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1
FACULDADE ÚNICA
DE IPATINGA
2
Jorge Benedito de Freitas Teodoro
Doutor em Letras: Estudos Literários pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) com
período sanduíche na Universidade Nova de Lisboa financiado pela CAPES, Mestre em
Filosofia com ênfase em Estética e Filosofia da Arte pela Universidade Federal de Ouro Preto
(UFOP), Especialista em Ciência da Religião (FUNIP) e Graduado em Filosofia (bacharelado
e licenciatura) na Universidade Federal de Ouro Preto. Realizou estágio de Pós-
doutoramento no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de
Ouro Preto (PPGHIS-UFOP). Atua principalmente nos seguintes temas: estética e filosofia da
arte, teoria da literatura, poéticas da modernidade, literatura/história/memória cultural e
teoria crítica da sociedade. Participa do grupo de pesquisa "Laboratório X de
encruzilhadas filosóficas" (UFRJ). Atuou como professor na rede estadual de ensino de
Minas Gerais (SEE/MG). Atuou como Professor Substituto no Instituto de Ciências Humanas
e Letras da Universidade Federal de Alfenas (ICHL/ Unifal-MG). Atualmente é coordenador
dos cursos de Filosofia (EaD) e Ensino Religioso (EaD) da Faculdade Única de Ipatinga Além
disso, atua como coordenador do Núcleo de Projetos e Pesquisas na modalidade de
Ensino a Distância da Faculdade Única (NUPIC-EaD), Núcleo de Extensão na modalidade
de Ensino a Distância da Faculdade Única (NUEX-EaD) e Núcleo de Relações Internacionais
(NRI).
PRÁTICA PEDAGÓGICA INTERDISCIPLINAR:
HISTÓRIA DA FILOSOFIA CONTEMPORÂNEA
E MODERNA
1ª edição
Ipatinga – MG
2022
3
4
FACULDADE ÚNICA EDITORIAL
Diretor Geral: Valdir Henrique Valério
Diretor Executivo: William José Ferreira
Ger. do Núcleo de Educação a Distância: Cristiane Lelis dos Santos
Coord. Pedag. da Equipe Multidisciplinar: Gilvânia Barcelos Dias Teixeira
Revisão Gramatical e Ortográfica: Izabel Cristina da Costa
Revisão/Diagramação/Estruturação: Bruna Luiza Mendes Leite
Fernanda Cristine Barbosa
Guilherme Prado Salles
Lívia Batista Rodrigues
Design: Bárbara Carla Amorim O. Silva
Élen Cristina Teixeira Oliveira
Maria Eliza Perboyre Campos
© 2022, Faculdade Única.
Este livro ou parte dele não podem ser reproduzidos por qualquer meio sem Autorização
escrita do Editor.
Ficha catalográfica elaborada pela bibliotecária Melina Lacerda Vaz CRB – 6/2920.
NEaD – Núcleo de Educação a Distância FACULDADE ÚNICA
Rua Salermo, 299
Anexo 03 – Bairro Bethânia – CEP: 35164-779 – Ipatinga/MG
Tel (31) 2109 -2300 – 0800 724 2300
www.faculdadeunica.com.br
5
Menu de Ícones
Com o intuito de facilitar o seu estudo e uma melhor compreensão do conteúdo
aplicado ao longo do livro didático, você irá encontrar ícones ao lado dos textos.Eles
são para chamar a sua atenção para determinado trecho do conteúdo, cada um
com uma função específica, mostradas a seguir:
São sugestões de links para vídeos, documentos
científicos (artigos, monografias, dissertações e teses),
sites ou links das Bibliotecas Virtuais (Minha Biblioteca e
Biblioteca Pearson) relacionados com o conteúdo
abordado.
Trata-se dos conceitos, definições ou afirmações
importantes nas quais você deve ter maior atenção!
São exercícios de fixação do conteúdo abordado em
cada unidade do livro.
São para o esclarecimento do significado de
determinados termos/palavras mostradas ao longo do
livro.
Este espaço é destinado para a reflexão sobre
questões citadas em cada unidade, associando-o a
suas ações, seja no ambiente profissional ou em seu
cotidiano.
6
SUMÁRIO
A IDADE MODERNA: ILUMINISMO E RACIONALIZAÇÃO ..............9
1.1 O ILUMINISMO: INTRODUÇÃO AO SUJEITO MODERNO .....................................9
1.2 REVOLUÇÕES DO CONHECIMENTO: O MÉTODO E A RACIONALIZAÇÃO DO
MUNDO .............................................................................................................. 12
1.3 “RESPOSTA À PERGUNTA: O QUE É ESCLARECIMENTO?”, DE IMMANUEL
KANT ................................................................................................................... 16
FIXANDO O CONTEÚDO ................................................................................... 19
O RACIONALISMO MODERNO ......................................................23
2.1 RENÉ DESCARTES................................................................................................ 23
2.2 BARUCH DE SPINOZA ........................................................................................ 31
FIXANDO O CONTEÚDO ................................................................................... 36
A MODERNIDADE E O EMPIRISMO INGLÊS ...................................41
3.1 FRANCIS BACON E O MÉTODO EMPÍRICO...................................................... 41
3.2 JOHN LOCKE E O EMPIRISMO .......................................................................... 45
3.3 DAVID HUME: INVESTIGAÇÕES SOBRE O ENTENDIMENTO HUMANO ........... 49
FIXANDO O CONTEÚDO ................................................................................... 55
O MODERNO E O POLÍTICO..........................................................60
4.1 THOMAS HOBBES E O LEVIATÃ ......................................................................... 60
4.2 MONTESQUIEU E O ESPÍRITO DAS LEIS.............................................................. 64
4.3 JEAN-JACQUES ROUSSEAU .............................................................................. 67
FIXANDO O CONTEÚDO ................................................................................... 71
IMMANUEL KANT E A RAZÃO MODERNA......................................76
5.1 A REVOLUÇÃO COPERNICANA DO CONHECIMENTO E A CRÍTICA DA
METAFÍSICA........................................................................................................ 76
5.2 CRÍTICAS DA RAZÃO: A RAZÃO NO TRIBUNAL ............................................... 79
5.3 A ÉTICA KANTIANA: O IMPERATIVO CATEGÓRICO........................................ 83
FIXANDO O CONTEÚDO ................................................................................... 85
HEGEL, O IDEALISMO ALEMÃO E O ROMANTISMO ALEMÃO......90
6.1 HEGEL: A FILOSOFIA DA HISTÓRIA E A DIALÉTICA .......................................... 90
6.2 O IDEALISMO ALEMÃO E O ROMANTISMO ALEMÃO..................................... 97
FIXANDO O CONTEÚDO ................................................................................. 102
A FILOSOFIA DE FRIEDRICH NIETZSCHE ......................................106
7.1 NIETZSCHE: FILOSOFANDO COM O MARTELO .............................................. 106
7.2 A TRANVALORAÇÃO DOS VALORES: FILOSOFIA/CORPO/ALEGRIA........... 109
7.3 A ARTE TRÁGICA E O ESPÍRITO DIONISÍACO................................................. 111
UNIDADE
01
UNIDADE
02
UNIDADE
03
UNIDADE
04
UNIDADE
05
UNIDADE
06
UNIDADE
07
7
KARL MARX E A FILOSOFIA MATERIALISTA..................................119
8.1 INTRODUÇÃO................................................................................................... 119
8.2 O CAPITAL: ANÁLISE DO MÉTODO DE PRODUÇÃO CAPITALISTA ............... 122
FIXANDO O CONTEÚDO ................................................................................. 129
INTRODUÇÃO À DA FILOSOFIA DA LINGUAGEM.......................134
9.1 GOTTLOB FREGE: LINGUAGEM E MATEMÁTICA ............................................ 134
9.2 BERTRAND RUSSELL: O POSITIVISMO LÓGICO E A TEORIA DAS DESCRIÇÕES
DEFINIDAS ........................................................................................................ 137
9.3 LUDWIG WITTGENSTEIN: O TRACTATUS LOGICO-PHILOSOPHICUS E AS
INVESTIGAÇÕES FILOSÓFICAS ....................................................................... 140
A FENOMENOLOGIA ....................................................................149
10.1 INTRODUÇÃO................................................................................................... 149
10.2 A FENOMENOLOGIA DE MAURICE MERLEAU-PONTY ................................... 153
10.2.1“FenomenologiaDa Percepção”, De Merleau-Ponty .......... 156
FIXANDO O CONTEÚDO ................................................................................. 159
A FILOSOFIA DE MARTIN HEIDEGGER..........................................164
11.1 MARTIN HEIDEGGER: O SER, A METAFÍSICA E A ALÉTHEIA ........................... 164
11.2 A HERMENÊUTICA: O SER, A LINGUAGEM E A OBRA DE ARTE ..................... 168
FIXANDO O CONTEÚDO ................................................................................ 175
O EXISTENCIALISMO.....................................................................179
12.1 JEAN-PAUL SARTRE: O EXISTENCIALISMO É UM HUMANISMO..................... 179
12.2 SIMONE DE BEAUVOIR: O SEGUNDO SEXO................................................... 183
FIXANDO O CONTEÚDO ................................................................................. 188
RESPOSTAS DO FIXANDO O CONTEÚDO ....................................193
REFERÊNCIAS.................................................................................195
UNIDADE
08
UNIDADE
09
UNIDADE
10
UNIDADE
11
UNIDADE
12
8
INTRODUÇÃO
A marca da filosofia moderna é o apreço pela razão, movido pelas constantes
Revoluções e descobertas na ordem das epistemologias. Em outros termos, a
modernidade configura-se, sobretudo, pela elevação da razão cientifica como
modelo de compreensão e determinação da realidade. Diante disso, a filosofia, livre
das antigas tutelas, procura instaurar-se como modo proeminente de compreensão
do mundo que, efetivamente, irá se atrelar às ciências físicas e experimentais.
