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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DA MÍDIA NÍVEL DOUTORADO TAIANNE DE LIMA GOMES BRANQUITUDE: AS MARCAS DA OPRESSÃO NO TELEJORNALISMO DA BAHIA, DE MATO GROSSO DO SUL E DE SANTA CATARINA NATAL-RN 2022 2 TAIANNE DE LIMA GOMES BRANQUITUDE: AS MARCAS DA OPRESSÃO NO TELEJORNALISMO DA BAHIA, DE MATO GROSSO DO SUL E DE SANTA CATARINA Tese apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Estudos da Mídia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito para obtenção do título de Doutora em Estudos da Mídia, orientada pela Prof.ª Dr.ª Maria Angela Pavan e coorientada pela Prof.ª Dr.ª Denise Carvalho dos Santos Rodrigues. NATAL-RN 2022 3 Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes - CCHLA Gomes, Taianne de Lima. Branquitude: as marcas da opressão no telejornalismo da Bahia, de Mato Grosso do Sul e de Santa Catarina / Taianne de Lima Gomes. - Natal, 2022. 267 f.: il. color. Tese (doutorado) - Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Programa de Pós-Graduação em Estudos da Mídia, Natal, RN, 2022. Orientadora: Profa. Dra. Maria Angela Pavan. Coorientadora: Profa. Dra. Denise Carvalho dos Santos Rodrigues. 1. Estudos da Mídia - Tese. 2. Produção de sentido - Tese. 3. Telejornalismo - Tese. 4. Branquitude - Tese. 5. Estudos de Raça - Tese. I. Pavan, Maria Angela. II. Rodrigues, Denise Carvalho dos Santos. III. Título. RN/UF/BS-CCHLA CDU 316.774:070 Elaborado por Heverton Thiago Luiz da Silva - CRB-15/710 4 TAIANNE DE LIMA GOMES BRANQUITUDE: AS MARCAS DA OPRESSÃO NO TELEJORNALISMO DA BAHIA, DE MATO GROSSO DO SUL E DE SANTA CATARINA Tese apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Estudos da Mídia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito para obtenção do título de Doutora em Estudos da Mídia, orientada pela Prof.ª Dr.ª Maria Angela Pavan e coorientada pela Prof.ª Dr.ª Denise Carvalho dos Santos Rodrigues. BANCA EXAMINADORA _______________________________________ Profa. Dra. Maria Angela Pavan Presidente _______________________________________ Prof. Dra. Lívia Cirne de Azevêdo Pereira Examinadora interna – PPgEM – UFRN _______________________________________ Profa. Dra. Maria do Socorro Furtado Veloso Examinador interna – UFRN _______________________________________ Profa. Dra. Fernanda Ariane Silva Carrera Examinadora externa – UFRJ _______________________________________ Prof. Dr. Lourenço da Conceição Cardoso Examinador externo – UNILAB 5 Dedico estas páginas a meus pais Luiz e Eliane e aos meus irmãos Vinnie, Luanne e Papillon (in memoriam) pelo amor e incentivo a mim sempre dados. 6 AGRADECIMENTOS A Deus, ao meu anjo da guarda e aos demais anjos e guias espirituais, por me conduzirem no bom caminho, me ajudarem com seus conselhos, me consolarem em minhas aflições e sustentarem minha coragem nas provas da vida. A mim, pelo autocuidado constante e pelo autotratamento gentil e compassivo que tornaram possível esta tese. À minha família que, da forma mais disfuncional possível, possibilitou as rupturas mais importantes e libertadoras da minha vida. À minha mãe querida Maria Eliane, ao meu pai Luiz Gonzaga, a meu irmão Vinnie Gomes, à minha irmã Luanne Lima e ao meu sobrinho Heitor Gomes, por me apoiarem incondicionalmente, e a meu irmão, in memoriam, Papillon, por estar sempre junto a mim. À minha tia Meirilane Mateus de Lima, por ser incansavelmente amorosa e disponível para mim. À Companhia Brasileira de Trens Urbanos, em especial, ao meu chefe Leonardo Diniz, pela autonomia que sempre me conferiu, e a equipe na qual trabalho. Meus agradecimentos sinceros à Adriana Bressanin, Ana Maria Azevedo, Italo Camilo de Souza Bezerra, Kayo Emygdio Dias, Francisco William Braga, Marco Antônio Medeiros, Maria Cristina Rocha Rosa, Maria Denize Pessoa de Brito, Rita de Cássia da Silva, Tamires Rutinéia dos Santos, Tiago Franco e Viviane Farias. À minha orientadora Maria Angela Pavan e à minha co-orientadora Denise Carvalho dos Santos Rodrigues, que tornaram o caminho do doutorado leve, interessante e produtivo. Aos amigos que tornaram essa caminhada mais feliz, Ana Sara Passos, Anabelle Vilarim, Bruna Teles, Bruno de Paula Barbosa, Christian Bellinghausen, Ludimilla Fernandes, Luiz Henrique, Maria Julianna Formiga, Maria Luiza Barbosa, Mariana Lemos, Sara Passos, Tatiana Sinedino, Thaísa Moraes, Ticiani Morais e Vanessa Franco. À Vilma Eleoterio, pela amizade sincera, e ao meu afilhado querido Dom Eleoterio Valente. À minha ex-orientadora Valquíria Kneipp, por todo o aprendizado adquirido com a orientação e com a convivência. À psicóloga Joana D’arc Araújo, pela ajuda incansável e por acompanhar, desde 18 de dezembro de 2018, o meu lindo desabrochar. 7 Ao médico psiquiatra Filipe Theodoro, pelas conversas sinceras, pela presença ativa e pelo tratamento acertado que me estabilizou e permitiu a minha alta médica. À clínica geral e acunputurista Marjorie Sigrid pelo tratamento carinhoso e pelas conversas leves que foram essenciais para minha recuperação física e mental. Aos trabalhadores do Pronto-Socorro Lar Fabiano de Cristo e Maria do Pão, pela ajuda espiritual que possibilitou uma vida com propósito. À sanga do Centro de Estudos Budistas Bodsatva de Natal, pelas trocas e pelos encontros que incutiram em mim mais amor, bondade e compaixão. 8 “Se tencionamos compreender um discurso, devemos perguntar sistematicamente o que ele ‘cala’. O silêncio não é transparente. Ele é tão ambíguo quanto as palavras”. (Maria Aparecida S. Bento) 9 LISTA DE FIGURAS Figura 1 — Postagem do site da Kantar IBOPE Media ........................................................................ 