Internet.
Como rnostra a Figura 2.1, as Sete Magnificas e as principais ernpresas
de Internet entao Iigadas atraves de uma densa rede de sociedades,
investimentos cruzados, membros de conselho e gestores". A National
9 A Figura 2.1 reflecte 56 as ligacoes em Fevereiro de 2008. Nao mostra as nume-
rosas colaboracoes remporarias destas empresas. Por exemplo, quando a NBC Uni-
versal conseguiu os direitos de difusao dos jogos Olfmpicos de Inverno de Turirn em
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o PODEll DA COMUNICA<;:Ao
Amusements, a empresa familiar da Sumner Redstone. tern urna parti-
cipacao de 80% na CBS e Viacorn. A NBC Universal e a NewsCorp
possuem conjuntamente 0 forncceclor de conteudos online Hulu.corn,
lancado em 2007 como rival cia plataforma cle video online cia G()o~de
Youtube. A AOL cia Time W;1rner, MSN cia Microsoft, MySpace cia News-
Corp e Yahoo tarnbern oferecem services de distribuicao cia plataforma
Hulu. Mas ao mesmo tempo que a Hulu tenta quebrar a lideranca clo
Youtube no mercado clo video digital, os seus adeptos Iorrnavam alian-
cas estrateglcas com a Google. A Google proporciona publicidade para
o sitio de recles socials Myxpace, proprieclacle cia NewCorp. Em Feve-
reiro cle 2008, a Microsoft fez urna oferta, em ultima an:'ilise infrutifera
para comprar a Yahoo por 44.600 milhoes cle dolares. Ou seja, este
conglomeraclo multimedia compete e cola bora simultaneameme, caso a
caso, clepenclenclo das SU:lS necessidacles empresariais.
Quanclo algumas empresas acurnulam UI11 controlo desproporcio-
nado sobre cleterminaclos conteudos ou mecanismos cle producao. como
o dominie do You'Tube sobre os videos na Internet. outras empresas
tentarn quebrar este elo, investindo em ernpresas rivais ou clesenvol-
vendo-as. Assim, a diversificacao cia proprieclacle da-se ao mesmo
tempo que a concenrracao de media. A capacidacle dos gigames media-
ticos para fechar acordos favoraveis entre eles e ourras empresas de
media chave clepcnde da sua capacidade para acumular holdings
cle media diversificados atraves de associacoes, investimentos ou aquisi-
coes d irectas.
2006, assinou um acordo de provisao de conteudos com a ESPN.com (propriedade
da Disney) e acordos de publicidade com a Google. Ou seja, a figura 2.1 s6 oferece
uma visao instantanca das interligacoes entre empresas. A medida que os seus
portf6lios vao mudando, tambem 0 fazern a forma e 0 conteudo destas interligacoes.
No entanto, 0 facto de estes dados serem antigosnao elimina 0 interesse analitico da
nossa contribuicao (Arsenault e Castells, 2008b). Isto deve-se ao facto de sugerirmos
urn modelo de organizacao e estraregia das redes de empresas multimedia globais
que, ainda que mude a sua composlcao, pode continuar a ser 0 modele standard
do mundo dos neg6cios multimedia do futuro. Esperamos que outros invesliga-
dores actualizern, ampliem e corrijam as nossas estimativas actuais sobre estas redes
empresariais.
124
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CAPiTULO 2: A Cmll;NICA<;:Ao NA ERA DIGITAL
Diuersificacao de plataformas
As maiores empresas mediaticas tern agora rnais proprieclacle que
nunca e tarnbern mais conteudo proprio. que se emite airaves de distin-
tas plataforrnas. A Figura 2.2 mostra um resumo clas principais empresas
que em 2008 pertenciam, total ou parcialrnente, as sete maiores empre-
sas multimedia glohais.
Como rnostra a figura 2.2, as principals empresas estao integradas
verticalmente. A Time Warner, pOI' exemplo. conrrola a \'V'arner Brothers,
que suporta 10% cia producao cle televisao e cinema global. A Time
Warner tambem possui a seguncla cadeia cle televisao por cabo clos
EUA, 47 canais par cabo regionais e internacionais e a plataforma cle
Internet AOL, na qual se distribuern estas producoes. A NewsCorp,
talvez a ernpresa vertical mente mais integracla de todas, possui 47 canais
cle televisao nos EUA, e a plataforma de redcs socia is MySpace tern
renclimentos em plataforrnas de televisao por sarelire em cinco continen-
res e controla os cstudios de cinema e video 20th Century Fox, assim
como nurnerosos canais de relevisao region.us. A integracao vertical
cresceu em grancle meclicla porque a capacidade para distribuir proclutos
e fundamental para 0 exira de qualquer produto cultural. A integracao
vertical da producao de filmes e televisao e a distribuicao aumentou nos
anos 80 quando a NewsCorp fundiu a 20th Century Fox com a Metro-
media e alcancararn 0 pico quando a Disney aclquiriu a ABC em 1995.
Actualmente, a integracao vertical cle ernpresas cle media inclui a
Internet. As empresas cle media estao a entrar na Internet, enquanto as
cle Internet estao a criar aliancas com empresas cle media e a investir na
capacidade cle emissao cle video e sorn. E interessante que a maior aqui-
sicao cle urn grupo rnediatico pOI' parte cle outro ate a clata tenha sido a
compra por 164.000 mil hoes cle cl61ares cia Time Warner, urn grupo tracli-
cional, por parte cia America Online (AOL), urn novo neg6cio de Internet.
o acordo foi financiaclo com accoes inflacionaclas cia AOL no topo da
bolha cia Internet clo ana 2000. Nos ultirnos anos, 0 desvanecimento clas
fronteiras entre empresas de Internet, cle media e cle telecomunicacoes
acelerou-se ainda mais. Em 2005, a NewsCorp pagou 560 milhoes de
cl61ares pela Intermix, empresa matriz cia recle social MySpace. Em 2007,
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CAPiTULO 2: A COMUNICA<;:Ao NA ERA DIGITAL
a Google adquiriu 0 Youtube por 1.600 milhoes de dolares. Em 2007 .
Google. Apple, Yahoo e Microsoft redobrararn os seus esforcos para
compeur com conglomerados multimedia mais tradicionais, para con-
trolar o. cada vez mais lucrativo, neg6cio dos videos online. A '\iBC c
a NewsCorp lancararn a Hulu.corn para rentar cornpetir com 0 servico
de video iTunes da Apple e com 0 Youtube cia Google, 0 principal sitio
de videos online. Por sell lado, as ernpresas de Internet cornecaram a
penetrar nomercado dos media tradicionais. Em 1996 lancou-se 0 canal
arnericano de noticias por cabo MSNBC, ernpresa conjunta da Microsoft
e NBC. Em 2007 a Google selou uma alianca com a Panasonic para
lancar um televisor de alta definicao que emitia tanto a prograrnacao
tradicional de televisao como conteudos de Internet (Hayashi, 2008)
Segmentacdo e personalizacdo: as modelos de rnudanca na publicidade
como motor da mudanca no sector dos media
As cmpresas de media podem maximizar os seus rendimentos ern
publicidade ao arnpliar as suas potenciais audiencias transferindo con-
tcudos entre distintas plataforrnas. Em 2006, 0 gasto global em publi-
cidade alcancou 466.000 mil hoes de d6lares (FEN, 2007). No enranro,
ernbora 0 gasto em publicidade continue a crescer, os media continuam
a fragmentar-se. Por exernplo, em 1995 havia 225 programas na televisao
britanica com audiencias de mais de 15 milhoes de espectadores, dez
anos mais tarde, nao havia nenhurn (FEN, 2007, p. 4). Assirn, os rendi-
mentes em publicidade estao a repartir-se entre um rnaior numero de
plataforrnas e canais (Kaplan, Gluck, Roca e Castells, 2008).
Tambern as barreiras tradicionais entre empresas de media "antigas"
e "novas" estao a desaparecer, a medida que as ernpresas tentam diver-
sificar as suas carteiras de clientes, Como vimos anteriormente, a dig i-
talizacao de todas as formas de comunicacao supoern que as barreiras
entre redes moveis, media e Internet estao a dissolver-se, A capacidade
para produzir conteudos em dispositivos m6veis e carregar, trocar e
redistribuir 0 dito conteudo pela Web arnplia 0 acesso e cornplexifica
os papeis tradicionais de emissor e receptor. As empresas de media rem
127
o PODER DA COMUNICA<;:AO CAPinllo 2: A COMUNICA<;:Ao NA ERA DIGITAL
mais plataformas para proporcionar audiencias aos anuncianres, mas 0
processo de dirigir, distribuir e controlar as mensagen~ csta J tornar-
-se mats complicado. A diversificacao de plataformas. especialmente
as aquisicoes estrategicas de propriedades online, e as ali.incas com
empresas de Internet como Yahoo e Google representam urna tentativa
de rninimizar 0 risco, assegurando 0 principal acesso as audiencias num
ambiente mediatico de mudanca e uma estrategia para uiilizar a capaci-
dade de segrnentar audiencias e cbegar ao publico objective.
As empresas de media estao a adoptar novas formas e novas dinarni-
cas de identificar e oferecer conteudo personalizado clirigido a merca-
dos publicitarios fundamentals. A chegada da gravacao de video digital
controlada por computador significa que os utilizadores de televisao
podem saltar facilmente a publicidade paga. 0 conteudo com publici-
dade incorporada esta a substituir os modelos ele contcudo pagos (ou
scja, os tradicionais anuncios de trinta segundos). Em 2006. a insercao de
produtos no pr6prio guiao dos prograrnas alcancou os 5.000 mil hoes
de dolares, urn incremento de mais de 40% respeitantc a 2004 (FEN,
2007. p. 5)
Entre os gigantes rnediaticos globais e outras ernpresas de media a
prcocupacao e como obter rendimento econ6mico em publicidade num
contexte de digitalizacao da inforrnacao e de expansao das redes de
aurocornunicacao de massas. A figura 2.3 mostra 0 rapido crescimento
do rnercado cia publicidade na Internet entre 2002 e 2007.
Em 2000, a publicidade online nern sequer se incluia nas previsoes
de publicidade dos media. Em 2007, segundo Zenith Optimeclia, repre-
sentou 8,1% de toda a publicidade. Embora continue a ser urna Faria
pequena do bolo enquanto percentagern, se se traduzir em dolares, a
publicidade online atinge ja quase36.000 mil hoes de d61ares em rendi-
rnentos. Tarnbern, os rendimentos em publicidade na Internet estao a
crescer mais ou rnenos seis vezes mais depressa que os rendimentos dos
media tradicionais (The Economist, 2008). Em paises com uma elevada
penetracao da banda larga, como a Suecia, a Noruega, a Dinamarca e 0
Reino Unido, a publicidade online atinge ja 15% do rnercado. A Zenith
Optimedia e a Bob Coen, duas das empresas de medicao de publicidade
mais acreditadas, calculavam que em 2010 haveria mais publicidade na
Internet que na radio ou nas revistas.
Fig. 2:3. Despesas globais em publicidade global por media, 2002-2007.
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Fonte: Compilado por Arsenault e Casrells (2008a: 718) a partir do Zenith Optimedia (2007).
Como era de esperar, os giganres mediaticos investiram em mecanis-
mos de ernissao de publicidade online. Em 2007, a Microsoft ofereceu
6.000 milhoes de dolares pela aQuantitive, e a Yahoo gastou 600 mil hoes
de dolares para adquirir 80% das accoes restantes da Rigth Media.
Os principais anunciantes tarnbern estao a investir na incorporacao
de conteudos de marca em guioes online, como alternativa a publici-
clade convencional. Por exemplo, a Disney colocou urn dos seus filmes
nurn epis6dio de Kate Modern, uma serie que cornecou a ser emitida
em Julho de 2007 na rede social britanica Bebo. A Volvo aparecia em
Driving School, urna serie de 12 epis6dios da MSN de 2007, protagoni-
zada por Graig Robinson, da serie The Officeda NBC. No entanto, as
aplicacoes de conteiidos de marca constituern urna minima parte do
dinheiro gasto em publicidade em video, que, segundo a consultora
Veron is Suhler Stevenson, havia sido de 600 rnilhoes de d61ares em 2007
(Shahnaz e McClellan, 2007).
128 129
o PODER DA COMUNICAC;;Ao
A diversificacao de plataformas tarnbern aumentou a importancia de
encontrar formas de incrernentar 0 atractivo da identidade da rnarca dos
grupos de media. Apesar da proliferacao de blogues e outros sitios de
noticias e inforrnacao, as ernpresas de media rnaioritarias continuam a
dominar 0 mercado de noticias online. Em 2005, 16 dos 20 sitios de
noticias online mais populares, segundo a NielsenJNetRatings, erarn
propriedade das cem maiores empresas de media por rendimentos gera-
dos nos EUA em 2005.
A NewsCorp centrou-se na aquisicao e expansao de empresas com
forte idenridade de marca e presenca multimodal. 0 relat6rio anual de
2007 da NewsCorp resumia a aquisicao da Dow Jones e outras ernpresas
digitais estrategicas como um movimento "para aproveitar as duas ten-
dencias sociais e econ6micas mais profundas do nosso tempo, a globali-
zacao e a digitalizacao". 0 relat6rio dizia assim: "Encontramo-nos num
memento hist6rico em que se produz uma convergencia de conteudo e
distribuicao digital e de sistemas de Micropayment cada vez mais sofis-
ticados, 0 que significa que 0 valor da analise e a inteligencia para urna
empresa utilizadora pode reflectir-se de forma muito mais precisa no
preco do dito conteudo" (NewsCorp, 2007, p. 8). Pertencendo a News-
Corp, 0 MySpace desenvolveu um sistema hiperpersonalizado de publi-
cidade baseado nas buscas que 0 utilizador faca. Tarnbern, a compra em
2007 do \Vall Street Journal foi uma estrategia para adquirir uma rnarca
com identidade global forte, tanto nas versoes impressas como online.
As edicoes do Wall Street Journal na india e na China sac uma Fonte
decisiva de publicidade dirigida a elite, em mercados que poderiam ser
o centro do crescimento da publicidade global no futuro (Bruno, 2007).
Economias de Sinergia
A capacidade para reproduzir 0 conteudo e, por isso, a publicidade
entre as distintas plataforrnas gera economias de sinergia, um elemento
fundamental da estrategia ernpresarial das redes corporativas. No entan-
to, Lance Bennett subestirna 0 tamanho e escala como criterios para
dominar 0 cenario ernpresarial das comunicacoes porque "os gigantes
mediaticos sac tudo menos maquinas bem organizadas" (Bennett, 2004,
130
CAPiTULO 2: A COMUNICAC;;Ao NA ERA DIGITAL
p. 132). Assinala, por exemplo, 0 fracasso da AOL e Time Warner e da
Viacom e CBS para desenvolver sinergias rentaveis. Os efeitos da siner-
gia dependem do valor adicionado pela integracao satisfat6ria num
processo de producao que consegue urna maior produrividade, e
portanto rentabilidade, para os seus componentes. Ou seja, a mera
soma de recursos mediante fusees nao e garantia de maiores beneficios.
De facto, a incapacidade da CBS e da Via com para fundirem sem pro-
blemas as suas culturas empresariais e urn exemplo contundente que
dernonstra que as economias de escala nem sempre sac beneficas.
As relacoes da CBS e da Viacom remontam a 1973, quando a CBS teve
que alienar a Viacom, a sua unidade de cons6rcio de conteudos de
televisao, devido as novas norrnas federais que proibiarn que as redes
de televisao americanas fossem proprietarias de entidades de cons6rcio
de conteudos. Em 2000, a Viacom era a ernpresa de maior exito, e com-
prou a sua matriz CBS por 22.000 mil hoes de dolares, a fusao de media
mais importante, ate entao. No entanto, separararn-se nova mente em
2005 porque havia poucas economias de sinergia entre elas. A National
Amusements, urna das cadeias de salas de cinema mais antiga e maior
dos EUA, a ernpresa familiar de Sunner Redstone continua a deter pre-
senca em arnbas as empresas. Depois da separacao, a CBS conservou
a maioria das plataformas de difusao de conteudos (por exemplo, a
CBS Network, CBS Radio e CW), enquanto a Viacom manteve a maioria
das propriedades de criacao de conteudos (por exemplo, os estudios
Paramount e a familia de redes MTV).
A chave e a sinergia. A sinergia baseia-se na compatibilidade das
redes que se fundem. A producao funde-se, as propriedades nao. Nos
conglomerados multimedia actuais, as organizacoes em rede parecem
ser modelos de neg6cio de mais exito que as integracoes horizontais
de propriedades. Efectivamente, nos iiltimos anos varias empresas de
media de alta capitalizacao comecararn a reduzir as suas operacoes,
A Clear Channel, uma empresa americana que possui a maioria de
holdings de radio, vendeu a divisao de televisao. A The New York Times
Company tambem se desprendeu dos seus interesses em televisao,
A crescente vantagem competitiva da NewsCorps no mercado global
depende menos do seu tamanho, que da sua estrategia de rede orga-
131
o PODER DA COMUNICACAo
nizariva que se apoia nas econornias de sinergia. Louw ve no modeJo
ernpresarial global da News Corporation urn exemplo de uma ernpresa
rede global na qual "podernos encontrar mulriplos (e proficuos) estilos
de controlo e decis6es que se tolerarn em distintas panes cia rede
sempre que os que se encontram no centro obtenham beneficios, :10
permitir uma pratica concreta e/ou uma disposicao organizativa nurna
pane do seu "imperio de rede" (Louw, 2001, p. 64). Incluindo quando
Murdoch mantinha urn rigido controlo vertical, a NewsCorp dernonsrrou
uma nota vel flexibilidacle, sobretudo na sua especializacao em diferen-
tes plataforrnas. Nos ultimos 30 anos, a NewsCorp rransforrnou-se numa
empresa cujos activos estavarn predominanternerue cemrados na publi-
cacao de jornais e revistas nos anos 80. Por outro lado, na decada de
2000 ja tem 63,7% de todos os seus actives ernpresariais no cinema, tele-
visao e programacao por cabo e satelite (Flew e Gilmour, 2003. p. H),
e agora esta tendencialmente na Internet. A NewsCorp centrou-se em
maximizar a rentabilidade dos segmentos concretos da sua rede em vez
de intcgrar a gestae diaria das suas holdings individuals (Fine, 2007).
Assim, a Newsf.orp e norrnalmente identificada como a empresa de
media mais "global", no que se refere a holdings e a estraregia de gesiao
de redes intern a mais sustentavel (Gershon, 2005),
Em resumo, as empresasque formam 0 nucleo das redes de cornu-
l1icCII,:CIOglobais desenuoloeram poiiticas de concentracdo de empresas.
aliancas entre empresas, diuersificacdo de plata/or mas, adaptacdo a
audiencia e economias de sinergia com distintos graus de exito.
Por sua vez, a configuracao interna destas empresas depende em
grande medida da sua capacidade de conectar-se com a rede mais ampla
de aglomerados rnediaticos, Alern disso, 0 destino dos media nacionais
de segundo nivel depende em grande medida da sua capacidade para
conectar-se a estas redes de media globais.
A rede global de redes de media
Como ja assinalei anteriormente, os gigantes multinacionais e diversi-
ficados de media continuam "ancorados" territorialmente aos seus prin-
cipais mercados. Por exemplo, a NewsCorp, talvez 0 conglomerado de
132
CAPITULO 2: A COMUNICA<;:AO NA ERA DIGrtAL
media mais global no que refere a ernpresas, obtern 53% dos seus rendi-
menros nos EUA e 32% na Europa (Standard e Poor, 2007b). No entanto,
o posicionarnento favoravel na rede global de organizacoes me.liaticas
vai mais alern da expansao territorial, da concentracao de propricdades
e du diversidade de plataformas. 0 exito das redes internas cia News-
Corp, e outras empresas similares, reside na sua capacidade para "ligar'
a rede global de media. Ernbora urnas quantas ernpresas de media
Iorrnem a coluna vertebral da rede global de redes de media, isto n.io
cquivale a urn dominie unilateral. Os media locais e nacionais 1130 esiao
abrangidos pela expansao implacavel das organizacoes de "media glo-
bais" Mais, as ernpresas globais estao a aproveitar as associacoes e os
investirnentos cruzados com ernpresas nacionais, regionais e locals para
facilitar a expansao do mercado e vice-versa. Os protagonistas regie-
nais esrao a irnportar activamente conteudo global a adapta-lo ao gosto
local. enquanto as organizacoes de media glohais procuram p.uceiros
locais para oferecer conteudo adaptado as audiencias. Os processes de
localizacao e globalizacao convergem para expandir urna redc global.
Tentarei identificar com mais precisao 0 papel cia estrutura e a dina-
mica desra rede global. Para isso analiso em prirneiro lugar as estrururas
formals de colaboracao entre 0 micleo de media globais e as ernpresas
de media regionais, locais e nacionais. Depois examine de que forma
estas estruturas dependem dos process os de localizacao des produtos
globalizados. Por ultimo, exploro a dinamica de fluxos de producao e
organizacao dos media para documentar de que forma 0 local aproveita
a presenca de empresas de media globais e influi nelas.
Estruturas de colaboracdo
Os media multinacionais, como a agencia de noticias Reuters (fun-
dada em 1851), existiram desde meados do seculo XIX, mas as politicas
de desregulamentacao aceleraram em meados dos anos 90 do seculo xx,
abrindo a via para uma maior relacao entre as empresas de media multi-
nacionais e as locais (ver mais a frente). A lei arnericana das Telecomu-
nicacoes de 1996, a criacao da Organizacao Mundial do Comercio em
1995 e 0 apoio a privatizacao dos media por parte do FMI e outras insti-
133
o PODER DA COMUNICA<;:Ao
tuicoes internacionais, ajudaram a desnacionalizar os process os de pro-
ducao e distribuicao de media (Artz, 20(7). As redes de media globais
consolidaram-se mediante a interaccao de globalizacao e localizacao e
o nascimento de novos modelos de negocio de producao e distribui-
cao. 0 alcunce global de orgaruzacoes como a Time Warner e a Disney
nao pode medir-se exclusivamente com os dados das suas holdings. As
aliancas e investimentos cruzados ampliam a sua repercussao, A figura
2.4 resume as principais aliancas e invesrirnentos cruzados entre os prin-
cipais grupos de media e principais actores regionais.