Assim, o método e a experimentação conduziram, na modernidade, a filosofia
à tentativa de, efetivamente, descobrir a natureza do conhecimento. Os
racionalistas, aliados das abstrações matemáticas, defenderam a perspectiva de um
conhecimento a priori, cuja única certeza indubitável é aquela provinda pelo
pensamento mesmo sem, no entanto, nenhuma relação com a experiência sensível
do mundo. Os empiristas, por sua vez, partilharam de um conhecimento a posteriori,
isto é, fundamentalmente ligado à necessidade da experiência sensível, das
impressões dos sentidos e das sensações. Nesse impasse fecundo vivido pela filosofia,
Immanuel Kant terá a solução: o sujeito transcendental que se coloca no centro das
determinações do conhecimento.
Contudo, a modernidade não é, como veremos a seguir, um campo de
disputas apenas no âmbito do conhecimento, pois a sociedade modificou-se de
modo estrutural, dando lugar, portanto, a sociedade civil – distante da natureza e
regulada por leis e contratos que, finalmente, buscavam manter aquilo que o
cidadão possuía de mais fundamental: a liberdade.
Hegel, em seu complexo sistema filosófico, defendeu essa liberdade como um
percurso fundamental para a dialética do espírito absoluto. Finalmente, os
românticos alemães, no final do século XVIII, questionaram esse excesso de
racionalidade e propuseram uma concepção de sujeito artístico, ligado à natureza
e às sensibilidades.
A modernidade, deste modo, tornou-se um dos mais fecundos campos para a
tarefa filosófica. Assim, a modernidade que não se restringiu ao tempo e aos filósofos
mencionados a seguir, como também influenciou toda uma formação filosófica
contemporânea.
9
A IDADE MODERNA: ILUMINISMO E
RACIONALIZAÇÃO
1.1 O ILUMINISMO: INTRODUÇÃO AO SUJEITO MODERNO
A idade moderna inicia uma nova concepção de mundo, impulsionada,
principalmente, pela ocorrência do Iluminismo (séc. XVI – séc. XVIII), pensado como
um amplo movimento humano de desencantamento do mundo, ou seja, de
superação da organização anterior pautada pela religiosidade. Nesse sentido, o
Iluminismo ou Esclarecimento propõe o fortalecimento da racionalidade humana na
condução dos processos de conhecimento e, consequentemente, de organização
do mundo. Podemos, portanto, delimitar que o Iluminismo fundamenta, sobretudo,
uma perspectiva antropocêntrica para a condução epistemológica, social e
organizacional da realidade.
Dizemos antropocêntrica, pois, se anteriormente, a condução do mundo e do
conhecimento fundamentava-se sobre uma base teológica, pautada pela
centralidade da teologia cristã na doutrinação do humano e do mundo, com o
advento iluminista, tem-se a colocação do ser humano no centro da totalidade das
determinações da realidade que irá se pautar na confiabilidade promovida pela
racionalização do mundo advinda de um saber humano livre, sistemático e,
consequentemente, científico.
UNIDADE
01
10
Diante disso, Reale e Antiseri (2005), afirmam que o Iluminismo adota como
característica fundamental “uma decidida confiança na razão humana, cujo
desenvolvimento é visto como progresso da humanidade, e em um desinibido uso
crítico da razão” (REALE; ANTISERI, 2005, p. 219). É justamente o uso crítico da
racionalidade que irá fortalecer a perspectiva científica que, a partir das
determinações propostas pelo método científico, será a responsável pela condução
do mundo em defesa de um conhecimento técnico-científico alheio às
determinações da tradição religiosa anterior.
Antes, contudo, de entrarmos nas principais correntes científicas que
revolucionaram as concepções do conhecimento o modo como o mundo (e a
filosofia) se organizava, é interessante pensarmos as determinações históricas
fundamentais que substituíram tanto o modelo teológico medieval de organização
do mundo e do saber, quanto o modelo de organização social pautado pelo Antigo
Regime.
O filósofo Hegel (1770-1831) irá descortinar três causas principais para a
eclosão da modernidade, a saber: a Reforma Protestante (séc. XVI), ocorrida na
Alemanha e encabeçada pelo monge Martinho Lutero (1483 – 1546) e suas 95 teses
fixadas na Catedral de Wiitemberg, que não apenas questionava as intenções da
Figura 1:Homem Vitruviano
Fonte: Leonardo da Vinci (1590)
11
Igreja em suas relações políticas, econômicas e sociais, como também advogava a
favor da liberdade de pensamento e de crença, sobretudo, com a tradução das
Escrituras e rompimento com a mediação em latim defendida pela Igreja Católica
e o consequente contato mais próximo entre o fiel e o divino; a Revolução Francesa
(séc. XVIII), responsável pela modificação estrutural da política, da sociedade e da
economia com a queda do Antigo Regime (Reis e nobreza) e a elevação da classe
burguesa como dominante dos cenários político, social e econômico. Revolução
que, em suma, defendia a liberdade para o pensamento e para as determinações
atuantes do sujeito burguês; e finalmente, o Iluminismo que, ilustra a entrada
definitiva do sujeito individual – desprovido de tutela, como veremos mais adiante –
nos âmbitos do pensamento e da cultura, de acordo com o pensar científico
iluminista que
[...] objetiva e desencanta a natureza, liberando o ser humano das
amarras do medo e da superstição, típicas do período medieval. Os
preceitos morais, por seu turno, são concebidos de tal forma a
preservar a liberdade individual, e a vontade subjetiva universaliza sob
a forma da autonomia das leis universais. (SANTOS, 2016, p. 142 – grifos
nossos)
A partir dessas três configurações as determinações históricas, sociais, política
e epistemológicas sofreram mudanças consideráveis em direção à afirmação da
liberdade humana através, principalmente, do uso da racionalidade, conforme
veremos mais adiante. Deste modo, a razão moderna aprofunda-se na compreensão
da natureza através do pensamento especulativo que se dá, principalmente, por
meio da utilização pragmática da razão que, finalmente, ao desvincular-se de sua
antiga determinação teológica, aproxima-se do cálculo matemático e, por
consequência, das suas futuras destinações científicas.
É interessante ressaltar que o movimento de elevação do ser humano à
condição de conhecedor da realidade através de si mesmo, ocorre, sobretudo, com
o surgimento da razão subjetiva compreendida como o uso da racionalidade próprio
ao sujeito. Silva (2019, p. 247), a partir do pensamento dofilósofo Max Horkheimer
(1895 - 1973), apresenta a razão subjetiva como
12
[...] uma faculdade inerente ao sujeito, ela é responsável pelo
pragmatismo da existência cotidiana, já que as ações do indivíduo
obedecem a uma lógica que busca, pelos meios mais adequados,
tendo em vista os fins propostos. Mas essa razão também é
denominada formal e instrumental. Sob esse aspecto, ela está ligada
à dominação da natureza externa, tanto por meio de sua formalização
e tradução em leis científicas quanto pelo desenvolvimento de meios
técnicos e instrumentais, para a maior eficiência dessa dominação.
É justamente a partir da centralidade da razão subjetiva que a lógica moderna
irá se estruturar como o meio para a dominação da natureza/realidade e a sua
configuração/transformação em matéria para os progressos técnicos e científicos.
Diante disso, avista-se, na modernidade, o processo de fortalecimento de um
pensar científico delimitado por procedimentos metodológicos que, não obstante,
será o responsável pela confiabilidade da ciência dentro de um regime de
entendimento amparada pelo positivismo da razão ou, em outros termos, pela
certeza de que a racionalidade científica será capaz de, efetivamente, iluminar a
todos os campos de conhecimento e de atividade humana.
1.2 REVOLUÇÕES DO CONHECIMENTO: O MÉTODO E A RACIONALIZAÇÃO
DO MUNDO
A modernidade é o mundo do surgimento da técnica, do método e do
conhecimento científico. É o espaço histórico-social no qual a ideologia do progresso
faz-se predominante e, sem a qual, os desenvolvimentos da ciência não seriam
possíveis, uma vez que tal ideologia pauta-se, principalmente, na racionalização do
13
mundo e, consequentemente, na certeza da suavização da luta pela sobrevivência
com o aumento exponencial da tecnologia. Contudo, para que tal elevação do
conhecimento aconteça, é preciso à construção de um caminho seguro para a
obtenção do saber técnico/científico. Esse caminho seguro não é senão aquilo que
conhecemos enquanto método e o seu surgimento demarca uma verdadeira
revolução no modo com o ser humano compreende a realidade e fundamenta o
conhecimento.
A importância da fundamentação do método científico será uma das maiores
responsabilidades do pensamento de Galileu Galilei (1564-1642), o “pai da ciência
moderna”. Partindo da perspectiva de que a realidade “é concebida como um
sistema racional de mecanismos físicos, cuja estrutura profunda e invisível é
matemática” (CHAUÍ, 2000, p. 56), o cientista/filósofo italiano fundamentará a
proximidade entre a racionalidade e os modelos experimentais (empíricos) das
ciências exatas, assim, Chauí salienta que uma vez concebida como um sistema
racionalmente compreendido, a realidade físico-matemática dá
[...] origem à ciência clássica, isto é, à mecânica, por meio da qual
são descritos, explicados e interpretados todos os fatores da
realidade: astronomia, física, química, psicologia, política, artes são
disciplinas cujo conhecimento é de tipo mecânico, ou seja, de
relações necessárias de causa e efeito entre um agente e um
paciente. (CHAUÍ, 2000, p. 56 – grifos nossos)
Esse movimento de surgimento da ciência clássica, pautado pela
experimentação, relaciona-se, diretamente, com a Revolução Científica ocorrida no
século XVII que terá Galileu como um dos seus maiores expoentes, sobretudo, pelas
seguintes contribuições: a formulação da teoria do movimento uniformemente
acelerado; a lei da queda dos corpos; a teoria cinemática, isto é, a descrição
matemática dos movimentos dos corpos físicos, além de diversas contribuições no
âmbito da astronomia, tais como a confirmação do modelo heliocêntrico, proposto
anos antes por Nicolau Copérnico (1473 - 1543); a determinação de que, tal como a
Terra, a superfície lunar seria irregular; as confirmações de que Mercúrio e Vênus são
planetas, pois orbitam o Sol; entre outras.
