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Prof. Paulo Igor SUMÁRIO LEI 13.804/19 .................................................................... 2 INTRODUÇÃO .................................................................. 2 CASSAÇÃO DA HABILITAÇÃO PARA DIRIGIR VEÍCULO AUTOMOTOR OU PROIBIÇÃO DE SUA OBTENÇÃO ........................ 3 MEDIDA CAUTELAR DE SUSPENSÃO DA HABILITAÇÃO PARA DIRIGIR VEÍCULO AUTOMOTOR OU PROIBIÇÃO DE SUA OBTENÇÃO ............................................................................................. 6 DECRETAÇÃO DA MEDIDA CAUTELAR DE OFÍCIO PELO JUIZ . 8 Prof. Paulo Igor LEI 13.804/19 INTRODUÇÃO No dia 11 de janeiro de 2019 foi publicada a Lei 13.804/19, que incluiu o art. 278-A e seus dois parágrafos ao Código de Trânsito Brasileiro – Lei 9.503/97. Todavia, é muito importante observar que, embora a alteração legislativa tenha recaído sobre o CTB, o objetivo da nova Lei foi muito claro: prevenir e reprimir os delitos de receptação (art. 180), descaminho (art. 334) e contrabando (art. 334-A), todos previstos no Código Penal. Mas porque alterar o CTB quando na verdade se pretendia combater práticas delituosas previstas no código penal? A resposta é simples: porque é muito comum que exista a participação de motoristas devidamente habilitados para a condução de veículo automotor na prática dos referidos delitos. No delito de receptação, por exemplo, duas das condutas típicas caracterizadoras do delito são transportar e conduzir, comportamentos intrinsicamente ligados a veículos automotores. Dessa forma, transportar ou conduzir (dentre outras condutas), em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime configura o delito de receptação. O delito de descaminho, por sua vez, caracteriza-se pela conduta de frustrar o pagamento de tributos devidos pela entrada ou saída de mercadorias cuja comercialização seja permitida em território brasileiro, sendo fato que em sua maioria a entrada e saída fraudulenta das mercadorias se dá pelo transporte em veículos automotores. De forma muito parecida, o delito de contrabando busca punir a importação e exportação de mercadorias, mas desta vez, mercadorias cuja comercialização é proibida pela lei brasileira, sendo certo que em Prof. Paulo Igor grande parte das vezes a mercadoria também é transportada em veículos automotores. Diante da constatação de que é muito recorrente a participação de condutores de veículos automotores na prática dos delitos de receptação, descaminho e contrabando, a Lei 13.804/19 estabeleceu certas medidas que visam punir esses motoristas, tornando-os inabilitados para a condução de automóveis. Resumidamente a Lei 13.804/19 introduziu no CTB duas importantes alterações: (i) criou o efeito extrapenal de cassação ou proibição de obtenção da habilitação para dirigir veículo automotor nos casos de condenados pelos delitos que visa reprimir; e, (ii) criou as medidas cautelares de suspensão ou proibição de obtenção de habilitação para dirigir veículo automotor. Vamos analisar detalhadamente toda a repercussão gerada por cada uma das alterações acima citadas. CASSAÇÃO DA HABILITAÇÃO PARA DIRIGIR VEÍCULO AUTOMOTOR OU PROIBIÇÃO DE SUA OBTENÇÃO Inicialmente precisamos destacar que a cassação da habilitação para dirigir veículo automotor não é uma novidade no mundo jurídico, isso porque tanto o CTB quanto o código penal já previam essa possibilidade. O código penal, tratando dos efeitos extrapenais de uma condenação penal, prevê em seu art. 92, III: Art. 92 - São também efeitos da condenação: (...) III - a inabilitação para dirigir veículo, quando utilizado como meio para a prática de crime doloso. Ou seja, de acordo com previsão já existente no código penal, a inabilitação para dirigir veículo constitui possível efeito extrapenal de uma condenação criminal. Prof. Paulo Igor Alguns detalhes são importantes sobre a inabilitação prevista pelo código penal: (i) O código penal não limita a inabilitação aos veículos automotores, atingindo qualquer veículo, como por exemplo, embarcações e aeronaves. (ii) Não restringe o efeito da inabilitação somente aos crimes de trânsito, alcançando qualquer delito que tenha sido praticado com a utilização de veículo; (iii) A inabilitação prevista no código penal não se trata de um efeito automático da condenação, ou seja, o juiz deve decidir em cada caso concreto se a medida será imposta e declarar