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MARIA RITA PEREIRA XAVIER O amor em tempos de internet: as expectativas amorosas na Rede Social Badoo Natal/RN, 2014 Ficha Catalográfica elaborada pela Bibliotecária Maria das Dores da Rocha Medeiros-CRB-15/0544 X3a Xavier, Maria Rita Pereira. O amor em tempos de internet: as expectativas amorosas na Rede Social Badoo / Maria Rita Pereira Xavier. – Natal: 2014. 109 f. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, Natal, 2014. Orientador: Prof. Dr. Alexsandro Galeno Araújo Dantas. 1. Internet. 2. Relacionamentos amorosos. 3. Modernidade líquida. I. Dantas, Alexsandro Galeno Araújo. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título. CDU 316.472.4 MARIA RITA PEREIRA XAVIER O amor em tempos de internet: as expectativas amorosas na Rede Social Badoo Dissertação apresentada como requisito parcial à obtenção do título de Mestre, Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Orientação do professor Dr. Alexsandro Galeno Araújo Dantas. Natal/RN, 2014 MARIA RITA PEREIRA XAVIER O amor em tempos de internet: as expectativas amorosas na Rede Social Badoo BANCA EXAMINADORA Prof. Dr. Alexsandro Galeno Araújo Dantas – PGCS/UFRN Orientador Profa. Dra. Kenia Maia – PPGEM/UFRN Examinador interno Profa. Dra. Vergas Vitória Andrade da Silva – IFRN Examinador externo Prof. Dr. Orivaldo Pimentel Lopes Júnior – PGCS/UFRN Examinador interno (Suplente) Natal, Março de 2014 DEDICATÓRIA A Rita Eulália, Pedro, Conceição, Maria Clara e Matheus. Com amor. AGRADECIMENTOS Agradeço imensamente aos meus pais, Pedro e Conceição, por me proporcionarem os meios para chegar até o Mestrado, pelos esforços e renúncias realizados em meu benefício, e sei que não foram poucos. Muito obrigada Painho e Mainha. Agradeço a minha família, aos meus irmãos Maria Clara e Matheus pela companhia diária (e por me desconcentrar sempre que podiam também); aos meus tios Tota, Arlete e Izabel pela constante disponibilidade em ajudar no que for preciso. Agradeço aos meus amigos e companheiros de pós-graduação, Ana Eliza Soares e Thiago Tavares por estarem sempre presentes pro que der e vier. Agradeço ao meu Orientador Alex Galeno, por me auxiliar a encontrar meu caminho na Sociologia, pela paciência e estímulo sempre que necessário. Agradeço a Kenia Maia e Vergas Vitória por estarem presentes na minha banca e também por terem acompanhado e aconselhado academicamente meu trabalho desde a banca de pré-qualificação até a banca de defesa. A todos, os meus sinceros agradecimentos. Maria Rita Pereira Xavier RESUMO A pesquisa propõe-se a analisar o fenômeno dos relacionamentos amorosos através da observação da Rede Social Badoo. Como meio para atingir este objetivo, foram realizadas entrevistas qualitativas em profundidade on-line. O principal questionamento é entender como se configuram as expectativas amorosas na modernidade líquida. Agregado a isto ainda há como categorias de análise a visão sobre relacionamentos e as experiências amorosas proporcionadas pelo uso da Rede Social Badoo. São três as hipóteses iniciais: 1) vivencia-se um momento de transição, no qual o amor líquido nos termos propostos por Bauman (2004) estaria ganhando terreno e, como consequência, os relacionamentos estariam se apresentando mais curtos, mais abertos e com outras propostas interativas para as relações. 2) As práticas de consumo da modernidade líquida conseguem interpelar as práticas relacionais moldando-as de acordo com a sua lógica. 3) Supõe-se que o raciocínio, inerente ao mercado, do uso seguido do descarte se instala no comportamento social e que esta prática é acentuada pela tecnologia, através do uso da internet para o estabelecimento de relacionamentos amorosos. A análise empírica demonstra que tanto a visão sobre os relacionamentos quanto as expectativas amorosas na modernidade líquida têm como referência o modelo de relacionamento amoroso sólido, inerente à modernidade tradicional. Todavia demonstra também que as experiências e práticas amorosas remetem ao modelo de relacionamento líquido. Portanto, a partir dessas afirmações defende-se que há na modernidade líquida a coabitação dos modelos líquido e sólido de relacionamentos amorosos. Em resumo, esta pesquisa tem o intuito de compreender os relacionamentos amorosos contemporâneos através do espectro das relações que se desenvolvem na Rede Social da internet: Badoo. Palavras-chave: Expectativas. Experiências. Relacionamentos amorosos. Badoo. Modernidade líquida. ABSTRACT This research aims to examine the phenomenon of sexual relations by observing the Social Network Badoo. As a means to achieve this objective, qualitative in-depth interviews were conducted online. The main question is to understand how the amorous expectations in the liquid modernity are configured. Added to that, there is as analysis categories the insight about relationships and the love experiences provided by the use of the Social Network Badoo. There are three initial hypotheses: 1) a time of transition is experienced, in which the liquid love in the proposed terms by Bauman (2004) was gaining ground and, as consequence, the relationships would be presenting themselves shorter, more open and with another interactive proposals for the relations. 2) The consuming practices of the liquid modernity can interpellate the relational practices molding them according to your logic. 3) It is assumed that the reasoning, inherent to the market, of the use followed by the disposal settles itself in the social behavior and this practice is accentuated by technology, through the use of the internet for the establishment of romantic relationships.the empirical analysis shows that both the vision on relationships as the amorous expectations in liquid modernity have as references the model of solid loving relationship, inherent to the traditional modernity. However it also demonstrates that the romantic experiences and practices refer to the liquid relationship model. Therefore, from these statements it is argued that there is in liquid modernity the cohabitation of the liquid and solid models of romantic relationships. In summary, this research aims to understand the contemporary love relationships across the spectrum of relationships that develop on the Internet Social Network: Badoo. Keywords: Expectations. Experiences. Romantic relationships. Badoo. Liquid Modernity ÍNDICE DE FIGURAS, TABELAS E QUADROS FIGURAS Figura 1: Perfil da pesquisa no Badoo _____________________________________ 37 Figura 2: Perfil de usuário ______________________________________________ 42 Figura 3: Ferramenta síncrona de aproximação do sistema: mensageiro instantâneo _ 46 Figura 4: Ferramenta Assíncrona - Comentários _____________________________ 47 Figura 5: Ferramenta Assíncrona: jogo Encontros ____________________________ 48 TABELAS Tabela 1: Perfis participantes da pesquisa __________________________________ 41 Tabela 2: Descrição dos perfis ___________________________________________ 44 QUADROS Quadro 1: (Opinião) relacionamentos mais comuns no Badoo __________________ 65 SUMÁRIO ENTER ____________________________________________________________ 10 Start _____________________________________________________________ 11 Sobre os relacionamentosamorosos ___________________________________ 15 Sobre a modernidade líquida _______________________________________________ 22 Sobre as categorias _______________________________________________________ 26 SEARCH IN _________________________________________________________ 29 Sobre o Badoo _____________________________________________________ 34 Sobre a pesquisa empírica ___________________________________________ 37 Sobre Perfis _______________________________________________________ 42 SIGN IN ____________________________________________________________ 50 Os relacionamentos amorosos no Badoo ______________________________________ 51 1) Visão: o que se pensa sobre relacionamentos no Badoo _________________ 51 2) As expectativas no Badoo __________________________________________ 57 2.1) As expectativas: o que se procura no Badoo? _______________________________ 57 2.2) As expectativas: o que se encontra no Badoo? __________________________ 64 2.3) As expectativas: a flecha do consumo perpassa as relações no Badoo? _______ 69 3) As experiências __________________________________________________ 73 3.1) O comportamento on-line na Rede Social Badoo ___________________________ 73 3.2) As experiências dos usuários entrevistados no Badoo ________________________ 84 SIGN OUT __________________________________________________________ 96 Apontamentos finais ________________________________________________ 97 Apontamentos futuros _____________________________________________ 103 ANEXOS __________________________________________________________ 109 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ___________________________________ 106 10 ENTER “Enquanto o mundo vive lá fora, dentro de cada um tem um pedaço do outro. E mesmo sorrindo por ai, cada um sabe a falta que o outro faz.” Tati Bernardi 11 Start O ritual era quase sempre o mesmo, acordar, escovar os dentes e ligar o computador. E só se notava que não era algo natural quando a luz ou a internet caia e quebrava aquela rotina. Fazia-se parte de uma geração que tem um membro a mais, talvez se possa ousar a descrever desse modo. Uma invenção que chegou há duas décadas e tornou-se uma parte inseparável a ponto de ser feita uma comparação assim, tão radical. Esta pode ser tanto a descrição da minha rotina quanto a de milhões de outras pessoas