Buscar

Justiça no Brasil da Velha República aos governos militares

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 74 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 74 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 74 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

DESCRIÇÃO
Apresentação do papel da justiça na história do Brasil republicano
desde o seu início, na República das Espadas, até o fim de uma fase,
com a organização da ditadura civil-militar.
PROPÓSITO
Examinar a história do direito e da justiça no Brasil entre a
Proclamação da República, em 1889, e o fim do governo militar, bem
como as leis, objetos de vigorosas disputas sociais e políticas, além da
evolução delas para situações de conflitos sociais armados.
OBJETIVOS
MÓDULO 1
Reconhecer as relações entre justiça e poder durante a história da
Primeira República brasileira (1889-1930)
MÓDULO 2
Identificar o aparato jurídico desenvolvido na Era Vargas (1930-1945)
MÓDULO 3
Descrever a jurisdição implantada ao longo do governo militar (1964-
1985)
INTRODUÇÃO
Para o início do nosso estudo, saiba o seguinte: onde quer que existam
seres humanos vivendo em coletividade, também haverá regras,
escritas ou costumeiras, cujo objetivo mais óbvio é regular justamente
esse convívio.
Trata-se da maneira mais sensata e assertiva de dizer o que pode e o
que não pode, estabelecendo limites para a liberdade individual. Além
disso, é criada e imposta a repetição de ritos considerados
fundamentais para a existência daquela comunidade.
No entanto, as leis, a justiça e o direito não regulam apenas o convívio
social: antes de tudo, sua regulação atua sobre o conflito social a partir
de interesses desiguais e conflituosos.
As sociedades, sejam elas simples ou complexas, são sempre
atravessadas por desigualdades e por grupos que disputam poder
político, prestígio social e riqueza material. Os mais fortes, aqueles que
vencem as disputas sociais, tendem também a ter o poder de regular o
convívio social nos moldes de seus interesses.
É por isso que, ao longo da história, pessoas foram escravizadas e
valores construídos socialmente (como a propriedade privada) foram
alçados à condição de um cânone jurídico sacralizado em forma de lei.
Você imagina o porquê disso?
Será a partir dessa perspectiva, que interpreta a justiça, o direito e as
leis à luz dos conflitos que atravessam as sociedades humanas, que
estudaremos justiça brasileira em três momentos-chave da história do
Brasil:
A Primeira República, entre 1889 e 1930, momento de maior
transformação institucional do país, quando a legislação da monarquia
foi substituída pela republicana;

A Era Vargas, entre 1930 e 1945, quando foi formado a aparato jurídico
que transformou o Estado no centro planejador e executor do
desenvolvimento nacional;

A ditadura militar, instituída no Brasil em 1964 e extinta em 1985, na
qual foi erguido um aparato jurídico que legitimou a perseguição aos
adversários do regime e toda sorte de crimes contra a humanidade que
foram cometidos no período.
MÓDULO 1
 Reconhecer as relações entre justiça e poder durante a história
da Primeira República brasileira (1889-1930)
O DILEMA ENTRE REALIDADE E
IMAGINAÇÃO JURÍDICA NA
PRIMEIRA REPÚBLICA
BRASILEIRA (1889-1930)
Talvez você se recorde das aulas de história do ensino fundamental
nas quais a professora fazia uma distinção entre as repúblicas,
apontando seus períodos e alguns de seus personagens. Desse
aporte, o importante é saber que o marco da Proclamação da
República, em 15 de novembro de 1889, representou — além da
destituição da monarquia — o início da Primeira República (também
conhecida como República Velha).
Um dos grandes e importantes personagens desse período histórico
brasileiro foi o jurista e político baiano Rui Barbosa (1840-1923). Sua
figura é incontornável nos estudos acerca da história da lei, do direito e
da justiça durante a Primeira República brasileira.
Rui Barbosa foi o principal responsável pela redação da
Constituição de 1891, que sobreviveria até 1930.
Rui Barbosa tinha uma destacada atuação política desde o final da
década de 1860, quando foi eleito deputado pela então província da
Bahia. A partir desse momento, ele foi uma das principais lideranças do
Partido Liberal, que, na monarquia brasileira, polarizava a disputa
política com o Partido Conservador.
Barbosa era um reformista. Defendia reformas estruturais na
monarquia, o que, segundo ele, seria indispensável para a
modernização do país. A descentralização político-administrativa, a
separação entre Igreja e Estado, a implantação de eleições diretas e a
abolição da escravidão faziam a parte da agenda reformista defendida
por ele.
 Rui Barbosa, Brasil. Nota de dez cruzados, 1987.
O modelo para o reformismo barbosiano era a monarquia inglesa.
“Reformas para conjurar a revolução” era o lema da ala política liderada
por Rui Barbosa. Seu intuito era adaptar a monarquia aos “novos
tempos” para impedir a ruptura revolucionária e a Proclamação da
República.
O Establishment político monárquico estava convencido de que a
república era uma forma de organização política inferior e
potencialmente anárquica, sendo, por isso, inadequada ao Brasil.
Em discurso proferido no início da década de 1870, Rui Barbosa deixou
claro os princípios que orientavam a agenda de reformas estruturais
defendida pelo Partido Liberal:
javascript:void(0)
ESTABLISHMENT
Grupo sociopolítico que, exercendo autoridade, controle ou influência,
defende seus privilégios.
A CORRENTE SE AVOLUMA E DIA A DIA
REDOBRA DE FORÇA: ONTEM POBRE
VERTENTE, DEPOIS REGATO; HOJE RIO
MAJESTOSO, AMANHÃ SERÁ OCEANO
[...] COMO DIZEM TODOS QUE
VERDADEIRAMENTE SE INTERESSAM
PELA SORTE DA NAÇÃO: REFORMAI
SEM DEMORA, REFORMAI
RADICALMENTE ESTE SISTEMA
CORROMPIDO; ALIÁS, QUANDO
PROCURARDES PELAS INSTITUIÇÕES,
ELAS SE TERÃO AFUNDADO NO
ABISMO COM O SISTEMA QUE A ELAS
SE AGARRANDO, COMO NOCIVA
PARASITA, AS DESCONJUNTAM, E
ABALAM EM SEUS FUNDAMENTOS.
BARBOSA, 1987, p. 15-16.
Os anos seguintes mostraram que a monarquia não foi capaz de
fazer uma autorreforma na velocidade que as circunstâncias
exigiam. Pelo contrário: a década de 1870 acelerou o desgaste das
instituições monárquicas.
O fim da Guerra do Paraguai (1864-1870) teve como grande
consequência o empoderamento do Exército. Foi a partir de então que
ele se tornou força de desestabilização institucional, o que culminou no
golpe militar que efetivamente derrubou a monarquia em novembro de
1889.
Em 1873, no interior de São Paulo, na cidade de Itu, foi fundado o
Partido Republicano, evento indicativo de que a monarquia deixava de
ser um consenso entre a elite política brasileira. Cada vez mais
lideranças liberais seriam capturadas para a causa republicana.
Como demonstra Christian Lynch (2007), aconteceu exatamente isso
com Rui Barbosa. Ele inclusive recusou, em junho de 1889, o convite
do Visconde de Ouro Preto para compor aquele que seria o último
governo da monarquia.
Sua ideia era finalmente tentar promover a principal reforma
demandada pelas elites políticas e econômicas em ascensão: a
federação, o que significava o fortalecimento dos governos locais sobre
a autoridade do governo central.
Porém, como você sabe, já era tarde demais.
A conspiração republicana já estava em marcha, sendo movida pela
aliança entre militares e civis. Entre os participantes, destacava-se o
próprio Rui Barbosa, que assumiu o cargo de ministro da Economia do
governo de Marechal Deodoro da Fonseca (1827-1892). Ele durou
apenas dois anos: teve início em novembro de 1889 e terminou em
23 de novembro de 1891.
Já nos primeiros momentos do governo de Deodoro da Fonseca,
estava claro o conflito travado entre militares positivistas e liberais
federalistas. Os militares defendiam a implementação de uma ditadura
para modernizar o país. A palavra “modernização” era entendida aqui
como industrialização e urbanização.
Já os liberais federalistas, liderados por Rui Barbosa, preferiam a
descentralização administrativa e a instituição de uma democracia
liberal baseada na representação política e em eleições diretas.
 Proclamação da República do Brasil, Benedito Calixto, 1893.
Rui Barbosa teve êxito nas disputas internas dentrodo governo
provisório. Todos os decretos publicados até a promulgação da
Constituição, em 24 de fevereiro de 1891, passaram por sua
supervisão direta, tendo ele sido o principal redator do próprio texto
constitucional.