A figura 2.4 so mostra investimentos chave e aliancas com empresas
de segundo nivel. Reflecie unicamente uma pequena percentagem dos
negocios realizados entre as Sere Magnificas e outras companhias. Por
exernplo, a Disney tern uma grande presenca na China, mas esta nao
e uniforme. Os seus programas emitem-se na televisao estatal chinesa,
os personagens Disney aparecem nos videojogos Shanda; distribuidores
globais como a \X1al-Mart vendem a sua mercadoria nas lojas chinesas
e uma percentagem dos filmes estrangeiros vendidos legalmente na
China tarnbem sao produzidos e distribuidos pela Disney. Este numero
nao inclui toda uma sene de aliancas e investimentos cruzados ja extin-
lOS, como a alianca Bertelsmann e Time Warner para implantar a AOL
Europe. No entanto, a figura 2.4 mostra urna visao geral da enorrne
rede de aliancas estraregicas e investimentos cruzados sobre a qual se
baseia a expansao e 0 crescimento cooperativo das Sete Magnificas.
A Vivendi Universal SA, uma empresa francesa, transferiu as suas accoes
da Universal Entertainment por 20% na NBC Universal. A Vivendi
tambern tern rendimentos repartidos na emissora German Vox com a
Bertelsrnann. A Bertelsmann, por sua vez, tem rendimentos na cadeia
alerna Premiere TV e com NewsCorp. 0 Kingdom Holding do principe
saudita AI-Walid Bin Talal e urn dos principais investidores do Proximo
Oriente com accoes na LBC, na Rotanna e em muitas outras operacoes
rnediaticas comerciais. Alern disso, tarnbern tern participacao em muitos
media globais como a NewsCorp (como seu maior investidor), a Apple,
a Amazon e a Microsoft.
Como mostra a figura 2.4, empresas como a NewsCorp e Time Warner
estao integradas numa rede maior de organizacoes de media de ambito
134
CAPiTUl.O 2: A COMUNICAcAO NA ERA DIGITAL
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135
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o PODER DA COMUNICA<;:Ao
regional e local, que desenvolvem estrategias de expansao e diversifi-
cacao similares. Esias empresas seguem modelos sirnilares de concentra-
<;:ao de propriedadc e diversificacao. A Figura 2.5 mostra urna pcrspecriva
g~'ral das holding: chave de algumas empresas de media por rcgi;lo.
Como mosiram as figuras 2.4 e 2."i, 0 que Lance Bennett (2004)
denomina "segundo nivel" de conglomerados multimedia tambem segue
estraiegias de diversificacao, concentracao de propriedade e investi-
mentos cruzados. Estes process os estao rnarcados pela capacidade da
rede glohal de redes de media para influenciar as condicoes locais e
nacionais de producao e distribuicao e vice-versa.
o global influencia 0 local
Os conglomerados globalizados irrornpern em novos mercados e
reprograrnam eficazrnente 0 mercado regional para urn Formato comer-
cia I que facilite a conexao com as suas redes empresariais. Esta inlluen-
cia manifesta-sc em varias tendencias.
Em primeiro lugar, urn exemplo obvio da influencia global nos
mercados mediaticos locais e a importacao direcra de prograrnacao e
canais como a CNN, Fox, ESPN, HBO e OlItrOS canais transnacionais. Em
segundo lugar, as multinacionais de media contribuiram para difundir
UIl1 modele de media, centrado na ernpresa. A introducao de produros
mediaticos empresariais cria mais procura destes produtos e empurra
os actores que se encontram mais abaixo na cadeia mcdiatica a adoptar
urn comportamento similar. Por exemplo, a CBS contrata com a SABC
(corporacao sul-africana propriedade do governo). Os seus programas
tern exito e induzem a procura dos consumidores. A SABC reconhece
o exito deste modelo de neg6cio e cria programas segundo um padrao
comercial em vez deurn service publico e vende-os a empresas de
media mais pequenas em Africa. Teer-Tornaselli, Wasserman e De Beer
defendem que "se os media sul-africanos ocupam uma posicao marginal
no cenario rnediatico global, como mercado de produtos pr6prios e pro-
duzidos fora das suas fronteiras, arnpliarn a sua influencia (ainda que
nurna escala muito menor) como poderoso actor na regiao e no resto
do continente" (Teer-Tornaselli, Wasserman e De Beer, 2007, p.154).
136
l
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CAPITULO 2: A COMUNICA<;:Ao NA ERA DIGITAl
Iwabuchi (2008) identifica uma tendencia semelhante no rncrcado jape-
nes, onde as empresas de media tentam activarncnte adaptar 0 forma to
aos programas de televisao japonesa e a musica aos mercados asiaticos
locais. Quando estes formatos ganham popularidade, outras ernpresas
poem-nos em circulacao, como sucedeu com os produtores da televi-
sao coreana, que procuravam forrnatos japoneses com 0 objectivo de
adapta-los ao merc.ido chines (Ibid.).
Varies autores cscreverarn sobre a difusao dos forrnatos ernpresa-
riais e culturais da esfcra global ao local: Thussu descreve a "murdocbi-
zafaolO dos media na india como "0 processo que supoe a mudanca
do podcr rnediatico do publico para ernpresas multimedia transna-
cionais e privadas que controlam tanto os sistemas de ernissao como
o conteudo das redes globais de inforrnacao" (Thussu, 1998: 7). Esta
murdocbizacdo caracteriza-se por "urna tendencia do jornalismo de
mercado que prospera nas guerras de audiencia e circulacao, a influen-
cia transnacional de forrnatos, produtos e discursos inspirados nos EUA
e, finalmente, 0 enfase no info-entrerenimento. minando 0 papel dos
media a favor do info-entretenimento publico". Lee Artz analisou 0 apare-
cimento de "projectos mediaricos transnacionais ou "ernpresas que
produzern num pais mas SaG propriedade de varias empresas de dife-
rentes parses .. le] nao tern uma identidade nacional mas que reunern as
classes capitalistas de um ou mais paises, com 0 objectivo de produzir
e obter beneficio de produtos mediaticos" (Lee Artz, 2007, p.148). Por
exemplo, 0 canal de televisao alernao Vox e propriedade do australianol
/arnericano NewsCorp (49,5%), do Canal Plus Frances (24,9%) e da
alerna Bertelsmann (24,9%).
Em terceiro lugar, as empresas de media globais exportarn progra-
mas e conteiidos que se produzem para formatos locais mas cuja base
SaG formatos standards popularizados no Ocidente. Iwabuchi denomina
este processo de "camuflagern local" (Iwabuchi, 2008, p. 148). Programas
como Operacao Triunfo, Sobreviventes e Quem Quer ser Milionario?
Foram formatados para muitos paises. A Viacom estudou na vanguarda
deste processo de localizacao de conteudos. 0 lema e, "pensa global-
to NT - 0 terrno faz referencia ao ernpresario Rupert Murdoch.
137
o PODEll DA COMUNICA<;:AO
mente, actua localmente". 0 seu canal MTV (Music Television) talvez
seja a plataforma mediatica mais adapiada no mundo, com ernissoes
em 140 paises e canais adaptados na Asia, Pr6ximo Oriente, America
Latina, Africa e Europa com .ipresentadores e talentos locais. A MTV
rambem faz aliancas com canais locais. Por exernplo, na China, a MTV
patrocina galas de prernios em colaboracao com a CC1V e a Shangai
Media Group (Murdock, 2006). A Viacom tambern criou versoes inter-
nacionais de America's Next Top Model, urn prograrna de televisao pro-
duzido originalmente para a rede americana UPN (que agora faz parte
da rede CW). 0 formate Top Model vendeu-se em' dezassete parses,
como Taiwan (Super Model "1), Turquia (Top Model Turhiye's). Espanha
(Supermodelo) e Russia (Russia's Next Top Model). E ernbora nao seja
urn franchiseoficial de Top Model, urna relevisao local afega deu grande
destaque no Outono de 2007, ao emitir uma versao de baixo orcarnento
deste formate.
o local injluencia 0 global
Embora as empresas de media globais controlem um nurnero des-
proporcionado de processos de producao e distribuicao, nao tern 0
monop6lio dos mercados em que operarn. Efectivamente ha rnuitos
"contra fluxos" que interferem na forma e estrutura do funcionamento
desses gigantes rnediaticos (Thussu, 2007).
o exemplo mais evidente de influencia local-nacional nas redes glo-
bais de media e a regulacao e a desregulacao. A abertura dos mercados
mediaticos da China e India deu lugar a urna onda de tentativas de
conquista-los por parte das multinacionais globais. No entanto, estes
estados mantern uma grande parte do controlo sobre a estrutura e 0 con-
teudo da sua participacao. Por exemplo, quando a Microsoft e a Yahoo
entraram na China, tiverarn que instalar software que automaticarnente
filtra palavras como "Tibet", "Falun Gong", "liberdade" e "dernocracia",
Anteriormente, a Star TV de Murdock acordou eliminar a BBe World do
seu service para poder ernitir na China. Como assinala Murdock (2006),
as estrategias de adaptacao das organizacoes de media globais devem
138
CAl'iTLLO 2: A COMUNICA,},O NA ERA DIGITAL
ter em conta a aparicao simultanea de estrategias de globaliza<;:ao das
plataformas de media regionais. Cita a India como 0 exemplo deste pro-
cesso, de onde a globaliza<;:ao e menos urn influxo da cultura ocidental
que a saida de produios cultnrais indianos a esfera mundial (Murdock,
2006, p. 2'1). De forma .inaloga, Cullity identifica uma nova forma de
nacionalismo cultural baseado na indianiza<;:ao activa e consciente dos
media globais (Cullity, 2002, p. 408). (Por exemplo, a rradicao de que
Miss india leve urn Sari no concurso de Miss Universe, que e proprie-
dade de Donald Trurnp.)
Alem disso, embora os conglomerados multinacionais tenham servido
para lransmilir as formulas de programas como Opera~ao Triunfo e
Supermodelo por todo 0 mundo, estes programas tern difererues origens
o forrnaro Big Bra/her surgiu originalmente numa produtora indepen-
dente a Endemol, uma empresa holandesa de media. A telenovela
colombiana Betty la [ea circulou em mais de 70 mercados de todo 0
mundo como programa pronto para consumir e como forrnato (veja-se
mais a frente). Depois do exito de UglyBetty no rnercado america no, a
Disney-ABC International Television chegou a acordos de ernissao com
130 territorios de todo 0 mundo, fazendo de Ugly Betty 0 formate rnais
popular de Betty la fea ate a data (World Screen, 2007). Igualmente, 0
produror executive de Quem quer ser milionario? Tinha desenvolvido
primeiro, urn prograrna semelhante para a ABC, que a empresa rejeitou
56 depois do programa ter exito na Gra-Bretanha e rnuitos outros merca-
dos, chegou ao mercado americano. Assirn, como nas empresas media-
ticas globais estao a tentar introduzir os seus conteudos nos mercados
locais, outras empresas rnantern estrategias para encontrar a forma de
por em circulacao os seus conte lidos em todo 0 mundo, muitas vezes
atraves das ernpresas mediaticas globais. Por exernplo, a hist6ria e as
personagens do Rei leao da Disney tern origem nos anime japoneses.
Em rnuitos rnercados produz-se uma grande transversalidade na
agencia dos distintos media, de forma que os programas das cornpa-
nhias mediaticas globais estao influenciados por outras organizacoes.
Os estudos de Golan (2006) e Van Belle (2003) demonstrarn que as
empresas de "media globais" baseiarn a sua agenda noticiosa nos EUA
em publicacoes de elite (de que nao sac proprietarias). Por exemplo,
139
o I'ODEH DA COMLINICA<;:AO
Golan (2006) vcrificou que as noricias dos telejornais da noite da CBS,
NBC e ABC dependiarn das hist6rias que contava 0 New York Times
dessa manha. Por isso, Murdoch ter adquirido 0 Dow Jones e tao deci-
sivo. 0 Wall Street journal c a chave para estabelecer a agenda de media
distintos. A AI jazecra, a BBC World e 0 The Economist tambern sao
fontes decisivas para estabelccer a agenda publica via media. Portanto,
nao podemos medir a intluencia das Sete Magnfficas baseando-nos
s6 nos dados de audience: nern nos rendimentos por mercados, Estas
empresas tarnbem contribuem para colocar em circulacao e para filtrar
conteudos produzidos por OlJtrOS membros da rede de organiza~6es
de media.
Aidentidade importa. os litnites ria concorrencia e a cooperacdo
Muitas das rnais irnportantes empresas de media repartern accionistas,
possuem accoes de outras ou tern directores comuns (ver quadro A2.1
do Anexo) e dependem umas de outras para os rendimentos em publi-
cidade (McChesney, 200S). Nao obstante, ha varios contra-exemplos
que rnostram que podern crescer, em redes quase paralelas, ernpresas
de media estabelecidas em torno de identidades culturais e politicas.
A AI Jazeera, que tem duas redes de difusao internacionals (em arabe
e em ingles), assim como varies canals infantis e desportivos especia-
lizados, e subvencionada em grande parte pelo principe herdeiro do
emirado do Qatar. Como s6 40% dos rendimentos da Al jazeera provern
da publicidade, ela tem mais liberdade para utilizar forrnatos nao comer-
ciais. E concorrencia directa de canais como CNN, BBC e CNBC no
Proximo Oriente e entre as povoacoes de lingua arabe no estrangeiro.
No entanro, a presenca da AI jazeera fora do Proximo Oriente tarnbern
se atribui a sua capacidade para se Iigar a outras redes de media
mediante acordos para difusao de conteudos e/ou situando-se em
grupos de televisao por satelite ou cabo. Por exemplo, a presenca da
Al Jazeera no continente africano ve-se facilitada pelos acordos de difu-
sao de conteudos com SABC e Multi-choice na Africa do SuI.
A industria cinematografica indiana, conhecida popularmente como
Bollywood, e outro exernplo de um sector que cresceu independente
140
CAPiTULO 2: A COMlINICA<;:Ao NA ERA DIGITAl.
da rede global de redes de media. Actualmente produz mais de SOO
filmes por ana em relacao aos 600 de Hollywood (The Economist, 200S),
e domina uma parte importante da oferta cinernarografica internacional.
Os filrnes de Bollywood normal mente usam urn Formato cultural india-
no, que foge em grande medida ao Formato de Hollywood. No entanto,
cada vez ha mais estruturas de colaboracao entre Bollywood e Holly-
wood. Em Novembro de 2007, a Sony Pictures Entertainment estreou 0
seu primeiro filme em Bollywood, Saawarya, urn filme cuja producao
custOlI 10 milhoes de dolares e arrecadou 20 milhoes. A Via com, atraves
do seu "rarno" Viacom IS, e proprieraria, com 3 empresa indiana TV1S,
da Indian Film Company. Os cineastas de Bollywood rambern come-
earn a utilizar cada vez rnais as prornocoes cruzadas e os merchadising
popularizados pelos estudios de Hollywood para aurnentar os seus
rendimentos.
A industria cinematografica nigeriana, apelidada de Nollywood,
produz rnais de l.000 videos ao ano, rende 2.750 milhoes de d61ares
anualrnente e situa-se no terceiro lugar da industria de cinema interna-
cional (UNCAT, 200S, p. 5). Os filmes de Nollywood realizarn-se para 0
mercado interior nigeriano e produzern-se em varias das 250 linguas tri-
bais nigerianas e em ingles (nurna media de 65% do mercado de expor-
tacao). 0 exito da industria surgiu da uniao entre 0 ralento criativo e urn
formate de producao de baixo custo que necessita de POLICOS investi-
mentes iniciais. A producao barata oferece rnaiores retornos do inves-
timento. Estes filmes sao frequentemente filrnados em video e, em duas
sernanas, distnbuidos em bobine pelo pais (Marston e outros, 2007).
Nollywood e urn exemplo de uma industria que cresceu desenvolvendo
urn mercado fundamental mente baseado num forrnato mediatico que
nao se pode comercializar directamente no estrangeiro. No entanto, 0
exito dos filrnes de Nollywood despertou 0 interesse dos conglomerados
multinacionais. Em 2007, a Time Warner e a Comcast forrnararn lima
sociedade com a lAD para distribuir os filmes de Nollywood. Tarnbem,
o governo nigeriano e a industria cinernatografica cortejarn activarnente
os investidores de Hollywood. Em 2006, personalidades clo sector clos
media e funcionarios governamentais convidararn elementos da indus-
tria cinernatografica americana para virem ate Los Angeles, na California,
141
11
I
:1
o PODEll DA COMUNICA(.'\O
:'I "The Nollywood Foundation Convention 2006: African Cinema and
Beyond", para atrair mais a arencao das audiencias e dos investidores
internacionais.
Assim. embora as indusirias e os actores dos media possam desen-
volver-se com exito independentemente do nucleo global de redes de
media, estas industr ias estao a cornecar a forjar laces estreitos com a
rede global para incrernentar os seus rendimentos e a sua quota de
audiencias,
Interligacdo de redes
As redes de media nao operarn no vazio. 0 seu exito depende da
sua capacidade para aproveitar as ligacoes com outras redes fundamen-
tais das financas, tecnologia, sector cultural, publicidade, fornecedores
de conteudos, agencias reguladoras e circulos politicos em geral.
As empresas mediaticas ligam-se com outras redes atraves de dis-
tintos mecanismos. As filiacoes cruzadas de mernbros de conselho de
administracao e executivos talvez constituarn 0 mecanismo mais facil
de documentar. 0 quadro A2.1 do Anexo oferece uma perspectiva geral
das afiliacoes dos executives e mernbros de conselho de adrninistracao
das empresas multimedia globais e dos gigantes da Internet.
Os conselhos de administracao e os directores sao s6 um elemento
destas ligacoes, A solidificacao e expansao da rede de empresas de
media globais tarnbern dependem de muitas outras ligacoes a outro tipo
de redes que por sua vez aproveitam as suas ligacoes com organizacoes
de media.
Ou seja, a liga~iio com as redesfinanceiras e urn elemento funda-
mental das redes de comunicacdo. 0 quadro A2.1 do Anexo mostra as
ligacoes pessoais entre as redes financeiras e as empresas de media.
Os conselhos de adrninistracao das multinacionais da cornunicacao estao
cheios de pessoas que tem cargos nos conselhos de adrninistracao de
grandes empresas multinacionais de outros ambitos, bancos de investi-
mento e fundos privados e/ou ocupam cargos importantes em organiza-
coes como a NASDAQ e a Bolsa de Nova Iorque. Estas interligacoes nao
142
CAPj'llJLO 2: A COMUNICAyAO NA ERA DIGITAL
sao transcendentes. No seu relat6rio de 2007 para os accionistas, a Time
Warner. por exemplo, assinalou que tin ham realizado transaccoes com
um numcro significativo de empresas onde tarnbem havia membros do
conselho de adrninistracao. Embora 0 papel concreto de cada mernbro
do conselho no momento de facilitar estas transaccoes possa ser dificil
de demonstrar, a sua referencia indica que estas inter-relacoes de direc-
(Ores rem as suas repercussoes,
As empresas de media e outras empresas relacionadas sao urn ele-
rnerno irnportarue das redes de capital financeiro. Em 2007, a quinta
parte d:ls maiores ernpresas por capitalizacao de rnercado na lista do
Financial Times eram empresas de media, Internet ou de telecomuni-
cacoes II. A producao de hardware e software de alta tecnologia que
apoia a distribuicao e 0 consumo de produtos mediaticos e uma das
maiores industrias do mundo. Embora a imprensa popular normalmente
fixe a sua atencao na lideranca destes grupos de cornunicacao multina-
cionais (por exernplo, Rupert Murdoch como presidente do conselho
de adrninistracao da NewsCorp e Sumner Redstone como proprietario
maioriiario da CBS e da Viacorn), urna serie de organizacoes alheias aos
media rarnbern possuem uma parte importante destas empresas (ver no
quadro A2.1 do Anexo uma lista dos principais investidores institucio-
nais nestas propriedades). A Axa , uma companhia de seguros francesa,
por exemplo, tern urn importante pacote de accoes tanto no Yahoo
(0,8%) como na Time Warner (5,79%). E a Fidelity tem interesses signifi-
cativos tanto no Google como na NewsCorp.
Entre 2002 e 2007, as empresas de media mantiveram-se a tona
gra<,'as a grande afluencia de investimentos de fundos privados e capi-
tais de risco para financiar as suas fusees e aquisicoes. S6 em 2007
os fundos de capital privado investiram 50.000 miihoes de d6lares em
empresas de media (Malone, 2007). Por isso, nao e surpreendente que
a gestae das empresas de media globais esteja cheia de individuos com
relacoes estreitas com os fundos de investimento privado como0 Bank
of America (que gere um fundo de investimento de 2.000 milhoes de
I I 0 ranking anual das 500 maiores empresas mundiais realizado pelo The
Financial Times pode consultar-se em hnp:!/www.ft.comireports/ft5002007.
143
II,
o rODER DA COMUNICAo;:Ao
dolares), a Highpoiru Capital Management e a Templeton Emerging
Markets Investments.
As empresas de media tornam-se especialmente atract~vas para os
investidores privados porque 0 habitual e que necessitern de pouco
investimento de capital e gerem grandes beneficios. Estes investidores
normalmenre procuram a maxima renrabiliclade do invcsrirnenro!-, mas
nao intervern nas operacoes do dia-a-dia dos seus investimentos. No
entanto, a sua participacao nas fusees e aquisicoes de media pode ter
um papel fundamental no seu exito ou no seu fracasso. Quando a Sony
adquiriu a Metro Goldwyn Mayer em 2004, por exemplo, 0 financia-
menro proveio da Providence Equity Partners e Texas Pacific Group,
enquanto a oferta do Grupo Televisa pelo canal espanhol Univision
fracassou ao perder 0 apoio de dois fundos de investimento privados,
Blackstone Group e Kohlberg Kravis Roberts.
Ao 'conrrario, os podcrosos da elite do enrretenimenro global partici-
pam em fundos de capital privado e companhias de capital de risco, que
investern em projectos relacionados ou nao com media. Para os seus
investimentos, Bill Gates utiliza um fundo de capital privado pessoal,
Cascade Investments. Esta empresa tern accoes de Gay.corn, Planet Out
e Grupo Televisa, e participou na oferta falhada pela Univision em 2007.