23 Figura 2 — Postagem no site Agência de Notícias do IBGE ................................................................ 24 Figura 3 — Castigo de Escravo (1839), de Jacques Etienne Arago ...................................................... 30 Figura 4 — Postagem no site Agência de Notícias do IBGE ................................................................ 41 Figura 5 — Inserção da população negra e o mercado de trabalho ....................................................... 42 Figura 6 — Busca por Naomi Campbell no Google ............................................................................. 45 Figura 7 — Vaga para pretas, pardas e indígenas ................................................................................. 49 Figura 8 — Pesquisa Brasileira de Mídia 2016 (BRASIL, 2016) ......................................................... 52 Figura 9 — Cris Guterres concorre ao Troféu Mulher Imprensa + Diversidade .................................. 53 Figura 10 — Imagem de apresentadores do SBTMS ............................................................................ 65 Figura 11 — Imagem do apresentador Rodrigo Nascimento ................................................................ 66 Figura 12 — Imagem dos programas do SCC ......................................................................................70 Figura 13 — Imagem do Balanço Geral Florianópolis ......................................................................... 70 Figura 14 — Primeira reportagem da jornalista Glória Maria .............................................................. 85 Figura 15 — Apresentadores do Jornal Nacional ................................................................................. 89 Figura 16 — Adolescente suspeito de roubo é espancado e amarrado nu no RJ .................................. 93 Figura 17 — Apresentadores do Jornal da Manhã ................................................................................ 96 Figura 18 — Apresentadores do BA Meio Dia ..................................................................................... 97 Figura 19 — Vanderson Nascimento apresenta dois telejornais ......................................................... 100 Figura 20 — Apresentadores do Cidade Aratu ................................................................................... 101 Figura 21 — Imagem do time de jornalistas da RecordTV Itapoan .................................................... 105 Figura 22 — Imagem dos apresentadores do Bom Dia SC ................................................................. 120 Figura 23 — Imagem dos apresentadores do Jornal do Almoço......................................................... 120 Figura 24 — Apresentador do Primeiro Impacto SC .......................................................................... 123 Figura 25 — Apresentadores do SCC Meio-Dia ................................................................................. 124 Figura 26 — Apresentadora do SCC News......................................................................................... 124 Figura 27 — Apresentadora do SC no AR .......................................................................................... 126 Figura 28 — Apresentadores do Balanço Geral Florianópolis ........................................................... 127 Figura 29 — Apresentador do Cidade Alerta SC ................................................................................ 127 Figura 30 — Inserção da população negra e o mercado de trabalho ................................................... 184 10 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1 — Faixa etária por raça ou cor (BA) ................................................................................... 158 Gráfico 2 — Gênero dos entrevistados (BA) ...................................................................................... 159 Gráfico 3 — Raça ou cor dos entrevistados (BA) ............................................................................... 159 Gráfico 4 — Discriminação de raça ou cor (BA) ................................................................................ 160 Gráfico 5 — Preconceito no exercício da profissão (BA) ................................................................... 161 Gráfico 6 — Raça ou cor dos profissionais em cargos de chefia (BA) ............................................... 162 Gráfico 7 — Grau de instrução dos entrevistados (MS) ..................................................................... 166 Gráfico 8 — Gênero dos entrevistados (MS) ...................................................................................... 166 Gráfico 9 — Raça ou cor dos entrevistados (MS)............................................................................... 167 Gráfico 10 — Gênero por raça ou cor (MS) ....................................................................................... 167 Gráfico 11 — Discriminação de raça ou cor (MS) ............................................................................. 168 Gráfico 12 — Preconceito no exercício da profissão (MS) ................................................................ 169 Gráfico 13 — Raça ou cor dos profissionais em cargos de chefia (MS) ............................................ 170 Gráfico 14 — Grau de instrução dos entrevistados (SC) .................................................................... 174 Gráfico 15 — Faixa etária por raça ou cor (SC) ................................................................................. 174 Gráfico 16 — Raça ou cor dos entrevistados (SC) ............................................................................. 