Não seria exagerado, portanto, dizer que Rui Barbosa é o pai da
estrutura jurídica que vigorou no Brasil ao longo da Primeira
República.
Contudo, o próprio Rui Barbosa reconhecia as limitações que essa
estrutura jurídica encontrava para, de fato, regular a vida social e
política. Após ter rompido com o Marechal Floriano Peixoto (1839-
1895), sucessor de Deodoro da Fonseca, ele se aproximou de
lideranças monarquistas. Passando a fazer uma oposição ao governo
militar, Barbosa reconhecia não ser aquela a “república dos seus
sonhos”.
A dissonância entre a legislação democrática e liberal e uma realidade
social e política autoritária caracterizada pelas práticas oligárquicas e
pela violência manifestada no “voto de cabresto” constitui uma das
principais características da Primeira República brasileira.
A CONSTITUIÇÃO DE 1891
Você sabia que esta foi a segunda Constituição do Brasil?
Composta por 91 artigos, ela foi diretamente inspirada pelo modelo da
Constituição dos Estados Unidos. O federalismo norte-americano,
caracterizado pela grande autonomia dos governos locais, era muito
atraente para as oligarquias brasileiras – principalmente para aquelas
diretamente envolvidas com a agroexportação de café, que, na época,
era a principal riqueza brasileira.
O interesse desses grupos era tocar seus negócios com a mínima
interferência possível do governo central. Mais do que republicanas,
essas oligarquias eram federalistas. Outro princípio afirmado pela
Constituição de 1891 foi a república, rompendo, assim, com a
hereditariedade dinástica da monarquia. Agora o país passaria a ser
governado por políticos eleitos para mandados temporários.
O poder do Estado passava a estar dividido em três partes: o
Executivo, o Legislativo e o Judiciário, sendo a organização do governo
feita no regime presidencialista.
Outro valor liberal consagrado nessa Constituição foi a liberdade
individual. Segundo esse princípio, o indivíduo é a célula social
básica na qual residem todos os direitos, sendo a vida, a
propriedade e a liberdade os principais entre eles.
Capa da Constituição da República do Brasil de 1891.
Juramento da Constituição, Aurélio de Figueiredo, 1891.
Para o filósofo britânico Isaiah Berlin (1981), a liberdade liberal significa
a autonomia do corpo físico dos indivíduos, definindo-se pela ausência
de coerções externas ao livre movimento do corpo.
A Constituição instituiu também o Estado laico, colocando um fim ao
padroado, o qual, desde o início da monarquia, fazia da Igreja Católica
uma espécie de instituição de Estado. O voto censitário, adotado pela
Coroa, foi abolido.
Mas não se engane: isso não significou, como demonstra José Murilo
de Carvalho (1988), a ampliação da população eleitoralmente ativa.
Esse fato só ocorreu porque a república adotara outras restrições ao
direito de voto.
Eis alguns exemplos dessas restrições: militares de baixa patente,
religiosos submetidos à hierarquia eclesiástica e analfabetos eram
considerados cidadãos eleitoralmente ativos. Isso fez com que a
parcela da população habilitada ao voto fosse ainda menor que a dos
tempos da monarquia.
O STF E A REPÚBLICA
Na realidade social, essa legislação foi posta em prática em uma
sociedade complexa, desigual e atravessada pelas heranças da
escravidão. Se você perguntar o que isso gerou, podemos dizer que ela
fez com que o funcionamento das instituições jurídicas ganhasse
algumas particularidades.
 Antigo Supremo Tribunal Federal (STF).
Uma delas é o objeto de estudo analisado pelas historiadoras Surama
Conde Sá Pinto e Tatiana de Souza Castro (2019). Ambas estudaram
pedidos de habeas corpus protocolados no Supremo Tribunal Federal
(STF), a corte superior da justiça brasileira segundo a Constituição de
1891, ao longo da Primeira República.
Segundo as autoras, o tema da relação entre justiça e política
oligárquica na Primeira República foi abordado de diferentes formas na
bibliografia especializada. Algumas visões dominantes afirmam que
tanto a justiça quanto o Judiciário eram meras extensões das
oligarquias, o que se justifica pela falta de autonomia do sistema diante
do coronelismo.
 ATENÇÃO
Além disso, outros posicionamentos falam que, com o STF e o
Judiciário, o exercício da cidadania estava seguro, havendo até a
utilização dos habeas corpus . De acordo com Pinto e Castro (2019),
outra visão mais recente interpreta essa fase, relativizando-a. Segundo
tal visão, o Judiciário era visto em várias oportunidades defendendo os
direitos da cidadania, mas, ao mesmo tempo, o STF dificultava o
cumprimento dos tais habeas corpus citados.
Como podemos perceber, a questão da autonomia das instituições
jurídicas, assim como a capacidade da lei e da justiça em, de fato,
regular a vida social e política e se manter imune às coerções impostas
pelas oligarquias, são itens de extrema importância nos estudos
especializados da história da justiça no Brasil ao longo da Primeira
República.
Surama Pinto e Suzana Castro (2019) colaboram com essa discussão,
argumentando que as instituições do Poder Judiciário — notadamente
o STF — eram acionadas pela sociedade civil no sentido da defesa das
garantias do estado democrático de direito, um valor liberal por
excelência.
No entanto, alegam as autoras, o STF (e a justiça em geral) não pode
ser superestimado, pois uma quantidade relevante de pedidos era
negada, muitas vezes por pressões políticas. Ou seja: seria equivocado
dizer que a justiça era só um floreio, sem nenhuma capacidade de
funcionamento autônomo e plenamente incapaz de garantir direitos
previstos no texto constitucional.
Se isso fosse verdade, as pessoas sequer tentariam apelar à justiça e
ao STF. Porém, considerando a tramitação dos pedidos examinados,
Surama Pinto e Suzana Castro (2019) identificam um baixo índice de
sucesso para os impetrantes e uma grande porosidade dos ritos legais,
o que fazia das pressões um elemento importante para o desfecho dos
processos.
A atuação do STF na Primeira República também é tema de um
trabalho desenvolvido por Gladys Sabino Ribeiro (2008). A autora
estava interessada em examinar as relações da corte com duas outras
forças: o Poder Executivo e a sociedade civil.
SE, POR UM LADO, A CORTE SUPREMA
BRASILEIRA ESTAVA INSERIDA NO
PROJETO DE MODERNIZAÇÃO,
CIVILIZAÇÃO E ORGANIZAÇÃO DA
CIDADE DO RIO DE JANEIRO; POR
OUTRO, CONTESTAVA DECISÕES E
PEDIDOS DO EXECUTIVO E PROCURAVA
UM ESPAÇO DE ATUAÇÃO PRÓPRIO.
NESTE ÚLTIMO SENTIDO, ACOLHIA
PLEITOS POPULARES NÃO SÓ
REATIVOS, MAS TAMBÉM
PROPOSITIVOS.
ALÉM DISSO, DAVAM VOZ A
INTERPRETAÇÕES SOBRE DIREITOS
QUE PARTIAM DE VIVÊNCIAS
POPULARES. A POPULAÇÃO DA CIDADE
DO RIO DE JANEIRO JULGAVA AS SUAS
DEMANDAS À LUZ DAS SUAS
EXPERIÊNCIAS COTIDIANAS E DE UM
ENTENDIMENTO DO DIREITO À
LIBERDADE QUE, SE NÃO SUPLANTAVA,
DIALOGAVA COM O DIREITO DE
PROPRIEDADE E, SOBRETUDO, COM OS
DIREITOS RELATIVOS ÀS LIBERDADES
INDIVIDUAIS.
RIBEIRO, 2008, p. 101-102.
Tal como fizeram Surama Pinto e Suzana Castro (2019), Gladys Sabino
Ribeiro (2008) complexifica o lugar da justiça na dinâmica social e
política da Primeira República brasileira. Seu sistema, afinal, é
apresentado como dotado de alguma autonomia para contrariar os
interesses oligárquicos que, na época, dominavam o Poder Executivo.
Ao mesmo tempo, podemos perceber que a sociedade civil possuía
alguma capacidade de organização a ponto de ocasionalmente obter
algum sucesso na imposição de suas demandas. Ela chegou até
mesmo a influenciar, a partir dos repertórios da cultura popular, a
atuação dos magistrados reunidos no STF.
Esses estudos, portanto, desconstroem a imagem caricata da Primeira
República, na qual as oligarquias rurais tinham um poder supremo
sobre todas as instituições e reinavamolimpicamente diante de uma
sociedade civil amorfa e passiva.
