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Introdução a Criminologia livro 2

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INTRODUÇÃO
Até chegarmos na contemporaneidade, com a aplicação do cárcere punitivo como principal modalidade de
punição no funcionamento de um Estado Democrático de Direito, comprometido com o respeito aos direitos
fundamentais básicos inerentes a todo ser humano, o pensamento criminológico sofreu profundas
modi�cações na sociedade ocidental.
O primeiro momento crucial para a compreensão do pensamento criminológico reside no século XVIII, com a
criação da Escola Clássica e, posteriormente, no século XIX-XX, com a Escola Positivista. É sobre essas duas
escolas importantíssimas ao estudo da criminologia que falaremos nessa aula, compreendendo como suas
teorias explicavam a criminalidade e justi�cavam a intervenção estatal. Vamos começar?
O CRIME E O SISTEMA PENAL SEGUNDO A ESCOLA CLÁSSICA
A Escola Clássica é conhecida como a primeira etapa da reforma penal que possibilitou o desenho da estratégia
punitiva da modernidade. Surgida durante o século XVIII na Europa e com especial protagonismo por sua
in�uência na reforma das penas promovida pela Revolução Francesa, essa vertente de interpretação do
pensamento criminológico questionava os limites do poder do soberano na aplicação de seu poder de punir.
Frente ao contexto social da época, que apresentava crise econômica e social profunda e grande insatisfação
popular, os interesses da Escola Clássica convergem com os valores defendidos pelo movimento iluminista, que
culmina na Revolução Francesa e promove a reforma penal que origina, com o Código Criminal Francês de 1791,
o cárcere punitivo.
Nomes importantes estão ligados a essa escola de pensamento criminológico, tais como Francesco Carrara e
Cesare Beccaria, e o objetivo do pensamento criminológico pela Escola Clássica era superar as velhas formas de
punição pautadas pelos castigos físicos e pelo suplício. O uso da racionalidade contra o antigo regime,
entendido pelo movimento iluminista como manifestações “irracionais de tirania”, motivou a Escola Clássica a
reformular o sistema penal para adequá-lo à necessidade de maior liberdade política e econômica. Como bem
ensina Ana Luísa Flauzina (2008, p. 16): “da selvageria à humanização, eis o slogan que contempla todo o
esforço intelectual dos teóricos clássicos”.
Rotulando o absolutismo e criticando-o por seus excessos em matéria penal, a Escola Clássica, em nome da
defesa social e do bem da coletividade, lança mão de um direito que se baseia em uma aritmética punitiva e
com �ns utilitaristas (ANDRADE, 2003).
Nesse momento do pensamento criminológico, os teóricos interpretam ao delinquente como alguém normal,
não enxergando em sua �gura qualquer anomalia. Assim, o estudo da criminologia nesse período foca na
substituição do sistema dos suplícios, que promovia verdadeiro espetáculo de selvageria em praça pública e se
Aula 1
A ESCOLA CLÁSSICA E POSITIVISTA
Duas escolas importantíssimas ao estudo da criminologia que falaremos nessa aula,
compreendendo como suas teorias explicavam a criminalidade e justi�cavam a intervenção
estatal
45 minutos
apresentava abusivo em suas práticas perante a opinião popular, por um sistema interpretado como “mais
humano”, em respeito à “racionalidade” propagada pelo movimento iluminista.
Porém, como bem atenta Foucault (2001, p. 77): “humanidade é o nome respeitoso dado a essa economia e a
seus cálculos minuciosos. Em matéria de pena, o mínimo é ordenado pela humanidade e aconselhado pela
política”.
O que os autores clássicos chamavam de “humanização da pena”, de acordo com Foucault (2001), não passou
da substituição de um sistema violento por outro, que, dessa vez, se construiria de forma muito mais complexa
em sua aritmética punitiva para perseguir aos �ns utilitários determinados pelos grupos sociais que
monopolizam o poder do Estado. Por isso, como diz Foucault (2001), no novo sistema, o mínimo é delimitado
pela “humanidade”, mas sempre passando pelos aconselhamentos – e interesses – da política.
Com o Classicismo, inaugura-se um “direito penal do fato”, que não se concentrou em estudar a �gura do
criminoso, mas, sim, que investiu na substituição do sistema dos suplícios, com castigos estritamente corporais
cuja execução se dava publicamente, para um sistema que mais bem se enquadrou nas necessidades criadas
pelos valores da modernidade iluminista: o cárcere punitivo.
VIDEOAULA: O CRIME E O SISTEMA PENAL SEGUNDO A ESCOLA CLÁSSICA
Aula em vídeo sobre as perspectivas das teorias da Escola Clássica e seus aportes ao pensamento criminológico.
O CIENTIFICISMO DA ESCOLA POSITIVA
A Escola Positivista do pensamento criminológico surge no século XIX, no contexto social de uma Europa em
desenvolvimento. Sua principal característica foi refutar a vertente criminológica exposta pelos aportes da
Escola Clássica do pensamento criminológico, que localizou o centro da discussão criminal no delito, tomando-o
como principal objeto de estudo da criminologia.
Para a Escola Positivista, a criminalidade seria mais bem explicada – e, consequentemente, controlada –
partindo-se do estudo da �gura do delinquente como principal objeto de estudo. Diferentemente dos teóricos
clássicos, que defendiam a teoria da responsabilidade penal com base no livre-arbítrio, os positivistas, tais como
Cesare Lombroso, Enrico Ferri e Rafaelle Garófalo, interpretavam o “crime” como um ente ontológico, um
fenômeno natural, efetivamente existente no mundo para ser observado e o criminoso como portador de uma
patologia, a qual determinava suas ações delitivas. Pela perspectiva positivista, portanto, o delinquente não era
livre para escolher atuar de acordo com a lei, já que se entendia que uma “patologia” inerente à sua condição
humana lhe impedia.
Com a Escola Positivista do pensamento criminológico surge, portanto, um “direito penal do autor”, que, uma
vez mais, em nome da defesa dos interesses sociais e do bem-estar da coletividade, investe sobre o delinquente
para buscar resolver o problema da criminalidade.
Nesse sentido, como bem ensina Vera Regina Pereira de Andrade (2003, p. 252):
Para visualizar o objeto, acesse seu material digital.
É chegado pois o dia, no século XIX, em que o “homem” (re)descoberto no criminoso, se
Juntas, essas duas vertentes, que em um primeiro momento parecem se anular, atuam em caráter
complementar, legitimando o controle penal e o cárcere punitivo por meio da defesa de uma “ideologia da
defesa social” e construindo as bases do sistema punitivo e penal moderno.
Essa ideologia, pilar comum de ambas as vertentes criminológicas mencionadas, acaba por introjetar na
sociedade e na tradição jurídico-penal das sociedades ocidentais algumas concepções sobre a criminalidade
que, até hoje, ainda surtem efeitos. 
De acordo com Alessandro Baratta (2002), os principais aportes de ambos os movimentos podem ser
sintetizados nos pontos a seguir:
1.  Princípio do bem e do mal: o delinquente representa o “mal” enquanto a lei e o poder punitivo do Estado
representam o “bem”;
2.  Princípio da legitimidade: o Estado tem legitimidade para aplicar seu poder de punir quem pratica
condutas criminosas;
3.  Princípio da igualdade: as normas do Direito Penal devem ser aplicadas de forma igualitária a todos;
4.  Princípio do interesse social: o sistema penal sob o comando do aparato estatal atua para resguardar ao
interesse da coletividade;
5.  Princípio da �nalidade ou da prevenção: para não ser considerada desumana, a pena deverá cumprir,
além da função retributiva, uma função especial, visando a prevenção da criminalidade.
Apesar de ainda surtirem efeitos atualmente no âmbito jurídico-penal, esses princípios serão reformulados
posteriormente, de acordo com as contribuições da criminologia crítica ao pensamento criminológico.
VIDEOAULA: O CIENTIFICISMO DA ESCOLA POSITIVA
Aula em vídeo sobre as principais características da Escola Positivista e suas contribuições para o pensamento
criminológico.
O POSITIVISMO E A CRIMINOLOGIA RACISTA
O movimento positivistafoi uma corrente de pensamento �losó�co, sociológico e político do século XVIII e XIX
que defendia que o conhecimento cientí�co e a racionalidade conduziriam a humanidade ao “progresso”. No
entanto, como bem atenta Iñaki Rivera Beiras (2016, p. 27), esse projeto que, pautando-se pelos valores
tornou o alvo da intervenção penal, o objeto que ela pretende corrigir e transformar, o
domínio de Ciências e práticas penitenciárias e criminológicas. Diferentemente da
época das luzes em que o homem foi posto como objeção contra a barbárie dos
suplícios, como limite do Direito e fronteira legítima do poder de punir, agora o homem
é posto como objeto de um saber positivo. Não mais está em questão o que se deve
deixar intacto para respeitá-lo, mas o que se deve atingir para modi�cá-lo.
Para visualizar o objeto, acesse seu material digital.
iluministas, quis ser libertador através da razão, se assentou desde o princípio sobre uma nova espécie de mito:
“[...] a falsa representação da ordem ocidental como cenário do desenvolvimento do progresso, da razão”.
É sob essa perspectiva que surge a Escola Positivista do pensamento criminológico, aproximando o estudo do
crime das metodologias objetivas, próprias das ciências naturais, legitimando um longo período de
discriminação, preconceitos e desumanidades realizadas pelos aparatos punitivos do Estado em nome da
defesa do “bem comum” e do interesse social.
Nesse momento em que o homem delinquente passa a ser o principal objeto da criminologia, se produz uma
tentativa de enquadrar a biologia e a física como modelos explicativos da diversidade humana e surge a ideia de
que as características biológicas e as condições ambientais na qual se inserem os sujeitos delinquentes seriam
capazes de explicar diferenças morais, psicológicas e intelectuais. 