A sua carteira de 4.000 milhoes de d61ares tambern abarca muitas empre-
sas tecnol6gicas e de senores alheios a cornunicacao, como 0 Canadian
National Railway, Bershire Hathaway e os parques de atracoes Six
Flags (Comissao de Valores dos EUA 28-05149). A Cascade Investments
tarnbern participou nurna joint venture com a Kingdom Holdings para
comprar a cadeia hoteleira Four Seasons em 2006. Em Abril de 2007, a
12 Estas empresas de investimcntos continuarn a carecer de regulacao, pois a
maioria das leis para os media, especial mente nos EUA, impoe lirnites as ernpresas
que mostrarn controlo na gestae das operacoes quotidianas dos seus bens de comu-
nicacao, 0 aumento nos investimentos de capital privado despertou a correspon-
dente preocupacao pelas rarniflcacoes da propriedade, ja que estas empresas, em
grande medida, nao estao reguladas. Tambem nao intervern nas operacoes diarias
das ernpresas, e surgiram duvidas sobre a sua influencia excessiva. Por exernplo em
2007, os fundos privados Harbinger Capital Partners Funds e Firebrand servirarn-se
do seu controlo dos 4,9% das accoes na New York Times Company para designar
qualm membros de conselho de adrninistracao na assembleia de 2008.
144
CAPiTULO 2: A COMI'NlC.\CAO i".\ ERA DIGITAl.
Bertelsmann atribuiu 10% do seu rcndimeruo de aquisicoes a urn grupo
de fundos de investimento privado, de 1.000 rnilhoes de euros junto
com 0 Citigroup Private Equity e a Morgan Stanley Principal Investment
para arnpliar as suas holdings.
A importancia do acesso ao capital privado nao e exdusiva das Sere
Magnfficas. Empresas como a Blackstone, a Cisco e a 3i investiram gran-
des somas nas producoes cinematograficas de Bollywood. Tarnbem,
empresas indianas como a Indian Film Company e outras empresas
obtiveram capital da British Alternative Investment Market (AlM) para
financiar os seus projectos. Outro exemplo, a industria de capital de
risco de Abu Dhabi Group, com sede nos Emirados Arabes Unidos,
fez um investimento importante no grupo Arvada Middle East Sales da
Bertelsmann para criar urn neg6cio de eruretenimento digital na regiao.
o sector da publicidade
o sector da publicidade e outra redc decisiva relacionada com as
redes de empresas de media. As empresas de:' media dependem da sua
capacidade de se ligarem com 0 sector publicitario global. S6 em 2007
as ernpresas (incluindo governamentais) gastaram 446.000 rnilhoes de
d61ares em publicidade (Advertising Age, 2007)13. 0 sector da publici-
dade inclui agencias, assim como services de design grafico, carnpanha
publicitaria e representantes de media (IBIS, 2008). 0 acesso a rede do
sector da publicidade pode determinar 0 exito ou 0 fracasso de uma
empresa de cornunicacao. Nao e por acaso que um grande numero das
empresas referidas no quadro A2.l do Anexo, sejam empresas que se
encontram entre os maiores cornpradores de publicidade (em italico).
Inciuindo a industria do cinema, que historicamente confiava nos rendi-
mentos em caixa, depende cada vez mais do merchadising e das pro-
mocoes cruzadas (Hesmondhalgh, 2007, p. 196). Este processo com-
plica-se ainda mais pelo facto de os conglomerados multimedia estarem
13 US Oprimedia, retirado do relasorio Future of the Media Report 2007.
o governo dos EUA, por exemplo, era 0 vigesimo nono maior anunciante do pais,
com urn gasto de 1.132.700 mil hoes de c16lares.
145
lr
I
o PODEH DA COMUNICAC;:AO
entre os rnaiores cornpradores de publicidade. Time Warner, Disney,
GE (sociedade matriz da NBC), NewsCorp, Via com e Microsoft encon-
trarn-se entre as 100 empresas que mais publicidade cornprarn em todo
o mundo. A IBIS (2008) calcula que os media de entretenirnento SaG
a terccira maior fonie de consumidores de publicidade, e representam
16% de todos os rendimentos do sector.
A diversificacao das redes de media condiciona as mudancas nos
gastos em publicidade e vice-versa. As multinacionais lutararn para
entrar no mercado chines de media porque e urn dos mercados publi-
citarios de mais rapido cresci memo: 0 seu valor calculava-se em 14.000
milhoes de d6lares em 2007 (Gale, 2008). Por sua vez, os anunciantes
sentern-se atraidos pelo mercado chines precisamente porque agora ha
mais mecanismos de difusao disponiveis.
o sector da publicidade foi-se concentrando cada vez mais. A maioria
das grandes agencias sao propriedade de uma das quatro grandes
holdings de C0Il1Unica\;30. Estas empresas sao a WPP Group, a Inter-
public Group of Companies, a Publics Groupe e a Omnicom Group
(IBIS, 2008). Alern de serem a maioria das agencias de publicidade
e marketing do mundo, estes grupos tarnbem diversificararn os seus
investimentos comprando tecnologias de ernissao pela Internet, que
atraern aos anunciantes da industria do entretenimento e da comuni-
cacao. Em 2007, por exemplo, 0 grupo WPP comprou a 24/7 RealMedia,
uma ernpresa de marketing para rnotores de busca, a Schematic, urna
agencia de publicidade interactiva na Internet, e a BlastRadius, urna
empresa especializada em publicidade nas redes socia is.
Portanto, as redes de media proporcionam plataforrnas para que
outras empresas prornovam os seus investimentos empresariais, suportes
publicitarios e fontes decisivas de clientes para vender publicidade.
Internet, redes sem fios de comunicacdo e redes de media
A Internet e as redes sem fios proporcionaram aos conglomerados
de media novos rnercados publicitarios, mas tarnbern espacos para os
quais existe uma cornpeticao muito forte. A chegada de empresas de
media globais a Internet inclui tentativas de re-cornercializar os media
146
'T
I
I
\
i
CAPiTULO 2: A COMUNICAc;:AO NA EHA DIGITAL
e a informacao surge da cultura convergente. Tambem 0 Youtube. 0
Facebook, 0 MySpace e outras propriedades similares online podem
revelar-se como pontos de ligacao criticos entre redes de media, redes
independentes de auto-cornunicacao de massas, interesses ernpresariais
(anunciantes) e aciores politicos que querem filtrar ou introduzir con-
teudo em todas estas redes.
A Google era a rnaior empresa mediatica mundial pelo seu valor
de capitalizacao em 2008, mas tinha muito menos investimentos anuais
que outros gigantes multimedia. No entanto, 0 alcance global da Google,
da Microsoft e do Yahoo e as suas nurnerosas sociedades com ernpresas
regionais de Internet e de media significa que os gigantes globais da
Internet nao podern considerar-se em separado. Por outro lado, parece
que as suas decisoes cada vez rnais influenciamos rnovimentos de
outros gigantesmultimedia com menos propriedades online. Agora que
a Google detem 0 Youtube, 0 Yahoo e dono do Xanga e a Microsoft
rem accoes do Facebook, controlam nos fundamentals entre a esfera
dos media e a esfera online. As ernpresas mais importantes estao a
pensar como re-cornercializar a aurocornunicacao de massas indepen-
dente, baseada na Internet. Estao a testar com sitios pagos com publici-
dade, sitios acessiveis por pagamento, portais de video gratuito online e
porta is acessiveis por pagarnento.
A medida que se distribuern e consomem mais produtos online e se
entretern com redes socia is e outros conteudos criados por utilizadores,
o comportamento do utilizador individual desempenha urn papel mais
irnportante na publicidade. Os motores de busca online configurarn-se
de tal forma que necessitam da participacao tacita, embora nao neces-
sariarnente consistente, do utilizador final. Os observadores assinalam a
crescente importancia da Googlearquia, ou seja, a posicao que se ocupa
entre os resultados da busca (Hindman e outros, 2003). Google, Yahoo
e outros sitios na Web usam urna cornbinacao de relevancia de palavras-
-chave, popularidade dos termos procurados, vinculos a outros sitios e
o comportarnento dos utilizadores finais para determinar a ordem dos
resultados da busca. Quanto mais utilizadores usa rem uns determinados
vinculos, mais acima sobem estas fontes na Googlearquia. Portanto, os
utilizadores dos motores de busca ao mesmo tempo consomem infor-
147
o PODER DA COMUNICAc;:Ao
macae e contribuem para deterrninar a acessibilidade e 0 dorninio dessa
Fonte de informacao para outros utilizadores da Internet. Isto tern urn
efeito domin6. E mais provavel que os utilizadores escolham urn link nas
prirneiras paginas de resultados. Portanto, a relevancia cria relcvancia.
Por exernplo, a busca de ternas africanos utiliza poucas Iontes africanas,
ja que nao estao no primeiro grupo de resultados. 56 os utilizadores
mais avancados conseguem pesquisar fontes que nao estejarn entre as
prirneiras segundo os criterios da Google.
As aliancas esrrategicas entre empresas de media e Yahoo, Google,
Microsoft e muitos motores de busca populates nas suas zonas repre-
sentarn tentativas de utilizar 0 cornportarnento dos utilizadores finals
para maximizar os rendimentos por publiciclade. Por exemplo, em 2007,
a NewsCorp assinou urn contraro de 900 milhoes de dolares com a
Google para que aparecesse publicidade personalizada das suas empre-
sas na Internet.
As tecnologias cia Web 2.0 perrnitern aos consumidores produzir e
clistribuir os seus pr6prios conteudos. 0 sucesso viral clestas tecnologias
levou as ernpresas de media a aproveitar a capacidade de producao dos
consumidores tradicionais. Quase todas as grandes empresas de noticias
oferecem aos visitantes da sua pagina na Web a oponunidade de fazer
upload de conteudo que, se e suficicntemente interessante, aparecera
online e em nurnero cada vez maior de programas de televisao que
apresentarn 0 conteudo criado pelos utilizadores (por exemplo, iRepon
da CNN e Web Junk 2.0 de Vh l ). Do mesmo modo, os jornais agora
citarn e utilizarn regularmente a blogosfera como fonte de noticias poli-
ticas e socia is da actualidade. Este desvanecimento das fronteiras faci-
litou 0 que Brian McNair (Brian McNair, 2006) denomina um "paradigma
do caos" na cornunicacao intemacional.
Redes de Fornecedores e Redes multimedia
As redes de fornecedores sao fundamentais para 0 funcionamento
das redes de multimedia. Estas incluem, entre outras, agencias de noti-
cias, agencias de talentos e redes de mao-de-obra.
148
~~
CAPITULO 2: A COMUNICACAo NA ERA DIGITAL
A estrategia ernpresarial dos media fomentou medidas de cone de
gastos que incluem 0 fecho de correspondentes regionais c internacio-
nais e a racionalizacao das praticas jornalisticas. Agencias de noticias
como 0 Reuteurs, Bloomberg, AP e World Television sao fornecedoras
decisivas de conteudos infor mativos para rnuitas empresas de media em
todo 0 mundo (Klinenberg, 2005). Wu (2000), por exemplo, viu que as
agencias de noticias eram urn deterrninante decisivo da coberrura infor-
mativa internacional da CNN e The New York Times.
Como as agencias noticiosas se avaliam pelo seu alcance global, 0
sector esta controlado par um pequeno grupo de agencias hist6ricas:
A Associat Press (AP). a Getty Images, Bloomberg, a Dow Jones, a
Reuteurs e a Agence France Press controlarn 70% do rnercado global
de redistribuicao de noticias (IBS, 2007, p.17). Desde 0 ana 2000 estas
agencias de redistribuicao de noncias arnpliararn a sua presenca inter-
nacional para satisfazer a maior procura de conteudo, a medida que os
jornais tentam manter versoes online dinarnicas e continuarnente actual i-
zadas. As margens cle lucro das agencias noticiosas continuarn a aumentar.
A Getty Images, por exernplo, obteve rendimentos de 484,8 milhoes de
d61ares no ana 2000 e quase 0 dobro em 2006 (807,3 mil hoes) (IBIS,
2007, p. 21). Alern disso, as televisoes, radios e revistas utilizarn cada vez
mais 0 service das agencias noticiosas (IBIS 2007, p. 28). Estas organi-
zacoes estao a diversificar a oferta de conteudos com imagens e videos
para disponibilizarern nas suas plataforrnas.
A relacao com escritores, actores, inrerpretes e outros profissionais
criativos e fundamental para 0 exito do neg6cio da cornunicacao. 56
nos EUA, a rede de agentes de artistas, desportistas e interpretes gera
cada ana 6.000 mil hoes de dolares (IBIS, 2007). As perdas econ6micas
como consequencia da greve de argumentistas norte-arnericanos nos
anos 2007 e 2008 demonstrarn a importancia destas redes para 0 exito
econ6mico de todo 0 neg6cio de media. A greve interrompeu a pro-
ducao de todas as series de televisao e provocou 0 cancelarnento de
muitos outros espectaculos em directo.
A capacidade de aproveitar as redes que produzem e fornecem a
infra-estrutura fisica da producao e difusao dos media tambern e impor-
tante, A producao de equipas de radio e televisao para 0 mercado arne-
ricano teve um lucro presumido de 38.255 mil hoes de d6lares em 2006.
149
:r
I
- 'I
i
I
o PODER DA COMUNICA<,:Ao
Alern das redes que cirei, hd muitas outras redes com tacos estreitos
com 0 sector de media. Por exemplo, como argumentarei mais a frente,
a capacidade de ligar em rede os actores politicos que influenciam na
regulacao das redes de media e telecomunicacoes e um factor decisive
para a expansao das ernpresas de media e para criar economias de
escala e de sinergia. Assim, 0 crescimento c a prosperidacle das redes de
media globais nao dependem apenas da SU:1 capacidade para configurar
as suas redes inrernas e arnpliar os seus mercados e recles de fornece-
dores, senao tarnbem a sua capacidade para estabelecer ligacoes com
redes cruciais em outras areas cia economia. a politica e a sociedade em
geral. A configuracao de antigas e novas ernpresas de media dependc
em ultima instancia das politicas reguladoras.
As Politicas das Politic as Reguladoras
A rransformacao tecnologica e cultural cia comunicacao social cana-
lizou-se e adaptou-se mediante estrategias empresariais que levararn a
formacao deste sistema de empresas multimedia ligado globalmente,
como vimos na seccao anterior. No entanto, 0 processo cle formacao
deste sistema foi possivel graps a evolucao das politicas regulacloras em
toclo 0 mundo. De facto, a cornunicacao social e uma pratica regulada
por instituicoes politicas em todos os paises pelo papel essencial que
desernpenha a cornunicacao tanto na infra-estrutura como na cultura da
sociedade. Nao ha urna necessidade tecnologica nern uma dererrninacao
impulsionada pela procura na evolucao da cornunicacao. Enquanto
que a revolucao nas tecnologias da inforrnacao e da cornunicacao e urn
elemento fundamental da actual transforrnacao, as suas consequencias
rea is no campo das cornunicacoes dependem de decisoes politicas que
resultam dos debates e conflitos propiciados pel as empresas e grupos
de interesses sociais e politicos que pretendem estabelecer 0 regime
regulador no qual ternque actuar ernpresas e pessoas. Por exemplo
Tim Wu (2007), na sua analise de estrategias dos operadores de comu-
nicacoes sem fio nos EVA, demonstrou de que forma as estrategias de
inregracao vertical - que em principio foram concebidos para controlar
150
CAPiTULO 2: A CO~IUNICAC;;Ao NA ERA DIGITAl
estritarnente a:; redes - na rcalidade dificultararn a inovacao tecnolo-
gica. reduzirarn a gama de aplicacoes e, em ultima instancia , limitararn a
expansao das redes minando a sua capacidade para adicionar-lhes valor.
Os interesses empresariais, nao a lecnologia nern 0 service publico, sao
os factores que definem a irnplernentacao das redes de comunicacao.
Esta nao e uma lei de ferro. Tudo depende da interaccao entre actores
socials subjacentes ao processo cle torna de decisoes.
Desde meados dos anos 80 ale ao final cia prirneira decada do
seculo XXI produziu-se urna mudanca tectonica na regulacao das cornu-
nicacoes em todos os parses, mas com diferentes orientacoes e enfases,
dependendo da cultura e das politicas de cada pais. No entanto, em
conjunto deu-se urna tendencia dorninante no sentido da liberalizacao,
privatizacao e desregulacao dos sectores das telecomunicacoes, radio e
televisao,
Convern diferenciar entre quatro ambitos de regulacao das comuni-
cacoes. difusao, imprensa escrita, Internet e recles de telecornunicacoes.
Entre as quatro ha reciprocidade e todas convergiram num sistema de
comunicacoes digitais .. 'No entanto, porque as instituicoes reguladoras
tern urna historia, as politicas desenvolveram-se de forrnas diferentes em
cada urn clos campos. Alem disso. hi pelo menos tres areas diferentes
de regulacao que sao transversals para os quatro ambiros mencionados,
a saber: a regulacao de conteudo, que inclui a salvaguarda dos direitos
de propriedade intelectual, a regulacao da propriedade e a regulacao
dos services imposra a operadores e emissoras (por exemplo, 0 service
universal de telefonia, 0 acesso nao discriminatorio aos services de tele-
cornunicacoes, etc.). 0 assunto complica-se ainda mais se adoptarrnos
urna perspectiva global, ja que 0 regulador e um actor plural quando
diferentes instituicoes assumem responsabilidades concretas em cada
urn destes quatro ambitos e tres areas. Incluindo os EVA, onde a, supos-
tamente independente, Comissao Federal de Cornunicacoes e respon-
savel pel as comunicacoes e emissoes (diferente do que ocorre na rnaioria
dos paises europeus), a regulacao da Internet estava original mente sob
a jurisdicao do Departamento da Defesa, e agora esta no Departamento
do Comercio, a regulacao da propriedade e das empresas de Internet
e dos media esta, em parte, dominada pela legislacao antimonopolio
151
o PODER DA COMUNICA<;:Ao
promulgada pelo Departamento de Seguranca do Territ6rio Nacional,
enquanto 0 Congresso trata de legislar sobre assuntos distintos (como a
intencao falhada de impor a censura na Internet com a lei da Decencia
das Cornunicacoes de 1996) e os tribunais intervern decisivamente para
resolver 0 nurnero crescente de conflitos derivados cia implantacao
das politicas de comunicacao. Para complicar ainda mais as coisas, na
Europa, a Comissao Europeia tem jurisdicao sobre as operacoes nacio-
nais de telecornunicacoes e media e a regulacao da Internet considera-se
global, ja que a Internet e uma rede global cle redes de computadores.
A analise deste complexo conjunto de instituicoes politicas c praticas
reguladoras vai mais alern clo objectivo deste livro e cle facto nao e
necessaria, ja que existe urna serie de excelentes estudos sobre a materia
(Cohwey, Aronson e Richards, 2009; Klinenberg, 2006: Wilson, 2004;
Price, 2002; International Journal of Commu nication, 2007 nurnero
especial sobre a neutraliclade da rede; Goldsmith e Wu, 2006; Terzis
(ed.), 2007; Rice (ed.), 2008). Pelo que irei apenas delinear os processes
reguladores que articularn 0 actual sistema de comunicacao digital mul-
tirnodal que estrutura as praticas comunicativas. Utilizarei os EUA como
base de analise antes de ampliar 0 argumento com referencias a outros
contextos,
A euoluciio das politicas reguladoras nos EVA:
Telecomunicaciies, propriedadeintelectual e Internet
Nos EUA houve tres momentos cruciais na evolucao da "desregula-
c;:ao regulada" das cornunicacoes na Era digital. 0 primeiro produziu-se
em 1984, com 0 desmantelamento do monopolio da ATT em telecomuni-
cacoes, 0 que deu azo a concorrencia controlada no sector das cornu-
nicacoes enquanto se mantinharn os monopolies locais para os opera-
dores por cabo. Em consequencia, as chamadas Baby Bells, estabele-
cidas originalmente em distintos mercados regionais, converterarn-se em
importantes actores nacionais e globais que pressionavam 0 Congresso
e a Comissao Federal de Comunicacoes para afirrnar 0 seu controlo
sobre a "ultima milha" (agora chamada a "primeira milha" por empresas
como a Verizon) em feroz concorrencia com as ernpresas de cabo antes
152
T
CAPiTULO 2: A COMI'NICA<;:Ao NA ERA DIGITAL
da regulacao perrnitir aliancas entre ambas. A relativamente lenta difu-
sao da banda larga nos EUA foi, em pane, consequencia cleste primeiro
conflito entre as empresas de cabo e os operadores telcfonicos, que
provocou falhas de interligacao nacional e local.
A segunda medida legislativa chave Ioi a Lei de Telecul7l1trlicUI;6es de
1996, que eliminou substancialmente as restricoes para a concentracao
de propriedade no sector dos media. Como ja foi duo, uma conse-
quencia directa desta lei foi 0 rapido avanco da consolidacao ernpresa-
rial que levou a formacao de oligopolios multimedia, espccialmente nas
grandes areas metropolitanas, como se clocumentou na seq:ao anterior
cleste capitulo. A concenrracao de propriedade afectou :1 televisao, a
radio e a imprensa escrita, mas, no caso desta ultima, () processo cle
concentracao e anterior a lei cle 1996. Por exemplo, em 1945. 80% clos
jornais diaries norte-americanos eram proprieclade privada. muitas vezes
cle familias. Em 2007, mais cle 80% estavarn nas rnaos de ernpresas,
a maioria filiais de grancles grupos multimedia (Klinenberg, 2007, p. 31).
Alern clo mais, a lei de 1996 autorizou as fusoes e as aliancas entre
empresas cle distintos segmentos da industria (por exemplo, entre
operadores cle telecornunicacoes e ernpresas cle media, incluindo as
de Internet), abrindo assirn a via para 0 sistema cle cornunicacoes cle
ernpresas inter-relacionadas que surgiu no inicio clo seculo XXI. A lei de
1996 tarnbem foi imponante porque reiterou a obrigacao do operador
de permitir 0 uso repartido da rede em condicoes similares para toclos
os utilizaclores (a charnada "politica cle desagregacao"). Esta politica
limitava a capacidade das novas mega ernpresas, nascidas das fusees, cle
se apropriarern-se cia revolucao tecnol6gica em beneficio pr6prio.
