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Geralda Mercedes Pereira "A problemática das infecções hospitalares e o papel da Central de Material Esterilizado vivenciado em um hospital de reabilitação" BELO HORIZONTE 2011 Universidade Federal de Minas Gerais Instituto de Ciências Biológicos – Departamento de Microbiologia Curso de Especialização em Microbiologia "A problemática das infecções hospitalares e o papel da Central de Material Esterilizado vivenciado em um hospital de reabilitação" Monografia apresentada ao Colegiado do Programa de Pós-Graduação em Microbiologia da Universidade Federal de Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção do título de Especialista em Microbiologia Área de Concentração: Microbiologia Aplicada às Ciências da Saúde Aluna: Geralda Mercedes Pereira Orientadora: Profª Maria Auxiliadora Roque de Carvalho Co-Orientadora: Profª Simone Gonçalves dos Santos Colaboradora: Enf Claudia Rogeria Ferreira Pinto BELO HORIZONTE 2011 DEDICATÓRIA Aos Professores: ¨Os professores ideais são os que se fazem de pontes, que convidam os alunos a atravessarem, e depois, tendo facilitado a travessia, desmoronam-se com prazer, encorajando-os a criarem as suas próprias pontes¨ Nikos KazantzáKis Agradecimentos À Deus, meu guia e companheiro de todas as horas. Aos meus pais, por terem acreditado em meus sonhos e lutado para que um dia eu pudesse realizá-los; À Rede Sarah de Hospitais de Reabilitação, meu profundo agradecimento por tudo que aprendi como Ser humano exposta, a esta vastidão de mundo; Ao Núcleo de direção do Hospital Sarah de Reabilitação de Belo Horizonte, pelo acompanhamento, pela motivação, e interesse em compartilhar com o Centro de material Esterilizado este momento tão precioso; À Ana Tereza, pelo incentivo, participação, paciência, amor e respeito às minhas escolhas e caminhos seguidos por mim; À Profª Edel Stancioli, por sua simplicidade, seu apoio e seu carinho ao longo desta jornada; À querida Enfermeira Cecilia Pereira Barbosa, minha preceptora na Residência de enfermagem, exemplo de dignidade, humildade e fraternidade, por ter me acolhido como ser humano que sou e ter lutado bravamente por minha permanência na Instituição SaraH. À Enfermeira Claudia Rogéria Ferreira Pinto, pela colaboração, participação e incentivo ao longo desse estudo Ao Enfermeiro Eduardo Terra, pela generosa contribuição na realização dos testes de qualificação da limpeza e pela discussão cientifica que se fez presente. Aos meus amigos, e colegas de trabalho do Centro de Material Esterilizado Sarah Belo Horizonte, que vibraram comigo, que me deram força e, por fim, compreenderam que a ciência é mais uma ferramenta na busca da excelência no cuidar; Aos meus amigos da turma de especialização em Microbiologia, ênfase Microbiologia Aplicada às Ciências da Saúde o Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerias, minha gratidão pelo companheirismo, ajuda, incentivo, e pela grande amizade construída. Às minhas orientadoras, Professora Maria Auxiliadora e Professora Simone Santos, pela sinceridade, pelo conhecimento e por terem me deixado à vontade para fazer esta monografia. Resumo O presente estudo tem o objetivo de situar a problemática das infecções hospitalares e o papel do Centro de Material Esterilizado (CME) no controle de infecção em um hospital de reabilitação, enfatizando a relevância do conhecimento microbiológico na área de esterilização, com ênfase na limpeza. Estima-se que de 15 a 30% das infecções hospitalares poderiam ser evitadas apenas pela observância do rigor exigido nos processos de limpeza e esterilização dos instrumentais cirúrgicos. Os avanços na Microbiologia e Biotecnologia têm contribuído com ferramentas essenciais para que o CME possa trabalhar na qualificação e validação dos seus processos de limpeza e esterilização e, assim, proporcionar instrumentais rigorosamente assépticos, fator determinante no controle e prevenção de infecção hospitalar. Nesse trabalho, realizou-se um estudo quantitativo do processo de limpeza realizado no CME da unidade de Belo Horizonte da Rede Sarah de Hospitais de Reabilitação, para contextualizar, com rigor científico, a fundamentação teórica da problemática. Aproximadamente, 4.000 instrumentos são limpos, por mês, pelo CME. Considerando uma estimativa inicial máxima de 8% de peças com resíduo de sujidade (P) e um nível de significância de 5%, calculou-se um tamanho de amostra (604 peças) para estimar, com precisão de 2%, a proporção de peças com sujidade, após o processo de limpeza. A amostra foi composta por instrumentais cirúrgicos, utilizados nas cirurgias e encaminhados para a limpeza no CME. Cada instrumento recebeu, inicialmente, um número aleatório, entre 1 e 86, fornecido pela função aleatório dentro do software Excel XP®, versão 2007. Os itens da amostra foram submetidos a inspeções visuais, através do microscópio digital Dinolitle digital Microscopy, com ampliação de 230 vezes e resolução de 1280x1024, e testes de resíduo de proteína pelo método Clean Trace Surface Protein High Sensitivity da 3MTM, em instrumentos canulados, pelo método Clean TraceTM Water total ATP- 3MTM. . Empregando- se o teste estatístico z para uma proporção, foi avaliada a hipótese de que a proporção de peças utilizadas, no período de 28 de outubro a 30 de novembro de 2010, e que apresentariam sujidade, após a limpeza manual, seria de 8% (H0), contra a hipótese alternativa H1 de que essa proporção seria inferior a 8%. A proporção observada foi de 0% em 604 peças inspecionadas. Considerando um nível de significância de 5%, não foi possível aceitar H0 (valor-p < 0,001). Portanto, a proporção de peças utilizadas naquele período e que poderiam apresentar sujidade foi inferior a 8%. Dentro da amostra inspecionada de 75 instrumentos dia era esperado encontrar 4 peças com sujidade. Sendo a limpeza, a etapa mais importante no processo de esterilização, e sua ineficiência uma falha, comprovar sua eficácia torna-se necessário, pois o instrumental esterilizado é fator crítico na prevenção e controle das infecções hospitalares. LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS AAMI – Association for the Advance of Medical Instrumentation AIDS - Síndrome da Imunodeficiência Adquirida ANVISA – Agencia Nacional de Vigilância Sanitária BDENF - Base de Dados da Enfermagem BIREME - Biblioteca Regional de Medicina BVS - Biblioteca Virtual em Saúde CCIH – Comissão de Controle Infecção Hospitalar CINAHL - Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature CME- Centro de Material Esterilizado COEP - Comitê de Ética em Pesquisa CUIDEN - Base de Dados Bibliografica de La Fundacion Index DNA – Ácido Dessoxidoribonucléico EPS - Exopolissacarídeos EUA - Estados Unidos da América FDA - Food and Drug Administration HIV - Vírus da Imunodeficiência Humana HTM2030 - Health Technical Memorandum IH – Infecção Hospitalar INPS – Instituto Nacional de Previdência Social ITU – Infecção do Trato urinário KPC – Klebsiella Pneumonae resistente à carbapenemase LILACS - Literatura Latino-americana em Ciências da Saúde MβL – Metalo Betalactamase NDM-1 - Sigla em inglês para metalo-betalactamase 1 de Nova Délhi NNIS - National Nosocomial Infections Surveillance System OMS - Organização Mundial de Saúde OPS – Organização Pan- Americana de Saúde PCIH – Programa de Controle de Infecção Hospitalar PCR - Reação em Cadeia de Polimerase PNM – Pneumonia POP – Procedimento Operacional Padrão PUBMED - Publicações Médicas RDC – Resolução Diretoria Colegiada RFLP - Polimorfismode grandes fragmentos de restrição RNA – Ácido Ribonucléico rRNA - Ácido Ribonucléico Ribossômico SAL - Sterile Assurance Level SCIELO - Scientific Electronic Library Online SHV-1 - Variação de sulfidril SIO - Instituto Scripps de Oceanografia SUS – Sistema Único de Saúde SVHR - Sindbis vírus TCLE - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido TEM- Contração de Termoniera UMFG - Universidade Federal de Minas Gerais VAN A – Bactérias Resistentes à Vancomicina A VBTF – Esterilização a Vapor por Baixa Temperatura com Formaldeído WHOLIS - World Health Organization Library SUMÁRIO 1 - Introdução................................................................................................................................... 1 2 – REVISÃO BIBLIOGRÁFICA.................................................................................................. 3 2.1 – MICRORGANISMOS - EVOLUÇÃO (estrutura, genética, crescimento e morte)............... 3 2.1.1 - O mundo dos micróbios ....................................................................................................... 4 2.1.2 Fungos .................................................................................................................................... 7 2.1.3 Vírus ....................................................................................................................................... 8 2.1.4 - Microrganismos causadores de doenças ............................................................................ 12 2.1.5 - Importância ecológica e econômica dos microrganismos.................................................. 13 2.1.6 - Microrganismos e biotecnologia ........................................................................................ 14 2.2 - BIOFILMES.......................................................................................................................... 15 2.3 – RESISTÊNCIA BACTERIANA.......................................................................................... 20 2.3.1 Beta-lactamases como principal mecanismo de resistência aos beta-lactâmicos................. 