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AndersonBS-DISSERT

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Anderson Brito da Silva
Revisitando o eletrocorticograma
intra-operatório na epilepsia mesial do lobo
temporal:
Relevância das oscilações de alta frequência
Natal
2013
Anderson Brito da Silva
Revisitando o eletrocorticograma intra-operatório na
epilepsia mesial do lobo temporal:
Relevância das oscilações de alta frequência
Dissertação submetida ao Programa de Pós-
Graduação em Neurociências da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, como parte
dos requisitos para obtenção do título de Mes-
tre em Neurociências.
Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN
Instituto do Cérebro
Programa de Pós-Graduação em Neurociências
Orientador: Claudio Marcos Teixeira de Queiroz
Natal
2013
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Catalogação da Publicação na Fonte Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN 
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Instituto do Cérebro 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
S231e Silva, Anderson Brito. 
 Revisitando o eletrocorticograma intra-operatório na epilepsia 
mesial do lobo temporal: relevância das oscilações de alta 
frequência / Anderson brito da Silva. - Natal, 2013. 
95f: il. 
 
 Dissertação (Mestrado em Ciências, Área de concentração: 
Neurociências). Universidade Federal do Rio Grande do Norte. 
Orientador: Profº. Dr. Cláudio Marcos Teixeira Queiroz. 
. 
 1. Neurociências - Dissertação. 2. Epilepsia mesial do lobo 
temporal. 3. Oscilação de Alta Frequência. 4. Lobectomia 
temporal anterior. I. Título 
 
