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1 Disciplina: Criminologia Autores: M.e. Fabiana Irala de Medeiros Revisão de Conteúdos: Sérgio Antonio Zanvettor Júnior Revisão Ortográfica: Esp. Juliano de Paula Neitzki Ano: 2019 Copyright © - É expressamente proibida a reprodução do conteúdo deste material integral ou de suas páginas em qualquer meio de comunicação sem autorização escrita da equipe da Assessoria de Marketing da Faculdade São Braz (FSB). O não cumprimento destas solicitações poderá acarretar em cobrança de direitos autorais. 2 Fabiana Irala de Medeiros Criminologia 1ª Edição 2019 Curitiba, PR Editora São Braz 3 FICHA CATALOGRÁFICA MEDEIROS, Fabiana Irala de Criminologia / Fabiana Irala de Medeiros – Curitiba, 2019. 35 p. Coordenação Técnica: Marcelo Alvino da Silva. Revisão de Conteúdos: Sérgio Antonio Zanvettor Júnior Revisão Ortográfica: Esp. Juliano de Paula Neitzki. Material didático da disciplina de Criminologia – Faculdade São Braz (FSB), 2019. ISBN 978-85-5475-336-8 4 PALAVRA DA INSTITUIÇÃO Caro(a) aluno(a), Seja bem-vindo(a) à Faculdade São Braz! Nossa faculdade está localizada em Curitiba, na Rua Cláudio Chatagnier, nº 112, no Bairro Bacacheri, criada e credenciada pela Portaria nº 299 de 27 de dezembro 2012, oferece cursos de Graduação, Pós-Graduação e Extensão Universitária. A Faculdade assume o compromisso com seus alunos, professores e comunidade de estar sempre sintonizada no objetivo de participar do desenvolvimento do País e de formar não somente bons profissionais, mas também brasileiros conscientes de sua cidadania. Nossos cursos são desenvolvidos por uma equipe multidisciplinar comprometida com a qualidade do conteúdo oferecido, assim como com as ferramentas de aprendizagem: interatividades pedagógicas, avaliações, plantão de dúvidas via telefone, atendimento via internet, emprego de redes sociais e grupos de estudos, o que proporciona excelente integração entre professores e estudantes. Bons estudos e conte sempre conosco! Faculdade São Braz 5 Apresentação da disciplina Nesta disciplina estudar-se-á a importância do estudo da criminologia, passando pela contextualização evolutiva do crime e da punição; após, análise das Escolas Clássica, Positivista e Contemporânea. Também será estudado sobre a criminologia marxista e crítica e as Teorias do Consenso e do Conflito. Desta forma, este material abordará os quatro objetos centrais da criminologia, quais sejam: delito, delinquente, vítima e controle social – através de sua fundamentação teórica. 6 Aula 1 – Introdução à criminologia Apresentação da aula 1 Nesta aula, será analisada a importância do estudo da criminologia, pontuando as diferenças entre o Direito Penal e essa matéria. Será discorrido sobre os quatro objetos criminológicos: delito, delinquente, vítima e controle social. Por fim, será abordado o contexto histórico de desenvolvimento da criminologia, finalizando na fase pré-científica. 1.1 Importância do estudo da criminologia Criminologia é uma ciência empírica, de experimentação que visa a estudar aspectos correlacionados ao crime, principalmente antes de sua ocorrência. A punição ao delito é matéria aludida ao estudo do Direito Penal. Desta forma, a busca pela prevenção do crime passa necessariamente pela criminologia. Possui quatro objetos criminológicos: delito, delinquente, vítima (destacando a vitimização primária, secundária e terciária) e o controle social (formal e informal). Ademais, destaca-se a importância do estudo da chamada criminologia pré-científica com autores como Platão e Aristóteles. Destaque para a teoria do contrato social de Rosseau e sua correlação com a Teoria do Direito Penal do Inimigo: determinados criminosos não podem ser submetidos ao mesmo regramento jurídico que os cidadãos comuns, isto em razão da periculosidade das ações que optaram por praticar. Nesse sentido, seriam exemplos os crimes de terrorismo, organizações criminosas e delitos sexuais. Por terem voluntariamente violado o Pacto Social, devem sujeitar-se às regras mais severas, que flexibilizam direitos e garantias fundamentais e permitem, até mesmo, a tortura como meio de obtenção de prova. A palavra criminologia vem do latim crimino (crime) e do grego logos (estudo, tratado), significando estudo do crime. Desta forma, Nestor Sampaio Penteado Filho conceitua Criminologia como uma ciência empírica (ou seja, uma ciência de observação e de experiência) e interdisciplinar que tem por objeto analítico o crime, a 7 personalidade do autor do comportamento delitivo, da vítima e o controle social das condutas. Embora possa parecer, de fato o objeto de estudo desta ciência não é o crime em si - isto é tarefa do Direito Penal -, mas sim compreender as especificidades que concorrem para sua ocorrência e, principalmente, os meios de controle social. Segundo o Finalismo de Welzel, crime para o Direito Penal é fato típico, antijurídico e culpável. Conceito analítico de crime Fato típico Antijuridicidade Culpabilidade Conduta Estado de necessidade Imputabilidade Resultado Legítima defesa Potencial consciência sobre a ilicitude do fato Nexo de causalidade Estrito cumprimento do dever legal Exigibilidade de conduta diversa Tipicidade (formal e conglobante) Exercício regular do direito Fonte: Acervo do autor (2019). Segundo Roxin, a finalidade do Direito Penal é a proteção dos bens essenciais ao convívio em sociedade, devendo o legislador fazer a sua seleção. Já a criminologia vê o crime como um problema social, possuindo quatro vertentes principais de estudo: delito, delinquente, vítima e controle social. Nesse sentido, Antonio Garcia-Pablos de Molina e Luiz Flávio Gomes ensinam: Cabe definir criminologia como ciência empírica e interdisciplinar, que se ocupa do estudo do crime, da pessoa do infrator, da vítima e do controle social do comportamento delitivo, e que trata de subministrar uma informação válida, contrastada, sobre a gênese, dinâmica e variáveis principais do crime – contemplado este como problema individual e como problema social, assim como sobre os programas de prevenção eficaz do mesmo e técnicas de intervenção positiva no homem delinquente e nos diversos modelos ou sistemas de respostas ao delito. No que se refere ao delito, foi estudado que o conceito analítico de crime para o Direito Penal é fato típico, antijurídico e culpável. Já a criminologia analisará a conduta antissocial, causas geradoras, tratamento dado ao delinquente visando a sua não reincidência, bem como as falhas nos métodos de prevenção. Nesse sentido, o crime é um problema social. 