22 2.3.2 - Estrutura molecular de multirresistência............................................................................ 24 2.3.3 - Ferramentas genômicas e proteômicas para o estudo da resistência bacteriana ................ 26 2.3.4 – Reação em cadeia de Polimera (PCR) em tempo real ....................................................... 27 2.3.5 Quimioluminiscencia de DNA ............................................................................................. 27 2.3.6 - Espectrometria de massa (MALDI-TOF) .......................................................................... 28 2.4 – INFECÇÃO HOSPITALAR ................................................................................................ 29 2.4.1 – Programa de controle de infecção hospitalar no Brasil ..................................................... 34 2.5 – ENZIMAS ............................................................................................................................ 36 2.6 – CENTRO DE MATERIAL E ESTERILIZAÇÃO............................................................... 37 2.7 – LIMPEZA............................................................................................................................. 40 2.7.1 – Detergemte Enzimático ..................................................................................................... 42 2.7.2 – Enxágüe ............................................................................................................................. 44 2.7.3 – Secagem e Inspeção........................................................................................................... 45 2.7.4 – MONITORAMENTO DO PROCESSO DE LIMPEZA................................................... 46 3- O CENTRO DE MATERIAL ESTERILIZADO, DA UNIDADE BELO HORIZONTE DA REDE SARAH DE HOSPITAIS DE REABILITAÇÃO.............................................................. 47 4- METODOLOGIA ..................................................................................................................... 50 5 – RESULTADOS ....................................................................................................................... 52 6 - DISCUSSÃO............................................................................................................................ 52 REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA............................................................................................... 54 ANEXO 1 - Procedimento de operação padrão - Inspeção microscópica de material médico hospitalar ....................................................................................................................................... 60 ANEXO 2 - Procedimento de Operação Padrão -Teste de Proteína – CLEAN-TRACE PROTEÍNA HS ............................................................................................................................. 61 ANEXO 3 - Procedimento de Operação Padrão - Teste de ATP – CLEAN-TRACE Water ATP total ................................................................................................................................................ 62 ANEXO 4 - Procedimento de Operação Padrão Esterilização em Formaldeído .......................... 63 ANEXO 5 - Procedimento de Operação Padrão Esterilização a Vapor Saturado sob Pressão ..... 67 ANEXO 6 - Procedimento de Operação Padrão Cidex - OPA ..................................................... 69 ANEXO 7 - Procedimento de Operação Padrão -Teste de Bowie-Dick ...................................... 71 ANEXO 8 - Procedimento de Operação Padrão Pacote-Desafio – Attest 1296 ........................... 72 ANEXO 9 - Procedimento de Operação Padrão 3MTM Attest 290 Auto-reader (incubadora)...... 74 ANEXO 10 - PLANILHA DE COLETA DE DADOS - TESTE DE RESÍDUOS DE PROTEÍNA ....................................................................................................................................................... 77 ANEXO 11- PLANILHA DE COLETA DE DADOS - TESTE DE Water ATP......................... 78 ANEXO 12 - APROVAÇÃO DO COEP DA REDE SARAH DE HOSPITAIS DE REABILITAÇÃO.......................................................................................................................... 79 ANEXO 13 - PLANTA BAIXA - CME ...................................................................................... 81 1 1 - Introdução As bactérias são ubíquas na natureza. Revestem a pele, as mucosas e cobrem o trato intestinal dos homens e de outros animais. Elas estão intrinsecamente ligadas à vida dos organismos e aos diferentes ambientes que habitam. (47;47) No último quarto do século XIX, a ciência descobriu que as doenças infecciosas eram causadas por bactérias, fungos e vírus. Porém, até hoje, apesar das inúmeras tentativas de conter o seu avanço, as doenças infecciosas continuam se globalizando. (55) As infecções hospitalares (IH) são as mais frequentes e importantes complicações ocorridas em pacientes hospitalizados. No Brasil, estima-se que 5% a 15% dos pacientes internados contraem alguma infecção hospitalar. Uma infecção hospitalar acresce, em média, 5 a 10 dias ao período de internação. Além disso, os gastos relacionados a procedimentos diagnósticos e terapêuticos da infecção hospitalar fazem com que o custo seja elevado. (30) As IH representam um problema grave de saúde pública no mundo, inclusive no Brasil. A carga global dessas infecções hospitalares em consequência das elevadas taxas de morbidade (10%, trinta milhões de pacientes), mortalidade (10%, mortalidade atribuída, três milhões/ano) e custos financeiros (US$ 100/episódio, US$ três bilhões/ano) se mostra extremamente alta, destacando-se, ainda,um acréscimo de 26 dias de permanência hospitalar dos pacientes acometidos. (18) A história da criação e desenvolvimento da Central de Materiais e Esterilização (CME) está diretamente relacionada ao desenvolvimento das técnicas cirúrgicas com a introdução da anestesia em 1842 - 1846 por Long e Morton, respectivamente, e com o descobrimento por Pasteur e Kock de que os microrganismos eram sensíveis ao calor. (17;39) O primeiro relato de eliminação de microrganismos vivos em instrumentais cirúrgicos data de 1865, com o cirurgião Joseph Lister, utilizando os conhecimentos de Pasteur e Koch. (17;39) No século XX, com o avanço das descobertas científicas no campo da Microbiologia e o aperfeiçoamento de procedimentos cirúrgicos, inicia-se a criação de locais apropriados para o tratamento do material utilizado, sendo, então, criados os Centros de Material Esterilizado (CME). (3;17) 2 Estima-se que há mais de dois milhões de casos de IH nos Estados Unidos a cada ano, com um total de 88.000 mortes por ano. Um grande número destes casos, cerca de 30%, poderia ser prevenido com a aplicação de conhecimentos existentes na monitoração do processo inicial da esterilização: a limpeza. (28) No Brasil, em 2005, o Datasus registrou 11,16 milhões de internações nos hospitais públicos e conveniados. Tomando como referência uma taxa de infecção de 5% à 10% tem-se um número de infecções hospitalares entre 580 mil e 1,16 milhões de casos por ano, com uma taxa de mortalidade de 40 a 50 mil.(13) É no contexto de responsabilidade profissional no controle de infecção que se insere esta monografia. A abordagem proposta decorreu de meu interesse e experiência profissional, como membro de uma equipe que milita em um hospital de grande porte, em Belo Horizonte. O relato da experiência será precedido de uma revisão que engloba a base científica desejável a um especialista com responsabilidade gerencial no contexto do controle de infecções hospitalares. 3 2 – REVISÃO BIBLIOGRÁFICA 2.1 – MICRORGANISMOS - EVOLUÇÃO (estrutura, genética, crescimento e morte) Este é um momento excitante para a Microbiologia. Estamos nos tornando cada vez mais conscientes de que os micróbios são à base da biosfera. São os ancestrais de todos os seres vivos e o sistema de suporte para todas as outras formas de vida. Paradoxalmente, certos micróbios representam uma ameaça para a saúde humana e para a saúde das plantas e dos outros animais. Como fundadores da biosfera e os principais determinantes da saúde humana, os micróbios desempenham um papel fundamental na vida na Terra. Assim, o estudo dos microrganismos é básico para o estudo de todas as coisas vivas, e a Microbiologia é essencial para o estudo e compreensão de toda a vida neste planeta.(53) A Microbiologia estuda a diversidade e a evolução dos microrganismos, analisando como ocorreu o surgimento de diferentes tipos de microrganismos e as razões para isso. A Microbiologia está associada ao estudo de células vivas que compreendem um grande grupo de organismos com imenso significado básico e aplicado. Os microrganismos afetam todas as formas de vida na Terra, e o seu estudo pode ser abordado em dois grandes campos de pesquisa, envolvendo aspectos de natureza básica e aqueles de natureza prática ou aplicada. Nenhuma forma de vida tem tanta importância na sustentação e manutenção da vida na terra como os microrganismos. Estes seres existem há bilhões de anos, antes do surgimento de animais e plantas. Como o conjunto de suas capacidades fisiológicas os tornou grandes químicos da Terra, os microrganismos estabeleceram relações com organismos superiores, relações estas que podem ser muito benéficas ou extremamente maléficas.(31) Cerca de 100 trilhões de bactérias ocupam o organismo de um adulto, colonizando sítios externos e internos e ajudando, quando em equilíbrio, a manter a saúde do hospedeiro. Assim, por exemplo, as bactérias exercem função de defesa do organismo contra a ação de outras bactérias, dificultando a colonização de germes nocivos por uma variedade de mecanismos. No intestino, desempenham papel importante na digestão dos alimentos e produzem enzimas que estimulam o funcionamento desses órgãos. Na pele, 4 participam do processo de impermeabilização cutânea, produzindo um óleo que lubrifica as células do hospedeiro.