RN/UF/BSET/ICe CDU 612.8 
 
RN/UF/BSET/ICE CDU 612.8 
Agradecimentos
À Unidade de Pesquisa e Estudo das Epilepsias da Universidade Federal de São
Paulo, em nome da Dra. Elza Marcia Yacubian, do Dr. Luiz Otávio e Dra. Taissa Ferrari,
pela disponibilização dos sinais de ECoG e dados clínicos presentes nesta dissertação;
Agradeço a toda minha família pelo apoio incondicional em todas as minhas
conquistas;
Em especial à minha mãe, Sara Brito da Silva, por todo amor demonstrado, mesmo
à distância, essencial para meu fortalecimento emocional para suportar todas as dificuldades
enfrentadas;
Ao meu pai, João Antonio da Silva, por ter fomentado em todos os filhos a busca
pelo conhecimento desde cedo;
À minha irmã, Aline Brito da Silva, nossa primeira professora (minha e do meu
irmão), que sempre nos incentivou a estudar muito mais daquilo que nos era ensinado no
colégio, semeadora do instinto de pesquisador o qual tento colher;
Ao meu irmão, João Antonio da Silva Junior, colega de profissão, que sempre soube
me aconselhar sobre os caminhos da vida, sendo um grande parceiro nesta jornada;
Agradeço ainda aos colegas do Instituto do Cérebro, pelo conhecimento adquirido
nestes dois anos, que servirão não só para minha vida acadêmica quanto a pessoal;
Em especial ao meu Orientador, Claudio Marcos Teixeira de Queiroz, que abriu-me
os olhos às inúmeras possibilidades de trabalhos e sem o qual este trabalho não teria se
concretizado;
Aos professores Adriano Tort e Rodrigo Pereira, membros do meu comitê de
acompanhamento, pelas relevantes contribuições ao meu trabalho;
Aos meus colegas do grupo de pesquisa, Kelly e Aron, pela disponibilidade e
convivência durante os experimentos;
Aos amigos Sergio Arthuro e Fábio Caixeta, por serem meus orientadores não-
oficiais, porém de fundamental importância para minha formação;
À minha turma de mestrado, Juliana Brandão, Hermany, Fabio Freitag e Renzo
pelo companheirismo e todas emoções vividas durante estes 2 anos;
Aos membros do grupo de estudo de EEG, à galera do Contêiner, aos artistas
dos Astrócitos, aos amigos dos boas novas e à todas outras pessoas que participaram de
alguma forma na minha vida nesses últimos anos.
"If I wished to show a student the difficulties
of getting at truth from medical experience,
I would give him the history of epilepsy to read"
Oliver Wendell Holmes
Resumo
As epilepsias são distúrbios neurológicos caracterizados por crises espontâneas e recorrentes,
resultantes de uma atividade elétrica anormal de uma rede neural. Dentre os diferentes
tipos de epilepsia, a epilepsia mesial do lobo temporal (EMLT) é a mais observada em
adultos, sendo frequentemente associada à esclerose hipocampal. Infelizmente, nem todos
os pacientes são beneficiados pelo tratamento farmacológico (pacientes fármaco-resistentes).
Para estes sujeitos, uma alternativa é a realização de cirurgia, um procedimento de alta
complexidade e elevado custo. Atualmente, o procedimento mais realizado é a lobectomia
temporal anterior com amigdalo-hipocampectomia seletiva, uma cirurgia padronizada por
marcos anatômicos. Entretanto, uma parcela dos pacientes continua a apresentar crises
incapacitantes após o tratamento cirúrgico. Desta forma, para aumentar a eficiência deste
tipo de tratamento, é fundamental a compreensão do encéfalo humano epiléptico com
vistas a se criar ferramentas que auxiliem na realização de procedimentos individualizados.
O objetivo do presente trabalho foi identificar e quantificar a ocorrência de atividade
epileptiforme - espículas interictais (EI) e oscilações de alta frequência (OAF) - em registros
eletrocorticográficos (ECoG) realizados durante procedimento cirúrgico em pacientes com
EMLT refratária ao tratamento farmacológico.
Registros ECoG (32 canais a uma taxa de amostragem de 1 kHz) foram realizados na
superfície do lobo temporal em 3 momentos cirúrgicos: no córtex intacto, após lobectomia
temporal anterior e após amigdalo-hipocampectomia (duração média de cada um desses
registros: 10 min; N=17 pacientes). A ocorrência de EI e OAF foi quantificada automatica-
mente, por meio de rotinas em MATLAB, e validadas manualmente. A taxa de ocorrência
em cada um dos tempos cirúrgicos foi correlacionada com o resultado cirúrgico quanto ao
controle das crises, num seguimento de 2 anos.
De um total de 8 h e 40 min de registro, identificamos 36.858 EI e 1.756 OAF. Observamos
que os pacientes que ficaram livres de crises no pós-operatório apresentaram maior quanti-
dade de OAF antes da cirurgia do que aqueles que continuaram a ter crises; porém, não
diferiram quanto a frequência, morfologia e distribuição de EI. A ocorrência de OAF no
registro basal apresentou melhor desempenho que as EI na previsão do controle total das
crises no pós-operatório (EI: AUC = 57%, S = 71% , E = 70% vs OAF: AUC = 77%, S =
100%, E=70%). O mesmo foi observado com a variação da ocorrência entre os momentos
pré- e pós-ressecção (EI: AUC = 54%, S = 71%, E = 60% vs OAF: AUC = 84%, S =
100%, E = 80%). Nesse caso, o classificador foi capaz de identificar todos os pacientes
livres de crises (N = 7) , apresentando apenas dois falsos positivos.
Desta forma, podemos concluir que as OAF, juntamente com as EI, podem ser encontradas
no registro ECoG intra-operatório, mesmo na presença de anestésicos e em uma curta
sessão de registro. Além disso, a observação de que a ocorrência desses eventos no início
da cirurgia permite classificar o paciente quanto ao prognóstico cirúrgico abre caminho
para aplicar o ECoG intra-operatório, por exemplo, na decisão sobre o uso de tratamento
farmacológico adjuvante ou da conversão para ressecções individualizadas. No entanto,
o mecanismo responsável por esse efeito ainda é desconhecido, logo novos estudos são
necessários para melhor esclarecê-lo.
Palavras-chaves: 1. Epilepsia mesial do lobo temporal 2. Eletrocorticografia intraope-
ratório 3. Oscilações de alta frequência 4.Espículas interictais. 5. Lobectomia temporal
anterior 6. Prognóstico cirúrgico
Abstract
Epilepsies are neurological disorders characterized by recurrent and spontaneous seizures
due to an abnormal electric activity in a brain network. The mesial temporal lobe epilepsy
(MTLE) is the most prevalent type of epilepsy in adulthood, and it occurs frequently
in association with hippocampal sclerosis. Unfortunately, not allpatients benefit from
pharmacological treatment (drug-resistant patients), and therefore become candidates for
surgery, a procedure of high complexity and cost. Nowadays, the most common surgery is
the anterior temporal lobectomy with selective amygdalohippocampectomy, a procedure
standardized by anatomical markers. However, part of patients still present seizure after the
procedure. Then, to increase the efficiency of this kind of procedure, it is fundamental to
know the epileptic human brain in order to create new tools for auxiliary an individualized
surgery procedure.
The aim of this work was to identify and quantify the occurrence of epilepticform activity -
such as interictal spikes (IS) and high frequency oscillations (HFO) - in electrocorticographic
(ECoG) signals acutely recorded during the surgery procedure in drug-resistant patients
with MTLE.
The ECoG recording (32 channels at sample rate of 1 kHz) was performed in the surface
of temporal lobe in three moments: without any cortical resection, after anterior temporal
lobectomy and after amygdalohippocampectomy (mean duration of each record: 10 min; N
= 17 patients; ethic approval #1038/03 in Research Ethic Committee of Federal University
of São Paulo). The occurrence of IS and HFO was quantified automatically by MATLAB
routines and validated manually. The events rate (number of events/channels) in each
recording time was correlated with seizure control outcome.
In 8 hours and 40 minutes of record, we identified 36,858 IS and 1.756 HFO. We observed
that seizure-free outcome patients had more HFO rate before the resection than non-seizure
free, however do not differentiate in relation of frequency, morphology and distribution of
IS. The HFO rate in the first record was better than IS rate on prediction of seizure-free
patients (IS: AUC = 57%, Sens = 70%, Spec = 71% vs HFO: AUC = 77%, Sens = 100%,
Spec = 70%). We observed the same for the difference of the rate of pre and post-resection
(IS: AUC = 54%, Sens = 60%, Spec = 71%; vs HFO: AUC = 84%, Sens = 100%, Spec =
80%). In this case, the algorithm identifies all seizure-free patients (N = 7) with two false
positives.
To conclude, we observed that the IS and HFO can be found in intra-operative ECoG
record, despite the anesthesia and the short time of record. The possibility to classify the
patients before any cortical resection suggest that ECoG can be important to decide the
use of adjuvant pharmacological treatment or to change for tailored resection procedure.
The mechanism responsible for this effect is still unknown, thus more studies are necessary
to clarify the processes related to it.
Key-words: 1.Mesial Temporal Lobe Epilepsy Surgery 2.Electrocorticography 3.High
Frequency Oscillations 4. Interictal Spike 5. Anterior temporal lobectomy 6. Surgery
prognosis
Lista de ilustrações
Figura 1 – Classificação das crises epilépticas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
Figura 2 – Classificação das epilepsias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25
Figura 3 – Posição dos eletrodos na primeira etapa de registro . . . . . . . . . . . 42
Figura 4 – Distribuição do resultado cirúrgico em relação ao controle das crises no
segundo ano. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44
Figura 5 – Detecção e classificação de espículas interictais . . . . . . . . . . . . . . 45
Figura 6 – Detecção e classificação de oscilações de alta frequência . . . . . . . . . 46
Figura 7 – Método de bootstrap . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47
Figura 8 – Duração por etapa de registro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51
Figura 9 – Número de canais por etapa de registro . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52
Figura 10 – Espículas interictais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53
Figura 11 – Taxa de ocorrência de espículas interictais nos canais ativos. . . . . . . 53
Figura 12 – Proporção de canais com espículas interictais . . . . . . . . . . . . . . 54
Figura 13 – Taxa de ocorrência e proporção de canais ativos das espículas interictais
na região neocortical remanescente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54
Figura 14 – Distribuição espacial das espículas interictais . . . . . . . . . . . . . . . 55
Figura 15 – Taxa de ocorrência das espículas interictais na predição do resultado
cirúrgico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56
Figura 16 – Oscilações de alta frequência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56
Figura 17 – Taxa de ocorrência das oscilações de alta frequência nos canais ativos. . 57
Figura 18 – Proporção de canais com oscilações de alta frequência . . . . . . . . . . 58
Figura 19 – Taxa de ocorrência e proporção de canais ativos das oscilações de alta
frequência na região neocortical remanescente . . . . . . . . . . . . . . 58
Figura 20 – Distribuição espacial das oscilações de alta frequência . . . . . . . . . . 59
Figura 21 – Taxa de ocorrência das oscilações de alta frequência na predição do
resultado cirúrgico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59
Figura 22 – Prognóstico determinado pelas oscilações de alta frequência. . . . . . . 60
Figura 23 – Características clínicas discretas por taxa de ocorrência de oscilações
de alta frequência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 62
Figura 24 – Características clínicas contínuas por taxa de ocorrência de oscilações
de alta frequência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 62
Figura 25 – Oscilações de alta frequência em eletrocorticografia crônica . . . . . . . 63
Figura 26 – Oscilações de alta frequência em eletrocorticografia intra-operatória na
determinação da conduta . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73
Figura 27 – Mapas de espículas interictais na primeira etapa de registro, para cada
paciente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 87
Figura 28 – Mapas de espículas interictais na segunda etapa de registro, para cada
paciente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 88
Figura 29 – Mapas de espículas interictais na terceira etapa de registro, para cada
paciente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 89
Figura 30 – Mapas de oscilações de alta frequência na primeira etapa de registro,
para cada paciente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 90
Figura 31 – Mapas de oscilações de alta frequência na segunda etapa de registro,
para cada paciente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 91