14
Figura 2: Galileu Galilei
Fonte: Juster Sustermans (1936)
A atitude científica de Galileu apresenta uma nova concepção de ciência
ligada à construção de leis naturais e de experimentos que, por sua vez,
determinaram o fazer científico como uma atitude ativa que supera o modelo
anterior fundamentado na contemplação da natureza. Assim, a atitude científica
ativa, preconizada pelo método galileliano, não apenas dá início ao processo de
dominação da realidade natural pelo cientista, mas também instaura um novo estilo
científico baseado na mentalidade ativa, na utilização de instrumentos práticos, na
observação controlada e sistemática da natura e nas experiências controladas pela
razão. A partir dessas configurações, o pensamento galileliano, em resumo delimita-
se, tal como a ciência moderna, pela “procura, na natureza, de regularidades
matematicamente expressáveis, as chamadas leis da natureza, e o método de
certificar-se de sua verdade através da realização de experimentos.” (MARICONDA,
2006, p. 269)
15
A mudança da mentalidade do fazer científico na modernidade pode ser
compreendida, sobretudo, por dois aspectos: a centralidade do método científico
experimental e a relação de intimidade entre a ciência e a técnica. No primeiro
deles, o método, isto é, o caminho seguro pelo qual a ciência será construída, pauta-
se na observação (“experiência sensível”) sistemática e contínua dos fenômenos
naturais para o estabelecimento de regularidades que se determinaram como
“Eu Galileu Galilei, filho do falecido Vincenzo Galilei de Florença,
com a idade de setenta anos (*), sendo trazido pessoalmente a
julgamento, e ajoelhado diante de vós, Eminentíssimos e
Reverendíssimos Lordes Cardeais, Inquisidores Gerais da
Comunidade Cristã Universal contra a depravação herética,
tendo diante de meus olhos o Sagrado Evangelho que toco com
as minhas próprias mãos, juro que sempre acreditei, e com a ajuda
de Deus, acreditarei no futuro, em todo artigo que a Santa Igreja
Católica Apostólica Romana mantém, ensina e prega. Mas por ter
sido ordenado, por este Conselho, a abandonar completamente
a falsa opinião que mantém que o Sol é o centro e imóvel, e
proibido de manter, defender ou ensinar a referida falsa doutrina
de qualquer maneira... Estou desejoso de remover das mentes de
nossas Eminências, e de todos Cristão Católico, essa veemente
suspeita acertadamente mantida a meu respeito, portanto, com
sinceridade de coração e fé genuína, eu abjuro, maldigo e
detesto os referidos erros e heresias, e, de modo geral, todos os
outros erros e seitas contrários à referida Santa Igreja” (Galileu
Galilei – grifos nossos)
FONTE: Galileu e o nascimento da ciência moderna. In: e-física: Ensino de física on-
line. 2007. Disponível em: https://bit.ly/3uwtydF. Acessado em 11 nov. 2020.
16
universais após as suas confirmações mediante a realização de experimentos
(“demonstrações necessárias”). Diante disso, a regularidade do método será capaz
superar as antigas especulações que, de modo algum, se relacionavam com as
experiências. Nesse sentido, salienta Mariconda (2006, p. 284) que:
A autonomia da ciência está, assim, assentada numa tese de
suficiência do método científico para aferir as verdades naturais
mediante o escrutínio crítico baseado em “experiências sensíveis” e
“demonstrações necessárias”, estas últimas identificadas por Galileu
como o raciocínio demonstrativo matemático.
Para que o método se institua como a principal ferramenta de
verificação/validação dos postulados científicos é preciso que a ciência se alie à
técnica, pois é, justamente, o avanço tecnológico que irá permitir a construção de
instrumentos capazes de assegurar os progressos da ciência e, consequentemente,
instituir o fazer científico moderno como algo útil/prático. Trata-se, portanto, da
compreensão da ciência, aliada à tecnologia, como algo capaz de controlar,
avaliar e testar as implicações práticas do saber, algo que, por sua vez, decreta,
finalmente, a superação/ruptura com a antiga autoridade religiosa para a
condução do conhecimento. Deste modo, esclarece Mariconda (2006), a partir deGalileu, que a “ciência moderna nasce e prospera sobre as ruínas do autoritarismo”
(MARICONDA, 2006, p. 287 – grifos nossos).
1.3 “RESPOSTA À PERGUNTA: O QUE É ESCLARECIMENTO?”, DE IMMANUEL
KANT
O filósofo alemão Immanuel Kant (1724 - 1804) – um dos mais importantes
pensadores da filosofia moderna –, será o responsável, como veremos mais adiante,
não apenas pela crítica e instituição dos limites da razão em seu processo de
descoberta/legitimação do conhecimento, como também redige um dos
17
documentos mais centrais para o entendimento do período e da filosofia iluminista,
a saber, o breve texto “Resposta à pergunta: o que é esclarecimento?”, de 1783.
Logo no início do texto, o filósofo apresenta a sua definição de Iluminismo ou
Esclarecimento (Aufklärung):
O Esclarecimento é a libertação do homem de sua imaturidade
(Unmündigkeit) autoimposta. Imaturidade é a incapacidade de
empregar seu próprio entendimento sem a orientação de outro. Tal
tutela é autoimposta quando sua causa não reside em falta de razão,
mas de determinação e coragem para usá-lo sem a direção de outro.
(KANT, 2012, p. 145)
É evidente, a partir da colocação kantiana, que o propósito central do
Esclarecimento (Iluminismo) é a libertação do ser humano e de suas capacidades de
pensar por si mesmo ou, em outros, termos da consolidação de um pensamento
humano autônomo e, portanto, livre de qualquer tutela.
Figura 3: Immanuel Kant
Fonte: Johann G. Becker (1768)
Sair da condição de imaturidade (ou menoridade) é a possibilidade do
rompimento com as antigas tradições, sobretudo, com a tradição religiosa que
delimitava as diretrizes para o pensamento. Ver-se, deste modo, livre de qualquer
imposição que não permite ao sujeito fazer o livre uso de suas faculdades de
pensamento/entendimento. Uma vez que: “Para este esclarecimento, porém nada
mais se exige senão liberdade” (KANT, 2012, p. 146)
Kant salienta: “Sapere Aude! Tenha coragem de usar sua própria mente
(Verstandes)! Este é o lema do Esclarecimento” (KANT, 2012, p. 145 – grifos nossos). Em
18
outros termos, ousar saber (Sapere Aude!), eis o lema que deve conduzir o sujeito do
Esclarecimento ao pensamento sem nenhuma condução. Pensamento livre de
qualquer autoridade que, consequentemente, capacita o sujeito à corajosa tarefa
de fazer o livre “uso público de sua razão” (KANT, 2012, p. 146), algo que, finalmente,
tornará o sujeito do Esclarecimento potencialmente crítico e reflexivo na disposição
de expor o seu entendimento e capaz, efetivamente, de livrar-se das tutelas que
anteriormente direcionavam/controlavam o seu pensamento. Assim, acrescenta
Kant que o Estado não deve temer o povo esclarecido, mas, pelo contrário, deve
fortalecer as possibilidades da “propensão ao pensamento livre” (KANT, 2012, p. 153),
pois, afirma o filósofo que um governante
[...] que acha digno de si dizer que considera um dever nada
prescrever aos homens em matéria religiosa, mas deixar-lhes em tal
assunto plena liberdade, que afasta de si o arrogante nome de
tolerância, é de fato esclarecido e merece ser louvado pelo mundo
agradecido e pela posteridade como aquele que pela primeira vez
libertou o gênero humano da imaturidade, pelo menos por parte do
governo, e deu a cada homem a liberdade de utilizar sua própria
razão em todas as questões de consciência. (KANT, 2012, p. 152)
Trata-se da ampla liberdade nas esferas de atuações humanas fazendo que,
na medida do processo de Esclarecimento, as tutelas, principalmente, as tutelas da
tradição religiosa, sejam ultrapassadas, inclusive pelos governantes, para que,
finalmente, o sujeito possa fazer o uso próprio de suas faculdades racionais. É esse,
portanto, o direcionamento central do breve texto kantiano, fazer do livre exercício
do pensamento a bandeira do Esclarecimento e o guia da sociedade.
Finalmente, pergunta Kant: “vivemos agora uma época esclarecida?” E a
resposta, em seguida, “será: Não, vivemos em uma época de Esclarecimento” (KANT,
2012, p. 151), ou seja, trata-se de compreender o Esclarecimento (Iluminismo) como
a época na qual o processo da construção do pensar autônomo, próprio do
humano, se coloca em progresso na direção à saída do estado de imaturidade
(minoridade) e, por consequência, da liberdade para o exercício de investigação
racional da natureza/realidade sem a interferência de nenhuma instância
ordenadora. Uma verdadeira ousadia em saber: esse será o emblema que, por toda
a modernidade, o sujeito científico irá demonstrar.
19
FIXANDO O CONTEÚDO
1. Sobre o Iluminismo é correto afirmar:
a) Defendia a soberania do Estado absolutista e determinava a submissão do sujeito
às tutelas de pensamento.
b) Pautava-se no fortalecimento das doutrinas religiosas e no aspecto teológico
como guia do pensamento.
c) O movimento Iluminista opera uma modificação na ordenação do conhecimento
ao colocar o ser humano como centro do saber.
d) O Iluminismo é a repetição da estrutura feudalista, uma vez que as Revoluções da
classe burguesa não são capazes de propor nenhuma modificação econômica.
e) Foi um movimento que questionava o saber científico experimental, pois o ser
humano é falho e por isso necessita de tutela.
2. Podemos compreender o desencantamento do mundo, próprio do movimento
histórico Iluminista, como:
a) A superação da organização de mundo anterior, pautado no misticismo e na
religiosidade.
b) A superação da organização de mundo anterior, pautado no pensamento livre e
autônomo.
c) A conservação as estruturas místico/mágicas/religiosas do mundo e,
consequentemente, da organização das estruturas político-sociais.
d) A superação do caráter científico do mundo em prol de uma organização
matemática da filosofia.
e) A compreensão de que as estruturas filosóficas e o livre pensamento são
inseparáveis das determinações religiosas e doutrinárias.
3. Uma das perspectivas centrais do Iluminismo é a colocação do ser humano no
centro dos processos de produção do conhecimento em face da superação da
perspectiva anterior de matriz religiosa. Esse movimento pode ser definido como:
20
a) Teocentrismo.
b) Heliocentrismo.
c) Solipicismo.
d) Método.
e) Antropocentrismo.