(29) 2.1.1 - O mundo dos micróbios O paradigma corrente nos livros-texto em relação à diversidade biológica é baseado no que pode ser chamado de modelo procariota/eucariota. Contudo, o acúmulo explosivo de sequências de genes nas últimas décadas trouxe uma nova perspectiva sobre a vida e sua história. Os resultados indicam que precisamos rever nosso entendimento com relação ao curso da evolução no nível mais fundamental. Embora haja pontos ainda controversos, comparações de sequências de RNA revelaram a existência de três domínios na arvore da vida (Bacteria, Archaea e Eukarya), deixando o termo “procariota” obsoleto.(37) Alguns dos baluartes ultraestruturais e bioquímicos que nitidamente separaram esses grupos durante tantos anos - por exemplo, o nível geral de complexidade celular, tamanho da célula, o tamanho do genoma, composição dos ribossomos (se presentes) do tipo de lipídios, e complexidade comportamental - começaram a ser questionados na era pré-genômica. Mas a genômica ampliou o efeito, e forneceu uma compreensão mais profunda das regras e exceções que caracterizam esses grupos de microrganismos, incluindo os vírus.(58) O crescimento bacteriano é definido como um aumento do número de células. O crescimento corresponde a um componente essencial da função microbiana, já que todas as células apresentam tempo definido de vida na natureza. Nesse sentido, as espécies apenas são mantidas devido ao crescimento contínuo das populações microbianas.(8;12) Além da relevância do conhecimento deste fenômeno como um evento biológico básico, muitas situações práticas demandam o controle do crescimento microbiano em uma grande variedade de campos de interesse, seja na pesquisa, na prática profissional ou no cotidiano da vida humana. Na área de saúde, interferir neste fenômeno de maneira eficaz é um dos grandes desafios na prevenção e controle de doenças. Apesar de todo o avanço científico e tecnológico, a complexidade e a versatilidade destes seres singulares fazem deste mister uma busca permanente. A cada vitória conseguida, o conhecimento da 5 biologia bacteriana é, certamente, a chave do sucesso e das respostas ao insucesso, às vezes previsível.(53) Células bacterianas correspondem a uma usina biossintética, capaz de se duplicar. Os processos sintéticos de crescimento celular bacteriano envolvem cerca de 2.000 reações químicas, com ampla variedade de tipos. Algumas dessas reações envolvem transformações de energia, enquanto outras podem envolver biossíntese de pequenas moléculas, blocos constituídos de macromoléculas assim como os vários co-fatores e coenzimas necessárias às reações enzimáticas. Entretanto, as principais reações de síntese celular correspondem a reações de polimerização, processo pelos quais polímeros de macromoléculas são originados de monômeros. Com a formação dos polímeros, está preparado o cenário para os eventos finais do crescimento celular, membrana citoplasmática, flagelos, ribossomos, corpos de inclusão, complexos enzimáticos e assim por diante. (31;41) Na maioria das bactérias, o crescimento de uma célula individual ocorre até que esta se divida originando duas novas células, processo denominado fissão binária. Quando bactérias em forma de bacilo, como Escherichia coli, encontram-se crescendo em uma cultura de células, estas se alongam até atingirem aproximadamente o dobro de seu comprimento, quando, então, formam um septo, que eventualmente as separa em duascélulas filhas. Este é resultante do crescimento da membrana citoplasmática e da parede celular para o interior da célula, em direções opostas, até a individualização das células filhas. Durante o ciclo de crescimento, ocorre aumento de todos os constituintes celulares, de maneira que cada célula filha receba um cromossomo completo e cópias suficientes de todo o arsenal molecular, para garantir sua existência como célula independente. (31;41) Em bactérias, o tempo necessário para que um ciclo completo de crescimento ocorra é altamente variável, pois depende de fatores tanto nutricionais quanto genéticos. O exemplo mencionado, Escherichai coli, quando em boas condições nutricionais, pode completar o ciclo em 20 minutos. Algumas bactérias podem crescer ainda mais rapidamente, enquanto outras o fazem de maneira lenta.(31;41) Experimentalmente, a pesquisa do crescimento da população de microrganismos inicia-se a partir da inoculação de uma suspensão de bactérias em um volume fixo de um meio de cultura apropriado. Este conjunto passa a constituir um sistema semi-isolado, que 6 só mantém trocas gasosas com o exterior. O crescimento populacional bacteriano nesse sistema processa-se de forma logarítmica e é medido por unidade de tempo, sendo divido em quatro fases. Fase Lag É um período de intensa atividade celular, em que existe aumento da massa celular, mas não do número de microrganismo. Ao se estabelecerem em um meio de cultura apropriado, inicialmente sofrem uma adaptação e ajustamento às condições do meio.(31;41) Fase Exponencial Após a fase lag, o número de microrganismos aumenta exponencialmente com o tempo (fase log) e se caracteriza pela taxa máxima de multiplicação das bactérias. Durante a fase exponencial de crescimento, o número de microrganismos e a massa da cultura dobram a cada geração. Assim, o tempo de geração (g) é definido como o tempo necessário para célula se duplicar.(31;41) Independentemente da base utilizada para os logaritmos, os valores aumentam em proporção direta com o tempo. Por essa razão, crescimento exponencial é referido como crescimento logarítmico.(31;41) Sabe-se que uma cultura microbiana tem seu poder de reprodução auto-limitada, depois de certo período de tempo. Essa autolimitação se deve a fatores como escassez de nutrientes essenciais, desequilíbrio iônico e aumento de toxinas.(31;41) Fase Estacionária Após a fase exponencial, o número de microrganismos permanece relativamente constante. A fase estacionária se instala porque, ao final da fase de crescimento exponencial, o meio de cultura passa a apresentar condições inadequadas ao crescimento populacional. Há um equilíbrio entre a morte e a reprodução de bactérias. As células em fase estacionária são mais resistentes do que nas fases anteriores. Aquelas que possuem capacidade de formar esporos podem perpetuar-se indefinidamente.(31;41) Fase de declínio ou morte microbiana A morte microbiana somente pode ser identificada pelo número de sobreviventes após o contato com o agente destrutivo. Por isso, somente poderemos considerar como 7 morte microbiana quando inoculamos um microrganismo em meio de cultura adequado e ótimo para seu crescimento e desenvolvimento e ele é incapaz de se reproduzir. Portanto, morte microbiana é um conceito estatístico.(31;41) A taxa de morte para a população, que é nula durante a fase estacionária máxima, começa a crescer e alcança, eventualmente, um valor constante máximo. Depois que se estabelece uma taxa constante de morte, a cultura morre exponencialmente, ou seja, o número de sobreviventes decresce segundo uma progressão geométrica em relação ao tempo, até ser atingida a esterilidade.(31;41) A eficácia de qualquer esterilização depende da redução e limitação da carga microbiana dos artigos, prévia à esterilização propriamente dita, por meio de limpeza, do uso eficaz do esterilizador e da prevenção de recontaminação de itens esterilizados para serem colocados em uso. (31;41) Segundo a Food and Drug Administration (FDA), para o processo de esterilização é requerido um nível de segurança de esterilidade, conhecido como SAL (Sterile Assurance Level), de 10-6, número definido como margem de segurança nos processos de esterilização. Portanto, para uma população inicial de 1.000.000 e para se obter um SAL de 10-6, deve ocorrer uma redução de 12 ciclos logarítmicos, ou seja, uma probabilidade de um item não estéril em 1000.000 de itens.(31;41) 2.1.2 Fungos Na árvore molecular da vida baseada na comparação de sequências de rRNA, os fungos são organismos do domínio Eukarya. Apresentam membrana nuclear, núcleolo, cromossomos, são aclorofilados, heterotróficos (utilizam energia das ligações químicas de vários nutrientes), imóveis (alguns fungos aquáticos apresentam gametas móveis). Podem ser unicelulares (leveduras), ou pluricelulares (filamentosos ou miceliais). Os filamentosos são mais complexos, multinucleados e abundantes na natureza. Podem ser aeróbios, microaerófilos ou anaeróbios obrigatórios, se reproduzindo de forma sexuada, assexuada e podendo apresentar ciclo parassexuado. Possuem parede celular rígida, composta principalmente de quitina, e membrana celular contendo esteróis (ergosterol). Seu principal material de reserva é o glicogênio.(11;49) 8 Os fungos são encontrados em todos os ambientes: solo, ar, água, organismos do homem e dos outros animais, e dos vegetais. São decompositores primários da matéria orgânica e exercem papel fundamental no equilíbrio da natureza. São estimadas em 1,5 milhão as espécies existentes de fungos, das quais a grande maioria não foi identificada. Mais de 200 espécies foram descritas associadas ao ser humano e a outros animais, como comensais ou como patógenos.