Figura 32 – Mapas de oscilações de alta frequência na terceira etapa de registro,
para cada paciente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 92
Figura 33 – Parecer do comitê de ética . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 95
Lista de tabelas
Tabela 1 – Características clínicas dos pacientes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41
Tabela 2 – Classificação de resultado cirúrgico de Engel . . . . . . . . . . . . . . . 43
Tabela 3 – Características clínicas, eletrofisiológicas e de imagem relacionadas com
controle das crises . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61
Tabela 4 – Análise da variação da banda de frequência . . . . . . . . . . . . . . . 93
Lista de abreviaturas e siglas
AHS Amigdalo-Hipocampectomia Seletiva
CIREP Centro de Cirurgia de Epilepsia
ECoG Eletrocorticograma
EEG Eletroencefalograma
EI Espícula Interictal
ELT-M Epilepsia do Lobo Temporal Mesial
FIR Finite Impulse Response
HCFMRP Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto
Hz Hertz
OAF Oscilações de Alta Frequência
IFCN Federação Internacional de Neurofisiologia Clínica - do Inglês Internati-
onal Federation of Clinical Neurophysiology
ILAE Liga Internacional Contra Epilepsia - do Inglês International League
Against Epilepsy
IPSP Potenciais Inibitórios Pós-Sinápticos - doInglês Inhibitory Post-Sinaptic
Potential
LOO Leave One Out
LTA Lobectomia Temporal Anterior
ROC Receiver Operating Characteristic
UNIPETE Unidade de Pesquisa e Tratamento das Epilepsias
UNIFESP Universidade Federal de São Paulo
USP Universidade de São Paulo
Sumário
I Fundamentação Teórica 21
1 As epilepsias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
1.1 Classificação das crises epilépticas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
1.2 Classificação por etiologia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24
1.3 Classificação das epilepsias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24
2 Epilepsia mesial do lobo temporal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27
2.1 Epidemiologia e fisiopatologia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27
2.2 Manifestações clínicas e tratamento farmacológico . . . . . . . . . . . . 28
2.3 Tratamento cirúrgico da epilepsia mesial do lobo temporal . . . . . . . . 28
3 Eletrocorticografia intraoperatória . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31
3.1 Espículas interictais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32
3.2 Oscilações de alta frequência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32
II Objetivos 35
4 Objetivos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37
III Métodos 39
5 Métodos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41
5.1 Características clínicas dos pacientes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41
5.2 Procedimento cirúrgico e registro eletrográfico . . . . . . . . . . . . . . 42
5.3 Controle das crises no pós-operatório . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43
5.4 Detecção e classificação de espículas interictais . . . . . . . . . . . . . . 44
5.5 Detecção e classificação de oscilações de alta frequência . . . . . . . . . 44
5.6 Análise estatística . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45
IV Resultados 49
6 Resultados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51
6.1 O registro eletrocorticográfico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51
6.2 Espículas interictais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52
6.3 Oscilações de alta frequência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56
6.4 Características clínicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60
6.5 O registro de eletrocorticografia crônico . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61
V Discussão 65
7 Discussão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67
7.1 Do sinal eletrocorticográfico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 68
7.2 Dos métodos de detecção dos eventos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69
7.3 Da ocorrência por etapa de registro e distribuição espacial . . . . . . . . 70
7.4 Do resultado cirúrgico e a determinação do prognóstico . . . . . . . . . 70
Conclusão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75
Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77
Apêndices 85
APÊNDICE A – Figuras Complementares . . . . . . . . . . . . . . 87
APÊNDICE B – Tabela Complementar . . . . . . . . . . . . . . . . 93
ANEXO A – Parecer do comitê de ética . . . . . . . . . . . . . . . 95
Parte I
Fundamentação Teórica
23
1 As epilepsias
De acordo com a Liga Internacional Contra Epilepsia (ILAE), a epilepsia é uma
desordem cerebral duradoura caracterizada pela presença de pelo menos uma crise epilép-
tica e pelas consequências neurobiológicas, cognitivas, psicológicas e sociais desta condição
(FISHER et al., 2005). As epilepsias figuram entre os mais prevalentes distúrbios neuroló-
gicos. Estima-se que 1 em cada 16 pessoas experimente uma crise durante toda a vida.
Atualmente existem aproximadamente 50 milhões de pessoas no mundo com epilepsia,
sendo registrados 2,5 milhões de novos casos por ano (DUA et al., 2006).
Apesar dessa alta incidência, ainda é uma doença desconhecida por boa parte
da população e cercada por muitos estigmas, mitos e crenças, o que leva aos portadores
implicações sociais e psicológicas (EISENBERG, 2008). Devido à precariedade do sistema de
saúde de muitos países, cerca de 80% desses indivíduos não são propriamente diagnosticados
ou tratados (DUA et al., 2006). Por fim, a diversidade dos tipos de crises epilépticas e a
dificuldade de acesso a um estudo neurofisiológico são os principais fatores de confusão
para o diagnóstico correto, e consequentemente de um tratamento adequado (IRIARTE et
al., 2003; BERG et al., 2010; BERG; SCHEFFER, 2011).
1.1 Classificação das crises epilépticas
De acordo com a nova proposta de classificação da ILAE (BERG et al., 2010;
BERG; SCHEFFER, 2011), as crises epilépticas podem ser classificadas quanto ao seu
modo de início ictal, podendo ser divididas em três categorias: (1) Generalizadas; (2)
Focais; ou (3) De origem desconhecida (Figura 1).
Figura 1 – Classificação das crises epilépticas. Adaptado de Berg e Scheffer (2011).
24 Capítulo 1. As epilepsias
As crises generalizadas são caracterizadas pelo engajamento rápido de redes neuro-
nais bilateralmente distribuídas. Podem ser classificadas como: tônico-clônicas; ausências;
clônicas; tônicas; atônicas; e mioclônicas.
As crises focais são caracterizadas pelo envolvimento de rede neuronal localizada,
mas podem também evoluir para uma crise convulsiva bilateral, de forma mais lenta que
as generalizadas. Neste grupo, a sintomatologia irá depender da região cortical afetada
(zona sintomatogênica, i.e. região cortical responsável pela geração dos sintomas), e pode
ser evidenciada por uma ou mais das características: auras; crises motoras e autonômicas;
alterações cognitivas e de consciência.
Os espasmos epilépticos se encontram no grupo das crises de origem desconhe-
cida por não possuírem evidências suficientes para serem caracterizados como focal ou
generalizado.
1.2 Classificação por etiologia
Ainda pela ILAE (BERG et al., 2010; BERG; SCHEFFER, 2011), as epilepsias
podem ser classificadas quanto à etiologia como: (1) Genéticas; (2) Estrutural/metabólica;
(3) De causa desconhecida.
1 - Etiologia genética: são caracterizadas por um defeito genético que contribui
diretamente para a epilepsia, e as crises são o principal sintoma do distúrbio, como por
exemplo, nas canalopatias.
2 - Etiologia estrutural/metabólica: ocorrem quando uma condição cerebral es-
trutural ou metabólica está associada com aumento do risco de desenvolver crises, como
ocorre no acidente vascular cerebral, trauma, infecção e anóxia perinatal.
3 - Etiologia desconhecida: se definem quando não há estudos evidenciando a
etiologia específica, podendo ser genética, metabólica ou estrutural.
1.3 Classificação das epilepsias
Podemos dividir as epilepsias em quatro subtipos de acordo com a ILAE (BERG
et al., 2010; BERG; SCHEFFER, 2011): (1) Síndromes eletroclínicas; (2) Constelações;
(3) Epilepsias estrutural/metabólicas; (4) Epilepsias de causa desconhecidas (Figura 2).
1 - Síndrome eletroclínica: é um complexo de características clínicas (como idade
típica de início, características eletrográficas específicas, tipos de crises e etiologia) que
define um distúrbio distinto e reconhecível. Na figura 2 podemos observar as síndromes
clínicas já descritas, organizadas por faixa etária de início.
1.3. Classificação das epilepsias 25
Figura 2 – Classificação das epilepsias Adaptado de Berg e Scheffer (2011).
2 - Constelação: também é um conjunto de sinais e sintomas clínicos, só que
neste caso, apresenta uma maior variabilidade entres os pacientes, porém possuindo uma
característica específica em comum, geralmente etiológica. Fazem parte deste grupo a
Epilepsia do Lobo Temporal Mesial(ELT-M), hamartoma hipotalâmico e Síndrome de
Rasmussen.
3 - Epilepsia estrutural/metabólica: possui uma menor especificidade do que os
outros dois grupos anteriores. São secundárias a lesões ou condições específicas estruturais
ou metabólicas.4 - Epilepsias de causas desconhecidas: anteriormente chamadas de criptogênicas,
são epilepsias que não possuem evidências, principalmente em relação à etiologia, para
serem encaixadas em uma das categorias anteriores.
Outras formas de classificações das epilepsias podem envolver outras dimensões
como evolução natural da doença (encefalopatias, autolimitadas, fármacoresistentes etc.),
idade de início (neonatal, lactente, infância, adulto e idoso) e outras características como
a presença de gene específico, de padrão em neuroimagem ou eletroencefalográfico.
Com a inclusão de novas dimensões na classificação, é possível separar síndro-
26 Capítulo 1. As epilepsias
mes/constelações em subgrupos. Por exemplo, se determinada constelação possui pacientes
com e sem um padrão eletrocorticográfico específico, e a presença deste padrão se relacionar
com a resposta negativa ao tratamento, a separação nos subgrupos é justificável.
27
2 Epilepsia do lobo temporal
2.1 Epidemiologia e fisiopatologia
As epilepsias que acometem o lobo temporal são as de maior prevalência na idade
adulta. Estima-se que em cerca de 25% de todos os pacientes, a epilepsia é de localização
temporal, e se analisarmos apenas as epilepsias focais, temos que 66% são deste lobo
(TELLEZ-ZENTENO; HERNÁNDEZ-RONQUILLO, 2012).
As epilepsias do lobo temporal podem ser divididas por sua etiologia (ENGEL,
1996). No grupo das genéticas, o principal exemplo é a Epilepsia Temporal Familiar
(BERKOVIC et al., 1996). Podemos dividir as epilepsias de causa estrutural/metabólica
em ELT-M e Epilepsia Lesional/Neocortical do Lobo Temporal (WALCZAK, 1995). Há
ainda a descrição de epilepsias de origem desconhecida como a Epilepsia do Lobo Temporal
Familiar Idiopática (WARD; EVANSON; COCKERELL, 2002).
Normalmente é difícil fazer a separação das epilepsias temporais a nível ambulatorial,
e por isso não se tem uma real prevalência de cada subtipo na população geral. Geralmente
os trabalhos são realizados em séries de pacientes que foram referenciados a grandes
centros cirúrgicos devido à refratariedade farmacológica. Nestas séries, cerca de 70% dos
pacientes com epilepsia do lobo temporal possuem esclerose do hipocampo, sendo assim
diagnosticadas como ELT-M (ENGEL; WILLIAMSON; WIESER, 2008).
A esclerose temporal mesial é definida por gliose e perda neuronal no hipocampo,
subículo, giro parahipocampal e córtex temporal ínfero-medial. As mudanças são visualiza-
das em CA1, CA3 e hilo. Existem três hipóteses sobre a epileptogenicidade da esclerose
hipocampal (RATZLIFF et al., 2002). A mais difundida é que com a perda seletiva das
células musgosas no hilo, há um brotamento das fibras musgosas que fazem um feedback
inibitório para as células granulares do giro denteado (LÜDERS, 2008). Entretanto, há
evidências contrárias a esta hipótese, já que o giro denteado parece não ser a fonte de
crises espontâneas (QUEIROZ et al., 2009) e que esta epileptogenicidade hipocampal não
precisa de mecanismos secundários como o espalhamento das fibras musgosas (SLOVITER;
BUMANGLAG, 2013).
Uma outra hipótese é que as células em cesto estão adormecidas pela retirada da
aferência excitatória proveniente das células musgosas (SLOVITER, 1991). A terceira hipó-
tese propõe que a hiperexcitabilidade hipocampal não é devido às células musgosas mortas,
mas sim pelas remanescentes que amplificam o padrão de atividade das células granulares
(SANTHAKUMAR et al., 2000). Porém, nenhuma dessas hipóteses foi comprovada.
Por se tratar de uma alteração estrutural, muitas vezes o antecedente mórbido
28 Capítulo 2. Epilepsia mesial do lobo temporal