175 Gráfico 17 — Gênero por raça ou cor dos entrevistados (SC) ............................................................ 175 Gráfico 18 — Preconceito no exercício da profissão (MS) ................................................................ 176 Gráfico 19 — Autodeclaração dos entrevistados (BA, MS e SC) ...................................................... 181 Gráfico 20 — Gênero dos repórteres e apresentadores entrevistados (BA, MS e SC) ....................... 182 Gráfico 21 — Gênero por raça ou cor dos entrevistados (BA, MS e SC) ........................................... 182 Gráfico 22 — Gênero feminino por cor ou raça dos entrevistados (BA, MS e SC) ........................... 183 Gráfico 23 — Grau de instrução dos entrevistados (BA, MS e SC) ................................................... 185 Gráfico 24 — Grau de instrução por raça ou cor dos entrevistados (BA, MS e SC) .......................... 185 Gráfico 25 — Grau de instrução por raça ou cor dos entrevistados (BA) .......................................... 186 Gráfico 26 — Gênero feminino por grau de instrução (BA) .............................................................. 186 Gráfico 27 — Gênero por grau de instrução (MS) .............................................................................. 187 Gráfico 28 — Gênero feminino por grau de instrução (MS) .............................................................. 187 Gráfico 29 — Gênero masculino por grau de instrução (MS) ............................................................ 188 Gráfico 30 — Gênero por grau de instrução (SC)............................................................................... 188 Gráfico 31 — Gênero masculino por grau de instrução (SC) ............................................................. 189 Gráfico 32 — Grau de instrução e raça ou cor por estado (BA, MS e SC) ......................................... 189 Gráfico 33 — Gênero e grau de instrução dos entrevistados (BA, MS e SC)..................................... 190 Gráfico 34 — Gênero feminino com pós-graduação completa ........................................................... 190 Gráfico 35 — Faixa etária dos entrevistados (BA, MS e SC) ............................................................. 191 Gráfico 36 — Faixa etária por raça ou cor dos entrevistados (BA, MS e SC) .................................... 191 Gráfico 37 — Preconceito no exercício da profissão (BA, MS e SC)1 .............................................. 192 11 LISTA DE QUADROS Quadro 1 — Características de branquitude crítica e da branquitude acrítica ...................................... 35 Quadro 2 — Características de invisibilidade e neutralidade ............................................................... 36 Quadro 3 — Manifestações da branquitude na publicidade brasileira .................................................. 47 Quadro 4 — Fundadores das TVs Morena, Campo Grande e MS ........................................................ 62 Quadro 5 — Diferenças entre TV tradicional e TV interativa .............................................................. 76 Quadro 6 — Programas inovadores na narrativa audiovisual ............................................................... 88 Quadro 7 — Jornalistas do BATV ........................................................................................................ 90 Quadro 8 — Jornalistas do MS1 ...........................................................................................................90 Quadro 9 — Jornalistas do NSC Notícias ............................................................................................. 91 Quadro 10 — Imagens de jornalistas do BATV (13 a 18/09/2021) ...................................................... 97 Quadro 11 — Apresentadores do Aratu Notícias ................................................................................ 102 Quadro 12 — Imagens de jornalistas do Aratu Notícias (13 a 17/09/2021) ....................................... 102 Quadro 13 — Apresentadores de telejornais da RecordTV Itapoan ................................................... 104 Quadro 14 — Imagens de jornalistas do Bahia no Ar (13 a 17/09/2021) ........................................... 105 Quadro 15 — Apresentadoras do Bom Dia MS .................................................................................. 110 Quadro 16 — Apresentadores do MSTV 1ª Edição ............................................................................ 110 Quadro 17 — Apresentadores do MSTV 2ª Edição ............................................................................ 111 Quadro 18 — Imagens de jornalistas do MSTV 2ª Edição (24 a 29/05/2021) ................................... 111 Quadro 19 — Imagens de jornalistas do SBT MS Notícias (24 a 29/05/2021) .................................. 115 Quadro 20 — Imagens de jornalistas do Cidade Alerta MS (24 a 29/05/2021) .................................. 116 Quadro 21 — Imagens de jornalistas do NSC Notícias (08 a 13/11/2021) ......................................... 121 Quadro 22 — Imagens de jornalistas do SCC News (08 a 12/11/2021) ............................................. 124 Quadro 23 — Imagens de jornalistas do ND Notícias (08 a 12/11/2021) ........................................... 128 Quadro 24 — Pontos comuns do conceito de narrativa transmídia no jornalismo ............................. 132 Quadro 25 — Postagens de setembro/2021 no Instagram da TV Bahia ............................................. 133 Quadro 26 — Postagens de setembro/2021 no Instagram da TV Aratu ............................................. 