Em termos de conteudo dos media, a Comissao Federal cle Telecornu-
nicacoes manteve tradicionalmente um perfil baixo para nao interferir
com 0 principio da liberdade de expressao estabelecido na Primeira
Ernenda, em bora recomenclasse prudencia para proteger as criancas
cle uma programacao perniciosa e limitar a difusao de pornografia. No
entanto, 0 Congresso e 0 governo rnostrararn-se muito mais agressivos
a respeito do controlo dos conteudos da Internet. A razao chave para a
Lei da Decencia das Cornunicacoes de 1996 era a prevencao cia porno-
grafia infantil online. Mas quando os tribunais se pronunciaram contra
153
J
o PODER f)A CO~Il'''ICA\:AO
as disposicoes da lei relativas ao ccntrolo da liberdade de comunicacao
na Internet, as tentativas de censura desaparecerarn ate 2001, quando
a arneaca terrorista facilitou a aprovacao de novas leis que autorizavam 0
governo a vigiar a Internet e controlar a dilusao de deterrninados tipos
de informacao. Esta proposta foi quase irnpossivcl de executar, como
dernonstra a proliferacao de decretos de Bill Laden e OLitrOS materia is de
grupos terroristas na rede.
o que se converteu no assunto mais importanre relative ao controlo
de conteudos na Internet foi a aplicacao de urnas leisde direitos de
autor tecnologicamente antiquaclas sobre 0 material digital que circula
na rede, especialmente nas recles P2P. Sob a pressao incansavel dos
sectores da cultura e dos media. 0 Congresso aprovou leis que arnplia-
yam a proteccao da propriedade intelectual e os tribunais foram usados
como barreiras contra a cultura do uso partilhado e de "remix" que
tinha florescido na Internet. Efecuvarnerue, a lei cios Direitos de Autor de
1998, denominada Milenio Digital representava uma seria arneaca para
a cultura da mistura que esta na origem cia criatividacie na era digital.
Embora 0 arsenal legislative tenha tido urn efeito intimidatorio sob os
utilizadores cia Internet, nao foi capaz de irnpedir a insurreicao rnassiva
(de dezenas de milhoes) de utilizaciores/proclutores de conteudos contra
o que se considerava urn sequestro cia cultura digital livre por parte
cios oligopolies dos media (Lessig, 2004; Benkler, 2006; Gillespie, 2007).
Pedindo auxilio a tecnologia, a industria do entretenimento desenvolveu
um novo sistema de "gestae dos direitos digitais" (DRM - Digital Rights
Management) para evitar a c6pia nao autorizada de material. No entanto,
o DRM s6 limita uma pequena parte da suposta infraccao porque nao
impede 0 crescimento das redes de P2P nem tao pouco que se carre-
gue material remisturado no YouTube e outros sitios da Web 2.0, com
milhoes de utilizadores e criadores de conteudos.
A evolucao espontanea da regulacao e a gestae da Internet e para-
lela a maturidade fortuita cia Internet, como ambito colectivo de cornu-
nicacao da sociedade em recie (Abbate, 1999; Castells, 2001; Movius,
no prelo). Quando em 1969 apareceu a ARPANET, a antecessora da
Internet, tratava-se de um programa experimental de ligacao em rede
de computadores com origem na DARPA, a agencia de investigacao do
154
CAPITUl.O 2: A COMUNICA(:AO NA ERA DIGITAl.
Departamento de Defesa Arnericano, e executado em grande medida
pelos cientistas e engenheiros que 0 criararn. Em 1970, 0 Departamento
de Defesa ofereceu a transferencia das suas operacoes e propriedade a
ATT. Ap6s avaliar a possibilidade durante umas sernanas, a A1T nao viu
nenhum interesse comercial na AHPANET e declinou a olerta (Abbate,
1999). Gracas a monumenral miopia da ATT e a incapacidacle da
Microsoft para compreender a importancia da Internet, 0 mundo con-
verteu-se no que e hoje. Isto. tanto quanta se possa caracterizar em
terrnos de determinismo tecnol6gico.
Em 1984, a medida que a Internet se desenvolvia e cornecava a
utilizar-se em todo 0 mundo, a DARPA e os designers mais importanres
da Internet estabeleceram 0 Cornite cie Actividades da Internet. forrnado
por urna seric de grupos de trabalho. Urn destes converteu-se no Grupo
Especial sobre Engenharia da Internet (JETF), criado em 1986 com a
tarefa de gerir 0 desenvolvimento de norm as tecnol6gicas para a Internet.
As decisoes romadas peJo IETF erarn aprovadas e afectavam uma ampla
variedade de pessoas e instituicoes. Em conjunto, a Internet surgiu num
vazio legal com ponca supervisao dos organismos reguladores, incluida
a Comissao Federal de Cornunicacoes. Os organismos criados foram-se
desenvolvendo ad hoc para solucionar as necessidadcs dos utilizadores
da rede. A decisao mais transcendental foi estabeleccr urn sistema
coerente para atribuir dominies e enderecos de II' que organizaram 0
trafico na Internet de rnaneira a que as mensagens chegassem ao seu
destinatario. Tratou-se de uma operacao realizada em rneados dos anos
80, em grande rnedida, apenas pelo Professor de engenharia da Univer-
sidade do Sui da California Jon Postel, um dos primeiros co-designers
da Internet. Postel estabeleceu 0 sistema contratado pela DARPA e em
ligacao com 0 SRI (0 Standford Research Institute, nao afiliado a univer-
sidade de Standford). A organizacao resultante conheceu-se como
Internet Assigned Numbers Authority (IANA). Postel administrava as sub-
vencoes do governo dos EUA para que a IANA mantivesse listas cle
numeros de referencia unica. Embora os servidores raiz cia IANA mane-
jassem 13 organizacoes diferentes de forma voluntaria, Postel tornou a
maioria das decisoes tecnicas chave a partir do seu Gabinete na Univer-
siclacle. Que uma s6 pessoa, sem beneficio econ6mico pessoal e sern 0
155
o PODER DA COMUNICA<;:AO
controlo directo duma autoridade superior, tenha criado 0 sistema de
dominios da Internet sem oposicao alguma gra\;as a confianca depo-
sitada nele pela comunidade de utilizadores e uma das hist6rias mais
extraordinarias da Era da Inforrnacao.
Em 1992, a Fundacao Nacional cia Ciencia (National Science Founda-
tion. NSF) assumiu a responsabiliclacle de coordenar e financiar a gesr.to
da Internet, deixando os poucos elementos militares cia recle sob a juris-
dicao clo Departamento cia Defesa. Em 1993, a National Science Found.i-
tion encarregou a empresa privada americana Network Solutions, Inc..
da adrninistracao clo Sistema de Dorninios (DNS) mas Postel continuou a
clesempenhar urn papel ate que faleceu de cancro em 1998 com 55 anos
cle idade. Entao, quando acabou 0 contrato com a NSF em 1998, e sern
Postel presenre como garantia clas normas de enderecos IP, aumeruou
a pressao para que se formalizasse a gestao institucional da Internet.
A controversia subsequente levou a IANA e a organizacao indepenclente
criacla pela primeira comuniclade de utilizadores, a Internet Society
([SOC). presidida por outro respeitavel "pai" da Internet, Vint Cerf a
organizar 0 International Ad Hoc Commitee (JAHC) para resolver as
questoes relacionaclas com a adrninistracao do DNS. A invencao da
World Wide Weh e a livre difusao do seu prograrna cle servidores lXi?h
por parte clo sell criador Timberners-Lee em 1990 lancaram as bases
tecnol6gicas para 0 desenvolvimento de uma Internet facil de usar.
Quanclo a Internet se converteu nurna oportunidade enormemente ren-
tavel para os investirnentos empresariais, 0 presiclente Clinton orclenou
ao Secretario do Cornercio a privatizacao do DNS em 1 cle julho cle
1997, de forma a aurnentar a concorrencia e facilitar a participacao inter-
nacional na sua gestae. 0 Departamento de Cornercio clos EUA levou a
cabo a directiva e estabeleceu a ICAN (Internet Corporation for Assigned
Names and Numbers) em Novembro de 1998.
Assim que a Internet foi reconhecida como lima forma extraordina-
ria mente importante de comunicacao em rede com numerosas aplica-
coes possiveis, 0 dese]o das empresas de comercializar Internet cresceu
de forma exponencial. Mas a hist6ria, a cultura e a arquitectura da
Internet dificultavarn a sua apropriacao privada ou a sua regulacao
exclusiva com fins de beneficio empresarial. Alern do mais, como era
156
CAPITULO 2: A COMUNICA<;:Ao NA ERA DIGITAL
uma rede global, e como era esse, precisamenre, UlTI dos seus principals
atractivos tanto para as ernpresas como para os utilizadores, 0 Depar-
tamento cle Cornercio teve que partilhar urna parte do controlo com
organismos reguladores internacionais e com a comuniclade de utiliza-
dores, 0 que levou a eleicao sern precedentes do Conselho da ICANN
mediante votacao electr6nica cle rnais de 200.000 utilizaclores registados
na Internet no ana 2000, uma expressao cia participacao de base apesar
da falta de representatividade deste eleitorado. Uma coligacao forrnada
por uma comuniclade cle utilizaclores activa, libertarios e tribuna is norte-
-arnericanos converterarn-se nos guardiaes cia autonomia cia Internet, de
forma que uma grande parte da recle continuou a ser urn vasto espaco
social de experimentacao, sociabilidade e expressao cultural indepen-
dente. Qualquer tentativa de domesticar ou dividir a Internet foi rejei-
tacla com tal determinacao que os govern os e as ernpresas tiveram que
aprender a utilizar a Internet em seu proveito sern impedir 0 desenvol-
vimento aut6nomo. 0 genio tinha saido cia larnpada e, alern clisso, os
seus genes rejeitararn 0 confinamento desta recuperada liberdade de
cornunicacao por opcao deliberada clos seus criaclores, exemplificada
na decisao de Tim Berners-Lee de criar 0software da World Wide Weh.
No entanto, quando a expansao da banda larga e 0 nascimento cia Weh
2.0 abriram novas oportunidades para obter beneficios na primeira
decada clo seculo XXI, introduzirarn-se outras politicas reguladoras para
tentar apropriar-se nao cia Internet em si, mas da infra-estrutura cia rede
que a sustenta.
Cercando os direitos da Era da informaciio (ou tentando)
o terceiro grande passo desde a cnacao de um novo ambiente
regulador das comunicacoes digitais nos EUA produziu-se na primeira
decada deste seculo. Uma serie de projectos de lei aprovados no
Congresso e decisoes adoptadas pela Comissao Federal de Cornuni-
cacoes modificaram a lei de 1996 permitindo as empresas investir em
distintos sect ores e continuar com a integracdo vertical de operadores,
fahricantes e fornecedores de conteudos, enquanto restringiam 0 escru-
tinio publico sohre as prdticas empresariais (McChesney, 2007; Klinen-
157
:1
~. ,
o PODER DA COMIINICA<;:Ao
berg, 2006; Schiller, 2007; Benkler, 2006). Em 2004, a Comissao Federal
de Telecornunicacoes introduziu urna politica denominada "flexibilidade
do espectro" com 0 objectivo de aurnentar 0 espcctro disponivel, espe-
cialmente para as cornunicacoes sern nos. e autorizar a venda livre do
espectro por parte das empresas que cstavarn a operar dentro de fre-
quencias reguladas, criando assim urn mercado de espectro que aumen-
tou 0 campo de actuacao das grandes ernpresas. A Comissao Federal de
Cornunicacoes tambern terminou com 0 requisito da desagregacao, 0
que libertou os operadores Bell da sua obrigacao cle partilhar redes, mas
perrnitia aos operadores de televisao por cabo introduzir a banda larga
nas suas redes e vender services. Esta nova politics deu aos operadores
uma grande Iiberdade para gerir 0 acesso as redes de sua propriedade e
os respectivos pre\;os.
Como continuacao 16gica desta restiruicao de poder aos operadores
cle redes, a ultima fase da desregulacao arnericana aponta para 0 investi-
mento da politica tradicional de "neutralidade cia rede", ou seja, a cons i-
deracao da rede portadora como urna infra-estrutura de uso comum
cujo acesso nao pode bloquear-se, condicionar-se ou discriminar-se por
parte clos operadores, respeiranre a c1iferentes utilizadores!+.
A decisao funclamental que abriu 0 debate sobre a neutralidacle cia
rede foi a denorninada Ordenacao relativa aos Modem por Cabo da Comis-
sao Federal de Cornunicacoes de 2002, que estabelecia que 0 service de
banda larga deixava de se considerar urn service de telecornunicacoes
(e, portanto, sujeito a regulacao), tal como estava definido na lei de
Telecornunicacoes de 1996, e passava a ser urn "service de informacao"
fora do alcance do regulador, 0 Supremo Tribunal confirmou esta decisao
em 2005, pelo que abriu Ul11 grancle debate entre dois grupos. Por urn
lado, os utilizadores da Internet, as empresas inovadoras de alta tecno-
logia e os fornecedores de conteudos da Internet como a Google, a
Yahoo, a Amazon e a e-Bay que defendiam 0 acesso aberto as redes.
Por outro lado, os operadores de redes que desejavam diferenciar entre
14 Uma analise diferente e bem documentada desta mudanca fundamental de
politica pode ser consultada no numero especial sobre neutralidade da rede publi-
cado pelo}ournal ofCommunication, volume de 2007.
158
CAPiruLO 2: A COMUNICA<;:AO NA ERA DIGITAl
acesso e tarifas para aproveitar 0 seu controlo privado da infra-estrurura
de comunicacao, 0 conflito vai mais longe, clo que diferentes sectores
com os seus pr6prios interesses. Como escreveu Clark (Clark, 2007):
"0 conflito refere-se ao futuro cia televisao", Isto c assim porque a digi-
talizacao de todos os conteudos (bits sao bits) abre 0 caminho para
que a Internet ernita televisao. Por exemplo, a Hulu.corn e utilizacla por
quase todos os grandes conglomerados de media para ernitir 0 con-
teudo da televisao usando a tecnologia Peer-to-Peer. A Internet jJ trans-
porta urn rrafico importante de comunicacao de voz (por exernplo, 0
Skype), 0 que altera cle forma significativa 0 desempenho dos rendi-
memos das empresas de radiodifusao e dos operaclores de telecomu-
nicacoes. Assirn, ernbora a liberalizacao e a desregulacao tenham esti-
mulado 0 descnvolvimento das comunicacoes baseadas na Internet nos
anos 80 e 90 (devido, sobretudo, ao facto de que nao interferiarn com
o desenvolvimento autogerido cia Internet), a rnudanca das regras que a
Comissao Federal de Cornunicacoes realizou com a administracao Bush
na primeira decada do seculo XXI equivaleu a desregulacao em favor clas
empresas cle telecornunicacoes, cabo e radiodifusao que resistiam ao
desafios que a difusao de Internet por banda larga e conteudos e services
cia Web 2.0 criava ao seu modelo de neg6cio estabelecido.
Assirn, enquanto a atencao clo munclo se centrava na liberdade cle
expressao na Internet, a transforrnacao da infra-estrutura de cornunicacao
nurna serie de "coutadas privadas'' administraclas pelos operadores cle
recles, no que respeita aos seus rendimentos empresariais, impos limi-
tacoes fundamentals para a expansao da nova cultura digital. Os aneis
da Galaxia Internet estao a ser privatizaclos, e a sua gestae fragrnentada.
Enquanto nos preocupavarnos com a proteccao cia fronteira electr6nica
livre contra a intrusao do "Grande Irrnao" (governo), as "Grandes Irrnas"
(os principais operadores de rede), que possuem e gerem 0 trafico da
banda larga que circula pelas super auto-estradas cia inforrnacao con-
verterarn-se nas responsaveis pela limitacao do espa\;o virtual gratuito.
A evolucao das politicas reguladoras e 0 resultado das estrategias cle
construcao de poder atraves cia articulacao de investimentos empresa-
riais e politicos disfarcados de discursos sobre as maravilhas cia tecno-
logia e a valorizacao ultima do papel dos consumidores, suportados por
159
o PODER DA COMUNICA<;:AO
rnodelos econ6micos que adoravarn a autoridade suprema da "Mao Invi-
sivel' dos mercados. Enquanto que nos anos 90 houve confliros dentro
das ernpresas entre os partidarios das Baby Bells (operadores de grande
distancia) e dos operadores de cabo, quando se tratou de tornar a grande
decisao sobre se devia permitir-se que 0 mercado (ou seja, as gran-
des empresas) deterrninar a forma da revolucao das cornunicacoes, a
maioria da classe politica abracou esta estrategia. A lei de 1996, com 0
governo Clinton, recebeu apoio do Congresso de maioria republicana
c muitas das medidas que permitiam a integracao vertical e os investi-
mentos transversals obtiveram apoio de ambos os partidos. [SlO deve-se
ao facto de 0 sector das relecomunicacoes desempenhar um papel no
financiamento das campanhas politicas, embora 0 sector da radiodifusao
seja fundamental para facilitar a cobertura mediatica aos candidates
politicos. As novas empresas de Internet demoraram rnuito tempo a
conseguir influencia politica e estavam dernasiado auto-satisfcitas com
o poder da sua superioridade inata como inovadoras tecnol6gicas para
se preocuparem com 0 futuro. Alern disso, 0 publico nao esrava muito
consciente da importancia dos assuntos que se esravam a decidir sern
consulta nem debate. A regulacao das comunicacoes era um campo
obscuro reservado a advogados, economistas e engenheiros sem apa-
rente relacao com 0 que preocupava as pessoas, excepto nas reclarna-
coes por abuso de tarifas e por services deficientes contra os operadores
monopolistas do cabo, normal mente acusados em questoes de licencia-
mento adjudicadas por govern os locais, com pouca informacao sobre 0
que estavam a fazer.
Os acontecimentos deram uma volta na primeira decada deste
seculo, em parte devido a arrogancia de Michael Powel, novo presi-
dente da Comissao Federal de Comunicacoes nomeado pelo presidente
Bush em 2001. Militar de carreira e filho do entao secretario de Estado
Colin Powel, era (e continua a ser) um fundamentalista do mercado
livre que, depois da sua saida da Comissao em 2004, entrou para a
Providence Equity Partenrs, uma sociedade de investimentos que gere
fundos das empresas de telecomunicacoese media que Powel se encar-
regou de regular. 0 Presidente deu-lhe 0 seu apoio pessoal para que
pudesse eliminar as restricoes sobre a propriedade cruzada de media e
160
r
CAPiTULO 2: A CoMUNICA<;:Ao NA ERA DIGITAL
regular nova mente a favor das grandes empresas do sector das cornu-
nicacoes e radiodifusao A ernpresa de Rupert Murdoch, NewsCorp, foi
urna das grandes beneficiarias desta nova politica. A concentracao de
media na televisao, cabo, radio e imprensa que se seguiu a decisao
cia Comissao desencacleou urna onda de protestos que mobilizou acti-
vistas progressistas, associacoes civicas, libertarios civis e defensores
do governo local, entre os quais se encontravam grupos conservadores
rnuito influentes, como a Associacao Nacional de Armas (NRA). Deste
protesto surgiu urn poderoso movimento social multifacetado, que
incluia organizacoes como a Free Press, Center/or Digital Democracy.
Media Acce~~,-Project, Reclaim the Media, Media Alliance, Media-Tank,
Prometheus Radio Project (que reclamava "poder para 0 povo" pOI' refe-
rencia a radio independente LP) e muitas outras que lutaram com exito
contra a tentariva cia Comissao Federal cle Comunicacoes de expulsar
os cidadaos cia politica de comunicacao. Estes grupos provocaram urn
inusitado interesse pelas sessoes abertas da Comissao. Protestaram na
Internet, pressionaram 0 Congresso e apresentaram recursos em tribu-
nais federais, rornando a nova maioria democrata do Congresso mais
receptiva a reivindicacao clo controlo das comunicacoes por parte clos
cidadaos. Essa mobilizacao generalizacla coincidiu com outros factores
que levaram a dernissao cle Powell cia Comissao (Klinenberg. 2007;
Costanza-Chock, 2006; McChesney, 2007; Neumam, cornunicacao pessoal,
2007). Quando se abriu um novo debate sobre a politica de comuni-
cacoes entre 2005 e 2007 respeitante a questao "neutralidade da rede",
uma cidadania informacla entrou no ambito da politica da cornunicacao
e levou-a ao primeiro plano do debate publico. Em palavras de Robert
McChesney, "0 crucial em 2003 foi que a luz se acendeu para milhoes
de norte-americanos. Nao tinham que aceitar todos os problemas com
os media como "inamoviveis". 0 sistema de media nao era algo natural;
era resultado das politicas" (McChesney, 2007, p. 159). No entanto, para
por em perspectiva a experiencia clesta reaccao, merece a pena assinalar
um lembrete instrutivo sobre 0 poder da industria das comunicacoes.
na campanha eleitoral de 2008, como em todas as demais carnpanhas,
nenhum dos principais candidatos presidenciais abordou 0 problema do
controlo do cidadao sobre os media e as redes de cornunicacao.
161
'f
o PODER DA COMLINICA<;:AO
A desregulaciio do mundo (mas ndo a americana)
Em todo 0 mundo tarnbem se produziu urna tendencia generalizada
para a liberalizacao, privatizacao e desregulacao das telecomunic.rcocs e
ernissoes desde os anos 80, mas a um ritmo mais leruo que nos FUA. Por
outro lado, 0 regime regulador era, e continua a ser em certa medida,
diferente clo norte-america no. De facto, os EUA rcpresentarn a excepcao
na hist6ria cle desregulacao das cornunicacoes de urna perspective global.