8 Ou seja, no estudo do delito, a criminologia buscará responder por que determinados crimes ocorrem com mais frequência em determinadas localidades e quais as formas de prevenção, compreendendo tais especificidades. Quanto ao estudo do delinquente, o professor Sergio Salomão Schecaria enfatiza que: “O criminoso é um ser histórico, real, complexo e enigmático, um ser absolutamente normal, que pode estar sujeito às influências do meio (não determinismos)”. Para tal estudo, busca-se amparo nas escolas criminológicas, que em tópico seguinte serão tratadas. De qualquer forma, de antemão pontua-se que na Escola Clássica o criminoso era um ser que optou pelo mal podendo escolher o bem; para a escola positivista, o criminoso era um ser atávico, com determinismos biológicos que o sujeitavam à criminalidade e, para a escola correcionalista, o criminoso era um ser inferior, merecedor de uma piedade estatal. Sobreo papel da vítima, de fato o Direito Penal relega a um papel secundário, especificamente já no momento da dosimetria da pena. Para a criminologia, houve três momentos sobre sua análise: A idade do ouro: compreendia as hipóteses de autotutela, lei de Talião etc; Período de neutralização do poder da vítima: surgiu com o processo inquisitivo, em que a vítima não possuía lugar de destaque na persecução penal; Revalorização de sua importância: após o 1° Seminário Internacional de Vitimologia (Israel, 1973). Ainda sobre a vítima e seu papel para a criminologia, é importante destacar: A vitimização primária como sendo aquela em que o indivíduo é atingido diretamente pela conduta criminosa. Sabe-se que determinadas pessoas estão mais sujeitas a sofrerem condutas delitivas, seja em razão de questões étnicas ou profissionais. Exemplo: policiais estão mais sujeitos 9 a serem vítimas de homicídios; profissionais de saúde constantemente sofrem ameaças, etc. Vitimização secundária, estuda-se a consequência das relações entre as vítimas primárias e o Estado (polícia, Ministério Público etc). Nesse sentido, podemos destacar a súmula 542 do Superior Tribunal de Justiça que modifica o tipo de ação penal a ser promovida no crime de lesão corporal resultante de violência doméstica, uma vez que a Lei n° 11.340/2006, em seu artigo 16, previa Ação Penal Pública Condicionada à Representação. A ação penal relativa ao crime de lesão corporal resultante de violência doméstica contra a mulher é pública incondicionada, ou seja, a edição desta súmula atende a uma questão criminológica, qual seja: corrigir a opção da Lei pela ação penal pública condicionada à representação que não permitia uma eficaz persecução penal nos crimes de violência doméstica, uma vez que muitas vítimas desistiam de promover a representação. Vitimização terciária, entende-se como aquela decorrente de um excesso de sofrimento quando a vítima é abandonada, em certos delitos, pelo Estado e estigmatizada pela comunidade, incentivando a cifra negra. Nesse sentido, a redação do artigo 225 do Código Penal, que alterou o tipo de ação penal nos delitos sexuais: Artigo 225 do Código Penal Dispõe sobre o Código Penal e dá outras providências. O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, usando da atribuição que lhe confere o art. 180 da Constituição, decreta a seguinte Lei: CAPÍTULO IV DISPOSIÇÕES GERAIS Ação Penal Art. 225. Nos crimes definidos nos Capítulos I e II deste Título, procede-se mediante ação penal pública incondicionada. Parágrafo único. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm 10 Professores de Direito Penal têm questionado a opção legislativa pela mudança do tipo de ação penal, uma vez que antes era pública condicionada à representação. A alteração foi realizada para evitar a impunidade desses delitos, uma vez que muitas mulheres não denunciavam por vergonha ou mesmo porque os agressores eram pessoas de seu círculo pessoal. No entanto, a Lei passou a desconsiderar a vontade da vítima dos delitos sexuais, o que pode gerar constrangimentos sociais, uma vez que, infelizmente, nossa sociedade ainda não sabe como acolher as vítimas de crimes sexuais. Quanto ao controle social, analisa-se o conjunto de mecanismos e sanções sociais que buscam submeter os indivíduos às normas de convivência social. Sabe-se que há regras sociais implícitas de boa convivência e a criminologia buscará estudar de que forma essas regras impedem práticas delitivas. Rogério Sanches define como: O controle social pode ser definido como a reunião de mecanismos e sanções sociais imbuídos do propósito de submeter os componentes do grupo social às regras estabelecidas para a comunidade. Pode ser formal (órgãos de Estado) ou informal (família, opinião pública, etc.). A principal forma de controle, todavia, é a informal, que se aplica em todos os momentos da vivência em comunidade. Constatada a sua insuficiência, o controle informal cede lugar aos mecanismos de controle formal. Na análise do Controle Social, há dois sistemas que coexistem: O controle social informal: exercido pela família, escola, religião, profissão etc; Controle social formal: exercido pela polícia, ministério público, Forças Armadas etc. Assim, a pesquisa do criminólogo esquece-se temporariamente do ato criminoso para analisar questões antecedentes e desprezadas pelo Direito Penal, que possam auxiliar na compreensão dos motivos sociais da ocorrência de determinado crime. Nesse sentido, o professor Rogério Greco explica: “a pesquisa do criminólogo mergulha no seio da família do delinquente, no seu meio social, nas oportunidades sociais que lhe foram concedidas, no seu caráter; [...] retrocede-se em buscas de possíveis causas do crime”. 11 Importante Quatro objetos de estudo da criminologia: Delito, Delinquente, Vítima, Controle Social. 1.2 Crime e punição (contextualização evolutiva) Não existe consenso na doutrina quanto ao surgimento da criminologia. Segundo Mauricio Dieter, professor de Criminologia da USP, o marco fundador dessa ciência foi a publicação do livro O homem delinquente, em 1876, de Cesare Lombroso. Para Antonio Garcia-Pablos Molina, essa disciplina tem origem no antropólogo francês Paul Toppinard, ao ter usado a expressão “criminologia” em 1879; no entanto, ainda há quem defenda que somente adquiriu força graças à obra de Rafael Garófalo, de 1885. Ainda, não se pode desprezar a influência da Escola Clássica, com Francesco Carrara (Programa de direito criminal, 1859), tampouco desconsiderar que essa Escola sofreu forte influência das ideias liberais e humanistas de Cesare Bonesana – o Marquês de Beccaria, com a edição do clássico livro Dos delitos e das penas, em 1764. 