Buscar

Linguagem e Oralidade

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 133 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 133 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 133 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

Linguagem e Oralidade
CONHECENDO A DISCIPLINA
Caro aluno, seja bem-vindo à disciplina Linguagem e Oralidade!
Vamos discutir como a oralidade se constitui nas nossas práticas sociais cotidianas a
partir das diferentes situações de comunicação, nas variadas mídias, eletrônicas e
impressas. As reflexões propostas perpassam os diferentes gêneros discursivos, quer
sejam artístico-literários quer sejam textos para estudo e pesquisa ou, ainda, textos que
circulam na vida pública. Assim, esta disciplina oferecerá subsídios para o seu trabalho
na etapa inicial da educação básica, seja na atuação direta em sala de aula ou na
gestão escolar.
Na Unidade 1, intitulada Linguagem e oralidade, você terá acesso às diferentes
concepções de linguagem e verá como a relação que estabelecemos com a linguagem
não é mecânica, tampouco simples, mas acontece por identificação. Essas reflexões
iniciais o ajudarão a entender as particularidades da oralidade e da escrita, assim como
as influências de uma modalidade na outra, considerando que a oralidade é prática
social que se apresenta a partir de diferentes gêneros textuais, inclusive os midiáticos.
Nesta unidade, você também estudará as variedades linguísticas e como elas afetam o
modo como falamos e escrevemos, bem como refletirá a respeito do preconceito
linguístico que se instala a partir da identificação dos sujeitos com os diferentes modos
de se produzir textos orais e escritos.
Essas discussões serão estendidas até a Unidade 2, Oralidade, que tratará da definição
de oralidade e apresentará os elementos fonéticos e fonológicos da língua e tudo o que
constitui a oralidade: os marcadores conversacionais presentes na fala, as entonações,
as repetições, as pausas e os truncamentos. Já na Unidade 3, Manifestação da
oralidade, você terá acesso aos diferentes modos de comunicação, às diferentes mídias
e, consequentemente, às diferentes linguagens presentes nos mais variados e múltiplos
gêneros de discurso que circulam em nossa sociedade.
A Unidade 4, Oralidade e ensino, será o canal para você relacionar todas as discussões
propostas nas unidades anteriores às práticas de ensino, entendendo como a Base
Nacional Comum Curricular e as Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica
consideram a oralidade para a formação da criança na prática social e na relação com o
digital.
Agora é com você! Venha refletir sobre as práticas de linguagem que acontecem nos
diferentes contextos e nas situações sociais orais. Aproveite este livro e organize o seu
aprendizado.
Bom estudo e boa sorte!
Concepções de linguagem
CONVITE AO ESTUDO
Nesta unidade, você entrará no universo da linguagem e terá um primeiro contato com
algumas definições importantes; reconhecerá as diversas manifestações orais,
enquanto práticas sociais, e refletirá a respeito de como a linguagem identifica o sujeito.
O conhecimento da linguagem e da oralidade possibilitará a você uma reflexão a
respeito das práticas de linguagem no cotidiano, nas interações face a face, por
intermédio das diferentes mídias e nas práticas recorrentes na escola, seja pela relação
professor/aluno, professor/instância de governança da educação ou
professor/pais/família e comunidade. Assim, você conseguirá organizar práticas sociais
de oralidade e reconhecer suas especificidades culturais e linguísticas por meio de
diferentes mídias e suportes digitais.
Na primeira seção, você conhecerá as concepções de linguagem que sustentam as
discussões sobre linguagem oral e linguagem escrita na atualidade. Esse conhecimento
o auxiliará, de forma coerente, no direcionamento do trabalho em sala de aula, pois, se
você considera que a linguagem é, por exemplo, um processo de interação, uma prática
que supervaloriza a norma gramatical passa a ser contraditória. Além disso, esse modo
de considerar a linguagem também nos permite pensar a respeito dos processos de
identificação, de como o modo como falamos e escrevemos diz sobre nós.
As relações entre a oralidade e a escrita começarão a ser vistas na segunda seção
desta unidade, tanto a “oposição” existente entre elas quanto a influência que a escrita
sofre da oralidade. Uma das pretensões desta seção é desenvolver em você a
capacidade de compreender a interface leitura/escrita a partir de momentos de
expressão de sentimentos, ideias e criatividade para uma prática social interativa, bem
como de construir caminhos teórico-práticos no processo de ensino e aprendizagem da
oralidade, considerando diferentes mídias e suportes digitais para o desenvolvimento de
habilidades orais de forma integral. Por isso, é aqui que você identificará como as
chamadas novas mídias (redes sociais, blogs, podcasts, canais de vídeo e plataformas
de EAD) utilizam os recursos orais, verbais e visuais a partir de diferentes gêneros
discursivos em suas composições.
Todas essas questões serão ainda mais importantes quando discutirmos os diferentes
usos da linguagem a partir das variedades linguísticas. Na terceira seção você
aprenderá sobre os tipos de variedades que temos na língua e ao que elas estão
condicionadas – idade, gênero, guetos, regiões geográficas etc.
POR DENTRO DA BNCC
A BNCC apresenta dez competências gerais da educação básica e, entre
elas, a competência quatro: “Utilizar diferentes linguagens – verbal (oral ou
visual-motora, como Libras, e escrita), corporal, visual, sonora e digital –,
bem como conhecimentos das linguagens artística, matemática e científica,
para se expressar e partilhar informações, experiências, ideias e
sentimentos em diferentes contextos e produzir sentidos que levem ao
entendimento mútuo” (BRASIL, 2017, p. 9).
Para atingir essa competência, professores precisam ter acesso às
diferentes concepções de linguagem e entender que a linguagem constrói a
identidade. Os alunos, por sua vez, precisam entender que a linguagem é
um ato que acontece no social, dentro de contextos específicos, a partir do
uso dos mais variados gêneros textuais.
O conhecimento das variedades linguísticas nos leva a entender que há diferentes
modos de se falar e, com isso, combater o preconceito linguístico instalado em nossa
sociedade. Desse modo, esta seção contribuirá para que você desenvolva a
competência de identificar as variedades linguísticas e pensar em práticas educativas
inclusivas, para as etapas da educação infantil e para os anos iniciais do ensino
fundamental, que proporcionem o uso adequado dos diferentes gêneros orais sem
preconceito linguístico.
Vamos lá?
PRATICAR PARA APRENDER
Vamos dar início à primeira seção desta unidade. Você vai compreender o papel da
linguagem e, sobretudo, da oralidade na comunicação humana.
Atualmente, com o advento das novas mídias digitais, você já deve ter percebido que a
linguagem toma as mais variadas formas: orais, escritas, imagéticas, em vídeos,
mensagens de texto, áudios, memes, gifs. Diante dessa diversidade textual, o que é
linguagem para você? Como podemos definir linguagem?
Uma das definições para linguagem é entendê-la enquanto representação do
pensamento, mas considerá-la assim é pressupor que conseguimos traduzir em
palavras aquilo que pensamos e que conseguimos organizar, por meio da fala ou da
escrita, o que está em nosso campo das ideias. E o que acontece, então, quando não
conseguimos expressar o nosso pensamento? Você acha que é possível controlar isso
pela linguagem? Veremos nesta seção.
Outra definição, talvez a mais comum, é a linguagem como instrumento de
comunicação. Pensar a linguagem enquanto instrumento é levar em conta que
comunicar é a função primeira da linguagem, e se há comunicação, é porque há um
emissor e um receptor que se revezam nesse processo. Como lidar, então, com os
mal-entendidos causados pela linguagem em tantas situações de comunicação? Essa
também é outra reflexão que desenvolveremos nesta seção.
A outra concepção de linguagem que vamos apresentar nesta seção é a linguagem
enquanto processo de interação. Note que, nessa abordagem, a linguagem não se
restringe a representar aquilo que pensamos e não é vistaapenas como um instrumento
do qual nos utilizamos para nos comunicar e passar uma mensagem com dada
intenção. Considerar a linguagem enquanto interação é saber que a linguagem é ação,
realiza coisas, produz efeitos sobre nós, sobre os outros e sobre o mundo.
Todas essas concepções perpassam, de alguma maneira, a construção da identidade,
que será um dos pontos aqui discutidos. A linguagem tem relação direta com a
identidade, e aqui refletiremos sobre como essa relação acontece.
Essas diferentes concepções de linguagem nos ajudam a entender o modo como a
linguagem está em nós, como construímos o nosso dizer e como as “escolhas” linguísticas
que fazemos em prol dos sentidos que desejamos atingir revelam muito sobre nós mesmos,
identificando-nos.
Volte à lembrança dos múltiplos textos que circulam atualmente em nossa sociedade; a
familiaridade que você tem na produção de alguns deles e a dificuldade em relação a
outros revelam uma identificação que vai além de simples escolhas e, muitas vezes,
evidenciam toda uma relação sua com o aprendizado desses textos. Essa é uma das
exemplificações de como conduziremos a discussão de identidade construída pela
linguagem.
Vamos pensar em uma situação-problema: você está participando de uma reunião
pedagógica do segundo ano do Ensino Fundamental. Um professor relata uma prática
pedagógica em que ele pede aos alunos que elaborem um registro oral de observação
de um experimento científico realizado em sala para a troca de percepções e
conhecimentos. Nesse relato, o professor afirma que os alunos não utilizam a
linguagem oral de forma satisfatória, que se expressam mal e que precisam de mais
atividades de reprodução de linguagem para melhorar o desempenho linguístico.
O que você identifica como problema nesse relato? Que concepção de linguagem você
acha que embasa esse professor? Quais questionamentos você pode fazer ao
professor para instigá-lo a refletir sobre a linguagem que as crianças utilizam? Quais
contribuições você pode trazer para o relato apresentado?
Essas questões não precisam ser respondidas uma a uma necessariamente, mas são
norteadoras, auxiliando-o na elaboração do seu percurso de reflexão sobre as
concepções de linguagem.