(11) Os processos empregados na obtenção de energia neste grupo microbiano são a respiração e a fermentação, sendo o último mais característico das leveduras. Diferentes fontes de carbono são utilizadas, incluindo carboidratos complexos como a lignina (componente da madeira) para a síntese de carboidratos, lipídios, ácidos nucléicos e proteínas. A forma de esporulação dos fungos é influenciada por diversos fatores físico- químicos, como temperatura, pH (têm preferência por pH mais baixo), umidade, teor de oxigênio, pressão, luz, radiações. (11;49) Os fungos podem ser filamentosos ou miceliais (conhecidos como bolores), e leveduriformes. Os filamentosos são mais complexos e abundantes na natureza. São pluricelulares, apresentam colônias com diferentes texturas e pigmentação. Uma estrutura tubular com parede rígida, a hifa, que se agrupa em micélio ou talo, que pode ser septada ou não. Os fungos filamentosos apresentam estruturas de frutificação como células esporogênicas e células conidiogênicas e estrutura de ornamentação.(49) 2.1.3 Vírus Os vírus estão entre os microrganismos mais numerosos em nosso planeta, infectando todos os tipos de organismos celulares. Para se multiplicar, os vírus precisam recrutar uma célula na qual possam se replicar, utilizando a maquinaria metabólica codificada pelos cromossomos das células hospedeiras. Essas propriedades serão transmitidas às células descendentes se, no momento da divisão celular, as células filhas também receberem o genoma viral. Os vírus também se caracterizam por apresentarem uma forma infecciosa madura tipicamente extracelular.(31) O vírion corresponde à forma extracelular de vírus e apresenta genoma de RNA ou DNA, que pode ser encontrado na forma de fita simples ou de fita dupla. O genoma do 9 vírus é introduzido em uma nova célula hospedeira a partir da infecção. Os vírus redirecionam o metabolismo da célula hospedeira, favorecendo sua replicação. Os vírus são divididos em dois grupos, de acordo com seu acido nucléico (DNA ou RNA); todos os vírus contem um ou outro, presente no virion. No entanto,há ainda um terceiro grupo de vírus que contém ambos, DNA e RNA, como material genético, ocorrendo em diferentes estágios de seu ciclo reprodutivo. Este grupo inclui os retrovírus, que contêm genoma de RNA no vírion, mas cuja replicação ocorre por meio de um intermediário de DNA, e o vírus da hepatite B de seres humanos, que contém DNA no virion intermediário de RNA durante a replicação. Apesar da diversidade da estrutura genômica, os vírus obedecem ao dogma central da biologia molecular: toda informação flui do ácido nucléico para a proteína. Além disso, os vírus, utilizam a maquinaria de tradução celular e, dessa maneira, independentemente da estrutura genômica do vírus, deve haver a formação de moléculas de RNA mensageiro (mRNA) que possam ser traduzidos pelos ribossomos da célula hospedeira.(31) Os vírus podem ser classificados de acordo com os hospedeiros que infectam. Há vírus de animais, vírus de plantas e vírus bacterianos. Vírus bacterianos, chamados de bacteriófagos, foram os primeiros estudados, por serem modelos úteis nas pesquisas de biologia molecular e genética da reprodução viral. Conceitos básicos de virologia foram desenvolvidos a partir dos estudos com bacteriófagos, sendo posteriormente aplicados aos vírus de organismos superiores. Devido à sua importância médica, os vírus de animais também têm sido amplamente estudados. Há, também, o sistema formal de taxonomia viral, que organiza os vírus em categorias taxonômicas hierárquicas: ordem, família e (subfamília), gênero e espécie.(21;31) As partículas virais variam amplamente quanto ao tamanho e à forma, são menores que as células e apresentam tamanho de 0,02 a 0,3 micrômetros. A unidade de medida normalmente utilizada para os vírus corresponde ao nanômetro, que equivale a um milésimo de um micrômetro. O vírus da poliomielite, um dos menores já descritos, possui diâmetro de apenas 28nm (um pouco menor que o tamanho da menor bactéria).(21;31) As estruturas dos virions são bastante diversas, variando amplamente quanto ao tamanho, forma e composição química. O ácido nucléico do vírion está sempre localizado no interior da partícula, sendo envolto por uma capa protéica denominada capsídeo, 10 formada por um número variável de moléculas protéicas individuais, denominadas subunidades estruturais, organizadas ao redor do ácido nucléico em um padrão altamente repetitivo e preciso. O capsômero é a unidade morfológica que pode ser vista ao microscópio eletrônico. Um único vírion pode possuir um grande número de unidades morfológicas.(21;31) O complexo total formado pelo ácido nucléico e proteínas, organizado como uma partícula viral é denominado nucleocapsídeo viral. Enzimas virais podem ser encontradas no interior do vírion e desempenham, em geral, papel no processo de infecção e replicação. Os vírus podem ser envelopados ou não envelopados. Nos vírus envelopados o núcleo capsídeo é envolto por uma membrana e os vírus sem esta membrana são chamados vírus nus.(31) Vírus não envelopados podem sobreviver no ambiente hospitalar na presença de material orgânico. Reovirus, quando secos em matriz orgânica, sobrevivem por um período de 30 dias. Estes são pertencentes à família Reoviridae, incluem, o rotavírus, principal responsável por 6% de todos os episódios de diarréia e 20% das mortes de crianças em países em desenvolvimento. Outros vírus gastrintestinais, como o vírus da hepatite A, o poliovírus e o norovírus, podem permanecer em superfície seca inanimada de alguns dias a dois meses, o que pode explicar porque os vírus causam 71% das doenças gastrintestinais nosocomiais.(21) Vírus envelopados são comuns em animais, embora também sejam conhecidos vírus envelopados em bactérias e plantas. O envelope viral consiste em uma bicamada lipídica contendo proteína, geralmente glicoproteína. Os lipídios da membrana são derivados das membranas das células hospedeiras, enquanto as proteínas são codificadas pelos vírus.(31) Vírus envelopado Sindbis virus (SVHR) é um membro da família Togaviridae, frequentemente escolhido para modular o vírus da hepatite C, com relatos de sobreviver em endoscópios flexíveis com transmissão posterior a três pacientes consecutivos em três dias. Outros vírus envelopados incluem vírus da imunodeficiência humana (HIV), que podem persistir em superfícies inanimadas de um a três dias; vírus da hepatite B sobrevive por mais de 7 dias.(21) 11 Quanto à sua simetria os vírus podem ser cilíndricos e esféricos. Os cilíndricos também exibem a simetria helicoidal, os esféricos, simetria icosaédrica. Em todos os casos, a estrutura característica do vírus é determinada pela estrutura das subunidades protéicas que o compõem.(21) Alguns vírus contêm suas próprias polimerases de ácidos nucléicos, transcrevem o ácido nucléico viral em RNA mensageiro (sem emprego de enzimas celulares), porque muitas vezes requerem uma enzima que a célula não possui. Exemplo, os retrovirírus, vírus de RNA que se replicam no interior da célula sob forma de intermediários de DNA. Esses vírus possuem uma enzima, a DNA polimerase RNA dependente (denominada Transcriptase Reversa), que transcreve a informação presente no RNA em um intermediário de DNA. Outros vírus contêm enzimas que auxiliam na sua liberação das células hospedeiras onde foram produzidos. Estas enzimas, denominadas neuraminidases, clivam as ligações glicosídicas de glicoproteínas e glicolipídeos presentes nos tecidos conectivos de células animais, auxiliando, desta maneira, a liberação dos vírus.(31) O HIV é um retrovírus envelopado pertencente à família Rentiviridade, subfamília Orphoretrovirinae e gênero Lentivirus. Seu nucleocapsídeo em forma de cone é formado pela proteína gp24. Cada partícula viral contém duas cópias de RNA de fita simples com polaridade positiva, além das enzimas virais transcriptase reversa, integrase, protease e proteínas do nucleocapsídeo.(56) O vírus da imunodeficiência humana (HIV) provoca uma infecção persistente em humanos e pode levar ao aparecimento da Síndrome de Imunodeficiência Adquirida (AIDS), caracterizado pelas manifestações clínicas, como o aparecimento de infecções oportunistas. Os primeiros casos relatados de AIDS datam de 1980 e desde este ano até junho de 2007, foram identificados 474 mil casos, só no Brasil. Atualmente são conhecidos dois tipos de vírus associados à AIDS: o HIV-1 e o HIV-2. O segundo é endêmico na África, o primeiro é o mais virulento, responsável pela maioria das infecções por HIV em todo o mundo.(56) A infecção por HIV na América Latina permanece de um modo geral estável. O número de novas infecções nesta região foi de 170.000 em 2009. Segundo dados do Ministério da Saúde, foram constatados no Brasil 205 mil óbitos causados pela AIDS até 2007, com um aumento na taxa de mortalidade até meados da década de 90. Porém, a 12 introdução da terapia de alta atividade antirretroviral (HAART) em 1996 trouxe uma im- portante queda na mortalidade, estabilizando-a em aproximadamente 6,4 óbitos anuais a partir do ano 2002. Esta terapia, que combina drogas com diferentes formas de ação, contribuiu significativamente para a queda das taxas de mortalidade, porém é ameaçada pela resistência viral.(56) 2.1.4 - Microrganismos causadores de doenças A Microbiologia como ciência teve início a partir dos estudos das doenças infecciosas. No início do século XX, as principais causas de morte correspondiam às doenças infecciosas, que continuam sendo um dos grandes desafios da medicina. O controle das doenças infecciosas tornou-se possível a partir de um conhecimento mais abrangente dos processos de doenças, da melhoria nas práticas sanitárias e do descobrimento e utilização de agentes antimicrobianos.