4. São consideradas causas históricas fundamentais para a ocorrência da
Modernidade:
a) A queda de Roma; o Iluminismo; o surgimento do cristianismo.
b) A Reforma Protestante; As grandes navegações; As invasões bárbaras.
c) A Reforma Protestante; A Revolução Francesa; O Iluminismo.
d) O Iluminismo; A queda do muro de Berlin; A Primeira Guerra Mundial.
e) O fortalecimento do cristianismo; A Reforma Protestante; As Revoluções Burguesas.
5. A racionalidade científica instaura um período de compreensão do conhecimento
baseado no método experimental. Galileu Galilei figura se como um dos mais
importantes pensadores/cientistas desse período a ponto de, inclusive, ser
considerado o “pai da ciência moderna”. Diante disso, podemos compreender a
ciência clássica de Galileu do seguinte modo:
a) A ciência é uma atitude contemplativa pautada na observação passiva da
natureza.
b) A ciência é um produto do humano que, em suas determinações, contempla a
natureza sem querer dominá-la/modificá-la.
c) A ciência é produto do humano a partir de uma atitude religiosa, isto é, a ciência
galileliana é um saber doutrinado/orientado pelas determinações teológicas.
d) A ciência é produto de uma mentalidade ativa, preconizada pelo método
científico que propõe um processo de dominação da natureza.
e) A ciência é uma atividade isenta de método, isto é, trata-se da não realização de
experimentações.
6. O método científico, central para a atividade científica, pode ser definido como:
21
a) O caminho pelo qual a ciência será construída pautada na observação
sistemática da realidade; no estabelecimento de regularidades e na confirmação
por meio de experimentos.
b) O caminho pelo qual a ciência será construída pauta na sua proximidade com a
religião e, principalmente, na centralidade da existência de Deus.
c) O caminhopelo qual a ciência será construída a partir de uma atitude
contemplativa com relação à realidade.
d) O caminho pelo qual o cientista em conjunto com a técnica vê-se incapaz de
fomentar regularidades, ou seja, leis naturais que não podem ser comprovadas por
meio de experimentações.
e) O caminho pelo qual a ciência se faz a priori, ou seja, sem a necessidade da
confirmação metódica/experimental.
7. Ao brotar das ruínas do autoritarismo religioso, a ciência moderna, detentora do
método, propõe-se como:
a) Algo idealista.
b) Algo apenas do âmbito teórico.
c) Algo religioso.
d) Algo desprovido de experimentos.
e) Algo útil e prático.
8. No breve texto “Resposta à pergunta: o que é Esclarecimento?”, Kant afirma que:
“O Esclarecimento é a libertação do homem de sua imaturidade (Unmündigkeit)
autoimposta. Imaturidade é a incapacidade de empregar seu próprio
entendimento sem a orientação de outro. Tal tutela é autoimposta quando sua
causa não reside em falta de razão, mas de determinação e coragem para usá-
lo sem a direção de outro.” (KANT, 2012, p. 145). A partir disso, podemos
compreender que, segundo Kant, a perspectiva fundamental do Esclarecimento
é a seguinte:
a) A manutenção do estado de tutela religioso em que o sujeito e seu pensamento
se encontram.
b) A determinação de um sujeito incapaz de pensar por si próprio.
22
c) A libertação do ser humano das antigas tutelas e a possibilidade de fazer uso de
seu próprio entendimento.
d) A não-autonomia do ser humano em suas relações com o conhecimento.
e) A configuração de um estado de coisas prático/teórico na qual o uso público da
razão não seja permitido ou possível.
23
O RACIONALISMO MODERNO
2.1 RENÉ DESCARTES
O filósofo e matemático francês, René Descartes (1596 - 1650), figura-se como
o principal representante do racionalismo moderno, determinando, sobretudo, a
configuração de um inatismo da razão, isto é, a determinação de que a razão é uma
propriedade inata ao sujeito que, consequentemente, conhece o mundo por meio
de uma racionalidade a priori, independentemente de qualquer experiência com a
realidade empírica. Contudo, antes de adentramos na perspectiva inatista da razão
cartesiana e de sua delimitação proposta pela certeza do cogito, transitaremos pela
importância do método na composição do pensamento de Descartes, tematizado,
principalmente, nas seguintes obras: Discurso do método, originalmente publicado
em 1637, Meditações metafísicas, de 1641.
Figura 4: René Descartes
Fonte: Frans Hals (1640-1700)
A filosofia cartesiana determina-se como um modelo de pensamento
metodicamente estruturado pela dúvida ou, em outras palavras, é a dúvida
metódica que fundamenta o processo de racionalização do conhecimento
conforme proposto por Descartes. A partir disso, a preocupação com o método
constitui o ponto de largada para o pensamento cartesiano, de modo a estender à
UNIDADE
01
24
investigação em direção à clarificação de todas as dúvidas. Apontamos, ao lado de
Jesus (2015) assim, que existe a “necessidade de uma regulamentação e de um
controle da razão, para que ela proceda retamente na busca da verdade.” (JESUS,
2015, p. 153). Nesse sentido, podemos compreender o método como o caminho
seguido pela reta razão para “conhecer a verdade” (JESUS, 2015, p. 148). Portanto, é
o método que se coloca como o modelo sistemático para o conhecimento do
verdadeiro, ou, nas palavras de Descartes, a predileção pelo método diz respeito ao
“desejo de aprender a distinguir o verdadeiro do falso que é propriamente o que
determina o bom senso ou razão” (DESCARTES, 1996, p. 03). Sobre essas
configurações, Fábio Stange (2017) acrescenta que:
A filosofia cartesiana influenciou todo o pensamento ocidental e suas
afirmações figuram, como que pressupostas, em nossa maneira de
compreender e fazer ciência. O método cartesiano deve ser
compreendido, hoje, como uma base fundamental para o modo de
fazer ciência desenvolvido a partir da Modernidade. De fato, as atuais
formas metodológicas para a elaboração das pesquisas científicas
têm profundas raízes no legado da filosofia de Descartes. (STANGUE,
2017, p. 53)
Ressaltamos, enfim, que a procura pela verdade não é, para a filosofia
cartesiana, matéria de um conhecimento inspirado ou de uma genialidade suprema,
pelo contrário, o conhecimento da verdade é tarefa de um método que se faz em
proximidade com a segurança das ciências matemáticas, como podemos observar
na seguinte passagem do Discurso do método:
Comprazia-me, sobretudo com as certezas matemáticas, por causa
da certeza e da evidência de suas razões; mas não percebia ainda
seu verdadeiro uso e, pensando que só serviam para as artes
mecânicas, espantava-me de que, sendo tão firmes e sólidos os seus
fundamentos, nada mais de elevado se tivesse construído sobre eles.
(DESCARTES, 1996, p. 11)
Trata-se, assim, da condução de uma metodologia filosófica semelhante aos
processos matemáticos, uma vez que a matemática seria capaz de fornecer
evidências seguras para o uso correto da razão. Finalmente, ao alargar o alcance da
matemática em direção à matematização da própria filosofia assegurando-lhe,
deste modo, a mesma segurança dos procedimentos matemáticos, pois, de acordo
com Jesus (2015, p. 156 – grifos nossos): “A razão é tão bem-sucedida na matemática
justamente por fazer uso dos dois requisitos fundamentais, a ordem e a medida”.
25
Descartes irá conduzir uma metodologia baseada em quatro regras que,
conforme destacado na obra Discurso do método, possui como ponto inicial:
[...] nunca aceitar coisa alguma como verdadeira sem que a
conhecesse evidentemente como tal; ou seja, evitar cuidadosamente
a precipitação e a prevenção, e não incluir em meus juízos nada além
daquilo que se apresentasse tão clara e distintamente a meu espírito,
que eu não tivesse nenhuma ocasião de pô-lo em dúvida.
(DESCARTES, 1996, p. 23 – grifos nossos)
É assim, portanto, que a dúvida se coloca como o ponto inicial para a
determinação racional do conhecimento. Isto é, para o pensador francês é
improvável a consideração de algo como verdadeiro se este mesmo algo não
houver sido previamente examinado sob a ótica da dúvida. Em suma: colocar tudo
em dúvida é o que constitui a primeira das regras do método cartesiano, a regra da
evidência. A segunda das regras, por sua vez, a regra da análise, consiste, segundo
Descartes, em “dividir cada uma das dificuldades que examinasse em tantas
parcelas quantas fosse possível e necessário para melhor resolvê-las” (DESCARTES,
1996, p. 23). Em suma, a regra da análise diz respeito ao procedimento de redução
do objeto às suas mínimas partes para o encontro da melhor das soluções possíveis.
A regra da síntese (ou ordem) é a terceira das regras fundamentais do método
cartesiano, apresentada pelo pensador francês como o processo de
[...] pôr em ordem os meus pensamentos, começando pelos objetos
mais simples e mais fáceis de conhecer, para subir pouco a pouco,
como degraus, até o conhecimento dos mais compostos; e supondo
uma certa ordem mesmo entre aqueles que não se precedem
naturalmente uns aos outros. (DESCARTES, 1996, p. 23)
Colocando em ordem, portanto, Descarte define uma regra metodológica
que ordena o processo investigativo pôr meio da sintetização dos objetos mais fáceis
de conhecer até aqueles mais difíceis. Deste modo, há uma ligação direta entre a
regra da síntese e a segunda regra, a regra da análise, uma vez que a síntese tem
como destinação fundamental ordenar as partes divididas pela regra da análise indo
das partes mais fáceis de compreensão até aquelas mais complexas.
A quarta e última das regras fundamentais do método cartesiano é a regra da
enumeração que consiste, sobretudo, em fazer “enumerações tão completas, e
revisões tão gerais” que se tem “a certeza de nada omitir” (DESCARTES, 1996, p. 23).
A enumeração, para tanto, revisa os passos metodológicos anteriores com a
finalidade da correção de qualquer equívoco encontrado nas investigações
26antecedentes.