1.2.1 Criminologia pré-científica Na Antiguidade, temos algumas obras que já buscavam explicar a criminalidade de forma ainda esparsa. Nesse sentido, destacam-se os seguintes autores: Código de Hamurábi: defendia a autotutela, permitindo à vítima comportamentos “justiceiros”; também defendia a punição de funcionários corruptos; 12 Hipócrates (460-377 a.C.): pode ser considerado o primeiro autor que destacava a alteração da saúde mental. Acreditava que todo crime, assim como o vício, é fruto da loucura. Prenúncio de estudos acerca das inimputabilidades mentais; Confúcio: tecia crítica às desigualdades sociais, afirmando que impossibilitavam o governo do povo; Platão: no livro A República, defendia que era necessária uma tentativa prévia de reeducação do criminoso. Caso restasse infrutífera, defendia então a pena de banimento do país. Presságio da teoria do Direito Penal do Inimigo; Aristóteles: destacava as correlações entre causas econômicas e práticas delituosas. Em sua obra “A Política” ressaltou que a miséria engendra rebelião e delito. Os delitos mais graves eram os cometidos para possuir o supérfluo. Quanto aos teólogos, importante destacar a contribuição de São Tomás de Aquino, que correlacionava a pobreza ao crime de roubo e que também defendia a justiça distributiva. Já quanto aos filósofos, destaca-se Hobbes – livro O Leviatã: os governantes devem dar segurança aos súditos; Montesquieu – livro O Espírito das Leis, em que destaca que o legislador deveria evitar o delito em vez de castigar; separação dos poderes; Voltaire – pobreza e miséria como fatores criminógenos; Rosseau – livro Do Contrato Social (utilizado como fundamento para o Direito Penal do Inimigo). Direito Penal do Inimigo (em alemão, Feindstrafrecht) é um conceito introduzido em 1985 por Günther Jakobs, jurista alemão, professor de Direito Penal e Filosofia do Direito na Universidade de Bonn. Para o autor, determinados criminososnão podem ser submetidos ao mesmo regramento jurídico que os cidadãos comuns, isto em razão da periculosidade das ações que optaram por praticar. Nesse sentido, seriam exemplos os crimes de terrorismo, organizações criminosas e delitos sexuais. Por terem voluntariamente violado o Pacto Social, devem sujeitar-se às regras mais severas, que flexibilizam direitos e garantias fundamentais e permitem, até mesmo, a tortura como meio de obtenção de prova. Quanto aos penólogos, destaca-se John Howard (criador do sistema penitenciário em 1777) e Jeremy Bentham: 13 Modelo Panótico de Jeremy Bentham: segundo o modelo abaixo, os presos seriam intensivamente vigiados, sem que soubessem quando ou por quem. Este modelo foi defendido por Foucault: [...]induzir no detido um estado consciente e permanente de visibilidade que assegura o funcionamento autoritário do poder. Fazer com que a vigilância seja permanente nos seus efeitos. O apogeu do Iluminismo na Revolução Francesa produziu significativas obras expoentes do pensamento liberal e humanista, dentre os quais se destacam os já citados Rosseau, Voltaire e Montesquieu. Saindo do período inquisitório, defendiam a necessidade da individualização da pena, da redução de penas cruéis, do princípio da legalidade com determinações prévias ao cometimento do crime. Assim, desenvolveram-se as Escolas Penais ou Criminológicas, que buscavam questionar e apontar soluções para a criminalidade. Resumo da aula 1 Nesta aula foi estudada a criminologia, uma ciência empírica, de experimentação, que visa a estudar aspectos correlacionados ao crime, principalmente antes de sua ocorrência. A punição ao delito é matéria aludida ao estudo do Direito Penal. Desta forma, a busca pela prevenção do crime passa necessariamente pela criminologia. Os quatro objetos criminológicos: delito, delinquente, vítima (destacando a vitimização primária, secundária e terciária) e o controle social (formal e informal). Ademais, destacamos a importância do estudo da chamada “criminologia pré-científica”, principalmente apontando sua correlação com teorias e modelos de repressão atuais, como a Teoria do Direito Penal do Inimigo e o modelo Panótico de vigilância. Atividade de Aprendizagem Disserte sobre a vitimização terciária e a Lei n° 11.340/2006 (Lei Maria da Penha). 14 Aula 2 – Introdução à criminologia Apresentação da aula 2 Nesta aula, serão analisadas as escolas Clássica e Positivista, estudando as fases antropológica, sociológica e jurídica. Abordaremos a cifra negra e a cifra dourada. Passaremos a seguir ao estudo da criminologia contemporânea através da Escola de Política Criminal (ou Moderna Alemã) e a Terza Scuola Italiana. 2.1 Criminologia e a Escola Clássica Nestor Sampaio Penteado Filho e Rogério Greco alertam que não existiu propriamente uma Escola Clássica, mas que assim foi denominada em tom pejorativo pelos positivistas, no sentido de antiga, anterior, ultrapassada. As ideias consagradas pelo Iluminismo acabaram por influenciar a redação do célebre livro de Cesare Beccaria – Dos Delitos e das Penas em 1764, com a crítica às penas aflitivas, tortura e proposta de humanização: Um crime já cometido, para o qual já não há remédio, só pode ser punido pela sociedade política para impedir que os outros homens cometam outros semelhantes pela esperançada impunidade. Se é verdade que a maioria dos homens respeita as leis pelo temor ou pela virtude, se é provável que um cidadão prefira segui-las a violá-las, o juiz que ordena a tortura expõe-se constantemente a atormentar inocentes. (BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 22). Além de Beccaria, despontam como representantes dessa corrente Francesco Carrara e Giovanni Carmignani. Com a Escola Clássica, vários princípios basilares do Direito Penal ganharam força, como o princípio do in dubio pro reo, presunção de inocência e o princípio da dignidade da pessoa humana, fazendo com que a pena deixe de ser aflitiva. Os clássicos partiram de duas teorias distintas: 15 O jusnaturalismo: direito natural, que decorria da natureza eterna e imutável do ser humano; O contratualismo: decorrente do contrato social ou utilitarismo de Rosseau, em que o Estado surge a partir de um grande pacto entre homens, no qual estes cedem parcela de sua liberdade e direitos em prol da segurança coletiva. No século XVIII, a burguesia em ascensão procurava afastar o arbítrio e a opressão do poder soberano com a manifestação desses seus representantes através da junção das duas teorias, que, embora distintas, igualavam-se no fundamental, isto é, a existência de um sistema de normas anterior e superior ao Estado, em oposição à tirania e à violência reinantes. O principal fundamento da Escola Clássica é a punibilidade do delito baseada no livre-arbítrio, levando em conta a responsabilidade moral do delinquente. Ou seja, parte da premissa de que o homem é um ser livre e racional, capaz de pensar, tomar decisões e agir em consequência disso. Segundo Rogério Greco, “entre a escolha de cometer ou não um delito, a pena deveria ser utilizada como fator de dissuasão nessa escolha, ou seja...entre o mal da pena e o benefício a ser alcançado pela prática da infração penal”. Para Refletir A questão da redução da maioridade penal. Segundo o art. 228 da Constituição Federal: São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial. Este é um tema controverso. Para alterar-se a idade de maioridade penal no Brasil, será necessária uma alteração constitucional através de PEC. Os contrários à redução compreendem que o artigo 228 é uma garantia constitucional ao indivíduo, razão pela qual seria cláusula pétrea – portanto, imutável. Por outro lado, os defensores da redução utilizam como principal argumento o “fato de o adolescente já compreender a ilicitude da conduta”, razão pela qual deveria responder criminalmente (e não como ato infracional). Portanto, o argumento é baseado no senso de “livre-arbítrio” – elemento fundamental da Escola Clássica Criminológica. 