Isto deve-se a que no mundo, em geral, a comunicacao sempre foi
considerada dernasiado importante para deixa-la em maos privadas. No
passado, as cornunicacoes erarn consideradas urn campo fundamental
para reafirrnar 0 controlo governamental, umas vezes em nome clo inte-
resse publico e outras como expressao crua clo pocler clo estado, com os
interesses ernpresariais em segundo lugar. Alern disso, em todo 0 mundo
houve uma separacao clara entre a regulacao clos media e a regulacao
das telecomunicacoes. Estas ultimas consicleravam-se uma infra-estru-
tura de service publico, enquanto os primeiros eram urn instrumento
chave do controlo cultural e politico, Falando em termos gerais, pode-
mos dizer que os media estavarn regulados pelas instiruicoes icleol6gicas
e politicas do estaclo. A televisao e a radio costumavam ser propriedade
clo governo e este controlava-as, embora se cleixasse uma ceria margem
para a propriedade privada, mas sob 0 olhar atento de pretenses cen-
sores, Em vez disso, os jornais diarios e a imprensa escrita confiavam-se
as diferentes elites de forma que mantinham voz activa e livre na esfera
publica, a excepcao cle parses com ditaduras de esquerda ou direita,
onde todos os media estavam sob 0 controlo clo particlo do ditador,
Mas, inclusive nos paises dernocraticos, a imprensa estava submetida a
inclinacoes politicas, de forma que a idilica nocao de imprensa profis-
sional independente costumava ser negada pelo partidarismo politico e
ideol6gico da maioria dos media, muitas vezes expressao de filiacoes
religiosas, preferencias ideo16gicas, interesses empresariais e partidos
politicos, Em conjunto, 0 aparelho do estado e ideol6gico eram a matriz
dos media, mais que 0 rnercado. Obviamente, as ernpresas estavam pre-
sentes nos media, mas as estrategias comerciais teriam que operar sob a
proteccao de quem detinha 0 poder politico e ideologico.
162
CAPiTULO 2: A COMUNICA<;:Ao NA ERA DIGITAL
Esta siruacao mudou em quase todo 0 mundo a partir dos anos 80,
Na origem desta mudanca esteve a onda de politicas de liberalizacao
ligadas as novas estrategias econ6micas no conrexto da globalizacao,
a rapida mudanca tecnol6gica que abriu UIl1 novo universo de possi-
bilidades de cornunicacao e a rnudanca cultural, com 0 individualismo
e a liberdade cle escolha, que debilitou os fundamentos clo conserva-
dorismo ideol6gico, especialmente nos paises desenvolvidos. 0 modo
em que tudo isto se traduz em novas formas de regulacao foi diferente
conforme os paises. Em alguns dos maiores paises clo mundo (China,
Russia e India), apesar da crescente presenca das empresas nos media,
aincla no seculo XXI ha urn controlo clirecto (China e Russia) Oll indirecto
(India) do governo sobre os media, Mas na maioria dos paises 0 regime
regulador exerce-se atraves de lima mistura de propriedade governa-
mental e licencas conceclidas a grupos empresariais que devern seguir
normas e limitar 0 seu poder como grupos de cornunicacao cornpleta-
mente independentes 0 metodo habitual para submeter as empresas a
vontade politicano sector dos media e repartir licencas entre socieclades
de cliferentes orientacoes politicas. Dessa forma, quem esta no poder
tern sempre acesso a algum grupo de cornunicacao. A integracao vertical
de televisao, radio e imprensa escrita facilita esta divisao clo trabalho
nos media sob 0 controlo do sistema politico em geral. Alern disso,
em todos os paises continua a haver alguma rede de propriedade clo
governo em que a independencia e lirnitada.
Ha excepcoes neste modelo, de arnbas as partes, Por exemplo, no
Reino Unido, a BBC e aclamada em todo 0 mundo como modelo de
empresa publica que afirma a sua independencia clo governo, embora
algumas accoes do governo de Blair tenham manchado esta imagem,
mas sem clestruir a sua reputacao como referencia dos media publicos
independentes em todo 0 mundo. No entanto, a BBC teve que competir
com as cadeias de televisao privadas e as empresas de satelite e cabo,
que obtiverarn uma grande quota de audiencia, de forma que a BBC
perdeu a sua posicao dominante. No outro extremo do mundo das cornu-
nicacoes liberalizadas, esta a Italia, que, com 0 governo de Berlusconi,
produz urn modelo muito original de sociedade publica-privada, 0 go-
verno italiano detinha tres redes da RAI, conhecidas desde sempre pelo
163
o PODEH DA COMUNICA<;:AO
seu profissionalismo, que foram submetidas a grandes pressoes poli-
ticas apesar da decidida resistencia de jornalistas e produtores. Por
outro lado, Berlusconi, urn empresario da construcao, com 0 apoio do
Primeiro-Ministro socialista Bertino Craxi, utilizou uma lacuna juridica
da Constituicao italiana para criar tres redes de televisao privadas cle
ambito nacional a partir das ernissoras locais das quais era proprierario.
Berlusconi serviu-se do seu poder mediatico para ser eleito Primeiro-
-Ministro em 1994, e posteriormente reeleito.De forma que, no inicio
dos anos 90 e na primeira decada deste seculo, todas as redes nacionais
cle televisao, publicas ou privadas, estavarn sob 0 seu controlo, com
consequencias obvias para 0 empobrecimento cultural e a diversidade
politica de urn dos paises mais cultos (Bosetti, 2007). A Franca privatizou
a maior parte da televisao publica (TF1 foi adquirida por uma constru-
tora) enquanto reservava 0 controlo cle alguns canais como a TV7 e
dedi cava parcialmente urna recle publica (Antenne 2) it prograrnacao
cultural para consolo dos intelectuais franceses.
A Alemanha, Portugal e Espanha tomararn caminhos similares.
A Espanha, durante 0 governo socialista de Felipe Gonzalez nos anos
80, manteve as redes nacionais sob 0 controlo clo governo e permitiu
a abertura de duas redes de televisao e urn canal cle televisao por sate-
lite a tres consorcios de investimentos privados, convenientemente
repartidos entre diferenres grupos empresariais, com a condicao de que
nenhum accionista teria mais de 25% clessas recles abertas. Em 1996, 0
sucessor cle Gonzalez, 0 presidente do governo conservador Jose Maria
Aznar, seguiu 0 modelo cle Berlusconi e utilizou 0 seu controlo cia Tele-
f6nica, a multinacional espanhola de telecornunicacoes, para adquirir
urn dos canais privados enquanto pressionava 0 outro, de modo que
monopolizou efectivamente quase todos os media nacionais durante
o periodo 1996-2004. Em 2006, urn novo governo socialista concecleu
licencas para duas redes cle televisao, a grupos de investidores arnigos
e acelerou a transicao para a televisao digital, 0 que liberou outra parte
clo espectro e criou espaco livre para uma ampla gama cle empresas
nacionais e internacionais de media (Campo Vidal, 2008). No entanto, a
transforrnacao rnais profunda do sistema de media espanhol produziu-se
como resultado da refundacao constitucional do estado espanhol, a partir
164
CAPiTULO 2: A COMUNICAI;:Ao NA ERA DIGITAL
do ana 1978, num estaclo quase federal. As comunidades aut6nomas
espanholas pocliam desenvolver as suas pr6prias redes cle televisao e
radio publicas dentro dos limites do seu territ6rio e utilizaram esta capa-
cidade ao maximo, com 0 resultado cle que na Catalunha e outras zonas
de Espanha as cacleias de televisao regionais captaram a maior parte
da audiencia e na Catalunha, Pais Basco e Galiza converteram-se nurn
instrumento chave para fortalecer a iclenticlade nacional mediante a pre-
servacao das suas pr6prias linguas, entre outros media (Tubella, 2004).
Em resumo. a politica reguladora mais importante na Europa e na
rnaior parte do rnundo foi a liberalizacao gradual e limitada do controlo
dos governos nacionais sobre a radio e a televisao e indirectarnente
sobre a imprensa escrita, a favor de uma serie de grupos empresariais
privados e de governos regionais. As ernpresas de media muitas vezes
utilizaram esta relativa autonornia para a ligarem a redes empresariais
globais, aurnentando assim a sua independencia em relacao ao governo.
A cornercializacao dos media em todo 0 mundo recebeu um amplo
apoio cia opiniao publica porque em grancle medida escaparam (e conti-
nuarn a faze-Io em muitos paises) cia "jaula cle ferro" da burocracia
politica 0 entretenimento actualizado ganha it propaganda completa
de filmes antigos e folclore nacional, Este sentimento relativo cle libe-
r.ilizacao da garra politica nas cluas ultimas decadas pocle explicar a,
quase pratica, ausencia cle protestos sociais contra a politica dos media
na grande maioria dos paises, excepto as reivindicacoes interessadas
dos grupos empresariais que saiam a percler no processo cle adjudicacao
de Iicencas, Efectivamente, quando se produzern movimentos sociais
em relacao com os media, nao abordarn 0 proprio neg6cio, mas sirn a
Iura contra a censura. Isto e 0 que sucede especialmente na Russia de
Putin, oncle os jornalistas e cidadaos lutarn contra um regime de media
autoritario guiaclo pela rnotivacao politica desde os mais altos niveis do
estado (veja-se 0 capitulo 4).
Em quase todo 0 mundo, a regulacdo das telecomunicacoes levou a
cabo uma mudanca drdstica de um regime monopolista (legal ou de
facto) para uma politica de re-regulacao e concorrencia que cornecou a
consolidar-se na Europa em 1998 e no japao em 2000 (Cowhey, Aronson
e Richards, 2009; Rutherford, 2004; OCDE, 2007). Na maioria dos paises
165
o !'OOER OA COMUNICAc;:Ao
estabelecerarn-sc reguladores das telecornunicacoes, supostamente inde-
pendentes e na Uniao Europeia a Comissao Europeia assumiu a super-
visao dos reguladores nacionais. As autoridades reguladoras proibern
as praticas monopolistas e as tarifas abusivas e submetem as ernpresas
a coimas e directivas obrigatorias. No entanto, os monopolies originais,
mesmo depois da sua privatizacao, aproveitaram os seus recursos e con-
tactos politicos para manter uma posicao dominante nos seus territo-
rios nacionais enquanto embarcam em politicas ambiciosas de expansao
global e aliancas estrategicas.
A comunicacao sem fios e um campo mais competitive porque e um
sector mais recente e em alguns paises, como a China, os operadores
sem fios sao utilizados pelo governo para pressionar os antigos opera-
dores tradicionais (Qiu, 2007). No entanto, esta politica de concorrencia
existente na Europa, japao e Coreia do Sui, parece ter ganho 0 jogo a
concorrencia clesorganizada induzida nos EUA pela Comissao Federal
de Comunicacoes, com a sua politica de todos contra todos. A entrada da
banda larga e maior no norte da Europa, japao, Coreia do SuI que nos
EUA, e 0 seu custo por bit e inferior. A norma de desagregacao continua
a estar vigente na Europa, mantendo actualrnente 0 principio da neutra-
lidade da rede. Alern disso, 0 acordo sobre norrnas e pIanos de tarifas
impostos pela Comissao Europeia aos operadores de cornunicacoes
sem fios na Europa levou a uma maior penetracao das cornunicacoes sern
fios movers, um maior usa e urn service de mais qualidade na Europa
que nos EUA. A vantagem competitiva da Europa e Asia neste campo
contribuiu para a qualidade de tecnologia das comunicacoes sem fios e
do design de fabricacao na Europa (especialmente nos paises nordicos)
e Asia Oriental. Em resumo, a regulacao das redes de telecomunica-
coes no geral manteve um maior grau de controlo governamental nos
operadores que nos EUA, e deu lugar a urna concorrencia controlada.
o resultado final foi a expansao da comunicacao por banda larga e
movel sem fios, 0 que assentou as bases para a difusao global da infra-
-estrutura da era da cornunicacao digital e especialmente das novas
plataforrnas de Internet: a Web 2.0 e Web 3.0.
166
CAPiTULO 2: A COMUNICAc;:Ao NA ERA DIGITAL
Regular a liberdade: quando 0 Capucbinbo Vermelbo da Internet
se encontra com os lobos maus empresariais
A lnternet e uma rede global, pelo que a sua regulacdo ndo podia
ser deixada ao Departamento do Comercio dos EVA, nern sob a forma
de um Conselho ICANN eleito por utilizadores da Internet. Mas como
nao ha urn go verno local, a Internet ficava sujeita sornente aos limites
que cada governo nacional podia impor na sua jurisdicao territorial. No
entanto, a menos que se desligue a Internet, e dificil controlar a suas
possibilidades de ligacao porque pode-se sernpre reclirigir a comuni-
cacao para urna arteria situada noutro lugar do planeta. E cerro que se
pode bloquear 0 acesso a alguns sitios, mas nao aos bilioes de mensa-
gens cle correia electr6nico nem aos mil hoes de sitios Web que se reno-
varn continuamente. E verdacle que se pocle supervisionar a Internet e
que, de facto, todos os govern os do munclo 0 fazern (Deibert e outros,
2008). Mas 0 maximo que poclem fazer os govern os para implantar as
suas leis e perseguir uns quantos desgracados que S;lO surpreendiclos
em flagrante enquanto outros milhoes continuam a navegar alegremente
pel a Web. Centenas ou mil hares cle lutadores pela liberdade da Internet
(e tarnbern uns quantos clesenvergonhaclos e pedofilos) acabam por
pagar os seus caprichos virtuais arras das grades. Conruclo, embora
alguns dos mensageirossejam castigados, as mensagens continuarn a
operar no oceano cia cornunicacao global (veja-se capitulo 4).
Por isso 0 unico organismo legftimo com responsabilidacle cia gover-
nacao global, as Nacoes Uniclas, tratou 0 terna cia governacao cia Internet
em duas cimeiras mundiais consecutivas sobre a infonnacao, uma em
Genebra em 2003 e outra na Tunisia em 2005 (pais conheciclo entao
pela sua censura da Internet e oncle os jornalistas que cobriarn a reuniao
forarn deticlos). Em Dezembro cle 2003 tratararn-se em Genebra urna
serie cle objectivos que se concentravam nas TIC (Tecnologias cle Infor-
macae e Comunicacao) em beneficio da populacao mundial. Natural-
mente, a Internet converteu-se no centro munclial clestas conversacoes.
A Declaracao de Principios cle Genebra e 0 Plano cle Accao de
Genebra adoptararn-se em 12 de Dezembro de 2003, mas os partici-
pantes forarn incapazes cle se por cle acordo sobre uma definicao da
167
o POOER OA COMUNICA(AO
governa<;:ao da Internet. Os debates centrararn-se na distincao entre uma
definicao "estreita" que s6 abarcara as funcoes relacionadas com ICANN
(atribuicao e distribuicao de recursos de Internet) e uma definicao
"arnpla que incluia, em ultima instancia , 0 controlo sobre 0 conceito
de "governac,:ao de Internet", a ONU estabeleceu urn grupo de trabalho
sobre a Governa<;:ao de Internet (WGIG) cujo objectivo era definir 0
termmo e proporcionar mforrnacao sobre a segunda fase da Cimeira
Mundial da Tunisia em Novembro de 2005. Depois de do is anos de traba-
lho irduo dos '10 mernbros do grupo, que representavam as partes inte-
ressadas dos g()vernos, 0 sector privado e a sociedade civil, 0 relat6rio
cia WGIG de Agosto de 2005 sublinhou a seguinte defmicao: "A gover-
nacao da Internet e 0 desenvolvimento e a aplicacao, por parte dos gover-
nos, 0 sector privaclo e a sociedacle civil, nas suas respectivas funcoes,
de principios, normas, regras, procedimentos de tomada de decisoes e
programas comuns que enquadram a evolucao e 0 uso da Internet".
llurninados por esta definicao revolucionaria, os participantes cia
Cimeira Mundial da ONU cle 2005 sobre a Sociedade de lnforrnacao
(segunda fase ) realizada na Tunisia, depois de urn debate sobre os
principios da politica, confirmaram 0 papel da ICANN e a capacidade
de supervisao do Depaltamento de Cornercio dos EUA, definiram a
agenda da sociedade da mforrnacao global e estabeleceram 0 Internet
Gouernance Forum (IGF). 0 IGF e uma organiza<;:ao internacional cujo
objectivo e "apolar 0 secretario-geral da Nacoes Unidas no desempenho
clo mandate da Cimeira Mundial sobre a Sociedade da inforrnacao
(WSIS) respeitante a convocat6ria de um novo f6rum de dialogo sobre
a politica das distintas partes interessadas". 0 secretario-geral da ONU
estabeleceu um grupo assessor e um secretariado como organismos insti-
tucionais do IGF. Posteriormente, 0 IGF manteve varias reunioes na
Grecia em 2006, no Rio de Janeiro em 2007 e em Hyderabad em Novem-
bro de 2008, e, no memento em que escrevi estas paginas, urna reuniao
estava planeada para Outubro de 2009. tdentificararn-se as areas chave
da politica em discussao. Que eram as seguintes:
• lnfra-estrutura da Internet e gestae de recursos (infra-estrutura
fisica, VoIP; politica sobre espectros; normas tecnicas; gestae de
recursos; adrninistracao de nomes e enderecos de Internet; admi-
168
~r
I
CAPiTULO 2: A COMUNICA(AO NA ERA DIGITAL
nistracao do~istema de servidores raiz e de arquivos de zona
raiz),
• Assuntos relacionados com 0 uso da Internet (seguranca da rede
e dos sistemas de informacao; sparn, politicas e regulacoes nacio-
nais; proreccao de infra-estruturas criucas),
• Temas com maior impacto na Internet (autenticacao electr6nica;
politica de concorrencia; liberalizacao: privatizacao e normas;
proteccao de acesso, proteccao a consumidores e utilizadores,
privacidade; conteudo e praticas ilegais, resolucao de conflitos,
clireitos de propriedacle intelectual; cornercio electronico e fiscali-
zacao do cornercio electr6nico; gestae electronica e privacidade;
liberdade de inforrnacao e media),
• Assuntos com irnpacto no desenvolvilllento (custos do aluguer das
linhas de Internet; acesso universal e acessivel; educacao, impulse
a capacidade pessoal, desenvolvimento de infra-estruturas nacio-
nais; dimensoes sociais e inclusao; acesso aos conteudos; software
livre e de c6digo aberto, diversidade cultural e linguistica).
Segundo fontes seguras. 0 debate politico segue 0 ritmo habitual
neste tipo de contexto instuucional, embora nao haja conclusoes no
memento em que escrevo este livro. Espero poder analisar a estrutura
politica da governa<;:ao global da Internet que surja deste debate na
segunda, ou quem sabe na decima edicao deste livro.
o rneu cepticismo sobre os resultados destes debates advern cia
minha pr6pria experiencia numa serie de comites consultivos nacionais
e internacionais sobre a politica da Internet. Cheguei a conclusao (0 que
obviarnente me conduziu a retirar-me de todos estes organismos,
incluindo os relacionados com as Nacoes Unidas) de que a preocupacao
fundamental da maioria dos governos e estabelecer norrnas para con-
trolar a Internet e encontrar mecanismos para exercer esse controlo
segundo 0 modelo tradicional da lei e da ordern. Independentemente da
minha opiniao pessoal respeitante a dita politica (estou contra ela), ha
motives series para duvidar da eficacia dos control os propostos quando
nao sao clirigidos a empresas ou organizacoes concretas mas a comu-
nidade de utilizadores no sentido geral (a menos que haja um ataque
generalizado aos fornecedores de services de Internet que paralise todo
169
o !'OUER DA COMUNICA(.Ao
o sistema de comunicacoes por Internet. Nunca se diga nunca). Mas e
uma hipotese improvavel. dada a quantidade cle interesses ernprcsa-
riais investidos na Internet e 0 arnplo apoio de que desfruta entra a
rnaioria dos 1.400 milhoes de utilizadores para os quais se tornou no
elo de cornunicacao das suas viclas. Portanto, a regulacao cia Internet
moveu a sua atencao cia propria Internet para casos concretos cle cen-
sura e repressao pelas burocracias governativas e para a privatizacao
da infra-estrutura de cornunicacao global que suporta 0 trafico cia rede.
Assim, apesar da regulacao, a Internet continua a crescer como 0 meio
de cornunicacao local/global e multimodal da nossa epoca. Mas sofre,
como rudo 0 resro, a pressao implacavel de duas fontes fundamentals
de dominie que ainda planarn sobre a nossa existencia: 0 capital e 0
Estado.
A relacao entre capital e Estado e efectivamente a Fonte das poliricas
cle liberalizacao e desregulacao que deram lugar ao nascimento do capi-
talismo global e a formacao de recles de ernpresas de multimedia glo-
bais que estruturarn 0 nucleo clo novo sistema de comunicacao digital.
Mas como os interesses empresariais parecem prevalecer na sua inre-
raccao com 0 Estado, e as ernpresas vern um grande campo de inves-
timento na expansao da cornunicacao digital, as politicas regulacloras
levararn a difusao global de novas formas de cornunicacao, induindo
a autocomunicacao de rnassas. Nestas condicoes, as audiencias dos
media transforrnaram-se num sujeito comunicador que cada vez tern
maior capaciclacle para redefinir os process os com os que a cornuni-
cacao social enquadra a cultura da sociedade. Paradoxalmente, 0 que
o Estaclo cedera aos interesses do capital levou ao nascimento de uma
nova forma de cornunicacao que pode aumentar 0 pocler da ciclaclania
sobre 0 capital e 0 Estaclo.
A Mudanca Cultural num Mundo Globalizado
Para que haja comunicacao, emissores e receptores tern que ter
c6c1igos comuns. No neg6cio clos media produziu-se urna mudanca
estrategica que levou a difusao a uma audiencia generics (assumindo
a sua capacidade para se identificar com uma mensagem homogenea)
170
CAPiTUl.O 2: A COMUNICA<;:AO NA ERA DIGITAL
e a audiencias concrctas, adaptando a mensagem ao receptor. Como
vunos anteriorrnente, isto foi possivel gra<;:as a ligacao em recle de
eIllpresas globais clecomunicacao e as novas tecnologias digitais que
pcrrnirem combinar a producao massiva e a distribuicao personalizada
de conteudos. Para identificar a audiencia e necessario compreencler
os diferentes c6digos culturais. Portanto, a evolucao do formato e do
conteLldo das mensagens dos media, sejarn genericos ou especificos,
dependc cia evolucao cultural das socieclades. Cada sociedacle tern 0 seu
proprio caminho e ritmo de evolucao. Mas como a sociedade em rede e
global, hri aspectos comuns e interdependencias no processo cle trans-
formacao cultural. Lash e Lury, na sua analise da industria da cultura
global, destacarn a rnudanca qualitativa que representa a globalizacao
no ambito cultural. E escrevem:
A cultura adoptou urna l6gica diferente com a transicao cia industri.; cul-
tural global; a globalizacao deu ,t industria da cultura urn modo de fun-
cionamento fundamentalmente diferente. Argumentarnos que em 1945 e
em 1975 a cultura era fundamenralmente uma superstrutura. as enridades
culturais erarn ainda algo excepcional .. Mas em 2005 3S manifesracoes cul-
turais estao por todo 0 lado. como inforrnacao, como cornunicacao, como
artigos de marca, como servicos de transporte e lazer, as entidades cultu-
rais ja nao sao a excepcao. sao a regra. A cultura esta tao omnipresente
que transborda, por assirn dizer, a superstrutura infiltra-se na propria infra-
-estrutura, transformando-a. Acaba por dorninar a economia e a experiencia
na vida diaria Na industria cultural global, a producao e 0 consumo
sao processos da construcao da diferenca(Lash e Lury, 2007,3-5 - enfase
acrescentado).