Os autores positivistas inspiram-se pelos aportes de duas correntes criminológicas anteriores: �sionomista e
frenologia. Para os �sionomistas, as características físicas dos indivíduos ganham importância na compreensão
do comportamento criminal. Acreditava-se, por exemplo, que sujeitos considerados “mais feios” tinham mais
chances de cometer crimes. A frenologia, por sua vez, se ocupava da análise interna da mente do indivíduo,
tentando identi�car funções anímicas do cérebro com o intuito de relacionar e explicar comportamentos
criminosos pela má-formação cerebral.
Três dos principais autores da criminologia positiva são:
•  Cesare Lombroso, criador da Antropologia Criminal, interpretava o criminoso como um “acidente da
natureza”, que apresenta anomalias anatômicas e psicológicas do “homem primitivo”, sendo um ser inferior na
evolução humana e, portanto, apresentando comportamento nato à criminalidade (determinismo biológico).
•  Enrico Ferri negava o livre-arbítrio, defendendo a tese da responsabilidade social (o homem só é responsável
porque vive em sociedade). Interpreta o delito como fenômeno social, determinado por causas naturais
(determinismo social), de�nidos simultaneamente por duas ordens de fatores: (i) condições individuais do
criminoso e (ii) as condições do meio físico e social em que o indivíduo nasce e atua. 
•  Ra�aele Garofalo interpreta o crime como resultado da expressão da natureza interna e degenerada do
indivíduo, criando uma distinção entre dois grupos delitivos: (i) os delitos legais (ex.: ações contra o Estado), e (ii)
os delitos naturais, que ofendem os “sentimentos altruístas fundamentais de piedade e probidade” (ex.:
homicídios, agressões).
Essa ideia serviria também para legitimar o tratamento diferente das raças nos mais diversos âmbitos da vida
em sociedade e dentro da criminologia, posteriormente, se intitularia a vários aportes desse período como
parte de uma “criminologia racista”. O racismo cientí�co foi responsável por fundamentar a pele não branca e,
mesmo, o clima tropical como características que favoreceriam o surgimento de comportamentos imorais,
lascivos e violentos, indicando pouca inteligência e risco de criminalidade.
O Brasil, como país tropical e predominantemente negro, sofreu profundos impactos devido a essa distinção
cientí�ca racista, a partir da qual a mistura das raças, em pleno contexto pós-escravista, passa a ser vista como
algo a ser evitado (ALMEIDA, 2019). Trataremos em outra oportunidade os impactos desse racismo
criminológico no âmbito brasileiro. 
VIDEOAULA: O POSITIVISMO E A CRIMINOLOGIA RACISTA
Aula em vídeo sobre a criminologia positivista e sua in�uência na vertente racista do pensamento criminológico.
ESTUDO DE CASO
Com o objetivo de melhor compreender como a vertente de pensamento da criminologia positivista in�uenciou
no âmbito jurídico-penal brasileiro, analisemos a seguir o disposto no art. 59 do Código Penal (BRASIL, 1940)
atualmente vigente no Brasil:
Considerando o texto legal retirado do Código Penal de 1940 e compreendendo os impactos que os dispositivos
desse diploma legal produzem, ainda hoje, na prática do Direito Penal brasileiro, re�ita e responda: você
consegue identi�car, no artigo de lei citado, as contribuições do movimento de pensamento criminológico
positivista na formação da norma jurídico-penal? Produza um texto identi�cando as principais in�uências das
contribuições positivistas no art. 59 do Código Penal de 1940 citado anteriormente.
RESOLUÇÃO DO ESTUDO DE CASO
Com relação à in�uência positivista na constituição do Código Penal de 1940, há que mencionar-se que tanto
conceitos e teorias da Escola Clássica quanto da Escola Positiva surtiram efeitos no diploma penal brasileiro.
Porém, como bem observa Roberto Lyra (1956, p. 126), “são os princípios da Escola Positiva que fornecem a
tônica individualizadora, o talhe subjetivista, o porte defensista” da referida legislação. 
O art. 59 citado no problema representa uma das principais contribuições da corrente positiva na produção do
Código Penal de 1940, já que o dispositivo legal mencionado representa a �xação de três aspectos cruciais do
Positivismo na tradição jurídico-penal brasileira: (i) a consideração da personalidade do criminoso; (ii) os motivos
que levaram ao cometimento da conduta criminal e (iii) os critérios de individualização da pena no momento de
�xação da punição junto ao sistema penal. A valorização da �gura do delinquente, tão própria do Positivismo,
aparece de forma bastante clara no texto legal citado quando se observa, no caput a determinação de que o
juiz, para �xar a pena, tome em consideração fatores como “os antecedentes criminais do sujeito”, sua “conduta
social” e sua “personalidade”. Todos esses termos abstratos e subjetivos referem-se à intenção da Escola
Positivista em identi�car a “periculosidade” do agente ao considerar seus aspectos pessoais.
Para visualizar o objeto, acesse seu material digital.
Art. 59 - O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à
personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime,
bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e
su�ciente para reprovação e prevenção do crime:
I - as penas aplicáveis dentre as cominadas;
II - a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos; 
III - o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade; 
IV - a substituição da pena privativa da liberdade aplicada, por outra espécie de pena, se
cabível.
Como o Código Penal de 1940 ainda é aplicável em 2021, é evidente que o Positivismo ainda in�uencia – e muito
– a prática do sistema penal brasileiro. Contudo, por vezes, essa in�uência continua legitimando injustiças e
preconceitos – especialmente em um país como o Brasil que apresenta uma tradição histórico-cultural de
discriminação e racismo.
É, portanto, nesse nível de complexidade que os fundamentos da corrente de pensamento criminológico
positivista ainda hoje impactam a realidade jurídico-penal brasileira e é para desmarcara-los e modi�cá-los que
você deve estudá-los.
 Saiba mais
Sessões de cinema paraaprender mais sobre a criminologia:
•  “O médico alemão” (2013)
O �lme de Lucia Puenzo trata da história de uma família argentina que, viajando pelo deserto da Patagônia
em 1960, acaba conhecendo o médico alemão Josef Mengele, com quem convive por dias sem saber de
sua identidade verdadeira: era um nazista, responsável por diversos experimentos com humanos nos
campos de concentração e que, agora, se escondia na América do Sul.
A obra é interessante para compreender melhor os re�exos que as vertentes positivistas do pensamento
criminológico tiveram na história da humanidade. Isso porque os experimentos realizados com humanos
no interior dos campos de concentração nazista correspondem, justamente, a uma das inúmeras
atrocidades que o determinismo biológico possibilitou.
Apesar de se tratar de história de �cção, o personagem do médico alemão é baseado em �gura histórica e
a trama conversa, por vezes, com fatos e contexto reais. Vale a pena assistir!
•  “Labirinto de mentiras” (2014)
Essa obra de �cção de Giulio Ricciarelli conta uma história, baseada em fatos, de um promotor público da
década de 1950 na Alemanha que descobre que vários ex-nazistas voltaram à vida normal sem receber
punição após cometerem atrocidades na gerência de altos cargos no Terceiro Reich.
O �lme é fascinante para entender mais sobre o nazismo e identi�car um pouco mais sobre a in�uência
das teorias deterministas na Alemanha Nazista e os absurdos que se construíram em nome do “progresso”
do ocidente. Não deixe de conferir e continuar re�etindo sobre a matéria!
Para visualizar o objeto, acesse seu material digital.
Aula 2
A ESCOLA SOCIOLÓGICA
Vamos nos aproximamos da con�guração contemporânea da criminologia
49 minutos
INTRODUÇÃO
A Escola Sociológica é uma entre tantas denominações utilizadas para se referir ao momento da ruptura do
pensamento criminológico em que os investigadores deixam de estudar a criminalidade por meio apenas do
delito e da �gura do delinquente, passando a estudar, também, a vítima e, principalmente, a in�uência do
ambiente e do controle social na explicação e correta compreensão do fenômeno criminal.
É sobre esse momento em que os conhecimentos sociológicos, que proporcionam uma visão macrossociológica
do fenômeno criminal, ganham importância e destaque dentro do pensamento criminológico o que vamos
tratar nesta aula. Com as contribuições desse período, �nalmente, vamos nos aproximamos da con�guração
contemporânea da criminologia. Vamos começar?
A ESCOLA DE CHICAGO
A Escola de Chicago é uma vertente de pensamento cuja importância mais relevante se dá nas décadas de 1920
e 1930, surgida junto à Universidade de Chicago, nos Estados Unidos. Se a Escola Clássica estudava a
criminalidade a partir do delito e a Escola Positiva, por meio do delinquente, com a Escola de Chicago, o
fenômeno criminal passa a ser estudado por meio do entorno social, focando nas agências de controle social
informal.
O objeto de estudo dessa vertente criminológica, portanto, deixa de focar no delito e no criminoso para
descobrir quais são as condições sociais que in�uenciam a criminalidade. A tese principal da referida vertente
para explicar a criminalidade reside, portanto, na ideia de que o delito se trata de um fato social, reativo a
condições ambientais e sociais de cada local e tempo. 
Uma das vertentes de pensamento da Escola de Chicago é a ecologia criminal, que busca interpretar a dinâmica
das cidades como um organismo vivo, correlacionando o fenômeno criminal a uma diversidade de fatores
sociais. As contribuições dessa vertente foram muito importantes para compreender, controlar e combater de
forma mais e�ciente a criminalidade urbana (VOLD et. al., 1998). Porém, é com a obra de Edwin Sutherland que
a Escola de Chicago apresenta seu maior avanço.
A Teoria dos Contratos Diferenciais foi a primeira contribuição do autor. Por tal teoria, entende-se a conduta
criminal como um comportamento aprendido, adquirido socialmente por in�uência do meio social em que o
sujeito está submetido. Para Sutherland e para a Escola de Chicago, portanto, o crime não era compreendido
como algo herdado ou inventado, mas, sim, como uma ação aprendida da integração social, que pode ocorrer
de forma normal ou diferenciada. Diz-se Teoria dos Contratos Diferenciais, justamente, porque o aprendizado
“diferencial” é aquele que gera e mantém as condutas criminais, enquanto o aprendizado “normal” seria aquele
em que o entorno social e as relações interpessoais não ensinaram comportamentos delitivos aos sujeitos.