16 Embora a Escola Clássica tenha seu mérito, em razão da quebra dos paradigmas aflitivos de punição criminal e ascensão de garantias individuais, críticas surgiram em razão de seus fundamentos, principalmente sobre o livre- arbítrio como conduta humana. Inegável que essa teoria não conseguia uma resposta jurídica adequada em relação aos absolutamente inimputáveis. 2.2 A Escola Positiva e o paradigma etiológico-explicativo Inicia suas raízes no século XIX na Europa influenciada pelos princípios fisiocratas e iluministas no século anterior. Pode-se afirmar que a Escola Positiva teve três fases: Fase antropológica: o médico Cesare Lombroso publicou o livro O homem delinquente em 1.876, instaurando um período científico de estudos criminológicos. Examinava com profundidade as características fisionômicas e as comparou com os dados estatísticos de criminalidade, o que fundou a Escola Biológica da Criminologia. Analisava dados como estrutura torácica, estatura, peso, tipo de cabelo, comprimento de mãos e pernas, tamanho de crânio. Assim, criou a teoria do criminoso nato. Seus estudos possuíam uma feição multidisciplinar, compreendendo que o delito possuía múltiplas causas como variáveis ambientais e sociais, por exemplo, o clima, abuso de álcool, educação, trabalho. Grande parte de suas pesquisas foram feitas na maioria em manicômios e prisões, concluindo que o criminoso é um ser atávico, um ser que regride ao primitivismo, um verdadeiro selvagem (ser bestial), que nasce criminoso, cuja degeneração é causada pela epilepsia. Amplie Seus Estudos SUGESTÃO DE LEITURA Sugiro a leitura dolivro Holocausto Brasileiro, Autora: Daniela Arbex. Importante livro que demonstra a realidade do que foi o Hospital Psiquiátrico de Barbacena-MG. 17 Determinismo biológico: embora não tenha afastado os fatores exógenos (clima, vida social etc.), entendia que esses apenas desencadeariam a propulsão interna para o delito, pois o criminoso nasce criminoso. Ou seja, negava o livre-arbítrio. Para o determinismo a liberdade de escolha e o livre-arbítrio são meras ilusões sustentadas e defendidas por algumas correntes filosóficas. Premissas básicas de sua teoria: atavismo, degeneração epilética e delinquente nato. Características do homem atávico: fronte fungidia, crânio assimétrico, rosto largo e chato, grandes maçãs no rosto, lábios finos, canhotismo, barba rala, tatuagens etc. Crítica: milhares de pessoas sofriam de epilepsia e jamais praticaram qualquer delito. Vide o livro/documentário indicado. Saiba Mais A respeito da criminalização da tatuagem, importante destacar o Recurso Extraordinário (RE) 898450, com repercussão geral reconhecida, em que um candidato a soldado da Polícia Militar de São Paulo foi eliminado por ter tatuagem na perna. “Editais de concurso público não podem estabelecer restrição a pessoas com tatuagem, salvo situações excepcionais, em razão de conteúdo que viole valores constitucionais”, foi a tese de repercussão geral fixada. Fase sociológica: O jurista, político e sociólogo Enrico Ferri foi o criador da “sociologia criminal” com seu livro I nuovi orizzonti del diritto e della procedura penale, de 1880. Para ele, a criminalidade derivava de fenômenos antropológicos, físicos e culturais. Nega com veemência o livre-arbítrio como base da imputabilidade; entendeu que a responsabilidade moral deveria ser substituída pela responsabilidade social e que a razão de punir é a defesa social (a prevenção geral é mais eficaz que a repressão). Agregou às ideias lombrosianas a questão dos fatores sociais, econômicos e políticos como determinantes criminológicos. Classificou os criminosos em: Natos; Loucos; 18 Habituais; De ocasião; Passionais. Fase jurídica: Rafael Garófalo afirmou que o crime estava no homem e que se revelava como degeneração deste. Criou o conceito de temibilidade ou periculosidade, que seria o propulsor do delinquente e a porção de maldade que deve se temer em face deste. Defendeu a necessidade de se conceber outra forma de intervenção penal – a medida de segurança. Saiba Mais A medida de segurança é tratada pelo Código Penal a partir do artigo 96, adotando o sistema vicariante e não do duplo binário. Lembrem-se de que a sentença que reconhece a responsabilidade penal do absolutamente inimputável é classificada como Absolutória Imprópria, uma vez que não aplica pena e sim medida de segurança, que possui finalidade terapêutica. Importante destacar também que o belga Adolphe Quetelet possui uma importante contribuição a essa Escola: a Teoria das Leis Térmicas (1835), por meio da qual identificava que determinados delitos ocorreriam de forma mais reiterada de acordo com a estação do ano. Nesse sentido, identificou que no: Inverno: ocorreriam mais crimes patrimoniais; Verão: ocorreriam mais crimes contra a pessoa; Primavera: ocorreriam mais crimes contra as liberdades sexuais. Também desenvolveu outros três importantes preceitos: O crime é um fenômeno social; Há várias condicionantes da prática delitiva, como miséria, analfabetismo, clima etc. 19 Era um grande defensor das estatísticas, mas de forma cautelosa, uma vez que percebeu que há uma grande quantidade de delitos não comunicados (cifra negra). Cifra negra: (zona obscura, "dark number" ou "ciffre noir") refere-se à porcentagem de crimes não solucionados ou punidos em razão de não terem sido informados ao sistema de persecução penal. Ex.: delitos sexuais, furtos. Cifra dourada: trata-se dos crimes denominados de "colarinho branco", tais como as infrações contra o meio ambiente, contra a ordem tributária, o sistema financeiro, que também não chegam ao conhecimento das instâncias oficiais. 2.3 Criminologia contemporânea Após o surgimento das Escolas Clássica e Positivista, outras foram surgindo ao longo dos anos. Visando a apontar as mais significativas ao estudo da criminologia, destaca-se a Escola de Política Criminal e a Terza Scuola Italiana. 2.3.1 Escola de Política Criminal ou Moderna Alemã Também denominada de Escola Sociológica Alemã, teve como principais expoentes Franz Von Lizt, Adolphe Prins e Von Hammel – criadores da União Internacional de Direito Penal, em 1888. Lembrando que é de Von Liszt a célebre frase: “ O Código Penal é a Carta Magna do delinquente e o Direito Penal é a barreira intransponível da Política Criminal”. Postulados da Escola: Distinção entre imputáveis e inimputáveis; Crime como fenômeno humano-social e como fato jurídico; Função finalística da pena – prevenção especial (positiva – ressocialização do indivíduo; negativa: “visa” evitar a reincidência – inibir novas práticas de crime); 20 Eliminação ou substituição das penas privativas de liberdade de curta duração. 