135 Quadro 27 — Postagens de setembro/2021 no Instagram da RecordTV Itapoan ............................... 140 Quadro 28 — Postagens de maio/2021 no Instagram da TV Morena ................................................. 142 Quadro 29 — Postagens de maio/2021 no Instagram da SBTMS ...................................................... 143 Quadro 30 — Postagens de maio/2021 no Instagram da TVMS Record ............................................ 144 Quadro 31 — Postagens de novembro/2021 no Instagram do NSC Total .......................................... 146 Quadro 32 — Postagens de novembro/2021 no Instagram da NDTV Record TV ............................. 149 Quadro 33 — Postagens de novembro/2021 no Instagram da SCCSBT ............................................ 155 12 SUMÁRIO 1. APRESENTAÇÃO .......................................................................................................... 18 2. INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 21 2.1 Metodologia .............................................................................................................. 25 3. BRANQUITUDE: UMA CONSTRUÇÃO HISTÓRICA............................................ 29 3.1 Miscigenação brasileira ........................................................................................... 29 3.2 Raça: uma breve abordagem conceitual ................................................................ 32 3.3 Branco-tema: bibliografia comentada ................................................................... 32 3.4 A consolidação do branco-tema: branquitude e branquidade ............................ 35 3.5 O lugar do branco: um espaço de privilégios ........................................................ 39 3.6 Padrões hegemônicos: mídia e estética de cor ou raça ......................................... 44 4. TELEVISÃO: UM MEMORIAL DA TV BRASILEIRA ........................................... 51 4.1 Mais de 70 anos: a trajetória da tevê no Brasil ..................................................... 53 4.2 TV na Bahia .............................................................................................................. 58 4.2.1 RecordTV Itapoan .................................................................................................... 58 4.2.2 TV Aratu ................................................................................................................... 60 4.2.3 TV Bahia ................................................................................................................... 60 4.3 TV em Mato Grosso do Sul ..................................................................................... 61 4.3.1 TV Morena................................................................................................................ 62 4.3.2 SBTMS ...................................................................................................................... 63 4.3.3 TV MS ....................................................................................................................... 65 4.4 TV em Santa Catarina ............................................................................................. 66 4.4.1 NSC TV ..................................................................................................................... 68 4.4.2 SCC SBT ................................................................................................................... 69 4.4.3 NDTV Record TV ..................................................................................................... 70 4.5 Da tevê às telas: um campo em transformação ..................................................... 71 5. TELEJORNALISMO: A (IM)POSIÇÃO DA BRANQUITUDE ............................... 79 5.1 Trajetória do telejornalismo no Brasil ................................................................... 82 5.2 Atravessamentos: telejornalismo e raça ................................................................ 88 5.3 Telejornalismo na Bahia ......................................................................................... 95 5.3.1 TV Bahia ................................................................................................................... 96 5.3.2 TV Aratu ................................................................................................................. 101 5.3.3 RecordTV Itapoan .................................................................................................. 103 13 5.4 Telejornalismo em Mato Grosso do Sul ............................................................... 108 5.4.1 TV Morena.............................................................................................................. 109 5.4.2 SBTMS .................................................................................................................... 114 5.4.3 TV MS ..................................................................................................................... 116 5.5 Telejornalismo em Santa Catarina ...................................................................... 119 5.5.1 NSC TV ................................................................................................................... 120 5.5.2 SCC SBT ................................................................................................................. 123 5.5.3 NDTV ...................................................................................................................... 126 5.6 Telejornalismo em construção: interatividade e participação........................... 