Como pudemos perceber, essa caricatura não se sustenta em estudos
mais cuidadosos que, longe de negar o enorme poder das oligarquias
cafeicultoras na época, nos mostram um cenário mais complexo. A
justiça, afinal, gozava em tal cenário de alguma autonomia, enquanto a
sociedade civil era uma força relevante nas disputas travadas no
campo jurídico.
Essa relevância da sociedade civil fica ainda mais evidente na década
de 1920, era marcada por grande agitação social e pelo desgaste do
pacto político que sustentou a Primeira República.
Você sabia que esse período é chamado de “a grande
instabilidade” e que ficou conhecido por sua grande instabilidade
social?
As historiadoras Marieta Ferreira e Surama Conde Sá Pinto (2019)
argumentam que esse período foi marcado por uma grande
instabilidade social, econômica e política.
No que se refere ao viés econômico, a década de 1920 foi um período
de instabilidade. Seus primeiros anos são marcados pela baixa dos
preços internacionais do café, havendo graves resultados na economia
brasileira, como a alta da inflação e crise fiscal sem precedentes. Mas
também ocorreu uma expansão do setor cafeeiro. Segundo as
historiadoras (2019), “passados os primeiros momentos de
dificuldades, o país conheceu um processo de crescimento expressivo
que se manteve até a Grande Depressão em 1929”.
Posteriormente, houve uma diversificação da agricultura, o
desenvolvimento das atividades industriais, a expansão de empresas e
o surgimento de novos estabelecimentos ligados à indústria de base.
Esse foi um importante sinal da complexificação da economia
brasileira.
Em concomitância a essas mudanças, ocorreu a ampliação dos setores
urbanos e o crescimento das camadas médias da classe trabalhadora,
assim como uma ampliação de interesses das elites econômicas. “Em
seu conjunto, essas transformações funcionariam como elementos de
estímulo a alterações no quadro político [questionando] as bases do
sistema oligárquico da Primeira República”, explicam Ferreira e Pinta
(2006, p. 1-2).
A grande instabilidade
O ano de 1922 foi emblemático da crise estrutural e do esgotamento do
pacto oligárquico efetivado pela “política dos governadores”. Houve
vários eventos de crise nesse ano:
A “reação republicana” que marcou as eleições de 1922, as mais
acirradas em muito tempo e disputadas entre Arthur Bernardes (1875-
1955), candidato das oligarquias, e Nilo Peçanha, representando as
oposições.
A revolta de oficiais de baixa patente do Exército realizada no Rio de
Janeiro, no Forte de Copacabana, evento de fundação do
“Tenentismo”, que marcou o retorno dos militares a uma postura de
maior intervencionismo político.
A Semana de Arte Moderna realizada em São Paulo, que verbalizou, no
plano da estética, as insatisfações com aquele estado de coisas.
Os conflitos se agudizariam ainda mais nos anos seguintes, resultando
em uma ruptura institucional em 1930, logo depois das eleições
presidenciais disputadas entre Júlio Prestes (1842-1946), candidato
das oligarquias dominantes, e Getúlio Vargas (1882-1954), que era da
oposição.
As eleições, expostas a toda sorte de manipulações e fraudes, como
era comum na Primeira República, deram a vitória para Júlio Prestes.
No entanto, a frente ampla de opositores — formada por militares,
oligarquias dissidentes e classes médias – chamada de “Aliança
Liberal” não aceitou o resultado e pôs em marcha um levante armado
conhecido como “Revolução de 1930”.
Teve início, assim, outro momento da história política e institucional
brasileira que ficou conhecido como “Era Vargas”. Essa era foi
caracterizada por profundas transformações institucionais e jurídicas. É
sobre essas transformações que nos debruçaremos no próximo
módulo.
Um especialista falará neste vídeo sobre a transição política entre a
Primeira República e o chamado Período Vargas
VERIFICANDO O APRENDIZADO
MÓDULO 2
 Identificar o aparato jurídico desenvolvido na Era Vargas (1930-
1945)
TRANSFORMAÇÕES NA
JUSTIÇA, NO DIREITO E NAS
LEIS DURANTE OS GOVERNOS
DE GETÚLIO VARGAS
 Getúlio Vargas, presidente do Brasil entre 1930 e 1945 e de 1951 a
1954.
O político gaúcho Getúlio Vargas governou o Brasil em duas ocasiões:
1930-1945:
O período conhecido como a “Era Vargas” foi caracterizado por
profundas transformações jurídico-institucionais na estrutura do Estado
brasileiro.
1951-1954:
Na segunda ocasião, houve um “governo democrático”.
Nosso objetivo é estudar com cuidado a história da justiça, da lei e do
direito nesses dois momentos, buscando entender suas relações tanto
com as disputas políticas quanto com a competição pelo controle do
Estado nacional e das riquezas do país.
Segundo o historiador Boris Fausto (1997), a Revolução de 1930 deu
origem ao “Estado de compromisso”, um indicativo de que a coalização
que formou a aliança liberal e garantiu o sucesso da rebelião
comandada por Getúlio Vargas era muito ampla. Isso exigia da
liderança do movimento grande habilidade em coordenar e combinar
interesses.
Nas palavras do autor...
A possibilidade de concretização do Estado de compromisso é dada,
porém, pela inexistência de oposições radicais no interior das classes
dominantes e, em seu âmbito, não se incluem todas as forças sociais.
O acordo se dá entre as várias frações da burguesia: as classes
médias — ou pelo menos parte delas — assumem maior peso,
favorecidos pelo crescimento do aparelho do Estado, mantendo,
entretanto, uma posição subordinada.
À base da margem do compromisso básico fica a classe operária, pois
o estabelecimento de novas relações com a classe não significa
qualquer concessão política apreciável.
FAUSTO, 1997, p. 136-137.
Todos os atos jurídicos colocados em prática nos primeiros anos do
governo de Getúlio Vargas culminaram na Constituição de 1934, que
formalizou a situação política à qual ele ascendera quatro anos antes.
No entanto, como demonstra Ângela de Castro Gomes (1997), essa
conciliação de interesses não se deu sem conflitos.
Havia relações conflituosas, sobretudo, entre as oligarquias dissidentes
que questionavam a hegemonia de São Paulo na geopolítica nacional e
os oficiais do Exército de baixa patente. Cabe ressaltar que esses
oficiais, conhecidos como “tenentes”, demandavam modificações
estruturais na organização da sociedade brasileira, como, por exemplo,
o incentivo à industrialização, à urbanização e à centralização
administrativa.
Você já ouviu falar de um movimento denominado Tenentismo?
TENENTISMO
Leremos um trecho extraído da obra de Ângela Castro Gomes (1997, p.
26) para entendermos, de forma mais clara, o propósito desse
“movimento”:
“De uma forma muito esquemática, o que estava em jogo era uma
diretriz de organização institucional do Estado do Brasil. Os tenentes,
por exemplo, procuraram emprestar ao Estado uma orientação
claramente centralizadora, de reforço dos poderes intervencionistas da
União, inclusive na área econômica e social.
A execução dessa proposta deveria estar pautada em padrões técnicos
de administração, sendo sua eficácia garantida por um regime político
forte. Isto é, pela permanência da ditadura como meio de sanear
costumes e redefinir os ideais da nação.
Dessa forma, os setores revolucionários do Tenentismo, ao mesmo
tempo que despolitizaram o campo político — transformando-a em
atividade administrativa, particularmente nas esferas estaduais e
municipais —, defendiam um modelo de Estado nitidamente antiliberal,
na medida que a crítica à oligarquia se confundia com a crítica ao
liberalismo utópico e desvirtuador da República Velha.
Já os setores oligárquicos divergentes insistiam na manutenção das
prerrogativas da autonomia estadual e na limitação dos poderes da
União, enfim, na defesa do federalismo como ponto-chave da
organização política do País. Lutavam, por conseguinte, pela defesa
dos princípios políticos liberais que respaldaram e possibilitarama
hegemonia desse grupo ao tempo da Primeira República”.
A CONSTITUIÇÃO DE VARGAS
Vamos acompanhar a evolução da justiça no Brasil?
São Paulo, estado que mais perdeu com a Revolução de 1930, se
levantou em armas contra o governo de Getúlio Vargas. A “Revolução
Constitucionalista” foi uma guerra civil que, em 1932, exigia uma nova
Constituição para o país.
