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1 FACULDADE ÚNICA DE IPATINGA 2 Jorge Benedito de Freitas Teodoro Doutor em Letras: Estudos Literários pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) com período sanduíche na Universidade Nova de Lisboa financiado pela CAPES, Mestre em Filosofia com ênfase em Estética e Filosofia da Arte pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), Especialista em Ciência da Religião (FUNIP) e Graduado em Filosofia (bacharelado e licenciatura) na Universidade Federal de Ouro Preto. Realizou estágio de Pós- doutoramento no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Ouro Preto (PPGHIS-UFOP). Atua principalmente nos seguintes temas: estética e filosofia da arte, teoria da literatura, poéticas da modernidade, literatura/história/memória cultural e teoria crítica da sociedade. Participa do grupo de pesquisa "Laboratório X de encruzilhadas filosóficas" (UFRJ). Atuou como professor na rede estadual de ensino de Minas Gerais (SEE/MG). Atuou como Professor Substituto no Instituto de Ciências Humanas e Letras da Universidade Federal de Alfenas (ICHL/ Unifal-MG). Atualmente é coordenador dos cursos de Filosofia (EaD) e Ensino Religioso (EaD) da Faculdade Única de Ipatinga Além disso, atua como coordenador do Núcleo de Projetos e Pesquisas na modalidade de Ensino a Distância da Faculdade Única (NUPIC-EaD), Núcleo de Extensão na modalidade de Ensino a Distância da Faculdade Única (NUEX-EaD) e Núcleo de Relações Internacionais (NRI). PRÁTICA PEDAGÓGICA INTERDISCIPLINAR: HISTÓRIA DA FILOSOFIA CONTEMPORÂNEA E MODERNA 1ª edição Ipatinga – MG 2022 3 4 FACULDADE ÚNICA EDITORIAL Diretor Geral: Valdir Henrique Valério Diretor Executivo: William José Ferreira Ger. do Núcleo de Educação a Distância: Cristiane Lelis dos Santos Coord. Pedag. da Equipe Multidisciplinar: Gilvânia Barcelos Dias Teixeira Revisão Gramatical e Ortográfica: Izabel Cristina da Costa Revisão/Diagramação/Estruturação: Bruna Luiza Mendes Leite Fernanda Cristine Barbosa Guilherme Prado Salles Lívia Batista Rodrigues Design: Bárbara Carla Amorim O. Silva Élen Cristina Teixeira Oliveira Maria Eliza Perboyre Campos © 2022, Faculdade Única. Este livro ou parte dele não podem ser reproduzidos por qualquer meio sem Autorização escrita do Editor. Ficha catalográfica elaborada pela bibliotecária Melina Lacerda Vaz CRB – 6/2920. NEaD – Núcleo de Educação a Distância FACULDADE ÚNICA Rua Salermo, 299 Anexo 03 – Bairro Bethânia – CEP: 35164-779 – Ipatinga/MG Tel (31) 2109 -2300 – 0800 724 2300 www.faculdadeunica.com.br 5 Menu de Ícones Com o intuito de facilitar o seu estudo e uma melhor compreensão do conteúdo aplicado ao longo do livro didático, você irá encontrar ícones ao lado dos textos.Eles são para chamar a sua atenção para determinado trecho do conteúdo, cada um com uma função específica, mostradas a seguir: São sugestões de links para vídeos, documentos científicos (artigos, monografias, dissertações e teses), sites ou links das Bibliotecas Virtuais (Minha Biblioteca e Biblioteca Pearson) relacionados com o conteúdo abordado. Trata-se dos conceitos, definições ou afirmações importantes nas quais você deve ter maior atenção! São exercícios de fixação do conteúdo abordado em cada unidade do livro. São para o esclarecimento do significado de determinados termos/palavras mostradas ao longo do livro. Este espaço é destinado para a reflexão sobre questões citadas em cada unidade, associando-o a suas ações, seja no ambiente profissional ou em seu cotidiano. 6 SUMÁRIO A IDADE MODERNA: ILUMINISMO E RACIONALIZAÇÃO ..............9 1.1 O ILUMINISMO: INTRODUÇÃO AO SUJEITO MODERNO .....................................9 1.2 REVOLUÇÕES DO CONHECIMENTO: O MÉTODO E A RACIONALIZAÇÃO DO MUNDO .............................................................................................................. 12 1.3 “RESPOSTA À PERGUNTA: O QUE É ESCLARECIMENTO?”, DE IMMANUEL KANT ................................................................................................................... 16 FIXANDO O CONTEÚDO ................................................................................... 19 O RACIONALISMO MODERNO ......................................................23 2.1 RENÉ DESCARTES................................................................................................ 23 2.2 BARUCH DE SPINOZA ........................................................................................ 31 FIXANDO O CONTEÚDO ................................................................................... 36 A MODERNIDADE E O EMPIRISMO INGLÊS ...................................41 3.1 FRANCIS BACON E O MÉTODO EMPÍRICO...................................................... 41 3.2 JOHN LOCKE E O EMPIRISMO .......................................................................... 45 3.3 DAVID HUME: INVESTIGAÇÕES SOBRE O ENTENDIMENTO HUMANO ........... 49 FIXANDO O CONTEÚDO ................................................................................... 55 O MODERNO E O POLÍTICO..........................................................60 4.1 THOMAS HOBBES E O LEVIATÃ ......................................................................... 60 4.2 MONTESQUIEU E O ESPÍRITO DAS LEIS.............................................................. 64 4.3 JEAN-JACQUES ROUSSEAU .............................................................................. 67 FIXANDO O CONTEÚDO ................................................................................... 71 IMMANUEL KANT E A RAZÃO MODERNA......................................76 5.1 A REVOLUÇÃO COPERNICANA DO CONHECIMENTO E A CRÍTICA DA METAFÍSICA........................................................................................................ 76 5.2 CRÍTICAS DA RAZÃO: A RAZÃO NO TRIBUNAL ............................................... 79 5.3 A ÉTICA KANTIANA: O IMPERATIVO CATEGÓRICO........................................ 83 FIXANDO O CONTEÚDO ................................................................................... 85 HEGEL, O IDEALISMO ALEMÃO E O ROMANTISMO ALEMÃO......90 6.1 HEGEL: A FILOSOFIA DA HISTÓRIA E A DIALÉTICA .......................................... 90 6.2 O IDEALISMO ALEMÃO E O ROMANTISMO ALEMÃO..................................... 97 FIXANDO O CONTEÚDO ................................................................................. 102 A FILOSOFIA DE FRIEDRICH NIETZSCHE ......................................106 7.1 NIETZSCHE: FILOSOFANDO COM O MARTELO .............................................. 106 7.2 A TRANVALORAÇÃO DOS VALORES: FILOSOFIA/CORPO/ALEGRIA........... 109 7.3 A ARTE TRÁGICA E O ESPÍRITO DIONISÍACO................................................. 111 UNIDADE 01 UNIDADE 02 UNIDADE 03 UNIDADE 04 UNIDADE 05 UNIDADE 06 UNIDADE 07 7 KARL MARX E A FILOSOFIA MATERIALISTA..................................119 8.1 INTRODUÇÃO................................................................................................... 119 8.2 O CAPITAL: ANÁLISE DO MÉTODO DE PRODUÇÃO CAPITALISTA ............... 122 FIXANDO O CONTEÚDO ................................................................................. 129 INTRODUÇÃO À DA FILOSOFIA DA LINGUAGEM.......................134 9.1 GOTTLOB FREGE: LINGUAGEM E MATEMÁTICA ............................................ 134 9.2 BERTRAND RUSSELL: O POSITIVISMO LÓGICO E A TEORIA DAS DESCRIÇÕES DEFINIDAS ........................................................................................................ 137 9.3 LUDWIG WITTGENSTEIN: O TRACTATUS LOGICO-PHILOSOPHICUS E AS INVESTIGAÇÕES FILOSÓFICAS ....................................................................... 140 A FENOMENOLOGIA ....................................................................149 10.1 INTRODUÇÃO................................................................................................... 149 10.2 A FENOMENOLOGIA DE MAURICE MERLEAU-PONTY ................................... 153 10.2.1“FenomenologiaDa Percepção”, De Merleau-Ponty .......... 156 FIXANDO O CONTEÚDO ................................................................................. 159 A FILOSOFIA DE MARTIN HEIDEGGER..........................................164 11.1 MARTIN HEIDEGGER: O SER, A METAFÍSICA E A ALÉTHEIA ........................... 164 11.2 A HERMENÊUTICA: O SER, A LINGUAGEM E A OBRA DE ARTE ..................... 168 FIXANDO O CONTEÚDO ................................................................................ 175 O EXISTENCIALISMO.....................................................................179 12.1 JEAN-PAUL SARTRE: O EXISTENCIALISMO É UM HUMANISMO..................... 179 12.2 SIMONE DE BEAUVOIR: O SEGUNDO SEXO................................................... 183 FIXANDO O CONTEÚDO ................................................................................. 