Como se constr6i esta diferenca? Quais sao os materia is culturais que
se infiltrarn nos distintos ambitos da experiencia e estruturarn os quadros
de significado onde funcionam os media? Como hip6teses de trabalho
proponho que 0 processo de transforrnacao cultural no nosso mundo
evolui em torno de dois grandes eixos bipolares: a oposicdo entre globa-
lizacdo e identificacaoe 0 fosso entre individualismo e comunalismo
(Castells, 2004; Baker, 2005; Cardoso, 2006; Tubella, 2004; Inglehart,
2003; Qvortrup, 2006).
171
:r
1'1
o PODEI( DA COMUNICA<;:AO
Globalizacdocultural refere-se ao aparecimento de urn conjunto
de valores e crencas especificos que s50, em grande medida,
parrilhados em todo 0 mundo.
• Identificacao cultural refere-se a existencia de conjuntos de valo-
res e crencas especificos em que se reconhecem determinados
grupos hurnanos, A identificacao cultural e, em grande medida,
resultado da geografia e da historia cia organizacao humana, mas
tarnbern po de formar-se a partir cle project os concretes de cons-
trucao da identidade.
• Indiuidualismo e 0 conjunto de valores e crencas que ciao prio-
ridade a satisfacao das necessiclades, desejos e projectos cle cada
individuo na orientacao do seu cornportamento.
Comu nalismo e 0 conjunto cle valores e crencas em que se situa
o hem colectivo de urna comuniclacle acima cia satisfacao pessoal
cle cacla um dos seus mernbros. A comuniclacle clefine-se. neste
conrexto, como 0 sistema social organizaclo em torno cle urn
subconjunto de atributos culturais ou rnateriais comuns.
Examinemos 0 conteudo real deste processo de mudanca cultural.
o que e urna cultura global? Vivernos num munclo oncle cacla vez mais
ha uma maior hornogeneidade cultural? Sirn e nao. Na sua rnaior parte,
nao (Lull, 2007; Page, 2007). 0 lnquerito sobre Valores no Munclo cia
Universidade cle Michigan dernonsira a prcvalencia das identiclacles
nacionais e regionais em relacao a identidade cosrnopolita, esta ultima
e apenas adoptada por uma pequena minoria cia populacao mundial
(Norris, 2000; Inglehart, 2003; Inglehart e OlItrOS, 2004) Os cidadaos
europeus sentern-se muito menos europeus que nacionais ou locais
(Castells, 2004b). De forma analoga, os claclos clo Bar6metro Latino
inclicam a forca cia identificacao nacional, regional e etnica na America
Latina (Calcler6n, 2006). A religiao e uma das principais fontes cle iclenti-
ficacao colectiva em algumas partes clo mundo, especialmente nos EUA,
America Latina, India e nas sociedades islamicas, mas nao na maioria da
Europa (como algumas excepcoes como a Pol6nia ou Irlanda) nem no
este da Asia, onde e idiossincratica e apenas interfere na concluta (Norris
e Inglehart, 2004).
172
CAl'iTll') 2: .A COMlJi\ICA<;:AO NA EM DIGITAL
No entanto, existe cfectioarnente uma cultura global que se pode
observar em ires niveis. Em primeiro lugar, para urna reduzicla mas
influente minoria de pc-soas, existe a consciencia cle um destino comum
do planeta que habitarnos, acerca do meio ambiente, direitos humanos,
principios mora is e imerdependencia econ6mica global ou seguranca
geopolitica. Este e 0 principio clo cosmopolitismo clefenclido por actores
socia is que se consider.im cidadaos do mundo (Beck, 2006). Os dados
da pesquisa mostram que S:10 clefendidos maioritariarnente pela carnada
da sociedade mais educada e inf1uente, ernbora a idade tambem seja
um factor: quanto mais jovens, mais aberta e a visao cosmopolita do
munclo (! nglehart, 2003) Em segundo lugar, ha uma cultura global mul-
ticultural que se caracteriza pela hibridizacdoe mistura de culturas
de diferentes origens. como na difusao cia musica hip-hop em versoes
adaptadas em toclo 0 mundo ou os videos de misturas que pululam no
YouTube. Em terceiro lugar, talvez a parte fundamental cia globalizacao
cultural, rernos a cultura do consumismo, clirectamente relacionacla com
a formacao de um mercado capitalista global (Barber, 2007). Para que se
globalize 0 capitalismo. a cultura clo mercantilismo deve estar presente
em todo 0 lade. Eo pr6prio facto de que 0 capitalismo seja global e que
toclos os paises vivarn agora sob 0 capitalisrno (a excepcao da Coreia do
Norte quando escrevo) proporciona as bases para partilhar os valores
do mercado e a culiura do consurno.
Ao mesmo tempo, a existencia de diuersas [ontes de identificacdo
cultural cria UI11 moclelo complexo cle interaccao entre consumismo
global, cosmopolitismo e hibridizacao global, por UI11 lado, e as distintas
fontes de identificacao cultural (nacional, religiosa, territorial, etnica, cle
genero e identiclades eleitas pelo mesrno), por outro lado (Inglehart e
outros, 2004).
Outro eixo de diferenciacdocultural opoe 0 individualismo ao cornu-
nalismo. A analise ernpirica de Wayne Baker sobre a evolucao dos valo-
res norte-americanos mostra um desenvolvimento paralelo de arnbas
as tendencias na populacao norte-arnericana nas tres ultimas decadas
(Baker, 2005). Os EUA sao lima cultura bipolar, formada pela cultura do
"Eu" (Mitchell, 2003) e a cultura de "Deus" (Domke e Coe, 2008). Em
arnbas as culturas ha posturas extrernas que VaG do individualismo liber-
173
o POI)ER I)" COMU1\ICA<;:Ao
tario, por um lado, a representacao da lei de Deus (seja este quem for)
por outro. A cultura da familia tarnbern define urn conjunto de valores
que une a pessoa e a sua contribuicao aos principios mora is da socie-
dade. Eu, a minha familia e 0 meu Deus constituirnos a santissirna rrin-
dade dos valores arnericanos.
Noutro contexte. 0 esrudo realizado junto com Imrna Tubella e outros
colaboradores nurna amostra representativa da populacao da Catalunha
em 2002 mostra a imporiancia da idenrificacao da familia como 0 prin-
cipio organizador rna is importante da vida para 56% da populacao,
seguido do "eu mesmo' (8,7%) e os outros (4,9%). Todas as fontes de
identificacao colectiva (nacao, etnicidade, religiao, territorialidade) forarn
° principio auto-identificador primordial s6 para 9,7% da amostra. No
entanto, quando se lhes pedia que elegessem a sua principal afiliacao
nacional. 37,5% consideravam-se catalaes e espanhois e 6,6% conside-
ravarn-se cidadaos do mundo (Castells, Tubella, Sancho e Roca, 2007).
A religiao e urn factor de identificacao primordial s6 para 2,5%. Ao
mesmo tempo, 13,l% da populacao citava a cornbinacao da natureza,
hurnanidade e 0 mundo (indicadores de cosmopolitismo) como 0 seu
principio auto-identificador fundamental. Curiosamente,esta e a mesma
percentagem que se identificava com 0 cosmopolitismo no mundo de
acordo com a pesquisa mundial de valores (Norris, 2000), sendo estes
valores mais pronunciados nos grupos mais jovens. Isto quer dizer que
nas sociedades em que a religiao nao e a principal fonte de identificacao
(como ocorre na Catalunha e na maior parte da Europa), 0 individuo e
a sua familia, per urn lado, e 0 cosmopolitismo, por outro, sao as prin-
cipais referencias culturais das pessoas, especial mente entre os jovens.
A identificacao nacional, regional e local (ou as identidades nacionais
nao estatais, como ocorre na Catalunha) continuarn a ser um principio
de identificacao, como identidades de resistencia, quando enfrentarn
desafios da globalizacao ou nos estados nacao dorninantes (Castells,
2004; Castells, Tubella, Sancho e Roca, 2007).
Se cornbinarmos os dois eixos bipolares de identificacao cultural,
podernos detectar quatro cornbinacoes significativas que se expressam
em formas definidas de padroes culturais, como mostra a figura 2.6.
Analisarei detalhadamente 0 conteudo da tipologia aqui apresentada.
174
~-I
I
c,\pj·I1J1.0 2: A COMUNICACAo NA ERA DIGITAL
Fig. 2.0. Tipologia dos padroes culturais.
GLOBALlZA(:AO IDENTIFICA~AO
INDIVIDUAIlSMO Consumismo de marca Indiuidualismo em rede
-~~~------ \---------
COMUNAIlSMO Cosmopolitisrno Multi-culturalismo
A articulacao entre globalizacao e individualismo leva a difusao do
consumismo como a forma individual de relacao com um processo de
globalizac;ao dominado pela expansao do capiralismo (Barber, 2007).
Uma expressao cspecialmente irnportante desta relacao individual com
a cultura capitalista global, como propoe Scott Lash e Celia Lury (Lash e
Lury, 2007), eo branding ou atribuicdo de urn nome de marca a um
produto ou seruico. 0 branding e a dimensao cultural do mercado
global e 0 processo pelo qual os individuos atribuern urn significado
para 0 seu consurno (Banet-Weiser. 2007).
A cornbinacao de identificacao e individualismo esta na origem da
cultura do indiuidualismo em rede que os sociologos considerarn 0
modelo de sociahilidade da sociedade em rede (Wellman, 1999; Castells,
2001; Hampton. 2004, 2007). Na era da Internet, as pessoas nao se
isolam na solidao da realidade virtual. Pelo contrario, ampliam a sua
sociabilidacle utilizando a multitude de redes de cornunicacao a sua clispo-
sicao, mas fazern-no de maneira selectiva, construindo 0 seu rnundo
cultural segundo as suas preferencias e projectos, e modificando-o de
acordo com a evolucao clos seus valores e interesses pessoais (Castells
e Tubella (dirs.), 2007; Kartz e Rice, 2002, Center for the Digital Future,
2005, 2007, 2008)
No ponto de interseccao clo comunalismo e a globalizacao, encon-
tramos a cultura clo cosmopolitismo, ou 0 projecto de partilhar valores
colectivos a escala mundial e construir urna comunidade hurnana que
transcenda as fronteiras e a especificidade em ordem de urn principio
superior. E 0 que ocorre, claro, na Umma islamica (Moaddel (ed.),
2007), mas tarnbern poderia ser uma cultura arnbiental (Wapner, 1996),
com 0 culto a "Gaia" ern nome do passado e do futuro da humanidade,
ou a cultura cosmopolita, que afirrna os valores colectivos da demo-
cracia num novo espaco de cicladania global (Beck, 2006).
175
o rODER DA CO"IUNICA\:AO
Por ultimo, a fusao de comunalismo e identificacao leva ao reconhe-
cimento de multiplas identidades num rnundo formado por distintas
comunidades culturais. Isto equivale a reconhecer 0 multicultura-
lismo como uma tendencia decisiva do nosso mundo interdepenclente
(Modood, 2005; al-Sayyad e Castells (eds.), 2002).
Assirn, da interaccao das duas grancles tendencias culturais bipolares
que caracterizam a sociedade de rede global, surgiram quatro configura-
coes culturais: consumismo (represenrado por marcas), indiuidualismo
em rede, cosmopolitismo (quer seja icleol6gico, politico ou religioso) e
multiculturalismo. Estes 5(10 os modelos culturais bdsicos da sociedade
em rede global. E este e 0 espaco cultural em que cleve funcionar 0
sistema cle cornunicacao.
Os vectores da comunicacdo dos modelos culturais
Nao existe uma relacao clirecta entre cada um clos quatro rnodelos
culturais clefiniclos anteriorrnente e tecnologias ou formas de cornuni-
cacao especificas. Os quarro moclelos estao presentes nos media cle
massas e na autocomun.cacao cle massas, e toclos subjacentes as pra-
ticas comunicativas em toda a garna de tecnologias e plataformas cle
difusao. No entanto, cada urn destes modelos culturais adequa-se
melhor a forma cle comunicacao com mais probabilidacle de construir
os c6digos culturais que maximizem 0 efeito comunicador na mente cia
audiencia, Ou seja, que enquadre 0 processo da accao comunicadora.
o precursor do consumismo de marca e 0 sector do entretenimento
global na sua ampla gama cle produtos. filrnes, rnusica, espectaculos,
telenovelas, videojogos, jogos online para multijogador, jornais, revistas,
edicao de livros e toda a parafernalia iconografica, desde a roupa ate
aos bens de consumo de design. A integracao global e vertical do sector
facilita a difusao das marcas atraves de numerosos canais que se refor-
earn entre si. Alern do mais, a evolucao clas noticias para 0 info-entre-
tenimento amplia 0 alcance do consumismo a todo 0 ambito social e
politico, na medida em que os acontecimentos mundiais e a politica
local se misturam com os efeitos teatrais que vao da apresentacao dos
176
IT
I
I
I
CAPiTUl.O 2: A COMUN1CA<;:Ao NA ER.A DIGITAL
boletins meteorologicos, a exibicao de bens e services de consumo.
o complexo industrial de Hollywood identifica-se agora como a origem
de uma grande parte desta producao e disrribuicao de cultura global
(Miller e outros, 2004: Wasko, 2001). Este preclominio, de raizes histo-
ricas, levou a tese icleologicamente tenclenciosa de imperialismo cultu-
ral, que se associa normalmente ao dorninio unilateral da cultura norte-
-americana sobre todas as dernais culturas do mundo (Hesmondhalgh,
2007). Na realidade, as culturas resistern e evoluem por sua conta, como
argumentarei mais a frente. Mas ha algo que e mais importante em
termos analiticos e praticos: a cultura global ndo e uma cultura norte-
-arnericana, apesar cia desproporcionacla percentagem de empresas
americanas no sector cultural. 0 global e global. Quer dizer que a capa
da cultura global eclificada ao redor do consumismo e clo branding pro-
cessa produtos culturais de qualquer origem e difunde os em pacotes
personalizados para maximizar 0 seu poder comunicador em cada
mercado (Straubhaar, 1991; Waisbord, 2004). Urn exemplo tornara esta
analise mais clara: a industria clas telenovelas e uma telenovela em parti-
cular: Betty faFea (Miller, 2007).
As telenovelas, series para a televisao, ernbora originalmente produ-
zidos na America Latina, principalmente na Venezuela, Mexico, Brasil
e Colombia, converterarn-se em proclutos para a exportacao em toclo 0
mundo, as vezes como produtos enlataclos que se dobrarn e outras com
novas producoes adaptadas ao gosto de cada cultura (Sinclair, 1999;
Martinez, 2005; La Pestina e outros, 2005). As telenovelas viciaram as
audiencias internacionais melhor que as Sitcoms norte-americanas, cujo
Formato e muito distinto, em paises tao diferentes como a Russia, India,
Italia ou Alemanha, assim como nos seus mercados de idioma, a America
Latina e Espanha. As telenovelas que tiveram mais exito no mercado
interno sao cornpradas, produzidas e distribuidas por empresas de tele-
visao global que geralmente tern a sua sede nos EUA. As telenovelas
chegararn primeiro ao grande mercado hispanico dos EUA, mas poste-
riormente fizerarn incursoes no mercado rnaioritario norte-america no.
o ponto decisivo desta penetracao no mercado foi 0 exito de Betty fa
Fea em 2006.
177
o POIlER IlA CmlUNICA<;:AO
Produzida na Colombia em 1999, a serie alcancou uma audiencia de
70% em prime time no seu pais e niveis semelhantes de popularidade
em outros paises Latino-norte-americanos. Depois exportou-se global-
mente, tantocomo prograrna enlarado como em novas producoes, e
exibiu-se em 70 paises. Dado 0 seu impacto global, a ABC decidiu, nao
sern hesiracao, emitir a sua versao adaptada para os EUA em prime time.
A estreia de Ugly Betty no Outono de 2006 atraiu 16,3 milhoes de espec-
tadores e converieu-se num dos prograrnas de maior exito do mercado
norte-americano. Jade Miller investigou 0 significado do fen6meno de
Betty faFea. A sua conclusao foi que:
As telenovelas entendern-se melhor como produros culrurais localizaveis
mas de atractivo universal que atravessam redes globais cle empresas cultu-
rais capitalistas. Belly fa Fea e urn exernplo cia forma em que um produto
aparentemcnre dornesrico c inereruernenre urn produto global. 0 global
eS1J presenre nao apenas no seu enredo, esrilo Cinderela, que tern um
arracrivo universal. mas nos caminhos multidireccionais pelos que °
prograrna importou e exponou e a esrrutura vinculada globalmente das
corporacoes que inrervierarn na producao e disrribuicao cle Belly fa Fea.
Se se chama Betty, Lisa au jaxsi. e fale espanhol, alernao, indiano au ingles.
Betty e uma janela de oncle tern vista a industria das telenovelas nao como
uma contracorrente cultural sui-none, mas como uma rede global de come-
udo culturalrnente especifico com atracuvo local e global (Miller, 2007: 1).
Resumindo. a industria do entretenimento global, que apoia e se
apoia na publicidade, e 0 principal canal para a construcao de uma
cultura consumista de rnarcas. A industria americana, exemplificada no
complexo industrial de Hollywood, e a grande protagonista desta indus-
tria, mas de nenhum modo a (mica que existe. Alern disso, a industria
do entretenimento global nao s6 difunde cultura americana, como qual-
quer outro produto cultural que se venda globalmente e na sua forma
adaptada e culturalmente especffica.
A cultura do consumo global nao e 0 unico modelo cultural com
alcance global. 0 cosmopolitismo, na interseccao de globalizacao e
comunalismo, tenta construir uma esfera publica mundial em torno
de valores comuns de cidadania global, As redes de noticias de media
178
,:APiTULO 2: A COMUNICA<;:AO NA EM DIGITAL
globais. na sua diversidade, pretendem construir esta esferapublica de
comul1icar;ao global, 24 boras. como demonstrou Ingrid Volkmer no
seu estudo sobre a CNN (Volkmer, 1999). No entanto, seguindo Volkmer
e ourros analistas, a construcdo desta informacdo giobal nao e neutral.
Esta lendenciosamenle a favor de certos valores e interesses. No entanto,
se pensamos nao 56 na CNN, mas em todas as redes de noticias globais
que distribuem global mente as noticias e as faces do mundo, em tempo
real ou seleccionado, esta a criar-se uma esfera comunicativa global
muito variada. Eo que sucede com a BBC, a cadeia venezuelana TeleSur
(a um nivel muiio mais modesto), a sul-africana A24, EuroNews e, muito
especialmenre. a Al Jazeera e outras redes arabes. Embora algumas
destas redes tenham comecado como um produto culturalmente espe-
cifico, tenclem a difundir-se mundialmente. Por exemplo, a AI Jazeera
cornecou a sua prograrnacao em Ingles em 2007. A AI jazeera e um caso
significativo porque se criou e continua a ser propriedade, como ja assi-
nalei antes, do principe herdeiro do Qatar, 0 emiraclo em que se encon-
tra a maior base rnilitar americana na peninsula arabe. Ainda assim, teria
mais credibilidade que as noticias ocidentais, e depressa se converteu
na fonte de inforrnacao alternativa para as audiencias de lingua arabe
(El-Nawawy e Iskandar, 2002; Miles, 2005; Sakr, 2006), A rede pagou a
sua independencia com as vidas dos seus jornalistas e tecnicos mortos
no bombarcleamento norte-americano aos escrit6rios da Al jazeera no
Iraque. E continua a enfrentar a continua hostilidade dos EUA e da
Arabia Saudita, que fizeram tudo 0 possivel para boicotar as receitas da
publicidacle cia AI Jazeera.
Tarnbern a CNN que emite versoes diferentes dependendo da sua
audiencia. A CNN International e muito diferente da CNN americana;
a CNN em espanhol (na America Latina) tem politicas de programacao e
informacao especfficas; e a CNN+ em Espanha e abertamente critica em
relacao a politica exterior norte-americana, uma condicao previa para
atrair audiencia entre a maioria dos espanh6is num pais em que 93% da
populacao se opos a guerra do lraque descle 0 inicio. E atraves desta
cliversidade de redes globais de noticias e informacao que uma cultura
cosmopolita ernbrionaria encontra 0 apoio de urna plataforma de dlfusao
de media.
179
o PODER DA COMUNICA<;:AO
Ha outros sistemas de comurucacao que fomenrarn outras forrnas
de cosmopolitismo, ou seja, 0 cosmopolitismo religioso, sao as recles
de relevisao religiosas globais, cuja prograrnacao se clifunde por todo 0
mundo para alcancar os crentes disseminaclos pelo planeta. As fronteiras
culturais cia religiao definern-se agora pelas recles globais que reunem
os crentes para alern das fronteiras politicas em todo 0 mundo. Num
cerro sentido, nao sao cosrnopolitas porque se dirigern a comunidade de
crentes, Mas nurn senticlo mais fundamental, sao realmente cosmopo-
litas porque tentarn incluir todo 0 mundo na sua comunidade religiosa.
Ou seja, 0 cosmopolitismo define-se a partir cia perspectiva dos aspi-
rantes a cosmopolitas.
No nosso mundo, 0 multiculturalisrno e mais a norma do que a
excepcao. E gracas a ele ha urna extra ordinaria diversidade de producao
e distribuicao cle conreudos culturais. Como incliquei anteriormente, a
Nigeria tern urna florescenre industria cinernarografica que alcanca urna
audiencia enorme em Africa, e em geral clistribui-se em videos que se
vendem atraves de redes inforrnais (Dessa, 2007). A India, depots dos
EUA, e 0 maior produror munclial de filmes. E verdade que sao cultural-
mente especificos e durante muito tempo estiverarn confinados a India.