motivadamente a sua decisão na sentença (nos termos do art. 92, parágrafo único, do código penal); Para além da previsão já existente no código penal, o próprio código de trânsito brasileiro sempre teve previsão legal para imposição da sanção de cassação da habilitação em caso de condenações criminais. Trata-se do disposto no art. 263, III, do CTB: Art. 263. A cassação do documento de habilitação dar-se-á: III - quando condenado judicialmente por delito de trânsito, observado o disposto no art. 160. Perceba, todavia, que a previsão já existente no CTB é completamente diferente daquela existente no código penal. Inicialmente porque se trata de efeito da condenação específico para os condenados por delitos de trânsito (ou seja, previstos no CTB), ademais trata-se de efeito automático da condenação criminal e se restringe apenas aos veículos automotores. Portanto, como vimos, a cassação de habilitação para dirigir veículo automotor era um efeito da condenação já previsto tanto no código penal como no próprio código de trânsito brasileiro. Prof. Paulo Igor Dessa forma, a Lei 13.804/19 apenas alterou o tratamento legal dado a esse efeito, prevendo uma cassação especial da habilitação, que convive harmonicamente com as previsões já existentes, com as seguintes características: (i) Trata-se de efeito extrapenal da condenação criminal, ESPECIFICAMENTE APLICÁVEL para os condenados pelos delitos de receptação, descaminho e contrabando, previstos, respectivamente, nos arts. 180, 344 e 344-A, todos do código penal. (ii) É um EFEITO AUTOMÁTICO da condenação criminal. (iii) Tem PRAZO de duração DEFINIDO EM 5 ANOS. Todas essas características podem ser encontradas no art. 278- A, inserido pela Lei 13.804/19 ao CTB nos seguintes termos: Art. 278-A. O condutor que se utilize de veículo para a prática do crime de receptação, descaminho, contrabando, previstos nos arts. 180, 334 e 334-A do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), condenado por um desses crimes em decisão judicial transitada em julgado, terá cassado seu documento de habilitação ou será proibido de obter a habilitação para dirigir veículo automotor pelo prazo de 5 (cinco) anos. Portanto, com a edição da nova Lei, ao lado das antigas previsões já existentes de cassação da habilitação para dirigir, o legislador impõe uma nova medida com características especialmente destinadas aos três delitos que pretende combater (receptação, descaminho e contrabando). A nova lei ressalta ainda, no § 1º do art. 278-A: § 1º O condutor condenado poderá requerer sua reabilitação, submetendo-se a todos os exames necessários à habilitação, na forma deste Código. Prof. Paulo Igor Ou seja, o agente pode conseguir a sua reabilitação ao fim do prazo de 5 anos, desde que a requeira e cumpra todos os requisitos exigidos pela legislação de trânsito, tais como exames de visão, psicotécnico, provas teórica e prática. MEDIDA CAUTELAR DE SUSPENSÃO DA HABILITAÇÃO PARA DIRIGIR VEÍCULO AUTOMOTOR OU PROIBIÇÃO DE SUA OBTENÇÃO Além de ter incluído o efeito extrapenal da cassação da habilitação, a Lei 13.804/19 se preocupou também em estabelecer algumas medidas cautelares que fossem capazes de fortalecer a atuação estatal durante a persecução penal, auxiliando na repressão e prevenção dos delitos de receptação, descaminho e contrabando antes da condenação do agente.Dessa forma, incluiu no § 2º, do art. 278-A, do CTB, a seguinte disposição: § 2º No caso do condutor preso em flagrante na prática dos crimes de que trata o caput deste artigo, poderá o juiz, em qualquer fase da investigação ou da ação penal, se houver necessidade para a garantia da ordem pública, como medida cautelar, de ofício, ou a requerimento do Ministério Público ou ainda mediante representação da autoridade policial, decretar, em decisão motivada, a suspensão da permissão ou da habilitação para dirigir veículo automotor, ou a proibição de sua obtenção.” Antes de analisar a medida cautelar inserida no dispositivo citado acima, é importante mencionar que, a exemplo do que ocorreu também com a cassação de habilitação, a suspensão da habilitação para dirigir veículo automotor ou proibição de sua obtenção não se trata de figura nova no ordenamento jurídico brasileiro. Prof. Paulo Igor Isso porque tanto o código penal quanto o código de trânsito brasileiro já previam a suspensão da habilitação como pena aplicável ao agente que pratica