que coabitam na modernidade líquida. A internet sempre me encantou, mas nas Ciências Sociais tem certo mantra que persegue os estudantes, especialmente os da graduação, “você não pode estudar aquilo que lhe é muito próximo, você precisa se distanciar do objeto”. O final da história, todos provavelmente já conhecem, pois sempre se acaba estudando aquilo pelo qual se é apaixonado e pronto. E está aí outra coisa pela qual eu me interessava profundamente, paixões. Os mais próximos também já sabiam, se alguém tivesse uma história de amor, um caso, um lance ou qualquer coisa do tipo e estivesse disposto a contar, lá estaria eu pra ouvir e falar no assunto. A partir disso passei a perceber que as histórias eram sempre muito parecidas, especialmente as que não deram certo, mas os motivos do ponto de vista social não estavam muito claros. Afinal deveria haver uma resposta para entender o porquê dos relacionamentos amorosos se mostrarem tão difíceis de compreender. No entanto, o primeiro projeto tratava sobre relações de amizade no Facebook, pois a curiosidade sociológica era entender de onde vinha à dependência da sociedade atual pelas redes sociais. Logo percebi que, do ponto de vista metodológico, o Facebook seria inviável, pois a rede é muito fechada entre pessoas que já se conhecem. Diante desse entrave metodológico, surgiu como novo campo empírico escolhido para a pesquisa uma rede que possui a proposta de aproximar pessoas desconhecidas que estão à procura de relacionamentos, o Badoo. A partir da delimitação do campo, percebi a necessidade de utilizar outra estratégia e até outras perguntas para conseguir responder a inquietação que se tratava dos problemas recorrentes nas relações amorosas atuais. 12 Já dizia o poeta “Caminhante não há caminho, se faz caminho ao andar” 1e desse modo o objetivo de pesquisa foi se materializando. O recorte se deu sobre quais as expectativas das pessoas a respeito dos relacionamentos amorosos na contemporaneidade, para compreender os laços sociais frágeis que segundo Bauman (2004) se inauguram na modernidade líquida. Todavia, se tiver havido um estopim para este trabalho, dir-se-ia que Bauman (2004) foi o responsável por adicionar a pólvora. O ensaio sobre a fragilidade dos laços humanos na modernidade líquida, contido em Amor líquido (2004) desencadeou o interesse sociológico pelo tema dos relacionamentos amorosos na atualidade. Tema este que foi aliado às relações sociais na internet. Assim nasceu este trabalho, com a pretensão de analisar as relações amorosas na contemporaneidade através da internet. *** O presente trabalho apresenta uma ordem organizacional ligeiramente distinta da maioria das dissertações de Mestrado. As mudanças são poucas, mas são justificadas porque se tem a proposta de expor a pesquisa através de um modo relacional mais dinâmico entre teoria e empiria. Não há, por exemplo, uma parte especificamente introdutória; visto que a tarefa de introdução do trabalho é designada pelo presente capítulo, denominado Enter. Nesta parte tratar-se-á de alguns dos elementos que permeiam o contexto teórico no qual a pesquisa está baseada. São, por exemplo, as definições sobre o que se entende por amor, emoções, relacionamentos afetivos e também o contexto geral no qual se insere a concepção de Bauman (2001) sobre a modernidade líquida. Neste capítulo também estão explicitadas as informações pertinentes sobre quais os objetivos, hipóteses e categorias que tornaram possível a realização da análise empírico-teórica desta dissertação. 1“(...) caminante, no hay camino, se hace camino al andar (...)” – Provérbios e Cantares – Antonio Machado (1875 – 1939) 13 Todavia, o principal aspecto diferenciador na estrutura do trabalho é a proposta de mesclar teoria e empiria ao longo de todo o percurso da dissertação. Para desvendar quais os modelos de relacionamentos amorosos preponderantes atualmente e sob quais ideais de amor esses modelos estão baseados, relaciono e exponho os aspectos teóricos de análise diretamente a partir dos depoimentos recolhidos na pesquisa qualitativa executada no Badoo. O resultado desta mistura é que não há capítulos tão específicos de descrição empírica e análise teórica; ainda que em alguns momentos a empiria esteja em maior destaque e em outros a teoria se sobressaia mais. Por exemplo, no segundo capítulo denominado Search In, será explanado discussões teóricas sobre o papel fundamental da tecnologia e da mudança nos modelos de interação social depois do advento da comunicação através da internet. Pois, entende- se que a rede ao promover uma grande possibilidade de contato entre as pessoas alterou o modo como às relações afetivas são iniciadas, mantidas e encerradas. De acordo com este pressuposto teórico, realizo ainda neste capítulo a descrição da rede social da internet Badoo e explicito o porquê de esta rede social ter sido escolhida como campo empírico para a pesquisa. São apresentados os dados recolhidos sobre as funcionalidades da sua plataforma e de que maneira essas ferramentas interferem nas interações estabelecidas entre os usuários. Em seguimento a isto, apresento a metodologia utilizada, o passo-a-passo da pesquisa empírica e as especificidades com as quais me deparei no decorrer do tempo em que estive presente no Badoo. No capítulo seguinte denominado Sign In, será demonstrada a pesquisa realizada, através da descrição de cada uma das categorias utilizadaspara a realização da análise dos dados empíricos. Visão, Expectativas e Experiências dos usuários da rede social Badoo são as categorias apresentas com o objetivo de demonstrar empiricamente os objetivos e hipóteses que fecundaram esta dissertação. A principal característica é que empiria e teoria são mobilizadas simultaneamente nos resultados da análise que são descritos ao longo do capítulo. As definições teóricas trabalhadas se baseiam, principalmente, no conceito de liquidez em Zygmunt Bauman (2001) e nas proposições decorrentes deste conceito aplicado aos relacionamentos amorosos, que estão expressas em Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos (2004). A principal justificativa para esta escolha se dá pela exposição das especificidades da modernidade líquida e das mudanças culturais estabelecidas nas últimas décadas pelo advento de 14 fatores como o consumo2 e a tecnologia. Fazem-se presentes explanações sobre a proximidade virtual e as características da tecnologia as quais se atribui o seu sucesso. A partir do entendimento dos processos sociais que levaram a tecnologia a se instaurar no cotidiano dos indivíduos da sociedade líquido moderna, autores como Bauman (2011), Sloterdijk (2006), Santaella (2007) e Turkle (2012) são mobilizados em uma tentativa de entender quais as consequências do advento das novas tecnologias, especialmente das Redes Sociais da internet, para o futuro das relações afetivas. No capítulo conclusivo Sign Out, são apresentadas notas conclusivas a respeito de cada uma das categorias analisada durante o processo empírico deste trabalho, através da reflexão sobre os objetivos já alcançados por esta pesquisa, dos desafios incitados a partir do seu empreendimento e das possíveis formais com as quais se poderá dar continuidade à este estudo. 2 Consumo aqui entendido nos parâmetros da obra de Zygmunt Bauman. 15 Sobre os relacionamentos amorosos “O que é o amor?” Bem, eu gostaria de conseguir definir propriamente, mas essa é uma das perguntas milenares da humanidade e acredito que possui tantas respostas quanto o número de habitantes do planeta Terra. Deste modo, o que me cabe é tentar apreender “Como está o amor?” em termos sociais e culturais na contemporaneidade. Entendo que pensar através deste pressuposto, seria pensar o amor como estar mais do que como ser; é muito comum que se confunda o uso dos verbos Ser e Estar, usando-os como se fossem sempre a mesma coisa, mas até mesmo no inglês aonde são o mesmo verbo (To be), ainda assim possuem significados distintos. O Ser é permanência3. O Estar é condição4. Nós, humanos, “somos” seres que “estão” com os outros, visto que os relacionamentos desde a mais tenra infância nos constroem socialmente. Não existem dúvidas de que o ser humano depende das conexões que estabelece socialmente para progredir nem de que há inúmeras maneiras de afetar e ser afetado pelo outro. De acordo com Bauman (2011), o contato é indispensável para a sobrevivência humana, a possibilidade de estar a sós nos apavora, por isto procuramos a todo o momento nossos pares, sempre na esperança de estabelecermos conexões. No entanto, este não é um fenômeno recente eis que acontece desde os tempos mais remotos. Sloterdijk (2006) corrobora ao definir o humano como o ser que só existe a partir do contato com o outro. Por sermos configuradores e habitadores de esferas, somos também seres culturais, que criam zonas de imunidade a partir de relações de aproximação e afastamento com os outros. Para Le Breton (2009), o homem está afetivamente presente no mundo e a existência é um fio contínuo de sentimentos mais ou menos vivos ou difusos, que podem mudar e se contradizer com o passar do tempo e de acordo com as circunstâncias. Este autor define concisamente a perspectiva na qual se entende o 3 Do Aurélio: 26. Filos. O que se põe como existente. Dicionário de Filosofia (1) afirma a existência, a realidade atual de uma coisa. o fato ou ato de ser. "Esta proposição: Eu sou, eu existo, é necessariamente verdadeira todas as vezes que a pronuncio ou que a concebo em meu espírito" (Descartes). 4 Ser em um dado momento; achar-se (em certa condição). 