(31;53) Ainda hoje, muitos indivíduos morrem devido às infecções microbianas, em consequência da Síndrome da ImunodeficiênciaAdquirida (AIDS). Pacientes portadores de câncer têm seu sistema imune alterado como resultado de tratamento com drogas anticancerígenas, ficando mais propensos à aquisição de infecções por patógenos resistentes a múltiplas drogas. Assim, os microrganismos, em condições a eles favoráveis, ainda são considerados uma das principais ameaças à sobrevivência humana.(31;53) Nos países em desenvolvimento, as doenças microbianas constituem uma das principais causas de morte. Anualmente, milhões de indivíduos ainda morrem de doenças amplamente disseminadas, tais como malária, tuberculose, cólera, doença africana do sono e síndromes de diarréias graves.(31) A maioria das doenças causadas por bactérias é transmitida através de alimentos ou água contaminados (cólera, febre tifóide), mas podem ocorrer casos de transmissão pelo ar, como nas pneumonias e tuberculose.(53) 13 2.1.5 - Importância ecológica e econômica dos microrganismos O nosso sistema agrícola depende, em muitos aspectos, das atividades microbianas. As leguminosas vivem em estreita associação com bactérias especiais, os Rizobium que formam estruturas em suas raízes, denominadas nódulos, nas quais o nitrogênio atmosférico (N2) é convertido em compostos nitrogenados fixados. Estes podem ser utilizados pela planta em seu crescimento, reduzindo, desta forma, a necessidade da utilização de fertilizantes agrícolas, que geralmente apresentam um custo elevado. Outros microrganismos importantes na agricultura são aqueles essenciais no processo digestivo dos ruminantes, o rúmen, onde os microrganismos realizam os processos digestivos de caprinos e bovinos, por exemplo. Na ausência dos microrganismos, os ruminantes não seriam capazes de digerir seu alimento, impossibilitando seu crescimento a partir de dietas pobres em nutrientes, tais como capim e feno.(31) A indústria de laticínios utiliza espécies de Lactobacillus e Streptococcus para a produção de queijos, iogurtes e requeijão. Na fabricação de vinagre, são usadas bactérias do gênero Acetobacter, que transformam o etanol do vinho em ácido acético.(31) Os microrganismos desempenham papel importante na indústria alimentícia, tanto na produção de alimentos como fatores de interferência na sua qualidade. Uma vez que os alimentos permitem o crescimento exuberante de diferentes microrganismos, esses devem ser monitorados de maneira adequada, visando impedir a transmissão de doenças.(31) No processo de geração de energia, os microrganismos são de suma importância. A maior parte do gás natural (metano) é de origem bacteriana, proveniente de atividades metabólicas das bactérias metanogênicas.(31) Microrganismos fototróficos podem absorver a energia luminosa, produzindo biomassa-energia armazenada em organismos vivos. A biomassa microbiana e os materiais descartáveis, tais como lixo doméstico, excedente da produção de grãos e produtos da excreção animal, podem ser convertidos em “bicombustíveis”, tais como metanol e etanol, pelas atividades degradativas dos microrganismos.(31) Também são usados na degradação de poluentes gerados pelas atividades do homem, a partir de um 14 processo chamado biorremediação. São capazes de consumir óleo, solventes, pesticidas e outros poluentes tóxicos do ambiente, seja no próprio local do vazamento ou posterior, após a penetração no solo ou em lençóis freáticos. A grande diversidade de microrganismos no solo vem sendo amplamente estudada, no sentido de melhor conhecer os vastos recursos genéticos que estes organismos apresentam para que novas soluções possam ser desenvolvidas para a limpeza do planeta.(31) 2.1.6 - Microrganismos e biotecnologia A biotecnologia envolve a utilização dos microrganismos em processos industriais de larga escala, geralmente empregando microrganismos geneticamente modificados capazes de sintetizar produtos específicos com alto valor comercial. É altamente dependente da engenharia genética, que envolve a manipulação artificial de genes e de seus produtos. Genes de qualquer origem podem ser fragmentados e modificados de diferentes maneiras, quando utilizamos microrganismos e suas enzimas como ferramentas moleculares. Pelas técnicas de engenharia genética, genes totalmente artificiais podem ser sintetizados. Uma vez esse gene desejado tenha sido selecionado ou sintetizado, este pode ser inserido em um microrganismo, no qual poderá ser expresso, originando o produto gênico desejado. A insulina humana, hormônio que se encontra em baixas concentrações em indivíduos diabéticos, pode ser produzida microbiologicamente, a partir da clonagem deste gene em um microrganismo.(31) O desenvolvimento de novas ferramentas moleculares nos campos da genômica e da proteômica permite conhecer de forma direta a estrutura e a fisiologia das bactérias. Com estes recursos, também é possível a identificação rápida dos genes que conferem a resistência aos antimicrobianos e a outros agentes químicos, e o reconhecimento de estruturas genéticas, como os integrons, que intervém na disseminação dos genes que codificam multirresistência.(19) 15 2.2 - BIOFILMES Claude Zobell, instrutor em microbiologia marinha, no Instituto Scripps de Oceanografia (SIO), em 1943, foi o primeiro microbiologista a descrever a atividade de bactérias sobre uma superfície sólida (o biofilme).(60) A formação de biofilme aparece no início do registro fóssil (~ 3250 milhões de anos atrás), e é comum em toda uma gama diversificada de organismos, como as Archaea e linhagens de bactérias, incluindo "fósseis vivos". É evidente que a formação do biofilme é um componente antigo e integrante do ciclo de vida das bactérias, e é um fator chave para a sobrevivência em ambientes diversos. Os avanços recentes mostram que biofilmes são estruturalmente complexos, com sistemas dinâmicos e com atributos de organismos multicelulares. A formação de biofilme representa um forma protegida de crescimento bacteriano, que permite a sobrevivência das células em ambientes hostis e a sua dispersão para colonizar novos nichos.(20) Usualmente, os microrganismos são caracterizados como plânctonicos, células livres em suspensão, descritos com base na característica de seu crescimento em meios de cultura nutricionalmente ricos. A formação do biofilme é um processo pelo qual os microrganismos se aderem irreversivelmente (ou seja: não são removidas por lavagem suave) e crescem numa superfície e produzem polímeros extracelulares que facilitam a adesão e a formação da matriz, resultando na alteração do fenótipo dos microrganismos em relação à taxa de crescimento e transcrição genética. (15;25) A água é o principal constituinte do biofilme, chegando a representar 97% do conteúdo total. Além disso, estão presentes macromoléculas, como proteínas, DNA, diversos produtos derivados da lise de bactérias e materiais não celulares, tais como cristais minerais, sedimentos ou componentes do sangue. Essa composição depende do ambiente do qual o biofilme se desenvolve. Estudos detalhados sobre a formação de biofilmes apontam a presença de carboidratos em sua matriz.(15;25) As bactérias são os microrganismos mais estudados com respeito à colonização de superfícies e consequente formação de biofilme, embora fungos leveduriformes, algas, vírus e protozoários também tenham sido encontrados em biofilmes de ambientes industriais e na área da saúde. (15;25) 16 LASA e COLABORADORES (2005) consideram que a etapa inicial do processo de formação do biofime é aderência sobre a superfície. Nas bactérias Gram negativas, tem-se observado que os flagelos, as fimbrias do tipo I e IV e os pili são estruturas importantes nesta etapa da aderência primária. A motilidade também parece ajudar a bactéria a alcançar a superfície e lutar contra as repulsões hidrofóbicas, mas, essa habilidade não parece ser essencial,pois estafilococos são bactérias Gram positivas imóveis e, mesmo assim, capazes de formar biofilme (15;25) Segundo DOLAN(2002), a formação do biofilme pode ser influenciada pelas características da superfície, do líquido, das condições hidrodinâmicas e propriedades da célula. As propriedades físico-químicas da superfície podem exercer forte influência na taxa e na extensão da adesão. A extensão da colonização microbiana parece aumentar se a rugosidade da superfície aumenta. Outros fatores que afetam a sua extensão são as características do meio, como pH, níveis de nutrientes, força iônica e temperatura. Uma superfície exposta a um meio aquoso, inevitavelmente e quase que imediatamente, torna- se recoberta por polímeros, e a resultante modificação química afetará a taxa de adesão microbiana.(15) Os biofilmes são compostos de células microbianas e exopolissácarideos (EPS), sendo que estes são responsáveis por 50% a 90% do total de carbono orgânico e podem ser considerados a sua matriz. EPS são altamente hidratados e podem incorporar grande quantidade de água em sua estrutura por ligações de hidrogênio. Possuem estrutura esquelética que contém 1.3β ou 1.4β (ligações glicosídicas), que tendem a ser mais resistentes, menos deformáveis e, em certos casos, pouco solúveis ou insolúveis.(15) A unidade estrutural básica do biofilme é a micro-colônia, que fornece um ambiente ideal para a criação de gradientes de nutrientes, a troca de genes (quorum sensing) mecanismo de comunicação através do qual as bactérias regulam a expressão de conjuntos de genes especializados em respostas à densidade populacional. As micro colônias podem ser compostas por múltiplas espécies, com ciclos de vários nutrientes, por meio de reações de oxiredução.(15;45) O processo de crescimento do biofime é lento, provavelmente porque as células estão confinadas por nutrientes ou por depleção de oxigênio. Mesmo assim, células se desprenderão tanto como resultado do crescimento e divisão quanto pela remoção de 17 biofilmes agregados que contém grande número de células. Numa condição clínica, por exemplo, estas células desprendidas podem causar infecções, dependendo da resposta imune do hospedeiro, que pode estar afetado por traumas cirúrgicos e implantes de biomateriais. O EPS bacteriano também pode perturbar a resposta imune do hospedeiro.