Venha reconhecer as diversas concepções de linguagem e manifestações orais que
permeiam as práticas sociais no seu discurso, seja pelas atividades linguageiras
cotidianas ou pelas atividades produzidas na escola, nas mais diferentes situações de
aprendizagem, e entender como se dá a relação da linguagem com os processos de
identificação.
Bom estudo!
CONCEITO-CHAVE
Caro aluno, esta seção é o ponto de partida dos seus estudos sobre oralidade, já que
conhecer e compreender um conceito tão importante para a sua prática pedagógica lhe
dará acesso aos processos pelos quais os alunos usufruem da linguagem. Isso fará que
você adote as estratégias e os recursos pedagógicos sustentados pelas ciências da
educação que o auxiliarão no desenvolvimento dos saberes de forma coerente.
Um dos resultados de aprendizagem esperados para esta unidade é o reconhecimento
das diversas concepções de linguagem e manifestações orais que permeiam as práticas
sociais no seu discurso e prática. É importante que você tenha clareza quanto à
concepção de linguagem que vai embasar seu trabalho na escola, pois ela deve estar
alinhada a suas perspectivas e práticas, evitando, assim, incoerências entre sua teoria e
sua prática pedagógica.
Vários autores contemporâneos apresentam concepções de linguagem, e três
possibilidades de conceber a linguagem aparecem nos estudos da grande maioria
deles: linguagem como forma de expressão do pensamento, linguagem como
instrumento de comunicação e linguagem como forma de interação. Travaglia (2001),
professor e pesquisador da Universidade Federal de Uberlândia, é um desses autores.
Vamos, então, conhecer as concepções de linguagem.
LINGUAGEM COMO EXPRESSÃO DO PENSAMENTO
A primeira concepção que vamos apresentar é a que considera a linguagem como
expressão do pensamento. Travaglia (2001) afirma que adotar essa concepção é adotar
também a ideia de que as pessoas não se expressam bem porque não pensam bem.
Se você considera que a expressão se constrói no interior da mente e sua
exteriorização é apenas uma tradução, você se embasa na linguagem como
representação do pensamento.
Aceitar que a linguagem representa o pensamento, segundo o autor, é aceitar que a
organização do pensamento de maneira lógica garante-nos a exteriorização desse
pensamento de forma também organizada e adequada. Geraldi (2002a), outro
pesquisador da linguagem e do ensino, segue com seus estudos na mesma direção e
complementa que essa concepção é a que sustenta os estudos tradicionais, que
reforçam a relação da impossibilidade de se expressar com o não pensar.
ASSIMILE
Na concepção de linguagem como forma de expressão do pensamento, o
sujeito é o senhor absoluto do seu dizer e precisa seguir à risca as regras
da gramática normativa. A escrita é o modelo para o bem falar, e exercícios
de repetição ajudariam nesse processo.
Perceba o quanto é arriscado você considerar a linguagem como expressão do
pensamento. Partilhar dessa concepção é atribuir aos que “se expressam mal” um
problema no seu próprio pensar, de modo que toda a responsabilidade sobre os dizeres
recai naquele que diz, como se fosse um ato monológico, individual, que não é afetado
pelo outro nem pela situação, explica-nos Travaglia (2001). Aqui, a produção do texto
não tem relação alguma com o contexto em que ele é apresentado tampouco para
quem ele é dirigido.
Para esses autores, o ensino tradicional que se sustenta na chamada gramática normativa,
que traz as normas do bem falar e do bem escrever atreladas às normas do bem pensar,
constrói-se a partir dessa concepção de linguagem.
LINGUAGEM COMO INSTRUMENTO DE COMUNICAÇÃO
Outra maneira de se conceber a linguagem é pensá-la como instrumento de
comunicação. Você já deve ter visto em etapas anteriores da sua educação – seja para
estudar as chamadas funções de linguagem ou a teoria da comunicação – o esquema
de comunicação desenvolvido pelo linguista russo Roman Jakobson, que trazia como
partes constituintes da comunicação um receptor e um emissor, que transmite
determinada mensagem por um canal específico, numa dada língua, sobre um referente
qualquer. Esse esquema estrutural é o grande norteador dessa concepção que estamos
apresentando.
Geraldi (2002a) defende que essa concepção considera a língua como um código,
organizado por regras, a fim de que o emissor transmita uma mensagem ao receptor
tendo como objetivo a comunicação. Perceba que, se há uma transmissão de
informações, as regras precisam ser preestabelecidas, seguidas à risca, para que a
comunicação se efetive. Por isso, complementa Travaglia (2001), esse código, que é a
língua, deve ser conhecido pelos falantes, deve ser utilizado de maneira semelhante,
pois se trata de um ato social.
Se para você a linguagem é instrumento de comunicação, então você considera a língua de
forma isolada, sem levar em conta os interlocutores e a situação de uso, desconsiderando o
falante no processo de produção da linguagem e separando o homem do contexto social
(TRAVAGLIA, 2001).
Consegue perceber como é a língua o ponto central nessa concepção?
ASSIMILE
A concepção de linguagem como instrumento de comunicação considera
que a linguagem serve apenas para transmitir mensagens, sem levar em
conta o contexto de sua produção, obedecendo a um esquema prévio de
comunicação: alguém que fala algo, numa dada língua, para alguém que
decodifica.
Quem considera que a linguagem não apenas verbaliza as nossas ideias nem apenas
exterioriza o pensamento, e que o falante faz mais que usar a língua na produção da
linguagem, transmitindo informações, pode identificar-se com a terceira concepção.
Você entenderá, na terceira concepção, como a prática de linguagem é complexa, é
ação, é o lugar da interação humana.
LINGUAGEM COMO INTERAÇÃO
Nessa concepção, a linguagem é forma de interação, enós praticamos ações que são
possíveis somente pela linguagem: firmamos compromissos e vínculos que, sem a fala,
não se concretizam, reforça Geraldi (2002a). A linguagem é, então, lugar de interação
humana, complementa, ainda, Travaglia (2001), e produz efeitos de sentidos entre os
locutores. Várias são as ciências da linguagem que sustentam seus estudos nessa
concepção, entre elas, a linguística textual, a análise da conversação, a análise do
discurso e a semântica argumentativa.
ASSIMILE
Na concepção de linguagem como forma de interação, a linguagem é
interação humana no social. A linguagem é ação, e o contexto e a situação
são levados em conta na produção de sentidos. O modo como a linguagem
é articulada na fala ou na escrita produz sentidos sobre quem escreve, é
fruto da identificação do sujeito com a língua. Não conseguimos
desprender a linguagem de quem a utiliza.
Outro autor que também compartilha desse posicionamento é Maurizio Gnerre (2009);
ele reafirma que a linguagem não serve apenas para veicular informações, mas que
essa é apenas uma função entre outras.
REFLITA
Você acha que práticas pedagógicas pautadas na concepção de linguagem
como forma de interação, que não coloca a gramática normativa como
ponto máximo de aprendizagem, conseguem promover um conhecimento
da língua que dê conta das manifestações da linguagem no social?
Há, nas reflexões postas por esse autor, um ponto bastante importante: o poder da
linguagem! “A começar do nível mais elementar de relações com o poder, a linguagem
constitui o arame farpado mais poderoso para bloquear o acesso ao poder” (GNERRE,
2009, p. 22). Essa afirmação clássica em seu livro Linguagem, escrita e poder, que será
referência também em outras unidades deste livro, nos dá respaldo para dizer que a
relação dos falantes com a linguagem não é mecânica, tampouco gratuita. As pessoas
falam pelos mais variados propósitos, para serem ouvidas, exercer influência, e sempre
haverá uma relação de “poder dizer” nos atos linguísticos.
LINGUAGEM E RELAÇÃO DE PODER
Vamos exemplificar a relação de poder com um texto literário bastante pertinente. Você já
ouviu falar de Guimarães Rosa? Trata-se de um grande escritor brasileiro que escreveu
vários contos, romances e novelas. Um de seus contos mais conhecidos é o Famigerado,
que faz parte de uma coletânea de contos do livro Pequenas estórias.
Esse conto narra a história de um jagunço que foi chamado de “famigerado” por um homem
do governo. Sem entender o significado da palavra, o jagunço procurou uma pessoa
instruída para ter certeza de que não se tratava de um xingamento. Ele mantinha o homem
do governo preso e estava disposto a matá-lo, caso o sentido de famigerado fosse ofensivo.
Percebendo a situação e o risco que corria o “refém”, o homem se utilizou de alguns dos
sentidos possíveis para a palavra famigerado e revelou ser “célebre”, “notório”, “notável”.
Essa revelação resultou na soltura do homem do governo, preservando-lhe a vida.
Você reparou que os sentidos não estão colados às palavras, mas dependem de seus
usos e são determinados socio, histórico e ideologicamente? Orlandi (2013) afirma que
as palavras podem ter vários sentidos — a explicação sobre famigerado no texto nos
mostra isso —, mas o sentido único e literal é uma ilusão até necessária para
produzirmos o nosso dizer.
Quando lemos o conto Famigerado de Guimarães Rosa, percebemos o poder da
linguagem e reforçamos todas as reflexões propostas pelos autores citados (Gnerre,
Geraldi, Travaglia) ao afirmarem o caráter interativo da linguagem. O conto ilustra bem o
fato de a linguagem ser ação: com a linguagem, fazemos coisas, salvamos vidas,
decretamos a morte de alguém, induzimos tomadas de decisões, algumas vezes
irreversíveis.
Com base nas três concepções, você já deve ter entendido que linguagem é interação e
pressupõe uma relação de poder. Para suas práticas pedagógicas, não dá para considerar a
linguagem de forma reduzida, como transmissão de pensamento ou informação nem mera
comunicação.
EXEMPLIFICANDO
Em uma atividade de planejamento e produção de legendas para álbuns,
fotos ou ilustrações digitais ou impressas, com colaboração dos colegas e
apoio do professor, que considera a linguagem forma de expressão do
pensamento, qualquer sugestão de texto feita pelo aluno que fuja à norma
padrão é considerada errada e precisa ser reformulada, geralmente pelo
professor. Com isso, a identidade da criança vai se ajustando ao que é
desejado e esperado pelo professor.