Mas Bollywood esta a estender as suas recles cle distribuicao ;l muiro
nurnerosa diaspora incliana (Bannai, 2007; Gopal e Morti (eds.), 2008,
no prelo). E 0 gigantesco mercaclo televisivo indiano esta clominado por
conteudos procluzidos na India (Chatterjee, 2004). 15[0 ocorre tarnbern
na China, japao, Coreia do Sui, Russia, America Latina, Europa e em
toclo 0 munclo (Abrahamson, 2004). As investigacoes dernonstraram que
as audiencias sao mais sensiveis a conteudos especfficos da sua cultura
(Miller, 2007). Assim, ernbora haja uma capa cle cultura global em toclo
o sector dos media, a maioria clos proclutos culturais sao mais locais
que globais. Efectivamente, 0 estuclo cle Irnma Tubella (Tubella, 2004)
demonstrou a importancia clecisiva cia televisao na construcao cia iclenti-
dade nacional em condicoes de dominio cultural cle outra nacao, como
revelou 0 importante exemplo cia televisao catala em Espanha clepois
de 0 regime dernocratico p6s-franco clevolver a autonomia politica a
Catalunha em 1980. 0 resultado interessante cle uma clas estrategias cia
nova televisao catala para clifunclir 0 iclioma catalao entre os imigrantes
180
T
CAPITULO 2: A COMUNICA<;:Ao NA ERA DIGITAL
espanh6is na Catalunha foi adquirir os direitos em catalao e castelhano
de series populares em todo 0 munclo como 0 Dallas, e ernitir 56 em
catalao. Assim, 0 leone cia globalizacao da cultura norte-americana con-
verteu-se nurn instrurnento cia identiclade da culiura catala na esfera
mediatica.
Por ultimo, a cultura do indundualismo em rede encontra a sua plata-
forma prefericla no variado universe da autocomunicacao de massas:
Internet, comunicacoes sern fios, jogos online e recles cligitais cle pro-
ducao cultural, remix e distribuicao Nao e que a Internet seja 0 ambito
exclusivo clo incliviclualismo. A Internet e uma rede cle cornunicacao e,
como tal, e tarnbern instrurnento cle difusao do consumismo e do entre-
tenimenro global, clo cosmopolitismo e clo multiculturalismo. Mas a cul-
tura clo individualismo em recle pode encontrar a sua melhor forma cle
expressao num sistema de cornunicacao caracterizaclo pela autonornia,
a ligacao horizontal em recle, a interactividacle e a recornbinacao de
conteudospor iniciativa do individuo e suas recles.
Dernonstrou-se que as raizes culturais cia Internet estao na cultura da
liberdade e na cultura especifica dos hackers (Castells, 2001; Hirnanen,
2003; Thomas, 2002; Markoff, 2006). Efectivamente, existe urna resso-
nancia cultural entre a cultura dos designers cia Internet, as caracteris-
ticas cia sua pratica como uma rede relativamente autonorna cle comu-
nicacao e 0 nascimento cle uma cultura de experimentacao que abre
espaco na mente de milhoes de pessoas a partir de urn sistema de redes
mulridireccionais construiclo por esses milhoes cle emissores/receptores
cle mensa gens.
Protocolos de comunicaciio num mundo multicultural
Resta-nos exarninar urn assunto importante na analise cia rnudanca
cultural. Neste munclo globalizado, caracterizado por modelos culturais
cliferenciados, como se produz a comunicacdo? Como, apesar da frag-
mentacao, diferenciacao, personalizacao e segmento dos processos de
cornunicacao, se reintegra a cornunicacao numa accao cornunicadora
que transcende toclas estas lacunas? Fragmenta-se ou integra-se a cultura
no processo cle comunicacao? Na realidade, arnbas as coisas. Fragmenta-
181
o PODEH iJA COMUNICA<;:AO
-se no momento de difunclir a mensagem e integra-se na producao do
significado atraves duma seri« de protocolos de cornunicacao que per-
mitem a inteligibilidade numa cultura centrada na cornunicacao entre
distintos processos cle cornunicacao. Como se produz esta construcao?
Quais sao esses protocolos de cornunicacao?
Os protocolos de comunicacao, neste contexto, referem-se as pra-
ticas e suas plataforrnas organizativas de apoio que permitem partilhar
significados entre os campos culturais da sociedade em rede global
(consumismo, individualismo em rede, cosrnopolitismo e rnulticultu-
ralismo). Os protocol os de cornunicacao sao praticas transversais que se
entrelacam com as praticas incorporadas em cada urn dos quatro mode-
los culturais que identifiquei. Os principais protocolos de comunicacao
sao os seguintes:
• A publicidade e a coluna vertebral das redes de cornunicacao
locais e globais (Kaplan e outros, 2008). Por isso esta presente
em todo 0 lado. em todos os modelos culturais e utiliza todas as
plataforrnas. da televisao e a radio, a Internet e os telem6veis.
E atraves da publicidacle que a cultura de mercantilismo, nucleo
do capitalisrno global, influencia em todas as expressoes culturais
e no seu suporte mediatico;
• A construcao de urna linguagem cornum aos media reformatando
urna formula partilhacla de contar hist6rias e integrando generos
(por exemplo, 0 info-entretenimento) consegue-se gracas a versa-
tilidade da digitalizacdo(McLean, 2007);
• 0 branding (comercial ou de outro tipo) estrutura a relacao entre
individuos e colectividades em relacao aos clistintos modelos
culturais. 0 branding e mais eficaz quando se da a integracao
vertical dos produtos rnediaticos facilitado pela globalizacao e
ligacao em rede das industrias culturais (Lash e Lury, 2007);
• A constituicao de um hiper texto digital em rede forma do por con-
teudos multidireccionais de todo 0 tipo e baseados em pad roes
de ligacao interactiva de todo 0 mundo com todo 0 rnundo induz
a LIma cultura comurn. a cultura da co-producdo do conteudo que
se consome, independentemente do conteudo especifico.
182
CAPiTULO 2: A COMUNlCA<;:AO NA ERA DIGITAL
Na nossa sociedade os protocolos de comunicacdo ndo se baseiam
na partilba duma cultura, mas numa cultura de partilhar. Por isso,
em ultima instancia, os protocol os de cornunicacao nao sao alheios ao
processo da accao comunicaclora. Incorporam-se na mente das pessoas
atraves da interaccao entre os multiples pontos de ligacao do sistema de
comunicafao e a propria construcao mental das pessoas na sua multi-
tarefa comunicativa. Do que se deduz que a charnada audiencia esta na
origem de urn processo de mudanca cultural, invertenclo a sua depen-
dencia hisrorica dos media clurante a Era das cornunicacoes de massas,
A Audierrcia Criativa
o processo de cornunicacao de massas foi mal interpretado em torno
cia nocao artificial cle "audiencia'. Esta tornou-se clirectamente na menta-
lidade clo sector da cornunicacao e dos anunciantes que 0 apoiarn, que
necessitarn de definir os seus potenciais consumiclores como receptores
passivos das suas mensagens para programar conteudos que suposta-
mente se venclem no mercado. Como em qualquer venda, tern-se em
conta a reaccao clos consumidores para ajustar a adaptacao cla mercado-
ria as preferencias dos consumiclores. No entanto, a audiencia continua a
ser 0 objecto e nao 0 sujeito da cornunicacao (Burnett e Marshal, 2003),
Como demonstrei anteriormente, com a multiplicacao de canais e
moclos cle comunicacao que perrnitem as novas tecnologias e as rnudan-
cas na regulacao, a industria evoluiu de urn meio cle cornunicacao de
massas predominante homogeneo, ancorado nas redes de televisao e
radio nacionais, para um sistema de media que cornbina a difusao geral
com a difusao para audiencias de nicho. No entanto, para alern de ser
uma audiencia fragmentacla que consome prograrnas personalizados,
continua a existir 0 receptor suborclinado, cujas preferencias sao inter-
pretadas pelas ernpresas de media a partir de perfis sociodernograficos.
E interessante que os te6ricos e criticos da comunicacao muitas
vezes adoptem esta visao unilateral do processo cle cornunicacao (Matte-
lart, 1982; Mattelart e Matteiart, 1992, Postman, 1986; De Zengotita,
2005). Ao assurnir a icleia de uma audiencia indefesa manipulada pelos
183
o PODER DA COMUNICAc;:AO
media empresariais, situarn a Fonte de alienacao social no ambito da
cornunicacao de massas consumista. No entanto, uma corrente de inves-
tigacao bem estabelecida, especialmente na psicologia da comunicacao,
demonstra a capacidade das pessoas para modificar () significado das
mensagens que recebem interpretando-as de acordo com os seus pro-
prios padr6es culturais, misturando as mensagens de uma fonte con-
creta com a sua variedade de praticas cornunicativas (Neuman, 1991).
Urnberto Eco, por exemplo, num texto fundamental que tern como
sugestivo titulo "Tern a audiencia urn efeito pernicioso sobre a tele-
visao?" (Eco, 1994), salienta a capacidade das pessoas em geral para
adicionar os seus proprios c6digos e subcodigos aos c6digos do
emissor que constituem os significados da mensagem. Eco apresenta um
esquema de representacao do processo de cornunicacao que adiciona
complexidade ao esquema simplista da cornunicacao de um s6 sentido
(ver figura 2.7).
Ao definir 0 seu proprio significado no processo de recepcao da
mensa gem com significado, 0 receptor constr6i 0 sentido da mensagem
a partir de materiais da mensagem enviada, mas incorporando-os noutro
campo sernantico de interpretacao. Isto nao quer dizer que () sujeito
comunicativo nao seja influenciado, e mesmo enganado, pelo conteudo
e formate da mensagem. Mas a construcao de significado e complexa e
depende de mecanismos de activacao que combinam diferentes niveis de
implicacao na recepcao da mensagem. Como escreveu Russel Neuman
no seu inovador estudo sobre 0 futuro da audiencia de massas:
A audiencia e passiva e activa ao mesmo tempo. A mente actua de tal
forma que as informacoes, ideias e irnpressoes novas se captam, evoluem e
interpretam a luz de urn esquema cognitivo e de inforrnacao acumulada da
experiencia anterior. .. A investigacao acumulada durante as ultimas decadas
confirma que a audiencia media presta relativamente pouca arencao, s6
recorda uma pequena fraccao e nao se sente sobrecarregada em absoluto
pelo fluxo de informacao ou as opcoes disponiveis nos media e nas mensa-
gens (Neuman, 1991: 114).
Com a diversificacao das Fontes de mensagens no mundo da cornu-
nicacao de massas, a audiencia, se bem que limitada ao seu papel de
184
CAPITULO 2: A COMUNICAc;:Ao NA ERA DIGrJAL
Fig. 27. Representacao esquematica do processo de cornurucacao segundo
Umberto Eco. 0 esquema em cima representa 0 modelo classico de comuni-
cacao, 0 esquema de baixo representa0 modelo redefinido.
Fonte - Emissor - Mensagem - Canal Mensagem - Receptor
C6digo
.\...(Fonte)
Emissor Mensagem
1
ernitida como
significanre
contendo
cerro
Significado
C!'"JI
Subcodigo
Receptor
Canal Mensagem
recebida como
significante
Mensagem
recebida como
significado
Fonte: Eco (1994: 90).
receptora de mensagens, aumentou as suas opcoes e usou as novas
oportunidades que Ihe ofereciam os media para expressar as suas pre-
ferencias, Com urn maior numero de canais de televisao, a pratica do
zapping foi-se intensificando. A lealdade a cadeias de televisao e progra-
mas concretos diminuiu. Os espectadores, os ouvintes e leitores cons-
truiram os seus pr6prios pacotes de noticias e entretenimento, influen-
ciando assirn 0 conte lido e 0 Formato da prograrnacao.
A transforrnacao dos programas infantis e um bom exemplo da evo-
lucao das mensagens para se adaptarern a diversidade de canais de cul-
185
o PODER DA COMUNICA<;:AO
turas infantis (Barnet-Weiser, 2007). No entanto, a diversidade de canais
e programas nao significa necessaria mente diversidadc de conteudo.
Nos EUA, como ja disse anreriormente, estudos demonstraram que urn
agregado tipico s6 vi: 15 canals na mesma semana (Mandese, 2007).
Urna grande parte do conteudo e repetitiva. A capaciclade para consu-
mir filrnes com conteudo sexual e violento com frames rnuito parecidas
e bastante limitada. Portanto, 0 paraiso prometido de 100 a 500 canais
converte-se numa realidacle menor quando se faz face a conteudos sern
imaginacao e orcamentos limitados de tempo e dinheiro.
No entanto, 0 potencial da audiencia para se encarregar das suas
praticas comunicativas aumentou substancialmente com as rnudancas
conexas da cultura da autonomia e 0 auge da autocomunicacao de mas-
sas. Por um lado, urn rnaior nurnero de pessoas e especial mente jovens,
afirrnarn a sua autonomia em relacao as instituicoes da sociedade e
as formas tradicionais de comunicacao, incluindo os meios de cornu-
nicacao de massas (Barnet-Weiser e outros (eds.), 2007; Montgomery,
2007; Caron e Caronia, 2007). Por ourro lado, a difusao de Internet e
da cornunicacao sem fios m6vel apoia e reforca as praticas de auto-
nomia, como carregar na rede conteudos produzidos pelos utilizadores.
Por exemplo, na investigacao que Irnma Tubella e eu realizarnos a uma
amostra representativa da populacao catala (3.005 pessoas) usando
analises factoriais, identificarnos seis dimensoes diferentes e estatisti-
camente independentes de autonomia: individual, empresarial, profis-
sional, comunicativa, sociopolitica e corporal. Estudando as aplicacoes
de Internet das pessoas inquiridas e comparando-as com os seus indices
de autonomia, vimos que quanta maior era 0 nivel de autonomia, em
qualquer das dimensoes, maiores erarn a frequencia e intensidade do
uso da Internet. E quanta rnais usavarn Internet, rnais aurnentava 0 seu
nivel de autonomia. Portanto, no nosso estudo cornprovou-se empirica-
mente a percepcao cornum da Internet como instrumento de construcao
de autonomia (Castells, Tubella, Sancho e Roca, 2007).
Outros estudos sobre aplicacoes de Internet (Katz e Ice, 2002;
Wellman e Haythornwaite (eds.), 2002; Cardoso, 2006; Center for the
Digital Future, 2008) e das cornunicacoes sern fios (Castells e outros,
2006; Katz (ed.), 2008) mostram resultados sernelhantes. As redes de
186
CAPiTULO 2: A COMUNICAc;:Ao NA ERA DIGITAl
comunicacao horizontais baseadas na Internet activarn-se gracas a sujei-
tos cornunicativos que determinarn tanto 0 conteudo como 0 destino
cia mensagem e sao ao rnesmo tempo emissores e receptores de fluxos de
mensagens mulridireccionais. Seguindo a terminoiogia de Eco, os emis-
sores sao tarnbem receptores, cle forma que urn novo sujeito de comu-
nicacao, 0 emissor-destinarario, surge como FIgura central da Galaxia
Internet.
Fig. 2.8. 0 processo de comunicacao por uma audiericia criativa.
Mensagem
(significante
Mensagem como significado
I ., plural F=== I
I
AUDltNCIA
CRIAllVA
187
o POllER DA COMUNICAc;:AO
Vou explicar 0 significado do processo representado na figura 2.8.
Emissores e receptores sao colectivamente 0 mesmo sujeito. Organiza-
coes ou individuos concretos, nao tern necessariamente corresponden-
cia: um ernissor-receptor po de nao receber res posta do emissor-receptor
que enviou uma mensagem. Mas se considerarrnos 0 processo de
cornunicacao como uma rede multidireccional compartilhada, todos os
ernissores sao receptores e vice-versa. A cornunicacao no novo marco
tecnol6gico e multimodal e rnulticanal. A multimodalidade refere-se a
diversas tecnologias de comunicacao Multicanal refere-se a disposicao
organizativa das fontes de cornunicacao. Se lima mensagem e multi-
modal, transporta-se par Internet (por cabo ou sern fios), dispositivos
sern fios, televisao (com as suas distintas tecnologias de difusao), radio,
video, imprensa, livros e outros. Tambern, esta multimodalidade pode
encaixar num processo concreto cle comunicacao (por exernplo, IPTV,
programas cle televisao interactivos, MMOG [Massively Multiplayer
Online Gamel, jornais online, etc.). Toclos estes modos, e sells deriva-
dos, organizam urn c6digo particular de comunicacao que se iclentifica
especificamente em cada contexto e processo. Por exemplo, sabernos
que IPTV nao e 0 rnesmo que a TV, mas a diferenca concreta em termos
clo c6digo implicito cle cada media e uma questao que ha que inves-
tigar, sem que seja possivel aplicar um principio geral.
A cornunicacao tarnbem se da atraves de multiplas vias: can.us de
televisao e emissoras cle radio Cglobais, nacionais e locais) e suas redes,
inurneros jornais impressos ou online e uma quanticlade enorme de
sitios Web e espacos socia is baseados na Web que organizam as recles
de comunicacao cle milhoes de emissores e receptores. Cacla um destes
canais representa um codigo. Por exernplo, uma rede baseada em noti-
cias de televisao 24 horas estabelece urn marco de referencia concreto.
o YouTube define 0 seu c6digo atraves cle uma mistura de video e
downloads gratuitos, com cornentarios e classificacoes. As recles cle tele-
visao religiosa ou pornografica pre-seleccionam os seus espectadores
com a sua autodefinicao. Cacla um destes canais tem caracteristicas
especificas que definem urn c6digo determinado (religiose, pornogra-
fico, video gratuito, redes socia is [como 0 Faceboockl, cidadania virtual
[como 0 Second Life] e similares). Assirn, seguindo a minha adaptacao
188
-I~
I
CAPITULO 2: A COMUNICAC;:AO NA ERA DIGITAL
do esquema de comunicacao proposto por Eco ao novo contexto de
cornunicacoes, proponho a ideia de que diferentes modos de cornu-
nicacao podern definir-se como c6digo C. 0 c6digo M (por exemplo,
a televisao ou a rede) opera atraves de uma serie de subc6digos que
sao modo.'; especificos de um processo de cornunicacao (por exemplo,
a televisao por cabo em relacao a relevisao especializada ou IPTV em
relacao 30S jogos online) De forma similar, 0 c6digo C (por exernpio,
noticias de televisao globais ou canais religiosos) opera atraves de
varios subc6digos (as recles islarnicas em relacao a Fox News, IPTV
de desporros em relacao a difusao no IPTV de blocos de prograrna-
C;:30 de ernissoes de televisao), Ou seja, 0 c6digo M opera atraves de
1 .. n numero de subc6digos. M, e 0 c6digo C, atraves de 1... n nurnero
de subc6digos C. Operam produzindo e enviando mensagens (signifi-
cantes que tern significado).
Mas. infelizmente, devo adicionar outro nivel de complexidade para
compreencler 0 novo processo de comunicacao. Como na formulacao
de Eco, emissores e receptores interpretarn os c6digos e os subc6digos
inrroduzindo os seus pr6prios c6digos, que separam a relacao entre
significanre c significado na mensagern enviada e filtrarn 0 significante
para obrer um significado diferente. 0 problema radica em que 0
mundo da comunicac;:ao de massas, ernissores e destinatarios se fundem
no mesmo sujeito, de forma que esse sujeito tera que negociar 0 signi-
ficado entre 0 c6digo da mensagern enviada e 0 c6digo da mensa gem
recebida para produzlr0 seu pr6prio significante (0 significado da men-
sagem para 0 individuo que participa na cornunicacao), Aqui radica a
complexidacle do processo de comunicacao
o emissor/receptor tem que interpretar as mensagens que recebe de
diferentes modos de cornunicacao e multiples canais de cornunicacao
integrando 0 seu pr6prio c6digo na interaccao com 0 c6digo da mensa-
gem originaclo pelo emissor e processado em subc6digos de modos e
canais. Alern do mais, tern que negociar 0 seu significado como receptor
a partir da sua experiencia como emissor. Em ultima instancia, ha urn
significado autocriado que funciona com distintos materiais do processo
cle cornunicacao. Por outro lado, os sujeitos comunicadores nao sao
entidades isoladas, bem pelo contrario: interagem formando redes de
189
o PODER DA COMUNICACAO
cornunicacao que produzem urn significado partilhado. Da cornunicacao
de massas dirigida a urna audiencia passamos a uma audiencia .ictiva
que Iorja 0 seu significado comparando a sua experiencia com os flu-
xos unidireccionais da inforrnacao que rccebe. Portanto, observamos 0
aparecimento da producao interactiva de significado. Isto e 0 que deno-
mino "audiencia criatiua", [onte da cultura da mistura que caracleriza
o mundo da autocomunicacdo de massas.
Embora isto seja uma representacao abstracta do processo de cornu-
nicacao, pode fornecer 0 marco para compreender a cornplexidade real
das novas praticas cornunicarivas observadas pelos investigadores da
comunicacao. Por exemplo, Tubella , Tabernero e Dwyer (2008) estu-
daram a interaccao entre diferentes modes de cornunicacao nas praticas
de urn grupo de 704 pessoas na Catalunha em 2007. Primeiro analisa-
ram os dados (incluindo a suas pr6prias pesquisas) relatives ao uso dos
media e de Internet pela populacao em geral. 0 seu campo de obser-
vacao (Catalunha) e interessante porque se trata de uma econornia avan-
cada e urn sistema multimedia desenvolvido, com cerca de 51% apro-
ximadamente dos dornicilios ligados a Internet, a grande rnaioria com
linhas ADSL. 56% da populacao usa Internet e, entre os utilizadores,
89% e menor de 24 anos. Ao rnesmo tempo e uma sociedade em transi-
cao em que ha urna mistura entre uma populacao maior, sem formacao,
e urna populacao jovern, dinamica, com formacao e que se entende
bern com a Internet. Ou seja, enquanto que s6 8,9% das pessoas com
rnais de 60 anos usavam diariamente Internet em 2006, a percentagem
no grupo entre 16 e 29 anos era de 65,7%.