16 sentimento e a emoção neste trabalho. Entende-se o sentimento como a tonalidade afetiva aplicada sobre um objeto, a qual é marcada por sua duração e por ser homogênea em seu conteúdo senão em sua forma; e que manifesta “uma combinação de sensações corporais, de gestos e de significados culturais apreendidos por intermédio das relações sociais”. Já a emoção é a própria propagação de um acontecimento passado, presente ou vindouro, real ou imaginário, na relação do indivíduo com o mundo; consiste num momento provisório, originando-se de uma causa precisa onde o sentimento se cristaliza com uma intensidade particular. São exemplos de emoção a alegria, a cólera, o desejo, a surpresa ou medo. A emoção preenche o horizonte, ela é breve e explícita em seus termos gestuais; o sentimento instala a emoção no tempo. São exemplos de sentimento o ressentimento, o sofrimento, a simpatia, o amor, etc. Em resumo, sentimento e emoção nascem de uma relação sujeito-objeto, baseada sobre um repertório cultural que distingue as diferentes camadas da afetividade, misturando as relações sociais e os valores culturais ativados pelos sentidos. (Le Breton, 2009, p.114). Os relacionamentos, por serem portadores de sentimento e emoção também se localizam sob a égide das circunstâncias culturais e sociais, e pode-se afirmar que estes não são sempre os mesmos, não têm obrigatoriamente o mesmo impacto e, principalmente, não são imutáveis em seus conteúdos e formas. Se os relacionamentos, especificamente os amorosos, podem ser entendidos como um status 5 significa dizer que as relações são simultaneamente produto e produtoras dos indivíduos. No trecho abaixo Primo (2011) corrobora com essa perspectiva, Existe uma reflexividade entre o relacionamento e o si mesmo de cada participante. Além de participarem da definição de suas relações, os participantes são definidos pelos relacionamentos. Isto é, as relações afetam os seus participantes como também seus relacionamentos futuros (Primo, p.103, 2011). 6 Complementando este raciocínio, Le Breton (2009) afirma que a afetividade, ainda que pareça ao senso-comum um refúgio para a individualidade, um jardim secreto onde se cristaliza a intimidade e de onde brota uma indefectível espontaneidade, é de 5 Do inglês: Status. Termo normalmente utilizado em Redes Sociais, para indicar uma espécie de Estado Civil informal dos usuários. Do Aurélio: (1) Modo de ser ou estar. (2) Situação ou disposição em que se acham as pessoas ou as coisas em um momento dado. 6 Apud Fisher, 1987, p.8 17 fato uma emanação característica de certo ambiente humano e de determinado universo social de valores. A história das mentalidades revela e “destaca a característica cambiante e convencional das emoções e de suas atuações nos diversos grupos sociais e nas diferentes circunstâncias.” (Le Breton, 2009, p.113). A emoção é consequência de um aprendizado social e de uma identificação com os outros e são essas duas dimensões que alimentam conjuntamente a sociabilidade e assinalam ao sujeito o que ele deve sentir, de qual maneira e em quais condições precisas. Em uma crítica ao naturalismo Le Breton (2009) diz que, As emoções não existem desvinculadas da formação da sensibilidade que o relacionamento com os outros enseja no seio de uma cultura e num contexto particular. Elas não têm realidade em si, elas não se fundam numa fisiologia indiferente às circunstâncias culturais ou sociais: não é a natureza do homem que se exprime através delas, mas a situação e a existência socialdo sujeito (Le Breton, 2009, p.120). Ainda citando este autor, as emoções são, portanto, emanações sociais ligadas a circunstâncias morais e à sensibilidade particular do indivíduo. Elas não são espontâneas, mas ritualmente organizadas; reconhecidas em si e exibidas pelos outros, mobilizam um vocabulário e discursos e provêm da comunicação social. Neste sentido, a construção social do sentimento amoroso, por exemplo, pode ser considerada como uma circunstância cultural e social do movimento de modernização das sociedades ocidentais. Pois, como afirma Aboim (2006), o amor já foi considerado uma força ameaçadora da instituição matrimonial, visto que o casamento era realizado por meio de critérios patrimoniais, econômicos, genealógicos, etc. A paixão do amor cortês sobrevivia à margem do matrimônio, foi o romantismo o responsável por reconciliar amor-paixão com a instituição familiar; através somente depois da sentimentalização da vida privada que a escolha do cônjuge baseada no amor tornou-se critério legítimo para a formação de um casal. Reafirmando este exemplo Le Breton (2009) afirma, As emoções são modos de afiliação a uma comunidade social, uma maneira de se reconhecer e de poder se comunicar em conjunto sobre a base da proximidade sentimental. “Existem pessoas que nunca teriam se apaixonado se jamais tivessem ouvido falar do amor”, diz La Rochefoucauld. Não existe naturalidade no gesto, na percepção, numa emoção ou em sua expressão. O corpo é parte integrante da simbologia social (Le Breton, 2009, p.127). 18 Assim, não restam dúvidas do quanto os relacionamentos afetivos e as emoções criadas a partir deles são importantes para os seres humanos, visto que os indivíduos podem ser considerados resultado do cruzamento de diversos relacionamentos e histórias relacionais ao longo da vida. Para Primo (2011), os relacionamentos geram um tipo de comunicação que não se trata apenas das ações de uma pessoa em direção a outra. Mas sim, da interação criada pelas ações de ambos. Diante das características acima descritas se torna claro que os relacionamentos afetivos e/ou emocionais são construídos e modificados socialmente através das ações recíprocas entre os agentes inseridos na relação e o seu meio social. Neste sentido, os relacionamentos podem ser “definidos como estruturações sociais emergentes criadas conjuntamente pelos membros no processo mutuamente influente, inter-relacionado de comunicação.” (Primo, p.117, 2011). Se relacionamentos afetivos são frutos da ação e comunicação entre agentes, circunscrita em um contexto, pode-se concluir que as emoções e sentimentos desses agentes têm participação inegável na construção das formas relacionais. Para entendermos até que ponto cultura e sociedade moldam a expressão e a experiência cultural dos relacionamentos, mobiliza-se Koury (2009) que corrobora com a perspectiva proposta por Primo (2011) e Le Breton (2009) ao reafirmar as emoções como uma representação coletiva que se impõe à consciência individual, mas como representação ela tornar-se-ia inconsciente. Ou seja, como uma categoria de bases universais, porém, sempre reconstituída histórica e socialmente. Nesta perspectiva, os indivíduos sociais apreenderiam os significados culturais das emoções antes mesmo de vivenciarem-nas, diante da sua configuração em forma de construtos sociais, as emoções e as maneiras de portar-se diante delas seriam ensinadas pela sociedade. Pois, é uma cultura emocional dada e específica de um espaço e tempo quem provê aos indivíduos nela inseridos conceitos simbólicos, linguísticos e comportamentais e a partir dessas ferramentas o sujeito dará sentido às próprias emoções e norteará suas ações nas relações afetivas. Em resumo, as experiências emocionais singulares, sentidas e vividas por um ator social específico são produtos da relação entre os agentes interacionais, a cultura e a sociedade. Os conteúdos simbólicos e as práticas culturais de contextos sociais específicos são responsáveis por promover, agenciar, permitir ou ponderar determinadas 19 emoções, ao mesmo tempo em que negam, restringem ou impõem interditos a outras. As situações emocionais são inscritas dentro de modelos relativamente contínuos e duradouros de relações sociais. Costa (2008) corrobora com essa concepção ao usar o exemplo do sentimento amor, Há que se ter em mente que o amor, a princípio, é uma crença emocional. Como toda e qualquer crença, pode ser mantida, alterada, dispensada, trocada, melhorada, piorada ou abolida. Nenhum dos seus constituintes afetivos é fixo por natureza. (Costa, 1998, p. 12). Associada a essa perspectiva do amor passível de alteração, pode-se pensar as transformações conjugais da modernidade como exemplo prático dessa afirmação, visto que os modelos de conjugalidade entre casais seguiram as Mudanças Sociais da modernidade, ao sofrerem repetidas transformações ao longo do tempo. Conforme afirma Aboim (2006), os casais, no início da modernidade se organizavam em um funcionamento nuclear, dependente, fusional e bem adaptado às exigências do sistema social, industrializado e urbanizado. Porém, a modernidade mais avançada levaria a configuração do ciclo de vida tradicional da vida familiar a um processo maior de individualização; a partir deste ponto, ao casal não seria suficiente só soltar as amarras com a comunidade e o parentesco, mas o indivíduo também se veria dividido entre a liberdade individual e as gratificações amorosas da vida a dois. Seguindo essa lógica, as conjugalidades contemporâneas estariam divididas entre o ideal de fusão afetiva e o ideal de investimento na realização individual. O imaginário do casal de hoje é marcado por contradições e entendido como o "paradoxo conjugal contemporâneo” 7. Por um lado o casal não mais usa os critérios anteriores utilizados para o casamento e se apoia nos aspectos afetivos; por outro, a individualidade tem uma importância crescente nas aspirações dos sujeitos. Desse modo, o mito do “príncipe encantado” faz parte de um desejo emocional e de uma satisfação afetiva que se mostram cada vez menos realistas quando