Sobre isso, ainda, defende John Tierney (2006, p. 93):
Nessa formulação, Sutherland se encontra argumentando que a delinquência é
aprendida da mesma forma como se aprende qualquer outro tipo de comportamento.
Através da associação diferencial, o indivíduo não só aprende a cometer crimes – por
exemplo, como quebrar um veículo – mas, também, aprende a perspectiva moral e as
motivações que propiciam o comportamento criminal.
Há, ainda a Teoria das Subculturas Criminais, outra teoria de fundamental importância à construção da
criminologia sociológica. Considerando sua primeira teoria e a ideia de que o comportamento delitivo é
aprendido pelo delinquente, Sutherland compreende que existem certos contextos em que funciona uma
espécie de cultura paralela, uma subcultura em que o comportamento criminal aprendido é naturalizado e, até
mesmo, valorizado, e para exempli�car suas premissas, o autor inicia o estudo dos crimes de “colarinho branco”
– crimes cometidos pelos poderosos e que, por vezes, são aqueles que criam e executam as leis.
O referido autor entendeu em tal teoria que os "não criminosos", os titulares e criadores das leis, não eram
imaculados, mas também cometiam crimes e, por vezes, até mais graves e com mais frequência que os demais
sujeitos da sociedade. A diferença destes para os criminosos comuns, no entanto, era que muitos desses
comportamentos sequer eram classi�cados como crime. Ambas as teorias mencionadas apresentam
fundamental importância para a construção da Criminologia Crítica. Sobre isso, no entanto, trataremos a seguir.
VIDEOAULA: A ESCOLA DE CHICAGO
Aula em vídeo sobre a ecologia criminal, vertente sociológica do pensamento criminal também surgida junto à
Escola de Chicago.
AS TEORIAS SOCIOLÓGICAS
Após as catástrofes produzidas na primeira metade do século XX com as Guerras Mundiais e considerando as
contribuições obtidas pelas teorias sociológicas, a ruptura com a tradição positivista efetivamente ocorre com
as obras que constroem a Teoria do Etiquetamento ou do interacionismo simbólico.
A Escola de Chicago, como visto, já compreendia o crime como um fato social, isto é, nem individual, nem
patológico, mas, sim, um fenômeno social, reativo aos fatores socioculturais. No entanto, é com a Teoria do
Etiquetamento que a ruptura começa a se efetivar porque é com suas contribuições que a criminologia passa,
�nalmente, a compreender o crime como um fato que se consuma como uma construção social, criado por
meio da lei e que, por vezes, pode ser instrumentalizado em favor de interesses escusos por in�uência tanto
das agências de controle social informal, mas, principalmente, pelas agências de controle formal.
Aproveitando as conclusões de Sutherland sobre as subculturas criminais e dos contratos diferenciais, autores
como Erving Go�man e Howard Becker passam a identi�car que a criminalidade não é um fenômeno ontológico
ou uma tendência inerente a determinados sujeitos, mas, sim, é resultado de um processo de “etiquetamento”
social.
Se a criminalidade é um fato social construído por meio da legislação, quem produz a legislação também
determina quais condutas serão consideradas crimes e, consequentemente, quais características pessoais, de
quais grupos sociais e quais fatores sociais, econômicos e culturais constituirão o indivíduo delinquente. Ou
seja, a Teoria do Etiquetamento revela a in�uência das agências de controle informal, mas, principalmente,das
agências de controle formal, que criam e executam as leis, conhecem a dinâmica e explicam a criminalidade.
A ideia principal que resume a Teoria do Etiquetamento é a de que as noções de crime e de criminoso são
construídas socialmente partindo-se da de�nição legal, bem como das ações e das agências de controle social
formal, os dois mecanismos que determinariam quais comportamentos – e quais indivíduos – seriam
considerados “inimigos” da sociedade, delinquentes e, por isso, devem ser apartados do convívio social.
Para visualizar o objeto, acesse seu material digital.
Nesse sentido, os estudos marxistas contribuíram muito na compreensão sobre quais seriam, portanto, os
possíveis interesses que guiavam a dinâmica da criminalidade correlacionada aos interesses das agências de
controles social formal e informal, e as causas dessa problemática se revelaram, para esses investigadores, na
dinâmica do capital.
A esse respeito, Gabriel Anítua (2005, p. 430) ensina sobre os autores marxistas:
Os autores marxistas, ao estudarem a punição, descobrem em sua dinâmica histórica uma economia política
que coincidentemente servia muito bem à manutenção do sistema econômico capitalista e, claro, à manutenção
do status quo, com a proteção dos privilégios centenários das elites.
Assim, portanto, passa-se a compreender que tanto a criminalidade quanto a vitimização podem ser formadas
por meio do etiquetamento de setores especí�cos da sociedade, e o controle social toma o protagonismo na
compreensão da criminalidade. A partir daí, o pensamento criminológico vai se tornando cada vez mais crítico,
compreendendo que a criminalidade é um fenômeno social complexo, que precisa ser estudado considerando
seus quatro objetos de estudo, com especial enfoque ao controle social.
VIDEOAULA: AS TEORIAS SOCIOLÓGICAS
Aula em vídeo sobre as teorias sociológicas do pensamento criminológico (teorias marxistas e Teoria do
Etiquetamento).
A CRIMINOLOGIA CRÍTICA
Para entender a perspectiva da criminalidade de acordo com a Criminologia Crítica, inevitavelmente, há que
acercar-se primeiramente da Teoria Crítica da Escola de Frankfurt. Walter Benjamin, judeu e alemão que morreu
fugindo da perseguição nazista, foi um de seus principais expoentes e críticos do mito da “razão iluminista” e do
ideal de “progresso” para conduzir a humanidade e determinar o que seria o “bem-estar” da coletividade.
Benjamin defendeu que a ideia de progresso não foi capaz de evitar a catástrofe nazista e tantas outras que
tiveram lugar na modernidade ocidental. Na verdade, denunciou que esse “progresso” se constrói sobre ruínas
e cadáveres de milhares de pessoas, que são encarados pela “história o�cial” do Estado como “os custos” desse
“progresso”. Porém, como Benjamin atenta, para que a história o�cial do Estado aconteça, paralelamente, ela
também gera, paralelamente, uma outra história que conta o relato desde a perspectiva das vítimas que deixa,
e que se con�gura como uma verdadeira “tradição dos oprimidos” (BENJAMIN, 2006).
Nesse sentido, como ensina Rivera Beiras (2016, p. 27):
Rusche ensinará que a pena, e em concreto, a prisão, depende do desenvolvimento do
mercado de trabalho: o número da população encarcerada e seu tratamento no interior
do cárcere depende do aumento ou diminuição da mão de obra disponível no mercado
de trabalho, e da necessidade que dela tenha o capital.
Para visualizar o objeto, acesse seu material digital.
Assim, foi inspirando-se principalmente pela Teoria Crítica dos Frankfurtianos e considerando as contribuições
das teorias sociológicas prévias que a Criminologia Crítica surge e toma especial força durante a década de 1970
nos Estados Unidos, �gurando como uma corrente de embate, que buscava lutar contra a criminologia
tradicionalista e racista.
A Criminologia Crítica adota como objeto de estudo as instâncias de aplicação do sistema – seja para sua
reforma ou sua eliminação –, sempre considerando uma carga crítica e considerando o crime a partir da
perspectiva do “mais fraco”, com uma perspectiva de con�ito – como o marxismo e o feminismo –, com o
objetivo de tentar eliminar essa fragilidade ou desigualdade. 
Dentre as principais correntes surgidas dessa vertente criminológica encontram-se os abolicionistas, que
defendem que a solução para o enfrentamento das injustiças do sistema penal é, justamente, promover a
descriminalização de determinadas condutas e, mesmo, a erradicação das penas. Há, ainda, correntes menos
radicais que advogam pelo “direito penal mínimo”, como é o caso do garantismo de Luigi Ferrajoli e Alessandro
Baratta, por meio da qual defende-se que é através de legislações fortes e protetivas, as quais respeitam ao
máximo os direitos fundamentais e as garantias processuais, que se poderá coibir as possíveis arbitrariedades
judiciais e proteger o processo penal dos excessos promovidos pela possível instrumentalização do sistema
penal.
Essa corrente também levou em consideração sua compreensão do momento histórico anterior, considerando
que o objeto de estudo não deve ser o crime, mas os dispositivos que geram e manejam esse crime,
substituindo em de�nitivo a abordagem etiológica do Positivismo por uma abordagem macrossociológica, que
considerasse a criminalidade de forma estrutural.
Assim, portanto, a Criminologia Crítica gera uma ruptura de�nitiva, expandindo os horizontes do pensamento
criminológico, que passa a interpretar as falhas da teoria jurídico-penal até ali construída e, compreendendo as
problemáticas estruturais da sociedade, advoga por um Direito Penal e uma criminologia que se ocupe em
proteger os grupos sociais dominantes das investidas injustas por trás do sistema penal.
VIDEOAULA: A CRIMINOLOGIA CRÍTICA 
Aula em vídeo sobre o surgimento e as características da Criminologia Crítica.
ESTUDO DE CASO
[…] A Teoria Crítica que a�orava na Escola de Frankfurt partia de uma experiência
dolorosa: a humanidade não somente já não avançava para o caminho da liberdade,
para a plenitude do Iluminismo, senão, retrocede e se funde em um novo gênero de
barbárie: o conhecimento dos primeiros “lager” e, por �m, o Holocausto, demonstraram
a dialética indicada.