2.3.2 Terza Scuola Italiana Surgiu como o propósito de conciliar as posições das Escolas Clássica e Positivista, tendo como expoentes Manuel Carnevale, Bernardino Alimena e João Impallomeni. Também foi denominada Positivismo Crítico. Para esta Escola, a finalidade da pena não se esgota com o castigo do culpado, mas requer também a sua correção e a sua readaptação social. Resumo da aula 2 Nesta aula foram abordadas as escolas Clássica e Positivista, estudando as fases antropológica, sociológica e jurídica, a cifra negra e a cifra dourada, passando-se, ainda, pelo estudo da criminologia contemporânea através da Escola de Política Criminal (ou Moderna Alemã) e a Terza Scuola Italiana. Atividade de Aprendizagem Disserte sobre a correlação entre a teoria lombrosiana e a proibição contida em alguns editais de concurso público vetando candidatos que ostentem tatuagens. Aula 3 – Ensaios de explicação do crime embasados no Determinismo - PENSAMENTO CRIMINOLÓGICO MODERNO Apresentação da aula 3 Nesta aula, analisar-se-á a Teoria do Determinismo em suas concepções biológica e social e a Teoria da Coculpabilidade. No que tange ao pensamento criminológico moderno, serão estudadas as teorias do consenso e do conflito. 21 3.1 Ensaios de explicação do crime embasados no Determinismo O determinismo social é a crença de que o ambiente no qual o indivíduo está inserido determina o seu comportamento, inibindo-o do poder de escolha. Ou seja, segundo esta teoria, “o meio influencia” a criminalidade, afastando a crença do livre-arbítrio. Importante relembrar a lição do sociólogo Thomas Hobbes, que compreendia a ideia do livre-arbítrio como uma ilusão, compreendendo que o homem determina seu comportamento mediante o meio em que vive. Por isso a necessidade do contrato social buscando a manutenção da paz entre os indivíduos, pois “o homem em seu estado de natureza é o lobo do próprio homem”. No que se refere ao determinismo biológico, é a (errada) compreensão de que as características físicas, psicológicas e criminológicas do ser humano são determinadas por sua raça ou nacionalidade. Por essa teoria, as generalizações são a regra, como no exemplo de creditar inteligência acima da média a todos os asiáticos, a cor de pele negra a todos os africanos, etc. Como destacado sobre o determinismo social, considera-se que o meio influencia a criminalidade, destacando-se sua correlação entre capitalismo e criminalidade. Há acadêmicos que defendem que o modelo de mercado capitalista, por incentivaro consumo, seria determinante para a prática de delitos, especialmente os patrimoniais e contra a Administração Pública. Em razão desta teoria, há a criminologia crítica, baseada em fundamentos marxistas. Por outro lado, há ainda a Teoria da Coculpabilidade. Explicando-a, segue trecho de Rogério Greco: Sabemos, como regra geral, a influência que o meio social pode exercer sobre as pessoas. A educação, a cultura, a marginalidade e a banalização no cometimento de infrações penais, por exemplo, podem fazer parte do cotidiano. Sabemos, também, que a sociedade premia poucos em detrimento de muitos. Não existe distribuição de riquezas. Desta forma, a Teoria da Coculpabilidade evidencia a parcela de responsabilidade que deve ser atribuída à sociedade quando da prática de 22 determinadas infrações penais pelos seus cidadãos, principalmente aqueles marginalizados. Assim, como explica Rogério Greco: “quando tais pessoas praticam crimes, devemos apurar e dividir essa responsabilidade com a sociedade”. 3.2 Pensamento criminológico moderno O pensamento criminológico moderno é influenciado por duas visões: uma de cunho funcionalista (chamadas teorias do consenso) e outra de cunho argumentativo (chamadas teorias do conflito). 3.3 Teorias do consenso As teorias do consenso compreendem que os objetivos da sociedade são atingidos quando há o funcionamento perfeito de suas instituições, com os indivíduos compartilhando das metas sociais comuns e agindo de acordo com as regras de convívio. São exemplos de teorias do consenso a Escola de Chicago, a Teoria da Associação Diferencial, a Teoria da Anomia e da Subcultura Delinquente. 3.3.1 Escola de Chicago A Revolução Industrial proporcionou uma forte expansão do mercado americano, com a consolidação da burguesia comercial. Em função do crescimento desordenado da cidade de Chicago, que se expandiu do centro para a periferia, inúmeros e graves problemas sociais, econômicos e culturais criaram ambiente favorável à criminalidade. Esse crescimento urbano é favorável à aproximação entre as pessoas, com a vizinhança se conhecendo. Isso favorece as redes de controle informal (polícia natural), na medida em que há relações de mútuo auxílio contra a criminalidade. No entanto, os avanços do progresso cultural aceleram a mobilidade social, com mudanças de emprego, residência, bairro etc. Assim, essa mobilidade acaba por ser um impeditivo ao controle social informal nas cidades. 23 A Escola de Chicago foi a responsável pelo desenvolvimento da teoria ecológica, que pontua que o crescimento desordenado das cidades faz desaparecer o controle informal, fazendo com que os cidadãos sejam desconhecidos entre si, o que favoreceria o aumento da criminalidade. Desta forma, são propostas da ecologia criminal: Alteração socioeconômica das crianças; Efetivação de programas comunitários; Reurbanização de bairros pobres. Assim, a principal contribuição da Escola de Chicago foi o destaque à prevenção, reduzindo a repressão, bem como a implementação de ações afirmativas que incluam o indivíduo na sociedade. 3.3.2 Teoria da Associação Diferencial Foi desenvolvida pelo sociólogo americano Edwin Sutherland. Afirma que o comportamento do criminoso é aprendido, nunca herdado, criado ou desenvolvido pelo indivíduo. Assim, a associação diferencial é um processo de apreensão de comportamentos desviantes, ou seja, de aplicação direta da lei da imitação, sendo a criminalidade uma consequência de uma socialização incorreta. 