188 RESPOSTAS DO FIXANDO O CONTEÚDO ....................................193 REFERÊNCIAS.................................................................................195 UNIDADE 08 UNIDADE 09 UNIDADE 10 UNIDADE 11 UNIDADE 12 8 INTRODUÇÃO A marca da filosofia moderna é o apreço pela razão, movido pelas constantes Revoluções e descobertas na ordem das epistemologias. Em outros termos, a modernidade configura-se, sobretudo, pela elevação da razão cientifica como modelo de compreensão e determinação da realidade. Diante disso, a filosofia, livre das antigas tutelas, procura instaurar-se como modo proeminente de compreensão do mundo que, efetivamente, irá se atrelar às ciências físicas e experimentais. Assim, o método e a experimentação conduziram, na modernidade, a filosofia à tentativa de, efetivamente, descobrir a natureza do conhecimento. Os racionalistas, aliados das abstrações matemáticas, defenderam a perspectiva de um conhecimento a priori, cuja única certeza indubitável é aquela provinda pelo pensamento mesmo sem, no entanto, nenhuma relação com a experiência sensível do mundo. Os empiristas, por sua vez, partilharam de um conhecimento a posteriori, isto é, fundamentalmente ligado à necessidade da experiência sensível, das impressões dos sentidos e das sensações. Nesse impasse fecundo vivido pela filosofia, Immanuel Kant terá a solução: o sujeito transcendental que se coloca no centro das determinações do conhecimento. Contudo, a modernidade não é, como veremos a seguir, um campo de disputas apenas no âmbito do conhecimento, pois a sociedade modificou-se de modo estrutural, dando lugar, portanto, a sociedade civil – distante da natureza e regulada por leis e contratos que, finalmente, buscavam manter aquilo que o cidadão possuía de mais fundamental: a liberdade. Hegel, em seu complexo sistema filosófico, defendeu essa liberdade como um percurso fundamental para a dialética do espírito absoluto. Finalmente, os românticos alemães, no final do século XVIII, questionaram esse excesso de racionalidade e propuseram uma concepção de sujeito artístico, ligado à natureza e às sensibilidades. A modernidade, deste modo, tornou-se um dos mais fecundos campos para a tarefa filosófica. Assim, a modernidade que não se restringiu ao tempo e aos filósofos mencionados a seguir, como também influenciou toda uma formação filosófica contemporânea. 9 A IDADE MODERNA: ILUMINISMO E RACIONALIZAÇÃO 1.1 O ILUMINISMO: INTRODUÇÃO AO SUJEITO MODERNO A idade moderna inicia uma nova concepção de mundo, impulsionada, principalmente, pela ocorrência do Iluminismo (séc. XVI – séc. XVIII), pensado como um amplo movimento humano de desencantamento do mundo, ou seja, de superação da organização anterior pautada pela religiosidade. Nesse sentido, o Iluminismo ou Esclarecimento propõe o fortalecimento da racionalidade humana na condução dos processos de conhecimento e, consequentemente, de organização do mundo. Podemos, portanto, delimitar que o Iluminismo fundamenta, sobretudo, uma perspectiva antropocêntrica para a condução epistemológica, social e organizacional da realidade. Dizemos antropocêntrica, pois, se anteriormente, a condução do mundo e do conhecimento fundamentava-se sobre uma base teológica, pautada pela centralidade da teologia cristã na doutrinação do humano e do mundo, com o advento iluminista, tem-se a colocação do ser humano no centro da totalidade das determinações da realidade que irá se pautar na confiabilidade promovida pela racionalização do mundo advinda de um saber humano livre, sistemático e, consequentemente, científico. UNIDADE 01 10 Diante disso, Reale e Antiseri (2005), afirmam que o Iluminismo adota como característica fundamental “uma decidida confiança na razão humana, cujo desenvolvimento é visto como progresso da humanidade, e em um desinibido uso crítico da razão” (REALE; ANTISERI, 2005, p. 219). É justamente o uso crítico da racionalidade que irá fortalecer a perspectiva científica que, a partir das determinações propostas pelo método científico, será a responsável pela condução do mundo em defesa de um conhecimento técnico-científico alheio às determinações da tradição religiosa anterior. Antes, contudo, de entrarmos nas principais correntes científicas que revolucionaram as concepções do conhecimento o modo como o mundo (e a filosofia) se organizava, é interessante pensarmos as determinações históricas fundamentais que substituíram tanto o modelo teológico medieval de organização do mundo e do saber, quanto o modelo de organização social pautado pelo Antigo Regime. O filósofo Hegel (1770-1831) irá descortinar três causas principais para a eclosão da modernidade, a saber: a Reforma Protestante (séc. XVI), ocorrida na Alemanha e encabeçada pelo monge Martinho Lutero (1483 – 1546) e suas 95 teses fixadas na Catedral de Wiitemberg, que não apenas questionava as intenções da Figura 1:Homem Vitruviano Fonte: Leonardo da Vinci (1590) 11 Igreja em suas relações políticas, econômicas e sociais, como também advogava a favor da liberdade de pensamento e de crença, sobretudo, com a tradução das Escrituras e rompimento com a mediação em latim defendida pela Igreja Católica e o consequente contato mais próximo entre o fiel e o divino; a Revolução Francesa (séc. XVIII), responsável pela modificação estrutural da política, da sociedade e da economia com a queda do Antigo Regime (Reis e nobreza) e a elevação da classe burguesa como dominante dos cenários político, social e econômico. Revolução que, em suma, defendia a liberdade para o pensamento e para as determinações atuantes do sujeito burguês; e finalmente, o Iluminismo que, ilustra a entrada definitiva do sujeito individual – desprovido de tutela, como veremos mais adiante – nos âmbitos do pensamento e da cultura, de acordo com o pensar científico iluminista que [...] objetiva e desencanta a natureza, liberando o ser humano das amarras do medo e da superstição, típicas do período medieval. Os preceitos morais, por seu turno, são concebidos de tal forma a preservar a liberdade individual, e a vontade subjetiva universaliza sob a forma da autonomia das leis universais. (SANTOS, 2016, p. 142 – grifos nossos) A partir dessas três configurações as determinações históricas, sociais, política e epistemológicas sofreram mudanças consideráveis em direção à afirmação da liberdade humana através, principalmente, do uso da racionalidade, conforme veremos mais adiante. Deste modo, a razão moderna aprofunda-se na compreensão da natureza através do pensamento especulativo que se dá, principalmente, por meio da utilização pragmática da razão que, finalmente, ao desvincular-se de sua antiga determinação teológica, aproxima-se do cálculo matemático e, por consequência, das suas futuras destinações científicas. É interessante ressaltar que o movimento de elevação do ser humano à condição de conhecedor da realidade através de si mesmo, ocorre, sobretudo, com o surgimento da razão subjetiva compreendida como o uso da racionalidade próprio ao sujeito. Silva (2019, p. 247), a partir do pensamento dofilósofo Max Horkheimer (1895 - 1973), apresenta a razão subjetiva como 12 [...] uma faculdade inerente ao sujeito, ela é responsável pelo pragmatismo da existência cotidiana, já que as ações do indivíduo obedecem a uma lógica que busca, pelos meios mais adequados, tendo em vista os fins propostos. Mas essa razão também é denominada formal e instrumental. Sob esse aspecto, ela está ligada à dominação da natureza externa, tanto por meio de sua formalização e tradução em leis científicas quanto pelo desenvolvimento de meios técnicos e instrumentais, para a maior eficiência dessa dominação. É justamente a partir da centralidade da razão subjetiva que a lógica moderna irá se estruturar como o meio para a dominação da natureza/realidade e a sua configuração/transformação em matéria para os progressos técnicos e científicos. Diante disso, avista-se, na modernidade, o processo de fortalecimento de um pensar científico delimitado por procedimentos metodológicos que, não obstante, será o responsável pela confiabilidade da ciência dentro de um regime de entendimento amparada pelo positivismo da razão ou, em outros termos, pela certeza de que a racionalidade científica será capaz de, efetivamente, iluminar a todos os campos de conhecimento e de atividade humana. 1.2 REVOLUÇÕES DO CONHECIMENTO: O MÉTODO E A RACIONALIZAÇÃO DO MUNDO A modernidade é o mundo do surgimento da técnica, do método e do conhecimento científico. É o espaço histórico-social no qual a ideologia do progresso faz-se predominante e, sem a qual, os desenvolvimentos da ciência não seriam possíveis, uma vez que tal ideologia pauta-se, principalmente, na racionalização do 13 mundo e, consequentemente, na certeza da suavização da luta pela sobrevivência com o aumento exponencial da tecnologia. Contudo, para que tal elevação do conhecimento aconteça, é preciso à construção de um caminho seguro para a obtenção do saber técnico/científico. Esse caminho seguro não é senão aquilo que conhecemos enquanto método e o seu surgimento demarca uma verdadeira revolução no modo com o ser humano compreende a realidade e fundamenta o conhecimento. A importância da fundamentação do método científico será uma das maiores responsabilidades do pensamento de Galileu Galilei (1564-1642), o “pai da ciência moderna”. Partindo da perspectiva de que a realidade “é concebida como um sistema racional de mecanismos físicos, cuja estrutura profunda e invisível é matemática” (CHAUÍ, 2000, p. 56), o cientista/filósofo italiano fundamentará a proximidade entre a racionalidade e os modelos experimentais (empíricos) das ciências exatas, assim, Chauí salienta que uma vez concebida como um sistema racionalmente compreendido, a realidade físico-matemática dá [...] origem à ciência clássica, isto é, à mecânica, por meio da qual são descritos, explicados e interpretados todos os fatores da realidade: astronomia, física, química, psicologia, política, artes são disciplinas cujo conhecimento é de tipo mecânico, ou seja, de relações necessárias de causa e efeito entre um agente e um paciente. (CHAUÍ, 2000, p. 56 – grifos nossos) Esse movimento de surgimento da ciência clássica, pautado pela experimentação, relaciona-se, diretamente, com a Revolução Científica ocorrida no século XVII que terá Galileu como um dos seus maiores expoentes, sobretudo, pelas seguintes contribuições: a formulação da teoria do movimento uniformemente acelerado; a lei da queda dos corpos; a teoria cinemática, isto é, a descrição matemática dos movimentos dos corpos físicos, além de diversas contribuições no âmbito da astronomia, tais como a confirmação do modelo heliocêntrico, proposto anos antes por Nicolau Copérnico (1473 - 1543); a determinação de que, tal como a Terra, a superfície lunar seria irregular; as confirmações de que Mercúrio e Vênus são planetas, pois orbitam o Sol; entre outras. 