Entre os principais atos jurídicos do governo provisório de Getúlio
Vargas, podemos destacar os seguintes:
A criação dos ministérios do Trabalho e da Educação em 1930, o
que traduziu os interesses daquele governo em romper com a
tendência federalista/oligárquica da Primeira República e concentrar
poderes no que se referia aos trabalhadores e ao ensino.
A promulgação do Código Eleitoral em 1932, cujo objetivo era
modernizar as eleições, otimizar a representação e aumentar o
tamanho da população eleitoralmente ativa. Vejamos algumas das
principais novidades trazidas por ele:
o Criação da Justiça Eleitoral;
o Adoção do voto secreto;
o Imposição da obrigatoriedade do voto;
Concessão do direito de voto e do direito de se candidatar às
mulheres maiores de 21 anos.
Como já sabemos, as eleições eram o principal objeto de críticas à
Primeira República. O voto aberto, os currais eleitorais e a ausência de
justiça eleitoral autônoma as colocavam sob constante suspeição,
fazendo delas uma máquina de dominação oligárquica – e não uma
prática de representação política efetiva.
Não seria exagerado dizer, portanto, que a “questão eleitoral” era um
dos poucos pontos consensuais entre as diversas forças que formaram
a Aliança Liberal, coalizão que levou Getúlio Vargas ao poder em 1930.
O próprio Vargas, discursando em 15 novembro de 1933, deixava claro
como a reforma eleitoral era um compromisso incontornável:
O GOVERNO REVOLUCIONÁRIO,
RESPONSÁVEL PELO SANEAMENTO
DOS COSTUMES POLÍTICOS CONTRA
OS QUAIS A NAÇÃO SE REBELOU, NÃO
PODERIA COGITAR DE REORGANIZÁ-LA
CONSTITUCIONALMENTE ANTES DE
APARELHÁ-LA PARA MANIFESTAR, DE
MODO SEGURO E INEQUÍVOCO, A SUA
VONTADE SOBERANA. A REFORMA
ELEITORAL QUE ERA, PARA MIM,
COMPROMISSO DE CANDIDATO [...]
TORNOU-SE IMPOSIÇÃO INADIÁVEL AO
ASSUMIR A CHEFIA DO GOVERNO
PROVISÓRIO.
VARGAS, 1933.
Até então, podemos perceber que, mesmo com toda essa reformulação
político-administrativa, era urgente a promulgação de uma nova
Constituição, especialmente depois da rebelião paulista de 1932.
A nova Constituição, outorgada em julho de 1934, trazia a centralização
político-administrativa como argumento principal, destoando
contundentemente da lógica federalista, que, como já estudamos,
atravessava o texto constitucional de 1891.
O que estava em jogo, na verdade, era outra visão do Brasil, segundo a
qual a sociedade civil seria amorfa e desorganizada, enquanto os
governos locais (estaduais e municipais) estariam completamente
dominados por interesses oligárquicos sem nenhum compromisso com
o interesse nacional.
Por conta disso, a solução para o desenvolvimento do país seria um
governo central forte, personalizado pelo presidente da República e
pretensamente portador do “verdadeiro interesse nacional”.
Ao analisar o texto constitucional de 1934, Ângela de Castro Gomes
(1997) argumenta que ele trouxe a figura do Estado “forte” e “fechado”,
cuja participação política se daria pelo sindicato. Em contraponto, a
autora afirma que já havia defensores de um Estado “moderno”,
entendendo que a democracia, para ser exercida, necessita de
participação ampla.
Outra característica importante da Constituição de 1934 foi a definição
da cidadania em função da atividade laboral.
 RESUMINDO
O modelo de cidadão ideal que começava a ser construído pelo texto
constitucional – também presente nas constituições seguintes pela
política de propaganda do governo – era o trabalhador urbano,
formalizado e vinculado ao sindicato de sua categoria.
 Passeatas sindicais do período.
Os diversos sindicatos, por sua vez, estavam vinculados diretamente
ao Estado por meio do Ministério do Trabalho. A carteira de trabalho
cada vez mais se tornava símbolo da honestidade, prova de que
cidadão não era dado à vadiagem.
Sindicalizado, esse cidadão trabalhador constituía a célula fundamental
da representação política dada justamente por intermédio dos
sindicatos. Era o princípio da “representação classista” típica de uma
“república sindicalista”.
O governo constitucional de Getúlio Vargas nasceu sob uma situação
de grande polarização ideológica, sendo uma manifestação nacional da
situação política internacional da época.
De um lado, à direita do espectro ideológico, estava a Ação Integralista
Brasileira (AIB), liderada pelo jornalista Plínio Salgado, claramente
inspirada nos governos fascistas que ascenderam na Europa na
década de 1930; do outro, à esquerda, a Aliança Nacional Libertadora
(ANL), capitaneada pelo comunista Luís Carlos Prestes (1808-1990),
que mantinha diálogos estreitos com o Partido Comunista soviético.
Sobre essa polarização ideológica, Ângela de Castro Gomes (1997)
argumenta que os dois movimentos foram cruciais para as
transformações políticas sofridas após 1934. Transcorria um grande
caos político.
Primeiramente, houve repressão policial a operários e, em seguida,
ampliada a jornalistas, intelectuais e até parlamentares. Como se não
bastassem esses acontecimentos, em abril de 1935, completa Gomes
(1997, p. 35), “a Lei de Segurança Nacional fortalecera os poderes do
presidente da República tão cuidadosamente controlados pela Carta de
1934”.
 Propaganda do Estado Novo (Brasil) mostra Getúlio Vargas ao lado
de crianças, 1938.
O que percebemos hoje com clareza é que o governo chefiado por
Getúlio Vargas soube manipular com muita astúcia esse cenário de
polarização ideológica. Ele utilizou os dois grupos como espantalhos
para justificar uma escalada autoritária que culminaria no golpe civil-
militar que instituiu, em 1937, a ditadura do Estado Novo.
No mesmo ano de 1935, graças à eclosão da chamada “intentona
comunista”, o governo acionou prerrogativas da Lei de Segurança
Nacional (LSN) para fechar a ALN, prendendo seus principais líderes.
Esse episódio incluiu o casal Luís Carlos Prestes e Olga Benário
Prestes. Ambos foram acusados de liderar uma conspiração golpista
cujo objetivo seria implantar uma ditadura comunista no Brasil, algo que
jamais foi comprovado.
Ainda em 1935, o Congresso Nacional, depois do fechamento da ANL,
aprovou a decretação do estado de sítio, que seria prorrogado
sucessivamente até meados de 1937. Foi somente nesse ano — após
inúmeras prisões de deputados e senadores, crises internas em alguns
importantes governos estaduais e com a campanha presidencial
próxima — que o Congresso finalmente negou um novo pedido de
renovação do estado de sítio proposto por Vargas.
 Prestes no Tribunal de Segurança, 1937.
A essa altura, o establishment político já se articulava visando às
eleições que aconteceriam em 1938. As chapas já estavam até
formadas.
A disputa se daria entre Armando de Sales Oliveira (1887-1945),
representando os interesses das oligarquias de São Paulo, e José
Américo de Almeida (1887-1980), que representava as oligarquias
dissidentes que articularam a Revolução de 1930.
Com o apoio de lideranças militares e, notadamente, do general Góis
Monteiro (1887-1956), Getúlio Vargas liderou um autogolpe continuísta.
Esse golpe suspendia a Constituição de 1934 e implantava uma
ditadura civil-militar que duraria oito anos, de 1937 a 1945.
No plano da justiça, houve a transição drástica de uma estrutura
jurídica de coloração liberal democrática para uma de claro perfil
autoritário. Mobilizemos novamente as reflexões de Ângela de Castro
Gomes (1997): segundo a autora, esse golpe selou qualquer discussão
acerca dos questionamentos políticos da época.
Percebamos que, para Gomes (1997), todo o trabalho constitucional
realizado pela luta das oligarquias do Centro-Sul foi deixado de lado. O
Estado Novo foi um verdadeiroretrocesso das lutas anteriores,
chegando a ser mais autoritário que o movimento tenentista.
Ao longo dos primeiros anos do Estado Novo, pode-se perceber o
esforço do regime em se legitimar por meio de dispositivos jurídicos
responsáveis por instaurar uma nova legalidade. A Constituição de
1937 ficou conhecida como “Polaka” pelo fato de ser inspirada pela
Constituição polonesa, que era de matriz fascista.
Mas se engana quem acha que o Estado se aliou ao integralismo de
Plínio Salgado. Em 1937, em uma operação semelhante àquela que
havia perseguido a ALN, o governo ditatorial também reprimiu a AIB
sob a acusação de conspiração.