(15) A formação dos biofilmes nas superfícies ambientais e nos instrumentais cirúrgicos está relacionada à transmissão de infecções hospitalares.(21) O biofilme que se forma em produtos médico-hospitalares pode ser constituído por bactérias Gram positivas, Gram negativas ou fungos, sendo estes provenientes da pele dos pacientes, dos profissionais, fluidos corporais, água de torneira ou outras fontes ambientais. (21) Clínicos e microbiologistas de saúde publica reconhecem que os biofilmes são ubíquos na natureza, resultando em uma série de doenças infecciosas, tais como fibrose cística, endocardite de válvula, otite média, periodontite e prostatite crônica.(15) DOLAN (2001) relata que o modo de crescimento do biofilme confere uma redução mensurável na susceptibilidade aos antimicrobianos. Revela que biofilmes associados à Escherichia coli necessitam receber uma quantidade de ampicilina 500 vezes maior que a concentração inibitória mínima para proporcionar uma redução de 3 log. Para biofilmes de Staphylococcus aureus, é necessária uma quantidade 10 vezes maior que a concentração inibitória mínima de vancomicina para proporcionar uma redução de 3 log. A resistência pode ser intrínseca ou adquirida. (14) Há, pelo menos, três razões para a resistência intrínseca aos antimicrobianos observada nos biofilmes. Primeiro, os agentes antimicrobianos devem se difundir através da matriz de EPS para entrar em contato e inativar os microrganismos dentro do biofilme. O EPS retarda a difusão do antimicrobiano, limitando a sua taxa de transporte. Células de Pseudomonas aeruginosa em suspensão são 15 vezes mais sensíveis à tobramicina do que as células em biofilme intacto. Em segundo lugar, quando a redução da taxa de crescimento dos microrganismos ocorre dentro do biofilme, é reduzida a taxa de permeação dos antimicrobianos para as células e, portanto, sobre a cinética de inativação. Relatos mostram que a atividade da ciprofloxacina no biofilme, é influenciada pelo ciclo celular, sendo as células filhas recém formadas mais sensíveis do que outras populações 18 dentro do biofilme. Em terceiro lugar, o ambiente circundante das células dentro de um biofilme pode proporcionar condições de proteção para o microrganismo.(14) Segundo DONLAN (2002), os microrganismos associados a biofilmes reduzem dramaticamente sua sensibilidade aos antimicrobianos, pois constituem um ambiente ideal para troca de plasmídeos (DNA extracromosomal), que podem ser responsáveis pela codificação de fatores de resistência para múltiplos antimicrobianos. Pelo fato de os biofilmes facilitarem a troca de material genético entre as células, estes se tornam de grande importância para a determinação da resistência bacteriana, grande problema na infecção hospitalar. Outro problema relacionado à resistência dos biofilmes está na dificuldade de determinar o perfil de susceptibilidade de seus microrganismos, pois os testes de microdiluição, adotados para esta avaliação, não são apropriados para microrganismos aderidos a superfícies. Em vez disso, a sensibilidade deve ser determinada diretamente contra os microrganismos do biofilme associado, de preferência, em condições que simulem as condições in vivo.(14) LASA et al. (2005) relatam que a melhor explicação para a resistência bacteriana dos biofilmes é a incapacidade de penetração do antimicrobiano por meio da matriz de EPS.(25) Experimentos com fago (virion) têm sido realizados com o objetivo de controlar biofilmes de relevância clínica, comumente encontrados em material implantado em pacientes hospitalizados. Microrganismos que constituem a microbiota humana, como a da pele, da cavidade oral e dos tratos geniturinário e gastrintestinal, podem colonizar o interior de dispositivos médicos para formar biofilmes. Organismos associados aos biofilmes podem provocar processos infecciosos por desprendimentos de colônias individuais ou agregados, resultando em infecções sistêmicas ou infecções focais pela produção de endotoxinas.(16) As vantagens da utilização de fagos para o controle microbiano em infecções associadas a dispositivos médicos poderia ser a redução do uso de agentes antimicrobianos e, assim, limitar a propagação de microrganismos resistentes. (16) Os fagos têm sido utilizados em seres humanos para tratamento de diferentes doenças infecciosas, como aquelas causadas por Staphylococcus, Streptococcus, E.coli, Pseudomonas aeroginosa, Shigella e Salmonella. Mesmo sob condições de baixa 19 nutrição, os fagos mostraram ser eficazes contra a célula hospedeira bacteriana. O fago T4 foi eficaz contra biofilmes de E.coli sob limitada condição nutricional, embora as taxas de síntese do vírus tenham sido diretamente proporcionais à quantidade de síntese de proteínas da célula do hospedeiro. Os biofilmes são tolerantes aos antimicrobianos, incluindo desinfetantes e biocidas.(16) Várias características importantes do fago devem ser consideradas para avaliar o seu potencial para controlar biofilmes clinicamente relevantes. Moléculas da/ou associadas à superfície da célula hospedeira bacteriana fornecem o local para a fixação das fibras da cauda do fago, que são diferentes em bactérias Gram negativas e Gram positivas, devido a diferenças na constituição de suas paredes. A especificidade de um único fago vai determinar a gama de hospedeiros, pois alguns possuem especificidade no nível de progênie, outros podem infectar múltiplas cepas, o que pode ser uma desvantagem nos biofilmes polimicrobianosque podem ocorrer em portadores de dispositivos médicos.(16) Importante observar como o sistema imune do paciente irá se comportar com a introdução da terapêutica dos fagos. Os fagos são antigênicos que e vão induzir uma resposta de anticorpos séricos e celulares do sistema imune, o que poderá levar à sua inativação por exposições repetidas, que vai induzindo ao aumento de anticorpos. Os seres humanos estão expostos aos fagos desde o nascimento, e estes são isolados do trato gastrintestinal e da cavidade oral, estando presentes também no meio ambiente. Assim, muitos acreditam que a terapia com fagos pode ser bem tolerada pelos seres humanos. Contudo, é fundamental a segurança na sua eventual utilização para o controle das infecções bacterianas. A pureza das preparações com fago deve ser uma preocupação constante, pois polissacarídeos da parede da parede de bactérias Gram negativas são liberados durante a lise celular por fago, que, se presentes em quantidades elevadas, podem causar fenômenos biológicos adversos.(16) Em síntese, são vários os fatores ou condições que contribuem para a redução da sensibilidade da bactéria dentro de um biofilme, destacando-se a redução do acesso do agente antimicrobiano, interação química entre o agente e componente do próprio biofilme, modulação do micro-ambiente, produção de enzimas degradantes e a troca genética entre as bactérias.(33) 20 2.3 – RESISTÊNCIA BACTERIANA A partir de 1928, com a descoberta da Penicilina por Alexander Fleming, iniciou- se a chamada “Era dos Antibióticos” e, nas décadas seguintes, houve um aumento exponencial na criação de novas classes de agentes antimicrobianos, especialmente em países desenvolvidos.(19) Antibióticos são compostos naturais ou sintéticos que são utilizados para combater infecções produzidas por microrganismos. O uso excessivo destas drogas favorece a seleção de bactérias resistentes a diferentes grupos de antibióticos.(19) A produção de novos antibióticos tem diminuído de forma considerável, em decorrência da resistência de bactérias, fungos e protozoários, por mecanismos de defesa que as tornam capazes de evadir-se da ação destrutiva destas substâncias. (43;52) Resistência bacteriana é a capacidade que o microrganismo tem de sobreviver em presença de um antimicrobiano e representa uma vantagem para a expansão de seu nicho ecológico, possibilitando sua proliferação, hospitalar ou no meio ambiente. É um problema de saúde pública, causando altos índices de morbi-mortalidade hospitalar.(19) Organizações governamentais de saúde como a Organização Mundial de Saúde (OMS), Organização Panamericana de Saúde (OPS) e Comitê de saúde e tecnologia do Reino Unido, têm manifestado sua preocupação com o uso excessivo e inadequado destes fármacos, e a perda da sua ação efetiva contra microrganismos.(43) A resistência pode ser natural (intrínseca) ou adquirida. A natural é uma propriedade específica da bactéria e sua aparição é anterior à dos antibióticos, como demonstrado pelo isolamento de bactérias resistentes a antimicrobianos, com uma idade estimada de 2.000 anos, que foram encontradas nas profundezas glaciares e nas regiões árticas do Canadá. Além disso, microrganismos que produzem antibióticos são, por definição, resistentes. Na resistência natural, todas as bactérias da mesma espécie são resistentes a alguns grupos de antibióticos e isto lhes possibilita vantagens competitivas em relação a outras bactérias. (43) A resistência adquirida constitui um problema clínico. Os testes de susceptibilidade demonstram falha terapêutica em pacientes infectados com amostras de microrganismos antes sensíveis. Ocorre através de mutações (troca na sequência de bases 21 do DNA), e por transmissão de material genético extracromossomal de outras bactérias, podendo ser vertical ou horizontal, por meio de plasmídeos ou materiais genéticos móveis, integrons e transposons. Desta forma, uma bactéria pode adquirir resistência sem nunca ter estado em contato com um antibiótico. (23;43;52;52) Do ponto de vista clínico, considera-se que uma bactéria é sensível a um antibiótico quando é inibida por uma concentração abaixo do seu ponto crítico (break point). Uma concentração inibitória acima do ponto crítico da droga qualifica a bactéria como resistente e, no ponto crítico, em valores intermediários, de moderadamente sensível. Os conceitos de sensibilidade e resistência são absolutamente relativos e dependem do sítio da infecção, do microrganismo, do antimicrobiano das doses e vias de administração. À medida que se usam diferentes antibióticos, se selecionam bactérias resistentes a múltiplos fármacos.