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Walter Benjamin, o judeu alemão e investigador expoente da Teoria Crítica da Escola de Frankfurt, antes de
perder sua vida tentando escapar do regime nazista que o perseguia, fez uma profunda re�exão sobre o quadro
“Angelus Novus”, de Paul Klee. A interpretação de Benjamin sobre a referida obra é uma verdadeira aula de
�loso�a, sociologia e criminologia, e pode ser observada a seguir:
“Angelus Novus”, de Paul Klee.
Fonte: Beiras (2011, p. 41).
Como se vê, Benjamin critica a história contada apenas pelo ponto de vista dos vencedores, apontando a falácia
que uma observação mais apurada dos fatos revela no caminho da humanidade em direção ao “progresso”.
No Brasil, um país que se constrói sobre a tradição social, política, econômica e cultural da Europa ocidental, e
que leva em sua bandeira os mandamentos “ordem e progresso”, remetendo diretamente aos valores
iluministas, evidentemente que essa tendência também se apresentaria junto ao sistema penal.
Nesse sentido, é por meio de uma política criminal punitivista, por tantas vezes afastada das contribuições da
Criminologia Crítica, que o Estado brasileiro segue, diariamente, punindo milhares de brasileiros, enviando-os à
experiência do “estado de coisas inconstitucional” que é a realidade do cárcere brasileiro.
Há um quadro de Paul Klee que se chama “Angelus Novus”. Nele se vê um anjo, ao que
parece, no momento de afastar-se de algo sobre o qual este tem seu olhar cravado.
Tem os olhos arregalados, a boca aberta e as asas estendidas. O anjo da história deve
ter esse aspecto. Seu rosto está virado para o passado. E no que, para nós, aparece
como uma cadeia de acontecimentos, ele vê uma catástrofe única, que se acumula aos
seus pés, ruína sobre ruína, amontoando-se sem parar.O anjo gostaria de deter-se,
para despertar aos mortos e recompor aos destruídos. Mas uma tempestade sopra
desde o paraíso e se prende às suas asas com tanta força, que ele já não pode mais
fechá-las. Essa tempestade o arrasta de forma irresistível em direção ao futuro, ao qual
ele vira as costas, enquanto o acúmulo de ruínas cresce frente a ele em direção ao céu.
Essa tempestade é o que nós chamamos de progresso. 
— (BENJAMIN, 2006, p. 226)
Considerando a crítica ao “progresso” e à linearidade histórica realizada por Benjamin na interpretação do
quadro apresentado, e considerando todo o aprendido sobre a evolução do pensamento criminológico até o
surgimento da Criminologia Crítica, re�ita e responda: você consegue identi�car a in�uência do controle social
formal na criminalidade e compreender a visão crítica sobre o “anjo da história” de Benjamin? O sistema
jurídico-penal brasileiro, ao perseguir os ideais de “ordem e progresso”, tem respeitado os direitos
fundamentais e perseguido o “bem-estar” e o interesse coletivo tal como se propõe? Redija um texto crítico
expondo suas observações e re�exões.
RESOLUÇÃO DO ESTUDO DE CASO
O que Benjamin faz, ao re�etir sobre o quadro de Paul Klee e apresentar sua interpretação crítica sobre o “anjo
da história”, é deixar claro que o ideal de “progresso” baseado na “razão” ocidental não foi capaz de conduzir a
humanidade à paz. Em nome desse “progresso” da “civilização” ocidental não apenas não se evitou que
catástrofes ocorressem como, em realidade, se legitimou que episódios de profunda desumanidade, que
produziram graves danos sociais, pudessem ocorrer sob a proteção da própria lei. Um exemplo dessas
atrocidades, in�uenciada pela ideia de “progresso” iluminista e legitimada pela legislação do Estado foi o
Holocausto judeu, que ocorreu na Alemanha Nazista e do qual o próprio Walter Benjamin foi vítima.
No texto citado, Benjamin se refere ao anjo e à sociedade de formas bastante distintas, e é nessa distinção que
reside a lição que o autor quer passar. O anjo da história de Benjamin apresenta em seu rosto a expressão de
horror e desespero esperada de alguém que vê diante de seus olhos o “�m do mundo” ocorrer, mas se encontra
incapacitado de agir para mudar essa situação devido à tempestade. Essa tempestade representa o ideal de
“progresso”, que constrói a história ocidental deixando uma verdadeira “tradição dos oprimidos” por onde
passa.
No entanto, enquanto o anjo demonstra pavor pelos horrores e pelo sofrimento que presencia, a sociedade de
modo geral ignora a catástrofe que ocorre diante de seus olhos. Benjamin denuncia que a sociedade ocidental
vive inebriada pelo mito da razão iluminista como condutora da humanidade a maiores quotas de bem-estar e
desenvolvimento, de “progresso”, e por isso é incapaz de enxergar as violências e os danos colaterais
profundamente desproporcionais que são feitos em nome desse “progresso”.
Benjamin atenta que essa ignorância da sociedade é o que permite que se viva em uma sociedade de
normalização da violência e do sofrimento. No entanto, o autor faz um alerta à sociedade: enquanto essa
naturalização do sofrimento, das catástrofes e dos genocídios em nome do “progresso” da humanidade for
aceitável e representar a única forma de interpretar-se os fatos históricos, uma grande parte dos grupos sociais,
que arcam com os custos, com os “danos colaterais” desse “progresso”, estarão fadados a uma vida de injustiças
e desumanidade.
Na realidade do sistema penal e penitenciário brasileiro, essa lição de Benjamin se faz necessária e leva à
re�exão. Como se sabe, o sistema penitenciário brasileiro funciona por uma política criminal punitivista, que
continua enviando ao “estado de coisas inconstitucional” que é a realidade do cárcere brasileiro, a milhares de
brasileiros todos os anos. 
No Brasil, é em nome da “ordem” e do “progresso” que milhares de brasileiros, ano após ano, são enviados para
uma experiência de profundo sofrimento, sem qualquer perspectiva de reintegração social. É também em nome
desses mesmos valores distorcidos que milhares de mortes de agentes policiais, detentos e até mesmo civis
ocorrem todos os anos, dentro e fora do cárcere, em nome da luta pela “segurança pública” e pelo “combate à
criminalidade”. 
É, portanto, nesse sentido que a Criminologia Crítica é tão fundamental à realidade brasileira: pois é criticando
as inconsistências do nosso sistema penal e do nosso Estado e compreendendo a in�uência das agências de
controle social formal e informal na construção da criminalidade que será possível, �nalmente, garantir-se a
justiça em cada caso em concreto.
 Saiba mais
•  “Criminologia crítica e crítica do Direito Penal”, de Alessandro Baratta
Essa obra fenomenal de introdução à Criminologia Crítica e à Sociologia Jurídico-Penal, é um “antes” e um
“depois” na vida de qualquer operador do Direito ou investigador criminal.
O autor, um dos nomes mais importantes da criminologia contemporânea, apresenta a sociologia jurídico-
penal, atentando para a urgente necessidade de pensar-se uma sociologia criminal que desmisti�que as
construções equivocadas e as análises tendenciosas feitas ao longo dos séculos sobre o fenômeno
criminal, explicando a fundo a importância da observação do comportamento delitivo, sua gênese e função
dentro da estrutura social. Não deixe de conferir!
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INTRODUÇÃO
A partir da Criminologia Crítica, �nalmente, passa-se a interpretar a criminalidade considerando a in�uência dos
aparatos de controle social formal, identi�cando, de forma aprofundada, quais são os impactos que a atuação
dos órgãos públicos do sistema penal e penitenciário apresentam na dinâmica do fenômeno criminal.
Com o surgimento dessa corrente de pensamento criminológico, portanto, a criminologia pode avançar e
esmiuçar o fenômeno criminal e, assim, surgem novas vertentes de pensamento que já partem da interpretação
do crime como fato social e que começam a identi�car que é no próprio sistema penal, por suas características
e dinâmica de funcionamento, que se encontram os maiores danos sociais, os maiores “crimes” contra a
humanidade na contemporaneidade.
Começa-se a observar que o sistema penal é seletivo, que o cárcere não ressocializa e que os maiores danos
sociais sequer eram de�nidos na legislação como condutas criminosas. Nesta aula, trataremos sobre essas
questões. Vamos começar?
Aula 3
RUPTURAS MODERNAS DO PENSAMENTO
CRIMINOLÓGICO
Começa-se a observar que o sistema penal é seletivo, que o cárcere não ressocializa e que os
maiores danos sociais sequer eram de�nidos na legislação como condutas criminosas.
53 minutos
A SELETIVIDADE PENAL E O CÁRCERE COMO INSTITUIÇÃO TOTAL
Se a Teoria do Etiquetamento ensina que o caráter desviante da conduta criminal resulta da reação social frente
a certos comportamentos determinados pela lei como crimes, é importante identi�car quais são os parâmetros
que de�nem e limitam as condutas criminais para entender quais são os objetivos reais da legislação penal.
A�nal, a reação social que coloca o estigma de criminoso sobre alguém nada mais é que uma das formas pelas
quais a sociedade decide “excluir” um membro do grupo, por entender que este não se adequa aos “padrões”
sociais.
Dessa ideia e da observação da real dinâmica que rege o funcionamento dos sistemas penais e penitenciários,
portanto, pode-se retirar que o poder punitivo do Estado atua de forma direcionada, selecionando aqueles
sujeitos “estigmatizados” por in�uência das agências de controle social para recolhê-los no interior de uma
instituição total profundamente disciplinaria, como é o cárcere. 
A teoria criminológica que surge com a Criminologia Crítica e possibilita a explicação dessa situação é a Teoria
da Seletividade Penal, que defende que a lógica de seletividade do sistema penal se manifesta por duas
categorias de criminalização (primária e secundária) e por dois níveis de discricionariedade(quantitativo e
qualitativo). 