131 5.7 Além da TV: imagensde telejornalistas da Bahia no Instagram ...................... 133 5.7.1 @tvbahiaoficial ...................................................................................................... 133 5.7.2 @tvaratu ................................................................................................................. 135 5.7.3 @recordtvitapoan .................................................................................................. 140 5.8 Imagens de telejornalistas de Mato Grosso do Sul no Instagram ..................... 142 5.8.1 @tvmorenams ......................................................................................................... 142 5.8.2 @sbtms ................................................................................................................... 143 5.8.3 @tvmsrecord .......................................................................................................... 144 5.9 Além da TV: imagens de telejornalistas de Santa Catarina no Instagram ...... 146 5.9.1 @nsctotal ............................................................................................................... 146 5.9.2 @ndtvrecordtv ........................................................................................................ 149 5.9.3 @sccsbt .................................................................................................................. 155 6. RETRATO RACIAL: UM RECORTE DO TELEJORNALISMO ......................... 158 6.1 Bahia: entrevistas a profissionais de TV do estado mais preto do Brasil ......... 158 6.2 Mato Grosso do Sul: depoimentos de telejornalistas negros e brancos ............ 166 6.3 Santa Catarina: relatos de jornalistas do estado mais branco do País ............. 174 6.4 Diferenças e similaridades na Bahia, Mato Grosso do Sul e Santa Catarina ... 181 7. CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................... 195 REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 199 APÊNDICE A ....................................................................................................................... 208 APÊNDICE B........................................................................................................................ 209 APÊNDICE C ....................................................................................................................... 211 APÊNDICE D ....................................................................................................................... 212 APÊNDICE E........................................................................................................................ 213 APÊNDICE F ........................................................................................................................ 214 APÊNDICE G ....................................................................................................................... 215 14 APÊNDICE H ....................................................................................................................... 216 APÊNDICE I ......................................................................................................................... 217 APÊNDICE J ........................................................................................................................ 218 APÊNDICE K ....................................................................................................................... 219 APÊNDICE L........................................................................................................................ 220 APÊNDICE M ...................................................................................................................... 221 APÊNDICE N ....................................................................................................................... 222 APÊNDICE O ....................................................................................................................... 224 APÊNDICE P ........................................................................................................................ 226 APÊNDICE Q ....................................................................................................................... 228 APÊNDICE R ....................................................................................................................... 230 APÊNDICE S ........................................................................................................................ 232 APÊNDICE T........................................................................................................................ 233 APÊNDICE U ....................................................................................................................... 234 APÊNDICE V ....................................................................................................................... 235 APÊNDICE W ...................................................................................................................... 236 APÊNDICE X ....................................................................................................................... 237 APÊNDICE Y ....................................................................................................................... 238 APÊNDICE Z........................................................................................................................ 239 APÊNDICE AA .................................................................................................................... 