Por urn lado, a televisao (principalmente televisao com difusao
aberta) continua a ser 0 media de massas dominante, quase 87% das
pessoas ve diariamente. Tambern, tanto na Catalunha como em Espanha,
a media de horas gastas em frente ao televisor permaneceu estavel entre
1993 e 2006, em tres horas e meia por dia. Por outro lado, 0 subconjunto
de utilizadores de Internet activos, a maioria menores de 40 anos, mos-
tra um perfil de praticas comunicativas muito diferenciado. Para indagar
este novo modele de relacao com os media, os investigadores catalaes
estabeleceram um grupo de estudo de 704 individuos subrnetidos a
observacao, usando diferentes tecnicas, com 0 seu total consentimento,
190
CAPfnJlo 2: A COMUNICACAO NA ERA DIGITAL
durante varies meses. Sao utilizadores activos das novas tecnologias de
cornunicacao como Internet, cornunicacao sern fios e consolas de video-
jogos. 0 segmento 18-30 anos deste Focus group liga-se a Internet, em
media, quatro horas por dia, a partir principalmente de casa, veern muito
menos televisao que 0 espectador medio e rarnbem dorrnem menos.
Mas 0 tempo que passam na Internet entrelaca-se com a dedicacao aver
televisao. 0 que e mais importante e que desmenrern a ideia de prime
time. Adrninistrarn 0 seu tempo de cornunicacao, comunicam durante 0
dia por distintos media e muitas vezes simultaneamente. A multitarefa
e a regra e nao a excepcao para esie grupo. Veern televisao, estao
online, ouvern musica (ou a radio), lecm os SMS no relemovel e jogam
com as consolas ao rnesmo tempo. Na sua utilizacao da Internet enviam
emails, navegarn por paginas Web, leern jornais online, esrudarn e tra-
balham no mesmo espaco temporal. Alern disso, nao sao receptores
passives de mensagens e inforrnacao. Urn subgrupo significativo tam-
bem produz conteudos, Misturam videos e fazem uploads, downloads e
partilham rnusicas e filmes e criarn blogues e panicipam neles. 0 usa da
Internet esta mais diversificado.
o intenso uso da Internet tern efeitos noutras praticas comunica-
tivas. Assim, cerca de 67% dos mernbros do Focus group declarava ver
menos televisao como consequencia da actividade na Internet. E 35% Ie
menos jornais impressos (leern-nos online). Por outro lado, 39% ouve
mais musica (downloads), e 24% ouve mais radio, os do is canais de
comunicacao que pod em incluir-se sern demasiada interferencta numa
actividade de cornunicacao baseada na Internet. De facto, os utiliza-
dores activos de Internet reduzem 0 tempo que dedicam aquelas activi-
dades que sac incornpativeis com 0 uso da Internet (ler livros, dorrnir)
ou requerem atencao visual (televisao tradicional).
Assim, a partir desta investigacao da interaccao entre os media tradi-
cionais e os media baseados na Internet, a conclusao parece ser que 0
uso activo de Internet nas suas diversas formas tem tres efeitos principais:
1. A substituicao das actividades incornpativeis com a comunicacao
baseada na Internet;
2. A dissolucao gradual do prime time a favor de my time;
191
o 1'01)1'1( DA COMUNICA<;AO
3. A crescente simultaneidade das praticas comunicativ;::s, integra-
das em torno da Internet e dos dispositivos sem fios, pela gene-
ralizacao de multiiarefas e a capacidade dos sujeitos comunica-
dores para dedicar a sua aten<;:ao a dlstintos canais e complemen-
tar as Fontes de iniormacao e entretenimento misturando modes e
canais de acordo com os seus pr6prios interesses.
Estes imeresses definem os seus pr6prios c6digos de comunica<,:ao.
Como escrevern Tubella e OlIlrOS:
Com a internet em casa. 0 consumo audiovisual especializa-se e diversi-
fica-se, evoluindo p~ra urn universo que e multi modal, multicaual e multi-
plataforma. As novas tecnologias oferecem maior flexibilidade e mobili-
dade, pelo que permitem a gestao de qualquer actividade em qualquer
lugar. Com a difusao das ferramentas que tornarn possivel a parucipacao
nos processos de producao, edicao e dtstnbuicao de mforrnacao e de con-
teudos, 0 consLlmicIor torna-se, ao mesmo tempo, urn criador activo com
capacidade para contribuir e partilhar rnultiplas visoes do mundo em que
vive (Tubella , Tarbenero e Dwyer, 2008, p. 235).
Obviamente, esre modelo de comunica<;:ao nao e predominante nem
na Catalunha nem no mundo em gera!. Contudo, se tivermos em conta
que est.i muito difundido entre a povoacao com menos de 30 anos e
entre os utilizadores activos da Internet, pode muito bem ser urn per-
cursor de futuros modelos de comunica<;:ao. De facto, uma das coisas
que sabemos sobre 0 futuro e que sera dos jovens de hoje e que 0 uso
da Internet se tera generalizado em todo 0 mundo gracas as tecnologias
sem fios, tendo em conta 0 mevitavel desaparecimento das gera<;:6es
mais vel has, entre as quais e rnenor a penetracao da Internet.
Os resultados do estudo catalao podem extrapolar-se no seu signifi-
cado analitico. A grande convergencia na comunicacao. como assinalou
Jenkins, nao e s6 tecnologia e organizacao, ernbora estas sejam dimen-
soes chave que criam a base material para 0 processo de convergencia
mais arnplo. A convergencia e fundamentalmente cultural, e produz-se,
em primeiro lugar, nas mentes dos sujeitos comunicadores que integram
varies rnodos e canais de comunica<;:ao nos seus costumes e na sua
interaccao.
192
Jl.-
CAPiTULO 2: A COMtJNICA<;:Ao NA ERA DIGITAl.
A Comuriicacao na Era Digital Global
Agora ja possuimos os elos que compoern a corrente da cornuni-
cacao na era digital global. As tecnologias da informacao e cornunicacao
baseadas na microelectr6nica permitem a combinacao de todos os elos
de cornunicacaode rnassas nurn hipertexto digital, global, multimodal e
multicanal. A capacidade interactiva clo novo sistema de cornunicacao
da urn passe para uma nova forma de cornunicacao, a autocornuni-
cacao de massas, que multiplies e diversifica os pontos de entrada
no processo de cornunicacao. Dai a autonomia sern precedentes dos
sujeitos comunicadores para cornunicar ern sentido arnplo. No entanto,
este potencial para a autonomia esta rnodelado, conrrolado e decepado
pela crescente concentracao e interrelacao das empresas de media e de
operadores de redes em todo 0 mundo. As redes de empresas multi-
media globais, (incluindo os media que sao propriedade dos governos)
aproveitararn a onda de desregulacao e liberahzacao para integrar redes,
plataforrnas e canais de cornunicacao nas suas organizacoes multinivel
enquanto estabeleciam elos de ligacao com as redes de capital, a po li-
rica e a producao cultural. No entanto, isto nao equivale a urn controlo
unilateral e vertical das praticas de cornunicacao Ha quatro motivos
para isso. a cornunicacao ernpresarial e diversa e, ate cerro ponto, COI11-
petitiva, 0 que deixa urn certo espaco para a escolha como estrategia
de marketing; as redes de cornunicacao independentes necessitam de
urn certo espaco vital para ser atractivo para os cidadaos-consumidores,
e assim arnpliar os novos mercados da comunicacao, as politicas regu-
ladoras estao nas maos de instituicoes que, em principio, defendem 0
interesse publico, se bern que muitas vezes atraicoam este principio,
como sucedeu nos EUA nas ultimas decadas, as novas tecnologias de
Iiberdade aurnentarn a capacidade das pessoas, para incorporar novas
formas de comunicacao, de forma que tentam, ernbora nem sempre
com exito, avancar com 0 rnercantilismo e 0 controlo.
Assim, as ernpresas de media funcionam dentro dos diversos modelos
culturais do nosso mundo. Estes model os caracterizam-se pela oposicao
entre globalizacao e identificacao e pela tensao entre individualismo e
comunalismo. Em consequencia, a cultura global de mercantilismo uni-
193
o !'ODER DA COMUNICA<;;AO
versa I esta culturalmente diversificada e em ultima instancia e contes-
tada por outras expressoes culturais. As empresas de media utilizarn as
novas tecnologias e novas forrnas de gestae, baseadas na ligacao em
rede, para personalizar as suas mensa gens dirigidas a audiencias concre-
tas, ao mesmo tempo que proporcionam urn canal para 0 intercambio
global de manifestacoes culturais locais. Portanto, 0 sistema de cornuni-
cacao digital global, se bern que ref1ecte as relacoes de poder, nao se
baseia na difusao hierarquizada de urna cultura dominante. E urn sistema
variado e flexivel, sendo 0 conteudo das suas mensagens aberto, depen-
dendo das configuracoes concretas de empresas, poder e cultura.
Como as pessoas se reconhecem pela diversidade (embora conti-
nuem a consumir) e como as tecnologias de autocornunicacao de
rnassas permitem uma maior iniciativa aos sujeitos comunicadores
(sempre que se afirrnem como cidadaos), surge uma audiencia criativa
que mistura as diferentes mensagens e c6digos que recebe com os seus
pr6prios c6digos e projectos de cornunicacao. Por isso, apesar da cres-
cente concentracao de poder, capital e 0 Formato real das praricas de
comunicacao estao cada vez mais diversificados.
No entanto, e precisamente porque 0 processo e tao diverso e porque
as tecnologias de cornunicacao sao tao versateis, 0 novo sistema de
cornunicacao digital global torna-se a mais inclusiva e compreensiva
de todas as formas e conteudos da cornunicacao social. Todos e tudo
encontrarn uma forma de existencia neste texto de cornunicacao inte-
ractiva multimodal e interrelacionada, de forma que qualquer mensa-
gem alheia a ele continua a ser uma experiencia individual sem muitas
opcoes de ser comunicada socialrnente. Como as redes neurais do cere-
bro se activam atraves das redes de interaccao com 0 seu ambiente,
incluindo 0 ambiente social, este novo ambito de cornunicacao, nas
suas mais diversas formas, converte-se na principal fonte de sinais que
levam a construcao de significado na mente das pessoas. Uma vez que
o significado determina em grande medida a accao, a cornunicacao do
significado converte-se na fonte do poder social pela sua capacidade de
enquadrar a mente humana.
194
Capitulo 3
Redes de Mente e Poder
Os Remoinhos da Mente I
A cornunic.rcao proJuz-se activando as mentes para partilhar signi-
ficado, A mente e um processo de criacao e rnanipulacao de imagens
ment.ns (visuais ou nao) no nosso cerebro. As ideias podem ver-se
como configuracoes de imagens menta is, Com toda a probabilidade as
imagens menrais correspondem a padroes neuronais. Os padroes neuro-
nais sao configuracoes da actividade nas redes neuronais. As redes
neuronais lig.un neur6nios, que sao celulas nervosas. Os padroes neuro-
nais e suas inl:lgens correspondentes ajudarn 0 cerebro a regular a sua
irueraccao com 0 corpo propria mente dito e com 0 seu arnbiente. Os
I Esta secc;Jo b.iseia-se em grande medida nas im'eSliga<;oes em neurocienci..
teorizadas e sisicmarizada-, por Antonio Darnasio Como apoio it analise aqui apresen-
tada, rerneto :10 leitor algumas das suas obras (Damasio 1994, 1999, 2003; Damasio
e Mayer, 2008). Tarnbem aprendi algumas nocoes basicas sobre a investigacao das
ernocoes e 0 conhecimento atraves da minha relacao com os professores Antonio
Darnasio e Hanna Darnasio <10 longo dos anos. Estou profundamente em divida com
Antonio Darnasio pelo seu apoio na analise que aqui apresento. Tambern quem
sublinhar a influencia, em todo este capitulo, das leituras e conversas com George
Lakoff e Jerry Feldman, distintos cientistas cognitivos e meus colegas em Berkeley,
Remere ao leiror a analise de George Lakoff apresentado em Lakoff (2008). Deve
ficar claro que nao pretendo ter nenhuma cornpetencia especial em neurociencias
nem em ciencia cognitiva. 0 meu unico objective 30 introduzir este elemento como
parte cia minha analise e ligar 0 que sei de comunicacao politica e redes de comu-
nicacao com 0 conhecimento que temos actualrnente sobre as processes da mente
humana. So COIll essa perspectiva cienrifica interdisciplinar poderemos passar cia
descricao a explicacao para compreender como se constroern as relacoes de poder
pelas accoes humanas sobre a mente humana. Naruralrnente, qualquer erro nesta
analise e cia minha inteira resoonsabilidade.
197
o ('GOER DA CO~1l 'NICA(AO
padroes neuronais forrnam-se pela evolucao da especie, 0 conrcudo
cerebral ao nascer e as experiencias do sujeito.
A mente e UI1l processo, nao urn orgao. E urn processo material
que sc produz no cerebro ao interagir com 0 corpo propriamcnre dito.
Dependendo do nivel de alcrta , atencao c ligacao com 0 "cu. as ima-
gens mentais que constroem a mente poclem ser ou nao conscientcs.
Ser consciente de algo significa: (1) tel' urn certo grau de lucidcz,
(2) centrar a atencao e (3) ligar 0 objecto de atencao com lIIll prot.igo-
nista central (0 "eu").
o cerebro e 0 corpo constituern urn organismo ligado por relies
ncuronais activadas por sinais quimicos que circulam no Iluxo sanguineo
e sinais electroquimicos enviados atraves dos nervos. 0 cercbro pro-
cessa estimulos que recebe do corpo e do arnbiente com 0 objective
ultimo de garantir a sobrevivencia e aumentar 0 bem-estar do dono do
cerebro. As imagens menta is, ou seja, as ideias, gcrarn-se mediante a
interaccao entre regioes concretas do cerebro e do corpo que respondent
a estimulos internes e exrernos. 0 cerebro constr6i pad roes neuronais
din.unicos tracando mapas e armazenando accoes e as resposras que
provocam.
Ha dois tipos de imagens do corpo as cle dentro clo corpo e as
que proveern de onclas sensoria is especiais que captain alteracoes no
arnbiente. Em todos os casos estas imagens rem origem num aconreci-
mento corporal ou a partir de um acontecimento que se percebe rela-
cionando com 0 corpo. Algumas irnagens relacionam-se com 0 rnundo
interior clo corpo, outras, com 0 rnundo exterior. Em toclos oscasos as
imagens correspondem a alteracoes no corpo e seu arnbiente, transfor-
rnadas no cerebro mediante urn cornplexo processo cle construcao da
realiclacle que elabora a materia-prima da experiencia sensorial atraves
cia interaccao com varias areas clo cerebra e as irnagens arrnazenadas na
sua memoria. A construcao cle imagens cornplexas cle cliferentes Fontes
produz-se mediante unioes neuronais que se alcancarn pela actividade
neuronal simultanea em cliferentes areas clo cerebro para agrupar a acti-
vidade cle clistintas fontes num unico intervalo temporal. As recles de
associacao de imagens, ideias e sentimentos que se ligam com 0 tempo
constituent padroes neuronais que estruturarn as ernocces, os sentimen-
198
CAPiTULO 3: REDES DA MEI\TE E PODEll
tos e a consciencia. Assim, a mente funciona liganclo em recle moclelos
ccrebrais com moclelos de percepcao sensorial que derivarn clo contacto
com as recles de materia, energia e activiclacle que constituern a nossa
experiencia. passada, presente e futura (antecipando as consequencias
cle certos sinais cle acordo com as imagcns arrnazenadas no cerebro).
Somos redes ligadas a um mundo de redes. Cada neuronic tem milhares
cle ligacoes que proceclem de outros neuronios e milhares cle ligacoes
que vao para outros neur6nios. Ha entre 10.000 e 100.000 mil hoes de
neur6nios no cerebro humano, pelo que hj bilioes cle ligacoes. Os cir-
cuitos cle ligacao criarn experiencias imediatas au que se acumularn com
o tempo.
Construimos a realidacle como reaccao perante acontecimentos reais,
internos ou externos, mas 0 nosso cerebro nao se limita a reflectir os
ditos acontecimentos, mas processa-os de acorclo com os seus pr6prios
modelos, A maioria clo processamento e inconsciente. Assim, para nos
a realidade nao e objectiva nern subjecriva. mas urna construcao mate-
rial cle imagens que misturam 0 que sucecle no mundo Fisico (fora e
dcntro de nos) com a inscricao material cia experiencia no circuito do
nosso cerebro. Isto procluz-se arraves de uma serie de correspondencias
que vao estabelecenclo as Iiga<;oes neuronais entre as caracteristicas clos
acontecimentos e 0 catalogo cle respostas cle que dispoe 0 cerebro para
cumprir a sua funcao reguladora. Estas correspondencias nao sao fixas.
Podem manipular-se na mente. A ligacao neuronal cria novas expe-
riencias, Poclemos estabelecer relacoes especiais e rernporais entre os
objectos que sentimos. A construcao clo tempo e clo espaco clefine em
grande medida a nossa construcao cia realidade. Para isso e necessario
urn maior nivel cle manipulacao de imagens. Ou seja, e necessaria uma
mente consciente, uma mente que estabeleca correspondencias entre
acontecimentos e rnapas menta is; por exemplo, 0 uso cle metaforas,
rnuitas delas sao derivadas cia experiencia clo corpo propriarnente clito.
Efectivarnente, 0 corpo e a fonte cia actividade mental, incluinclo cia
mente consciente. Mas 0 processarnento clestes sinais a niveis superiores
cle abstraccao converte-se nurn mecanisme fundamental para a conser-
vacao e bern-estar clo corpo propriarnente dito. Como assinala Damasio:
"A mente do cerebro, modelada pelo corpo e consciente do corpo, esta ao
sennco de todo 0 corpo" (Darnasio, 2006, p, 206).
199
o PODER [)A CO~llJNICA\.AO
A consciencia surge possivelmente da necessidade de interligar
urn maior nurnero de imagens mentais da percepcao com imagens da
mem6ria. Quanta maior for 3 c3pacidade de inregracao de urn processo
mental, rnaior sera a capacidade da mente para solucionar problemas ern
nome do corpo. Esra maior capacid3de de recombina<;:ao esta associada
ao que chamamos "cri3tividade c inovacao". Mas a mente consciente
necessita de urn principio organizador para orientar esta actividade de
urn nivel superior. Esteprincipio orp,anizador Ii 0 "eu". a tdennficacao
do organismo concreto que deve orientar 0 processo de manipulacao
das imagens menta is. A partir do objecrivo gene rico de sohrevivencia
e bern-estar, 0 cerebro define uma manipula<;:ao mental concreto para a
sua pr6pria sobrevivencia e bern-estar. Os sentimentos, e, portanto,
as emo<;:6es que surgem, tern um papel fundamental no memento de
determinar a orientacao da mente para garantir 0 destino da actividade
em relacao ao corpo propria mente diro. De facto, sern consciencia, 0
corpo humano nao pode sobreviver.
A consciencia opera sobre os processes rncntais A integracao das
cmocoes, sentimentos e raciocinio que, em ultima instancia , levam a
tomada de decisoes, determina estes processes. As rcpresenrucoes men-
tais convertem-se no motor de accoes com signincado incorporando as
ernocoes, sentimentos e 0 raciocinio que definern a forma como vive-
mos. Ternos que compreender este mecanismo para poder captar 0 que
queremos dizer real mente quando fulamos de politica emocional ou
quando dizernos que queremos fazer 0 que nos apetece. As ernocoes,
os sentimentos e 0 raciocinio tern origem no mesmo modelo neuronal
entre 0 cerebro e 0 organismo, e seguem as mesmas regras de associa-
cao e representa<;:ao multinivel que caracterizam a dinarnica da mente.
Ant6nio Damasio (1994, 1999, 2003) dernonstrou, te6rica e expe-
rimentalmente, 0 importante papel das ernocoes e dos sentimentos
no comportamento social. As ernocoes sao model os diferenciados de
respostas quimicas e neuronais ao detectar, no cerebro, urn estimulo
emocionalmente competente (ECS - Emotionally Competent Stimulus),
ou seja, mudancas no cerebro e no pr6prio organismo induzidos pelo
conteudo de uma percepcao (tais como, urn sentimento de medo
quando vernos urna imagern que nos recorda a morte). As ernocoes
200
.'PI'" !
CAPITULO 3: REDES DA MENTE E POUER
estao prorundarnente enraizadas no nosso cerebro (e na rnaioria das
especies) porque foram induzidas pelo instinto de sobrevivencia no pro-
cesso de evolucao. Ekman (973) identificou seis emocoes basicas que
se reconhecem sempre. lnvestigacoes experimemais dernonstrarn que 0
h.lI1cionamento das ditas ernocoes pode relacionar-sc com sistemas con-
creros do cerebro. As seis ernocoes basicas sao: medo, nojo, surpresa,
rristeza, alegria e ira. E irnprovavel que sobrevivarn as especies ou indi-
viduos que nao tern urn sistema de deteccao ernocional adequado.
o cerebro percebe as emocoes como sentimcnros: "Urn sentimento
e a percepcao de urn deterrninado estado do corpo em conjunto com
a percepcao de urn determinado modo de pensar c de pensamentos
sobre deterrninados ternas" (Darnasio, 2003, p S(»). Os sentimentos
surgern de mudancas impulsionadas pelas emocoes no cerebro que
alcancarn urn nivel de intensidade suficiente para se processarern de
forma consciente. No entanto, 0 processamento dos sentimentos nao
e lima simples transcricao de emocoes. Os sent irnentos processam
emocoes na mente no contexto da memoria (ou seja, os sentirnentos
mcluern associacoes com outros acoruecirnemos. ja experimentados
directamente pel a pessoa ou transmitidos geneuca ou culruralmente).
Mas, os pad roes ernocionais derivarn da interaccao entre as caracteris-
ticas de urn estimulo emocionalmente cornpetente (ECS) e as caracte-
risticas da cartografia cerebral de urn individuo particular.
As imagens do nosso ccrebro sao estimuladas por objectos ou
sucessos. Nao reproduzimos os acontecimentos, a nao ser os que proces-
sarnos. Os padroes neuronais conduzern a imagens menta is e nao ao
contrario. As imagens primarias com que funciona a mente originarn-se
no corpo atraves dos sells sensores perifericos (por exemplo, 0 nervo
optico). As ditas imagens baseiam-se em padroes neuronais de activi-
dade ou inactividade relacionados com 0 interior do corpo ou com 0
seu arnbiente.
o nosso cerebro process a acontecimentos (interiores ou exteriores)
a partir dos seus rnapas (ou redes de associacao estabelecidas). Estes
acontecimentos estruturarn-se no cerebro. Ao ligar estes rnapas com os
acontecimentos, a ligacao neuronal cria experiencias emocionais acti-
vando dois cursos emocionais definidos por neurotransmissores espe-
201
o PODEH DA COMUNICA<;:AO
cificos: 0 circuito da

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