Quando a concepção de linguagem como instrumento de comunicação
embasa a atividade de identificar e reproduzir textos de campanha de
conscientização destinados ao público infantil, há um modelo a ser
seguido, a fim de que a mensagem seja transmitida e toda a avaliação seja
baseada no modelo predeterminado. A criança precisa identificar-se com o
modelo imposto.
Em uma prática pedagógica sustentada pela concepção de linguagem
como forma de interação, no momento da produção de cartazes e folhetos
para a divulgação de eventos da escola ou da comunidade, a avaliação
acontece a partir de critérios de adequado e inadequado, e não de certo ou
errado, considerando-se o gênero textual, o contexto de produção e a
circulação do cartaz ou folheto. A identidade dos alunos não é anulada em
prol de regras linguísticas.
IDENTIDADE
Desde a primeira etapa da Educação Básica, que é a Educação Infantil, a interação se
faz presente; as Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Infantil, DCNEI
(BRASIL, 2009), em seu Artigo 9°, apresenta as interações e as brincadeiras como
eixos estruturantes da Educação Infantil. A interação, nessa etapa, proporciona a
aprendizagem e é um sinalizador para a elaboração das práticas pedagógicas, por isso
é importante que você se aproprie de novos conhecimentos e novas experiências para
aperfeiçoar seu exercício profissional.
Essa apropriação de conhecimento, assim como a apropriação da linguagem, acontece
por meio da identidade. Como você pensa essa identidade? Por que nos identificamos
com alguns sentidos e rejeitamos outros? Por que preferimos uns conteúdos
curriculares a outros? Você acha que essas escolhas são da ordem da vontade? Que
papel tem a escola na construção da identidade?
Agora, vamos refletir sobre como a linguagem constrói a identidade sem deixarmos de
fora a influência da escola nesse processo. Tagliani (2011), por exemplo, afirma que a
escola é um importante espaço para o desenvolvimento de habilidades, mas que nem
sempre as capacidades previstas são desenvolvidas:
A busca por melhores condições de vida e cidadania leva os indivíduos a procurar, cada vez
mais, qualificação e capacitação em diferentes aéreas do conhecimento. A principal forma de
desenvolvimento de habilidades é o ingresso na escola. Porém, o que se percebe,
principalmente com relação ao desenvolvimento de habilidades linguísticas, é que o indivíduo,
após ingressar na escola, não desenvolve sua capacidade comunicativa e interacional de forma
efetiva. (TAGLIANI, 2011, p. 47)
Essa citação pode provocar em nós outras questões: por que uns falam de uma
maneira e outros de outra? Por que uns aprendem as regras da língua e outros não,
mesmo frequentando a escola?
Com base em um livro indispensável para discutirmos linguagem, Portos de passagem,
de João Wanderley Geraldi (2002b), convidamos você a pensar na linguagem a partir do
processo interlocutivo e, por conseguinte, do processo educacional. Já é sabido por
você que os sujeitos se constituem pela linguagem e de maneiras distintas, e considerar
essa premissa é poder afirmar, a partir desse autor, que a língua não está pronta, como
uma ferramenta que o sujeito se apropria para interagir. Ao contrário, a interação
reconstrói a língua e também os sujeitos.
Perceba que nem língua, nem sujeitos, nem sentidos estão prontos e acabados, mas
são ressignificados pelos processos interlocutivos, em um contexto socio, histórico e
ideológico, como vimos no conto de Guimarães Rosa ou como citado nas Diretrizes
Curriculares Nacionaisda Educação Infantil, que dão destaque para a interação como
um dos eixos estruturantes para se pensar a criança na escola.
FOCO NA BNCC
Ao conhecer as diferentes concepções de linguagem, você desenvolve a
habilidade de analisar, de forma crítica, essas concepções que norteiam
textos científicos atuais e documentos educacionais, bem como,
consequentemente, atinge o resultado de aprendizagem que desenvolve a
competência de reconhecer as diversas concepções de linguagem e
manifestações orais que permeiam as práticas sociais no seu discurso. O
estudo da linguagem como construção da identidade desenvolve em nós a
habilidade de selecionarmos e promovermos práticas pedagógicas que
promovam a aprendizagem dos alunos de forma inclusiva, significativa e
colaborativa.
Chamamos sua atenção também para outro ponto que Geraldi (2002b) destaca: as
interações são acontecimentos singulares, que ocorrem em contextos específicos e, por
isso, sofrem os controles e as seleções impostas por esses contextos, ao mesmo tempo
que produzem novos.
Outra autora que traz uma importante afirmação acerca da linguagem que podemos
relacionar com o ensino é Orlandi (2013). Para ela, “[...] a linguagem não pode ser
pensada apenas como conteúdo, mas como matéria estruturante do saber, dos sujeitos,
dos sentidos” (ORLANDI, 2013, p. 267). Você pode verificar, a partir disso, que a
linguagem está em tudo e é por meio da linguagem que todo o saber, todos os sujeitos
participantes dos atos linguísticos na escola — professores, alunos, gestão,
comunidade — e todos os sentidos se estruturam.
Para você compreender melhor o funcionamento da linguagem nessa perspectiva
interacionista e perceber como a linguagem afeta a construção da identidade, relembre
algumas situações em que “escolhemos” modos de falar, conteúdos e sentidos dentro
de contextos específicos. Imagine alguns conflitos nas interações no contexto escolar.
Para resolver esses conflitos, você se utiliza da linguagem, mas o modo como isso é
feito depende de vários fatores que passam pela relação entre os sujeitos em situações
específicas. Por exemplo: é um conflito gerado em uma reunião com a equipe gestora?
É uma interação na brincadeira no parque da escola entre crianças de mesma faixa
etária? É uma discordância na relação com pais ou a comunidade?
Perceba que todas essas situações hipotéticas que elencamos acontecem na escola, e
isso é levado em consideração quando produzimos linguagem, ou seja, a instituição
onde o dizer é produzido direciona o nosso dizer, determina, em certa medida, o que
dizemos e como dizemos; trata-se de uma relação de poder. Como bem coloca Geraldi
(2002b, p. 10): “se falar fosse simplesmente apropriar-se de um sistema de expressões
pronto, entendendo-se a língua como um código disponível, não haveria construção de
sentidos [...], se a cada fala construíssemos um sistema de expressões, não haveria
história”.
Diante dessas colocações, não é possível pensar que a identidade linguística é uma
mera questão de escolha do sujeito, tampouco algo fixo e estável. Assim, a construção
da identidade linguística depende do que entendemos dos contextos em que os
diálogos ocorrem, isto é, retomando o exemplo mostrado há pouco, o que criança,
gestão, pais trazem de sentidos para nós determina o modo como produzimos o nosso
dizer. Por exemplo, o que sabemos sobre escola, criança, limites e regras retorna na
nossa fala quando buscamos solucionar conflitos no parque; o que sabemos sobre
hierarquia, respeito, convívio social retorna no momento em que vamos esclarecer algo
em uma reunião com a coordenação ou com os pais. Nós não controlamos totalmente
essas escolhas, assim como elas não são neutras.
Se não há neutralidade no dizer e não escolhemos livremente o que dizemos, como a
linguagem constrói a nossa identidade? Como a linguagem nos constitui? Para tentar
responder a essas questões, apresentamos a autora Coracini (2007), que discute a
linguagem numa outra perspectiva, também relevante para nós. Ela reforça que a
linguagem nos constitui e diz, ainda, que é a linguagem que nos dá um lugar na
sociedade. Podemos concluir que a linguagem constrói a nossa identidade pela língua
que falamos, a língua com a qual nos identificamos, logo, a relação da linguagem com a
língua é indissolúvel.
Se partimos do pressuposto de que a língua constrói identidade, é heterogênea e
mutável, então o mesmo é válido para pensar a identidade: ela não é fixa, não é estável
e é múltipla. Em relação a isso, Orlandi (1998) reforça que não há identidades fixas,
pois a identidade se transforma; ela ainda acrescenta que identidade não se aprende, e
a ação de corrigir o aluno em sala de aula intervém nos sentidos que esse aluno está
produzindo e, consequentemente, na constituição de sua identidade.
Diante disso, como você se identifica com algo? Por que determinados sentidos soam
familiares para você e outros não? Essa mesma autora explica que a identificação
acontece pela memória de sentidos que temos:
Identificamo-nos com certas idéias, com certos assuntos, com certas afirmações porque temos a
sensação de que elas “batem” com algo que temos em nós. Ora, este algo é o que chamamos
de interdiscurso, o saber discursivo, a memória dos sentidos que foram-se constituindo em
nossa relação com a linguagem. (ORLANDI, 1998, p. 206)
Com base nas afirmações dessa autora, você pode começar a relacionar identidade
com ensino, pensando a identidade linguística. O aluno que melhor se adapta à escola
é aquele que se identifica com os conteúdos que a escola transmite, que se identifica
com a língua formal, e essa visão ultrapassa os muros escolares. Você já deve ter
ouvido vários julgamentos em relação ao modo de falar de alguém que está distante da
chamada norma culta. Esses julgamentos vêm da ideia simplista de que quem não
aprendeu, não se empenhou o suficiente para isso ou, absurdamente, não possui
competência para aprender, como se a língua funcionasse sozinha, fora do sujeito que
fala.
Caminhando para a conclusão dessas reflexões, retomamos duas autoras, Orlandi
(2013) e Coracini (2007), já citadas nesta seção, que nos fazem repensar a função da
linguagem em nosso cotidiano e o quanto a escola afeta nossa relação de identidade
com a língua. Coracini (2007) atesta que a escola ensina formas, ensina uma língua que
pouco tem a ver com o aluno, mas quer que ele a domine, silenciando ou anulando
outras identidades; Orlandi (2013) sustenta que aquilo que o aluno não aprende, não faz
sentido na história dele, está fora de seu discurso, apagado, silenciado, bem como
acrescenta que é preciso conhecer a história do sujeito e da língua na produção do
conhecimento do sujeito sobre a língua.