14 Figura 2: Galileu Galilei Fonte: Juster Sustermans (1936) A atitude científica de Galileu apresenta uma nova concepção de ciência ligada à construção de leis naturais e de experimentos que, por sua vez, determinaram o fazer científico como uma atitude ativa que supera o modelo anterior fundamentado na contemplação da natureza. Assim, a atitude científica ativa, preconizada pelo método galileliano, não apenas dá início ao processo de dominação da realidade natural pelo cientista, mas também instaura um novo estilo científico baseado na mentalidade ativa, na utilização de instrumentos práticos, na observação controlada e sistemática da natura e nas experiências controladas pela razão. A partir dessas configurações, o pensamento galileliano, em resumo delimita- se, tal como a ciência moderna, pela “procura, na natureza, de regularidades matematicamente expressáveis, as chamadas leis da natureza, e o método de certificar-se de sua verdade através da realização de experimentos.” (MARICONDA, 2006, p. 269) 15 A mudança da mentalidade do fazer científico na modernidade pode ser compreendida, sobretudo, por dois aspectos: a centralidade do método científico experimental e a relação de intimidade entre a ciência e a técnica. No primeiro deles, o método, isto é, o caminho seguro pelo qual a ciência será construída, pauta- se na observação (“experiência sensível”) sistemática e contínua dos fenômenos naturais para o estabelecimento de regularidades que se determinaram como “Eu Galileu Galilei, filho do falecido Vincenzo Galilei de Florença, com a idade de setenta anos (*), sendo trazido pessoalmente a julgamento, e ajoelhado diante de vós, Eminentíssimos e Reverendíssimos Lordes Cardeais, Inquisidores Gerais da Comunidade Cristã Universal contra a depravação herética, tendo diante de meus olhos o Sagrado Evangelho que toco com as minhas próprias mãos, juro que sempre acreditei, e com a ajuda de Deus, acreditarei no futuro, em todo artigo que a Santa Igreja Católica Apostólica Romana mantém, ensina e prega. Mas por ter sido ordenado, por este Conselho, a abandonar completamente a falsa opinião que mantém que o Sol é o centro e imóvel, e proibido de manter, defender ou ensinar a referida falsa doutrina de qualquer maneira... Estou desejoso de remover das mentes de nossas Eminências, e de todos Cristão Católico, essa veemente suspeita acertadamente mantida a meu respeito, portanto, com sinceridade de coração e fé genuína, eu abjuro, maldigo e detesto os referidos erros e heresias, e, de modo geral, todos os outros erros e seitas contrários à referida Santa Igreja” (Galileu Galilei – grifos nossos) FONTE: Galileu e o nascimento da ciência moderna. In: e-física: Ensino de física on- line. 2007. Disponível em: https://bit.ly/3uwtydF. Acessado em 11 nov. 2020. 16 universais após as suas confirmações mediante a realização de experimentos (“demonstrações necessárias”). Diante disso, a regularidade do método será capaz superar as antigas especulações que, de modo algum, se relacionavam com as experiências. Nesse sentido, salienta Mariconda (2006, p. 284) que: A autonomia da ciência está, assim, assentada numa tese de suficiência do método científico para aferir as verdades naturais mediante o escrutínio crítico baseado em “experiências sensíveis” e “demonstrações necessárias”, estas últimas identificadas por Galileu como o raciocínio demonstrativo matemático. Para que o método se institua como a principal ferramenta de verificação/validação dos postulados científicos é preciso que a ciência se alie à técnica, pois é, justamente, o avanço tecnológico que irá permitir a construção de instrumentos capazes de assegurar os progressos da ciência e, consequentemente, instituir o fazer científico moderno como algo útil/prático. Trata-se, portanto, da compreensão da ciência, aliada à tecnologia, como algo capaz de controlar, avaliar e testar as implicações práticas do saber, algo que, por sua vez, decreta, finalmente, a superação/ruptura com a antiga autoridade religiosa para a condução do conhecimento. Deste modo, esclarece Mariconda (2006), a partir deGalileu, que a “ciência moderna nasce e prospera sobre as ruínas do autoritarismo” (MARICONDA, 2006, p. 287 – grifos nossos). 1.3 “RESPOSTA À PERGUNTA: O QUE É ESCLARECIMENTO?”, DE IMMANUEL KANT O filósofo alemão Immanuel Kant (1724 - 1804) – um dos mais importantes pensadores da filosofia moderna –, será o responsável, como veremos mais adiante, não apenas pela crítica e instituição dos limites da razão em seu processo de descoberta/legitimação do conhecimento, como também redige um dos 17 documentos mais centrais para o entendimento do período e da filosofia iluminista, a saber, o breve texto “Resposta à pergunta: o que é esclarecimento?”, de 1783. Logo no início do texto, o filósofo apresenta a sua definição de Iluminismo ou Esclarecimento (Aufklärung): O Esclarecimento é a libertação do homem de sua imaturidade (Unmündigkeit) autoimposta. Imaturidade é a incapacidade de empregar seu próprio entendimento sem a orientação de outro. Tal tutela é autoimposta quando sua causa não reside em falta de razão, mas de determinação e coragem para usá-lo sem a direção de outro. (KANT, 2012, p. 145) É evidente, a partir da colocação kantiana, que o propósito central do Esclarecimento (Iluminismo) é a libertação do ser humano e de suas capacidades de pensar por si mesmo ou, em outros, termos da consolidação de um pensamento humano autônomo e, portanto, livre de qualquer tutela. Figura 3: Immanuel Kant Fonte: Johann G. Becker (1768) Sair da condição de imaturidade (ou menoridade) é a possibilidade do rompimento com as antigas tradições, sobretudo, com a tradição religiosa que delimitava as diretrizes para o pensamento. Ver-se, deste modo, livre de qualquer imposição que não permite ao sujeito fazer o livre uso de suas faculdades de pensamento/entendimento. Uma vez que: “Para este esclarecimento, porém nada mais se exige senão liberdade” (KANT, 2012, p. 146) Kant salienta: “Sapere Aude! Tenha coragem de usar sua própria mente (Verstandes)! Este é o lema do Esclarecimento” (KANT, 2012, p. 145 – grifos nossos). Em 18 outros termos, ousar saber (Sapere Aude!), eis o lema que deve conduzir o sujeito do Esclarecimento ao pensamento sem nenhuma condução. Pensamento livre de qualquer autoridade que, consequentemente, capacita o sujeito à corajosa tarefa de fazer o livre “uso público de sua razão” (KANT, 2012, p. 146), algo que, finalmente, tornará o sujeito do Esclarecimento potencialmente crítico e reflexivo na disposição de expor o seu entendimento e capaz, efetivamente, de livrar-se das tutelas que anteriormente direcionavam/controlavam o seu pensamento. Assim, acrescenta Kant que o Estado não deve temer o povo esclarecido, mas, pelo contrário, deve fortalecer as possibilidades da “propensão ao pensamento livre” (KANT, 2012, p. 153), pois, afirma o filósofo que um governante [...] que acha digno de si dizer que considera um dever nada prescrever aos homens em matéria religiosa, mas deixar-lhes em tal assunto plena liberdade, que afasta de si o arrogante nome de tolerância, é de fato esclarecido e merece ser louvado pelo mundo agradecido e pela posteridade como aquele que pela primeira vez libertou o gênero humano da imaturidade, pelo menos por parte do governo, e deu a cada homem a liberdade de utilizar sua própria razão em todas as questões de consciência. (KANT, 2012, p. 152) Trata-se da ampla liberdade nas esferas de atuações humanas fazendo que, na medida do processo de Esclarecimento, as tutelas, principalmente, as tutelas da tradição religiosa, sejam ultrapassadas, inclusive pelos governantes, para que, finalmente, o sujeito possa fazer o uso próprio de suas faculdades racionais. É esse, portanto, o direcionamento central do breve texto kantiano, fazer do livre exercício do pensamento a bandeira do Esclarecimento e o guia da sociedade. Finalmente, pergunta Kant: “vivemos agora uma época esclarecida?” E a resposta, em seguida, “será: Não, vivemos em uma época de Esclarecimento” (KANT, 2012, p. 151), ou seja, trata-se de compreender o Esclarecimento (Iluminismo) como a época na qual o processo da construção do pensar autônomo, próprio do humano, se coloca em progresso na direção à saída do estado de imaturidade (minoridade) e, por consequência, da liberdade para o exercício de investigação racional da natureza/realidade sem a interferência de nenhuma instância ordenadora. Uma verdadeira ousadia em saber: esse será o emblema que, por toda a modernidade, o sujeito científico irá demonstrar. 19 FIXANDO O CONTEÚDO 1. Sobre o Iluminismo é correto afirmar: a) Defendia a soberania do Estado absolutista e determinava a submissão do sujeito às tutelas de pensamento. b) Pautava-se no fortalecimento das doutrinas religiosas e no aspecto teológico como guia do pensamento. c) O movimento Iluminista opera uma modificação na ordenação do conhecimento ao colocar o ser humano como centro do saber. d) O Iluminismo é a repetição da estrutura feudalista, uma vez que as Revoluções da classe burguesa não são capazes de propor nenhuma modificação econômica. e) Foi um movimento que questionava o saber científico experimental, pois o ser humano é falho e por isso necessita de tutela. 2. Podemos compreender o desencantamento do mundo, próprio do movimento histórico Iluminista, como: a) A superação da organização de mundo anterior, pautado no misticismo e na religiosidade. b) A superação da organização de mundo anterior, pautado no pensamento livre e autônomo. c) A conservação as estruturas místico/mágicas/religiosas do mundo e, consequentemente, da organização das estruturas político-sociais. d) A superação do caráter científico do mundo em prol de uma organização matemática da filosofia. e) A compreensão de que as estruturas filosóficas e o livre pensamento são inseparáveis das determinações religiosas e doutrinárias. 