3.3.3 Anomia. Subcultura delinquente Anomia foi uma teoria profundamente estudada pelo sociólogo Emile Durkheim, que enxergava o crime como um fenômeno social cultural. Compreendia que a pena deve ser utilizada não com fins meramente punitivos, mas com a finalidade de mostrar à sociedade que o crime é algo reprovável, demonstrando que a conduta é proibida. A pena, nesse sentido, serviria também para impedir o sentimento de impunidade. Desta forma, compreende que se o Estado falha na proteção aos seus cidadãos, há a anomia, isto é, manifestações comportamentais em que as normas sociais são ignoradas ou contornadas. Ou seja, o descumprimento da 24 Lei gera nos cidadãos a impressão de que esta não é cumprida, o que favorece a criminalidade. Exemplo de anomia jurídica ocorre com o artigo 273, §1° do Código Penal: Artigo 273 do Código Penal Dispõe sobre o Código Penal e dá outras providências. O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, usando da atribuição que lhe confere o art. 180 da Constituição, decreta a seguinte Lei: CAPÍTULO III DOS CRIMES CONTRA A SAÚDE PÚBLICA Modalidade Culposa Art. 273. Falsificar, corromper, adulterar ou alterar produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais: (Redação dada pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998) Pena - reclusão, de 10 (dez) a 15 (quinze) anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998) § 1º - Nas mesmas penas incorre quem importa, vende, expõe à venda, tem em depósito para vender ou, de qualquer forma, distribui ou entrega a consumo o produto falsificado, corrompido, adulterado ou alterado. (Redação dada pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998) Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm Observe que a pena mínima desse crime é de 10 anos (enquanto, por exemplo, a pena mínima do crime de estupro é de 06 anos), mas apesar disso a grande maioria da população brasileira desconhece o delito de importação de medicamentos ou continuam a praticar por conta da baixa incidência punitiva desse delito. O termo “subcultura delinquente” foi consagrada na literatura criminológica pela obra de Albert Cohen: Delinquent boys. O conceito não é exclusivo da área criminal, sendo utilizado igualmente em outras esferas do conhecimento, como na antropologia e na sociologia. Trata-se de um conceito importante dentro das sociedades complexas e diferenciadas existentes no http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9677.htm#art273 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9677.htm#art273 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9677.htm#art273 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9677.htm#art273 https://jus.com.br/tudo/antropologia https://jus.com.br/tudo/sociedades 25 mundo contemporâneo, caracterizado pela pluralidade de classes, grupos, etnias e raças. Portanto, refere-se às pessoas que “se retiram da sociedade”. A Teoria da Subcultura Delinquente foi de fato desenvolvida por Wolfgang e Ferracuti em 1967. Defende a existência de uma subcultura da violência, que faz com que alguns grupos passem a aceitar a violência como um modo normal de resolver os conflitos sociais. Ademais, compreende ainda que algumas sociedades fazem apologia à violência, punindo com desdém aqueles indivíduos que não se adaptam aos padrões do grupo. Caracteriza-se por três fatores: não utilitarismo da ação; malícia da conduta e negativismo: O não utilitarismo da ação considera que muitos crimes não possuem motivação racional; A malícia da conduta é o prazer em desconcertar, em prejudicar o outro. Ex.: gangues; Já o negativismo da conduta mostra-se como polo oposto aos padrões da sociedade. 3.4 Teorias do conflito Estas teorias argumentam que a harmonia social decorre da força e da coerção. A pacificação social somente seria conseguida através da imposição de sanções. 3.4.1 Labelling Approuch Também denominada teoria do interacionismo simbólico, etiquetamento, rotulação ou reação social, surgiu nos anos 60 nos Estados Unidos, tendo como principais expoentes Erving Goffman e Howard Becker. Para essa teoria, a criminalidade não é uma qualidade, mas a consequência de um processo de estigmatização. Assim, o que diferencia o delinquente do “homemcomum” é o processo de rotulação que recebe. Nestor Sampaio ensina que “a criminalização primária produz a etiqueta ou rótulo, que por sua vez produz a criminalização secundária (reincidência). A https://jus.com.br/tudo/violencia 26 etiqueta ou rótulo (materializados em atestado de antecedentes, folha corrida criminal, divulgação de jornais sensacionalistas etc.) acaba por impregnar o indivíduo”. Exemplo disso é o artigo 61, inciso I do Código Penal, que destaca como primeira agravante a reincidência criminal. Sobre a criminalização primária, Sandro Sell aduz que o processo legislativo de criação dos tipos penais gera desproporções, mormente punindo de forma mais severa as condutas dos mais pobres. Ao criar leis, portanto, há um processo de criminalização primária, resultante da intolerância legislativa com a conduta dos mais pobres. Quando falamos de criminalização primária, falamos, em síntese, de duas coisas: a) O crime não é uma realidade natural, descoberta e declarada pelo Direito, mas uma invenção do legislador, algo é crime não necessariamente porque represente um conduta socialmente intolerável, mas porque os legisladores desejaram que assim fosse; b) E essa invenção segue critérios de preferência legislativa, cujos balizamentos não costumam respeitar princípios de razoabilidade ou proporcionalidade, gerando leis penais duríssimas contra as condutas dos mais pobres e rarefeitas em se tratando de crimes típicos dos estratos sociais elevados. Já o processo de criminalização secundária ocorre pelos órgãos de persecução penal e imprensa, que usualmente condenam e estigmatizam pobres, desempregados e moradores de áreas menos favorecidas. O tratamento diferenciado ao cidadão em decorrência de sua cor de pele e poder socioeconômico faz que alguns estejam sempre “à margem da sociedade”, o que influencia no ciclo delitivo. A criminalização terciária ou interacionismo simbólico demonstra que existem agentes estigmatizantes que vão desde o mercado de trabalho até o sistema penitenciário. Aqui, o próprio indivíduo passa a internalizar o rótulo, adotando-o em suas condutas. As consequências políticas da teoria do labelling approuch são conhecidas como “política dos quatro Ds”: Descriminalização; Diversão; Devido processo legal; De desinstitucionalização. 27 No plano jurídico-penal, os efeitos criminológicos dessa teoria ocorreram no plano da não intervenção ou do Direito Penal mínimo. O que significa: quanto menor a ingerência do Estado na repressão criminal, menor seria a violência criminal experimentada pela sociedade. Desta forma, a teoria do Direito Penal mínimo aplica, na prática, o princípio da última ratio do Direito Penal: o Direito Penal deve ser a última instância de proteção dos bens jurídicos. Percebe-se que muitas vezes o processo legislativo de criação das normas penais apenas ratifica a discriminação e rotulação de determinados indivíduos, gerando apenas punição, sem, contudo, ser eficiente para a prevenção do crime. Resumo da aula 3 Nesta aula foi analisada a Teoria do Determinismo em suas concepções biológica e social e a teoria da coculpabilidade, no que tange ao pensamento criminológico moderno, e também às teorias do consenso e do conflito. Atividade de Aprendizagem Disserte sobre antecedentes criminais, reincidência e labelling approuch. Aula 4 – Continuação das Teorias do Conflito – Vitimologia – Prevenção – Teoria da reação social Apresentação da aula 4 Nesta aula serão estudadas as escolas criminológicas que representam as teorias do conflito, quais sejam: teoria crítica ou radical e neorretribucionismo ; por fim, serão analisados aspectos sobre vitimologia, espécies de prevenção e a teoria da reação social. 