se deparam com os hábitos conquistados pela autonomia. Neste sentido, os indivíduos almejam ser "livres em conjunto” 8, utiliza-se o termo "dupla vida" para definir o paradoxo do individualismo contemporâneo que deseja "ser com o outro" através de uma vida conjugal, ao mesmo tempo em que 7 (grifo do autor) 8 (grifo do autor) 20 também se deseja "ser a sós" através de uma vida pessoal autônoma. Na ótica interacionista esse casal se organizaria tanto em torno da fusão, na qual a prioridade seria o nós e assim os recursos, o tempo, os espaços e até a identidade intentariam se unir. Quanto em torno do outro polo, que seria a organização sob a autonomia, aonde seria privilegiado o eu e as diferenças; e projetos, espaço e tempo de cada um seriam preservados. (Aboim, 2006). O trecho abaixo relata o tipo de relação desejada pelo entrevistado ao mesmo tempo em que demonstra empiricamente o tipo de conjugalidade que é esperada das relações; Anderson — Primeiro, acho que não existe um relacionamento perfeito, existe sim aquele que se encaixa à você, para mim o mais importante é a confiança, confiar é fundamental, a pior coisa do mundo é ter que pedir permissão de tudo o que você vai fazer, cada um é cada um, você não precisa estar junto da pessoa pra saber que ela gosta de você. O importante a atentar é que entre um polo e outro há muitas possibilidades de conjugalidades, pois a sociedade contemporânea abriu um novo leque de possibilidades para as relações afetivas. Relações estas, que exibem características importantes na constituição dos indivíduos e interações específicas que precisam ser analisadas propriamente. Diante disto, cabe considerar que as interações mútuassão resultantes de um processo caracterizado pela interconexão dos subsistemas envolvidos e que os contextos sociais e temporais conferem às relações construídas uma contínua transformação. Uma interação mútua não pode ser vista pela soma de ações individuais, pois de acordo com o princípio sistêmico da não-somatividade esse tipo de interação é diferente da mera soma das ações e características individuais de cada interagente, pois a interação é mais que a soma de seus elementos constituintes. (Primo, 2011). A problemática temporal da interação sentencia que o relacionamento nunca é, ele está sempre vindo a ser, entende-se a comunicação aqui como uma série de eventos conectados para salientar que os relacionamentos estão em permanente redefinição. “Nada é mais constante que a própria mudança.” (Primo, p.111, 2011). 9 Uma relação entre pessoas permanece inexplicável enquanto a observação não for suficientemente ampla para abarcar o contexto no qual ocorre o fenômeno. O contexto, como já dito, determina as contingências e tem também um efeito limitador da 9 Apud Fisher, 1982, p. 209. 21 comunicação. Esta afirmação, também “vale para encontros mediados pelo computador na medida em que uma conversa entre duas pessoas com mediação informática não está isolada do contexto expandido socialmente.” (Primo, p.109, 2011). Pois, a interação entre pessoas através de um mensageiro instantâneo, por exemplo, se constrói também em virtude de fatores contextuais mais abrangentes. A partir deste pressuposto, a internet se caracteriza aqui como o contexto delimitador de contingências dos relacionamentos analisados nesta pesquisa. As relações virtuais10 costumam ser rotuladas de frágeis, volúveis e flexíveis, mas é preciso levar em conta que os indivíduos usuários da internet são também produto do meio social em que vivem e as suas ações no ambiente virtual precisam ser interpretadas como provenientes da cultura geral, na qual estão inseridos. Dessa forma, diz-se que esta pesquisa trabalha junto a essa perspectiva, no intuito de entender quais circunstâncias sociais presentes na modernidade líquida atuam sobre a visão, as expectativas e as experiências que os usuários da Rede Social Badoo têm a respeito dos relacionamentos amorosos atuais. *** 10 “Os namoros que se iniciam na internet são virtuais e reais ao mesmo tempo: reais porque os casais existem na concretude das relações presenciais, virtuais porque a possibilidade de concretização do namoro num encontro físico-presencial existe em potência, em algo que ainda anuncia-se, como um devir. São virtuais ainda, pois os casais encontram-se em tempos e espaços diferentes.” (Silva e Takeuti, p.67, 2010) 22 Sobre a modernidade líquida O sugestivo título “modernidade líquida” é designado por Bauman (2001) para dar conta das incertezas que rondam as condições cambiantes, maleáveis, fluidas, excessivas, transbordantes e fugazes das complexas contradições das sociedades contemporâneas. Santaella (2007) expande esta concepção ao explicitar que, A metáfora da “liquidez” foi emprestada para caracterizar o estado da sociedade moderna, porque esta, como os líquidos, singulariza-se por uma incapacidade de manter as formas. Diferentemente da sociedade moderna anterior, chamada por Bauman de “modernidade sólida”, agora tudo está em permanente estado de desmontagem, sem nenhuma perspectiva de permanência, pois “manter os fluidos em uma forma requer muita atenção, vigilância constante e esforço perpétuo”. O advento da modernidade líquida produziu profundas mudanças na condição humana, o que requer quer repensemos os velhos conceitos que costumavam cercar as narrativas das estruturas sistêmicas agora derretidas pelos fluidos. (Santaella, 2007, p.14). Bauman (2001) afirma que os tempos modernos encontraram os sólidos pré- modernos em estado avançado de desintegração e um dos motivos por trás da urgência em derretê-los era o desejo de descobrir ou inventar outros. Estes, talvez, com uma solidez duradoura 11, que não seria mais derretida, que se pudesse confiar e que tornaria o mundo previsível e, portanto, administrável. O derretimento dos sólidos levou à progressiva libertação da economia de seus tradicionais embaraços políticos, éticos e culturais, sedimentando uma nova ordem que foi definida na modernidade principalmente em termos econômicos. E, ao contrário da maioria dos cenários distópicos, este efeito não foi alcançado via ditadura, subordinação, opressão, escravização; nem através da “colonização” 12 da esfera privada pelo “sistema”. A situação presente surgiu do derretimento radical dos grilhões e das algemas que eram suspeitos de limitar a liberdade individual de escolher e agir. (Bauman, 2001). “A rigidez da ordem é o artefato e o sedimento da liberdade dos agentes humanos.” (Bauman, 2001, p.11). Essa rigidez é o resultado de “soltar o freio”, da desregulamentação, da liberalização, da “flexibilização”, da “fluidez” crescente, do 11 Grifo do autor 12 Grifo do autor. 23 descontrole dos mercados financeiro, imobiliário e de trabalho, tornando mais leve o peso dos impostos, etc. Santaella (2007) diz que Bauman (2001) foi capaz de estabelecer com clareza a distinção entre a modernidade passada, já desenraizadora, e a modernidade presente. “Enquanto lá desenraizava-se para dar um passo avante rumo a um novo enraizamento, agora todas as coisas – empregos, relacionamentos, afetos, o amor, know-hows etc. – tendem a permanecer em fluxo, voláteis, desreguladas, flexíveis.” (Santaella, 2007, p.15). Outro ponto importante a salientar, é o de que na modernidade o tempo adquire história e não se apresenta mais como aspecto entrelaçado ao espaço, como era ao longo dos séculos pré-modernos. Na modernidade, o espaço e o tempo são separados da prática da vida e entre si, se tornam categorias distintas e mutualmente independentes da estratégia e da ação. A velocidade do movimento através do espaço se torna uma questão do engenho, da imaginação e da capacidade humanas e juntamente com o acesso a meios mais rápidos de mobilidade chega aos tempos modernos à posição de principal ferramenta do poder e da dominação. Segundo Bauman (2001) é essencial entender que na modernidade líquida o poder pode se mover com a velocidade do sinal eletrônico, pois o tempo requerido para o movimento de seus ingredientes se reduziu à instantaneidade. Em termos práticos, o poder se tornou extraterritorial, não é mais limitado nem desacelerado pela resistência do espaço. Não importa mais onde está quem dá a ordem e a diferença entre “próximo” e “distante” está a ponto de desaparecer. As principais técnicas do poder agora são a fuga, a astúcia, o desvio e a evitação, a efetiva rejeição de qualquer confinamento territorial. Agora é o menor, mais leve e mais portátil que significa melhoria e “progresso”. Os recursos de poder pertencem àqueles que se mostram capazes de mover-se leve e não mais aferrar-se a coisas confiáveis e sólidas que são pesadas, substanciais e capazes de gerar resistência. Numa notável reversão da tradição milenar, são os grandes e poderosos que evitam o durável e desejam o transitório, enquanto os da base da pirâmide lutam para fazer suas posses frágeis e transitórias durarem mais tempo. (Bauman, 2001). A concepção a ser percebida é que para que o poder tenha liberdade de fluir, o mundo deve estar livre de cercas, barreiras, fronteiras fortificadas e barricadas. 