pessoal está relacionado com a maior incidência de esclerose mesial temporal. Os principais
insultos na infância relatados são as crises febris, as meningoencefalites, os traumas e a
anóxia neonatal (FRENCH et al., 1993).
2.2 Manifestações clínicas e tratamento farmacológico
De acordo com a nova classificação da ILAE, a ELT-M é considerada uma conste-
lação, pois possui diversificadas manifestações clínicas em cada paciente, porém com a
presença de esclerose mesial temporal em comum (BERG et al., 2010; BERG; SCHEFFER,
2011). As crises focais, na qual a sintomatologia depende da região cerebral afetada, são o
tipo de crise mais frequente. Podemos dividir as crises em subjetivas (que são relatadas
pelo paciente) ou objetivas (que podem ser observadas).
As crises subjetivas estão presentes em 90% dos pacientes, sendo comumente
chamadas de auras. As auras mais prevalentes são as epigástricas e as de medo. Outras
descritas são o déjà vu, jamais vu, micropsia, macropsia, alucinações olfatórias e sentimentos
de despersonificação (FRENCH et al., 1993; ENGEL; WILLIAMSON; WIESER, 2008). As
crises objetivas, no entanto, geralmente iniciam-se com um comprometimento motor, olhos
arregalados e dilatação das pupilas, que evoluem para automatismos. Outros sintomas
que podem estar presentes são a versão dos olhos e da cabeça, vômitos e distúrbios da
fala (ENGEL; WILLIAMSON; WIESER, 2008). Apesar da possibilidade de generalização
secundária, as crises tônico-clônicas generalizadas são infrequentes e nunca são o tipo de
crise predominante (FRENCH et al., 1993).
Apesar das evidências eletrofisiológicas de que o hipocampo é o local onde se iniciam
as crises, a clínica ocorre devido à propagação das descargas para regiões adjacentes. Por
exemplo, as auras epigástricas ocorrem quando o córtex insular é atingindo, auras de medo
na ativação da amígdala, auras psíquicas na propagação para região temporal basal e
automatismos quando é o giro cingulado que é afetado (LÜDERS, 2008).
Quanto ao tratamento, são utilizadas muitas drogas na ELT-M, incluindo carbama-
zepina, oxcarbazepina, lamotrigina e topiramato. Porém, muitos pacientes são refratários
ao tratamento farmacológico e são candidatos à realização de cirurgia (ENGEL; WILLI-
AMSON; WIESER, 2008).
2.3 Tratamento cirúrgico da epilepsia mesial do lobo temporal
Os primeiros tratamentos cirúrgicos modernos para as epilepsias consistiam na
retirada da região cortical tendo como base a semiologia das crises (TAYLOR, 1986).
Com o advento da eletroencefalografia (EEG) na década de 1930, começou-se a utilizar
informações eletrofisiológicas para a intervenção cirúrgica.
2.3. Tratamento cirúrgico da epilepsia mesial do lobo temporal 29
Especificamente nas epilepsias temporais, utilizando apenas EEG de escalpe com
eletrodos esfenoidais, era possível realizar o diagnóstico e submeter o paciente para
realização de lobectomia temporal (BINDER; SCHRAMM, 2008). Logo se percebeu que
apenas a retirada cortical, sem retirar as estruturas mais profundas como hipocampo e
amígdala, estava associada com um mau prognóstico cirúrgico. Porém, a ressecção bilateral
do hipocampo não é realizada devido a uma importante amnésia anterógrada (BINDER;
SCHRAMM, 2008).
Com o refinamento das técnicas neurofisiológicas invasivas como a eletrocorticografia
e mapeamentos funcionais, surgem técnicas de ressecções individualizadas. Entretanto,
especificamente na ELT-M, não foi observado melhora nos resultados quando comparada
a cirurgia padrão por marcos anatômicos e a cirurgia sob medida (NAIR; NAJM, 2008;
BINDER; SCHRAMM, 2008). Em 99 estudos sobre a lobectomia temporal revisados por
McIntosh, Wilson e Berkovic (2001), a taxa de pacientes livres de crises variou entre 33 e
93% (média de 70%). Quando avaliados apenas os estudos com segmento de 2 a 5 anos,
esta variação caiu para 52 a 58%.
No Brasil, o procedimento descrito pelo neurocirurgião Paulo Niemeyer, a amida-
lohipocampectomia por abordagem transventricular, apresentada em 1957 com uma série
de 42 pacientes, obteve uma taxa de resultados satisfatórios de 74% no segmento de 6
meses à 10 anos, similar à série de 35 pacientes do mesmo grupo, que foram submetidos a
ressecção sob medida por registro eletrocorticográfico (GODOY; A.C.; PALMINI, 2008).
Apesar de ambas as técnicas possuírem uma taxa de sucesso semelhante,a ressecção
padronizada possui vantagens em relação às sob medida por diminuir o tempo e custo da
cirurgia, por exemplo. Porém, o desenvolvimento de novas ferramentas com o objetivo
de melhorar a acurácia da localização da zona epileptogênica possibilita a realização de
ressecções mais adequadas para cada paciente, desta forma podendo aumentar a taxa de
sucesso (BINDER; SCHRAMM, 2008).
31
3 Eletrocorticografia intraoperatória
A eletrocorticografia, isto é, o registro da variação do potencial elétrico feito por
meio de eletrodos diretamente sobre o córtex cerebral, foi primeiramente descrita por
Berger em pacientes com deformidades no crânio na década de 30 do século passado.
O primeiro uso em cirurgias foi nas ressecções de tumores corticais após a observação
que estes modificavam os padrões elétricos por lesões das regiões adjacentes (HOLMES;
CHATRIAN, 2008; NAIR; NAJM, 2008).
O eletrocorticograma (ECoG) foi utilizado pela primeira vez na epilepsia por
Wilder Penfield e Herbert Jasper no final da década de 1930. Dentre outras coisas,
estes estabeleceram que a convergência da área de lesão anatômica epileptogênica e da
lesão fisiológica epileptogênica é sempre necessária para um bom prognóstico cirúrgico
(ALMEIDA; MARTINEZ; FEINDEL, 2005; NAIR; NAJM, 2008).
A lesão epileptogênica é a região com alteração anatômica/estrutural responsável
pelo circuito epileptogênico, como, por exemplo, a esclerose mesial temporal. Essa área
é cercada por outra região que apresenta atividade epileptiforme interictal, chamada de
zona irritativa. A região onde é detectado o início das crises é denominada zona de início
ictal. A zona epileptogênica é uma zona teórica, apenas determinada após a cirurgia, que
quando removida totalmente deixa o paciente livre de crises. A zona sintomatogênica é a
área cortical atingida responsável pelos sintomas dos pacientes (NAIR; NAJM, 2008).
Desta forma, são utilizadas técnicas de imagem como a ressonância magnética,
PET e SPECT para a determinação da lesão epileptogênica. A zona de início ictal só é
determinada em registros crônicos de ECoG, já que são raras as crises durante uma cirurgia
aguda (NAIR; NAJM, 2008). Outra região importante a ser localizada, é a chamada zona
eloquente, responsável pelas funções motoras, sensitivas e cognitivas, devendo ser evitada
de ser ressecada, diminuindo a iatrogenicidade. Tais zonas eloquentes, quando não são
evitadas por marcos anatômicos nas cirurgias padronizadas, são geralmente detectadas por
mapeamento cortical e potencial evocado (HOLMES; CHATRIAN, 2008; NAIR; NAJM,
2008).
Assim, o ECoG intraoperatório nas cirurgias definidas por marcos anatômicos se
restringe à determinação da zona irritativa através da quantificação das espículas interictais
(EI), que serão descritas a seguir.
32 Capítulo 3. Eletrocorticografia intraoperatória
3.1 Espículas interictais
As EI são descargas paroxísticas, morfologicamente definidas, intermitentes, que
refletem breves salvas de disparos neuronais, sendo frequentemente observadas no EEG
de pacientes com epilepsias focais (GASTAUT, 1972). A Federação Internacional de
Neurofisiologia Clínica (IFCN) define as EI como uma descarga interictal transiente, que
se destaca da atividade de base, com um pico pontiagudo, com duração entre 20 e 70 ms,
com o componente principal geralmente negativo e de amplitudes variadas (BENICZKY,
2012).
A ocorrência desse tipo de grafoelemento no EEG de escalpe, quando associada a
uma boa história clínica, é determinante no diagnóstico das diferentes síndromes epiléticas,
por exemplo, as epilepsias focais (NIEDERMEYER; SCHOMER; SILVA, 2011). Apesar
de terem sido descritas pela primeira vez a mais de 70 anos, a exata relação desses eventos
com a gênese, manutenção e término das crises ainda é motivo de debates (MCBRIDE
et al., 1991; ALARCON et al., 1997; HUFNAGEL et al., 2000; STALEY, 2005). A taxa
de espículas pouco varia com o tratamento farmacológico, frequência ou proximidade das
crises, não sendo assim um bom marcador para a gravidade ou prognóstico da doença
(ALARCON et al., 1997). Além disso, as espículas possuem pouca especificidade na
localização da fonte da atividade epileptiforme (ALARCON et al., 1997; HUFNAGEL et
al., 2000; NIEDERMEYER; SCHOMER; SILVA, 2011). Entretanto, alguns pesquisadores
advogam que a quantificação das EI no ECoG intraoperatório são uteis para a determinação
do prognóstico cirúrgico (MCBRIDE et al., 1991; ALARCON et al., 1997; HUFNAGEL et
al., 2000; CHEN et al., 2006).
Uma hipótese sugerida é que existam dois tipos diferentes de EI, as ditas vermelhas,
que estariam intimamente ligadas à zona epileptogênica, e as ditas verdes geradas em
tecidos normais (LÜDERS et al., 2006). Porém, ainda não há características definidas que
consigam separar as espículas nestes dois grupos. Contudo, Engel et al. (2009) hipotetizam
que a associação das EI com as oscilações de alta frequência (OAF) seriam as espículas
vermelhas, e as sem associação, as verdes.
3.2 Oscilações de alta frequência
Antigamente, se utilizava filtros passa baixa por volta de 30 a 80 Hz por acreditar
que qualquer atividade acima desta banda era devido a artefatos extracerebrais (NIE-
DERMEYER; SCHOMER; SILVA, 2011). Porém, no final do século passado, houve a
descrição de ritmos rápidos em hipocampo de roedores relacionadas à atividade fisiológica
do animal (O’KEEFE; NADEL, 1978; BUZSAKI et al., 1992). Poucos anos depois Bragin
et al. (1999a) realizaram o primeiro registro de OAF em humanos.
3.2. Oscilações de alta frequência 33
Para caracterizar uma oscilação cerebral, devemos seguir alguns critérios como
a descrição da localização da rede oscilatória, a frequência dominante, a amplitude, a
extensão da rede, os possíveis mecanismos de propagação e as correlações comportamentais
e clínicas (DRAGUHN et al., 2000).
Desde os primeiros estudos em humanos, apesar de controversa, houve a separação
em dois tipos de OAF (BRAGIN et al., 1999a; BRAGIN et al., 1999b). O primeiro tipo,
denominado de “ripples”, são oscilações breves, em salvas de 5 a 15 ondas sinusoidais,
com ciclo aproximado de 5 milissegundos (aproximadamente 200 Hz, variando de 80 à 250
Hz), que aparecem durante o sono de ondas lentas, vigília relaxada ou comportamentos
de consumação, semelhante ao encontrado nas descrições iniciais (BRAGIN et al., 1999a;
BRAGIN et al., 1999b; BUZSAKI et al., 1992). Em registros extracelulares, os “ripples”
apresentam-se com baixa amplitude (<500 uV) normalmente associados a uma onda aguda
(do inglês, “sharp-wave”) de alta amplitude (BUZSAKI; LEUNG; VANDERWOLF, 1983;
SUZUKI; SMITH, 1987). Os “ripples” são oscilações fisiológicas, envolvidas na formação
de memória (GIRARDEAU et al., 2009) e acredita-se que sejam o resultado da somação
espacial de potenciais inibitórios pós-sinápticos (IPSPs) gerados por um subgrupo de
interneurônios que controlam as descargas de neurônios principais (BUZSAKI et al., 1992;
DRAGUHN et al., 2000; YLINEN et al., 1995).
O segundo tipo de OAF é denominado de “fast ripples”, e foram descritos no
hipocampo de modelos de epilepsia em animal com o uso de micro-eletrodos bem como em
pacientes com epilepsia submetidos à cirurgia de ressecção do lobo temporal (BRAGIN et
al., 1999a; BRAGIN et al., 1999b; BRAGIN et al., 2002). Em seguida, foi relatado o registro
de “fast ripples” em estruturas neocorticais, utilizando-se macro-eletrodos (JACOBS et
al., 2008; URRESTARAZU et al., 2007). A frequência de oscilação dos “fast ripples” varia
entre 250 e 600 Hz. É importante notar que enquanto os “ripples” são encontrados em
tecidos normais, os “fast ripples” estão intimamente associados ao tecido patológico da
zona epileptogênica (BRAGIN et al., 2004; JACOBS et al., 2008), podendo coexistir na
zona de início ictal (BRAGIN et al., 2002; JIRSCH, 2006), bem como em regiões com
lesões epileptogênicas (BRAGIN et al., 2002; STABA et al., 2007; CREPON et al., 2009).
Os mecanismos responsáveis pelagênese dos “fast ripples” ainda são desconhecidos,
porém acredita-se que eles representam potenciais de campo produzidos por agrupamento
de potenciais de ação de neurônios disparando em salvas (ENGEL et al., 2009). Porém,
outros estudos sugerem que os “fast ripples” não passam de harmônicos dos “ripples”
fisiológicos, cuja sincronia estaria prejudicada na condição epiléptica (FOFFANI et al.,
2007). Há também evidências que relatam a importância da transmissão GABAérgica
rápida e a da interação axonal por gap junctions na gênese desses fenômenos (JEFFERYS