Nesta seção, você teve a oportunidade de conhecer as concepções de linguagem que
permeiam os estudos linguísticos na atualidade. Teve acesso, também, ao modo como
a linguagem se constitui e constitui os sujeitos falantes na relação com o social. Por fim,
você pôde, ainda, refletir acerca da linguagem e de como a identidade linguística, por
meio da língua, faz significar aqueles que a utilizam, dentro e fora da escola.
Relações entre oralidade e escrita
PRATICAR PARA APRENDER
Caro aluno, nesta seção discutiremos questões relevantes sobre a oralidade e sua
relação com a escrita. Você deve se lembrar das concepções de linguagem que
estudamos anteriormente e como a linguagem constrói a nossa identidade. Uma das
concepções que vimos foi a linguagem enquanto processo de interação. Você
perceberá, nesta seção, que essa é a concepção que embasará nossas futuras
discussões, pois a oralidade é vista aqui como prática social interativa.
E como a oralidade se manifesta? Esse é um ponto nada trivial para pensarmos como
os atos de linguagem oral acontecem no social. A oralidade se apresenta sob vários
gêneros textuais, dentro e fora da escola, e é a partir deles que estudaremos a
oralidade e a sua relação com a escrita.
Se consideramos que a linguagem acontece por meio dos gêneros textuais, não
podemos deixar de fora as novasmídias e o modo como nos relacionamos com elas na
produção de textos orais. Computadores, celulares, tablets e afins nos acompanham,
assim como os alunos do Ensino Fundamental, em muitos afazeres diários, seja nos
estudos, no trabalho ou no lazer; então, precisa fazer parte do cotidiano escolar pensar
em textos orais que circulam por esses dispositivos, permeados por mídias multimodais,
que mesclam recursos orais, verbais e visuais.
E quais textos orais são produzidos nessas e por essas novas mídias? Esta seção
permitirá que você reflita sobre a produção de gêneros textuais também nos espaços
midiáticos, observando que há fatores determinantes no modo como os textos são
produzidos, por exemplo quem elabora, onde circula e quem é o ouvinte esperado.
Você verá, também, que pensar a oposição oralidade/escrita é insuficiente para
analisarmos como essas modalidades funcionam nas práticas de sala de aula e,
também, sociais. Será que é possível – e suficiente – considerarmos que a linguagem é
oral ou escrita? Como as diferentes manifestações de oralidade nos permitem pensar
que lidamos com várias oralidades nos diferentes suportes, midiáticos ou não?
Responderemos juntos a essas perguntas. Bom estudo!
Sabemos que a oralidade na escola nem sempre ocupa um lugar de destaque e, muitas
vezes, é considerada uma modalidade menor, que funciona como prévia para atividades
escritas. Dadas essas informações, imagine que você esteja participando de uma
reunião com a equipe gestora da escola, junto a outros professores, e a coordenação
pedagógica expõe que um pai de aluno solicitou uma conversa para relatar que
algumas das aulas eram apenas de bate-papo, sem o cumprimento do conteúdo, pois
não encontrava registros escritos do que havia sido ministrado.
Alguns professores, frente a essa colocação, posicionaram-se dizendo que priorizavam
a escrita em detrimento das atividades de oralidade e que, mesmo após a leitura de
uma obra literária na Educação Infantil, era pedido um desenho como registro da
atividade oral. Outros disseram que a oralidade gerava indisciplina e era de difícil
controle na troca de turnos da conversa, por isso quase não realizavam atividades de
oralidade em sala de aula. Outros, ainda, do Ensino Fundamental, afirmaram que todas
as semanas executavam atividades orais nas aulas: os alunos liam em voz alta algum
texto ou cantavam uma música.
A coordenadora solicitou que você se posicionasse frente a esse relato. Quais
argumentos você utilizaria para defender o seu ponto de vista? Como a fala dos colegas
pode servir de subsídio para o seu posicionamento? Sustente seus argumentos em
evidências científicas atuais, estudadas nesta seção, advindas de áreas de
conhecimento que favorecem o processo de ensino e aprendizagem da oralidade.
Esta seção permitirá que você adquira subsídios para planejar práticas pedagógicas de
oralidade e construa argumentos para discutir com colegas sobre as práticas da
linguagem oral na escola e fora dela, a partir de estudiosos sobre oralidade na
atualidade. Bons estudos!
CONCEITO-CHAVE
Caro aluno, após conhecermos as concepções de linguagem, refletiremos sobre as
relações existentes entre a oralidade e a escrita e verificaremos como as novas mídias
afetam a nossa produção linguageira social.
Você já deve ter ouvido falar da influência da oralidade nos textos escritos, e é por essa
reflexão que começaremos. Como essa influência acontece? A oralidade oferece
recursos para o texto escrito? A oralidade aparece por meio de marcas indevidas na
escrita?
Para começarmos a responder a essas questões e elaborarmos outras, vamos nos
embasar nos estudos de Bernard Schneuwly e Joaquim Dolz. Esses autores são
professores e pesquisadores da Universidade de Genebra, na Suíça, e grandes
estudiosos do ensino da linguagem oral e escrita; além deles, citaremos duas
pesquisadoras brasileiras, Roxane Rojo e Glaís Sales Cordeiro, que traduziram para o
português alguns textos de bastante importância para essa área, os quais foram
reunidos em um livro referência para a formação de professores e concursos: Gêneros
orais e escritos na escola, de 2004. Esse livro constitui uma das bases desta seção.
PRÁTICA SOCIAL DE LINGUAGEM
Schneuwly (2004) afirma que a relação entre a oralidade e a escrita acontece de
maneiras muito diversas. Um texto oral, para ele, pode estar bem próximo da escrita,
como acontece com as exposições orais e os teatros, ou pode estar distante, como os
debates e as conversas cotidianas. Assim, você pode perceber que não há uma única
forma de pensar a oralidade. Inclusive, esse autor afirma que não existe o “oral”, mas os
“orais”.
REFLITA
As atividades de oralidade ocupam qual lugar na escola nos anos iniciais?
Há atividades que são exclusivamente orais na escola ou elas servem
como pano de fundo para as atividades escritas? Se Schneuwly (2004)
afirma que não há “oral”, mas “orais”, como opor oralidade e escrita?
Dadas essas colocações, você já deve ter observado que falar de oralidade é falar de
prática social de linguagem, que se constrói no momento dessas práticas e se
reorganiza também por elas. Enquanto prática social interativa, a oralidade se apresenta
sob várias formas de gêneros textuais. Na escola, por exemplo, escutar a fala de
professores e de colegas, respeitando o turno de fala e observando os elementos não
linguísticos presentes nesse ato de linguagem, como gestos, movimentos, expressão
corporal e tom de voz; escutar apresentações de trabalhos realizados pelos colegas,
elaborando perguntas; expor trabalhos ou pesquisas em sala de aula.
No cotidiano social, temos a conversação espontânea, a conversação telefônica, as
entrevistas pessoais, as entrevistas no rádio ou na TV, os debates, os noticiários de
rádio ou TV e a narração de jogos esportivos, que são exemplos da prática da
linguagem oral, entre outros.
EXEMPLIFICANDO
Um exemplo de funcionamento distinto de textos orais, concordando com o
deslocamento de “oral” para “orais” apontado por Schneuwly (2004), é
considerar uma aula gravada para uma unidade deste livro ou uma aula
presencial sobre o mesmo conteúdo aqui trabalhado. Perceba que são “o
mesmo gênero” – aula – e que, mesmo sendo nomeados da mesma
maneira, movimentam formas diferentes de oralidade.
Um sermão religioso proferido oralmente por um padre tem características
distintas de uma conversa de vídeo por plataformas de videochamadas
on-line, por exemplo. São gêneros orais e, assim como os gêneros de
escrita, possuem particularidades diferentes.
A oralidade é anterior à escrita e à gramática, que surgiu a fim de que se investigassem
as regras da escrita.
Bagno (2002, p. 54-55) defende que a língua falada é a língua aprendida nos primeiros anos
de vida, a partir do contato com a família e com a comunidade, “é o instrumento básico de
sobrevivência”; já a língua escrita é artificial, obedece a regras rígidas, exige treinamento e
memorização.
Marcuschi (2010) tem opinião semelhante à apresentada, pois, para ele, a fala é
adquirida em contextos informais no dia a dia pelas relações sociais, inicialmente com
os que lhe são próximos; em contrapartida, a escrita é adquirida no contexto formal da
escola, por isso é considerada um bem cultural.
Acrescentamos que estudar oralidade e trabalhar com ela em sala de aula vai além da
definição do que é oralidade ou, ainda, pensar a polarização texto oral e texto escrito é
lidar com gêneros textuais. Trabalhar com oralidade é trabalhar com os mais variados
gêneros textuais orais que permeiam nossa relação com os atos de linguagem; é
pensar que cada gênero oral tem sua particularidade, funciona de maneira distinta e
circula em espaços diversos.
O QUE É GÊNERO TEXTUAL?
Há uma definição clássica, elaborada por Bakhtin (2003, p. 262, grifos do autor), que
afirma que “cada enunciado particular é individual, mas cada campo de utilização da
língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados, os quais denominamos
gêneros do discurso”, ou seja, “gêneros são tipos relativamente estáveis deenunciados”. É a partir da noção de gênero que trataremos a oralidade e sua relação
com a escrita.
ASSIMILE
Você sabe a diferença entre tipos textuais e gêneros textuais?
Abreu (2008) apresenta uma distinção que pode ajudar você a entender
melhor. Para ele, os tipos textuais são apenas quatro:
● Narração: relato de um acontecimento, de um evento.
● Argumentação: relacionada à defesa de ideias.
● Descrição: impressões sobre um cenário, uma paisagem, uma
pessoa etc.