Diz-se que o sistema penal é seletivo por seu aspecto quantitativo porque os investigadores críticos do sistema
já puderam identi�car a incapacidade estrutural do aparato penal e penitenciário em perseguir e apresentar
respostas punitivas a todos os crimes efetivamente realizados. Essa incapacidade estrutural do sistema de punir
a todas as condutas criminais esconde uma “cifra oculta”, constatando um abismo entre a criminalidade real e
aquela efetivamente registrada e punida. Isso leva, inevitavelmente, ao aspecto qualitativo da seletividade do
sistema penal: suas atribuições se relacionam de forma mais concreta com o controle e exclusão de
determinados sujeitos, não guardando tanta relação com a contenção de práticas delitivas (ZAFFARONI, 2001).
Complementam essa explicação crítica da dinâmica do sistema penal os processos de criminalização primária e
secundária. A criminalização primária ocorre no momento de produção da lei penal, em que os legisladores
penais de�nem os bens jurídicos que serão tutelados e suas respectivas penas. É também nesse momento que
os “padrões” de comportamento entendidos como inaceitáveis serão de�nidos, fazendo surgir uma diversidade
de fatores seletivos, que direcionam a aplicação do sistema penal à perseguição de determinados grupos.
A partir da compreensão da seletividade primária do sistema, é possível identi�car também um processo de
criminalização secundária: não podendo o sistema penal punir todos os crimes realizados, é por meio da
atuação dos agentes estatais que aplicam a lei que se decidirá quais serão os casos que receberão punição. E,
bem, uma vez selecionados os sujeitos que receberão, de fato, resposta punitiva do Estado, no Brasil e em
grande parte do mundo, é no cárcere que executarão a pena recebida. 
O problema é que, conforme ensina Erving Go�man (2007, p. 11), o cárcere é uma instituição total, assim
entendido como “[...] um local de residência e trabalho onde um grande número de indivíduos com situação
semelhante leva uma vida enclausurada, formal e rigorosamente administrada”, onde o objetivo é disciplinar os
sujeitos, destruindo sua individualidade e “reeducando-o” de acordo com os padrões determinados pelo grupo
social dominante. Assim, como se vê, o sistema penal não se con�gura justo e proporcional sequer quando
funciona corretamente e, portanto, não deveria continuar sendo aplicado em pleno século XXI.
VIDEOAULA: A SELETIVIDADE PENAL E O CÁRCERE COMO INSTITUIÇÃO TOTAL
Aula em vídeo sobre a Teoria da Seletividade Penal e sobre o cárcere como instituição total.
A DECADÊNCIA DO IDEAL RESSOCIALIZADOR DA PENA DE PRISÃO
O sistema penal tem como funções a retribuição e a prevenção, que deve ser alcançada não apenas pela
intimidação gerada à coletividade pela pena aplicada ao delinquente, mas, principalmente, pela reeducação do
apenado para que, uma vez em liberdade, este não volte a delinquir.
Para ser legítima, portanto, a pena deve ser justa, cumprindo as funções às quais se propõe a cumprir e
apresentando caráter proporcional. Nesse sentido, conforme ensina Prado (2005, p. 563):
Se assim não fosse, a pena seria injusta e instrumentalizaria o corpo do apenado, violando os direitos humanos.
É daí que vem a importância do ideal “ressocializador” da prisão para manter legítima a intervenção do Estado e
a aplicação de seu poder de punir.
Porém, frente às inúmeras crises experienciadas no século passado, frente ao avanço do capitalismo, expansão
tecnológica e urbana, evidentemente, a criminalidade também passou a crescer e logo percebeu-se que a
estratégia de combate e prevenção do crime, prevista na tradição jurídica ocidental, não conseguia cumprir com
suas funções.
Foi nesse período que se descobriu, �nalmente, a decadência do ideal ressocializador da pena de
encarceramento. O principal estudo que evidenciou sua ine�cácia foi o artigo intitulado “Does Prision Works?”,
de Robert Mattinson, em 1974, que acompanhou 231 casos em programas de tratamento de reabilitação de
apenados nos Estados Unidos, concluindo sobre a reincidência criminal: com raras exceções, o esforço para
reabilitar, reeducar o apenado não surtia qualquer efeito sobre a probabilidade de esse sujeito voltar a
delinquir. 
Após a divulgação desse estudo, a função da pena que “justi�cava” seus excessos em nome do “bem coletivo”
caiu por terra, gerando um grande ceticismo no âmbito das ciências criminais com relação à função da punição.
Esse ceticismo, no entanto, desencadeou uma série de novas formas de pensar a punição estatal, porém, duas
correntes dicotômicas ganham especial destaque: o “Realismo de Direita”, que surge nos Estados Unidos e na
Inglaterra, o qual é relacionado a ideais neoconservadores, que criticam o papel assistencialista do Estado e que
origina uma prática jurídico-penal “punitivista”; e o “Realismo de Esquerda”, que engloba uma série de teorias
relacionadas à garantia dos direitos humanos, tais como o garantismo penal, o abolicionismo, etc.
Tudo isso exposto, como re�ete criticamente o professor Iñaki Rivera Beiras (2017, p. 24-25), ainda que nunca se
tenha demonstrado cienti�camente o sucesso da função reeducativa da pena, “[...] claro está que ela cumpriu
centenariamente a função de se apresentar, no discurso jurídico como doutrina de justi�cação do cárcere
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[...] Assevera-se que a pena justa é, provavelmente, aquela que assegura melhores
condições de prevenção geral e especial, enquanto potencialmente compreendida e
aceita pelos cidadãos e pelo autor do delito, que só encontra nela (pena justa) a
possibilidade de sua expiação e de conciliação com a sociedade. Dessa forma, a
retribuição jurídica torna-se um instrumento de prevenção.
punitivo”. E ainda que esta se mantenha vigente ainda no presente, “como �nalidade e doutrina de justi�cação
da pena carcerária, ela restou efetivamente sentenciada” após as descobertas da criminologia no século XX.
Por isso, faz-se fundamental questionar, assim como questiona o supramencionado autor: “em que pese o
discurso político que hoje ainda pretende sustentá-la, cabe pensar com realismo: que sentido e que
possibilidades possui uma aposta semelhante em contextos e tempos de crise econômica, política e social
profunda, em que o cárcere se reclama como uma medida inócua?” (RIVERA BEIRAS, 2017).
VIDEOAULA: A DECADÊNCIA DO IDEAL RESSOCIALIZADOR DA PENA DE PRISÃO
Aula em vídeo sobre a decadência da função “ressocializadora” da pena privativa de liberdade de acordo com os
conhecimentos da criminologia.
UMA CRIMINOLOGIA GLOBAL E DO DANO SOCIAL
O Holocausto judeu ocorrido durante a Segunda Guerra Mundial na Alemanha Nazista representou uma
ruptura profunda na História. Durante esse período, todo o mundo pôde acompanhar a junção entre violência,
burocracia e racismo, trabalhando sistematicamente a mando do Estado e produzindo uma catástrofe mundial,
provocando danos sociais inimagináveis e legitimados pelo próprio Direito.
E como bem ensina Bauman (2010, p. 34), o Holocausto e todas as atrocidades que culminaram com a Segunda
Guerra Mundial eram fruto previsível dos ideais da “civilização” ocidental moderna e de seu projeto iluminista.
Os valores desse movimento não representaram condições “su�cientes”, mas sim, “necessárias” para que o
Holocausto se realizasse:
Dessa percepção crítica, surgiu a tendência, nas ciências humanas e sociais, de interpretar a história de maneira
negativa, identi�cando quando os fatos não são contados de forma “completa” pelas vias o�ciais e passando-se
a considerar, também, as perspectivas, os relatos e a vida daqueles sujeitos que sofrem os “danos colaterais” da
história construída sobre o ideal de “progresso”; as vítimas deixadas pela história para que o status quo – e os
privilégios das elites – pudessem ser mantidos. 
Foi após a Segunda Guerra Mundial, portanto, que surgiu profunda preocupação da ciência e da sociedade
acerca dosdanos sociais que, por vezes, não são crimes, mas que evidentemente afetam de modo profundo a
coletividade. Inaugura-se, assim, toda uma nova vertente de pensamento crítico da criminalidade, que pretende
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Foi o mundo racional da civilização moderna o que fez com que o Holocausto pudesse
ser concebido. [...] Ao invés de potencializar a vida, que era o elo original do Iluminismo,
começou a consumi-la. O sistema industrial europeu e a ética associada a ele �zeram
com que a Europa fosse capaz de dominar o mundo. E o assassinato em massa da
comunidade judia europeia perpetrado pelos nazistas não foi apenas um êxito
tecnológico da sociedade industrial, mas também um êxito organizativo da sociedade
burocrática.
se desvincular ainda mais das amarras do Direito e da letra da lei para, assim, ser capaz de perseguir a todas as
condutas que causam danos à sociedade. 
Um dos principais expoentes dessa linha de pensamento é Wayne Morrison (2012), que defende em sua obra
que a “criminologia tradicional”, que esteve vigente até o século XX, ocupou-se apenas em estudar os crimes
comuns, os sujeitos que o praticam e os órgãos que os administram, mas sempre dentro de um determinado
“espaço civilizado”, sem considerar a sociedade de forma global. Assim, essa criminologia jamais confrontou a
teoria da responsabilidade individual com os massacres e genocídios que foram perpetrados pelos Estados e
pelas grandes empresas, cujas ações ocasionaram diversos danos sociais nas últimas décadas.
Morrison critica as vertentes tradicionais da criminologia ao apontar que elas se dedicaram a lidar com o ladrão
de bicicletas, com os homicidas e com tantos outros criminosos que praticaram crimes comuns, mas que jamais
se ocupou em analisar os homicídios em massa produzidos pelas políticas dos Estados, as violações produzidas
com �nalidades políticas e de tantas outras lesões a direitos humanos que, proporcionalmente, são muito mais
graves. Assim é que o autor defende a necessidade urgente de produzir-se uma criminologia que se
compreende “global”, “universal” e, portanto, não se restringe a estudar apenas aquilo que determina a lei penal
dos Estados como crime e, principalmente, que não exclui nem ignora o genocídio.