et al., 2012; TORT et al., 2013). Independentemente de seu mecanismo gerador, existem
fortes evidências de que os “fast ripples” são mais específicos que as EI para a localização
34 Capítulo 3. Eletrocorticografia intraoperatória
da área epileptiforme (JACOBS et al., 2008). Por exemplo, crianças submetidas as cirurgias
em que foram ressecadas as regiões com maior taxa de atividade de OAF, em análise
posterior ao ato, obtiveram um melhor prognóstico cirúrgico (AKIYAMA et al., 2011).
Há também a descrição recente da presença de OAF patológicas em eletrodos de
escalpo (ANDRADE-VALENCA et al., 2011; KOBAYASHI et al., 2010; KOBAYASHI et
al., 2011; MELANI et al., 2013), no entanto com sua validade ainda está em debate.
Por fim, Wu et al. (2010) relata a associação entre a liberdade de crises no pós
operatório com a total ressecção das áreas com OAF em ECoG intra-operatório de crianças
com epilepsias extras-temporais, porém, até onde sabemos, não há descrição na literatura
sobre a detecção de OAF em registro ECoG intra-operatório para a determinação do
prognóstico em pacientes adultos com ELT-M. Além da relativa raridade do sinal, o curto
período de registro (STEAD et al., 2010), a influência da anestesia (ZIJLMANS et al.,
2012) e o tamanho dos eletrodos (CHATILLON et al., 2013) seriam algumas características
desta modalidade que dificultaria tal identificação. Contudo, acreditamos que a detecção
das OAF podem melhorar o poder preditor do ECoG intra-operatório.
Parte II
Objetivos
37
4 Objetivos
Considerando que: (1) a EMLT é o tipo de epilepsia com o maior número de
procedimentos cirúrgicos realizados e que, aproximadamente, apenas 50% destes ficam
livres de crise num segmento de 2 anos; (2) o ECoG intra-operatório possui um potencial
para a previsão do controle das crises, e que entretanto não há relatos do uso de OAF
nesta modalidade; (3) as OAF possuem uma maior afinidade com o tecido epileptogênico.
Nossa hipótese é de que a ocorrência de OAF em ECoG intra-operatório, em
comparação às EI possui maior acurácia na predição do controle das crises em pacientes
com EMLT submetidos à cirurgia padronizada de lobectomia temporal.
Dessa forma, nosso objetivo geral é avaliar a relevância da quantificação dos
marcadores eletrocorticográficos intra-operatórios da EMLT para a determinação do
prognóstico cirúrgico.
Nossos objetivos específicos são: (1) quantificar as EI e OAF neste tipo de registro;
(2) avaliar a ocorrência dos marcadores nas diferentes etapas de registro; (3) avaliar a
distribuição espacial dos eventos; (4) correlacionar a taxa de ocorrência dos marcadores
com o resultado cirúrgico.
Parte III
Métodos
41
5 Métodos
5.1 Características clínicas dos pacientes
A casuística foi formada por dezessete pacientes com ELT-M unilateral, refratários
ao tratamento farmacológico e com indicação clínica para a realização de cirurgia, que
foram submetidos à lobectomia temporal anterior associada a amidalo-hipocampectomia
seletiva (LTA−AHS), e com registro intra-operatório de ECoG. Esses procedimentos
foram realizados entre 2003 e 2011 na Unidade de Pesquisa e Tratamento das Epilepsias
(UNIPETE) da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). O procedimento foi
provado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital São Paulo/UNIFESP sob o número
1038/03 (Anexo A).
A maioria dos pacientes era do sexo masculino (n = 11; 64%), com média de idade
na época da cirurgia de 31 anos, variando de 11 a 50 anos. Todos apresentavam crises há
mais de 10 anos (variando de 10 a 42 anos de epilepsia). A frequência de crises registradas
por pacientes variou de 1 a 180 por mês (média = 20 ± 48 ; mediana = 4), com duração
média de 2,5 minutos (variando de 30 segundos a 7 minutos). Em relação à lateralização, 11
(64%) eram do hemisfério esquerdo. Na tabela 1 podemos observar algumas características
clínicas de cada paciente.
Tabela 1 – Características clínicas dos pacientes
NOME GÊNERO
INÍCIO IDADE FREQUÊNCIA DURAÇÃO
LATERALIZAÇÃODA EPILEPSIA NA CIRURGIA DAS CRISES DAS CRISES
(anos) (anos) (crises/mês) (minutos)
1 AEF Masculino 12 34 4 1 Direita
2 CSS Masculino 16 35 4 1.5 Esquerda
3 DPV Masculino 15 41 2 1 Esquerda
4 ECS Feminino 12 50 5 3 Esquerda
5 FNP Feminino 13 29 - 5 Esquerda
6 LMP Feminino 16 35 3 2 Direita
7 MBB Feminino 32 51 2,5 5 Direita
8 OS Masculino 13 44 2,5 2,5 Direita
9 OPR Masculino 2 12 180 0,5 Direita
10 RLA Masculino 4 21 1 1 Esquerda
11 RB Masculino 0,6 16 75 1 Direita
12 RGS Masculino 7 20 12 7 Esquerda
13 RIO Masculino 14 34 1,5 3 Esquerda
14 SAT Feminino 18 29 - 3 Esquerda
15 TFFC Feminino 7 49 4 1,8 Esquerda
16 TPS Masculino 0,6 11 30 - Esquerda
17 WAS Masculino 8 44 16 2 Esquerda
Foi utilizado um registro de ECoG crônico adicional cedido pelo Centro de Cirurgia
de Epilepsias do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto
(CIREP/HCFMRP-USP). Esse sinal estava presente num arquivo contendo o registro de
42 Capítulo 5. Métodos
74 macro-eletrodos subdurais, com duração total de 1568 segundos (aproximadamente 25
minutos), do paciente JFDV, sexo feminino, com 22 anos no momento da cirurgia.
5.2 Procedimento cirúrgico e registro eletrográfico
O procedimento cirúrgico ocorreu em quatro tempos, com três etapas de registro.
No primeiro tempo, após a indução anestésica, foi realizada a exposição lateral do córtex
temporal através da incisão no escalpe, reflexão inferior do músculo temporal, craniotomia
temporal e reflexão anterior da dura-máter (BINDER; SCHRAMM, 2008).
Após a exposição, foram colocados os eletrodos, sendo 3 tiras com 8 eletrodos, uma
em cada um dos giros temporais (superior, médio e inferior) e 2 tiras com 4 eletrodos
no córtex basal, transversalmente, em contato com a porção inferior do giro temporal
inferior, o giro occipito-temporal lateral e o giro parahipocampal, realizando o registro por
10 minutos em média (Figura 3). Nas tiras utilizadas, os contatos têm um diâmetro de
4 mm (Área de 12,5 mm2) e o espaço entre cada eletrodo é de 6 mm, totalizando uma
distância de 1 cm entre os centros de contatos adjacentes.
a b
S
P
A
I
L
M
P
A
Figura 3 – Posição dos eletrodos na primeira etapa de registro. (a) Desenho esquemático
com a posição aproximada dos eletrodos neocorticais. Três tiras de 8 eletro-
dos posicionadas nos giros temporais superior, médio e inferior. (b) Desenho
esquemático com a posição aproximada dos eletrodos basais. Duas tiras de
4 eletrodos. P: Posterior; A: Anterior; I: Inferior; S: Superior; M: Medial; L:
Lateral.
No segundo tempo cirúrgico, após a retirada dos eletrodos, era realizada uma
incisão a 4,5 cm (lado dominante) ou 5,5cm (lado não dominante) do polo temporal,
perpendicular ao sulco de Sylvius, e outra, no giro temporal superior até o ventrículo,
paralelo ao sulco de Sylvius, expondo o hipocampo (BINDER; SCHRAMM, 2008). Neste
tempo foi colocada uma tira com quatro eletrodos sob a superfície exposta do hipocampo
5.3. Controle das crises no pós-operatório 43
e foram recolocadas as 3 tiras nos giros temporais superior, médio e inferior remanescentes,
e em seguida registrando por mais 10 minutos.
No terceiro tempo, foi realizada a ressecção em bloco das estruturas mediais:
hipocampo, giro parahipocampal, amigdala e fimbria (BINDER; SCHRAMM, 2008). Após
a ressecção, foi realizado o registro do sinal por mais 10 minutos, com os canais situados
nos giros temporaisremanescentes, como na etapa de registro anterior. O último tempo
cirúrgico foi a sutura por planos e recuperação anestésica.
Todos os registros foram realizados por um aparelho Nihon-Koden de 32 canais,
com uma taxa de amostragem de 1 kHz e filtro analógico passa baixa de 300 Hz. Os canais
que apresentavam cheios de artefatos foram eliminados em uma fase de pré-processamento.
5.3 Controle das crises no pós-operatório
Todos os pacientes realizaram um acompanhamento extensivo com toda a equipe
do UNIPETE/UNIFESP, antes e depois do ato cirúrgico. Para determinar o resultado
cirúrgico quanto ao controle das crises, foi utilizada a escala de Engel, descrita na tabela 2.
Tabela 2 – Classificação de resultado cirúrgico de Engel. Adaptada de Tonini et al. (2004).
Engel I - Livre de crises incapacitantes
A. Completamente livre desde a cirurgia;
B. Crises parciais simples não incapacitantes desde a cirurgia;
C. Algumas crises incapacitantes após a cirurgia, mas livre de crises
incapacitantes por > 2 anos
D. Crises generalizadas apenas com descontinuidade de DAE.
Engel II - Crises incapacitantes raras
A. Inicialmente livre de crises incapacitantes, mas ainda apresenta raras crises;
B. Raras crises incapacitantes desde a cirurgia;
C. Crises incapacitantes ocasionais desde a cirurgia, mas raras nos últimos 2 anos
D. Crises noturnas apenas.
Engel III - Melhora evidente
A. Redução evidente das crises;
B. Intervalos prolongados livres de crises somando mais de 50 % do período de
seguimento, mas inferior a 2 anos
Engel IV - Sem melhora evidente
A. Sem redução significativa das crises;
B. Sem alterações evidenciadas;
C. Piora das crises;
No final do segundo ano de seguimento, a maioria dos pacientes se encontrava
completamente livre de crise (Engel IA; N = 7; 41%). Outros quatro pacientes (24%)
ficaram livres de crises incapacitantes, sendo classificados com um Engel IB-D. Um paciente
foi classificado como Engel II (6%) e três como Engel III (18%). Por fim, dois pacientes
44 Capítulo 5. Métodos
não apresentaram melhora evidente com o procedimento, sendo classificados como Engel
IV (Figura 4).
1A
1B-D
2
3
4
Figura 4 – Distribuição do resultado cirúrgico em relação ao controle das crises no segundo
ano, de acordo com a classificação de Engel.
5.4 Detecção e classificação de espículas interictais
O método de detecção e classificação das EI é uma adaptação da ferramenta
utilizada para separação de potenciais de ação em registro extracelular (QUIROGA;
NADASDY; BEN-SHAUL, 2004).
A etapa de detecção é realizada por limiar de amplitude, ou seja, são selecionados
todos os eventos no qual o potencial elétrico é maior que a soma de cinco desvios-padrões
com a média. Em seguida, os eventos detectados passam por um processo intermediário de
extração de características por transformada discreta de wavelets. Com as características
extraídas, realiza-se o agrupamento através do método superparamagnético, objetivando
separar os eventos pela morfologia.
A última etapa consiste na exclusão dos grupos que não possuem características
de EI, como os artefatos de clipagem. Na figura 5 podemos observar a representação
esquemática do método aplicado. Todo este processo foi realizado através de rotinas
desenvolvidas na plataforma MATLAB R© (The MathWorks, Inc.).
5.5 Detecção e classificação de oscilações de alta frequência
O método de detecção das OAF é semelhante ao descrito em Bragin et al. (2004),
Crepon et al. (2009) e Lévesque et al. (2011). A primeira etapa consiste em filtrar
digitalmente o sinal original com um filtro do tipo FIR, passa banda, entre 80-300 Hz,
sem distorção de fase. Então, para cada canal extrai-se o envelope de amplitude do sinal
filtrado através da transformada de Hilbert.
5.6. Análise estatística 45
Sinal Original
Seleção de eventos
por Limiar de Amplitude
Extração de Características 
por Wavelet
+
Agrupamento pelo método
Superparamagnetico
Inspeção
Visual
EI Artefato
PT17T1CH29
Figura 5 – Detecção e classificação de espículas interictais. Do sinal original, seleciona-
se eventos com amplitude maior que o limiar de 5 desvios-padrões acima
da média. Por um processo de extração de características e agrupamento
supraparamagnético, os eventos são divididos em grupos e classificados em EI
ou Artefato por inspeção visual.
De forma semelhante ao método de detecção das EI, também se utiliza um critério
de amplitude. Desta forma, eventos que ultrapassam o limiar de cinco desvios-padrões
acima da média são considerados candidatos à OAF. O algoritmo considera o início e fim
do evento o momento em que o envelope de amplitude cruza o limiar.
A etapa seguinte consiste em verificar se o evento candidato tem no mínimo 3
ciclos completos. Isto é avaliado pela presença de pelo menos 7 máximos locais dos valores
absolutos do sinal filtrado no período do evento. Na última etapa, todos os eventos passam
por uma inspeção visual no qual são excluídos os artefatos. Na figura 6 podemos observar
o desenho esquemático do método.
5.6 Análise estatística
Para avaliar o poder de EI e OAF como teste prognósticos (COOK, 2008), isto
é, prever o risco de um determinado paciente não ficar livre de crise no pós-operatório,
utilizamos a taxa de ocorrência destes eventos para a construção de curvas ROC. Os
valores de Área Sob a Curva (AUC) foram utilizados para quantificar a robustez do método.
46 Capítulo 5. Métodos
Inspeção 
Visual
Sinal Original Sinal Filtrado
Envelope de 
Amplitude
a b
cValores 
Absolutos
d
e
0.01
0.03
0.05
10ms
50
CWT
Tempo (ms)
 