● Injunção: ordenação, pedido, condições, como os avisos de
proibições, as sentenças jurídicas, as ordens de pagamento, os
cumprimentos etc.
Quanto aos gêneros textuais, Abreu (2008) explica que são infinitos e
possuem regras próprias. Alguns exemplos de gêneros textuais que
circulam na sociedade: pronunciamentos políticos, aulas, mensagens
digitais, monografias, teses, sentenças, reportagens, anúncios, horóscopo,
vídeos, filmes, áudios de redes sociais, postagens, receitas etc.
Bazerman (1994 apud MARCUSCHI, 2011, p. 18) diz que “gêneros são o que as
pessoas reconhecem como gênero a cada momento do tempo, seja pela denominação,
institucionalização ou regularização. Os gêneros são rotinas sociais do nosso dia a dia”.
Os gêneros mudam de acordo com a sociedade em que eles funcionam. Telex e
telegramas, por exemplo, são gêneros extintos na nossa sociedade.
Vale relembrar que a língua é um fato social que permeia todas as nossas ações
linguageiras. Usamos a língua para a produção da linguagem oral e escrita, porém mais
importante do que pensarmos na oposição oralidade e escrita é considerarmos que os
atos de linguagem oral são distintos:
● Falar em uma live é diferente de falar para um público presencial.
● Gravar um áudio no WhatsApp é diferente de falar ao telefone.
● Participar de uma reunião com a equipe gestora da escola é diferente de
participar de uma reunião com os pais dos alunos.
Com isso, estamos exemplificando que a oralidade (e a escrita) só existe enquanto
gênero textual e o mesmo gênero funciona de maneira distinta: gênero aula presencial e
on-line, gênero reunião equipe gestora e pais, e mesmo aula presencial (ou qualquer
outro gênero) possui as suas particularidades. Lembra-se da definição de gêneros
textuais por Bakhtin? São “tipos relativamente estáveis de enunciados”, ou seja, são
relativos.
Marcuschi (2011) traz uma importante reflexão sobre isso. Ele destaca que muitos se
fixam na estabilidade dos gêneros, naquilo que se repete, que possibilita a classificação
dos textos, mas se esquecem de que “o gênero é essencialmente flexível e variável, tal
qual seu componente crucial, a linguagem” (MARCUSCHI, 2011, p. 19).
TRABALHO COM GÊNEROS TEXTUAIS NO CONTEXTO ESCOLAR
Os gêneros textuais constituem um objeto bastante usado nas escolas. A pesquisadora
Adriana Silva (2013) faz uma importante crítica sobre a difusão do trabalho com gêneros
textuais na escola a partir da definição de gênero proposta por Bakhtin, inclusive dos
materiais oficiais que, nas suas indicações para o professor, ressaltam a importância de
levar para a escola os mais variados gêneros. O que incomoda essa autora é que não
se discute, de fato, o que é um gênero, tal qual propõe Bakhtin, pois, se gêneros são
“tipos relativamente estáveis de enunciado”, falta explicar o que é um enunciado.
Para você entender essa crítica, retomaremos a explicação sobre enunciado concreto
que Silva (2013) apresenta. Ela diz, a partir de Bakhtin, que o enunciado concreto “é um
todo formado pela parte material (verbal e visual) e pelos contextos de produção,
circulação e recepção” (SILVA, 2013, p. 49). A produção nos permite refletir sobre quem
é o escritor ou o falante do texto, quais outros textos ele já produziu, de que lugar ele
fala, etc.; a circulação é a responsável pelos questionamentos sobre onde esse texto
circulará, o que se sabe a respeito desse lugar de circulação; já a recepção nos permite
pensar sobre quem receberá o texto, a quem se destina, o que é sabido sobre esse
leitor/ouvinte.
VOCÊ REPAROU COMO A NOÇÃO DE ENUNCIADO CONCRETO FAZ TODA A DIFERENÇA PARA
PENSARMOS O GÊNERO TEXTUAL NA ESCOLA?
Mais do que trabalhar a estabilidade dos gêneros, é importante mostrar para os alunos que
aquele que produz o texto, as circunstâncias em que esse texto é produzido, quem vai ler
ou ouvir e de que lugar são elementos cruciais para a criação de determinado gênero.
Conforme aponta Marcuschi (2011, p. 25), “a teoria dos gêneros não serve tanto para a
identificação de um gênero como tal e sim para a percepção de como o funcionamento da
língua é dinâmico e, embora sempre manifesto em textos, nunca deixa de se renovar nesse
processo”.
Explicada a questão dos gêneros, retomaremos a relação da oralidade com a escrita,
modalidades essas pensadas enquanto gêneros.
ATIVIDADES DE ORALIDADE
Você já deve ter se deparado com o modo como as atividades de oralidade são tratadas
por algumas escolas, como inferiores à escrita, como práticas dispensáveis, difíceis de
organizar ou até mesmo geradoras de indisciplina. Tizioto (2013, p. 50) critica essa
postura e diz que “essa discussão oral constrói um espaço de significações que poderá
sustentar a escrita de sujeitos-escolares, e é um diferencial nas condições de produção
discursiva”. Perceba que a autora está falando sobre as discussões orais, e não apenas
de leituras de livros em voz alta ou outras atividades que oralizam textos escritos. Essa
é uma distinção importante, pois o que você considera como práticas de oralidade é
determinante para o modo como se ensina essa modalidade.
Há autores bastante enfáticos nessa questão da oralização, como Dolz e Schneuwly
(2004). Para eles, recitações de poemas, performances teatrais e leitura para os outros
não são gêneros orais em si, mas oralização da escrita. Na prática, então, o que seria
uma atividade de oralidade em contraponto a uma atividade de oralização da escrita?
Você conhece a autora de livros e peças infantis Sylvia Orthof? Dentre a vasta
publicação dessa escritora, há um livro intitulado Manual de boas maneiras das fadas.
Esse livro conta a história inusitada de uma fada, a Fofa, que foge de todos os padrões
preestabelecidos. De maneira poética, Sylvia Orthof (2004) narra as peripécias da fada:
Eu sou uma fada deseducada,
um pouco feiticeira,
minha varinha de condão
tem cabo de vassoura!
Sou ruiva de tão loura,
gorducha e debochada.
Não sei de etiquetas,
dou minhas piruetas,
e minha escrita
é feita de risadas!
ABRACADABRA!
(ORTHOF, 2004, [s.p.])
Se a atividade em sala de aula se restringisse à leitura desse texto, teríamos o que Dolz
e Schneuwly (2004) chamam de oralização da escrita. Para alcançarmos a oralidade,
podemos organizar uma discussão sobre o texto lido que vá além, inclusive, de recontar
a história. Essa é uma produção de gênero oral. Como nos apresentam as
pesquisadoras Lucília Romão e Soraya Pacífico, a discussão poderia propor uma
reflexão sobre a figura da fada Fofa, que é diferente da figura clássica. Elas dizem que,
atualmente, a exposição à mídia faz com que as crianças tenham acesso a
personagens que não falam dentro de padrões linguísticos, que estão fora de padrões
de beleza ditados pela sociedade de consumo e que em nada se parecem com os
personagens do “era uma vez”.
E é dessa forma que Sylvia Orthof apresenta sua fada, muito diferente daquelas fadas lindas,
arrumadas, cujo chapéu tinha no alto o brilho e a magia da estrela, enfim, dos seres mágicos
que organizavam a casa, a roupa, a carruagem, tudo em um minuto, bastava balançar a varinha
de condão. A fada de que estamos falando é muito travessa e engraçada, justamente porque
desarruma os sentidos óbvios e esperados.
(ROMÃO; PACÍFICO, 2010, p. 71)
Perceba quantos sentidos possíveis podem ser discutidos pela leitura desse texto,
instigando nos alunos questões relevantes para se pensar o cotidiano, a partir do
contexto social, cultural, econômico e político em que a escola se encontra.
A pluralidade de leituras deve ser uma prática recorrente na escola, no sentido que nos
apresentaOrlandi (2008), isto é, não apenas a leitura de vários textos, mas ler o mesmo texto
de várias maneiras, pois é assim que a leitura estabelece o processo de significação.
Levar para a discussão imagens de fadas clássicas, vídeos do YouTube com contos de
fadas ou até mesmo podcasts que narrem histórias infantis são recursos midiáticos que
permitem uma pluralidade de leitura e alimentam a discussão proposta. O gênero
discussão oral basta, por si só, sem a necessidade de finalizar com atividades de
escrita, pois coloca o aluno no centro da aprendizagem, de forma ativa, e possibilita o
desenvolvimento da argumentação, de forma a respeitar e promover os direitos
humanos, por exemplo.
Se há a necessidade de se produzir um texto escrito tendo como suporte o texto oral,
saiba que são manifestações de linguagem diferentes e que uma não está em oposição
à outra, que a escrita não é transcrição da fala, tampouco é formal em detrimento de
uma informalidade na fala. Muito se diz sobre as influências da oralidade na escrita,
sobretudo em relação às marcas de oralidade no texto escrito: daí, né, tá, além de
expressões “informais”, que são consideradas da oralidade. A escola é o espaço em
que as características da escrita e da oralidade são aprendidas, pelos mais diferentes
gêneros, nas mais diferentes linguagens. Podemos afirmar, ainda, que a oralidade pode
influenciar a escrita também de forma positiva, pois discussões e debates travados na
oralidade podem servir de argumentos para um texto bem escrito.
Utilizar diferentes linguagens, incluindo orais, “para se expressar e partilhar
informações, experiências, ideias e sentimentos em diferentes contextos e produzir
sentidos que levem ao entendimento mútuo” (BRASIL, 2017, p. 9), é uma das
competências gerais descritas pela BNCC para a Educação Básica, assim como utilizar
diferentes linguagens para defender pontos de vista nos diferentes campos, como
direitos humanos, consumo consciente e consciência socioambiental, atentando para
questões do mundo contemporâneo, é uma das competências que o documento
apresenta para a área de Linguagens no Ensino Fundamental.