VIDEOAULA: UMA CRIMINOLOGIA GLOBAL E DO DANO SOCIAL
Aula em vídeo sobre a perspectiva de uma “Criminologia Crítica Global” e sobre a Criminologia do Dano Social
como ruptura moderna do pensamento criminológico.
ESTUDO DE CASO
Imagine a seguinte situação:
João, motoboy e morador da periferia, é, também, usuário de maconha. Por esse motivo é que João, às 20h de
uma típica quarta-feira, portava consigo três cigarros de maconha quando foi revistado ocasionalmente no
centro da cidade, próximo de um dos locais onde trabalhava.
Os policiais apreenderam junto a João, além dos três cigarros de maconha, R$ 58,00 em notas trocadas, o que
motivou a lavratura de Boletim de Ocorrência contra ele, apontando-o como suposto “tra�cante de drogas” e
constando como provas do delito o testemunho dos dois agentes policiais que o detiveram.
Durante o processo penal, João não pode arcar com as custas de um advogado, razão pela qual lhe foi nomeado
um defensor público que explicou, na defesa, que o réu ear apenas de um usuário da cannabis, �gurando,
portanto, no disposto no art. 28 da Lei de Drogas (BRASIL, 2006) e não no crime de trá�co previsto no art. 33 do
mesmo diploma e que �gurava na denúncia contra João. 
O juiz, no entanto, utilizando-se de seu direito ao “livre convencimento motivado” e utilizando-se das abstrações
da Lei de Drogas, entendeu que as provas presentes no processo eram su�cientes para provar a materialidade
e a autoria do crime de trá�co de drogas, quais sejam (i) os três cigarros de maconha, totalizando em torno de
duas gramas de cannabis; (ii) R$ 58,00 subdivididos em duas notas de vinte reais, uma nota de dez e o restante
do valor em moedas; (iii) a declaração dos dois agentes policiais que realizaram a apreensão. 
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Por isso, João foi condenado a cumprir pena de privação de liberdade junto ao sistema penitenciário brasileiro.
Porém, frente às condições precárias do sistema, com a alimentação de�ciente e rica em gordura oferecida,
pela escassez de toda sorte de bens materiais, bem como pelas pressões e ameaças de violência entre os
detentos, João se vê obrigado a encontrar uma forma de ganhar dinheiro para poder sobreviver de forma
segura à pena privativa de liberdade nesse “estado paralelo”; mas ao ser preso, perdeu o emprego e sua única
fonte de renda.
No entanto, poucas unidades penitenciárias brasileiras oferecem oportunidade de trabalho aos detentos e,
infelizmente, a prisão em que João cumpriu pena não era uma delas. Frente a esse cenário de absoluto
abandono material por parte do Estado e frente à sua situação de necessidade, João se �lia à facção criminal
que domina a área em que se encontra preso, colocando-se à disposição do comando criminal para fazer as
atividades necessárias, em troca de proteção material e física dentro do cárcere, bem como a de sua família,
durante o período de sua pena. Assim é que João, que não era criminoso antes de adentrar o sistema penal, o
deixará comprometido com o mundo do crime durante toda a sua vida.
Ante o caso hipotético exposto, que simula o histórico de um detento e que conta com diversos elementos
comuns da realidade prática do sistema penitenciário brasileiro, re�ita e responda com base nos
conhecimentos adquiridos nessa aula: 
•  Você consegue identi�car os processos de criminalização primária e secundária no caso analisado? Explique.
•  Da forma como se dá a experiência prática da privação de liberdade no Brasil, você acha que o cárcere,
controlado pelo Estado, produz danos sociais?
RESOLUÇÃO DO ESTUDO DE CASO
No caso apresentado, o réu João foi acusado do crime de trá�co de drogas conforme dispõe o art. 33 da Lei de
Drogas e cuja pena aplicável pode ser de cinco a quinze anos de prisão. Ocorre que, como visto no problema,
João não tra�cava, apenas portava a cannabis para seu consumo próprio, e deveria enquadrar-se no que dispõe
o art. 28 do mesmo diploma legal, recebendo pena relativa à infração penal de menor potencial ofensivo e cujo
objetivo é, justamente, não levar o indivíduo ao cárcere.
A distinção entre a �gura do usuário e do tra�cante, justamente, para impedir que a confusão entre as duas
�guras aconteça no momento de �xação da pena, devendo a pena de trá�co, crime equiparado a hediondo, ser
aplicada apenas nos casos comprovados, para não haver injustiças. 
Porém, no caso exposto, não foi isso o que ocorreu. João, usuário de cannabis, foi denunciado como tra�cante.
Dentre as provas utilizadas para fundamentar a condenação, estavam apenas três cigarros para uso pessoal,
notas diversas totalizando R$ 58,00 – dois pontos interpretados pela jurisprudência pátria como circunstâncias
indicativas do crime de trá�co – e o testemunho dos agentes policiais que abordaram João e o identi�caram
como “tra�cante”.
No entanto, como se pode perceber, é a de�ciência legislativa e a vagueza dos termos previstos na lei o fator
que primeiro permite que a seletividade penal ocorra, por meio da criminalização primária. Nesse sentido, o
parágrafo 2º do art. 28 da Lei de Drogas dispõe que:
Art. 28. § 2º Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá
à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se
desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos
Assim, ao determinar que a distinção entre a �gura do “tra�cante” e do “consumidor” se baseie por termos tão
genéricos e abstratos, a legislação cria todo um sistema de lacunas legais que possibilita, também, a
seletividade secundária. A�nal, se a lei é abstrata em um país estruturalmente racista, patriarcal e capitalista,
evidentemente a criminalizaçãosecundária seguirá no mesmo sentido.
Ao não indicar a quantidade de substância entorpecente que será considerada como “aceitável” ao consumidor,
a legislação permite a instrumentalização da referida legislação:
Ou seja, ao dispor arbitrariamente sobre determinados fatores fundamentais à compreensão da conduta
criminal, permitiu-se que os processos de criminalização primária e secundária constituíssem a Lei de Drogas no
Brasil como ferramenta de instrumentalização do sistema penal para perseguir aos grupos marginalizados.
E ao submeter o sujeito perseguido ao “estado de coisas inconstitucional” que re�ete a realidade do cárcere
brasileiro e cuja dinâmica se con�gura como uma espécie de “escola do crime”, é evidente que o Estado acaba
gerando danos sociais muito mais graves à sociedade com a aplicação incorreta do seu poder de punir do que
aqueles danos ocasionados por sujeitos que, como João, são selecionados ao cárcere por meio dos critérios
de�nidos pela lei. Em casos como o exposto, se João se torna criminoso, é porque ele foi, primeiro, vitimizado
pelas agências de controle social formal e, consequentemente, pelo Estado.
 Saiba mais
•  “Hacia una criminología crítica global”, de Iñaki Rivera Beiras
Esse artigo cientí�co é uma breve mas muito completa viagem pelos fundamentos, funções e objetivos da
criminologia frente às problemáticas sociais da contemporaneidade. O autor, expoente da Criminologia
Crítica, propõe a compreensão dessa vertente de pensamento de uma forma “global”, considerando o
âmbito universal e os direitos humanos fundamentais como horizonte de atuação das ciências criminais. A
leitura é rápida, fácil e vale a pena o esforço!
Disponível em: https://www.redalyc.org/jatsRepo/537/53744426003/html/index.html. 
•  “Criminología, civilización y Nuevo Orden Mundial”, de Wayne Morrison
antecedentes do agente.
Se uma pessoa de classe média, em um bairro de classe média, venha a ser encontrada
com uma certa quantidade de droga, ela poderá ser mais facilmente identi�cada como
usuário (e, portanto, não será submetida à prisão) quando comparada a um homem
pobre, em possessão da mesma quantidade de drogas em seu bairro pobre.
—  (MACHADO, 2010, online)
Para visualizar o objeto, acesse seu material digital.
https://www.redalyc.org/jatsRepo/537/53744426003/html/index.html
A obra indicada é o estudo mais signi�cativo de Morrison e expõe com clareza os primeiros contornos da
ruptura epistemológica que propõe a Criminologia do Dano Social. A obra aponta a responsabilidade dos
Estados e das grandes corporações capitalistas em episódios que ocasionaram diversos danos sociais
gravíssimos à humanidade e que, apesar disso, nunca receberam qualquer resposta – ou reconhecimento
da ilegalidade – junto ao sistema penal. Quando você tiver aquele tempinho, não deixe de encaixar essa
experiência na sua lista de leituras!
Sessões de cinema para aprender mais sobre a criminologia:
•  “Laranja mecânica”, de Stanley Kubrick (1971)
Esse �lme oferece uma experiência artística profunda, que te conduz na história de uma gangue de jovens
que, num futuro utópico e autoritário, espalham o caos por meio de atos de violência gratuita e que
acabam detidos junto ao sistema penal para serem “curados” por meio de um programa especial do
Estado de “reeducação”.
Explorando questões sociais e políticas atemporais, o �lme promove uma re�exão crítica muito complexa
sobre o ideal ressocializador do cárcere punitivo e sobre as funções da punição. Não deixe de conferir!
INTRODUÇÃO
Como foi possível perceber pelos temas estudados até aqui na disciplina, os conhecimentos da criminologia
quase sempre foram idealizados e implementados considerando o contexto social do norte global, mais
especi�camente, do continente Europeu e só muito recentemente têm-se atentado à urgente necessidade de
pensar-se uma criminologia própria às características e necessidade do sul global.
Justo por isso é que, por séculos, o Brasil e os outros países das “periferias do mundo ocidental”, se viram
profundamente afetados pela tradição jurídico-penal proposta pelas escolas criminológicas europeias e,
coincidentemente, foi com a primeira escola americana – Escola de Chicago e, posteriormente, a Criminologia
Crítica – que a emancipação do pensamento criminológico do tradicionalismo europeu começou a ocorrer.