300
250
200
150
100
50
 
0 25 50
300
200
100
(UA)
F
re
q
u
ê
n
c
ia
 (
H
z
)
in
íc
io
�
m
in
íc
io
�
m
Figura 6 – Detecção e classificação de oscilações de alta frequência (a) Sinal original.
(b) Sinal filtrado entre 80-300Hz. (c) Envelope de amplitude do sinal filtrado.
Calculamos um limiar acima de 5 desvios-padrões da média. Determinamos
o início e o fim do evento ao cruzar o limiar. (d) Verificamos se o evento tem
o critério de duração que consiste ter pelo menos 7 máximos locais (3 ciclos
completos) dos valores absolutos do sinal filtrado. (e) Os eventos detectados
passam por uma inspeção visual onde são mostrados ao avaliador o sinal original,
o sinal filtrado e o espectrograma por transformada contínua de wavelets. Nesta
etapa são eliminados artefatos.
Da curva ROC, extraímos os valores de corte do maior valor da soma da sensibilidade e
especificidade.
Para cada característica avaliada, obtemos apenas um valor de de AUC. Objetivando
obter uma variabilidade para cada um destes valores, utilizamos o método que denominamos
de Leave One Out (LOO) o qual consiste em realizar a análise com subgrupos de pacientes,
deixando sempre um de fora desta. Com este tipo de análise podemos observar se o
resultado encontrado é consistente entre os pacientes e ou se é influenciado por apenas um.
Por fim, para determinar o poder estatístico, foi utilizado o método de bootstrap
(KOHAVI, 1995), que consiste em uma técnica de reamostragem aleatória, em que mantém
a variância do conjunto de dados, porém, destrói a relação com o parâmetro de interesse,
no caso, o resultado cirúrgico (Figura 7a). Neste trabalho foram realizadas 100.000 aleato-
rização por característica avaliada. Na figura 7b visualizamos o histograma dos valores de
AUC assumidos pelas aleatorizações. Observe a assemelhança com a distribuição normal.
5.6. Análise estatística 47
Consideramos estatisticamente significativos se os valores obtidos pelos valores originais
for acima do percentil 95% da distribuição aleatorizada (p > 0,05).
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100
0
500
1000
1500
2000
2500
3000
3500
4000
AUC (%)
p = 0,05
A B C D
C A D B
B D A C
1º 2º 3º 4º
a b
Figura 7 – Método de Bootstrap. (a) Exemplo de aleatorização. Para cada interação
do algoritmo os valores das taxa de ocorrência são embaralhados de forma
aleatória. (b) Histograma dos valores de AUC gerados pela aleatorização(100.000 repetições). Observe a semelhança com a distribuição normal. A linha
verde representa o percentil 95%, valores à direita deste são considerados
estatisticamente significativos (p < 0,05).
Parte IV
Resultados
51
6 Resultados
6.1 O registro eletrocorticográfico
Analisamos sinais de ECoG de 17 pacientes, gravados em três etapas cada um, em
um total de 8 horas e 40 minutos de registro. Na primeira etapa de registro, a duração
média foi de 700 segundos por paciente, variando entre 386 e 1030 segundos. Na segunda
etapa, a variação foi de 401 a 864, com média de 617 segundos. Por fim, na última etapa
a média foi de 616, variando de 481 a 978. Na figura 8 podemos observar a duração de
cada paciente em cada etapa de registro. Note que não houve diferença estatística entre as
diferentes etapas (Figura 8d).
300 650 1000
17
16
15
14
13
12
11
10
9
8
7
6
5
4
3
2
1
#
 d
o
 P
a
c
ie
n
te
Duração (s)
300 650 1000
17
16
15
14
13
12
11
10
9
8
7
6
5
4
3
2
1
#
 d
o
 P
a
c
ie
n
te
Duração (s)
300 650 1000
17
16
15
14
13
12
11
10
9
8
7
6
5
4
3
2
1
#
 d
o
 P
a
c
ie
n
te
Duração (s)
1ª 2ª 3ª
400
500
600
700
800
900
1000
D
u
ra
ç
ã
o
(s
)
Etapa de Registro
a b c d
1ª 2ª 3ª
Figura 8 – Duração por etapa de registro, na primeira (a), segunda (b) e terceira etapa de
registro (c). Boxplot da duração por etapa de registro (d).
Em relação ao número de canais registrados por paciente, na primeira etapa de
registro a média foi de 25, variando entre 13 e 31 canais. Na segunda etapa, a média foi de
23 canais (variação: 13 a 28) e na terceira foi de 18 canais (variação: 10 a 24). Na figura 9
podemos observar o número de canais registrados por paciente em cada etapa de registro.
Note que houve uma queda significativa entre a primeira e a última etapa.
Devido à diferença da duração e quantidade de eletrodos registrados entre os
pacientes e etapas de registro, os dados apresentados a partir deste momento estarão
normalizados. Para cada canal, o número de eventos identificados (n) é dividido pela
52 Capítulo 6. Resultados
0 8 16 24 32
17
16
15
14
13
12
11
10
9
8
7
6
5
4
3
2
1
#
 d
o
 P
a
c
ie
n
te
# de canais
1ª
0 8 16 24 32
17
16
15
14
13
12
11
10
9
8
7
6
5
4
3
2
1
#
 d
o
 P
a
c
ie
n
te
# de canais
2ª
0 8 16 24 32
17
16
15
14
13
12
11
10
9
8
7
6
5
4
3
2
1
#
 d
o
 P
a
c
ie
n
te
# de canais
3ª
1ª 2ª 3ª
8
16
24
32
#
 d
e
 c
a
n
a
is
Etapa de Registro
a b c d
*
Figura 9 – Número de canais de registro, na primeira (a), segunda (b) e terceira etapa de
registro (c). Boxplot do número de canais por etapa de registro (d). * p < 0,05
no teste de Kruskal-Wallis.
duração da etapa (De) e multiplicada por um fator de correção (600), obtendo-se a taxa
de ocorrência do canal (TOch) em número de eventos em 10 minutos.
TOch =
n ∗ 600
De
(6.1)
Os canais que não possuíram eventos foram eliminados do cálculo da taxa de
ocorrência por paciente (TOpt), que foi calculada como o somatório das taxas de ocorrências
dos canais (TOch), pelo número de canais ativos (Na).
TOpt =
∑Na
ch=1 TOch
Na
(6.2)
Para estimar o tamanho da área irritativa, calculamos para cada evento a proporção
de canais ativos (PA) por paciente em uma etapa de registro, representado pela razão do
número de canais ativos (Na) pelo número total de canais registrados (Nt) nesta etapa.
PA =
Na
Nt
(6.3)
6.2 Espículas interictais
O algoritmo foi eficaz na identificação das EI, sendo detectadas 36.858 eventos em
todos os registros. Na Figura 10 podemos observar exemplos de EI identificados.
6.2. Espículas interictais 53
200uV
Pt=4; ch=1; N = 620
200uV
Pt=10; ch=1; N = 240
50ms
50uV
Pt=13; ch=24; N = 156
Figura 10 – Exemplos de espículas interictais identificadas na primeira etapa de registro.
Pt: Número do pacientes; ch: Número do canal; N: Número de eventos no
canal. Linha preta: Média dos eventos. Área cinza: Desvio-padrão.
Na primeira etapa de registro, a taxa de ocorrência por paciente das EI variou de
10 a 326 eventos em 10 minutos (Média = 75; Mediana = 43); Na segunda a média foi de
76 em 10 minutos (Mediana = 98; Variação de 0 à 256); Na última a variação foi de 0 à
83, com média de 24 eventos em 10 minutos (Mediana = 17 - Figura 11).
0 200 400
17
16
15
14
13
12
11
10
9
8
7
6
5
4
3
2
1
#
 d
o
 P
a
ci
e
n
te
Taxa de Ocorrência
1ª
0 200 400
Taxa de Ocorrência
2ª
0 200 400
Taxa de Ocorrência
3ª
1ª 2ª 3ª
0
50
100
150
200
250
300
350
T
a
x
a
 d
e
 O
co
rr
ê
n
ci
a
Etapa de Registro
a b c d
Figura 11 – Taxa de ocorrência de espículas interictais nos canais ativos. (a-c) Taxa de
ocorrência por etapa de registro. A barra sólida é a média de eventos e a
barra de erro é o desvio-padrão. (a) 1a (b) 2a e (c) 3a etapa de registro. (d)
Boxplot da taxa de ocorrência por paciente das espículas interictais. Não houve
diferença significativa entre as etapas de registro. Teste utilizado: Friedman.
Quando avaliamos a proporção de canais ativos, observamos que a primeira etapa
de registro obteve em média uma área irritativa maior que as demais (Figura 12). A
média nesta etapa foi de 53%, variando de 12 à 100%, contra 21 % nas duas outras etapas
(variação de 0 à 85% na segunda e 0 à 81% na última).
Avaliando apenas a região neocortical que aproximadamente está presente em todos
os registros (12 eletrodos posteriores no primeiro tempo e dos 12 eletrodos anteriores nos
54 Capítulo 6. Resultados
0 25 50 75 100
17
16
15
14
13
12
11
10
9
8
7
6
5
4
3
2
1
#
 d
o
 P
a
c
ie
n
te
Proporção de Ativos (%)
1ª
0 25 50 75 100
Proporção de Ativos (%)
2ª
0 25 50 75 100
Proporção de Ativos (%)
3ª
1ª 2ª 3ª
0
25
50
75
100
Etapa de registro
P
ro
p
o
rç
ã
o
 d
e
 A
ti
v
o
s
 (
%
)
a b c d
*
Figura 12 – Proporção de canais com espículas interictais. (a) 1a, (b) 2a e (c) 3a etapa de
registro. (d) Boxplot com a proporção de canais com espículas interictais. A
primeira etapa de registro obteve proporcionalmente mais eletrodos ativos
que as demais. * p < 0,05 no teste de Friedman.
tempos subsequentes), não houve diferença estatística na média da taxa de ocorrência e
proporção de eletrodos ativos (Figura 13).
1ª 2ª 3ª
0
50
100
150
200
250
300
350
Etapa de registro
T
a
x
a
 d
e
 O
co
rr
ê
n
ci
a
1ª 2ª 3ª
0
25
50
75
100
Etapa de registro
P
ro
p
o
rç
ã
o
 d
e
 C
a
n
a
is
 A
ti
v
o
s
a b
Figura 13 – Taxa de ocorrência e proporção de canais ativos das espículas interictais
na região neocortical remanescente. (a) Taxa de ocorrência das espículas
interictais na região neocortical remanescente. (b) Proporção de canais com
espículas interictais. Não houve diferença estatística entre nenhum grupo.
Teste utilizado: Friedman.
Em relação à distribuição espacial, na primeira etapa de registro, as EI encontram-se
mais frequentemente nos canais anteriores na região neocortical e na região mesial nos
6.2. Espículas interictais 55
eletrodos basais. Na segunda etapa de registro, na região neocortical há uma distribuição
mais uniforme com um predomínio nos canais médio-posteriores. No hipocampo, houve
maior ativação nos eletrodos posteriores. Na terceira etapa de registro segue um padrão
uniforme (Figura 14).
1ª
2ª
3ª
Neocortical
P A
I
S
Basal
L
M
Hipocampal
P A
P A
max
min
I
S
I
S
Figura 14 – Distribuição espacial das espículas interictais. Mapas da análise de grupo com
a taxa de ocorrência normalizada das espículas interictais em cada etapa de
registro. Observe que na primeira etapa de registro, há maior quantidade de
EI nos eletrodos anteriores da região neocortical e nos eletrodos mesiais dos
eletrodos basais. Na segunda, destaca-se a presença de espículas em regiões
posteriores do hipocampo. Caixa pontilhada: Região neocortical persistente
nos 3 tempos de registro. S: Superior; M: Inferior; P: Posterior; A: Anterior;
M: Médio; L: Lateral.Os mapas individuais por paciente encontram-se no
Apêndice B.
Quanto à determinação do prognóstico, não foi possível realizar uma classificação
satisfatória utilizando a taxa de ocorrência das EI (Figura 15). Com informações apenas
da primeira etapa de registro, a AUC foi de 57%, separando os pacientes nos subgrupos
com um sensibilidade e especificidade de 71 e 70% respectivamente. Com a média dos
valores da taxa de ocorrência da segunda e terceira etapa (média da pós-ressecção), os
valores de AUC, sensibilidade e especificidade ficam 60, 71 e 60% respectivamente. Por
fim, utilizando o valor de delta, calculado como a diferença da média da pós-ressecção
subtraído da pré, obtemos 54, 71 e 60%.
56 Capítulo 6. Resultados
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100
0
500
1000
1500
2000
2500
3000
3500
4000
p = 0,305
Pré
AUC (%)
p = 0,05
Pós
p = 0,252
p = 0,05
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100
0
500
1000
1500
2000
2500
3000
3500
4000
AUC (%)
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100
0
500
1000
1500
2000
2500
3000
3500
4000
p = 0,386
Delta
AUC (%)
p = 0,05