28 4.1 Teoria crítica ou radical A criminologia crítica, também conhecida como criminologia radical ou marxista, estuda a criminalidade através dos processos seletivos de construção social do comportamento criminoso e de indivíduos criminalizados como forma de perpetuação das desigualdades sociais. Em razão disso, seu núcleo central é o combate à desigualdade social defendendo a tese de que a solução para a problemática do crime depende da abolição da exploração econômica e da arbitrariedade política sobre as classes dominadas. Sua origem remonta ao século XX com o trabalho do holandês Bonger, que, inspirado pelo marxismo, entende ser o capitalismo a base da criminalidade, na medida em que promoveria o egoísmo entre os indivíduos, levando os homens a delinquir. Esta teoria compreende que a realidade não é neutra e que tendenciona o processo de estigmatização da população apenas àquelas marginalizadas. Características da corrente crítica: O Direito Penal ocupa-se de proteger os interesses do grupo social dominante; Em razão das desigualdades, reclama compreensão pelo criminoso; Entende que o capitalismo é a base da criminalidade. A grande crítica que se faz à teoria radical reside no fato de apontar problemas criminológicos apenas nos países capitalistas, sem o fazer, contudo, em relação aos países socialistas. 4.2 Neorretribucionismo Esta teoria moderna surgiu nos Estados Unidos com a denominação de lei e ordem ou tolerância zero (zero tolerance), decorrente da teoria das “janelas quebradas” (broken windows theory), inspirada pela Escola de Chicago. 29 Parte da premissa de que os pequenos delitos devem ser rechaçados de forma absoluta, o que inibiria delitos mais graves, atuando como prevenção geral. As críticas a esta teoria apontam que sua aplicação gera um elevado número de encarceramentos, já que mesmo os pequenos delitos – usualmente punidos com medidas alternativas- são agora passíveis de reclusão. 4.2.1 Broken Windows Theory (Teoria das janelas quebradas) Teoria das janelas quebradas: Em 1982 foi publicada na revista The Atlantic Monthly uma teoria elaborada pelos americanos James Wilson e George Kelling, denominada Teoria das Janelas Quebradas (Broken Windows Theory). Essa teoria parte da premissa de que existe uma relação de causalidade entre a desordem e a criminalidade. Baseia-se num experimento realizado por Philip Zimbardo, psicólogo da Universidade de Stanford, com um automóvel deixado em um bairro de classe alta de Palo Alto (Califórnia) e outro deixado no Bronx (Nova York). No Bronx o veículo foi depenado em 30 minutos; em Palo Alto, o carro permaneceu intacto por uma semana. Porém, após o pesquisador quebrar uma das janelas, o carro foi completamente destroçado e saqueado por grupos de vândalos em poucas horas. Na ocasião, o psicólogo percebeu que em razão da janela quebrada do automóvel, surgiu uma sensação de impunidade no bairro que, até então, não tinha histórico de criminalidade, o que gerou o ato delitivo. Com base nessa teoria, Rudolph Giuliani aplicou Operação Tolerância Zero em Nova York, reduzindo consideravelmente a criminalidade. 4.2.2 Tolerância zero A Operação Tolerância Zero, baseada na Teoria da Janela Quebrada, adotou um modelo de repressão criminal inflexível a crimes pequenos (como extorsão de “cuidadores de automóveis em vias públicas”, pichação etc), visando a promover o respeito à estrita legalidade e a redução de crimes. Como citado, essa operação foi aplicada na cidade de Nova York no ano de 1994 pelo então prefeito Rudolph Giuliani. Como diretrizes, houve o aumento do policiamento ostensivo nas ruas e punições a contravenções penais e crimes 30 de menor potencial ofensivo. Como resultado desta política de Tolerância Zero, houve a diminuição de 61% dos homicídios e 44% dos crimes em geral. Por outro lado, a tolerância zero também foi chamada de “choque de polícia”, por consentir ampla atuação repressiva, admitindo, inclusive,atos discricionários. Em razão disso, gerou críticas em razão de possíveis abusos policiais e do aumento da população carcerária. 4.2.3 Teoria da lei e ordem Como decorrência da aplicação da tolerância zero, foi desenvolvida a teoria da lei e da ordem. Wesley Skogan, em 1990, correlaciona mais incisiva a causalidade entre desordem e criminalidade do que entre desordem e pobreza. Desta feita, é necessária uma “disciplina social”, em que os indivíduos cumpram as normas, do contrário, haverá caos e criminalidade. Damásio de Jesus explicava que “um dos princípios do ‘Movimento de Lei e Ordem’ separa a sociedade em dois grupos: o primeiro, composto de pessoas de bem, merecedoras de proteção legal; o segundo, de homens maus, os delinquentes, aos quais se endereça toda a rudeza e severidade da lei penal”. Um dos autores mais críticos dessa teoria é Loïc Wacquant, que tem tecido críticas à propagação dessa política, explanando sua preocupação ao chamá-la de “tendência de Ventos Punitivos vinda do outro lado do Atlântico”. 4.3 Vitimologia Durante a Escola Clássica, a criminologia preocupava-se apenas com o crime e a Escola Positivista preocupava-se com o criminoso. Assim, o estudo da vítima resumia-se apenas na análise de seu comportamento como circunstância judicial do artigo 59 do Código Penal. O marco teórico foi o 1° Simpósio Internacional de Vitimologia ocorrido em 1973, em Israel. Buscaram traçar perfis de vítimas potenciais, com o auxílio do Direito Penal, da Psicologia e da Psiquiatria. De acordo com Benjamim Mendelsohn, classificam-se as vítimas em: Vítima inocente; 31 Vítima provocadora; Vítima agressora: justifica a legítima defesa de seu agressor. Uma vez analisada a classificação das vítimas, é importante analisar a relação entre criminoso e vítima, chamada de par penal. Como destacado, o comportamento da vítima deve ser considerado para fins de responsabilidade criminal, como no caso dos crimes culposos ou do homicídio privilegiado, em que a vítima do autor do delito é diminuída se o crime ocorreu “logo após a injusta provocação da vítima”. Da mesma forma que existem criminosos reincidentes, também é certa a existência de vítimas potencias. A isso nomeia-se de “potencial de receptividade vitimal”. Nesse sentido, são exemplos os agentes policiais – sujeitos diariamente à violência; médicos e profissionais de enfermagem; vigias de bancos. Por fim, cumpre destacar a classificação da vitimização: Vitimização primária: é aquela que corresponde diretamente aos danos sofridos e suportados pela vítima; Vitimização secundária: também conhecida como sobrevitimização. É aquela causada pelas instâncias formais de controle social, no decorrer do processo. Ex.: depoimento de vítima de delito sexual na delegacia de polícia e novamente em audiência instrutória; Vitimização terciária: ocorre quando a vítima é “abandonada” pelos órgãos oficiais e pela própria sociedade que não acolhe a vítima, desfavorecendo a denúncia dos delitos às autoridades competentes, gerando a cifra negra. 