24 Quaisquer redes densas de laços sociais, em particular as territorialmente enraizadas, são obstáculos a serem eliminados. Os poderes globais se inclinam a desmantelar tais redes em proveito de sua contínua e crescente fluidez, principal fonte de suaforça e garantia de sua invencibilidade. “A extraordinária mobilidade dos fluidos é o que os associa à ideia de leveza.” (Bauman, 2001, p.8). A permissão para que isto aconteça e esses poderes operem é proveniente da derrocada e da fragilidade dos laços e redes humanos. Os líquidos são associados à modernidade presente porque não têm uma forma determinada, são representados pela fluidez, por se moldarem conforme o recipiente no qual estiverem inseridos e por se diferenciarem dos sólidos, que têm como característica a rigidez e que precisam sofrer uma tensão de forças para moldar-se a novas formas. Os fluidos se movem facilmente, eles fluem, escorrem, esvaem-se, respingam, transbordam, vazam, inundam, borrifam, pingam; são filtrados, destilados e não são facilmente contidos. Contornam certos obstáculos, dissolvem outros e invadem ou inundam seu caminho. “Do encontro com sólidos emergem intactos, enquanto os sólidos que encontraram, se permanecem sólidos, são alterados – ficam molhados ou encharcados.” (Bauman, 2001, p.8). O que as características dos fluidos mostram, em linguagem simples, é que os líquidos, diferentemente dos sólidos, não mantêm sua forma com facilidade. Eles não fixam o espaço nem prendem o tempo. Enquanto os sólidos têm dimensões espaciais claras, mas neutralizam o impacto e, portanto, diminuem a significação do tempo, os fluidos não se atêm muito a qualquer forma e estão constantemente prontos (e propensos) a mudá-la; assim, para eles, o que conta é o tempo, mais do que o espaço que lhes toca ocupar; espaço que, afinal, preenchem apenas “por um momento”. Em certo sentido, os sólidos suprimem o tempo e para os líquidos o tempo é o que importa. Ao descrever os sólidos, podemos ignorar inteiramente o tempo; ao descrever os fluidos, deixar o tempo de fora seria um grave erro. Descrições de líquidos são fotos instantâneas, que precisam ser datadas. (Bauman, 2001, p.8). A partir disto, pressuponho que semelhante às outras instâncias sociais, as relações desenvolvidas através da internet, em sua maioria, se constituem líquidas tal qual o mundo contemporâneo. Pois as entendo como relações fluídas, que “escorrem entre os dedos”, “transbordam”, “vazam” tal qual os líquidos são capazes de fazer. Estas são relações que preenchem vazios com leveza e fluidez, mas tal qual o líquido não se mantêm duradouras em suas formas. 25 Bauman (2004) apresenta uma definição interessante sobre as relações amorosas na internet ao dizer que “estar conectado é menos custoso do que estar engajado.” (Bauman, 2004, p.39). E também que é mais seguro, do ponto de vista da manutenção de vínculos não desejados. O namoro pela internet tem vantagens, pois sempre se pode apertar a tecla pra deletar e terminar sem dramas, sem remorso. O autor justifica que na modernidade líquida as oportunidades são fluidas, os valores são cambiantes e as regras são instáveis. Neste cenário a possibilidade de reduzir riscos, ao mesmo tempo em que se evita a perda de opções, parece uma escolha bem racional. Portanto, é possível afirmar que as relações mantidas pela internet se ajustam bem a esses novos padrões, ao contrário do modo relacional convencional que pressupõe a negociação do compromisso. *** 26 Sobre as categorias A internet e a Rede Social Badoo são neste estudo interpretados como espaços que possuem a capacidade promover novos encontros e novos formatos relacionais. Através desta perspectiva se deu a eleição das categorias analíticas da pesquisa, pois o campo teórico central deste trabalho situa-se no livro Amor líquido (Bauman, 2004) e teve como objetivo analisar quais as expectativas dos usuários da Rede Social Badoo a respeito dos relacionamentos amorosos contemporâneos, amplificando o recorte também para os ideais, formatos e concepções do amor e relações amorosas que pudessem se fazer presente nas falas. Por meio desse pressuposto se deu a investigação a respeito das expectativas amorosas dos indivíduos da sociedade atual através dos relacionamentos amorosos na internet. O intuito da pesquisa é apreender quais são as expectativas amorosas preponderantes na Rede Social Badoo; as hipóteses utilizadas neste trabalho são as de que: 1) Ao vivenciar-se um momento de transição, no qual o amor líquido nos termos propostos por Bauman (2004) estaria ganhando terreno e, como consequência, os relacionamentos estariam se apresentando mais curtos, mais abertos, com outras propostas interativas para as relações. 2) As práticas de consumo da modernidade líquida conseguem interpelar as práticas relacionais moldando-as de acordo com a sua lógica. 3) Supõe-se que o raciocínio, inerente ao mercado, do uso seguido do descarte se instala no comportamento social; e que esta prática é acentuada pela tecnologia, através do uso da internet para o estabelecimento de relacionamentos amorosos. Essas hipóteses intentam dar conta de formatos relacionais não muito conhecidos até o momento, discrepantes dos tradicionais, causadores de estranheza e espanto em alguns, mas facilmente aceitos por outros. São essas reações que justificam a palavra “transição”, pois as regras sociais mais frouxas, tanto desencadeiam modelos tradicionais quanto modelos inovadores. A proposta é que em uma situação de Mudança Social, a tendência é a convivência e aceitação de ambos os modelos. 27 O enfoque do trabalho diz respeito ao comportamento e opinião dos indivíduos contemporâneos sobre esses novos formatos de relações, a partir dos relacionamentos estabelecidos na Rede Social da internet Badoo. A partir de entrevistas qualitativas em profundidade, a pesquisa se constituirá em uma cartografia da Visão, Expectativas e Experiências nos relacionamentos amorosos dos usuários do site. O intuito é entender sob quais perspectivas essas novas relações estão sendo estabelecidas, para apreender de que maneira a tecnologia e a cultura, vigente na modernidade líquida, atuam sobre as relações no campo emocional. Sugere-se que tais processos podem ter fatores oriundos tanto da modificação dos ideais referentes à intimidade quanto das recentes revoluções tecnológicas de informação. Bauman (2004) problematiza a cultura amorosa ao chamar a atenção para a ressignificação do amor enquanto valor ético-moral, para uma mudança nos padrões do amor romântico, do casamento, da família, etc. na sociedade atual, bem como para a intervenção significativa das lógicas de consumo presentes na sociedade líquida moderna. A primeira categoria, denominada Visão, intenta-se compreender sob quais modelos de relacionamento as Expectativas e Experiências amorosas estão baseadas. Utilizo as categorias, dos modelos de relacionamento líquido e sólido, sugeridas por Bauman (2004), como ponto de apoio conceitual para esta reflexão. Na categoria principal Expectativas, são duas as questões que se mostram essenciais, a primeira trata-se das principais expectativas que usuários da rede mantem para si, para procurar entender o que as pessoas estão em busca ao se conectarem a Rede. E a segunda questão, tem o intuito de compreender qual o cenário relacional proporcionada pelo Badoo, ou seja, entender quais as expectativas das outras pessoas. 1. Quais são as suas expectativas no Badoo? Como seria o relacionamento perfeito para você? 2. A partir da sua experiência como usuário, o que você acha que a maioria das pessoas está procurando aqui? Quais as principais expectativas das pessoas no Badoo? A terceira categoria analisada trata das Experiências de relacionamentos proporcionadas pelo Badoo relatadas pelos entrevistados, as quais serão aqui definidas como encontros de passagem e/ou encontros duradouros. Outro ponto que aparece como 28 campo secundário, trata da relação entre a técnica e o comportamento social dos usuários frente à tela do computador,no intuito de saber em que esses encontros do ciberespaço se diferem dos encontros off-line e de que forma estar diante do computador pode desencadear mudanças de atitude e comportamento. 3. Você já teve algum tipo de relacionamento através do site? Poderia relatar sua experiência? 4. Como você explicaria o comportamento das pessoas aqui no Badoo se comparado ao off-line? 13 Dado esse viés metodológico, associo-o à possível transformação no campo dos relacionamentos amorosos, partindo dos pressupostos de que estas relações são passíveis à interferência de diversos fatores. Tais como a interação das ações dos agentes participantes da relação, a incursão de novas tecnologias no cotidiano desses agentes, a interferência cultural e social desempenhada pelo consumo nas emoções e relações. Por fim, argumento que esses fatores contribuem para o processo de transformação do ideal de amor na contemporaneidade para o do amor líquido, a partir da proposta de Bauman (2004). 13 O questionário completo encontra-se em Anexos. 