Após a evidenciação dessas regras fundamentais de método – regras
primeiras (ou inatas) da razão, colocadas em proximidade com o método dos
“geômetras” (DESCARTES, 1996, p. 23) – o filósofo afirma que as demais verdades do
conhecimento poderiam, de fato, serem dedutíveis a partir de tal percurso
metodológico, uma vez que se “observarmos sempre a ordem necessária para
deduzi-las uma das outras, não pode haver nenhuma tão afastada que não
acabemos por chegar a ela e nem tão escondida que não a descubramos”
(DESCARTES, 1996, p. 23-24). Em suma, Descartes afirma a confiabilidade do método
amparado pela investigação filosófico/matemática ancorada nas regras
fundamentais do método cartesiano que, não obstante, conduzem –
demonstrativamente – ao encontro de “razões certas e evidentes” (DESCARTES, 1996,
p. 24).
Figura 5: Regras fundamentais do método cartesiano
Fonte: Centro de mídias da educação do amazonas (Online)
Nas Meditações metafísicas, outro importante obra cartesiana, o filósofo
francês irá aprofundar a sua dúvida metódica por meio da confecção da dúvida
hiperbólica, isto é, da elevação da dúvida à sua potência máxima. Tal processo
“pode ser dividido em dois momentos: a dúvida natural – que, por sua vez, e dividida
em argumento dos sentidos e argumento dos sonhos; e a dúvida metafísica”
(CAPUTO, 2019, p. 32-33) que, conforme veremos mais, direciona-se ao
questionamento da existência de um Deus enganador.
27
Trata-se, deste modo, como afirmado por Descarte na Primeira Meditação,
“Das coisas que se podem colocar em dúvida”, de “destruir em geral todas minhas
antigas opiniões” (DESCARTES, 2005, p. 30), para que, finalmente, seja possível, após
o percurso metódico da dúvida, encontrar um ponto fixo, seguro e inquestionável
para o conhecimento que se fundamenta pela certeza do Cogito ergo sum, ou seja,
Penso, logo existo. Nesse sentido, a Primeira Meditação tem como fundamento
apresentar “as razões pelas quais podemos duvidar em geral de todas as coisas, e
em particular das coisas materiais” (DESCARTES, 2005, p. 23) ou naturais. Deste modo,
podemos compreender como o alvo central da primeira meditação os sentidos (o
sensível), tomado como fonte primária de enganação, pois, como afirma Descartes:
Tudo o que recebi até o presente como o mais verdadeiro e seguro,
aprendi-o dos sentidos ou pelos sentidos; ora, algumas vezes
experimentei que tais sentidos eram enganadores, e é de prudência
jamais confiar inteiramente naqueles que uma vez nos enganaram.
(DESCARTES, 2005, p. 31 – grifos nossos)
Na melhor das retomadas da clássica crítica do racionalismo/idealismo
platônico aos sentidos (ao sensível), o filósofo moderno acentua, como
direcionamento primeiro das suas meditações filosóficas, a afirmação de que os
dados sensoriais são fonte primária da produção de enganações. Assim, os sentidos
“não podem ser considerados o ponto seguro a partir do qual os conhecimentos
devem partir.” (CAPUTO, 2019, p. 33) Ademais, no segundo momento da dúvida, ela
estende-se, inclusive, aos sonhos que, por vezes apresentam-se tão reais quanto à
própria realidade. Nesse sentido, de acordo com Caputo, o argumento dos sonhos é
definido do seguinte modo:
Você já teve um sonho tão real que só percebeu que era sonho ao
acordar? Ora é justamente isso que Descartes apresenta como
oposição à hipótese de que os sentidos próximos não poderiam ser
enganosos. A falta de clareza para distinguir o sono da vigília faz com
que o autor considere que mesmo os sentidos próximos a nós podem
nos enganar. (CAPUTO, 2019, p. 34)
É preciso, portanto, ultrapassar a dúvida sobre as representações oníricas
aproximando-as de representações reais inquestionáveis provindas, prioritariamente,
das determinações matemáticas, pois, segundo Descartes, “esteja eu acordado ou
dormindo, dois e três juntos sempre formarão o número cinco [...] e não me parece
possível que verdades tão aparentes possam ser suspeitas de alguma falsidade ou
incerteza.” (DESCARTES, 2005, p. 35)
28
Ademais, no aprofundamento da dúvida natural em direção aos sonhos e a
vigília, elementos da natureza corpórea, conclui-se que “podemos rejeitar
A VIDA É SONHO
Figura 6: A vida é sonho
Calderón de La Barca
29
completamente, portanto, que os sentidos próximos sejam uma fonte segura de
conhecimento, pois ele já nos engou alguma vez, e isso basta para rejeitá-los
completamente” (CAPUTO, 2019, p. 34).
Ultrapassando, deste modo, a dúvida natural – procedente do exame dos
sentidos próximos (sonho/vigília/natureza corporal) e dos sentidos distantes
(visão/olfato/etc.) – o pensador francês, em busca da determinação de um ponto
seguro para o conhecimento, dirige-se à dúvida metafísica ao questionamento da
existência de um Deus enganador (gênio maligno). Deste modo, o terceiro momento
da dúvida que, a par e passo, torna-se cada vez mais abrangente, tem início com a
seguinte indagação cartesiana:
Todavia, há muito que tenho no meu espírito certo opinião de que há
um Deus que tudo pode e por quem fui criado e produzido tal como
sou. Ora, quem me pode assegurar que esse Deus não tenha feito com
que não haja nenhuma terra, nenhum céu, nenhum corpo extenso,
nenhuma figura, nenhuma grandeza, nenhum lugar e que, não
obstante, eu tenha os sentimentos de todas essas coisas e que tudo
isso não me pareça existir de modo diferente do que o vejo? E até,
como julgo que os outros se equivocam, mesmo nas coisas que
pensam saber com a maior certeza, pode ocorrer que ele tenha
querido que eu me engane todas as vezes que faço a adição de dois
e três, ou que enumero os lados de um quadrado, ou que julgo
alguma coisa ainda mais fácil, caso se possa imaginar algo mais fácil
que isso. (DESCARTES, 2005, p. 35-36 – grifos nossos)
Pois bem, a colocação cartesiana estende a dúvida às determinações
anteriormente certeiras da matemática ao pressupor a condução ao erro provinda
da ação de uma instância superior teoricamente formulada na ideia do gênio
maligno. Em outros termos, o gênio maligno seria o responsável pela condução de
falsas verdades (erros) na trama da busca pela certeza do conhecimento. Há, como
determina Caputo (2019), uma hipervalorização da dúvida que, evidentemente,
conduz Descartes a um estado de ceticismo ao final da primeira meditação, pois o
filósofo francês não encontra “elementos suficientes para julgar o que é certo e o que
é indubitável” (CAPUTO, 2019, p. 38). Nesse sentido, para sair do beco sem saída em
que Descartes se encontra ao final da primeira meditação, faz-se necessário o
encontro de uma certeza fixa e inquestionável para, finalmente, não apenas
prosseguir com as meditações, como também tornar possível a determinação segura
do conhecimento racional.
De fato, segundo Descartes, se persiste algo após todo o percurso da dúvida,
incluindo a saída do ceticismo instaurado pela primeira das meditações, é a certeza
30
da continuidade do pensamento, isto é, apesar de toda dúvida, o sujeito segue a
pensar, por mais “que sou enganado, devo existir ao menos como pensamento”
(CAPUTO, 2019, p. 40). Logo, o pensamento (cogito) coloca-se como a certeza
fundamental para toda e qualquer determinação do conhecimento, ou, nas
palavras de Descartes:
De sorte que, após ter pensado bem nisso e ter cuidadosamente
examinado todas as coisas, é preciso enfim concluir e ter por
constante essa proposição, Eu sou, eu existo, é necessariamente
verdadeira todas as vezes que a pronuncio ou que a concebo em
meu espírito. (DESCARTES, 2005, p. 43 – grifos nossos)
Nota-se que a afirmação cartesiana Eu sou, eu existo é um equivalente ao
Penso, logo existo, pois apenas a certeza da atividade incessante do pensamento é,
de fato, capaz de afirmar inclusive a existência humana. Deste modo, Caputo
salienta que:
Expresso de forma mais simples na segunda meditação metafísica,
Descartes [...] diz apenas: “Eu sou, eu existo” – mas apenas enquanto
penso e como pensamento, não tendo meios de ir adiante. Essa
primeira certeza inaugurauma cadeia de certezas derivadas dessa
primeira, que, tradicionalmente, é conhecida como a certeza do
cogito. (CAPUTO, 2019, p. 40)
Finalmente, o pensamento cartesiano instaura, através de todo um percurso
metodológico, a centralidade do pensamento (razão) enquanto determinante
próprio ao sujeito que, em consequência disso, irá balizar toda e qualquer relação
com a natureza como uma relação de submissão do real/natural à ação do pensar
racional. Enfim com o racionalismo cartesiano, a razão subjetiva vê-se como a
determinante central da realidade. Uma racionalidade que, não abstendo-nos de
mencionar, faz-se como caraterística inata, isto é, inerente ao ser humano.
31
Veremos, mais adiante, que, de modo contrário ao racionalismo cartesiano e
ao inatismo da razão que não depende da experiência com a realidade para a
confecção de suas proposições epistemológicas – um conhecimento a priori –, os
empiristas fundamentaram um modelo experiencial – um conhecimento a posteriori
– de obtenção de um conhecimento seguro/verdadeiro.
2.2 BARUCH DE SPINOZA
René Descartes é considerado o maior filósofo racionalista da modernidade.
Contudo, o holandês Baruch de Spinoza (1632 - 1667) também merece destaque,
Figura 7: Cogito, ergo sum
32
sobretudo, pelas suas concepções de Deus, substância, ética e afeto.
A vida de Spinoza é marcada pela sua excomunhão da religião judaica e
banimento da comunidade em que residia. Inclusive, as perguntas sobre Deus e os
modos de vida religiosos são preocupações constantes do pensamento spinoziano
tomados, como veremos mais adiante, de modo geométrico. Nesse sentido a
concepção de Deus figura-se como o eixo central do pensamento de Spinoza,
sendo compreendido pelo filósofo da seguinte maneira: “Por Deus compreendo um
ente absolutamente infinito, isto é, uma substância que consiste em infinitos atributos,
cada um dos quais exprime uma essência eterna e infinita” (SPINOZA, 2017, p. 13).