As principais características da “Polaka” foram:
1
2
3
4
5
1
Regulamentação de uma estrutura corporativa em que empregadores e
empregados estão submetidos ao controle ou à proteção do Estado;
2
Estabelecimento da censura prévia a imprensa, cinema e rádio por
meio do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP);
3
Pena de morte para os crimes contra a ordem pública e organização do
Estado;
4
Proibição da greve e do lock-out (paralisação do trabalho por iniciativa
do empregador);
5
Organização de uma justiça do trabalho para mediar os conflitos entre
patrões e empregados.
REFORMAS DO ESTADO NOVO
Somam-se à Constituição de 1937 outros atos que passariam a formar
a estrutura jurídica do Estado Novo.
Entre eles, podemos destacar alguns bem importantes:
LEI Nº 1402, DE 1939
Estabeleceu normas para o funcionamento das organizações sindicais,
definindo que cada categoria profissional somente poderia ter um
sindicato oficial, o qual, por sua vez, seria o responsável por
intermediar as negociações entre os sindicalizados e o Estado.
CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS
TRABALHISTAS (CLT), EM 1940
Estabeleceu a regulação oficial dos direitos dos trabalhadores urbanos.
Destacaremos a seguir alguns desses direitos:
Proibição da diferenciação salarial por motivos de sexo, idade,
nacionalidade e Estado civil;
Instituição do salário-mínimo;
Redução da jornada de trabalho para oito horas diária;
Proibição do trabalho para menores de 14 anos;
Criação do repouso semanal remunerado, das férias
remuneradas e da indenização em caso de demissão por justa
causa;
Regulamentação da assistência média e dentária ao trabalhador
e à gestante.
CRIAÇÃO DO DEPARTAMENTO
ADMINISTRATIVO DOS SERVIÇOS
PÚBLICOS (DIP)
O DIP tinha o objetivo de pôr fim ao caráter político de recrutamento do
funcionalismo público e basear as contratações no sistema e mérito por
meio de concursos ou provas de habilitação competitivos para qualquer
candidato a funcionário público.
CRIAÇÃO DA COMPANHIA SIDERÚRGICA
NACIONAL (CSN), DA COMPANHIA VALE
DO RIO DOCE E DA HIDRELÉTRICA
PAULO AFONSO
A intenção era fortalecer a infraestrutura produtiva da economia
brasileira e iniciar um processo de mudança naquilo que, na época, era
conhecido como “vocação agrícola da economia nacional”.
 ATENÇÃO
Não basta apenas enumerar as ações jurídicas: precisamos entender
qual tipo de projeto político inspirava essas leis.
Segundo a historiadora Eli Diniz (1997, p. 80), seu primeiro aspecto
seria o fortalecimento do Executivo como uma condição para restaurar
a autoridade nacional e garantir o poder de Estado contra a ação
desagregadora do privatismo e do localismo, tendências típicas da
política brasileira antes de 1930.
Todos esses dispositivos jurídicos, portanto, verbalizavam a seguinte
interpretação sobre o Brasil: um Estado centralizado e forte era
fundamental para o desenvolvimento do país. Essa teoria política foi
desenvolvia pelo jurista fluminense Oliveira Vianna (1883-1951), que
comandou a burocracia do Estado Novo.
Oliveira Vianna era um profundo estudioso do funcionamento do
Estado brasileiro. Em 1918, publicou seu primeiro livro, o ensaio
Populações meridionais do Brasil, considerado até hoje um texto
canônico na tradição do pensamento social brasileiro. Ao ajudar a
desenhar a estrutura burocrática do Estado Novo, ele tinha em mente
certa concepção de “Estado corporativo”, muito em voga na cultura
jurídica ocidental na década de 1930.
 SAIBA MAIS
O modelo de Estado corporativo de Oliveira Vianna, cujo papel de
representação política e de relação entre Estado e sociedade é
realizado primordialmente pelo assento de representantes de classe
nos órgãos estatais, constitui o centro do trabalho intelectual
desenvolvido pelo autor. Foi com essa visão que ele pôde desenvolver
sua defesa do Estado Novo nos seguintes livros: Problemas de direito
corporativo (1938); O idealismo da Constituição (1939), em sua
segunda edição; e, por fim, Problemas de direito sindical (1943).
O Estado novo foi arquitetado como um regime autoritário e
modernizador que deveria durar muitos anos. No entanto, seu tempo
de vida acabou sendo curto, não chegando a completar oito anos.
Os problemas do regime resultaram mais da inserção do Brasil no
quadro das relações internacionais que das condições políticas internas
do país. Essa inserção impulsionou as oposições e abriu caminho para
divergências no interior do governo.
Após a entrada na guerra, personalidades de oposição começaram a
explorar a contradição existente entre o apoio do Brasil às democracias
e a ditadura de Vargas. No âmbito do governo, pelo menos, uma figura
se mostrou francamente favorável a uma abertura democrática:
Oswaldo Aranha (1894-1960), então ministro das Relações Exteriores.
 RESUMINDO
Segundo o historiador Antônio Mendes Almeida (1997, p. 228), a
situação vivida era contraditória, uma vez que, no próprio país, havia
situações semelhantes às combatidas na guerra. Sendo assim, “a luta
da força expedicionária brasileira nos campos europeus deveria ser
complementada a nível interno por uma luta contra a ditadura getulista”.
O desmonte do aparelho repressor foi marcado por importantes
transformações jurídico-institucionais. Destacaremos seis delas a
seguir:
Convocação de eleições gerais para dezembro de 1945.
O retorno do sistema partidário, agora formado por partidos
nacionais.
União Democrática Nacional (UDN), composta pelos adversários
de Getúlio Vargas.
Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), que contava com a proteção
política de Vargas.
Partido Social Democrático (PSD), formado por político que
apoiavam Vargas.
Partido Comunista Brasileiro (PCB), sob a liderança de Luís
Carlos Prestes.
 Atenção! Para visualizaçãocompleta da tabela utilize a rolagem
horizontal
RETORNO À DEMOCRACIA
 Posse de Eurico Gaspar Dutra como presidente da República, Autor
Desconhecido.
Aparentemente colaborando com a transição democrática, Getúlio
Vargas autorizou a formação das chapas que concorreriam às
eleições de 1945. Eram três os principais candidatos:
Brigadeiro Eduardo Gomes (1896-
1981).
Candidato pela UDN
General Eurico Gaspar Dutra (1883-
1974).
Candidato pela
coligação PTB/PSD
Iedo Fiuza (1894-1975), que contava
com o apoio formal de Getúlio Vargas.
Candidato pelo PCB
 Atenção! Para visualizaçãocompleta da tabela utilize a rolagem
horizontal
A oposição pressionou até que, em 30 de outubro de 1945, Getúlio
Vargas foi intimado por uma junta militar a renunciar. A presidência
da República foi entregue interinamente a José Linhares, então ministro
do STF.
Dessa maneira, todo o processo de redemocratização, incluindo a
Constituição de 1946, se daria sem a presença de Getúlio Vargas. No
entanto, Eurico Gaspar Dutra, seu ungido, venceu a eleição
presidencial de 1950, demonstrando que, mesmo exilado em sua
fazenda no interior do Rio Grande do Sul, o ex-ditador ainda contava
com grande força política.
 Selo impresso pelo Brasil mostra Getúlio Vargas e João Pessoa por
volta de 1930.
As principais características do governo de Eurico Gaspar Dutra foram
a promulgação da Constituição de 1946, que restabeleceu o modelo da
democracia liberal burguesa vigente antes de 1930. Isso reduziu o
poder do Estado, aboliu a representação classista e promoveu o
acirramento da Guerra Friae a cassação do registro do PCB .
Com a promulgação da nova Constituição, completou-se o processo de
redemocratização. O Brasil voltava a ser formalmente uma democracia
liberal burguesa, dando início ao período conhecido como “experiência
democrática”. Esse período se estendeu até 1964, quando a
democracia brasileira foi vítima de outra intervenção golpista.
Entre 1945 e 1954, a cena política brasileira foi marcada pelo conflito
entre dois modelos de desenvolvimento.
De um lado, aquilo que se convencionou chamar de “entreguismo”,
representado, sobretudo, pela UDN e baseado na proposta de
promover o desenvolvimento nacional graças à associação com os
capitais internacionais. Do outro, estava o que aprendemos a chamar
de “nacional-desenvolvimentismo”, que propunha um desenvolvimento
nacional independente do capital externo.
Buscava-se uma base na indústria pesada, no melhoramento da
infraestrutura produtiva do país e na aliança com os trabalhadores
urbanos.