29 SEARCH IN Tá Combinado Então tá combinado, é quase nada É tudo somente sexo e amizade. Não tem nenhum engano nem mistério. É tudo só brincadeira e verdade. Podemos ver o mundo juntos, Sermos dois e sermos muitos, Nos sabermos sós sem estarmos sós. Abrirmos a cabeça Para que afinal floresça O mais que humano em nós. Então tá tudo dito e é tão bonito E eu acredito num claro futuro de música, ternura e aventura Pro equilibrista em cima do muro. Mas e se o amor pra nós chegar, De nós, de algum lugar Com todo o seu tenebroso esplendor? Mas e se o amor já está, se há muito tempo que chegou E só nos enganou? Então não fale nada, apague a estrada Que seu caminhar já desenhou Porque toda razão, toda palavra Vale nada quando chega o amor... Caetano Veloso 30 A casa do ser humano neolítico era uma sala de espera que girava em torno dos períodos de plantação e colheita. Depois de semear era tempo de esperar até o amadurecimento para que se pudesse colher. Assim, as casas se constituíram para serem lugares de parada, salas de espera até a chegada de certo acontecimento. O lugar de parada significa a espera pelo (fruto) maduro e a habitação se torna uma máquina de hábitos geradora de redundância, cuja tarefa é dividir a massa de sinais que chega do mundo de fora em um sinal familiar ou não familiar. Todos os sistemas de imunidade sociais humanos reivindicam um direito à defesa frente a transtornos, sem que haja necessidade de justificação. A espera pelo amadurecimento adquiriu na modernidade uma característica que amplia os sinais que anunciam o que acontece sobre e junto a nós. Essa espera receptiva foi projetada pelo mundo moderno em dispositivos técnicos, tais como aparelhos de rádio e telefone. A sua evolução foi marcada pela criação do walkman, um dos primeiros eletrônicos portáteis que possibilitaria escutar o mundo e não mais estar só, seguido pela televisão que passou a estar presente em todos os cômodos da casa, como um dispositivo de espera mais recente, aparece o computador, já seguido dos smartphones. (Sloterdijk, 2006). O preenchimento dos dias por esses ruídos aos poucos se tornaram as companhias para aliviar a dolorosa solidão. Este fato permite supor que as casas humanas têm sido sempre estações receptivas “do que vem de fora”. Isto também significaria dizer que os seres humanos “presos” em suas habitações estão buscando sempre libertar-se da trivialidade da espera pelo óbvio, estão sempre à espera que alguém chame. (Sloterdijk, 2006). A criação do computador permitiu que o homem pudesse recriar situações antes dependentes de uma série de fatores externos para acontecer. O surgimento da internet deu seus primeiros passos na década de 1960 através do conceito de comunicação em rede entre computadores e obtendo sua consolidação nos anos de 1990 com o surgimento de protocolos convencionais que permitem o cruzamento de várias redes e uma comunicação abrangente e acessível. Em menos de vinte anos foram desenvolvidos muitos conceitos sobre o fenômeno da internet e esta já se implantou implacavelmente no dia-a-dia das pessoas. Nenhuma invenção foi absorvida tão rápida e intensamente em 31 toda a história. O estudo das redes complexas teve início nas ciências exatas, físicos e matemáticos trouxeram as maiores contribuições que posteriormente foram absorvidas pela sociologia ao se interessar pela perspectiva da análise estrutural das redes sociais. Segundo Recuero (2004), a teoria das redes em si começou a se desenvolver através do matemático Ëuler14 que criou o primeiro teorema da teoria dos grafos. Um grafo é uma representação gráfica de um conjunto de nós conectados por arestas, que em conjunto formam uma rede. Para analisar o contexto que permeia o surgimento da internet e dessas novas ferramentas de comunicação, a teoria das redes pode ser interpretada como uma representação da junção de diversas pessoas que se unem em torno de algum interesse em comum, seja este afetivo ou profissional. Esse encontro é o que dá origem a ideia de rede. Neste sentido, podemos perceber que há a presença de redes em tudo ao nosso redor e que fazemos parte de várias delas. O conceito de rede se dá através de uma estrutura física desde os seus princípios conceituais e estruturais e que é definida por complexos de ligações entre nós, sejam estes de caráter matemático ou sociológicos. (Castells, 2003). A Internet é um objeto tecnológico inovador porque instituiu uma alteração no espaço e no tempo, Silva e Takeuti (2010) atestam que essas mudanças instituíram novas regras e novos espaços de contato social. As relações amorosas estariam sendo diretamente influenciadas e alteradas pela tecnologia da informação, visto que no passado só eram possíveis, em sua maioria, presencialmente. O ingresso das máquinas informacionais abriu caminhos que levam a novas formas de subjetivação e à reinvenção de vínculos afetivos, tais como os relacionamentos virtuais que podem ser considerados exemplos de uma renovação do comportamento causada pela interferência das novas tecnologias no cotidiano das pessoas. O argumento parte da ideia de que os homens têm a capacidade de adaptar-se aos feitos da tecnologia relacionando-se com ela de forma simbólica e cultural. (Silva e Takeuti, 2010). 15 14 Ëuler trabalha na solução de seu enigma das pontes para acesso da cidade prussiana de Königsberg por volta do século XVIII. O problema consistia em atravessar todas as sete pontes que conectavam a cidade sem passar duas vezes pela mesma ponte. Ele demonstrou que isso não poderia ser feito através de um teorema em que tratava as pontes como arestas e os lugares que deveriam ser conectados como nós. (Recuero, 2004) 15 Apud Arendt (1995) 32 O ciberespaço inovou ao estabelecer um espaço de sociabilidade que não apenas promoveu novas formas de relações sociais, mas também criou códigos e estruturas advindos de uma restruturação das formas conhecidas de sociabilidade. Como explicita Ben-Ze’ev (2004), Embora o ciberespaço envolva personalidades imaginárias, tipos de eventos e magnitude não vistos antes, realidades virtuais menos desenvolvidas sempre foram parte integral da vida humana. Todas as formas de arte, incluindo os inscrições rupestres feitas pelos nossos ancestrais da Idade da Pedra, envolvem algum tipo de realidade virtual. Nesse sentido, o ciberespaço não oferece uma dimensão totalmente nova à vida humana. O que é novo sobre o ciberespaço é a sua natureza interativa e essa interatividade tem feito é uma realidade psicológica como também uma realidade social. É um espaço aonde pessoas reais tem interações concretas com outras pessoas reais, enquanto é capaz de modelar,ou até mesmo criar, suas próprias personalidades e de outras pessoas também. A mudança de realidade imaginária passiva para a realidade virtual interativa do ciberespaço é mais radical do que a mudança de fotografias para filmes. 16 (Ben- Ze’ev, 2004, p.2, tradução nossa). A interatividade da tecnologia criou artifícios que contribuem para que encontros relacionais e afetivos sejam mais frequentes. O contato ampliou-se graças a esta invenção que está se tornando uma extensão da vida dos indivíduos na maior parte das sociedades. Assim, a internet pode ser interpretada como uma nova zona de imunidade estabelecida no mundo moderno, pois possui a capacidade de gerar o contato ao mesmo tempo em que garante o isolamento. Visto que a tecnologia é um fenômeno que se institui pelo curso das ações humanas, então, não deve ser entendida fora dos significados culturais. Recuero (2004) alerta que as conexões nem sempre são feitas de modo aleatório e defende a necessidade da análise dessas motivações. O estudo sobre o teor das interações e laços sociais que são estabelecidos na rede se faz necessário porque não se trata apenas de uma simples acumulação de laços. A relação entre as pessoas não deve ser meramente reduzida a uma adição de amigos, como se não houvessem quaisquer custos emocionais envolvidos. Em cada interação online existe tanto contexto 16 Tradução livre para: Although cyberspace involves imaginary characters and events of a kind and magnitude not seen before, less developed virtual realities have always been integral parts of human life. All forms of art, including cave drawings made by our Stone Age ancestors, involve some kind of virtual reality. In this sense, cyberspace does not offer a totally new dimension to human life. What is new about cyberspace is it interactive nature and this interactivity has made is a psychological reality as well a social reality. It is a space where real people have actual interactions with other real people, while being able to shape, or even create, their own and the other people’s personalities. The move from passive imaginary reality to the interactive virtual reality of cyberspace is much more radical than the move from photographs to movies. (Ben-Ze’ev, 2004, p.2) 33 quanto capital social envolvido. Silva e Takeuti (2010) se utilizam de Pierre Levy (1999) para corroborar com esse pensamento, visto que o autor argumenta não existir uma relação de dicotomia entre tecnologia e cultura, sendo uma a causa e a outra o efeito. Ao invés disso, é preciso levar em conta os atores humanos que agem incidindo significados sobre as técnicas; inventando-as, produzindo-as, utilizando-as e interpretando-as das mais diferentes maneiras. (Silva e Takeuti, 2010 apud Levy, 1999). Pode-se concluir que com o surgimento das redes de convívio social online não há mais necessidade dos círculos familiares restritos ou dos espaços públicos determinados para que a convivência se estabeleça entre as pessoas. Assim como o conflito, inerente ao ser humano, entre o desejo da aproximação e o do afastamento também parece se diluir diante das novas propostas interativas do ciberespaço. A partir destes pressupostos, ousa-se afirmar que em meio a toda esta expansão comunicacional, o fenômeno que se destaca dentro do ciberespaço é representado pelos chamados sites de relacionamento ou redes sociais da internet, representadas neste trabalho pela Rede Social Badoo. *** 34 Sobre o Badoo Os sites de relacionamento na internet sempre orbitaram em torno de dois modelos, o mais popular deles é representado por empresas como Facebook ou Linked In que se apoiam na ideia da reunião de amigos e/ou pessoas conhecidas. O outro modelo é o dos sites de namoro como Match.com e E-harmony que buscam aproximar pessoas que não se conhecem, mas que procuram alguém para relacionamento duradouro, nesta situação as pessoas, normalmente, deixam a rede quando iniciam um relacionamento. Optou-se por escolher a Rede Social Badoo porque esta tem o seu sucesso atribuído justamente à descoberta de um ponto intermediário entre esses modelos de redes sociais da internet predominantes até agora. No Badoo é possível conhecer pessoas ao mesmo tempo em que o abandono da rede por causa disto não é comum. Segue a descrição disponível no site para responder “O que é o Badoo?”: O Badoo é um ótimo lugar para conhecer pessoas legais, seja perto de você ou ao redor do mundo. Está repleto de pessoas interessantes que querem conversar e talvez até encontrar-se para compartilhar experiências, interesses e amizades. Nós trazemos vida à Rede Social, para que você possa conversar, fazer novas amizades, compartilhar fotos e talvez até namorar. Você também pode contar às pessoas sobre você e seus interesses e jogar jogos divertidos para conhecer novas pessoas. Você nunca sabe quem você pode encontrar no Badoo. (Badoo, 2012). 