4.4 Prevenção Prevenção delitiva é o conjunto de ações que visam a evitar a ocorrência do delito. Para que seja efetiva, é necessária a aplicação de medidas preventivas atingindo indiretamente o crime e medidas que o ataquem diretamente. Nas medidas preventivas indiretas busca-se atingir positivamente a sociedade, como no caso de desfavelização, fomento de empregos, programas medicinais de exames pré-natal, planejamento familiar etc. 32 Por outro lado, nas medidas preventivas diretas volta-se a atenção para o delito em si, como no caso de repressão criminal implacável (tolerância zero) , atuação de polícia ostensiva etc. Ademais, temos ainda três espécies de prevenção que devem ser observadas: Prevenção primária: ataca a raiz do conflito, atuando na educação, emprego, moradia etc. Determina que o Estado implemente direitos sociais através de políticas públicas a longo prazo; Prevenção secundária: dirige-se não ao indivíduo, mas a setores da sociedade, visando políticas de curto e médio prazo. Dirige-se às polícias, programas de apoio etc; Prevenção terciária: voltado ao preso, visando a sua recuperação social. Busca evitar a reincidência através de medidas socioeducativas, como liberdade assistida, prestação de serviços comunitários etc. Perceba que o mero aumento de penas, do preceito secundário de tipos penais, por si só, jamais terá o efeito de coibir a prática delitiva. É necessário um conjunto de políticas sociais atreladas a estudos criminológicos. 4.5 Teoria da reação social A prática de delitos gera reações sociais, sendo que o Estado obrigatoriamente deve estudá-las e considerá-las em seus estudos criminológicos. Os programas de prevenção devem agregar os modelos de reação social, aplicando medidas pertinentes para evitar o conflito social. Todo crime gera uma reação da sociedade. Atualmente, temos três modelos de reação social: dissuasório, ressocializador e restaurador: Modelo dissuasório (Direito Penal clássico): também denominado modelo retributivo, volta sua atuação para o delinquente. Visa à repressão por meio da punição intimidatória e proporcional ao dano causado. As sanções penais somente são aplicadas aos imputáveis e semi- imputáveis, vez que os inimputáveis são submetidos a tratamento 33 psiquiátrico. Antonio García-Pablos de Molina tece críticas a esse modelo, dizendo que pode potencializar os conflitos ao invés de resolvê-los, já que exclui a vítima e a sociedade do processo ressocializador; Modelo ressocializador: praticado o delito, o delinquente está sujeito a uma punição, no entanto este modelo não se limita ao mero castigo, procurando também a reinserção social do preso. Em razão disso, a participação da sociedade é necessária para prevenir e evitar a estigmatização. Nesse modelo, ações são tomadas para melhorar o regime de execução penal, buscando preparar o egresso para a reinserção social; Modelo restaurador (integrador): também conhecida como “justiça restaurativa”, visa à completa e real reeducação do infrator, à assistência à vítima e ao controle social afetado pelo crime. Busca a reparação do dano causado. Este modelo visa a solucionar o problema criminal por meio de ação conciliadora, que procura atender aos interesses e exigências de todas as partes envolvidas. Ao compreender o crime como um fenômeno interpessoal, defende que as pessoas envolvidas devem participar da solução do conflito por meios alternativos, distanciados de critérios legais, e do formalismo. Resumo da aula 4 Nesta aula foram abordadas as escolas criminológicas como a criminologia crítica e a criminologia radical, mais conhecida por marxista. Também foram citados o neorretribucionismo, a vitimologia, a prevenção e a teoria da reação social. Atividade de Aprendizagem Disserte sobre a diferença entre os modelos de justiça retributiva e restaurativa. 34 Resumo da disciplina Nesta disciplina abordou-se a criminologia pré-científica, analisando o modelo Panótico de vigilância de Jeremy Bentham, em que o preso permanecia constantemente sob vigilância. Tratou-se, ainda, da punição do delito, aludida ao estudo do Direito Penal, bem como dos quatro objetos criminológicos: delito, delinquente, vítima (primária, secundária e terciária) e controle social. Foram citadas as escolas Clássica e Positivista e suas fases - antropológica, sociológica e jurídica -, que deram origem às escolas penais ou criminológicas, as quais buscavam questionar e apontar as soluções para a criminalidade. Também foi apresentada a teoria de determinismo em suas concepções biológicas e sociais, a teoria da coculpabilidade, as escolas criminológicas que apresentam as teoriasde conflito, como a teoria crítica ou teoria radical, o “neorretribucionismo”, encerrando com vitimologia, espécies de prevenção e a teoria da reação social. 35 REFERÊNCIAS BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2015. CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal. 6ª ed. Juspodium, Salvador, 2018. GARCIA-PABLOS DE MOLINA, Antonio. GOMES, Luis Flávio. Criminologia: introdução a seus fundamentos teóricos. 8 eds. Revista dos Tribunais: São Paulo, 2002. LOMBROSO, Cesare. O homem delinquente. Tradução Sebastião José Roque. São Paulo: Ícone, 2007. MOLINA, Antonio García-Pablos de. O que é criminologia? Tradução Danilo Cymrot. – 1ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. PENTEADO FILHO, Nestor Sampaio. Manual esquemático de criminologia. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2013. SELL, Sandro César. A etiqueta do crime:. Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1507, 17 ago. 2007. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/10290. SHECARIA, Sergio Salomão. Criminologia. 4 eds. Revista dos Tribunais, São Paulo, 2012. Copyright © - É expressamente proibida a reprodução do conteúdo deste material integral ou de suas páginas em qualquer meio de comunicação sem autorização escrita da equipe da Assessoria de Marketing da Faculdade São Braz (FSB). O não cumprimento destas solicitações poderá acarretar em cobrança de direitos autorais. http://jus.com.br/artigos/10290/a-etiqueta-do-crime http://jus.com.br/revista/edicoes/2007 http://jus.com.br/revista/edicoes/2007/8/17 http://jus.com.br/revista/edicoes/2007/8/17 http://jus.com.br/revista/edicoes/2007/8 http://jus.com.br/revista/edicoes/2007 http://jus.com.br/artigos/10290
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