 Eurico Gaspar Dutra, presidente do Brasil (1946-1951).
Os conflitos entre esses dois projetos de desenvolvimento se deram
nos quadros da Guerra Fria. O relacionamento entre os militares e a
política foi outro elemento de instabilidade nas relações políticas do
período.
Getúlio Vargas retornou à cena política em 1950, quando disputou e
venceu as eleições presidenciais. Chefiando um governo de coalizão,
que contou até com o apoio de lideranças da oligarquia paulista, como
Ademar de Barros, Vargas tentou lavar sua imagem, livrando-se da
pecha de ditador e agindo como um líder democrático.
 ATENÇÃO
Vale ressaltar que Vargas não abandonou a agenda econômica
nacionalista, industrializante e sensível aos direitos dos trabalhadores
urbanos. O ano de 1953 foi emblemático dessa agenda por conta da
fundação da Petrobras, empresa estatal cuja finalidade era monopolizar
a exploração do petróleo, e da inserção do 13° salário no conjunto das
leis trabalhistas.
A atuação do governo contrariou interesses internacionais e do próprio
empresariado nacional, radicalizando os conflitos herdados da década
de 1930, o que levou à crise do suicídio de Getúlio Vargas no ano de
1954.
Nos dez anos seguintes, a instabilidade política cresceria ainda mais,
resultando no golpe civil-militar de 1964, que instaurou a ditadura militar
no Brasil. Verificamos que, ao longo de seus vinte e um anos de
existência, esse regime montou uma estrutura jurídica autoritária e fez
da justiça uma arma contra os direitos humanos fundamentais.
CONTINUIDADES DA JUSTIÇA A
PARTIR DA
REDEMOCRATIZAÇÃO:
DESAFIOS E MANUTENÇÕES
Um especialista abordará neste vídeo as continuidades da justiça
desde a denominada redemocratização.
VERIFICANDO O APRENDIZADO
MÓDULO 3
 Descrever a jurisdição implantada ao longo do governo militar
(1964-1985)
JUSTIÇA, DIREITO E LEIS NA
DITADURA MILITAR BRASILEIRA
(1964-1985)
Em 1980, o cientista político uruguaio René Armand Dreifuss publicou o
livro que se tornaria uma referência nos estudos especializados sobre
a história da ditadura militar brasileira.
Estamos falando da monumental obra 1964: a conquista do
Estado. Você já deve ter ouvido falar dela ou até mesmo a lido,
certo?
Esse texto apresentava a seguinte tese: a intervenção militar que
derrubou o Presidente João Goulart foi um “golpe civil-militar”, já que
ela foi o resultado das conspirações planejadas entre grupos civis e
militares.
 Ideia do conceito liberdade de expressão ou decisão censurada.
Ou seja, ainda que o Exército tenha sido efetivamente o autor
institucional do golpe, o ato e o regime inaugurados por ele contaram,
em alguma medida, com a conivência de setores da sociedade civil.
A categoria “golpe civil-militar” é fundamental para a nossa reflexão,
pois nos permite pensar como a justiça, o direito e a lei foram usados
pelos governos militares para sustentar um projeto de Estado
autoritário, contando, para isso, com o apoio de algumas lideranças
jurídicas e políticas da sociedade civil.
Mas o que seria um “Estado autoritário”?
O cientista político italiano Mario Stoppino (1992, p. 94) nos ajuda a
entender tal conceito: “são regimes que privilegiam a autoridade
governamental e diminuem de forma mais ou menos radical o
consenso, concentrando o poder político nas mãos de uma só pessoa
ou de um só órgão e colocando em posição secundária as instituições
representativas”.
Stoppino (1992, p. 94) aponta ainda que a “penetração-mobilização” da
sociedade é limitada, havendo uma fronteira precisa entre Estado e
sociedade. Existe, de um lado, um pluralismo partidário suprimido, por
exemplo; e de outro, grupos que mantêm sua autonomia. Nessa
conjuntura, o governo passa a ocupar a função de árbitro, já que ele
encontra limites para seu poder.
Outro dado é que o controle da educação e dos meios de comunicação
encontra certos limites em relação à interferência governamental,
alastrando-se no impacto de médio e longo prazo, embora ele permita,
por exemplo, certo nível de oposição.
A oposição e a autonomia dos subsistemas políticos são, portanto,
reduzidas à expressão mínima, enquanto as instituições destinadas a
representar a autoridade de baixo para cima são aniquiladas ou
substancialmente esvaziadas.
Mas essa autoridade política autoritária, capaz de se impor sobre a
sociedade civil, também precisa de um arcabouço jurídico que lhe
dê uma aparência de legitimidade.
A preocupação com a legitimidade foi constante ao longo da história da
ditadura militar brasileira. Durante a maior parte de seu período de
vigência, ela manteve o Congresso Nacional funcionando, ainda que de
maneira bipartidária. O bipartidarismo era formado pelo partido do
governo, a Aliança Renovadora Nacional (Arena), e por uma oposição
moderada e constantemente constrangida, o Movimento Democrático
Brasileiro (MDB).
 Brasília, quadra 700, Asa Sul.
Os primeiros quatro anos da ditadura, entre 1964 e 1968, foram
marcados por disputas que delinearam o perfil do regime. A princípio,
havia a expectativa de que a intervenção de 1964 seria apenas
saneadora e que os militares devolveriam o poder aos civis, permitindo
a realização de eleições presidenciais já em 1965.
Era essa a expectativa de Carlos Lacerda (1914-1977), político
fluminense e aliado de primeiro momento do golpe civil-militar. No
entanto, o desenrolar dos acontecimentos levou à vitória de outro
projeto: uma ditadura militar instituída e alinhada aos EUA na
conjuntura da Guerra Fria.
Podemos dizer então que a ditadura, em seus primeiros momentos,
teve três preocupações prioritárias:
A retirada do jogo político de lideranças ligadas ao governo de João
Goulart. Essa jogada não se tratou apenas de um acerto de contas com
o trabalhismo getulista, mas também da consolidação da nova ordem
de poder e da preparação política para o saneamento econômico.
Desde o governo de Juscelino Kubitschek (1955-1960), as contas
públicas estavam desequilibras em virtude dos investimentos
desenvolvimentistas e da ampla legislação trabalhista. Nesse sentido,
foi necessária a adoção de uma agenda de ajuste fiscal que se mostrou
bastante impopular.
Para equilibrar as contas, o governo pôs em prática o Programa de
Ação Econômica do Governo (PAEG), que tinha o objetivo de reduzir
as despesas públicas e aumentar a arrecadação. O sucesso do PAEG
esteve diretamente associado ao autoritarismo político, que reprimiu os
esforços de oposição da sociedade civil.
 Tumulto em manifestação estudantil contra a ditadura militar
brasileira.
O historiador Carlos Fico (2004) argumenta que a montagem da
engrenagem político-institucional da ditadura durou anos. Para ele, é
nítida a presença de um projeto “repressivo, centralizado, coerente” no
governo de Castelo Branco.
O regime prosseguiu a partir de então, e seus governos variavam da
linha dura aos mais moderados. Essa alta patente de oficiais acreditava
que toda movimentação identificada com o comunismo (ou assim
entendida) deveriaser eliminada. Somente assim o país seria elevado
a seu máximo.
Nesse contexto, conforma-se ...
[...] O EMBATE QUE CONTRAPORIA A
LINHA DURA AOS MODERADOS (OU
CASTELISTA). [...] DE FATO, FOI AINDA
NO GOVERNO DE CASTELO BRANCO
QUE SURGIU A “FORÇA AUTÔNOMA”,
UM GRUPO DE OFICIAIS SUPERIORES
QUE SUPUNHAM SER POSSÍVEL LEVAR
O PAÍS AO SEU DESTINO DE
GRANDEZA, DESDE QUE FOSSEM
ELIMINADOS TODOS OS “ÓBICES” QUE,
NAQUELA FASE DA GUERRA FRIA,
ERAM IDENTIFICADOS COM O
COMUNISMO OU COM O QUE FOSSE
ENTENDIDO COMO TAL.
FICO et al., 2004. p. 72.
Os primeiros anos do regime também foram caracterizados pela
edificação de seu aparato jurídico, o que daria aos governos militares
autoridade para reprimir a sociedade civil e perseguir adversários
políticos.
Listaremos alguns desses atos jurídicos:
ATO INSTITUCIONAL N° 1 (9 DE ABRIL
DE 1964)
Delineou os fundamentos da LSN, que seria publicada em março de
1967, e permitiu ao governo cassar direitos políticos por um prazo de
dez anos, além de suspender a Constituição por seis meses.