17 O núcleo da proposta é facilitar a mediação de contatos entre pessoas que não se conhecem e servir de intermédio para relacionamentos em geral; amizades, sexo casual, relacionamentos estáveis, casamentos, cabe aos usuários decidir. A opção por entrevistar os usuários desta Rede Social se deu porque o site já se propõe a viabilizar todos os formatos de relacionamentos afetivos. Como confirma uma das entrevistadas abaixo: Eloize — é uma forma de conhecer pessoas, um meio... embora um pouco mais arriscado...mas por isso se torna interessante. Tem uns que querem só bater papo, outros querem algo sério, outros querem só se divertir, outros passar o tempo, outros estão em Natal a trabalho e entram aqui pra conhecer mulheres, pra ficar, aqui nesse site tem de tudo. Diversão, sexo, homens que querem casar, só precisamos 17 Disponível em: https://badoo.com/help/?section=1 Acesso em: 04 set. 2013. 35 escolher e conhecer aqui é uma forma interessante de conhecer pessoas e pode da certo sim. 18 19 O Badoo tem o formato atual desde 2008, sua sede oficial fica no Reino Unido e, como já dito, é uma Rede Social voltada para conhecer pessoas e expandir o círculo de amizades. A proposta da sua criação era fazer algo diferente em termos de redes sociais e ao mesmo tempo não concorrer diretamente com o Facebook. É sabido que muitas pessoas procuram mais do que amizade na rede, assim a inovação desse site consiste na promessa de auxiliar as pessoas que querem e/ou pensam em se relacionar afetivamente na internet. O intuito é fazer com que elas se conheçam e estendam os encontros também para fora do mundo virtual. A ideia atual surgiu quando o fundador, o russo Andrey Andreev, estava visitando São Petersburgo e viu um café onde havia uma fila enorme. Neste lugar, cada pessoa sentava em uma mesa com um telefone do lado e caso se interessasse por alguém podia discar o número que identificava cada mesa. A partir disto, ele percebeu que este poderia ser um formato interessante a ser transferido para a internet, o que deu bastante certo segundo a diretora de marketing da empresa no Brasil, “O Badoo ocupa um terceiro espaço entre redes sociais comuns e os sites de namoro. No Facebook, por exemplo, há um constrangimento em tentar adicionar gente nova. Já no site de namoro, após achar uma pessoa, o usuário tende a deixar o serviço”, explica Alice Bonasio, diretora de marketing da empresa no Brasil. (Simão, 2012). A rede Badoo explodiu em popularidade, os números só aumentam: em 04/09/13 eram 190.367.86820 usuários, já em 18/01/14 eram 202.087.654. O site está atualmente disponível em 41 idiomas e possui usuários em 80 países. O serviço é gratuito até certo ponto, pois há recursos chamados superpoderes que são pagos porque proporcionam ao usuário premium maior destaque dentro da Rede. No entanto, o usuário gratuito dispõe de ferramentaso suficiente para interagir dentro da Rede. O site também permite que se crie uma conta ou utilize o login de outras redes sociais como o Facebook, Yahoo, 18 Neste trabalho optou-se por modificar a linguagem das entrevistas para o uso correto da língua portuguesa, visto que estavam em linguagem de internet que possui muitas abreviações. Isto se deu na tentativa de tornar as mensagens mais claras para o leitor. Todavia, nenhuma palavra foi acrescentada ou retirada em nenhuma das entrevistas. 19 Entrevista realizada no Badoo em 27 nov. 2013. 20 Esse número se altera diariamente. Os valores citados correspondem aos dias 04 set. 2013 e 18 jan. 14. 36 Google21, etc. Após o cadastro, pode-se interagir com outros usuários através de um mensageiro instantâneo da própria rede e há várias funções destinadas a aproximar afetivamente seus usuários. Algumas destas ferramentas são particularmente interessantes porque induzem a interação entre os usuários, por meio de uma espécie de anúncio dos perfis na caixa de entrada de mensagens dos usuários com interesses semelhantes. A escolha por este site de relacionamentos se deu por entendê-lo como um dispositivo para possíveis encontros amorosos, o motivo para tal se dá pelo caráter mais aberto que a plataforma se propõe. Ao se cadastrar no Badoo supõe-se que o intuito seja o de conhecer e se conectar a novas pessoas. Desta maneira, a escolha por esse campo empírico foi proposital, já que se trata de uma pesquisa sobre relacionamentos afetivos com formatos mais fluídos e abertos através da internet. *** 21 Facebook, Yahoo e Google são empresas que possuem Redes Sociais na internet. 37 Sobre a pesquisa empírica A ação inicial para a empiria da pesquisa aconteceu em meados do mês de Maio de 2012 e deu-se através da criação do perfil “Pesquisadora” na Rede Social Badoo, a fim de viabilizar a realização das entrevistas presentes nesta dissertação. Figura 1: Perfil da pesquisa no Badoo Os primeiros contatos com os usuários da rede foram estabelecidos através das ferramentas técnicas de aproximação disponibilizadas pelo próprio site: visitas a perfis e conversas por meio do mensageiro instantâneo, que se caracteriza como o principal recurso da rede para entrar em contato com os participantes do Badoo. Esta foi a principal ferramenta utilizada para realizar as entrevistas qualitativas on-line com os perfis dos usuários do Badoo e apreender quais são as suas intenções, expectativas e opiniões em relação aos relacionamentos amorosos contemporâneos. O site foi utilizado como recorte empírico, a fim de entender questões sociológicas contemporâneas mais abrangentes que serão expostas mais adiante. No perfil denominado “pesquisadora” estava explícita a intenção da pesquisa sociológica para os usuários, o que os proporcionava a opção de aceitar ou não participar das entrevistas. No geral, as pessoas que se mostravam solícitas em participar e responder as questões, algumas chegaram ao ponto de realizar confidências, de empreender investidas de paquera para com a pesquisadora, em resumo: de ir além do 38 esperado. Mas também houve aquelas que se mantiveram em silêncio e preferiram não se pronunciar, as que se negaram a participar ou simplesmente que pararam de responder no meio da entrevista. Esta atitude não foi surpreendente, já que essa é umas das características à qual se credita o sucesso da internet, não há necessidade de dar desculpas, nem de obedecer às regras sociais quando se pode simplesmente ficar off- line. Segundo Gil (2009) no que diz respeito à coleta de dados, a entrevista é bastante adequada para a obtenção de informações no âmbito das Ciências Sociais, porque ela vai além da técnica e se apresenta como uma forma em si de interação social. “Toda pesquisa com entrevistas é um processo social, uma interação ou um empreendimento cooperativo, em que as palavras são o meio principal de troca.” (Bauer e Gaskell, 2002, p.73). O uso de entrevistas se mostra bastante adequada para a obtenção de informações acerca do que as pessoas sabem, creem, esperam, sentem ou desejam, pretendem fazer, fazem ou fizeram, bem como acerca das suas explicações ou razões a respeito das coisas precedentes. “A entrevista qualitativa, pois, fornece os dados básicos para o desenvolvimento e a compreensão das relações entre os atores sociais e sua situação.” (Bauer e Gaskell, 2002, p. 65). As entrevistas aqui realizadas podem ser descritas como um misto de duas técnicas: entrevista por pautas e entrevista semiestruturada. É necessário deixar isto claro, visto que nem todos os entrevistados foram aplicados na mesma ordem. Pois, apesar de haver um questionário semiestruturado a priori, as perguntas foram sendo colocadas de acordo com o desenvolvimento das entrevistas, o que se assemelha mais com a técnica das entrevistas por pauta. “A entrevista por pautas apresenta certo grau de estruturação, já que se guia por uma relação de pontos de interesse que o entrevistador vai explorando ao longo de seu curso.” (Gil, 2009, p.112). Todavia, apesar de selecionadas segundo os assuntos sobre os quais o entrevistado mais demonstrava interesse em se aprofundar, todas as questões postas nas entrevistas pertenciam ao questionário inicial, disponível nos Anexos. Seguindo este raciocínio Bauer e Gaskell (2002) explicam: 39 A pesquisa qualitativa se refere a entrevistas do tipo semi-estruturado com um único respondente (a entrevista em profundidade) ou com um grupo de respondentes (o grupo focal). Essas formas de entrevista qualitativa podem ser distinguidas, de um lado, da entrevista de levantamento fortemente estruturada, em que é feita uma série de questões predeterminadas; e de outro lado, distingue-se da conversação continuada menos estruturada da observação participante, ou etnografia, onde a ênfase é mais absorver o conhecimento local e a cultura por um período de tempo mais longo