3. Uma das perspectivas centrais do Iluminismo é a colocação do ser humano no centro dos processos de produção do conhecimento em face da superação da perspectiva anterior de matriz religiosa. Esse movimento pode ser definido como: 20 a) Teocentrismo. b) Heliocentrismo. c) Solipicismo. d) Método. e) Antropocentrismo. 4. São consideradas causas históricas fundamentais para a ocorrência da Modernidade: a) A queda de Roma; o Iluminismo; o surgimento do cristianismo. b) A Reforma Protestante; As grandes navegações; As invasões bárbaras. c) A Reforma Protestante; A Revolução Francesa; O Iluminismo. d) O Iluminismo; A queda do muro de Berlin; A Primeira Guerra Mundial. e) O fortalecimento do cristianismo; A Reforma Protestante; As Revoluções Burguesas. 5. A racionalidade científica instaura um período de compreensão do conhecimento baseado no método experimental. Galileu Galilei figura se como um dos mais importantes pensadores/cientistas desse período a ponto de, inclusive, ser considerado o “pai da ciência moderna”. Diante disso, podemos compreender a ciência clássica de Galileu do seguinte modo: a) A ciência é uma atitude contemplativa pautada na observação passiva da natureza. b) A ciência é um produto do humano que, em suas determinações, contempla a natureza sem querer dominá-la/modificá-la. c) A ciência é produto do humano a partir de uma atitude religiosa, isto é, a ciência galileliana é um saber doutrinado/orientado pelas determinações teológicas. d) A ciência é produto de uma mentalidade ativa, preconizada pelo método científico que propõe um processo de dominação da natureza. e) A ciência é uma atividade isenta de método, isto é, trata-se da não realização de experimentações. 6. O método científico, central para a atividade científica, pode ser definido como: 21 a) O caminho pelo qual a ciência será construída pautada na observação sistemática da realidade; no estabelecimento de regularidades e na confirmação por meio de experimentos. b) O caminho pelo qual a ciência será construída pauta na sua proximidade com a religião e, principalmente, na centralidade da existência de Deus. c) O caminhopelo qual a ciência será construída a partir de uma atitude contemplativa com relação à realidade. d) O caminho pelo qual o cientista em conjunto com a técnica vê-se incapaz de fomentar regularidades, ou seja, leis naturais que não podem ser comprovadas por meio de experimentações. e) O caminho pelo qual a ciência se faz a priori, ou seja, sem a necessidade da confirmação metódica/experimental. 7. Ao brotar das ruínas do autoritarismo religioso, a ciência moderna, detentora do método, propõe-se como: a) Algo idealista. b) Algo apenas do âmbito teórico. c) Algo religioso. d) Algo desprovido de experimentos. e) Algo útil e prático. 8. No breve texto “Resposta à pergunta: o que é Esclarecimento?”, Kant afirma que: “O Esclarecimento é a libertação do homem de sua imaturidade (Unmündigkeit) autoimposta. Imaturidade é a incapacidade de empregar seu próprio entendimento sem a orientação de outro. Tal tutela é autoimposta quando sua causa não reside em falta de razão, mas de determinação e coragem para usá- lo sem a direção de outro.” (KANT, 2012, p. 145). A partir disso, podemos compreender que, segundo Kant, a perspectiva fundamental do Esclarecimento é a seguinte: a) A manutenção do estado de tutela religioso em que o sujeito e seu pensamento se encontram. b) A determinação de um sujeito incapaz de pensar por si próprio. 22 c) A libertação do ser humano das antigas tutelas e a possibilidade de fazer uso de seu próprio entendimento. d) A não-autonomia do ser humano em suas relações com o conhecimento. e) A configuração de um estado de coisas prático/teórico na qual o uso público da razão não seja permitido ou possível. 23 O RACIONALISMO MODERNO 2.1 RENÉ DESCARTES O filósofo e matemático francês, René Descartes (1596 - 1650), figura-se como o principal representante do racionalismo moderno, determinando, sobretudo, a configuração de um inatismo da razão, isto é, a determinação de que a razão é uma propriedade inata ao sujeito que, consequentemente, conhece o mundo por meio de uma racionalidade a priori, independentemente de qualquer experiência com a realidade empírica. Contudo, antes de adentramos na perspectiva inatista da razão cartesiana e de sua delimitação proposta pela certeza do cogito, transitaremos pela importância do método na composição do pensamento de Descartes, tematizado, principalmente, nas seguintes obras: Discurso do método, originalmente publicado em 1637, Meditações metafísicas, de 1641. Figura 4: René Descartes Fonte: Frans Hals (1640-1700) A filosofia cartesiana determina-se como um modelo de pensamento metodicamente estruturado pela dúvida ou, em outras palavras, é a dúvida metódica que fundamenta o processo de racionalização do conhecimento conforme proposto por Descartes. A partir disso, a preocupação com o método constitui o ponto de largada para o pensamento cartesiano, de modo a estender à UNIDADE 01 24 investigação em direção à clarificação de todas as dúvidas. Apontamos, ao lado de Jesus (2015) assim, que existe a “necessidade de uma regulamentação e de um controle da razão, para que ela proceda retamente na busca da verdade.” (JESUS, 2015, p. 153). Nesse sentido, podemos compreender o método como o caminho seguido pela reta razão para “conhecer a verdade” (JESUS, 2015, p. 148). Portanto, é o método que se coloca como o modelo sistemático para o conhecimento do verdadeiro, ou, nas palavras de Descartes, a predileção pelo método diz respeito ao “desejo de aprender a distinguir o verdadeiro do falso que é propriamente o que determina o bom senso ou razão” (DESCARTES, 1996, p. 03). Sobre essas configurações, Fábio Stange (2017) acrescenta que: A filosofia cartesiana influenciou todo o pensamento ocidental e suas afirmações figuram, como que pressupostas, em nossa maneira de compreender e fazer ciência. O método cartesiano deve ser compreendido, hoje, como uma base fundamental para o modo de fazer ciência desenvolvido a partir da Modernidade. De fato, as atuais formas metodológicas para a elaboração das pesquisas científicas têm profundas raízes no legado da filosofia de Descartes. (STANGUE, 2017, p. 53) Ressaltamos, enfim, que a procura pela verdade não é, para a filosofia cartesiana, matéria de um conhecimento inspirado ou de uma genialidade suprema, pelo contrário, o conhecimento da verdade é tarefa de um método que se faz em proximidade com a segurança das ciências matemáticas, como podemos observar na seguinte passagem do Discurso do método: Comprazia-me, sobretudo com as certezas matemáticas, por causa da certeza e da evidência de suas razões; mas não percebia ainda seu verdadeiro uso e, pensando que só serviam para as artes mecânicas, espantava-me de que, sendo tão firmes e sólidos os seus fundamentos, nada mais de elevado se tivesse construído sobre eles. (DESCARTES, 1996, p. 11) Trata-se, assim, da condução de uma metodologia filosófica semelhante aos processos matemáticos, uma vez que a matemática seria capaz de fornecer evidências seguras para o uso correto da razão. Finalmente, ao alargar o alcance da matemática em direção à matematização da própria filosofia assegurando-lhe, deste modo, a mesma segurança dos procedimentos matemáticos, pois, de acordo com Jesus (2015, p. 156 – grifos nossos): “A razão é tão bem-sucedida na matemática justamente por fazer uso dos dois requisitos fundamentais, a ordem e a medida”. 25 Descartes irá conduzir uma metodologia baseada em quatro regras que, conforme destacado na obra Discurso do método, possui como ponto inicial: [...] nunca aceitar coisa alguma como verdadeira sem que a conhecesse evidentemente como tal; ou seja, evitar cuidadosamente a precipitação e a prevenção, e não incluir em meus juízos nada além daquilo que se apresentasse tão clara e distintamente a meu espírito, que eu não tivesse nenhuma ocasião de pô-lo em dúvida. (DESCARTES, 1996, p. 23 – grifos nossos) É assim, portanto, que a dúvida se coloca como o ponto inicial para a determinação racional do conhecimento. Isto é, para o pensador francês é improvável a consideração de algo como verdadeiro se este mesmo algo não houver sido previamente examinado sob a ótica da dúvida. Em suma: colocar tudo em dúvida é o que constitui a primeira das regras do método cartesiano, a regra da evidência. A segunda das regras, por sua vez, a regra da análise, consiste, segundo Descartes, em “dividir cada uma das dificuldades que examinasse em tantas parcelas quantas fosse possível e necessário para melhor resolvê-las” (DESCARTES, 1996, p. 23). Em suma, a regra da análise diz respeito ao procedimento de redução do objeto às suas mínimas partes para o encontro da melhor das soluções possíveis. A regra da síntese (ou ordem) é a terceira das regras fundamentais do método cartesiano, apresentada pelo pensador francês como o processo de [...] pôr em ordem os meus pensamentos, começando pelos objetos mais simples e mais fáceis de conhecer, para subir pouco a pouco, como degraus, até o conhecimento dos mais compostos; e supondo uma certa ordem mesmo entre aqueles que não se precedem naturalmente uns aos outros. (DESCARTES, 1996, p. 23) Colocando em ordem, portanto, Descarte define uma regra metodológica que ordena o processo investigativo pôr meio da sintetização dos objetos mais fáceis de conhecer até aqueles mais difíceis. Deste modo, há uma ligação direta entre a regra da síntese e a segunda regra, a regra da análise, uma vez que a síntese tem como destinação fundamental ordenar as partes divididas pela regra da análise indo das partes mais fáceis de compreensão até aquelas mais complexas. A quarta e última das regras fundamentais do método cartesiano é a regra da enumeração que consiste, sobretudo, em fazer “enumerações tão completas, e revisões tão gerais” que se tem “a certeza de nada omitir” (DESCARTES, 1996, p. 23). A enumeração, para tanto, revisa os passos metodológicos anteriores com a finalidade da correção de qualquer equívoco encontrado nas investigações 26antecedentes. Após a evidenciação dessas regras fundamentais de método – regras primeiras (ou inatas) da razão, colocadas em proximidade com o método dos “geômetras” (DESCARTES, 1996, p. 23) – o filósofo afirma que as demais verdades do conhecimento poderiam, de fato, serem dedutíveis a partir de tal percurso metodológico, uma vez que se “observarmos sempre a ordem necessária para deduzi-las uma das outras, não pode haver nenhuma tão afastada que não acabemos por chegar a ela e nem tão escondida que não a descubramos” (DESCARTES, 1996, p. 23-24). Em suma, Descartes afirma a confiabilidade do método amparado pela investigação filosófico/matemática ancorada nas regras fundamentais do método cartesiano que, não obstante, conduzem – demonstrativamente – ao encontro de “razões certas e evidentes” (DESCARTES, 1996, p. 24). Figura 5: Regras fundamentais do método cartesiano Fonte: Centro de mídias da educação do amazonas (Online) Nas Meditações metafísicas, outro importante obra cartesiana, o filósofo francês irá aprofundar a sua dúvida metódica por meio da confecção da dúvida hiperbólica, isto é, da elevação da dúvida à sua potência máxima. Tal processo “pode ser dividido em dois momentos: a dúvida natural – que, por sua vez, e dividida em argumento dos sentidos e argumento dos sonhos; e a dúvida metafísica” (CAPUTO, 2019, p. 32-33) que, conforme veremos mais, direciona-se ao questionamento da existência de um Deus enganador. 