Figura 8: Baruch de Spinoza
Fonte: Anônimo (1665)
Ademais, o pensamento de Spinoza, por um lado afirma Deus como “a única
substância existente” (REALE; ANTISERI, 2005, p. 16) pensando a substância como
aquilo que existe dependendo apenas de si mesmo, em suma, Deus é a causa sui
(causa de si mesmo) ou, em termos spinozianos, Deus é natura narturans, isto é, “a
natureza naturante [...] o que existe em si mesmo e por si mesmo é concebido”
(SPINOZA, 2017, p. 35); por outro lado, o filósofo holandês apresenta os modos,
“aquilo que existe em outro e que apenas mediante este outro é concebido” (REALE;
ANTISERI, 2005, p. 19) e, que, efetivamente, corresponde/define o mundo, a natura
naturata, compreendida como “tudo o que se segue da necessidade da natureza
33
de Deus [...] e que, sem Deus, não podem existir nem se concebidas” (SPINOZA, 2017,
p. 35).
Ao falar do conhecimento, Spinoza compreende três gêneros: a) o
conhecimento empírico (opinião e imaginação); b) o conhecimento racional; e o
conhecimento intuitivo. O empírico – a primeira forma de conhecimento – é ligado
“às percepções sensoriais e às imagens que, segundo Spinoza, são sempre ‘confusas
e vagas’” (REALE; ANTISEI, 2005, p. 23) e, restringem-se a concepções particulares e
não universalizações da natureza. O conhecimento racional é aquele que se
aproxima das determinações matemáticas, geométricas, físicas. Esse conhecimento
advindo da razão (ratio) “é a forma de conhecimento que se baseia em ideias
adequadas, que são comuns a todos os homens” (REALE; ANTISERI, 2005, p. 23), enfim
é um conhecimento adequado, pois é capaz de captar as causas e os nexos causais
entre os acontecimentos, superando, ainda, as concepções estritamente
particulares do conhecimento empírico. Por sua vez, o conhecimento intuitivo,
“consiste na visão das coisas em seu proceder de Deus” (REALE; ANTISERI, 2005, p.
23) e, portanto, é o nível mais alto de conhecimento, pois conhece a partir da ideia
dos atributos de Deus.
De acordo com Reale e Antiseri (2005, p. 26), na Ética, obra principal de
Spinoza, o filósofo procura interpretar os desejos, as paixões e os vícios:
[...] segundo um procedimento geométrico, ou seja, do mesmo modo
pelo qual dos pontos, das linhas e dos planos se formam sólidos, e
destes derivam necessariamente os teoremas relativos. No seu modo
de viver, o homem não é uma exceção na ordem da natureza, mas
apenas a confirma. (grifos nossos)
Trata-se, deste modo, de compreender o ser humano como uma
manifestação da natureza e, assim, entender os afetos humanos como potências
naturais “resultantes da tendência (conatus) a perseverar no próprio ser por duração
indefinida” (REALE; ANTISERI, 2005, p. 26). O importante conceito de conatus, diz
respeito a um movimento de conservação e preservação da potência humana em
direção à consideração por uma ética na qual os afetos são pensados como
determinações naturais e necessárias para a formação do ser humano. Por afetos,
Spinoza compreende “as afecções do corpo, pelas quais sua potência de agir é
aumentada ou diminuída, estimulada ou refreada, e, ao mesmo tempo, as ideias
dessas afecções” (SPINOZA, 2017, p. 98). Com efeito, salienta Leme (2013, p. 211)
que:
34
A especificidade da teoria spinozana dos afetos consiste
precisamente no princípio central da consideração dos afetos,
enquanto coisas naturais, como efeitos regulados e ordenados da
potência da natureza e da possibilidade de fazer deles objeto de um
estudo plenamente racional, isto é, desprovido de todo julgamento
de valor a partir de uma normatividade moral. Outro ponto que deve
ser destacado acerca da teoria spinozana exposta na Ética III é seu
horizonte ético, que já se coloca para além da ilusão de exercer, pela
via da razão, um poder absoluto sobre as paixões. Conhecer as
causas e os mecanismos dos afetos, é dar-se os meios por assim dizer
de os transformar, em parte, em coisas que nos tragam mais efeitos
benéficos do que nocivos. ( grifos nossos)
Diante do exposto acima, salientamos a existência, no interior da ética
spinozana, de afetos que realizam a “passagem do homem de uma perfeição menor
para uma maior”, como a alegria, e afetos que realizam a “passagem do homem de
uma perfeição maior para uma menor” (SPINOZA, 2017, p. 141). Deste modo, não se
deve compreender a ética spinozana como a confecção de uma teoria na qual os
afetos são, violentamente, subjugados ao exercício normativo racionalidade – como
o imperativo kantiano, por exemplo – mas sim, como um “esforço intelectual pelo
reconhecimento da importância da afetividade para a realização plena da vida”
(LEME, 2013, p. 122).
35
Figura 9: Leibniz
Bernhard Francke (1729)
Gottfried W. Leibniz (1646 - 1716)
O filósofo alemão Gottfried W. Leibniz, também se figura entre os importantes
nomes da filosofia moderna, principalmente, pela sua tentativa de mediação
entre as visões filosóficas de Bacon e de Descartes, conforme ressaltado por Reale
e Antiseri. Além disso, a concepção de Mônada, “aquilo que é uno” (REALE;
ANTISERI, 2005, p. 43) também contribuiu de modo singular para o
desenvolvimento da filosofia moderna. Disponível em: https://bit.ly/3OMnztp.
Acesso em: 02 abr. 2021.
36
FIXANDO O CONTEÚDO
1. (UFF – Adaptado). Descartes escreveu o seguinte no Discurso do Método:
“Logo que adquiri algumas noções gerais relativas à Física, julguei que não podia
mantê-las ocultas, sem pecar grandemente contra a lei que nos obriga a procurar
o bem geral de todos os homens. Pois elas me fizeram ver que é possível chegar a
conhecimentos que sejam úteis à vida e assim nos tornar como que senhores e
possuidores da natureza. O que é de desejar, não só para a invenção de uma
infinidade de utensílios, que permitiriam gozar, sem qualquer custo, os frutos da
terra e de todas as comodidades que nela se acham, mas principalmente
também para a conservação da saúde, que é sem dúvida o primeiro bem e o
fundamento de todos os outros bens desta vida.”
A partir da colocação acima podemos concluir que:
a) O intelecto humano é incapazde conhecer a natureza.
b) O conhecimento e o domínio da natureza devem ser empregados para satisfazer
as necessidades humanas e aperfeiçoar nossa existência.
c) O conhecimento da natureza satisfaz apenas ao intelecto e não é capaz de
alterar as condições da vida humana.
d) O conhecimento deve ser mantido oculto para evitar que seja empregado para
dominar a natureza.
e) O conhecimento racional não deve possuir nenhuma relação com a suavização
da luta pela sobrevivência.
2. (UNIOESTE). Considerando-se as primeiras linhas das Meditações sobre a filosofia
primeira de René Descartes:
Há algum tempo dei-me conta de que, desde meus primeiros anos, recebera
muitas falsas opiniões por verdadeiras e de que aquilo que depois eu fundei sobre
princípios tão mal assegurados devia ser apenas muito duvidoso e incerto; de
modo que era preciso tentar seriamente, uma vez em minha vida, desfazer-me de
todas as opiniões que recebera até então em minha crença e começar tudo
37
novamente desde os fundamentos, se eu quisesse estabelecer alguma coisa de
firme e de constante nas ciências. (...) Agora, pois, que meu espírito está livre de
todas as preocupações e que obtive um repouso seguro numa solidão tranquila,
aplicar-me-ei seriamente e com liberdade a destruir em geral todas as minhas
antigas opiniões.
É correto afirmar sobre a teoria do conhecimento cartesiana que
a) Descartes não utiliza um método ou uma estratégia para estabelecer algo de firme
e certo no conhecimento, já que suas opiniões antigas eram incertas
b) Descartes considera que não é possível encontrar algo de firme e certo nas
ciências, pois até então esse objetivo não foi atingido.
c) Descartes, ao rejeitar o que a tradição filosófica considerou como conhecimento,
busca fundamentar nos sentidos uma base segura para as ciências.
d) Ao investigar uma base firme e indestrutível para o conhecimento, Descartes inicia
rejeitando suas antigas opiniões e utiliza o método da dúvida até encontrar algo
de firme e certo.
e) Descartes necessitou de solidão para investigar as suas antigas opiniões e
encontrar entre elas aquela que seria o verdadeiro fundamento do
conhecimento.
3. (UFU - Adaptado). Na obra Discurso sobre o método, René Descartes propôs um
novo método de investigação baseado em quatro regras fundamentais,
inspiradas na geometria: evidência, análise, síntese, controle. Assinale a alternativa
que contenha corretamente a descrição das regras de análise e síntese.
a) A regra da análise orienta a enumerar todos os elementos analisados; a regra da
síntese orienta decompor o problema em seus elementos últimos, ou mais simples.
b) A regra da análise orienta a decompor cada problema em seus elementos últimos
ou mais simples; a regra da síntese orienta ir dos objetos mais simples aos mais
complexos.
c) A regra da análise orienta a remontar dos objetos mais simples até os mais
complexos; a regra da síntese orienta prosseguir dos objetos mais complexos aos
mais simples.
38
d) A regra da síntese orienta a acolher como verdadeiro apenas aquilo que é
evidente; a regra da análise orienta descartar o que é evidente e só orientar-se,
firmemente, pela opinião.
e) A regra da síntese firma-se na distinção entre as partes provenientes da
enumeração dos objetos; a regra da análise fundamenta-se na certeza conferida
ao conhecimento pelos sentidos.
4. (ENEM - Adaptada). Nunca nos tornaremos matemáticos, por exemplo, embora
nossa memória possua todas as demonstrações feitas por outros, se nosso espírito
não for capaz de resolver toda espécie de problemas; não nos tornaríamos
filósofos, por ter lido todos os raciocínios de Platão e Aristóteles, sem poder formular
um juízo sólido sobre o que nos é proposto. Assim, de fato, pareceríamos ter
aprendido, não ciências, mas histórias.
DESCARTES, R. Regras para a orientação do espírito. São Paulo: Martins Fontes,
1999.