(19;43) Os antimicrobianos intervêm em processos biológicos essenciais das bactérias por diversos mecanismos: a- DNA girase na replicação do DNA b- RNA polimerase na síntese de RNA c- Ribossomos na síntese de proteínas d- Transpeptidades (PBP) na síntese de peptídeo glucano que forma a parede celular e- Inibição da síntese de metabólitos essenciais Como exemplo, as quinolonas inibem a replicação do DNA, a rifampicina suprime a síntese de RNA e os aminoglicosídeos, macrolídeos, tetraciclina e clorafenicol inibem a síntese das proteínas. (19) As bactérias são resistentes aos antibióticos devido à expressão de diferentes mecanismos de resistência. Dependendo do antibiótico e da espécie bacteriana, estes mecanismos podem ser agrupados em quatro: a- Modificação química ou hidrolise do antibiótico mediante adenilação, acetilação, fosforilação ou hidrolise (esta última por beta-lactamase); b- Modificação do sitio alvo da bactéria, devido a mutações espontâneas ocorridas nos genes que codificam o alvo de ação do antibiótico, como a RNA polimerase, RNA ribossomal 16s, as transpeptidases e DNA girase; 22 c- Modificação da permeabilidade da célula bacteriana, devido à substituição das proteínas da membrana externa (porinas) ao modificar seu calibre ou polaridade interna; d- Ejeção do antibiótico devido à superprodução de bombas de efluxo, que impedem o acesso do antibiótico ao sitio alvo da bactéria. (19) Atualmente, existem várias estratégias para minimizar a resistência microbiana aos antibióticos, como o uso racional dos antibióticos, mediante a conscientização da equipe médica e população; qualificação da educação dos profissionais de saúde, na graduação e pós-graduação, nos estudos das enfermidades infecciosas e da prescrição de antimicrobianos baseados nas evidencias; estabelecimento de programas de vigilância epidemiológica para detectar cepas resistentes e melhoria na qualidade dos métodos de testar a susceptibilidade, para guiar a terapêutica empírica contra os patógenos que produzem as enfermidades mais comuns; racionalização do emprego de antibióticos na medicina veterinária e para a produção de alimentos de origem animal.(43) Trabalhos realizados nesta área têm mostrado a expansão da resistência bacteriana em animais, ao se encontrar Enterococcus resistentes à Vancomicina, à Tetraciclina e a outros antibióticos em fezes de frangos, suínos e seres humanos: em espécimes fecais das três fontes, foi encontrado o mesmo gene van A de resistência à Vancomicina.(43) 2.3.1 Beta-lactamases como principal mecanismo de resistência aos beta-lactâmicos. As beta-lactamases são enzimas produzidas por organismos Gram negativos, geralmente da família Enterobacteriaceae, que hidrolisam o anel beta lactâmico dos antibióticos desta classe, inativando-os, sendo este fenômeno o mais comum mecanismo de resistência a essas drogas em bactérias Gram negativas clinicamente importantes. Estudos têm mostrado que esses organismos estão associados com maiores taxas de mortalidade e duração da internação hospitalar. As beta-lactamases de espectro estendido (ESBL) são comumente encontradas em Klebsiela spp. e E.coli. A classificação das beta- lactamasestem se baseado, tradicionalmente, em sua estrutura primária ou em suas características funcionais. Assim, estas enzimas são classificadas quanto às suas propriedades químicas, estrutura molecular e sequência de aminoácidos em quatro classes: A, B, C e D.(19;53) 23 Na classe A, encontram-se a principal família de beta-lactamases, denominada TEM-(contração de Termoniera , nome da paciente da qual a bactéria foi isolada) e SHV- 1, variação de sulfidril, que indica propriedades bioquímicas desta beta-lactamase. Estas enzimas têm a capacidade de hidrolisar apenas penicilinas; contudo, em virtude do uso das cefalosporinas, foram selecionadas bactérias que contém beta-lactamases mutantes em um a três sítios próximos ao sítio ativo da enzima, com capacidade de reconhecer e hidrolisar estes novos substratos. Estas são denominadas beta-lactamases de espectro estendido (ESBL). (19;53) As beta-lactamases da classe B possuem a propriedade de, além hidrolisar penicilinas e Cefalosporinas, hidrolisar também o grupo dos carbapenêmicos. Estas enzimas requerem zinco para realizar a inativação do antibiótico e são chamadas de metalo-beta-lactamases (MβL). (19;53) Existem cinco famílias neste grupo de enzimas: VIM, IPM, GIM, SPM e SIM. VIM E IPM são as mais descritas no mundo e incluem vários alelos, VIM-1 a VIM-22 e IPM- 1 a IPM 24. As outras famílias, SPM-1(Brasil), GIM-1 (Alemanha) e SIM-1 (Austrália), têm sido relatadas exclusivamente em seu país de origem em amostras clínicas de Pseudomonas aeroginosa e Acinobacter baumannii. As famílias VIM e IMP têm sido relatadas também as Enterobactérias como E. coli e Klebsiella pnemoniae. (19;53) No México, existem vários relatos de surtos hospitalares por K. pneumoniae produtora de SHV-5 e SHV-2 e, também, da enzima TLA-1, que é uma beta-lactamase de espectro entendido (ESBL) endêmica, identificada em uma amostra clínica de Serratia marcescens, Klebsiella varicola e Enterobacter cloacae. (19;53) AS MβL, IMP-15 e IMP-18 foram identificadas em amostras clínicas de P.aeroginosa de um hospital da cidade de Guadalajara; porém, é interessante observar que o gene que codifica a enzima IMP-15 foi reconhecido pela primeira vez no isolamento de P.aeruginosa de um paciente no Hospital de Kentucky, nos Estados Unidos, que havia sido hospitalizado no México. (19) Enterorobacteriaceae com NDM-1 carbapenamases são altamente resistentes a muitas classes de antibióticos e, potencialmente, anunciam o fim do tratamento com beta- lactâmicos, fluoroquinolonas, aminoglicosídeos, as principais classes de antibióticos para o tratamento de infecções por Gram-negativos. Apenas algumas amostras permanecem 24 sensíveis aos aminoglicosídeos e ao aztreonam, talvez devido à perda de genes de resistência (por exemplo, aminoglicosideos que modificam as enzimas 16rRNAmetilases, ou blacmy). A maioria das amostras permanece sensível à colistina e à tigeciclina (nova classe de glicilciclinas).(23) A cada dia, surgem relatos de novas enzimas, o que implica necessidade de atualização permanente. Em recente revisão, BUSH & JACOBY (2010) publicaram uma atualização da classificação funcional das beta-lactamases, utilizando um sistema que inclui três grupos: grupo1 (classe C), cefalosporinases; grupo 2 (classes A e D), beta- lactamases de amplo espectro, resistentes a inibidores e de espectro estendido, e as serino- beta-lactamases; grupo 3, as metalo-beta-lactamases. São descritos novos subgrupos, com base em atributos específicos de enzimas individuais. Os autores sugerem nesta revisão uma lista de atributos para uma adequada caracterização de novas enzimas.(12) 2.3.2 - Estrutura molecular de multirresistência Os genes de resistência aos diferentes antimicrobianos se relacionam com os elementos genéticos móveis, como plasmídeos, transposons, e integrons. Estes últimos são elementos de expressão genética que incorporam genes sem promotor, de tal modo que se convertem em genes funcionais. Os integrons atuam como um cassete de expressão para os genes que se incorporam e geralmente mais de um gene se integra com frequência.(19) Os integrons de classe 1 ocorrem por ação da enzima integrase, que tem gerado numerosas reconfigurações e combinações de cassetes que selecionam os diferentes antibióticos, de forma a ser possível uma multiresistência que se dissemina através de transposons ou plasmídeos.(19) Transposons não só permitem a transmissão de resistência a outras gerações, mas, também, a outras espécies bacterianas. Desta forma, uma bactéria pode adquirir resistência a um ou vários antibióticos sem a necessidade de ter estado em contato com as drogas.(19) O estudo do genoma, com o desenvolvimento de técnicas de biologia molecular que permitem o seu sequenciamento completo, possibilita análises mais objetivas da relação estruturas-função de um microorganismo, como das bactérias. 25 De acordo com o Projeto Genoma, publicação de 2009 mostrou já terem sido sequenciados 1431 genomas microbianos. A análise dos genomas bacterianos indica que um número grande de genes foi adquirido por transferência horizontal. Os genes de um genoma bacteriano são muito similares no que diz respeito à composição de bases e padrão no uso de codons.