27 Trata-se, deste modo, como afirmado por Descarte na Primeira Meditação, “Das coisas que se podem colocar em dúvida”, de “destruir em geral todas minhas antigas opiniões” (DESCARTES, 2005, p. 30), para que, finalmente, seja possível, após o percurso metódico da dúvida, encontrar um ponto fixo, seguro e inquestionável para o conhecimento que se fundamenta pela certeza do Cogito ergo sum, ou seja, Penso, logo existo. Nesse sentido, a Primeira Meditação tem como fundamento apresentar “as razões pelas quais podemos duvidar em geral de todas as coisas, e em particular das coisas materiais” (DESCARTES, 2005, p. 23) ou naturais. Deste modo, podemos compreender como o alvo central da primeira meditação os sentidos (o sensível), tomado como fonte primária de enganação, pois, como afirma Descartes: Tudo o que recebi até o presente como o mais verdadeiro e seguro, aprendi-o dos sentidos ou pelos sentidos; ora, algumas vezes experimentei que tais sentidos eram enganadores, e é de prudência jamais confiar inteiramente naqueles que uma vez nos enganaram. (DESCARTES, 2005, p. 31 – grifos nossos) Na melhor das retomadas da clássica crítica do racionalismo/idealismo platônico aos sentidos (ao sensível), o filósofo moderno acentua, como direcionamento primeiro das suas meditações filosóficas, a afirmação de que os dados sensoriais são fonte primária da produção de enganações. Assim, os sentidos “não podem ser considerados o ponto seguro a partir do qual os conhecimentos devem partir.” (CAPUTO, 2019, p. 33) Ademais, no segundo momento da dúvida, ela estende-se, inclusive, aos sonhos que, por vezes apresentam-se tão reais quanto à própria realidade. Nesse sentido, de acordo com Caputo, o argumento dos sonhos é definido do seguinte modo: Você já teve um sonho tão real que só percebeu que era sonho ao acordar? Ora é justamente isso que Descartes apresenta como oposição à hipótese de que os sentidos próximos não poderiam ser enganosos. A falta de clareza para distinguir o sono da vigília faz com que o autor considere que mesmo os sentidos próximos a nós podem nos enganar. (CAPUTO, 2019, p. 34) É preciso, portanto, ultrapassar a dúvida sobre as representações oníricas aproximando-as de representações reais inquestionáveis provindas, prioritariamente, das determinações matemáticas, pois, segundo Descartes, “esteja eu acordado ou dormindo, dois e três juntos sempre formarão o número cinco [...] e não me parece possível que verdades tão aparentes possam ser suspeitas de alguma falsidade ou incerteza.” (DESCARTES, 2005, p. 35) 28 Ademais, no aprofundamento da dúvida natural em direção aos sonhos e a vigília, elementos da natureza corpórea, conclui-se que “podemos rejeitar A VIDA É SONHO Figura 6: A vida é sonho Calderón de La Barca 29 completamente, portanto, que os sentidos próximos sejam uma fonte segura de conhecimento, pois ele já nos engou alguma vez, e isso basta para rejeitá-los completamente” (CAPUTO, 2019, p. 34). Ultrapassando, deste modo, a dúvida natural – procedente do exame dos sentidos próximos (sonho/vigília/natureza corporal) e dos sentidos distantes (visão/olfato/etc.) – o pensador francês, em busca da determinação de um ponto seguro para o conhecimento, dirige-se à dúvida metafísica ao questionamento da existência de um Deus enganador (gênio maligno). Deste modo, o terceiro momento da dúvida que, a par e passo, torna-se cada vez mais abrangente, tem início com a seguinte indagação cartesiana: Todavia, há muito que tenho no meu espírito certo opinião de que há um Deus que tudo pode e por quem fui criado e produzido tal como sou. Ora, quem me pode assegurar que esse Deus não tenha feito com que não haja nenhuma terra, nenhum céu, nenhum corpo extenso, nenhuma figura, nenhuma grandeza, nenhum lugar e que, não obstante, eu tenha os sentimentos de todas essas coisas e que tudo isso não me pareça existir de modo diferente do que o vejo? E até, como julgo que os outros se equivocam, mesmo nas coisas que pensam saber com a maior certeza, pode ocorrer que ele tenha querido que eu me engane todas as vezes que faço a adição de dois e três, ou que enumero os lados de um quadrado, ou que julgo alguma coisa ainda mais fácil, caso se possa imaginar algo mais fácil que isso. (DESCARTES, 2005, p. 35-36 – grifos nossos) Pois bem, a colocação cartesiana estende a dúvida às determinações anteriormente certeiras da matemática ao pressupor a condução ao erro provinda da ação de uma instância superior teoricamente formulada na ideia do gênio maligno. Em outros termos, o gênio maligno seria o responsável pela condução de falsas verdades (erros) na trama da busca pela certeza do conhecimento. Há, como determina Caputo (2019), uma hipervalorização da dúvida que, evidentemente, conduz Descartes a um estado de ceticismo ao final da primeira meditação, pois o filósofo francês não encontra “elementos suficientes para julgar o que é certo e o que é indubitável” (CAPUTO, 2019, p. 38). Nesse sentido, para sair do beco sem saída em que Descartes se encontra ao final da primeira meditação, faz-se necessário o encontro de uma certeza fixa e inquestionável para, finalmente, não apenas prosseguir com as meditações, como também tornar possível a determinação segura do conhecimento racional. De fato, segundo Descartes, se persiste algo após todo o percurso da dúvida, incluindo a saída do ceticismo instaurado pela primeira das meditações, é a certeza 30 da continuidade do pensamento, isto é, apesar de toda dúvida, o sujeito segue a pensar, por mais “que sou enganado, devo existir ao menos como pensamento” (CAPUTO, 2019, p. 40). Logo, o pensamento (cogito) coloca-se como a certeza fundamental para toda e qualquer determinação do conhecimento, ou, nas palavras de Descartes: De sorte que, após ter pensado bem nisso e ter cuidadosamente examinado todas as coisas, é preciso enfim concluir e ter por constante essa proposição, Eu sou, eu existo, é necessariamente verdadeira todas as vezes que a pronuncio ou que a concebo em meu espírito. (DESCARTES, 2005, p. 43 – grifos nossos) Nota-se que a afirmação cartesiana Eu sou, eu existo é um equivalente ao Penso, logo existo, pois apenas a certeza da atividade incessante do pensamento é, de fato, capaz de afirmar inclusive a existência humana. Deste modo, Caputo salienta que: Expresso de forma mais simples na segunda meditação metafísica, Descartes [...] diz apenas: “Eu sou, eu existo” – mas apenas enquanto penso e como pensamento, não tendo meios de ir adiante. Essa primeira certeza inaugurauma cadeia de certezas derivadas dessa primeira, que, tradicionalmente, é conhecida como a certeza do cogito. (CAPUTO, 2019, p. 40) Finalmente, o pensamento cartesiano instaura, através de todo um percurso metodológico, a centralidade do pensamento (razão) enquanto determinante próprio ao sujeito que, em consequência disso, irá balizar toda e qualquer relação com a natureza como uma relação de submissão do real/natural à ação do pensar racional. Enfim com o racionalismo cartesiano, a razão subjetiva vê-se como a determinante central da realidade. Uma racionalidade que, não abstendo-nos de mencionar, faz-se como caraterística inata, isto é, inerente ao ser humano. 31 Veremos, mais adiante, que, de modo contrário ao racionalismo cartesiano e ao inatismo da razão que não depende da experiência com a realidade para a confecção de suas proposições epistemológicas – um conhecimento a priori –, os empiristas fundamentaram um modelo experiencial – um conhecimento a posteriori – de obtenção de um conhecimento seguro/verdadeiro. 