FOCO NA BNCC
O eixo da oralidade é descrito pela BNCC como aquele que contempla as
práticas de linguagem que se dão em situação oral, que podem ser face a
face ou não:
Aula dialogada, webconferência, mensagem gravada, spot de
campanha, jingle, seminário, debate, programa de rádio,
entrevista, declamação de poemas (com ou sem efeitos sonoros),
peça teatral, apresentação de cantigas e canções, playlist
comentada de músicas, vlog de games, contação de histórias,
diferentes tipos de podcasts e vídeos, dentre outras. (BRASIL,
2017, p. 78-79)
Rádio, TV, jornais e revistas, como você bem lembra, foram mídias muito usadas na
sala de aula em tempos anteriores. Hoje, as novas mídias, que mesclam recursos orais,
verbais e visuais, estão ocupando espaços que ultrapassam o uso apenas cotidiano.
Por isso, você deve pensar em práticas que tenham essas mídias como suporte, seja
assistir a um canal digital com programa de literatura infantil, programas com instruções
de jogos e brincadeiras ou vlog infantil de críticas de livros de literatura infantil e produzir
sinopses de livros, tutoriais de jogos e resenhas digitais em áudio e vídeo.
Todas essas práticas precisam sustentar que a escola é o lugar em que o preconceito
linguístico precisa ser combatido, tanto na oralidade quanto na escrita. Discutir com as
crianças em sala de aula textos falados e ouvir canções das mais variadas regiões do
país são práticas que permitem desenvolver o respeito às variedades linguísticas, por
meio das novas mídias.
Esses modos de compreender a linguagem oral oferecem a você subsídios para
considerar a oralidade uma prática social interativa. Para você, qual é a função da
escola no ensino da oralidade? Dolz e Schneuwly (2004) afirmam que os alunos
dominam bem as formas cotidianas da produção oral e que caberia à escola ensinar
para além das produções cotidianas, mas oferecer formas mais institucionais, mediadas
e parcialmente reguladas, como os gêneros formais públicos.
Toda essa possibilidade de trabalho com a linguagem oral na escola e todo esse
suporte teórico-científico permitem que seus argumentos sejam sustentados por
evidências científicas atuais advindas das diferentes áreas de conhecimento, que
favorecem o processo de ensino e aprendizagem. Neste momento, você já deve ter
reforçado a ideia de que a oralidade é imprescindível para o trabalho com a linguagem
em sala de aula e, se bem planejada, constitui um objeto de aprendizagem riquíssimo
para as práticas pedagógicas na escola, e a própria BNCC prevê isso.
A BNCC E O TRABALHO COM AS LINGUAGENS
A BNCC (BRASIL, 2017), como você já deve ter estudado, é um documento oficial, de
caráter normativo, que direciona toda a formulação de currículos escolares, ou seja, não
podemos estudar oralidade e suas relações com a escrita sem passar por este documento.
Dentro do componente curricular de Língua Portuguesa, na área de Linguagens, no Ensino
Fundamental, há os chamados eixos de integração, que correspondem às práticas de
linguagem: oralidade, leitura/escuta, produção e análise linguística.
É pelo eixo da oralidade que você planejará suas práticas pedagógicas com gêneros
textuais orais, pressupondo atividades que visem ao desenvolvimento das competências
previstas para a oralidade, sem perder de vista a relação que o sujeito estabelece com a
língua, pois a linguagem constrói a identidade.
Você já verificou, também, que recursos midiáticos e tecnologias digitais, com todos os
conteúdos virtuais e outros recursos tecnológicos, são ferramentas importantes para
que os estudantes se sintam estimulados a ter uma atitude investigativa. Esses são
requisitos importantes para todo o desenvolvimento do trabalho com oralidade na sala
de aula.
Nesta seção, refletimos sobre as relações entre oralidade e escrita, considerando a
oralidade como uma prática social interativa. E, como você viu, as práticas da
linguagem oral acontecem via gêneros textuais, que circulam também pelas novas
mídias, as quais mesclam recursos orais, verbais e visuais. Essa variedade de recursos,
sobretudo quando tratamos de linguagem oral, pressupõe variedades linguísticas.
Princípios da variação linguística
PRATICAR PARA APRENDER
Caro aluno, nesta seção, você conhecerá as variedades linguísticas da nossa língua e
entenderá os elementos condicionadores de uma variedade. Conhecer as variedades é
um modo de entender como a língua funciona e, assim, entender e combater o
preconceito linguístico para repensar o que é “falar certo” e o que é “falar errado”.
Você terá acesso a pesquisas atuais sobre as variedades por meio de uma área
chamada Sociolinguística, que estuda a relação da língua com a sociedade. Os
estudiosos dessa área são enfáticos em dizer que há vários modos de falar em uma
língua, e a que a mais se aproxima da chamada norma-padrão ou culta é apenas um
desses modos. Em quais situações você usa um modo de falar mais elaborado, mais
sofisticado? Em quais situações a linguagem mais despojada é aceita? Essas são
questões que nos permitem refletir e entender que a língua é mais do que um código
com regras a serem aprendidas, mas que há convenções sociais de usos, e isso muda
de sociedade para sociedade.
ASSIMILE
Gnerre (2009, p. 6) diz que:
Todo ser humano tem que agir verbalmente de acordo com tais
regras, isto é, tem que ‘saber’: a) quando pode falar e quando não
pode, b) quais tipos de conteúdos referenciais lhe são
consentidos, c) que tipo de variedade linguística é oportuno que
seja usada.
A Sociolinguística é uma área da Linguística que estuda a relação entre
linguagem e sociedade, considerando a diversidade linguística. Essa
ciência trabalha para o conhecimento da língua que caminha para a
democratização das variedades.
As pesquisas e investigações que você verá nesta seção farão você refletir e realizar
uma análise crítica da língua e do trabalho com a linguagem oral e escrita, o que
contribuirápara o planejamento de práticas pedagógicas desafiadoras, coerentes e
significativas, sobretudo no combate ao preconceito linguístico. Os gêneros textuais
estão aí para nos auxiliar nessa tarefa, pois, para cada um deles, são exigidos modos
distintos de lidar com a linguagem. Que tal você aproveitar essa pluralidade de gêneros
textuais para elaborar práticas de sala de aula na Educação Infantil e nos anos iniciais
do Ensino Fundamental que envolvam manifestação popular e cultural da oralidade,
considerando as variedades linguísticas e combatendo o preconceito linguístico?
Para contextualizar a sua aprendizagem, imagine que você seja uma professora do
segundo ano do Ensino Fundamental e esteja em uma reunião pedagógica com
professores da Educação Infantil e do Ensino Fundamental. As reuniões pedagógicas
são espaços de planejamento, discussões e formação docente que permitem que você,
professor, exponha suas práticas pedagógicas e ouça a dos colegas, promovendo
trocas de saberes. Torres (2007) reforça essas afirmações quando diz que as reuniões
pedagógicas são espaços privilegiados nas ações partilhadas do coordenador
pedagógico com os professores, pois discutem e refletem questões que partem da
prática, buscando respostas e novos saberes.
Nessa reunião, surge uma nova discussão entre os professores e a coordenadora do
Ensino Fundamental. Uma professora relata que os seus alunos do segundo ano se
expressam muito mal, não realizam as concordâncias de maneira adequada e usam
frases como “devolve minhas canetinha” e “os menino não deixam eu brincar”, ou não
usam “r” em final de verbo no infinitivo, como “posso sai?”, “vou desenhá uma pirâmide”
e “a Marina não qué me dá o lápis”.
Frente a essa discussão, a coordenadora solicitou um reencontro para que os
professores apresentem para os colegas seu posicionamento sobre o exposto,
embasados em reflexões científicas e com sugestões de trabalho para a sala de aula
que promovesse a melhoria na linguagem oral das crianças.
Como você apresentaria as variedades linguísticas? Qual prática você elaboraria,
levando em conta a diversidade linguística e cultural? Lembre-se de que esta prática
precisa estar pautada na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), no que tange à
oralidade no segundo ano.
FOCO NA BNCC
A BNCC insiste na valorização da diversidade durante toda a Educação
Básica. Essa diversidade, descrita nas competências e nas habilidades
apresentadas pelo documento, perpassa as manifestações de práticas
sociais: culturais, artísticas e, também, linguísticas. Daí a importância de se
estudar as variedades na formação do professor.
Frente a todos os desafios profissionais como professor, reflita, nesta seção, sobre a
relação entre a variedade que os alunos trazem e a variedade que a escola precisa
ensinar. Aproveite as tecnologias digitais de informação e comunicação para produzir
conhecimentos, resolver problemas e potencializar suas aprendizagens. Bons estudos!
CONCEITO-CHAVE
Caro aluno, nesta unidade, já estudamos as concepções de linguagem. Vimos que a
concepção de linguagem que adotamos é o ponto de partida para todas as nossas
práticas em sala de aula. Também refletimos sobre como a linguagem representa e
forma identidades e o quanto o modo como falamos diz muito sobre nós. Entendemos
as relações existentes entre a oralidade e a escrita, além de suas particularidades
enquanto práticas sociais. Agora, entenderemos o que são variedades linguísticas,
quais os tipos e a que estão condicionadas. Você entenderá o que é preconceito
linguístico.
Em nosso dia a dia, nos deparamos com pessoas que falam das mais variadas formas,
de maneira mais formal, mais coloquial, com frases mais longas ou mais curtas, com
pronúncias diferentes e até mesmo com entonações diferentes. Esses são alguns
exemplos de como as variedades se manifestam na oralidade em nosso cotidiano.
Já adiantamos que as variedades não acontecem apenas na oralidade nem, muito
menos, funcionam em dois polos distintos, como formal/coloquial e oral/escrito; trata-se
de algo mais complexo, e é isso que veremos nesta seção. Então, o que são variedades
linguísticas? O que condiciona uma variedade? Quais são os tipos de variedade
linguística que temos em nossa língua?