240 APÊNDICE BB ..................................................................................................................... 241 APÊNDICE CC .................................................................................................................... 242 APÊNDICE DD .................................................................................................................... 243 APÊNDICE EE ..................................................................................................................... 244 APÊNDICE FF ..................................................................................................................... 245 APÊNDICE GG .................................................................................................................... 246 APÊNDICE HH .................................................................................................................... 247 APÊNDICE II ....................................................................................................................... 248 APÊNDICE JJ ...................................................................................................................... 249 APÊNDICE KK .................................................................................................................... 250 APÊNDICE LL ..................................................................................................................... 251 APÊNDICE MM ................................................................................................................... 252 APÊNDICE NN .................................................................................................................... 253 APÊNDICE OO .................................................................................................................... 254 APÊNDICE PP ..................................................................................................................... 255 15 APÊNDICE QQ .................................................................................................................... 256 APÊNDICE RR ....................................................................................................................257 APÊNDICE SS ...................................................................................................................... 258 APÊNDICE TT ..................................................................................................................... 259 APÊNDICE UU .................................................................................................................... 261 APÊNDICE VV .................................................................................................................... 263 APÊNDICE WW .................................................................................................................. 265 APÊNDICE XX .................................................................................................................... 267 16 RESUMO Esta tese analisa a representatividade racial no telejornalismo a partir do estudo de três estados brasileiros: Bahia, maior população preta; Santa Catarina, maior população branca do país; e Mato Grosso do Sul, estado que apresenta proporção equivalente de pretos, pardos e brancos. Isto porque a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua 2016, divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), aponta que 54,9% da população brasileira é composta por negros, trazendo à reflexão as seguintes questões: em um país constituído, majoritariamente, por negros e brancos, é possível verificar o perfil de cor ou raça preponderante entre os profissionais que atuam em frente às câmeras nos telejornais dos estados pesquisados? A branquitude se impõe nos noticiários televisivos a ponto de refletir desigualdades e privilégios em relação à cor ou raça dos jornalistas de TV? É possível verificar a percepção de telejornalistas sobre práticas de preconceito e de discriminação racial no ambiente de trabalho? A metodologia compreende avaliação qualitativa e quantitativa, com base em entrevistas estruturadas, e a análise de imagens, realizada a partir da observação de telejornais e do Instagram. Os fundamentos teóricos contam com autores como Bento (2019, 2002), Cardoso (2008, 2010, 2017, 2020), Carrera (2020), Kilomba (2019) e Sodré (1999, 2014, 2022), que trazem uma discussão sobre raça, além de Martín-Barbero (2013) e Mattos (2010), que abordam aspectos relacionados à televisão e ao noticiário de TV. Os resultados da pesquisa apontam, a partir dos relatos de entrevistados, que a branquitude, mesmo quando não representada predominantemente em frente às câmeras no telejornalismo, impõe-se de forma racista nos bastidores, uma vez que os jornalistas pretos entrevistados relatam episódios de discriminação racial. A partir dos depoimentos, também foi possível verificar que a maior parte das pessoas brancas entrevistadas não apresentam uma percepção sobre práticas de preconceito e de discriminação racial no ambiente de trabalho. Espera-se que o resultado da pesquisa possa ajudar a fomentar o debate sobre a representatividade racial no jornalismo brasileiro. Palavras-chave: Estudos da Mídia. Produção de Sentido. Telejornalismo. Branquitude. Estudos de Raça. 17 ABSTRACT This dissertation analyzes the racial representation in TV journalism based on the study of three Brazilian states: Bahia, which has the largest black population in the country; Santa Catarina, which has the largest white population in the country; and Mato Grosso do Sul, which