2.2 BARUCH DE SPINOZA René Descartes é considerado o maior filósofo racionalista da modernidade. Contudo, o holandês Baruch de Spinoza (1632 - 1667) também merece destaque, Figura 7: Cogito, ergo sum 32 sobretudo, pelas suas concepções de Deus, substância, ética e afeto. A vida de Spinoza é marcada pela sua excomunhão da religião judaica e banimento da comunidade em que residia. Inclusive, as perguntas sobre Deus e os modos de vida religiosos são preocupações constantes do pensamento spinoziano tomados, como veremos mais adiante, de modo geométrico. Nesse sentido a concepção de Deus figura-se como o eixo central do pensamento de Spinoza, sendo compreendido pelo filósofo da seguinte maneira: “Por Deus compreendo um ente absolutamente infinito, isto é, uma substância que consiste em infinitos atributos, cada um dos quais exprime uma essência eterna e infinita” (SPINOZA, 2017, p. 13). Figura 8: Baruch de Spinoza Fonte: Anônimo (1665) Ademais, o pensamento de Spinoza, por um lado afirma Deus como “a única substância existente” (REALE; ANTISERI, 2005, p. 16) pensando a substância como aquilo que existe dependendo apenas de si mesmo, em suma, Deus é a causa sui (causa de si mesmo) ou, em termos spinozianos, Deus é natura narturans, isto é, “a natureza naturante [...] o que existe em si mesmo e por si mesmo é concebido” (SPINOZA, 2017, p. 35); por outro lado, o filósofo holandês apresenta os modos, “aquilo que existe em outro e que apenas mediante este outro é concebido” (REALE; ANTISERI, 2005, p. 19) e, que, efetivamente, corresponde/define o mundo, a natura naturata, compreendida como “tudo o que se segue da necessidade da natureza 33 de Deus [...] e que, sem Deus, não podem existir nem se concebidas” (SPINOZA, 2017, p. 35). Ao falar do conhecimento, Spinoza compreende três gêneros: a) o conhecimento empírico (opinião e imaginação); b) o conhecimento racional; e o conhecimento intuitivo. O empírico – a primeira forma de conhecimento – é ligado “às percepções sensoriais e às imagens que, segundo Spinoza, são sempre ‘confusas e vagas’” (REALE; ANTISEI, 2005, p. 23) e, restringem-se a concepções particulares e não universalizações da natureza. O conhecimento racional é aquele que se aproxima das determinações matemáticas, geométricas, físicas. Esse conhecimento advindo da razão (ratio) “é a forma de conhecimento que se baseia em ideias adequadas, que são comuns a todos os homens” (REALE; ANTISERI, 2005, p. 23), enfim é um conhecimento adequado, pois é capaz de captar as causas e os nexos causais entre os acontecimentos, superando, ainda, as concepções estritamente particulares do conhecimento empírico. Por sua vez, o conhecimento intuitivo, “consiste na visão das coisas em seu proceder de Deus” (REALE; ANTISERI, 2005, p. 23) e, portanto, é o nível mais alto de conhecimento, pois conhece a partir da ideia dos atributos de Deus. De acordo com Reale e Antiseri (2005, p. 26), na Ética, obra principal de Spinoza, o filósofo procura interpretar os desejos, as paixões e os vícios: [...] segundo um procedimento geométrico, ou seja, do mesmo modo pelo qual dos pontos, das linhas e dos planos se formam sólidos, e destes derivam necessariamente os teoremas relativos. No seu modo de viver, o homem não é uma exceção na ordem da natureza, mas apenas a confirma. (grifos nossos) Trata-se, deste modo, de compreender o ser humano como uma manifestação da natureza e, assim, entender os afetos humanos como potências naturais “resultantes da tendência (conatus) a perseverar no próprio ser por duração indefinida” (REALE; ANTISERI, 2005, p. 26). O importante conceito de conatus, diz respeito a um movimento de conservação e preservação da potência humana em direção à consideração por uma ética na qual os afetos são pensados como determinações naturais e necessárias para a formação do ser humano. Por afetos, Spinoza compreende “as afecções do corpo, pelas quais sua potência de agir é aumentada ou diminuída, estimulada ou refreada, e, ao mesmo tempo, as ideias dessas afecções” (SPINOZA, 2017, p. 98). Com efeito, salienta Leme (2013, p. 211) que: 34 A especificidade da teoria spinozana dos afetos consiste precisamente no princípio central da consideração dos afetos, enquanto coisas naturais, como efeitos regulados e ordenados da potência da natureza e da possibilidade de fazer deles objeto de um estudo plenamente racional, isto é, desprovido de todo julgamento de valor a partir de uma normatividade moral. Outro ponto que deve ser destacado acerca da teoria spinozana exposta na Ética III é seu horizonte ético, que já se coloca para além da ilusão de exercer, pela via da razão, um poder absoluto sobre as paixões. Conhecer as causas e os mecanismos dos afetos, é dar-se os meios por assim dizer de os transformar, em parte, em coisas que nos tragam mais efeitos benéficos do que nocivos. ( grifos nossos) Diante do exposto acima, salientamos a existência, no interior da ética spinozana, de afetos que realizam a “passagem do homem de uma perfeição menor para uma maior”, como a alegria, e afetos que realizam a “passagem do homem de uma perfeição maior para uma menor” (SPINOZA, 2017, p. 141). Deste modo, não se deve compreender a ética spinozana como a confecção de uma teoria na qual os afetos são, violentamente, subjugados ao exercício normativo racionalidade – como o imperativo kantiano, por exemplo – mas sim, como um “esforço intelectual pelo reconhecimento da importância da afetividade para a realização plena da vida” (LEME, 2013, p. 122). 35 Figura 9: Leibniz Bernhard Francke (1729) Gottfried W. Leibniz (1646 - 1716) O filósofo alemão Gottfried W. Leibniz, também se figura entre os importantes nomes da filosofia moderna, principalmente, pela sua tentativa de mediação entre as visões filosóficas de Bacon e de Descartes, conforme ressaltado por Reale e Antiseri. Além disso, a concepção de Mônada, “aquilo que é uno” (REALE; ANTISERI, 2005, p. 43) também contribuiu de modo singular para o desenvolvimento da filosofia moderna. Disponível em: https://bit.ly/3OMnztp. Acesso em: 02 abr. 2021. 36 FIXANDO O CONTEÚDO 1. (UFF – Adaptado). Descartes escreveu o seguinte no Discurso do Método: “Logo que adquiri algumas noções gerais relativas à Física, julguei que não podia mantê-las ocultas, sem pecar grandemente contra a lei que nos obriga a procurar o bem geral de todos os homens. Pois elas me fizeram ver que é possível chegar a conhecimentos que sejam úteis à vida e assim nos tornar como que senhores e possuidores da natureza. O que é de desejar, não só para a invenção de uma infinidade de utensílios, que permitiriam gozar, sem qualquer custo, os frutos da terra e de todas as comodidades que nela se acham, mas principalmente também para a conservação da saúde, que é sem dúvida o primeiro bem e o fundamento de todos os outros bens desta vida.” A partir da colocação acima podemos concluir que: a) O intelecto humano é incapazde conhecer a natureza. b) O conhecimento e o domínio da natureza devem ser empregados para satisfazer as necessidades humanas e aperfeiçoar nossa existência. c) O conhecimento da natureza satisfaz apenas ao intelecto e não é capaz de alterar as condições da vida humana. d) O conhecimento deve ser mantido oculto para evitar que seja empregado para dominar a natureza. e) O conhecimento racional não deve possuir nenhuma relação com a suavização da luta pela sobrevivência. 2. (UNIOESTE). Considerando-se as primeiras linhas das Meditações sobre a filosofia primeira de René Descartes: Há algum tempo dei-me conta de que, desde meus primeiros anos, recebera muitas falsas opiniões por verdadeiras e de que aquilo que depois eu fundei sobre princípios tão mal assegurados devia ser apenas muito duvidoso e incerto; de modo que era preciso tentar seriamente, uma vez em minha vida, desfazer-me de todas as opiniões que recebera até então em minha crença e começar tudo 37 novamente desde os fundamentos, se eu quisesse estabelecer alguma coisa de firme e de constante nas ciências. (...) Agora, pois, que meu espírito está livre de todas as preocupações e que obtive um repouso seguro numa solidão tranquila, aplicar-me-ei seriamente e com liberdade a destruir em geral todas as minhas antigas opiniões. É correto afirmar sobre a teoria do conhecimento cartesiana que a) Descartes não utiliza um método ou uma estratégia para estabelecer algo de firme e certo no conhecimento, já que suas opiniões antigas eram incertas b) Descartes considera que não é possível encontrar algo de firme e certo nas ciências, pois até então esse objetivo não foi atingido. c) Descartes, ao rejeitar o que a tradição filosófica considerou como conhecimento, busca fundamentar nos sentidos uma base segura para as ciências. d) Ao investigar uma base firme e indestrutível para o conhecimento, Descartes inicia rejeitando suas antigas opiniões e utiliza o método da dúvida até encontrar algo de firme e certo. e) Descartes necessitou de solidão para investigar as suas antigas opiniões e encontrar entre elas aquela que seria o verdadeiro fundamento do conhecimento. 3. (UFU - Adaptado). Na obra Discurso sobre o método, René Descartes propôs um novo método de investigação baseado em quatro regras fundamentais, inspiradas na geometria: evidência, análise, síntese, controle. Assinale a alternativa que contenha corretamente a descrição das regras de análise e síntese. a) A regra da análise orienta a enumerar todos os elementos analisados; a regra da síntese orienta decompor o problema em seus elementos últimos, ou mais simples. b) A regra da análise orienta a decompor cada problema em seus elementos últimos ou mais simples; a regra da síntese orienta ir dos objetos mais simples aos mais complexos. c) A regra da análise orienta a remontar dos objetos mais simples até os mais complexos; a regra da síntese orienta prosseguir dos objetos mais complexos aos mais simples. 38 d) A regra da síntese orienta a acolher como verdadeiro apenas aquilo que é evidente; a regra da análise orienta descartar o que é evidente e só orientar-se, firmemente, pela opinião. e) A regra da síntese firma-se na distinção entre as partes provenientes da enumeração dos objetos; a regra da análise fundamenta-se na certeza conferida ao conhecimento pelos sentidos. 4. (ENEM - Adaptada). Nunca nos tornaremos matemáticos, por exemplo, embora nossa memória possua todas as demonstrações feitas por outros, se nosso espírito não for capaz de resolver toda espécie de problemas; não nos tornaríamos filósofos, por ter lido todos os raciocínios de Platão e Aristóteles, sem poder formular um juízo sólido sobre o que nos é proposto. Assim, de fato, pareceríamos ter aprendido, não ciências, mas histórias. DESCARTES, R. Regras para a orientação do espírito. São Paulo: Martins Fontes, 1999. Em sua busca pelo saber verdadeiro, o autor considera o conhecimento, de modo crítico, como resultado da: a) Liberdade do agente moral. b)Autonomia do sujeito pensante. c) Retomada da tradição intelectual. d) Investigação de natureza empírica. e) Imposição de valores ortodoxos. 