Em sua busca pelo saber verdadeiro, o autor considera o conhecimento, de modo
crítico, como resultado da:
a) Liberdade do agente moral.
b)Autonomia do sujeito pensante.
c) Retomada da tradição intelectual.
d) Investigação de natureza empírica.
e) Imposição de valores ortodoxos.
5. (UFSJ - Adaptada). Ao analisar o cogito ergo sum (penso, logo existo), de René
Descartes, conclui-se que:
a) A subjetividade científica só pode ser pensada a partir da aceitação de uma
relação empírica fundada em valores concreto.
b) A existência material confere mais certeza do que o próprio pensamento.
39
c) Descartes consegue infirmar todos os sistemas científicos e filosóficos ao lançar a
dúvida sistemático-indutiva respaldada pelas ideias iluministas e métodos
incipientes da revolução científica.
d) Descartes conclui que existe a partir da observação empírica do pensamento de
outras pessoas.
e) O pensamento é algo mais certo que a própria matéria corporal.
6. O pensamento de Spinoza possui Deus como eixo central. Sendo assim, Deus é
compreendido pelo filósofo da seguinte maneira:
a) Uma matéria não existente e, portanto, distante dos humanos.
b) Deus é substância finita e perecível.
c) Deus é substância infinita, eterna e essencial para os demais existentes.
d) Deus é um ente enganador e, portanto, um gênio maligno.
e) Deus é pura dependência de outras substâncias, portanto, nunca poderá ser
pensado como causa sui.
7. Assinale abaixo a definição de conhecimento empírico, de acordo com Spinoza.
a) O conhecimento empírico é aquele que se aproxima das determinações
matemáticas, geométricas, físicas.
b) O conhecimento empírico é o nível mais alto de conhecimento, pois conhece a
partir da ideia dos atributos de Deus.
c) O conhecimento empírico é inato aos seres humanos.
d) O conhecimento empírico remete-se às percepções sensoriais e às imagens que
são sempre confusas e vagas.
e) O conhecimento empírico é o produto da certeza do cogito.
8. O conatus, de Spinoza, pode ser pensado como:
a) A tendência à dissolução das potências humanas ligadas aos afetos.
b) A tendência da racionalidade normativa e imperativa em considerar os afetos
formas errôneas de conhecimento.
c) A tendência à preservação das potencias humanas ligadas aos afetos.
40
d) A tendência do pensamento em afirmar-se a si mesmo como inatismo subjetivista.
e) A tendência dos afetos em colocarem-se submissos às potências da
racionalidade.
41
A MODERNIDADE E O EMPIRISMO
INGLÊS
3.1 FRANCIS BACON E O MÉTODO EMPÍRICO
O período moderno, no qual a filosofia encontrou-se em ampla
movimentação, sobretudo, pela perspectiva que a relaciona diretamente ao
desenvolvimento da ciência moderna. Nesse sentido, não apenas a defesa de uma
ideia de razão inata ao ser humano – próprio do pensamento de Descartes que,
consequentemente, descartava os sentidos como produtores de conhecimento,
centrando o conhecimento na autonomia subjetiva da razão –, mas também a
compreensão do conhecimento (da ciência/da filosofia) provinda da
experimentação/observação sensível do mundo tem uma relevância significativa
para a fundamentação do mundo e da epistemologia moderna. É evidente,
portanto, que falamos do empirismo moderno, isto é, da concepção epistemológica
de que o conhecimento provém, em primeira medida, da observação atenta e da
experimentação da realidade natural. Logo de início, o empirismo alia-se ao método
científico na certeza da obtenção do conhecimento através de uma razão orientada
pelo método de observação da natureza. Assim, conhecer, nos dizeres do empirismo,
é, sobretudo, observação, experimentação e labor intelectual.
UNIDADE
01
42
No hall dos grandes filósofos empiristas, o britânico Francis Bacon (1561 – 1626)
merece o destaque inicial, podendo, inclusive, “ser considerado o introdutor do
método experimental indutivo moderno” (NETO, 2014, 41). Em outros termos, Bacon
foi o responsável pelo direcionamento metodológico da indução, compreendido
como o raciocínio que considera uma série de observações sensíveis individuais para,
finalmente, concluir uma verdadegeral. Falamos deste modo, que o método indutivo
vai do particular (individual) ao geral mediante a observação e a experimentação
da natureza. Chauí (2000) ao definir o modelo experimental indutivo salienta que esse
modelo procurava, principalmente, o estabelecimento de “leis causais necessárias e
universais para os fenômenos humanos” (CHAUÍ, 2000, p. 345).
O pensamento de Bacon irá se desdobrar na configuração de um método
empírico que, a partir da observação da natureza, torne possível a interpretação do
natural e o desvelamento de seus direcionamentos práticos. Nesse sentido, trata-se
de aplicar a razão à experiência e, finalmente, de dominar a natureza, pois, nos
dizeres de Bacon: saber é poder. Deste modo, “o saber deve ser aplicado ao mundo
prático, ele não deve ter valor apenas em si mesmo. Ele deve propiciar ao homem
maior poder sobre a natureza.” (NETO, 2014, p. 44)
Figura 10:Empirismo (Meyers)
Plataforma Pearson (2021)
Sobre a determinação central do empirismo e da justificativa das existências
empiricamente experimentadas que, sem dúvida ecoam como críticas ao cogito
cartesiano, Meyes (2017) acrescenta: “Uma palavra deve ser dita sobre a
existência real. Pra algo ser real deve existir independentemente do que qualquer
pessoa pensa a respeito ou, como colocam os escolásticos, de qualquer
consideração intelectual, ao passo que ideal é a existência apenas no
pensamento.” (MEYERS, 2017, p. 09). Disponível em: https://bit.ly/3RgL9jJ. Acesso
em: 02 abr. 2021.
43
Figura 11: Francis Bacon
Fonte: Acervo pessoal do Autor (2021)
A teoria baconiana coloca o sujeito como o grande intérprete do natural e,
por consequência, como aquele responsável por orientar a racionalidade na
compreensão prática da natureza. Entretanto, para que isso ocorra é necessário,
conforme apontado por Bacon na obra Novum Organum, de 1620, na qual o filósofo
pretende, não apenas propor uma ciência construtiva, mas também destrutiva, ou
seja, capaz de destruir os empecilhos ao conhecimento humano.
Iniciando, assim, com a destinação construtivista da ciência, Bacon determina
uma metodologia da experiência, isto é, um caminho seguro para a fundamentação
do método experiencial empírico. Assim, o rigoroso método baconiano para uma
ciência construtivista, segundo Chauí (2016), pode ser dividido em três etapas
capazes de organizar o conhecimento: em primeiro lugar, deve-se: 1) “organizar e
controlar os dados do conhecimento sensível por meios de procedimentos
adequados de observação e de experimentação” (CHAUÍ, 2016, p. 154); em
segundo lugar, 2) “organizar e controlar os resultados da observação e dos
experimentos para chegar a conhecimentos novos ou à formulação de teorias
verdadeiras” (CHAUÍ, 2016, p. 154); e, finalmente, 3) “desenvolver procedimentos
adequados à aplicação prática dos resultados teóricos” (CHAUÍ, 2016, p. 154).
A partir dessas colocações, podemos concluir que os procedimentos
metodológicos de Bacon constituem-se do seguinte modo: a) a fundamentação de
uma hipótese, ou seja, explicitação do problema a ser empiricamente investigado;
b) a verificação, em outras palavras, a documentação das experiências e das
observações apropriadas; para c) a construção de bases sólidas, resultados da
44
observação e da experimentação metódica que, ao fim e ao cabo, compreendem
o fenômeno observado; d) o axioma que se define como a determinação de
leis/regras gerais para as novas experiências científicas, ou como proposto por
Chauí, o axioma é “um princípio cuja verdade é indubitável [...] servindo de
fundamento às demonstrações” (CHAUÍ, 2000, p. 332).
Finalmente, o método experimental de Bacon tem como aspecto
fundamental a construção dos axiomas, isto é, das leis e regras gerais para a
fundamentação do conhecimento, após o percurso de observação e
experimentação. Diante disso, podemos salientar que o progresso científico se dá por
meio da construção empírica das regularidades (axiomas) capazes de se
consolidarem como leis universais para o conhecimento científico.
Contudo, para que a ciência progrida faz-se necessária a destruição dos
antigos ídolos que se figuravam como empecilhos ao conhecimento científico. Falsas
noções que impediam o pleno desenvolvimento da ciência. Deste modo, de acordo
com Bacon:
Os ídolos e as falsas noções que ora ocupam o intelecto humano e
nele se acham implantados não somente obstruem o obstruem a
ponto de se difícil o acesso da verdade, como, mesmo depois de seu
pórtico logrado e descerrado, poderá ressurgir como obstáculo à
própria instauração das ciências, a não ser que os homens, já
precavidos contra eles, se cuidem o mais que possam. (BACON, 2003,
p. 14)
Trata-se, em um movimento próprio do Iluminismo, da superação das tradições
e dos preconceitos anteriores para finalmente ser possível estabelecer as bases
metodológicas para o encontro do conhecimento verdadeiro e indubitável.
Ademais, Neto (2014) salienta que os “ídolos, para Bacon, são de quatro tipos: ídolo
da tribo, ídolo da caverna, ídolo do foro e ídolo do teatro.” (NETO, 2014, p. 45)
Quadro 1: A teoria dos ídolos de Francis Bacon
TIPO DE ÍDOLO DESCRIÇÃO/CONCEITUAÇÃO
Ídolo da tribo (ou tribais) Opiniões próprias da natureza humana geral.
Ídolos da caverna Opiniões particulares e individuais decorrentes de erros dos
sentidos.
Ídolos do foro (ou fórum) Opiniões errôneas advindas das dificuldades de comunicação
com os outros.
Ídolos do teatro Opiniões e erros decorrentes das autoridades
(religião/filosofia/etc.) que legislam através da imposição de
seus pontos de vista.
Fonte: Adaptado de CHAUÍ, M. (2000)
45
3.2 JOHN LOCKE E O EMPIRISMO
O empirista John Locke (1632 - 1704) é um dos mais importantes nomes da
filosofia inglesa e, consequentemente, do pensamento moderno não apenas no que
diz respeito à epistemologia, como também na configuração de uma teoria política
sobre o Estado moderno.