ATO INSTITUCIONAL N° 2 (27 DE
OUTUBRO DE 1965)
Foi formulado como uma resposta ao resultado das eleições realizadas
no início de outubro de 1965, nas quais a oposição ao regime
conseguiu importantes vitórias. As principais determinações do AI-2
foram o aumento do poder do chefe do Executivo, a extinção do
pluripartidarismo e a regulamentação das eleições indiretas para o
cargo de presidente e vice-presidente da República.
ATO INSTITUCIONAL N° 3 (5 DE
FEVEREIRO DE 1966)
Seu principal objetivo era regular as eleições e o funcionamento da
política formal. O AI-3 estabeleceu o bipartidarismo, segundo o qual
seriam reconhecidos dois partidos políticos oficiais: a Arena, o partido
do governo, e o MDB, que seria a oposição institucional.
O AI-3 ainda determinou que as escolhas dos governadores dos
estados e dos prefeitos das capitais se dariam por indicação. Os
governadores seriam indicados pelo presidente da República; os
prefeitos das capitais, pelos governadores.
ATO INSTITUCIONAL N° 4 (7 DE
DEZEMBRO DE 1966)
Suspendeu definitivamente a Constituição e convocou uma Assembleia
Nacional Constituinte originária para a elaboração de uma nova.
Todos esses atos institucionais prepararam o caminho para a
promulgação de uma nova Constituição, o que aconteceu em 1967. A
nova Carta suspendeu o texto constitucional vigente à época, que,
como sabemos, datava de 1946 e estava fundada nos valores da
democracia liberal.
Eis algumas das principais características da Constituição de 1967:
Concentra no Poder Executivo na maior parte do poder de
decisão;
Confere somente ao Executivo o poder de legislar em matéria de
segurança e orçamento;
Estabelece eleições indiretas para presidente com mandato de
cinco anos;
Apresenta tendência à centralização, embora pregue o
federalismo;
Estabelece a pena de morte para crimes de segurança nacional;
Restringe ao trabalhador o direito de greve;
Amplia a justiça militar;
Abre espaço para a decretação posterior de leis de censura e
banimento.
Uma vez passado esse primeiro momento, o regime, já tendo o perfil
institucional e jurídico edificado, passava a cumprir outra etapa. Teve
início, desse modo, o segundo momento da história da ditadura, que se
arrastaria até 1974. Alguns autores o chamam de “terrorismo de
Estado” e anticomunismo. Foram anos marcados por muita violência.
A ditadura reprimiu ainda mais a oposição, especialmente os grupos
que se organizavam na luta armada. As necessidades de violência
institucional eram tão grandes que o regime implementou, em 1968,
outro Ato Institucional. Tratava-se do AI-5, o mais temido deles.
 Imagem do Quartel do 1º BPE, sede do DOI-CODI Rio de Janeiro.
Na prática, o AI-5 foi uma nova Constituição devido à sua
amplitude, fortalecendo mais o poder repressor do Estado do que
havia feito a Carta de 1967.
O AI-5 conferiu poderes extraordinários ao presidente da República,
cassou o privilégio de foro, suspendeu o direito de votar e ser votado
nas eleições sindicais, proibiu atividades ou manifestação sobre
assuntos de natureza política e suspendeu o direito ao habeas
corpus .
A obra do AI-5 foi completada pela Emenda Constitucional de 1969. O
grupo que chegou ao poder em 1967, sob a liderança de Alberto Costa
e Silva, estava convencido de que a Constituição de 1967 ainda era
muito branda e inadequada para o combate às oposições ao regime.
Como podemos perceber, a justiça foi um campo de exercício do
autoritarismo da ditadura. A justiça militar, que teve suas competências
alargadas, foi especialmente estratégica para os objetivos da ditadura.
É contraditório que houvesse, no grupo que exercia o poder, uma
perspectiva predominante a combinar a consciência de que uma
“contrarrevolução” contra um inimigo de classe era necessária à noção
segundo a qual certas reformas precisavam ser empreendidas para
que a sociedade brasileira se ajustasse à “modernidade” capitalista, ou
seja, aos parâmetros políticos do capitalismo internacional.
Essa contradição, frisa Lemos (2004, p. 284-285), permeou todos os
elementos da sociedade brasileira e resultou em um papel tríplice
imputado à Justiça Militar. Órgão central do aparato de coerção jurídica,
ela teve um papel estratégico como instrumento auxiliar no esforço de
legitimação do regime e, por fim, constituiu uma arena de confronto
entre correntes militares que disputavam a primazia do regime.
Em 1974, teve início o governo de Ernesto Geisel (1907-1996), que
colocou, pela primeira vez, o tema da distensão do regime em pauta.
As novas lideranças acreditavam que era necessário começar a
organizar e controlar a transição, devolvendo progressivamente o poder
aos civis.
Era a transição “lenta, gradual e legal” da qual falava Geisel.
Nesse período de desmonte da ditadura, que se arrastou por longos 11
anos em um processo não linear, descontínuo e cheio de idas e vindas,
foram formuladas diversas leis que reverteram a legislação autoritária
que vinha sendo instituída desde o AI-1, de abril de 1964.
O processo de desmonte do aparelho militar pode ser examinado a
partir de diferentes perspectivas: a interna, em relação às Forças
Armadas; e a externa, na qual se tornam importantes as relações com
as lideranças políticas civis.
Dentro das Forças Armadas, as lideranças mais próximas a Geisel
tiveram de enfrentar a resistência dos militares reunidos no grupo que,
já na época, era chamado de “linha dura”. Ele era comandado
principalmente por Silvio Frota (1910-1996), então ministro da Guerra.
Em virtude dessas disputas internas, o processo de abertura, portanto,
foi descontínuo, sendo marcado por idas e vindas e atravessado por
crises políticas.
DESTACAREMOS ALGUNS ATOS
JURÍDICOS QUE MARCARAM O
PROCESSO DE ABERTURA DO REGIME:
Em 1979, foi decretada a Lei Federal n° 6.767.
Ela extinguiu o bipartidarismo e instituiu o pluripartidarismo. Foi a
partir disso que surgiram partidos, como o PFL, o PMDB e o PT,
que seriam protagonistas na cena política da nova ordem
democrática inaugurada pela Constituição de 1988.
Também foi promulgada em 1979 a Lei nº 6.683.
Essa lei decretou a “anistia ampla, geral e irrestrita”, prevendo a
imputabilidade dos crimes cometidos durante a ditadura tanto
pela oposição como pelos agentes do Estado. Tratava-se de um
pacto já visando à nova ordem política que começava a ser
desenhada.
Em 1982, foram restauradas as eleições diretas para o cargo de
governador de Estado.
Em 1983, foi decretada a Emenda Constitucional n° 5.
De autoria do deputado Dante de Oliveira, ela propunha o
restabelecimento das eleições presidenciais. A tramitação da
“Emenda Dante de Oliveira” no Congresso Nacional foi marcada
por uma grande mobilização social conhecida como “Diretas Já”.
 Movimento “Diretas Já”, 1983.
Você com certeza já leu sobre esse movimento nos livros de
história.
As ruas das principais capitais brasileiras foram ocupadas pelas
pessoas que reivindicavam o direito de votarpara o cargo de
presidente da República. Apesar disso, a Emenda Dante de Oliveira foi
derrotada no Congresso Nacional.
Por conta disso, as eleições de 1985 ainda foram realizadas de forma
indireta. Mas, ainda assim, as “Diretas Já” mostraram que não havia
mais volta: a ditadura dava seus últimos suspiros.
Entre finais da década de 1970 e início dos anos 1980, portanto, foi
aprovado um conjunto de leis que visava ao desmonte do aparelho
ditatorial e à restauração dos direitos políticos da sociedade civil.
A JUSTIÇA NO PROCESSO DE
REDEMOCRATIZAÇÃO:
PENSANDO O STF.
Analisaremos neste vídeo aspectos importantes da atuação do STF
após a redemocratização.
VERIFICANDO O APRENDIZADO
CONCLUSÃO
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Apresentamos neste tema o papel da justiça na história do Brasil
republicano desde o seu início, na República das Espadas, até o fim de
uma fase, com a organização do governo civil-militar.
No módulo 1, reconhecemos as relações entre justiça e poder durante
a história da Primeira República brasileira (1889-1930). Nosso foco
especial era esclarecer como se deu a construção da estrutura jurídica
do regime político instituído no Brasil em novembro de 1889.