5. (UFSJ - Adaptada). Ao analisar o cogito ergo sum (penso, logo existo), de René Descartes, conclui-se que: a) A subjetividade científica só pode ser pensada a partir da aceitação de uma relação empírica fundada em valores concreto. b) A existência material confere mais certeza do que o próprio pensamento. 39 c) Descartes consegue infirmar todos os sistemas científicos e filosóficos ao lançar a dúvida sistemático-indutiva respaldada pelas ideias iluministas e métodos incipientes da revolução científica. d) Descartes conclui que existe a partir da observação empírica do pensamento de outras pessoas. e) O pensamento é algo mais certo que a própria matéria corporal. 6. O pensamento de Spinoza possui Deus como eixo central. Sendo assim, Deus é compreendido pelo filósofo da seguinte maneira: a) Uma matéria não existente e, portanto, distante dos humanos. b) Deus é substância finita e perecível. c) Deus é substância infinita, eterna e essencial para os demais existentes. d) Deus é um ente enganador e, portanto, um gênio maligno. e) Deus é pura dependência de outras substâncias, portanto, nunca poderá ser pensado como causa sui. 7. Assinale abaixo a definição de conhecimento empírico, de acordo com Spinoza. a) O conhecimento empírico é aquele que se aproxima das determinações matemáticas, geométricas, físicas. b) O conhecimento empírico é o nível mais alto de conhecimento, pois conhece a partir da ideia dos atributos de Deus. c) O conhecimento empírico é inato aos seres humanos. d) O conhecimento empírico remete-se às percepções sensoriais e às imagens que são sempre confusas e vagas. e) O conhecimento empírico é o produto da certeza do cogito. 8. O conatus, de Spinoza, pode ser pensado como: a) A tendência à dissolução das potências humanas ligadas aos afetos. b) A tendência da racionalidade normativa e imperativa em considerar os afetos formas errôneas de conhecimento. c) A tendência à preservação das potencias humanas ligadas aos afetos. 40 d) A tendência do pensamento em afirmar-se a si mesmo como inatismo subjetivista. e) A tendência dos afetos em colocarem-se submissos às potências da racionalidade. 41 A MODERNIDADE E O EMPIRISMO INGLÊS 3.1 FRANCIS BACON E O MÉTODO EMPÍRICO O período moderno, no qual a filosofia encontrou-se em ampla movimentação, sobretudo, pela perspectiva que a relaciona diretamente ao desenvolvimento da ciência moderna. Nesse sentido, não apenas a defesa de uma ideia de razão inata ao ser humano – próprio do pensamento de Descartes que, consequentemente, descartava os sentidos como produtores de conhecimento, centrando o conhecimento na autonomia subjetiva da razão –, mas também a compreensão do conhecimento (da ciência/da filosofia) provinda da experimentação/observação sensível do mundo tem uma relevância significativa para a fundamentação do mundo e da epistemologia moderna. É evidente, portanto, que falamos do empirismo moderno, isto é, da concepção epistemológica de que o conhecimento provém, em primeira medida, da observação atenta e da experimentação da realidade natural. Logo de início, o empirismo alia-se ao método científico na certeza da obtenção do conhecimento através de uma razão orientada pelo método de observação da natureza. Assim, conhecer, nos dizeres do empirismo, é, sobretudo, observação, experimentação e labor intelectual. UNIDADE 01 42 No hall dos grandes filósofos empiristas, o britânico Francis Bacon (1561 – 1626) merece o destaque inicial, podendo, inclusive, “ser considerado o introdutor do método experimental indutivo moderno” (NETO, 2014, 41). Em outros termos, Bacon foi o responsável pelo direcionamento metodológico da indução, compreendido como o raciocínio que considera uma série de observações sensíveis individuais para, finalmente, concluir uma verdadegeral. Falamos deste modo, que o método indutivo vai do particular (individual) ao geral mediante a observação e a experimentação da natureza. Chauí (2000) ao definir o modelo experimental indutivo salienta que esse modelo procurava, principalmente, o estabelecimento de “leis causais necessárias e universais para os fenômenos humanos” (CHAUÍ, 2000, p. 345). O pensamento de Bacon irá se desdobrar na configuração de um método empírico que, a partir da observação da natureza, torne possível a interpretação do natural e o desvelamento de seus direcionamentos práticos. Nesse sentido, trata-se de aplicar a razão à experiência e, finalmente, de dominar a natureza, pois, nos dizeres de Bacon: saber é poder. Deste modo, “o saber deve ser aplicado ao mundo prático, ele não deve ter valor apenas em si mesmo. Ele deve propiciar ao homem maior poder sobre a natureza.” (NETO, 2014, p. 44) Figura 10:Empirismo (Meyers) Plataforma Pearson (2021) Sobre a determinação central do empirismo e da justificativa das existências empiricamente experimentadas que, sem dúvida ecoam como críticas ao cogito cartesiano, Meyes (2017) acrescenta: “Uma palavra deve ser dita sobre a existência real. Pra algo ser real deve existir independentemente do que qualquer pessoa pensa a respeito ou, como colocam os escolásticos, de qualquer consideração intelectual, ao passo que ideal é a existência apenas no pensamento.” (MEYERS, 2017, p. 09). Disponível em: https://bit.ly/3RgL9jJ. Acesso em: 02 abr. 2021. 43 Figura 11: Francis Bacon Fonte: Acervo pessoal do Autor (2021) A teoria baconiana coloca o sujeito como o grande intérprete do natural e, por consequência, como aquele responsável por orientar a racionalidade na compreensão prática da natureza. Entretanto, para que isso ocorra é necessário, conforme apontado por Bacon na obra Novum Organum, de 1620, na qual o filósofo pretende, não apenas propor uma ciência construtiva, mas também destrutiva, ou seja, capaz de destruir os empecilhos ao conhecimento humano. Iniciando, assim, com a destinação construtivista da ciência, Bacon determina uma metodologia da experiência, isto é, um caminho seguro para a fundamentação do método experiencial empírico. Assim, o rigoroso método baconiano para uma ciência construtivista, segundo Chauí (2016), pode ser dividido em três etapas capazes de organizar o conhecimento: em primeiro lugar, deve-se: 1) “organizar e controlar os dados do conhecimento sensível por meios de procedimentos adequados de observação e de experimentação” (CHAUÍ, 2016, p. 154); em segundo lugar, 2) “organizar e controlar os resultados da observação e dos experimentos para chegar a conhecimentos novos ou à formulação de teorias verdadeiras” (CHAUÍ, 2016, p. 154); e, finalmente, 3) “desenvolver procedimentos adequados à aplicação prática dos resultados teóricos” (CHAUÍ, 2016, p. 154). A partir dessas colocações, podemos concluir que os procedimentos metodológicos de Bacon constituem-se do seguinte modo: a) a fundamentação de uma hipótese, ou seja, explicitação do problema a ser empiricamente investigado; b) a verificação, em outras palavras, a documentação das experiências e das observações apropriadas; para c) a construção de bases sólidas, resultados da 44 observação e da experimentação metódica que, ao fim e ao cabo, compreendem o fenômeno observado; d) o axioma que se define como a determinação de leis/regras gerais para as novas experiências científicas, ou como proposto por Chauí, o axioma é “um princípio cuja verdade é indubitável [...] servindo de fundamento às demonstrações” (CHAUÍ, 2000, p. 332). Finalmente, o método experimental de Bacon tem como aspecto fundamental a construção dos axiomas, isto é, das leis e regras gerais para a fundamentação do conhecimento, após o percurso de observação e experimentação. Diante disso, podemos salientar que o progresso científico se dá por meio da construção empírica das regularidades (axiomas) capazes de se consolidarem como leis universais para o conhecimento científico. Contudo, para que a ciência progrida faz-se necessária a destruição dos antigos ídolos que se figuravam como empecilhos ao conhecimento científico. Falsas noções que impediam o pleno desenvolvimento da ciência. Deste modo, de acordo com Bacon: Os ídolos e as falsas noções que ora ocupam o intelecto humano e nele se acham implantados não somente obstruem o obstruem a ponto de se difícil o acesso da verdade, como, mesmo depois de seu pórtico logrado e descerrado, poderá ressurgir como obstáculo à própria instauração das ciências, a não ser que os homens, já precavidos contra eles, se cuidem o mais que possam. (BACON, 2003, p. 14) Trata-se, em um movimento próprio do Iluminismo, da superação das tradições e dos preconceitos anteriores para finalmente ser possível estabelecer as bases metodológicas para o encontro do conhecimento verdadeiro e indubitável. Ademais, Neto (2014) salienta que os “ídolos, para Bacon, são de quatro tipos: ídolo da tribo, ídolo da caverna, ídolo do foro e ídolo do teatro.” (NETO, 2014, p. 45) Quadro 1: A teoria dos ídolos de Francis Bacon TIPO DE ÍDOLO DESCRIÇÃO/CONCEITUAÇÃO Ídolo da tribo (ou tribais) Opiniões próprias da natureza humana geral. Ídolos da caverna Opiniões particulares e individuais decorrentes de erros dos sentidos. Ídolos do foro (ou fórum) Opiniões errôneas advindas das dificuldades de comunicação com os outros. Ídolos do teatro Opiniões e erros decorrentes das autoridades (religião/filosofia/etc.) que legislam através da imposição de seus pontos de vista. Fonte: Adaptado de CHAUÍ, M. (2000) 45 3.2 JOHN LOCKE E O EMPIRISMO O empirista John Locke (1632 - 1704) é um dos mais importantes nomes da filosofia inglesa e, consequentemente, do pensamento moderno não apenas no que diz respeito à epistemologia, como também na configuração de uma teoria política sobre o Estado moderno. Locke é conhecido, principalmente, pela famosa determinação de que o ser humano é tábula rasa, isto é, nascemos desprovidos de qualquer conhecimento