Figura 15 – Taxa de ocorrência das espículas interictais na predição do resultado cirúrgico.
Observe que as EI não obtiveram previsão satisfatória acima da chance.
Ponto vermelho − Área sob a curva utilizando todos os pacientes. Barra
de erro verde - Leave One Out, distribuição dos valores de AUC retirando
um paciente da construção das curvas ROC. Barras azuis − Histograma
das 100.000 combinação aleatória dos valores da taxa de ocorrência entre
os pacientes (bootstrap). Linha verde − Percentil 95 % da distribuição do
bootstrap. Valores à direita desta linha é estatisticamente significativos. Pré
− Utilizando a taxa de ocorrência da primeira etapa de registro, antes de
qualquer ressecção tecidual. Pós − Média da taxa de ocorrência da segunda e
terceira etapa (após a ressecção). Delta − Subtração da média das etapas pós
subtraídas pelo tempo pré.
6.3 Oscilações de alta frequência
O algoritmo foi eficaz na detecção de OAF identificando 1.756 eventos no total, em
todos as etapas de registro. A média de tempo para realização da quantificação das OAF
por etapa de registro foi de 16 segundos, sendo a validação visual a etapa limitante. Na
Figura 16 podemos observar exemplos de eventos identificados.
Pt=4; ch=1; N = 84
500uV
Pt=10; ch=5; N = 25
500uV
Pt=17; ch=29; N = 98
50ms
50uV
500uV
50uV
50uV
Figura 16 – Exemplos de Oscilações de Alta Frequência identificadas na primeira etapa
de registro. Acima: Sinal original; Abaixo: Sinal filtrado entre 80-300Hz; Pt:
Número do Pacientes; ch: Número do Canal; N: Número de eventos no canal.
Linha preta: Média dos eventos. Área cinza: Desvio-padrão.
Apenas os pacientes 2, 3 e 8 não apresentaram nenhum evento nos três registros
realizados. A média da taxa de ocorrência na primeira etapa de registro foi de 4,4 eventos
em 10 minutos, variando de 0 à 26. Na segunda, a média foi de 2,3 eventos em 10 minutos,
com a variação entre 0 e 17. Na última etapa, a média foi de 0,5 eventos em 10 minutos,
variando entre 0 e 2,2. Podemos observar na Figura 17 a taxa de ocorrência das OAF por
canal ativos para cada etapa de registro. Note que a taxa de ocorrência é significantemente
maior na primeira etapa do que na última.
6.3. Oscilações de alta frequência 57
0 10 20 30
17
16
15
14
13
12
11
10
9
8
7
6
5
4
3
2
1
#
 d
o
 P
a
c
ie
n
te
Taxa de Ocorrência
0 10 20 30
Taxa de Ocorrência
0 10 20 30
Taxa de Ocorrência
1ª 2ª 3ª
0
5
10
15
20
25
30
T
a
x
a
 d
e
 O
c
o
rr
ê
n
c
ia
1ª 2ª 3ªa b c d
Etapa de Registro
*
Figura 17 – Taxa de ocorrência das oscilações de alta frequência nos canais ativos. (a-c)
Taxa de ocorrência por etapa de registro. A barra sólida é a média de eventos
e a barra de erro é o desvio-padrão. (a) 1a (b) 2a e (c) 3a etapa de registro. (d)
Boxplot da taxa de ocorrência por paciente das oscilações de alta frequência.*
p < 0,05 no teste de Friedman.
De forma similar, a proporção de canais com OAF na primeira etapa de registro
também foi maior que a da terceira (Figura 18). No primeiro registro, a proporção variou
de 0 à 100% dos canais, a mesma variação da segunda etapa, diferindo apenas na média
(26% e 11% respectivamente). A proporção média na última etapa foi de 7%, variando
entre 0 e 92%.
Na avaliação dos eletrodos persistentes, assim como nas EI, não houve diferença
estatística entre as etapas, nem na média de OAF por canal, e nem na área irritativa
(Figura ??).
Ao avaliar a distribuição espacial das OAF, observamos que na primeira etapa
de registro há um leve predomínio dos eletrodos mesiais na região basal. Já na segunda
etapa, há uma incidência maior na região posterior hipocampal. Na terceira etapa, há uma
distribuição difusa dos eventos (Figura 20).
Quanto ao prognóstico, as OAF se mostraram muito mais eficazes do que as EI.
Avaliando apenas o primeiro registro, observamos que a taxa de ocorrência de OAF consegue
separar satisfatoriamente os pacientes que ficaram livres de crise durante o seguimento.
Com uma AUC de 77%, sensibilidade de 100% e especificidade de 70%, o algoritmo foi
capaz de identificar os 7 pacientes que ficaram livres de crises, adicionados de 3 que não
ficaram livres, utilizando apenas as informações da primeira etapa de registro (Figura
21a).
58 Capítulo 6. Resultados
0 25 50 75 100
17
16
15
14
13
12
11
10
9
8
7
6
5
4
3
2
1
#
 d
o
 P
a
c
ie
n
te
Proporção de Ativos (%)
0 25 50 75 100
Proporção de Ativos (%)
0 25 50 75 100
Proporção de Ativos (%)
1ª 2ª 3ª
0
25
50
75
100
Etapa de registro
P
ro
p
o
rç
ã
o
 d
e
 A
ti
v
o
s
 (
%
)
1ª 2ª 3ªa b c d
*
Figura 18 – Proporção de canais com oscilações de alta frequência. (a) 1a, (b) 2a e (c) 3a
etapa de registro. (d) Boxplot com a proporção de canais com oscilações de
alta frequência. A primeira etapa de registro obteve proporcionalmente mais
eletrodos ativos que a última. * p < 0,05 no teste de Friedman.
1ª 2ª 3ª
0
5
10
15
20
25
Etapa de registro
T
a
x
a
 d
e
 O
c
o
rr
ê
n
c
ia
1ª 2ª 3ª
0
25
50
75
100
Etapa de registro
P
ro
p
o
rç
ã
o
 d
e
 A
ti
v
o
s
a b
Figura 19 – Taxa de ocorrência e proporção de canais ativos das oscilações de alta frequên-
cia na região neocortical remanescente. (a) Taxa de ocorrência das espículas
interictais na região neocortical remanescente. (b) Proporção de canais com
espículas interictais. Não houve diferença estatística entre nenhum grupo.
Teste utilizado: Friedman.
Porém, com a informação da média das taxas de ocorrências dos registros da
pós-ressecção, houve uma redução da acurácia, com uma AUC de 55%, 100% e 30% de
sensibilidade e especificidade respectivamente. Isso significa que mesmo identificando todos
os pacientes que ficaram livres de crise, 7 do outro grupo foram classificados com estes
6.3. Oscilações de alta frequência 59
1ª
2ª
3ª
Neocortical
P A
I
S
Basal
L
M
Hipocampal
P A
P A
max
min
I
S
I
S
sem OAF
Figura 20 – Distribuição espacial das oscilações de alta frequência. Mapas da análise
de grupo com a taxa de ocorrência normalizada das OAF em cada tempo
cirúrgico. Caixa pontilhada: Região neocortical persistente nos 3 tempos de
registro. S: Superior; M: Inferior; P: Posterior; A: Anterior; M: Médio; L:
Lateral. Os mapas individuais por paciente encontram-se no Apêndice B.
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100
0
500
1000
1500
2000
2500
3000
3500
4000
p = 0,026
Pré
AUC (%)
p = 0,05
0
500
1000
1500
2000
2500
3000
3500
4000
4500
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100
p = 0,355
Pós
AUC (%)
p = 0,05
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100
0
500
1000
1500
2000
2500
3000
3500
4000 Delta
AUC (%)
p = 0,05
p = 0,006
Figura 21 – Taxa de ocorrência das oscilações de alta frequência na predição do resultado
cirúrgico. Ponto vermelho − Área sob a curva utilizando todos os pacientes.
Barra de erro verde - Leave One Out, distribuição dos valores de AUC retirando
um pacienteda construção das curvas ROC. Barras azuis − Histograma
das 100.000 combinação aleatória dos valores da taxa de ocorrência entre
os pacientes (bootstrap). Linha verde − Percentil 95 % da distribuição do
bootstrap. Valores à direita desta linha é estatisticamente significativos. Pré
− Utilizando a taxa de ocorrência da primeira etapa de registro, antes de
qualquer ressecção tecidual. Pós − Média da taxa de ocorrência da segunda e
terceira etapa (após a ressecção). Delta − Subtração da média das etapas pós
subtraídas pelo tempo pré.
(Figura 21b). Por fim, utilizando o delta entre a pós- e pré-ressecção, a acurácia aumenta,
com uma AUC de 84%, uma sensibilidade de 100% e uma especificidade de 100% (Figura
21c).
60 Capítulo 6. Resultados
A Figura 22 apresenta o prognóstico determinado por paciente utilizando o valor
de corte extraído da curva ROC. Com a taxa de ocorrência da pré-ressecção, todos os
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17
0
5
10
1
A
1
D
3
A
1
B
1
A
1
A
1
C
1
C
1
A
1
A
4
A
3
A
4
A
1
A 1
A
3
B
2
B
Corte
pacientes
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17
0
5
1
A 1
D
3
A
1
B
1
A
1
A 1
C
1
C
1
A
1
A
4
A
3
A
4
A
1
A
1
A 3
B
2
B
pacientes
Corte
30
Pré Deltaa b
T
a
x
a
 d
e
 O
c
o
rr
ê
n
c
ia
Bom Prognóstico
Mau Prognóstico
Figura 22 – Prognóstico determinado pelas oscilações de alta frequência. (a) Taxa de
ocorrência na etapa pré-ressecção, note que todos os pacientes Engel IA estão
sinalizados com bom prognóstico. Entretanto, 3 pacientes de mau prognóstico
(4, 13 e 17) também estão. (b) Delta da taxa de ocorrência entre o pós- e
pré-ressecção, note que o paciente #13 muda de grupo. Bolas vermelhas: Mau
prognóstico; Bolas azuis: Bom Prognóstico.
pacientes que ficaram livres de crise (Engel IA) estão acima do valor de corte, no grupo
dos pacientes de bom prognóstico. Apenas os pacientes 4, 13 e 17, que deveriam estar
sinalizados como mau prognóstico, encontram-se acima do valor de corte. Já utilizando o
delta da taxa de ocorrência entre o pós- e pré-ressecção, o paciente de número 13 muda de
grupo, aumentando a especificidade do método.
6.4 Características clínicas
Avaliando a relação das características clínicas pré-cirúrgicas com o controle das
crises, observamos que apenas a presença de atividade interictal bilateral no EEG de
escalpe obteve significância estatística na previsão dos pacientes que ficarão livres de crise
2 anos após a cirurgia (tabela 3).
Da mesma forma, ao se comparar as características clínicas discretas com a taxa
de ocorrência das OAF, apenas a atividade ictal bilateral foi estatisticamente diferente
(Figura 23). Também não houve correlação utilizando as características clínicas contínuas
com a taxa de OAF (Figura 24).
6.5. O registro de eletrocorticografia crônico 61
Tabela 3 – Características clínicas, eletrofisiológicas e de imagem relacionadas com con-
trole das crises. * Apenas atividade ictal bilateral no EEG de escalpe teve
significância. n.s.= não significativo.
Característica
Livre de Crise
Não Sim Total
(N=10) (N=7) (N=17)
Sexo
Masculino 8 3 11
(n.s)
Feminino 2 4 6
Idade ≥ 30 anos 7 3 10
(n.s.)
< 30 anos 3 4 7
Idade ≥ 5 4 3 7
(n.s.)
de inicio < 5 6 4 10
Atividade ictal sim 5 0 5
(p < 0,05)
bilateral EEG não 5 7 12
Frequência ≥ 20/mês 2 1 3
(n.s)
de crises < 20/mês 8 6 14
Lateralização
Direita 3 3 6
(n.s)
Esquerda 7 4 11
Insulto não 6 3 9
(n.s)
prévio sim 4 4 8
EH na RNM
sim 8 5 13
(n.s)
não 2 2 4
6.5 O registro de eletrocorticografia crônico
No arquivo contendo o registro de ECoG crônico, sem a influência de anestesia,
identificamos 513 OAF no total (Figura 25). A taxa de ocorrência do paciente foi de 3,8
com os canais variando de 0 à 21,8 eventos em 10 minutos. A proporção de eletrodos com
eventos foi de 70% (52 dos 74 canais).
62 Capítulo 6. Resultados
0
10
20
Gênero
M F
−20
−15
−10
−5
0
EEG bilateral
Não Sim
Lateralização Insulto Prévio EH na RMN
D E Não Sim Não Sim
P
ré
D
e
lt
a
a b c d e
f g h i j*
Figura 23 – Características clínicas discretas por taxa de ocorrência de oscilações de alta
frequência. (a - e) Taxa de ocorrência na pré-ressecção. (f - j) Delta da taxa
de ocorrência. (a / f) Gênero; (b / g) Atividade ictal bilateral no EEG; (c
/ h) Lateralização; (d / i) Insulto prévio; (e / j) Esclerose hipocampal na
ressonância magnética nuclear. M - Masculino; F - Feminino; D - Direita; E -
Esquerda
−10
0
10
20
30
P
re
R
2
 = 0.063059
 