um crime de trânsito. Ademais, o próprio CTB já previa a suspensão de habilitação como medida cautelar (embora aplicável exclusivamente nos casos de delitos de trânsito). No caso do código penal, a suspensão de habilitação é tratada como uma espécie de pena restritiva de direitos (na modalidade de interdição temporária de direitos), nos termos do art. 47, III, do código penal: Interdição temporária de direitos Art. 47 - As penas de interdição temporária de direitos são: (...) III - suspensão de autorização ou de habilitação para dirigir veículo. A suspensão da habilitação prevista no código penal, trata-se de pena restritiva de direito aplicável apenas nos casos de crimes de trânsito culposos, conforme preceitua o art. 57 do código penal: Art. 57 - A pena de interdição, prevista no inciso III do art. 47 deste Código, aplica-se aos crimes culposos de trânsito. Em relação ao CTB, a suspensão da habilitação já se tratava de pena autônoma que poderia ser aplicada isolada ou cumulativamente com outras penalidades, nos termos do art. 292: Art. 292. A suspensão ou a proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor pode ser imposta isolada ou cumulativamente com outras penalidades. Ademais, funcionava também como medida cautelar exclusivamente aplicada nos casos dos crimes de trânsito, tendo em vista a sua previsão no art. 294, do código de trânsito brasileiro (dentro Prof. Paulo Igor do capítulo XXI do CTB, que trata das disposições gerais aplicáveis aos crimes de trânsito): Art. 294. Em qualquer fase da investigação ou da ação penal, havendo necessidade para a garantia da ordem pública, poderá o juiz, como medida cautelar, de ofício, ou a requerimento do Ministério Público ou ainda mediante representação da autoridade policial, decretar, em decisão motivada, a suspensão da permissão ou da habilitação para dirigir veículo automotor, ou a proibição de sua obtenção. Observando o art. 294 e o recém inserido art. 278-A, ambos do CTB, constata-se que as redações dos dispositivos são praticamente idênticas. Todavia, há uma diferença essencial entre as duas previsões: enquanto o art. 294 possibilita a utilização da medida cautelar apenas nos crimes de trânsito, o art. 278-A permite a utilização da cautelar nos casos dos crimes de receptação, descaminho e contrabando. Dessa forma, concluímos que o Juiz poderá impor a medida cautelar de suspensão da habilitação para dirigir veículo automotor ou a proibição de sua obtenção, não somente nos casos de crimes de trânsito como acontecia anteriormente, mas também nos casos dos crimes de receptação, descaminho e contrabando. DECRETAÇÃO DA MEDIDA CAUTELAR DE OFÍCIO PELO JUIZ Questão importante diz respeito à possibilidade de decretação da medida cautelar diretamente pelo juiz, de ofício. Isso porque, ao que nos parece, essa possibilidade fica restrita à fase judicial da persecução penal, não sendo cabível a decretação de ofício da medida cautelar por ocasião da investigação criminal. Embora a redação do § 2º, do art. 278-A não tenha sido clara em relação a isso, dando a entender que o juiz poderia decretar a Prof. Paulo Igor medida de ofício inclusive durante a fase pré-processual, uma interpretação restritiva se faz necessária para que não seja violado o sistema acusatório adotado no processo penal brasileiro. Não por outra razão, o art. 282, § 2º, do código de processo penal ao tratar das medidas cautelares genericamente previstas, assim aduz: § 2o As medidas cautelares serão decretadas pelo juiz, de ofício ou a requerimento das partes ou, quando no curso da investigação criminal, por representação da autoridade policial ou mediante requerimento do Ministério Público. Ou seja, no código de processo penal o legislador foi cuidadoso ao diferenciar os dois momentos da persecução penal, autorizando a decretação de medidas cautelares de ofício apenas na fase processual, exigindo a representação da autoridade policial ou requerimento do Ministério Público no curso da investigação. Dessa forma, queremos crer que a previsão de decretação de ofício pelo juiz durante a fase investigativa da medida cautelar de suspensão da habilitação no art. 278-A, § 2º, do Código de Trânsito Brasileiro foi mero deslize, que deve ser corrigido pelo intérprete a fim de ajustar a previsão legal ao princípio acusatório que rege o processo penal brasileiro.
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