VARIAÇÕES LINGUÍSTICAS
Gnerre (2009) inicia o seu livro Linguagem, escrita e poder discorrendo sobre o valor
que as produções linguísticas têm se realizadas no contexto social e cultural apropriado.
Imagine um professor elaborando um decreto de suspensão de aulas. Você acha que
esse decreto teria validade? Ou imagine, ainda, o Ministro da Educação apresentando
uma portaria escrita numa variedade bastante informal, com expressões próprias de
textos escritos coloquiais. Isso não soaria estranho? Aí entra a questão da adequação
dos dizeres, sustentada por regras que não são apenas gramaticais, como se a língua
fosse uma só, fechada, finalizada e pronta para ser usada.
O autor fala da importância de o falante ter em mente as regras que sustentam a
linguagem, regras da língua e regras extralinguísticas, pois saber as regras da língua
não é suficiente para usar bem essa língua, é preciso entender as convenções sociais
onde essa língua é posta em prática: quem pode dizer o quê, em que situação, de que
modo e para quem.
Na mesma direção de Gnerre, Alkmim (2001), da Sociolinguística, afirma que as
variedades linguísticas utilizadas pelos falantes devem estar de acordo com as
expectativas sociais convencionais. Essa observação é importante para você perceber
que os usos sociais da linguagem vão além das regras estruturais da língua. É a partir
da Sociolinguística que as variedades linguísticas são estudadas. Segundo a autora,
“toda comunidade se caracteriza pelo emprego de diferentes modos de falar. A essas
diferentes maneiras de falar, a Sociolingüística reserva o nome de variedades
linguísticas” (ALKMIM, 2001, p. 32).
Perceba o quanto é importante sabermos o que são as variedades linguísticas (em
alguns lugares, você pode encontrar também o nome “dialeto” para as variedades). Sem
essa noção, como o trabalho em sala de aula pode acontecer sem que o preconceito
linguístico apareça? Se desconsideramos as variedades, corremos o risco de
compactuar com um ensino segregador, que privilegia apenas alguns que conhecem a
chamada norma culta. Quando entendemos que há diferentes modos de falar,
entendemos que a chamada norma culta ou padrão é apenas um ideal de língua
portuguesa, e não a língua em si. Lembre-se de que toda língua apresenta variedades,
não somente a nossa.
Santos (2004) mostra quão arriscado é o ensino pautado na supervalorização da norma
culta e afirma que práticas escolares que favorecem o domínio da língua culta sem
respeitar as variedades linguísticas que os alunos trazem, em vez de contribuírem para
o domínio do nível formal, podem trazer consequências bastante negativas, como o
bloqueio da expressividade do aluno, na oralidade e na escrita, dentro e fora da escola,
ou apenas o domínio superficial da língua.
Você pode associar essas discussões aqui apresentadas com outras questões já
levantadas nesta disciplina. Lembra-se da importância da concepção de linguagem para
que as práticas de ensino sejam coerentes? Se você considera a linguagem como
representação do pensamento, não tem como considerar as variedades linguísticas que
os alunos já trazem, apenas instituirá a norma-padrão; se, para você, a linguagem é
instrumento de comunicação, as relações intercomunicativas ficam de fora, e a
linguagem é a mesma para todos. Mas, se para você a linguagem é processo de
interação, em que, além de expressarmos o que pensamos e de comunicarmos algo,
fazemos coisas com a linguagem, nas mais diferentes situações e nos mais variados
contextos, é preciso ter em todo o planejamento escolar as variedades como quesito
básico e indispensável para as práticas dentro e fora da escola. Qual é sua concepção
de linguagem?
Outro ponto importante que estudamos foi a linguagem como construção da identidade.
Você já refletiu sobre como pode ser dolorosopara o aluno aprender que o modo de
falar que ele traz, que é o mesmo dos integrantes da família, dos amigos e de outras
pessoas com as quais ele convive em sua comunidade, não é “correto”, não é aceito ou,
ainda, é motivo de deboche por muitos? Retomando as discussões propostas por
Coracini (2007), para muitos essa língua que é imposta pela escola nada mais é do que
estranha, estrangeira, desconhecida para ele e com a qual ele pouco se identifica.
Antes de nos aprofundarmos em como ensinar Português na escola levando em
consideração as variedades, vamos conhecer alguns tipos de variedades linguísticas
que há na Língua Portuguesa.
TIPOS DE VARIEDADES LINGUÍSTICAS
Basicamente, há dois modos de se pensar as variedades: pelo viés geográfico e pelo
viés social. Já começamos a entender que os modos como falamos têm relação direta
com as pessoas com as quais convivemos, com o lugar onde moramos, classe social,
idade, etc.
Preti (2000) nos diz que as variedades linguísticas estão condicionadas a variações
extralinguísticas e nomeia essas variedades. Vejamos:
● Geográficas (ou diatópicas): diversidade regional; urbano versus rural; centro
versus periferia.
● Socioculturais (ou diastráticas): classe social, profissão, sexo, idade.
Alkmim (2001) complementa que a variação geográfica ou diatópica está relacionada ao
espaço físico e é observada entre falantes de origens geográficas distintas. Já a variação
social ou diastrática tem relação com a organização sociocultural da comunidade de fala.
Alkmim (2001) elenca vários fatores para pensarmos sobre as variedades, então vamos
conhecer alguns deles:
● Classe social, ou status socioeconômico, como coloca Pessoa (2010): grupos que
se encontram abaixo da escala social falam de forma distinta daqueles de
situação social/econômica privilegiada.
● Idade: diferença entre a fala de adolescentes e adultos, por exemplo.
● Sexo: homens e mulheres se apropriam de maneira diferente da linguagem.
● Situação ou contexto social: dependendo do nosso interlocutor, falamos de uma
maneira e não de outra, adequamos nosso modo de falar à situação na qual
estamos inseridos.
Pessoa (2010) inclui, ainda, outros fatores:
● Grau de escolarização: o acesso à educação formal, à cultura letrada, à prática da
leitura e aos usos da escrita determina os modos de falar.
● Mercado de trabalho: as profissões e os ofícios afetam a prática linguística.
● Redes sociais: adotamos comportamentos linguísticos semelhantes aos das
pessoas que são próximas a nós, que fazem parte do nosso convívio.
Quando as variações acontecem pelas situações ou contextos sociais, como Alkmim
apresentou, alguns autores as chamam de “variação estilística ou de registro”, como
Camacho (2001). Essa variação é o resultado da adequação da linguagem às
finalidades específicas na interação verbal; se a situação é mais coloquial, a tendência é
que utilizemos poucas frases formais.
Se a competência do falante inclui duas formas de expressão, como ‘Por favor, poderia me
passar o açúcar’, em contraste com ‘O meu chapa, vai ficar alugando o açucareiro até quando?
Dá pra passar ou não?’, o óbvio é que o primeiro enunciado seja selecionado, por exemplo, num
jantar com pessoas estranhas e pouco familiares, enquanto o segundo seja selecionado, por
exemplo, numa mesa de bar, que se compartilha com pessoas do círculo íntimo. (CAMACHO,
2001, p. 60)
Você percebeu quantos fatores são determinantes das variedades linguísticas? E que
diferentes autores elencam os elementos condicionadores da variação linguística de
maneira distinta? Isso acontece porque tudo o que envolve sociedade não é fixo.
Apesar de alguns fatores se manterem por décadas, outros vão sendo incorporados,
dadas as necessidades da linguagem. Hoje, com as novas mídias funcionando em
velocidade crescente, outros modos variáveis da língua vão se formando. Poderíamos
até pensar em outra classificação: variedades midiáticas, que incluiriam modos
diferentes de falar e escrever nas diferentes mídias: rádios, TVs, podcast, redes sociais
(como Facebook ou Instagram), WhatsApp, etc.
REFLITA
Atualmente, com as novas mídias, você acha que as variedades
linguísticas que circulam nos meios eletrônicos são recebidas pelas
diferentes pessoas da mesma maneira? Você já desconfiou de algum texto
que recebeu pela linguagem em que ele foi escrito?
Perceba que todas essas variedades também mudam ao longo da história, e aí
teríamos as chamadas variações históricas. A língua muda com o tempo, e algumas
palavras são incorporadas enquanto outras caem em desuso, como “chumbrega,
supimpa e vosmecê”, as quais, certamente, você não ouve sempre; ao contrário de
“acessar, printar, hashtag e stalkear”, que são exemplos recorrentes de estrangeirismos.
Além disso, variedades que hoje são prestigiosas podem ter sido consideradas
inferiores em outras épocas; ou, ao contrário, palavras sofisticadas de hoje podem ter
sido consideradas desprestigiosas no passado.
Todas essas descrições são importantes para sua formação, pois, se há uma
diversidade de indivíduos e de grupos sociais, de seus saberes, identidades, culturas e
potencialidades, por que não haveria uma diversidade linguística? Mas nada disso vale
se você não promover práticas pedagógicas sem preconceitos de qualquer natureza,
inclusive linguístico, que sejam pautadas nos direitos humanos. Essa é uma das
funções da escola. A outra seria colocar os alunos frente a discussões pertinentes sobre
quais variedades são aceitas e quais não costumam ser no social e o que determina a
valorização linguística.
[...] uma das tarefas do ensino de língua na escola seria, portanto, discutir criticamente os
valores sociais atribuídos a cada variante linguística, chamando a atenção para a carga de
discriminação que pesa sobre determinados usos da língua, de modo a conscientizar o aluno de
que sua produção linguística, oral ou escrita, estará sempre sujeita a uma avaliação social,
positiva ou negativa. (BAGNO, 2006, p. 8)
VARIAÇÕES LINGUÍSTICAS E RELAÇÕES DE PODER
A linguagem, enquanto prática social, estabelece relações de poder. Dizer isso é afirmar
que os usos de linguagem não se restringem à adequação das variedades aos
diferentes contextos, mas é colocar em jogo que os diferentes modos de falar não
chegam a todos da mesma maneira, ou seja, há uma relação desigual de acesso às
variedades, sobretudo às variedades que mais se aproximam da norma-padrão.