Locke é conhecido, principalmente, pela famosa determinação de que o ser
humano é tábula rasa, isto é, nascemos desprovidos de qualquer conhecimento que
somente pode ser obtido a posteriori ou, em outros termos, apenas após a
experiência que travamos com o mundo, com os outros e com a realidade
observável.
Figura 12: John Locke
Fonte: Godfrey Kneller (1779)
Dando início à apresentação do pensamento de Locke faz-se de suma
importância o percurso pela sua obra principal, Ensaio acerca do entendimento
46
humano, de 1690, na qual o pensador procura afirmar a centralidade da experiência
na construção do conhecimento racional, assim, segundo Locke (1999, p. 57):
Todas as ideais derivam da sensação ou da reflexão. Suponhamos,
pois, que a mente é, como dissemos um papel em branco, desprovida
de todos os caracteres, sem nenhuma ideia; como ela será suprida?
De onde lhe provem este vasto estoque, que a ativa e que a ilimitada
fantasia do homem pintou nela uma variedade quase infinita? De
onde apreende todos os materiais da razão e do conhecimento? A
isso respondo, numa palavra: da experiência. (grifos nossos)
A colocação acima pode ser compreendida, a princípio, como a crítica de
Locke à noção do inatismo da razão que, em suma, compreende a razão como um
“depósito do conhecimento conhecendo proposições verdadeiras antes dos dados
experimentais e, portanto, independentemente deles” (SHERIDAN, 2013, p. 19-20)
Trata-se, deste modo, para o filósofo inglês, da superação da noção inatista da
racionalidade em prol da compreensão de que a mente (a razão) é, sem a
experiência, uma folha em branco (uma tábula rasa) desprovida de qualquer
conteúdo; ao passo que, apenas a experiência pode, finalmente, conceder à
racionalidade qualquer possibilidade de conhecimento. Em resumo: a razão nos
fornece conhecimento provindo da experiência e não além dela, logo, todo o
conhecimento, de acordo com Locke, fundamenta-se a posteriori. Ademais, o
empirismo de Locke fundamenta-se como uma atividade crítica que coloca em
questão a incapacidade de justificação prática da concepção de umaracionalidade inatista, pois se fazem necessárias a justificação e a demonstração
científica para a determinação efetiva do conhecimento verdadeiro. Podemos,
portanto, afirmar o posicionamento de Locke como partidário de uma filosofia
experimental.
As ideias, no pensamento de Locke, não são construtos de uma racionalidade
ideal desprovida de relações com os sentidos ou sensações, mas, pelo contrário, as
ideias são “os conteúdos básicos da consciência humana” (SHERIDAN, 2013, p. 27).
De fato, para Locke as ideias são objetos que se oferecem imediatamente à
percepção que, posteriormente, faz com que a mente (a racionalidade) se coloque
em funcionamento. Nesse sentido, esclarece Sheridan (2013, p. 27-28) que:
Na concepção de Locke, a mente é capaz de pensar por disposição,
mas não consegue fazer isso enquanto não for suprida com ideias. A
mente adquire ideias através de duas rotas experienciais: a sensação
ou a reflexão. [...] Quando a mente recebe uma ideia da sensação,
ela começa a considerar, a raciocinar, lembrar, acreditar e todas as
47
outras operações mentais de que ela é capaz. Ao voltar seu olhar
para dentro, por assim dizer, a mente também percebe estas próprias
operações, e, portanto, explica Locke, “supre-se de um novo
conjunto de ideias que chamo de ideias de reflexão”.
Esse conjunto inicial de ideias advindas da sensação e da reflexão é chamado
por Locke de ideias simples (qualidades primárias). As ideias simples são adquiridas
pelos sentidos/sensações, tais como as ideias de claro e escuro (visão), de suave e
dureza (tato), de perfume (olfato), a azedo e o doce (paladar), etc., ideias que, por
sua vez, relacionam-se diretamente com os cinco sentidos e, por isso, são
fundamentais. Ademais, as ideias de sensação são organizadas pelas ideias de
reflexão quando são identificadas na mente, tratando-se, da experiência de novas
operações mentais.
Há, contudo, outro conjunto de ideias conceituadas por Locke, as ideias
complexas que, de acordo com Sheridan (2013, p. 29) “são ideias ou de modos, ou
de substâncias ou de relações”. De início as ideias complexas podem ser
compreendidas como a combinação das ideias simples de sensação e de reflexão,
ou seja, trata-se, ainda, da ação reflexiva (operação mental) do entendimento para
a subtração dos erros na combinação das ideias simples.
O pensamento de Locke não é importante apenas no campo da teoria do
conhecimento, como também possui grande relevância no pensamento político
moderno. Locke é um teórico do liberalismo político que ao propor a
descentralização do poder, se coloca contrário ao antigo absolutismo ou a
Figura 13: Locke
Guia do Estudante (Online)
48
compreensão do poder estatal centralizado na figura do soberano, pois, a filosofia
de Locke enfatiza que o “poder emana do povo e não é concedido por Deus para
alguns poucos privilegiados” (STANGUE, 2017, p. 137).
Como se sabe, a perspectiva política de Locke enquadra-se na famosa
corrente contratualistas, típica dos desenlaces políticos da modernidade. Nesse
sentido, a ideia de Estado de natureza se faz de extrema importância, uma vez que
[...] na concepção lockiana do estado de natureza, os homens são
todos iguais e têm os mesmos direitos. O critério para a igualdade é a
racionalidade. Se todos os homens são racionais e se a racionalidade
é o que os torna humanos, então todos nascem com as mesmas
características, no tocante ao critério de humanidade. Desse modo,
todos têm alguns direitos naturais, como os direitos à vida, à liberdade
(independência) e à propriedade. (STANGUE, 2017, p. 138)
Ou seja, a perspectiva contratualistas de Locke parece advogar em prol da
preservação da liberdade no centro da nascente sociedade civil através de
contratos e regulamentações legais capazes de garantir como intocáveis os diretos
naturais e, para tanto, faz-se necessário, de antemão, a superação de qualquer
estado de despotismo, uma vez que qualquer “monarquia absoluta [...] é de fato
incompatível com a sociedade civil e, portanto não pode ser, de modo algum, uma
forma de governo civil” (LOCKE, 2005, p. 461). Ademais, com a instituição da
regulamentação da sociedade civil centrada na garantia das liberdades individuais
tem se o reforço do “caráter democrático do pensamento de Locke” (STANGUE,
2017, p. 139).
49
3.3 DAVID HUME: INVESTIGAÇÕES SOBRE O ENTENDIMENTO HUMANO
O pensamento de David Hume (1711 – 1776) parte do princípio da tentativa
de superação dos antagonismos existentes entre os racionalistas e os empiristas.
Frente a isso, as relações entre as experiências, as impressões, o hábito e o
entendimento são fundamentais para a compreensão das Investigações sobre o
entendimento humano, de 1748, e no Tratado da natureza humana, escrita entre
1739 e 1740, obras centrais do pensamento humeniano.
Logo de partida é interessante ressaltar que a obra de Hume gira em torno de
um ceticismo radical, compreendido como a suspensão de todas as certezas e
princípios filosóficos/científicos que antes fomentavam o caminho para a
compreensão humana da realidade. As únicas coisas, portanto, que se colocavam
como suficientemente comprováveis para a instauração segura do conhecimento
eram as sensações. Sendo assim, Pequeno (2013) salienta que para Hume:
Figura 14: Tópicos de filosofia moderna
Plataforma Pearson (2021)
O contrato social que rege a sociedade lockiana tem como objetivo central “a
proteção da vida, da liberdade e da propriedade” (STANGUE, 2017, p. 142). Deste
modo, a noção de propriedade assume a primazia nas determinações políticas
de Locke, pois inclusive a vida (a pessoa) é considerada a primeira das
propriedades individuais. É evidente que a consideração pela propriedade faz
parte das modificações históricas propostas pelas Revoluções Burguesas que
foram as maiores responsáveis pela queda do absolutismo e pela introdução de
um novo modelo social que, séculos mais tarde, irá culminar no modelo
social/econômico capitalista. Sobre esse assunto é interessante indicar a obra de
Fábio Stangue (2017), Tópicos de filosofia moderna. Disponível em:
https://bit.ly/3Rhj8Iw. Acesso em: 02 abr. 2021.
50
[...] nada do que é sensorial deve nos ser estranho. Somos homo
sentiens, antes de nos tornarmos homo sapiens. “A razão é escrava
das paixões”, dizia ele com a coragem dos sábios. Hume, com isso,
confere uma nova dignidade a nossa experiência de mundo e nos
coloca em face das sensações que nos animam. “Sinto, logo existo”,
poderia ele dizer como uma retaliação possível ao cogito cartesiano
e ao seu culto exacerbado nos poderes da razão. (PEQUENO, 2013,
p. 09 – grifos nossos)
É possível determinarmos que o pensamento do filósofo escocês, como nos
demais empiristas, adota como núcleo a profusão das sensações para a construção
do conhecimento, Para Hume, portanto, o ponto fixo para a investigação sobre o
conhecimento e as possibilidades do conhecer dão-se, sobretudo, por meio das
sensações obtidas pelas experiências dos sentidos. Assim, Hume recupera o sentido
fundamental do sensível – já previamente existente em Aristóteles – como ponto de
partida para o entendimento e o exercício racional.
Antes de adentrarmos na perspectiva humeniana para o conhecimento, é
importante ressaltar que Hume insere-se em uma forte crítica às concepções da
metafísica, principalmente, por julgar impossível qualquer sustentação/justificação
transcendental da metafísica que, ao fim e ao cabo, em nada corresponderia às
determinações da realidade natural/sensorial/material que, como vimos acima, é
fundamental para toda e qualquer determinação do conhecimento.
Figura 15: Como ser cético com relação ao ceticismo?
Cético (Online)
51
Chauí (2000) afirma que a filosofia de Hume se encontra entre dois períodos
centrais da história da metafísica e que, consequentemente, fornece as bases para
a crítica e a derrocada da metafísica empreendida por Immanuel Kant. Nesse
sentido, de acordo com Chauí o pensamento de Hume “demonstra que os
conceitos metafísicos

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