(19) Algumas sequências novas em um genoma bacteriano, e introduzidas através da transferência horizontal, apresentam variações no conteúdo total de G + C, e podem, em certos casos, diferenciar-se das sequências próprias, porque mantém características do genoma doador. (19;53) O estudo do genoma tem gerado novos conhecimentos sobre a transferência horizontal de genes e sugerem uma ampla distribuição no ambiente natural. A partir da análise da sequência do genoma bacteriano é possível identificar genes e proteínas essenciais para a sobrevivência da bactéria e, a partir daí, desenhar novos antibióticos que inibam o crescimento bacteriano. (19;53) Várias estratégias têm sido utilizadas para identificar novos antibióticos que incluam outras estruturas além das estudadas e outras classes funcionais que atuem em patógenos bacterianos multirresistentes, além de ampliar e aumentar sua vida útil, para melhorar o êxito durante a terapia antimicrobiana. (19;53) Geralmente, tem-se utilizado três alvos bacterianos: as transpeptidades, o RNA ribossomal 16s e da DNA girase. No entanto, os antibióticos que atuam sobre estes alvos têm diminuído sua efetividade devido à multirresistência. (19;53) Os avanços da genômica têm permitido identificar centenas de novos potenciais candidatos como alvos bacterianos para inibir o crescimento bacteriano. Um alvo preferido tem sido a membrana bacteriana, com o objetivo de inibir a síntese de ácidos graxos. A alternativa proposta é a limitação da capacidade mutagênica da bactéria que interfere com os genes ativados nos mecanismos de reparação do DNA. (19;53) O propósito da análise dos genomas microbianos é vincular os genes que tenham funções desconhecidas e classificá-los de acordo com as estruturas previamente conhecidas para estabelecer sua estrutura, comparar sua função e a possível ação que desempenham no desenvolvimento da bactéria. (19;53) 26 De forma paralela a estes estudos, continua-se à busca de outros alvos bacterianos tradicionais, incluindo a síntese de proteínas, replicação e reparação do DNA; com o objetivo de desenvolver novos antibióticos que atuem de maneira mais eficaz sobre estes alvos. (19;53) 2.3.3 - Ferramentas genômicas e proteômicas para o estudo da resistência bacteriana A detecção oportuna da resistência a antimicrobianos das bactérias causadoras de infecções hospitalares provê informações relevantes para instituir um tratamento adequado e eficaz. No campo da Microbiologia, tem-se desenvolvido diferentes provas de detecçãofenotípica nos laboratórios clínicos (como as tiras de E-test, discos impregnados com antibióticos, meios cromogênicos, para identificar de maneira convencional o padrão de resistência dos antibióticos), e os possíveis mecanismos de resistência (como a produção de ESBL em enterobacterias ou MβL em bacilos Gram negativos não fermentadores).(19) Em relação ao emprego de métodos moleculares para detectar mecanismos de resistência, foram desenvolvidas diferentes estratégias: A - Hibridação DNA-DNA com uma sonda de DNA marcada com fluorescência, que consiste na identificação de uma sequência especifica de DNA (gene que codifica uma resistência) mediante o reconhecimento de uma sequência homóloga de DNA em vários espécimes clínicas ou bactérias em cultura. B – Amplificação por Reação e Cadeia da Polimerase (PCR) de um gene específico; técnica que amplia de forma exponencial um gene de interesse (p.ex., beta-lactamase); C - Polimorfismo de grandes fragmentos de restrição (RFLP), que se baseia na análise do padrão de restrição dos fragmentos de DNA gerados por uma enzima de restrição que foi previamente amplificada por PCR; esta prova pode detectar mutações pontuais no DNA que alteram o número de sítios de restrição da enzima empregada. D – sequenciamento nucleotídico de DNA, que consiste na identificação da sequência de quatro bases que compõem o DNA mediante a síntese de DNA in vitro (técnica de Sanger); esta sequência pode ser utilizada para comparar a sequência de aminoácidos que compõem a proteína que codifica este DNA e identificar possíveis mutações, ao comparar com o gene selvagem. Atualmente, utilizam-se nucleotídeos marcados com 27 fluorescência, que permitem o sequenciamento automatizado de DNA, de alto rendimento. Com respeito à proteômica, é utilizada a espectrometria de massa para identificar polimorfismos e genotipagem de diferentes proteínas em uma só amostra.(19) 2.3.4 – Reação em Cadeia de Polimerase (PCR) em tempo real Esta metodologia permite a amplificação e identificação simultânea de fragmentos de DNA (gene de interesse), graças à emissão de fluorescência, que se relaciona de maneira direta com a quantidade de DNA amplificado em cada ciclo, o que permite estabelecer e registrar continuamente a cinética da reação. Com esta técnica, é possível determinar a coexistência de diferentes alelos de beta-lactamase tipo SVH (ESBL e não ESBL) em uma mesma amostra clínica. (19) A identificação de mais de um alelo em amostras clínicas individuais é uma norma (mais que uma exceção) e existe uma relação direta entre os níveis de resistência à cefalosporina e o número de cópias ESBL. Estes resultados são recentes e indicam que o aumento das concentrações mínimas inibitórias para combater as bactérias pode decorrer simplesmente da duplicação do número de cópias do ESBL. (19) Além disso, esta metodologia tem sido empregada com êxito para reconhecer as famílias principais de MβL(VIM e IPM) em amostras clínicas de P.aeruginosa.(19) 2.3.5 Quimioluminiscencia de DNA Esta metodologia se baseia na detecção de um sinal quimioluminescente emitido pela liberação de um Pirofosfato (PPi) pela incorporação de um nucleotídeo na síntese de um DNA. Esta técnica é usada na sequência de genomas bacterianos com uma capacidade de decifrar 100 milhões (10 megabases) de fragmentos de aproximadamente 250 bases em um tempo de quatro horas. É, também, uma ferramenta rápida e confiável na identificação de diferentes alelos, como é o caso dos genes de beta-lactamase tipo CTX-M e OXA em Acinobacter baumannii. NASS ET AL. (2006), citado por GARZA-RAMOS(2008) diferenciaram três variantes de β-lactamase tipo OXA, em 51 amostras, num ensaio rápido (20 minutos). Este tipo de gene tem grande importância porque confere resistência aos carbapenêmicos, 28 os antibióticos de última eleição terapêutica. Este método também é empregado para identificação de mutações no gene gyrA em relação à resistência à ciprofloxacina, em amostras clínicas de Neisseria gonorrhoeae, assim como no reconhecimento da resistência aos macrolídeos, mediante mutação no gene RNAr23s, em cincos diferentes espécies bacterianas.(19) A combinação das técnicas de PCR em tempo real e a quimioluminescência é uma ferramenta molecular muito útil em estudos epidemiológicos para a identificação rápida de genes ou mistura de alelos de enzimas que conferem a resistência aos beta-lactâmicos em amostras clínicas produtoras de ESBL ou MβL, e a inclusão de genes que conferem resistência a diferentes grupos de antibióticos.(19;23) 2.3.6 - Espectrometria de massa (MALDI-TOF) É uma tecnologia analítica essencial da proteômica, conta com uma alta capacidade de análise, sensibilidade e precisão na determinação das massas moleculares de peptídeos e proteínas que proporcionam informações sobre a composição molecular. Sua aplicação inclui a elucidação estrutural de moléculas orgânicas e inorgânicas, identificação, detecção e quantificação de traços, metabolismo de fármacos, análise de peptídeos, proteínas e nucleotídeos, entre outros. Uma recente aplicação desta metodologia foi a identificação de variações em proteínas que indicam diferenças em sua sequência nucleotídea do gene, por exemplo, substituições, inserções e deleções que refletem na alteração da proteína.(19) Em relação ao estudo da resistência bacteriana, há poucos relatos, embora esta técnica seja empregada na detecção de mutações de beta-lactamases e misturas de diferentes enzimas da mesma família TEM ou SHV, em uma mesma amostra clínica, com resultados reprodutíveis. GARZA-RAMOS ET AL.(2008) identificaram mutações pontuais novas e outras já descritas de 21 tipos diferentes de amostras clinicas de K. pneumoniae. Pode ser uma ferramenta ideal para análise de polimorfismo de sequências de genes relacionados à resistência bacteriana.(19) 29 2.4 – INFECÇÃO HOSPITALAR De acordo com a Portaria n° 2616/MS/GM de 12 de maio de 1998, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), a infecção hospitalar é definida do seguinte modo: “Infecção hospitalar é aquela adquirida após admissão do paciente e que se manifeste durante a internação ou após a alta, quando puder ser relacionada com a internação ou procedimentos hospitalares”. A infecção hospitalar é um problema tão antigo quanto os primeiros estabelecimentos que surgiram, em 325 d.C, com o objetivo de albergar pessoas doentes. Contudo, tanto na sociedade antiga, como na moderna, esta infecção sempre causou impacto e preocupação na área médica, pelo alto índice de mortalidade.(43;52) A introdução de procedimentos para melhorar as condições sanitárias e das práticas de higiene instituídas nos hospitais, ocorridas no final do século XIX, reduziram drasticamente as taxas de infecção. Os principais expoentes e lideres desta inquietante batalha do controle de infecção hospitalar foram Wendel-Holmes, Semmelweis, Nightingale, Pasteur e Lister.(53) O moderno controle da infecção hospitalar está fundamentado no trabalho de Ignaz Semmlweis, quando, em 1847, demonstrou a importância da lavagem das mãos para o controle da transmissão da infecção nos hospitais. Técnicas assépticas foram inovadas com o uso de luvas, uso do calor na esterilização para destruir bactérias, e tornar esterilizados instrumentos cirúrgicos, aventais, propés e máscaras.(3;44;47) No século XX, a mais importante descoberta científica, na área médica, que veio contribuir para o controle das infecções bacterianas, entre elas as hospitalares, foi a penicilina, antibiótico descoberto por Fleming em 1928, e introduzido durante a segunda guerra mundial, posteriormente seguido pela descoberta de outros antibióticos.(59) No Brasil, os primeiros relatos de infecções hospitalares (IH), embora não fosse usado este termo, surgiram em 1956, em estudos sobre esterilização de material hospitalar,
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