do que fazer perguntas dentro de um período relativamente limitado. (Bauer e Gaskell, 2002, p.64). O critério de seleção dos participantes de início foi totalmente aleatório, na verdade, em muitas das entrevistas foram os participantes que realizaram a abordagem; esta é a principal característica pela qual eu escolhi o Badoo como campo empírico, lá as pessoas procuram umas as outras, puxam assunto e interagem com desconhecidos. Segundo Bauer e Gaskell (2002), na pesquisa qualitativa o termo “seleção” é empregado explicitamente em vez de “amostragem” porque este termo carrega conotações dos levantamentos e pesquisa de opinião, a partir de uma amostra estatística sistemática da população, os resultados podem ser generalizados dentro de limites específicos de confiabilidade. Na pesquisa qualitativa, a seleção não pode seguir os procedimentos da pesquisa quantitativa porque isso possibilitaria relatórios de pesquisa qualitativa com detalhes numéricos ou quantificadores vagos a respeito da distribuição de opiniões ou experiências entre os entrevistados; e seria um erro interpretar estes números como se eles fossem pesar na interpretação e na legítima generalização para uma população maior. O que deve ser levado em conta é que na verdade a finalidade real da pesquisa qualitativa não é contar opiniões ou pessoas, mas ao contrário disto, sua finalidade é explorar o espectro de opiniões e as diferentes representações sobre o assunto em questão, em síntese seu objetivo é apresentar uma amostra do espectro dos pontos de vista. (Bauer e Gaskell, 2002). Diante deste entendimento, gostaria de explicitar como se deu o desenvolvimento da pesquisa em aspectos mais gerais. As entrevistas foram realizadas no Badoo a partir dos pressupostos mencionados acima e para o desenvolvimento do perfil fizuso consciente da minha imagem, dos meus interesses e do próprio fato do perfil ser destinado a uma pesquisa, ou seja, o perfil foi pensado exatamente no sentido de despertar curiosidade nos usuários. A principal justificativa para isso se dá devido ao sistema do Badoo só permitir que os usuários gratuitos entrem em contato com um 40 número limitado de pessoas por dia, assim havia a necessidade de que as pessoas também entrassem em contato com o meu perfil, já que a média de resposta à minhas investidas girava em torno de apenas 10% por dia. No entanto, após um tempo percebi que essa estratégia atingia em sua maioria os usuários masculinos, a partir disto, optei pelo critério de entrar em contato com a maior quantidade de mulheres possível a fim de obter equilíbrio entre os gêneros. O número de entrevistas foi dividido igualmente entre a perspectiva de homens e mulheres, distribuídos aleatoriamente em uma faixa-etária que corresponde a participantes entre 18 e 32 anos de idade, residentes no Brasil e representantes dos estados de Alagoas, Pernambuco, Rio de janeiro, Rio Grande do Norte e São Paulo. A descrição da Rede Social Badoo e as entrevistas demonstradas neste estudo foram realizadas no período que compete aos meses entre Junho de 2013 e Janeiro de 2014. Nas investigações qualitativas, diferentemente da amostra do levantamento aonde a amostra probabilística pode ser aplicada na maioria dos casos, não existe um método para selecionar os entrevistados. Devido ao fato de o número de entrevistados ser necessariamente pequeno, o pesquisador deve usar sua imaginação social científica para montar a seleção dos respondentes e decisão sobre a quantidade de entrevistados ideal vai depender da natureza do tópico estudado. Contudo, uma chave para a resolução dessa questão pode ser o princípio de que permanecendo todas as coisas iguais, mais entrevistas não melhoram necessariamente a qualidade do estudo ou levam a uma compreensão mais detalhada. As razões para esta afirmação estão baseadas na ideia de que por mais que as experiências possam parecer únicas ao indivíduo, essas experiências são resultado de processos sociais e as representações de um tema de interesse comum, ou de pessoas em um meio social específico são, em parte, compartilhadas. Este fato, a certa altura das entrevistas, eventualmente pode gerar no pesquisador a compreensão de que não aparecerão novas surpresas ou percepções. Este é o chamado ponto de saturação do sentido que concerne ao pesquisador à percepção da hora certa de parar. Outra questão é que entrevistas em profundidade tendem a ser mais longas; se cada entrevista possuir uma média entre 10 e 15 páginas, a certa altura o pesquisador já possuirá corpus de textos suficientes para dar andamento à avaliação do fenômeno estudado. (Bauer e Gaskell, 2002). Baseado neste princípio, este trabalho contém trechos de 16 entrevistas qualitativas em profundidade sobre as expectativas 41 para os relacionamentos amorosos na contemporaneidade, realizadas on-line através do mensageiro instantâneo da Rede Social Badoo. NOME IDADE CIDADE Samara 23 Recife/PE Nataly 18 Maceió/AL Eloize 21 Pium/RN Leandro 29 Natal/RN Thiago 22 Villar/RJ Roberta 29 Natal/RN Alice 18 Natal/RN Rafaela 22 Ribeirão Pires/SP Elisângela 32 Guarulhos/SP Liliane 19 Natal/RN Parte I: Nomes reais Jéssica 22 Natal/RN Roberto 20 Natal/RN Mikaela 26 Natal/RN Anderson 30 Natal/RN Pedro 29 Natal/RN Davi 24 Natal/RN Parte II: Pseudônimos Tabela 1: Perfis participantes da pesquisa22 As entrevistas foram baseadas metodologicamente no conceito explicitado por Recuero (2012), ao afirmar que as práticas de conversação na mediação do computador, comumente chamadas na literatura de Comunicação Mediada por Computador (CMC), são relevantes por terem se tornado um produto da apropriação social, geradas pelas ressignificações que são construídas pelos atores sociais ao darem sentido a essas ferramentas do cotidiano. A CMC diz respeito à área de estudo dos processos de comunicação humanos realizados através da mediação das tecnologias digitais e é caracterizada também por ser um motor de relações sociais, que não apenas estrutura essas relações, mas que proporciona um ambiente para que elas ocorram. “A Comunicação Mediada por Computadores é um conceito amplo, aplicado à capacidade de proporcionar trocas entre dois interagentes via computadores”. (Recuero, 2012, p.24). Este trabalho se baseia no conceito de que é na CMC que as relações sociais são forjadas pelas trocas de informação entre os indivíduos e é principalmente através das 22 Essa tabela corresponde aos participantes que possuem trechos de suas entrevistas presentes nesta dissertação. Os quais estão apresentados da seguinte maneira: Parte I: entrevistados que permitiram o uso dos seus nomes reais. Parte II: entrevistados que não permitiram o uso dos seus nomes reais e que tiveram pseudônimos atribuídos a cada um deles. 42 conversações que essas práticas são estruturadas e por este motivo se deu a escolha de realizar a pesquisa através de entrevistas qualitativas on-line com perfis da Rede Social Badoo. *** Sobre Perfis Figura 2: Perfil de usuário As entrevistas qualitativas on-line foram pensadas, realizadas e analisadas a partir do pressuposto de que estou trabalhando com perfis. A interpretação dos atores da pesquisa desse modo baseia-se na ideia de que a representação da presença dos interagentes é um elemento característico da mediação por computador. Recuero (2012) afirma que no ciberespaço, os indivíduos não são conhecidos em sua forma imediata, por isso se torna necessário que a presença seja construída por meio de atos performáticos e identitários, tais como a construção de representações do eu, que se dão através de elementos capazes de representar o indivíduo no ciberespaço, ainda que este 43 não se encontre sempre conectado. Tal representação pode ser constituída por um perfil em uma Rede Social, um nickname23 em uma sala de chat, um blog pessoal, etc. Ainda segundo Recuero (2012), uma explicação com mais detalhes sobre a importância dos perfis: Essas ‘representações do self’ têm características semelhantes àquelas explicitadas por Goffman (1967) em sua construção: elas referenciam indivíduos que interagem através da CMC e são cuidadosamente montadas por espaços pessoalizados, que trazem impressões construídas para dar uma ou outra impressão para a possível audiência através de pequenas pistas, através de performances de identidade. Trata-se de uma reinscrição de elementos que são característicos dos indivíduos no ciberespaço. (Recuero, 2012, p.59). Os perfis podem ser identificados como formas de construir performances, pois possibilitam à audiência sinais sobre quem são os interagentes com quem se mantêm a Conversa Mediada por Computador (CMC). No caso do site analisado, as representações se dão através do preenchimento de um perfil semiestruturado pelas ferramentas do sistema, mas que permite a personalização e individualização; esse perfil ainda que esteja no espaço virtual se torna fundamental para a conversação e interação no ciberespaço ao oferecer informações essenciais sobre os interagentes envolvidos e os contextos criados. Outro ponto importante a ser esclarecido é o de que a criação de um perfil pode não ser fiel à representação imediata do indivíduo no mundo off-line; há a possibilidade de inventar personagens na internet, ainda que as redes sociais da internet tenham criado mecanismos de verificação de perfis, como a interligação de várias redes sociais e a checagem de dados entre elas, ainda assim faz-se necessário esclarecer este aspecto. Na tabela a seguir, exemplos de relatos dos entrevistados sobre suas descrições no perfil do Badoo: — Fale um pouco
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