Gnerre (2009) fala que o padrão é um sistema associado a um patrimônio cultural e
segue discutindo que a igualdade declarada na Constituição não se aplica à maneira
como as pessoas falam. Inclusive, ele afirma que os valores dados às variedades em
nada têm relação com questões da língua, mas com relações de poder: “Uma variedade
linguística ‘vale’ o que ‘valem’ na sociedade os seus falantes” (GNERRE, 2009, p. 6).
As variedades prestigiosas, segundo o mesmo autor, estão associadas à escrita e à
tradição gramatical. Percebe como Gnerre (2009) nos faz pensar que há um
distanciamento na igualdade linguística? Escrever nunca foi e nunca será a mesma
coisa que falar, pois ambas as práticas demandam formulações diferentes, exigem
habilidades distintas, como já estudamos. Se as variedades de prestígio são portadoras
de uma identidade nacional, quem tem acesso a ela? Com quais variedades os nossos
alunos se identificam? E nós? Questionando de outra forma, quais são as variedades
que constituem a identidade de nossos alunos e a nossa?
Para contribuir com essa reflexão, Santos (2004) acrescenta que o aluno tanto pode
sentir vergonha de usar no meio “culto” sua própria variedade linguística como pode não
ficar à vontade de usar em seu meio social um nível de língua que não lhe seja próprio e
que ele sequer incorporou. E opiniões como essa são compartilhadas por diferentes
autores que estudam a linguagem e sua relação com a sociedade.
Mollica (2004, p. 13) discute o preconceito linguístico e acrescenta que ainda
encontramos a predominância de “práticas pedagógicas assentadas em diretrizes
maniqueístasdo tipo certo/errado”, que tomam como referência o padrão. Para ela, os
estudos sociolinguísticos “oferecem valiosa contribuição no sentido de destruir
preconceitos linguísticos e de relativizar a noção de erro, ao buscar descrever o padrão
real que a escola, por exemplo, procura desqualificar e banir como expressão linguística
natural e legítima” (MOLLICA, 2004, p. 13).
Esta é, para a escola, uma das grandes contribuições da Sociolinguística para o
combate ao preconceito linguístico, repensar a polarização certo/errado e ressignificar
para adequação linguística, considerando os interlocutores, a situação, o contexto, o
conteúdo da fala, o objetivo pretendido, etc. É por isso que você deve privilegiar
atividades que permitam aos alunos ouvir textos em diferentes variedades, para
identificar as características regionais, urbanas e rurais da fala, promovendo o respeito
às diversas variedades linguísticas e o combate ao preconceito linguístico, como nos
propõe a BNCC (BRASIL, 2017), para todos os campos de atuação do Ensino
Fundamental.
Combater o preconceito linguístico e valorizar as variedades linguísticas que os alunos
trazem não eximem a escola de seu papel crucial, o qual, para Travaglia (2001), é
desenvolver a competência comunicativa dos alunos e contribuir para que eles usem
adequadamente a língua nas diferentes situações de comunicação.
A isso está associado o aprendizado da norma culta ou padrão ou, pelo menos, como
diz Possenti (2002), criar condições para que seja aprendida.
EXEMPLIFICANDO
Exemplos que você pode, inclusive, encontrar entre seus alunos: as
pronúncias abertas e fechadas do “e” da região Sudeste em relação a
alguns estados do Nordeste; os diferentes “r” que temos na fala:
paulistanos, paulistas, cariocas, etc.; as diferentes construções de frases:
dia de domingo, aos domingos; sossega o facho, fique quieto; palavras ou
expressões: oxe, uai, nossa. E várias outras que encontramos em nosso
cotidiano.
Perceba que a escola é fundamental para colocar o aluno em acesso ao poder por meio
da linguagem, diz Geraldi (2002), a partir da afirmação clássica de Gnerre (2009, p. 22):
“a começar do nível mais elementar das relações com o poder, a linguagem constitui o
arame farpado mais poderoso para bloquear o acesso ao poder”.
PESQUISE MAIS
Há um site desenvolvido por pesquisadores da UFMG que, entre outras
coisas, apresenta amostras sonoras de dialetos falados em diferentes
regiões do Brasil. Vale a pena ouvir para você conhecer e usar como
ferramenta para a sala de aula:
● DIALETOS do Português. Fonética & Fonologia: sonoridade em
artes, saúde e tecnologia.
O livro de Silvia Segato, Variação Linguística, disponível na Biblioteca
Virtual da Kroton, traz contribuições para as questões aqui apresentadas
sobre as variedades linguísticas. Uma dessas questões são os mitos em
relação ao Português, que o autor Marcos Bagno, apresentado por ela, vai
desfazendo. Leia da página 9 a página 13 para conhecer esses mitos.
● SEGATO, S. R. Variação Linguística. Londrina: Editora e Distribuidora
Educacional S.A., 2017.
Você está preparado para respeitar as variedades linguísticas com as quais os alunos
se identificam e, ao mesmo tempo, dar acesso às variedades mais próximas da
norma-padrão, considerando que, em muitos casos, a escola é o único meio para isso?
Quando você elaborar as práticas pedagógicas, tenha em mente os contextos
linguísticos, sociais, culturais, econômicos e políticos das escolas em que atua,
atentando para as vivências dessas crianças. É possível criar práticas que auxiliem no
combate ao preconceito linguístico sobre o modo como os alunos falam e, ao mesmo
tempo, ser uma prática significativa em que eles são o centro da aprendizagem. Por
isso, um repertório diversificado de estratégias didático-pedagógicas é importante, pois
os estudantes são heterogêneos.
Vamos retomar alguns pontos e conhecer outros? Marcos Bagno (2007) é um autor da
Sociolinguística que faz importantes críticas ao modo de considerar a língua
homogênea, como se ela fosse uma só. Ele, como você já vimos nesta seção, rebate a
ideia de língua única e homogênea. Confira um resumo das variações linguísticas:
O diagrama apresenta 6 tipos de variações linguísticas:
Variação fonético-fonológica: Tem relação com o “som” de fonemas.
Relembre quantas pronúncias você conhece para o "R" da palavra "porta" no português
brasileiro.
Variação morfológica: Tem relação com a formação das palavras.
As formas PEGAJOSO e PEGUENTO, que exibem sufixos diferentes para expressar a
mesma ideia, são exemplos dessa variação.
Variação sintática: Tem relação com as frases.
Nas frases a seguir, o sentido geral é o mesmo, mas os elementos estão organizados de
maneiras diferentes:
Uma história que ninguém prevê o final.
Uma história que ninguém prevê o final dela.
Uma história cujo final ninguém prevê.
Variação semântica: Tem relação com o sentido das palavras.
VEXAME, por exemplo, pode significar “vergonha” ou “pressa”, dependendo da origem
regional do falante.
Variação lexical: Tem relação com a palavra em si.
Palavras MOLEQUE, PIVETE e GAROTO são consideradas sinônimas.
Variação estilístico-pragmática: Tem relação com o estilo da escrita.
Os enunciados "QUEIRAM SE SENTAR, POR FAVOR" e "VAMO SENTANO AÍ, GALERA"
são usados em situações diferentes de interação social, mais ou menos formais, entre os
interlocutores. Perceba que esses enunciados podem ser pronunciados pelo mesmo
indivíduo em situações de interação diferentes.
Essas questões propostas por Bagno nos permitem estender a discussão para a
distinção de competência e desempenho, do linguista Chomsky, que Margarida Petter
(2002) nos traz:
Competência linguística:
A competência linguística é a porção do conhecimento do sistema linguístico do falante que lhe
permite produzir o conjunto do conhecimento de sentenças de sua língua; é o conjunto de regras
que o falante construiu em sua mente pela aplicação de sua capacidade inata para a aquisição
da linguagem aos dados linguísticos que ouviu durante a infância. (PETTER, 2002, p. 15)
Desempenho linguístico:
Corresponde ao comportamento linguístico, que resulta não somente da competência linguística
do falante, mas também dos fatores não linguísticos de ordem variada, como: convenções
sociais, crenças, atitudes emocionais do falante em relação ao que diz, pressupostos sobre as
atitudes do interlocutor, etc, de um lado; e, de outro, o funcionamento dos mecanismos
psicológicos e fisiológicos envolvidos na produção dos enunciados. (PETTER, 2002, p. 15)
Em cima dessas afirmativas recaem as discussões sobre a adequação de linguagem
nas diferentes situações. Há muitos fatores que afetam o modo como falamos, e ter
desempenho linguístico, segundo Chomsky, contribui para isso. Não basta saber as
regras da língua, mas é preciso conhecer as convenções sociais presentes na
comunidade de fala.
Chegamos ao final desta seção que pretende discutir o preconceito com a língua.
Considerar as variedades linguísticas de forma “democrática” fará com que você
colabore para a construção de uma sociedade livre, justa, democrática e inclusiva.
Conceito de oralidade
CONVITE AO ESTUDO
Caro aluno, seja bem-vindo a esta unidade. Nela, você aprofundará seus
conhecimentos acerca da oralidade e entenderá o que constitui essa prática social que,
muitas vezes, é deixada à margem das práticas pedagógicas.
No contexto atual, a oralidade é bastante exigida. As aulas remotas em tempos de
pandemia, a participação dos alunos por meio de vídeos, as lives com discussão de
temas diversos e a formação complementar chegam a nós diariamente, e gêneros
textuais orais, que antes eram restritos a certos contextos, hoje são gerados pelas
novas mídias, fazendo parte do nosso dia a dia pelas mais variadas tecnologias digitais
e de comunicação. Daí a importância de você estudar a oralidade, de aproveitar as
tecnologias digitais de informação e comunicação como ferramentas para a sua
formação e de você conhecer evidências científicas atuais advindas das diferentes

Outros materiais