Nessa aula, portanto, é sobre os impactos das Escolas Criminológicas na realidade brasileira que nós vamos
estudar. Vamos começar?
IMPACTOS DE UMA CRIMINOLOGIA RACISTA
Aula 4
IMPACTOS DAS ESCOLAS CRIMINOLÓGICAS NO BRASIL
Identi�car as Escolas Criminológicas e comparar suas principais diferenças de pensamento,
correlacionando tais ensinamentos às problemáticas que envolvem o fenômeno criminológico no
âmbito brasileiro.
55 minutos
O principal aspecto de interesse ao âmbito sociocultural que foi trazido pela cultura europeia aos espaços que
colonizou, é o racismo. O racismo não surge com o Colonialismo, mas é nesse processo que, pela primeira vez, a
cor da pele negra é atrelada à inferiorização. O próprio conceito de raça utilizado para classi�car os seres
humanos é criação da Modernidade, e ganharia força especial com o Iluminismo, que, posteriormente,
justi�caria essas “crenças” por meio da “razão cientí�ca”. Nesse contexto é que se pode a�rmar que o principal
impacto das Escolas Criminológicas no Brasil foi o “racismo criminológico”.
Conforme bem ensina Sílvio de Almeida (2019, p. 23), o racismo pode ser de�nido como “[...] uma forma
sistêmica de discriminação que tem a raça como fundamento, e que se manifesta por meio de práticas
conscientes e inconscientes que culminam em desvantagem ou privilégios à indivíduos, dependendo do grupo
racial ao qual pertençam”. O autor defende que o racismo “é sempre estrutural”, no sentido em que é elemento
constitutivo dos Estados Modernos e, por óbvio, no Brasil não seria diferente.
Dentre os impactos do racismo no Brasil, podem ser citados inúmeros episódios. O genocídio dos nativos
indígenas e a escravidão que perdurou por quase quatro séculos são dois dos mais graves exemplos dessa
realidade segregadora. No entanto, é com a abolição desamparada da escravidão que o racismo brasileiro
passava a ser exercido “[...] cada vez mais em silêncio, no interior das instituições” (FLAUZINA, 2008, p. 74).
Como bem ensina Nascimento (2016, p. 62), “[...] deixando aos africanos e seus descendentes fora da sociedade,
a abolição exonerou de responsabilidade a todos os senhores de escravos, o Estado e a Igreja. Se extinguiu todo
o humanismo, qualquer gesto de solidariedade ou justiça social: o africano e seus descendentes que
sobrevivessem como pudessem”.
A lógica seletiva do sistema, no entanto, nunca deixa de ser racista, e é no encarceramento que o Estado
encontrará a forma mais e�ciente de continuar a perseguir o grupo negro, o que faz respaldado nos
fundamentos do Positivismo criminológico, que não deixaria de ser aplicado, mas passaria a esconder-se nos
discursos públicos a partir da década de 1930.
Isso porque, no referido período, o Brasil se preparava para se adequar à dinâmica do capitalismo industrial,
gerando a necessidade de uni�cação social e a formação de um mercado interno. Essa necessidade, somada às
diversas tensões sociais que eram palco político e cultural da época, faz com que o Estado brasileiro invista na
disseminação da imagem de um Brasil constituído por uma “democracia racial”, assim entendida, conforme
ensina Nascimento (2019, p. 35), como um Estado em que “[...] negros e brancos convivem harmoniosamente,
disfrutando de iguais oportunidades de existência, sem nenhuma interferência, nesse jogo de paridade social,
das respectivas origens raciais ou étnicas”.
Essa ideia foi muito bem recepcionada pelos mais diversos segmentos da sociedade brasileira e impactou
profundamente na naturalização do racismo estrutural do Estado, desencorajando qualquer discussão de raça
já que, no país da democracia racial, desigualdade sequerpode ser pauta. No entanto, essa ideia passaria a ser
identi�cada como “mito” quando surge a Criminologia Crítica, com uma interpretação negativa da história,
passando a compreender a in�uência das agências de controle social formal no fenômeno criminal e
denunciando que o projeto racista do Estado brasileiro continuava vigente, apenas havia trocado sua forma de
expressão.
VIDEOAULA: IMPACTOS DE UMA CRIMINOLOGIA RACISTA
Aula em vídeo sobre os impactos do racismo no fenômeno criminal brasileiro.
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O SISTEMA PENAL BRASILEIRO
Como já estudado, foi a Criminologia Crítica que rompeu efetivamente com a tradição positivista do
pensamento criminológico. Foi a partir dela, também, que o projeto racista do Estado brasileiro pôde começar a
ser revelado, mas seria por meio dos abusos experienciados durante o período de Ditadura Militar, iniciado em
1964, que a sociedade brasileira passaria a questionar e criticar o poder punitivo do Estado.
Porém, como ensina Flauzina (2008, p. 83), a Ditadura Militar de 1964 “[...] foi a primeira vez em que a
truculência do aparato policial brasileiro se posicionou, incontestavelmente, em direção aos corpos brancos,
dentro de movimentos que se insurgiram contra a Ditadura, construindo a imagem de um ‘inimigo interno’ a
quem toda sorte de intervenção estaria legitimada”. E, não coincidentemente, foi justo nesse período que a
atuação arbitrária, desproporcional e violenta desse Estado começou a ser denunciada com força junto à
sociedade. Ou seja, em um Estado profundamente marcado pelo racismo contra o negro desde sua
constituição, é apenas no momento em que a violência se direciona aos corpos brancos que se captura a
atenção do ambiente acadêmico sobre a brutalidade policial brasileira.
Contudo, mesmo antes, durante e depois da Ditadura Militar, o aparato punitivo do Estado jamais deixou de
perseguir os corpos negros como prioridade, e até hoje, em 2021, os dados do sistema penal e penitenciário
brasileiro ainda apresentam profundos impactos do racismo. É isso, por exemplo, que se pode retirar de uma
análise crítica do per�l do detento junto ao sistema penitenciário brasileiro. De acordo com dados do
Departamento Penitenciário Nacional (BRASIL, 2021), quem é atualmente preso no Brasil é o jovem (41,9% tem
entre 18 e 29 anos), pobre e negro (66,28%), que é conduzido ao cárcere em razão da prática de crimes
patrimoniais (40,91%), categoria delitiva que só costuma ser praticada por quem não tem recursos, e pela Lei de
Drogas (29,9%), uma das principais ferramentas de seletividade penal dentro do ordenamento jurídico-penal
brasileiro.
O que se tem no Brasil é, justamente, o que Wacquant (2010) denomina um processo de “criminalização da
pobreza”, segundo o qual o sistema penal, por meio de sanções estigmatizantes e seletivas aplicadas por seu
aparato punitivo aos indivíduos de classes mais pobres, atua impedindo que os integrantes dessas classes
ascendam socialmente às classes mais altas, justamente com o objetivo de segregá-los da sociedade,
mantendo-os excluídos dos privilégios de ter “direitos iguais”.
Essa criminalização da pobreza na realidade brasileira, no entanto, não pode desvincular-se da questão racial, já
que como visto pelo histórico do ordenamento jurídico-penal brasileiro, o grupo de afrodescendentes, que
corresponde, atualmente, a mais de 56% da população brasileira, jamais recebeu uma chance justa de integrar
alguma classe social, que não, a classe baixa, já que o Estado e a sociedade brasileira nunca repararam o dano
ocasionado por quatro séculos de escravidão.
Nesse sentido, com a Lei de Drogas e a política criminal punitivista que vem sendo aplicada no Brasil desde
2006, uma análise do encarceramento massivo desde uma perspectiva de raça denuncia que a “guerra às
drogas” que vem sendo travada pelo Estado brasileiro melhor se de�niria como uma “guerra aos negros e aos
pobres”, já que são esses os sujeitos que acabam sendo selecionados massivamente ao cárcere em razão dessa
legislação.
VIDEOAULA: O SISTEMA PENAL BRASILEIRO
Aula em vídeo sobre os impactos do racismo no sistema penal brasileiro na contemporaneidade.
HORIZONTES DO PENSAMENTO CRIMINOLÓGICO NO BRASIL
Como visto, é o racismo um dos problemas estruturais brasileiros, importados da tradição europeia imposta a
todo o território brasileiro desde sua constituição. Nas ciências criminais, trata-se do “racismo criminológico” o
fator de maior impacto na problemática da criminalidade brasileira. É em razão da manutenção das bases dessa
tradição criminológica ainda presente na prática das agências de controle social formal do Estado que o
racismo, como fator de criminalização, continua legitimando violência e segregação no interior do sistema
penal.
Nesse sentido, como denuncia Flauzina (2008, p. 69):
Assim é que qualquer direcionamento das ciências criminológicas na realidade brasileira deve, inevitavelmente,
tratar o racismo como um elemento fundamental no momento de compreender a dinâmica da criminalidade.
Isso porque é possível a�rmar que o sistema penal brasileiro aplica uma “necropolítica”, assim entendida como
uma política criminal que determina quem pode viver e quem pode morrer, e em que o racismo é o que
determina quem poderá morrer.
A “necropolítica”, segundo Mbembe (2018, p. 32):
A�nal, é inegável, ao analisar os dados o�ciais sobre a criminalidade e sobre o sistema penitenciário no Brasil,
que o problema criminal ainda se encontra profundamente atrelado à raça, e a violência do sistema atua em
direção ao mesmo alvo de�nido pelo projeto colonial: o negro.
Essa é a gravidade dos impactos desse racismo velado na atuação seletiva do sistema penal, sendo a Lei de
Drogas uma das ferramentas utilizadas para perseguir seus objetivos racistas. E as vítimas, dos dois lados, são
os negros:
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Se ‘o chicote sobreviveu nos subterrâneos do sistema penal’, foi graças ao aporte do
racismo que, por meio da criminologia, construiu uma prática policial republicana
consciente de seu papel no controle da população negra. Estão aí as bases da a�rmação
tão contemporânea e verdadeira de que ‘todo camburão tem um pouco de navio
negreiro’.