No módulo 2, identificamos o aparato jurídico desenvolvido na Era
Vargas (1930-1945), cuja política, na prática, fundou o “Brasil moderno”
caracterizado pelo lugar do Estado como centro planejador do
desenvolvimento nacional. Já no módulo 3, descrevemos a jurisdição
implantada ao longo da ditadura civil-militar (1964-1985), fazendo do
Estado brasileiro um aparelho repressivo e violador dos direitos
humanos.
Nosso objetivo foi mostrar a você como a justiça está em diálogo direto
com as disputas sociais e a política. O legislador que cria a lei, o juiz
que julga e o operador do direito não são entidades abstratas que
vivem acima da realidade social. Essas figuras fazem parte e são
atravessados por ela. Por tudo aquilo que estudamos neste tema,
percebemos que a história do direito também é um exercício de história
da sociedade: nela, não basta enumerar leis, e sim relacioná-las à
própria dinâmica social.
 PODCAST
FALA, MESTRE!
Mestres de diversas áreas do conhecimento compartilham as
informações que tornaram suas trajetórias únicas e brilhantes, sempre
em conexão com o tema que você acabou de estudar! Aqui você
encontra entretenimento de qualidade conectado com a informação que
te transforma.
Representatividade
Sinopse: A partir da perspectiva de sua própria trajetória, a Dra. Ivone
Caetano, primeira juíza negra do Estado do Rio de Janeiro e primeira
desembargadora negra do TJRJ, reflete sobre o que é
representatividade.
Sinopse: A partir da perspectiva de sua própria trajetória, a Dra. Ivone
Caetano, primeira juíza negra do Estado do Rio de Janeiro e primeira
desembargadora negra do TJRJ, reflete sobre o que é
representatividade.
Desigualdade social e racismo
Sinopse: Dra. Ivone Caetano, primeira juíza negra do Estado do Rio de
Janeiro e primeira desembargadora negra do TJRJ, reflete sobre a
relação entre desigualdade social e racismo.
Sinopse: Dra. Ivone Caetano, primeira juíza negra do Estado do Rio de
Janeiro e primeira desembargadora negra do TJRJ, reflete sobre a
relação entre desigualdade social e racismo.
O início de uma trajetória de luta
Sinopse: Dra. Ivone Caetano, primeira juíza negra do Estado do Rio de
Janeiro e primeira desembargadora negra do TJRJ, conta como
enganou a morte já na hora do nascimento, e reflete sobre como a
Educação é uma arma poderosa na luta pela igualdade.
Sinopse: Dra. Ivone Caetano, primeira juíza negra do Estado do Rio de
Janeiro e primeira desembargadora negra do TJRJ, conta como
enganou a morte já na hora do nascimento, e reflete sobre como a
Educação é uma arma poderosa na luta pela igualdade.
Qual o papel da Justiça na redução das desigualdades sociais?
Sinopse: Dra. Ivone Caetano, primeira juíza negra do Estado do Rio de
Janeiro e primeira desembargadora negra do TJRJ, discorre sobre o
compromisso que a Justiça deveria ter com a redução das
desigualdades sociais.
Sinopse: Dra. Ivone Caetano, primeira juíza negra do Estado do Rio de
Janeiro e primeira desembargadora negra do TJRJ, discorre sobre o
compromisso que a Justiça deveria ter com a redução das
desigualdades sociais.
A importância dos aliados na luta contra o racismo
Sinopse: Dra. Ivone Caetano, primeira juíza negra do Estado do Rio de
Janeiro e primeira desembargadora negra do TJRJ, conta sua trajetória
de luta contra o racismo para ingressar na magistratura, refletindo
sobre a importância de ter tido aliados ao longo desse processo.
Sinopse: Dra. Ivone Caetano, primeira juíza negra do Estado do Rio de
Janeiro e primeira desembargadora negra do TJRJ, conta sua trajetória
de luta contra o racismo para ingressar na magistratura, refletindo
sobre a importância de ter tido aliados ao longo desse processo.
Definições básicas sobre o sistema de Justiça
Sinopse: Dra. Ivone Caetano, primeira juíza negra do Estado do Rio de
Janeiro e primeira desembargadora negra do TJRJ, explica de forma
simples as divisões básicas do sistema de Justiça brasileiro.
Sinopse: Dra. Ivone Caetano, primeira juíza negra do Estado do Rio de
Janeiro e primeira desembargadora negra do TJRJ, explica de forma
simples as divisões básicas do sistema de Justiça brasileiro.
AVALIAÇÃO DO TEMA:
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, A. M. Do declínio do Estado Novo ao suicídio de Getúlio
Vargas. In : FAUSTO, B. História geral da civilização brasileira. Tomo
III. v. 3. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997.
BARBOSA, R. Eleição direta. In : BARBOSA, R. Obras completas de
Rui Barbosa. v. 2. 1872-1874. Tomo II. Rio de Janeiro: Ministério da
Cultura/Fundação Casa de Rui Barbosa, 1987.
BERLIN, I. Quatro ensaios sobre a liberdade. Brasília: UNB, 1981.
CARVALHO, J. M. de. Os bestializados: o Rio de Janeiro e a república
que não foi. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 1988.
D’ARAUJO, M. C. (Org.). Getúlio Vargas. Brasília: Câmara dos
Deputados, 2011.
DINIZ, E. O Estado Novo: Estrutura de poder e relações de classes.
In : FAUSTO, B. História geral da civilização brasileira. Tomo III. v. 3.
Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997.
DREIFUSS, R. A. 1964: a conquista do Estado. Ação política, poder e
golpe de classe. Petrópolis: Vozes, 1980.
FAUSTO, B. A Revolução de 1930: história e historiografia. São Paulo:
Companhia das Letras, 1997.
FERREIRA, M. M.; PINTO, S. C. S. A crise dos anos 1920 e a
Revolução de 1930. Rio de Janeiro: CPDOC, 2006.
FICO, C. et. al. 1964-2004 - 40 anos do golpe: ditadura militar e
resistência no Brasil. Rio de Janeiro: 7 letras, 2004.
GOMES, A. de C. Confronto e compromisso no processo de
constitucionalização. In : FAUSTO, B. História geral da civilização
brasileira. v. 3. Tomo III. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997. p. 9-75.
LEMOS, R. Justiça militar e processo político no Brasil (1964-
1968). In : FICO, C. et. al. 1964-2004 - 40 anos do golpe: ditadura
militar e resistência no Brasil. Rio de Janeiro: 7 letras, 2004.
LYNCH, C. A utopia democrática: Rui Barbosa entre o Império e a
República. In : SENNA, M. de. Rui Barbosa em perspectiva: seleção
de textos fundamentais. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui
Barbosa, 2007. p. 37-66.
PINTO, S. C. S.; CASTRO, T. de S. O Poder Judiciário na Primeira
República: revisitando algumas questões. In : Locus: revista de
história. v. 25. n. 2. Juiz de Fora. 2019. p. 37-58.
RIBEIRO, G. S. Cidadania e luta por direitos na Primeira República:
analisando processos de justiça federal no Supremo Tribunal Federal.
In : Revista Tempo. out. 2008. p. 101-117.
STOPPINO, M. Autoritarismo. In : BOBBIO, N. Dicionário de política.
Brasília: UNB, 1992.
VARGAS, G. [Discurso]. Annaes da Assembleia Nacional
Constituinte. v. 1. Rio de Janeiro. 1933. p. 53.
EXPLORE+
LEIA ESTES ARTIGOS:
MASCARO, A. L. A filosofia do direito e seus horizontes. In : Cult.
Consultado em meio eletrônico em: 27 jan. 2021.
WESTIN, R. Com golpedado por Getúlio, Brasil ficou nove anos
sem Senado. In : Senado Notícias. Publicado em: 4 out. 2016.
PESQUISE NA INTERNET OS SEGUINTES
VÍDEOS:
CÂMARA DOS DEPUTADOS. O golpe militar de 1964 faz 50 anos
nesta segunda-feira. Publicado em: mar. 2011.
TV CULTURA. A guerra dos paulistas: a revolução constitucionalista
de 32. Publicado em: 30 nov. 2011.
UNIVEST. 1985 - 30 anos de democracia: Diretas Já. Publicado em: 6
out. 2015.
OUÇA ESTE PODCAST:
BONFIM, E. A história do AI-5: o mais duro golpe da ditadura. In :
Estadão. Publicado em: 1. nov. 2019.
CONTEUDISTA
RODRIGO PEREZ OLIVEIRA
 CURRÍCULO LATTES
javascript:void(0);

Continue navegando