que somente pode ser obtido a posteriori ou, em outros termos, apenas após a experiência que travamos com o mundo, com os outros e com a realidade observável. Figura 12: John Locke Fonte: Godfrey Kneller (1779) Dando início à apresentação do pensamento de Locke faz-se de suma importância o percurso pela sua obra principal, Ensaio acerca do entendimento 46 humano, de 1690, na qual o pensador procura afirmar a centralidade da experiência na construção do conhecimento racional, assim, segundo Locke (1999, p. 57): Todas as ideais derivam da sensação ou da reflexão. Suponhamos, pois, que a mente é, como dissemos um papel em branco, desprovida de todos os caracteres, sem nenhuma ideia; como ela será suprida? De onde lhe provem este vasto estoque, que a ativa e que a ilimitada fantasia do homem pintou nela uma variedade quase infinita? De onde apreende todos os materiais da razão e do conhecimento? A isso respondo, numa palavra: da experiência. (grifos nossos) A colocação acima pode ser compreendida, a princípio, como a crítica de Locke à noção do inatismo da razão que, em suma, compreende a razão como um “depósito do conhecimento conhecendo proposições verdadeiras antes dos dados experimentais e, portanto, independentemente deles” (SHERIDAN, 2013, p. 19-20) Trata-se, deste modo, para o filósofo inglês, da superação da noção inatista da racionalidade em prol da compreensão de que a mente (a razão) é, sem a experiência, uma folha em branco (uma tábula rasa) desprovida de qualquer conteúdo; ao passo que, apenas a experiência pode, finalmente, conceder à racionalidade qualquer possibilidade de conhecimento. Em resumo: a razão nos fornece conhecimento provindo da experiência e não além dela, logo, todo o conhecimento, de acordo com Locke, fundamenta-se a posteriori. Ademais, o empirismo de Locke fundamenta-se como uma atividade crítica que coloca em questão a incapacidade de justificação prática da concepção de umaracionalidade inatista, pois se fazem necessárias a justificação e a demonstração científica para a determinação efetiva do conhecimento verdadeiro. Podemos, portanto, afirmar o posicionamento de Locke como partidário de uma filosofia experimental. As ideias, no pensamento de Locke, não são construtos de uma racionalidade ideal desprovida de relações com os sentidos ou sensações, mas, pelo contrário, as ideias são “os conteúdos básicos da consciência humana” (SHERIDAN, 2013, p. 27). De fato, para Locke as ideias são objetos que se oferecem imediatamente à percepção que, posteriormente, faz com que a mente (a racionalidade) se coloque em funcionamento. Nesse sentido, esclarece Sheridan (2013, p. 27-28) que: Na concepção de Locke, a mente é capaz de pensar por disposição, mas não consegue fazer isso enquanto não for suprida com ideias. A mente adquire ideias através de duas rotas experienciais: a sensação ou a reflexão. [...] Quando a mente recebe uma ideia da sensação, ela começa a considerar, a raciocinar, lembrar, acreditar e todas as 47 outras operações mentais de que ela é capaz. Ao voltar seu olhar para dentro, por assim dizer, a mente também percebe estas próprias operações, e, portanto, explica Locke, “supre-se de um novo conjunto de ideias que chamo de ideias de reflexão”. Esse conjunto inicial de ideias advindas da sensação e da reflexão é chamado por Locke de ideias simples (qualidades primárias). As ideias simples são adquiridas pelos sentidos/sensações, tais como as ideias de claro e escuro (visão), de suave e dureza (tato), de perfume (olfato), a azedo e o doce (paladar), etc., ideias que, por sua vez, relacionam-se diretamente com os cinco sentidos e, por isso, são fundamentais. Ademais, as ideias de sensação são organizadas pelas ideias de reflexão quando são identificadas na mente, tratando-se, da experiência de novas operações mentais. Há, contudo, outro conjunto de ideias conceituadas por Locke, as ideias complexas que, de acordo com Sheridan (2013, p. 29) “são ideias ou de modos, ou de substâncias ou de relações”. De início as ideias complexas podem ser compreendidas como a combinação das ideias simples de sensação e de reflexão, ou seja, trata-se, ainda, da ação reflexiva (operação mental) do entendimento para a subtração dos erros na combinação das ideias simples. O pensamento de Locke não é importante apenas no campo da teoria do conhecimento, como também possui grande relevância no pensamento político moderno. Locke é um teórico do liberalismo político que ao propor a descentralização do poder, se coloca contrário ao antigo absolutismo ou a Figura 13: Locke Guia do Estudante (Online) 48 compreensão do poder estatal centralizado na figura do soberano, pois, a filosofia de Locke enfatiza que o “poder emana do povo e não é concedido por Deus para alguns poucos privilegiados” (STANGUE, 2017, p. 137). Como se sabe, a perspectiva política de Locke enquadra-se na famosa corrente contratualistas, típica dos desenlaces políticos da modernidade. Nesse sentido, a ideia de Estado de natureza se faz de extrema importância, uma vez que [...] na concepção lockiana do estado de natureza, os homens são todos iguais e têm os mesmos direitos. O critério para a igualdade é a racionalidade. Se todos os homens são racionais e se a racionalidade é o que os torna humanos, então todos nascem com as mesmas características, no tocante ao critério de humanidade. Desse modo, todos têm alguns direitos naturais, como os direitos à vida, à liberdade (independência) e à propriedade. (STANGUE, 2017, p. 138) Ou seja, a perspectiva contratualistas de Locke parece advogar em prol da preservação da liberdade no centro da nascente sociedade civil através de contratos e regulamentações legais capazes de garantir como intocáveis os diretos naturais e, para tanto, faz-se necessário, de antemão, a superação de qualquer estado de despotismo, uma vez que qualquer “monarquia absoluta [...] é de fato incompatível com a sociedade civil e, portanto não pode ser, de modo algum, uma forma de governo civil” (LOCKE, 2005, p. 461). Ademais, com a instituição da regulamentação da sociedade civil centrada na garantia das liberdades individuais tem se o reforço do “caráter democrático do pensamento de Locke” (STANGUE, 2017, p. 139). 49 3.3 DAVID HUME: INVESTIGAÇÕES SOBRE O ENTENDIMENTO HUMANO O pensamento de David Hume (1711 – 1776) parte do princípio da tentativa de superação dos antagonismos existentes entre os racionalistas e os empiristas. Frente a isso, as relações entre as experiências, as impressões, o hábito e o entendimento são fundamentais para a compreensão das Investigações sobre o entendimento humano, de 1748, e no Tratado da natureza humana, escrita entre 1739 e 1740, obras centrais do pensamento humeniano. Logo de partida é interessante ressaltar que a obra de Hume gira em torno de um ceticismo radical, compreendido como a suspensão de todas as certezas e princípios filosóficos/científicos que antes fomentavam o caminho para a compreensão humana da realidade. As únicas coisas, portanto, que se colocavam como suficientemente comprováveis para a instauração segura do conhecimento eram as sensações. Sendo assim, Pequeno (2013) salienta que para Hume: Figura 14: Tópicos de filosofia moderna Plataforma Pearson (2021) O contrato social que rege a sociedade lockiana tem como objetivo central “a proteção da vida, da liberdade e da propriedade” (STANGUE, 2017, p. 142). Deste modo, a noção de propriedade assume a primazia nas determinações políticas de Locke, pois inclusive a vida (a pessoa) é considerada a primeira das propriedades individuais. É evidente que a consideração pela propriedade faz parte das modificações históricas propostas pelas Revoluções Burguesas que foram as maiores responsáveis pela queda do absolutismo e pela introdução de um novo modelo social que, séculos mais tarde, irá culminar no modelo social/econômico capitalista. Sobre esse assunto é interessante indicar a obra de Fábio Stangue (2017), Tópicos de filosofia moderna. Disponível em: https://bit.ly/3Rhj8Iw. Acesso em: 02 abr. 2021. 50 [...] nada do que é sensorial deve nos ser estranho. Somos homo sentiens, antes de nos tornarmos homo sapiens. “A razão é escrava das paixões”, dizia ele com a coragem dos sábios. Hume, com isso, confere uma nova dignidade a nossa experiência de mundo e nos coloca em face das sensações que nos animam. “Sinto, logo existo”, poderia ele dizer como uma retaliação possível ao cogito cartesiano e ao seu culto exacerbado nos poderes da razão. (PEQUENO, 2013, p. 09 – grifos nossos) É possível determinarmos que o pensamento do filósofo escocês, como nos demais empiristas, adota como núcleo a profusão das sensações para a construção do conhecimento, Para Hume, portanto, o ponto fixo para a investigação sobre o conhecimento e as possibilidades do conhecer dão-se, sobretudo, por meio das sensações obtidas pelas experiências dos sentidos. Assim, Hume recupera o sentido fundamental do sensível – já previamente existente em Aristóteles – como ponto de partida para o entendimento e o exercício racional. Antes de adentrarmos na perspectiva humeniana para o conhecimento, é importante ressaltar que Hume insere-se em uma forte crítica às concepções da metafísica, principalmente, por julgar impossível qualquer sustentação/justificação transcendental da metafísica que, ao fim e ao cabo, em nada corresponderia às determinações da realidade natural/sensorial/material que, como vimos acima, é fundamental para toda e qualquer determinação do conhecimento. Figura 15: Como ser cético com relação ao ceticismo? Cético (Online) 51 Chauí (2000) afirma que a filosofia de Hume se encontra entre dois períodos centrais da história da metafísica e que, consequentemente, fornece as bases para a crítica e a derrocada da metafísica empreendida por Immanuel Kant. Nesse sentido, de acordo com Chauí o pensamento de Hume “demonstra que os conceitos metafísicos
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