[...] Consiste fundamentalmente no exercício de um poder à margem da lei [...] e no
qual tipicamente a ‘paz’ assume o retrato de uma “guerra sem �m’’. [...] As colônias são
o local por excelência em que os controles e as garantias da ordem judicial podem ser
suspensos – a zona em que a violência do estado de exceção supostamente opera a
serviço da “civilização”.
Ou seja, é evidente que o racismo estrutural é o principal fator que de�ne a dinâmica seletiva do sistema penal
brasileiro ainda na contemporaneidade, re�etindo um processo histórico e cultural de naturalização da
desigualdade racial, e a construção de uma criminologia capaz de enfrentar e�cientemente essa realidade não
pode se desvincular do enfrentamento a esse racismo.
Assim, os horizontes do pensamento criminológico no Brasil devem englobar análises críticas do sistema penal,
que busque a emancipação cientí�ca da produção de conhecimento tradicionalmente eurocêntrica. É na
compreensão das reais raízes do racismo e suas especi�cidades na realidade brasileira que uma criminologia
propriamente brasileira deve seguir para enfrentar, e�cazmente, a criminalidade.
VIDEOAULA: HORIZONTES DO PENSAMENTO CRIMINOLÓGICO NO BRASIL
Aula em vídeo sobre os horizontes do pensamento criminológico de acordo com as características especí�cas
da criminalidade na sociedade brasileira.
ESTUDO DE CASO
Observe as informações a seguir aduzidas:
1. Dados sobre desigualdade racial no Brasil
De acordo com dados do Senado Federal (2020), ao menos 56% da população brasileira se autodeclara negra.
No entanto, de acordo com pesquisa do IBGE (2018), os negros e pardos trabalham, estudam e recebem menos
que os brancos no país. Em 2018, os negros representavam64% dos desempregados, apenas 46,9% dos
trabalhadores e, dentre os empregados, a maior parte ocupava atividades nos setores com menor rendimento
médio. 
Em 2017, estima-se que os brancos receberam um salário 72,5% maior que aquele recebido por negros e
pardos no mesmo período. Enquanto 16,4% dos brancos brasileiros encontrava-se entre os 10% da população
com maior rendimento econômico, apenas 4,7% dos negros constituíam o mesmo grupo. Quando se inverte a
situação, a desigualdade também se revela: 13,6% dos negros estavam entre os 10% com menores rendimentos
e apenas 5,5% entre os brancos se encontravam em situação similar.
A própria pesquisa menciona que “esse resultado [...] que se mantém com pequenas oscilações ao longo da
série, re�ete desigualdades historicamente constituídas, como a maior proporção dos trabalhadores negros e
pardos no segmento de empregados sem carteira de trabalho assinada” (IBGE, 2018, p. 45). Como se vê, o
Nós estamos olhando os números e percebendo que, enquanto o Brasil �nge que não
tem problemas raciais, um racismo estrutural organiza as relações raciais do país, e
quem morre e quem mata são, proporcionalmente, muito mais os negros que os
brancos. [...] É cruel perceber, na prática, que as vítimas de todos os lados desse
confronto que não faz o menor sentido são as mesmas. Entre os policiais e entre a
população como um todo, nós estamos matando aos negros. 
— (DÍAS; ADORNO, 2020, online)
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racismo estrutural herdado do projeto colonial no Brasil não condiciona o segmento negro apenas ao cárcere.
2. O mito da “democracia racial”
Abdias Nascimento (2016, p. 41), um importante autor antirracista brasileiro, denuncia o mito da “democracia
racial” desde 1970:
3. Seletividade penal racial e a Lei de Drogas no Brasil
A Lei nº 11.343/2006 tem sido apontada por juristas e investigadores criminológicos como uma ferramenta que
tem possibilitado o encarceramento massivo no Brasil. Desde que a referida legislação foi criada, a população
carcerária brasileira cresceu mais de 300%, como é possível observar no grá�co abaixo:
Grá�co 1 | Evolução do aprisionamento no Brasil – 2000 e 2019.
Fonte: Fórum Brasileiro de Segurança Pública - FBSP (2020, p. 292).
Além de resultar em um aumento do encarceramento, a legislação citada também tem sido apontada como um
instrumento que possibilita o direcionamento do aparelho punitivo do Estado ao segmento negro da sociedade
brasileira. Tal argumento se sustenta não apenas pelos determinantes históricos da punição no Brasil, mas,
principalmente, pelos dados que evidenciam que quem tem sido enviado ao cárcere, desde a criação da Lei de
Drogas é, justamente, o povo negro:
Tabela 1 | Evolução do encarceramento entre a população negra e branca no Brasil entre os anos de 2005 e 2019
Desde os primeiros tempos de vida nacional até os dias de hoje, o privilégio de decidir
tem �cado unicamente nas mãos dos propagadores e bene�ciários do mito da
“democracia racial”. Uma “democracia” cuja arti�ciosidade se expõe àqueles que
queiram ver; em que só um dos elementos que a constituem detém todo o poder em
todos os níveis político-econômico-sociais: o branco. Os brancos controlam os meios de
disseminação de informações, o aparelho educacional; eles formulam os conceitos, as
armas e os valores do país.
Fonte: Fórum Brasileiro de Segurança Pública - FBSP (2020, p. 304).
De acordo com os dados apresentados, re�ita e responda de forma crítica:
•  Como o mito da “democracia racial” se relaciona com os impactos do racismo estrutural na prática do sistema
penal brasileiro?
•  Pode-se a�rmar que o encarceramento em massa promovido pela política criminal punitivista do Estado
brasileiro e aplicado, especialmente, pela Lei de Drogas, tem apresentado resultados mais impactantes no
segmento negro que no grupo branco?
RESOLUÇÃO DO ESTUDO DE CASO
Por meio de uma análise crítica dos dados expostos, pode-se perceber que, ainda que os negros sejam maioria
da população brasileira, ainda constituem uma minoria econômica, política e cultural, enquanto também
�guram como densa maioria dos sujeitos pertencentes aos espaços de exclusão, sendo o cárcere sua expressão
mais grave.
O mito da “democracia racial” corresponde a um dos principais instrumentos que permitem a naturalização do
racismo estrutural no Brasil, que permite com que esse status quo racialmente segregador permaneça vigente.
A�nal, por meio da propagação desse mito, rege as relações sociais no Brasil uma espécie de “etiqueta racial”:
Essa etiqueta dita fortemente contra qualquer discussão da situação racial, e assim ela
efetivamente ajuda a perpetuar o modelo de relações que tem existido desde a
escravidão. Tradicionalmente, se espera que os negros sejam gratos aos brancos por
generosidades que lhes foram concedidas, e que continuem dependendo dos brancos,
que atuam como patronos e benfeitores deles; também se espera que os negros
continuem aceitando aos brancos como porta-vozes o�ciais da nação, explicando aos
estrangeiros a natureza ‘única’ das relações raciais brasileiras. A etiqueta decreta
https://conteudo.colaboraread.com.br/202201/EAD/FUNDAMENTOS_DA_CRIMINOLOGIA/LIVRO_DIGITAL/U2/assets/img/tabela.png
Foi por meio do mito da “democracia racial”, com a negação do racismo e a consequente invisibilidade do
sofrimento e da vitimização do negro brasileiro que os detentores do poder puderam reformular e continuar o
mesmo projeto racista aplicado desde o BrasilColônia. No entanto, após a difusão desse mito, é por meio de
uma nova forma de necropolítica, que deixa de agir com violência direta e passa a atuar de forma velada, que o
racismo se concretiza. 
Esse é o impacto desse mito no sistema penal brasileiro e em sua lógica de seletividade, já que, como bem
ensina Almeida (2019, p. 49), a ideia de “democracia racial” “[...] não se explica por uma ‘revolução interior’ ou
por uma ‘evolução do espírito’, mas por mudanças na estrutura econômica e política que exigem formas mais
so�sticadas de dominação”. E é nesse sentido, correspondendo a uma dessas “formas so�sticadas de
dominação”, que a Lei de Drogas e a política criminal punitivista que com ela se aplica se apresenta na realidade
brasileira.
Isso é, justamente, o que se pode retirar de uma análise crítica dos dados apresentados. Pode-se observar que,
em 2005, os negros representavam apenas 58,4% dos encarcerados, enquanto os brancos eram 39,8%. A partir
do ano de 2006, com a entrada em vigência da Lei de Drogas, no entanto, a proporcionalidade entre o
aprisionamento de brancos e negros muda consideravelmente, e em 2019 os negros já representavam 66,7%
dos encarcerados, e os brancos, somente 32,3%. A taxa de variação no encarceramento negro é de 377,7%. Já a
de brancos, é de apenas 239,5%.
Assim, considerando que os delitos relacionados às drogas correspondem a uma das causas mais frequentes de
encarceramento (quase 30% dos delitos), atrás apenas dos delitos patrimoniais, é, sim, possível a�rmar que a
“guerra às drogas” promovida pelo Estado brasileiro tem, sim, impactado muito mais profundamente os negros
brasileiros que os brancos. E. como visto, inclusive considerando os crimes patrimoniais, é evidente que o
racismo é o principal fator que determina a lógica seletiva do sistema penal brasileiro.
 Saiba mais
Leitura complementar:
•  “Racismo estrutural”, de Silvio de Almeida
Essa é uma das obras mais importantes para compreender a estruturação do racismo no Brasil. O autor
trata do tema considerando quatro eixos principais, trabalhando o racismo como ideologia, seus impactos
junto à política, no âmbito do Direito e junto à economia, contextualizando e explicando uma série de
problemáticas que envolvem discriminação de raça e que afetam a vida na sociedade brasileira. Não deixe
de ler!
•  “O genocídio do negro brasileiro: processo de um racismo mascarado”, de Abdias Nascimento
também que os so�smas o�ciais usados para descrever

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