 
0 20 40 60
−30
−20
−10
0
10
Idade na Cirurgia
D
e
lt
a
R
2
 = 0.063396
 
 
0
R
2
 = 0.01376
 
 
data
!tted curve
0 100 200
0
Frequência de Crises
R
2
 = 0.013892
 
 
R
2
 = 0.0025707
 
 
0 20 40
Idade de Início
R
2
 = 0.0025205
 
 
d
a cb
e f
Figura 24 – Características clínicas contínuas por taxa de ocorrência de oscilações de alta
frequência. (a - c) Taxa de ocorrência na pré-ressecção. (d - f) Delta da taxa
de ocorrência. (a / d) Idade na cirurgia. (b / e) Idade de início da epilepsia.
(c / f) Frequência das crises.
6.5. O registro de eletrocorticografia crônico 63
100 200 300 400 500 600 700 800 900 1000 1100 1200 1300 1400 1500
Time (s)
0
2
4
6
8
10
12
#
 
 
10 20 30 40 50 600
10
20
30
40
50
60
70
# 
C
a
n
a
is
 
Figura 25 – Oscilações de alta frequência em eletrocorticografia crônica. Acima: Número
de OAF em bins de 10 segundos. Esquerda: Número de OAF por canal. Centro:
Rastergrama com os eventos identificados.
Parte V
Discussão
67
7 Discussão
A EMLT é o tipo de epilepsia cirurgicamente tratável de maior prevalência (BA-
NERJEE; FILIPPI; HAUSER, 2009), sendo a lobectomia temporal a cirurgia de epilepsia
mais comumente realizada (VIVES et al., 2008). O uso de ECoG intra-operatório na
ELT-M é controverso (HOLMES; CHATRIAN, 2008; NAIR; NAJM, 2008; SIMON; GER-
RARD; ESKANDAR, 2010), apesar disso, o ECoG pode ter duas principais indicações: (1)
Determinação das margens cirúrgicas; (2) Determinação de um prognóstico pós-cirúrgico
(SIMON; GERRARD; ESKANDAR, 2010).
Em relação à primeira indicação, as cirurgias padronizadas por marcos anatômicos
possuem resultados semelhantes àquelas sob medida (ENGEL, 2008; HOLMES; CHA-
TRIAN, 2008; NAIR; NAJM, 2008; SIMON; GERRARD; ESKANDAR, 2010), sendo
assim, o procedimento de escolha, por diminuir os custos e o tempo da cirurgia, bem
como por exigir menos materiais e profissionais especializados (NAIR; NAJM, 2008).
Quanto ao prognóstico, a literatura é divergente, existindo diversos estudos com resultados
favoráveis e contrários à correlação da atividade epileptiforme com o resultado cirúrgico
(HOLMES; CHATRIAN, 2008; NAIR; NAJM, 2008; SIMON; GERRARD; ESKANDAR,
2010). Entretanto, a maioria destes trabalhos utilizou apenas as EI como marcador da
atividade epileptiforme. Contudo, as EI possuem uma distribuição espacial maior do que a
área responsável pela geração das crises e a persistência ou aumento de sua atividade não
tem relação com o prognóstico (ENGEL, 2008; SIMON; GERRARD; ESKANDAR, 2010).
Recentemente, houve a descrição de OAF em estruturas responsáveis pela geração
das crises, tanto em humanos quanto em modelo animal de ELT-M (BRAGIN et al.,
1999b; BRAGIN et al., 2002; BRAGIN et al., 2004; JACOBS et al., 2008; STABA et
al., 2007; STABA et al., 2002; URRESTARAZU et al., 2007). Quando essas estruturas
geradoras de OAF são totalmente ressecadas, correlacionam-se com a ausência de crises no
pós-cirúrgico (AKIYAMA et al., 2011; DUMPELMANN et al., 2012; FUJIWARA et al.,
2012; HAEGELEN et al., 2013; JACOBS et al., 2010; OCHI et al., 2007; WU et al., 2010).
Porém, todos estes trabalhos foram realizados em outras modalidades de eletrofisiologia,
em regiões extratemporais ou em crianças, não havendo relatos de OAF em registros de
ECoG intra-operatórios em adultos com ELT-M. O curto período de registro, a taxa de
amostragem, o tamanho dos eletrodos, a qualidade do sinal e a influência de anestesia são
algumas dificuldades encontradas

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