has an equivalent proportion of black, brown, and white people. According to the 2016 National Continuous Household Sample Survey, released by the Brazilian Institute of Geography and Statistics (IBGE), 54.9% of the Brazilian population is composed of black people, arousing the reflection of the following questions: in a country mainly constituted by black and white people, is it possible to verify the preponderant color or race profile among the professionals who work in front of the cameras on the television news in the surveyed states? Does whiteness impose itself on television news to the point of reflecting inequalities and privileges in relation to the color or race of TV journalists? Is it possible to verify the perception of TV journalists about practices of prejudice and racial discrimination in their work environment? The methodology of this research comprises a qualitative and quantitative assessment, based on structured interviews, and an image analysis, carried out from the observation of both television news and Instagram. The theoretical foundations rely on authors such as Bento (2019, 2002), Cardoso (2008, 2010, 2017, 2020), Carrera (2020), Kilomba (2019), and Sodré (1999, 2014, 2022), who bring a discussion about race; in addition to Martín-Barbero (2013) and Mattos (2010), who address aspects related to television and TV news. Based on the accounts of the interviewees, the results of the research indicate that whiteness, even when it is not predominantly represented in front of the cameras in TV journalism, imposes itself in a racist manner in the backstage, since black journalists interviewed report episodes of racial discrimination. From the testimonies, it was also possible to verify that most of the white people interviewed do not have a perception of prejudice and racial discrimination practices in the work environment. It is expected that the result of this research might help to foster the debate on racial representation in Brazilian journalism. Keywords: Media Studies. Production of Sense. TV Journalism. Whiteness. Race Studies. 18 1. APRESENTAÇÃO “Mas por que você vai falar de uma coisa que todo mundo sabe? Só tem branco mesmo na TV, e aí?”, perguntou um professor branco. Em muitos momentos, tive a sensação que, para alguns, o tema não fazia sentido ou era óbvio demais para ser estudado. De todo modo, segui adiante e, durante essa trajetória, pequenas e importantes constatações evidenciaram o quanto ainda é necessário falar sobre representatividade racial. Mergulhar nessas questões tem sido um exercício recente para mim. Oportunamente, esclareço que, como a imparcialidade é uma falácia, eu parto do ponto de vista e da experiência racial de ser branca. Cabe registrar que sendo eu uma mulher branca, privilegiada, que reconhece as vantagens e os benefícios implícitos e explícitos aos quais tive acesso ao longo da minha vida, a pesquisa é uma oportunidade de autorreflexão sobre a minha atuação sócio- política na sociedade e na academia, na busca de desenvolver formas de agir politicamente. “Você está preparada para as críticas?”. Dessa vez, uma professora branca dirigiu a mim essa pergunta. A inquietação gerada por esse questionamento me fez refletir sobre o incômodo do branco diante da crítica do negro, tema, inclusive, já abordado pelo historiador Lourenço Cardoso1. Considerado um dos autores brasileiros mais importantes da atualidade que trata sobre branquitude, Cardoso afirma que “O suposto branco aliado na verdade não quer ser criticado pelos negros. Se possível, deseja ser elogiado. Qual a razão para o elogio? O branco quer ser elogiado por lutar contra a opressão? Ser elogiado por fazer o que é certo do ponto de vista ético, moral e legal”2. Então, levando em conta a deformidade moral e ética que carrega a raça branca (BENTO, 2019) e considerando, ainda, que teóricos brancos são omissos a respeito de si, silenciam sobre o que é ser branco e construíram sua humanidade de forma desumana (CARDOSO, 2021), me sinto impelida a deslocar o branco para condição de objeto de estudo. A ideia da tese surgiu durante a disciplina de Seminários em Comunicação II – Aspectos da Comunicação Contra-Hegemônica. Estimulada pelas discussões em sala de aula sobre1 Dados da Agência IBGE Notícias. Disponível em: https://elastica.abril.com.br/especiais/racismo-branquitude- lourenco-cardoso-novos-paradigmas/. Acesso em: 5 out. 2021. 2 Dados da Agência IBGE Notícias. Disponível em: https://elastica.abril.com.br/especiais/racismo-branquitude- lourenco-cardoso-novos-paradigmas/. Acesso em: 5 out. 2021. https://elastica.abril.com.br/especiais/racismo-branquitude-lourenco-cardoso-novos-paradigmas/ https://elastica.abril.com.br/especiais/racismo-branquitude-lourenco-cardoso-novos-paradigmas/ https://elastica.abril.com.br/especiais/racismo-branquitude-lourenco-cardoso-novos-paradigmas/ https://elastica.abril.com.br/especiais/racismo-branquitude-lourenco-cardoso-novos-paradigmas/ 19 supremacia3 e protecionismo brancos4, observei que havia muitos jornalistas brancos na bancada dos telejornais nacionais. Foi na sala de aula que compreendi como o racismo se estruturou na sociedade brasileira e está entranhado na mídia. Então, convenci-me de que este trabalho poderia ajudar a fomentar o debate no telejornalismo brasileiro e, quem sabe, contribuir um pouco para a mudança do status quo, sem querer, de forma alguma, ser pretenciosa. Aqui eu proponho, a partir da minha experiência, falar criticamente sobre a branquitude. Torço para que, assim como eu, todos tenham lugar de fala assegurado e acesso a espaços discursivos privilegiados, sem falar no direito de ser efetivamente ouvido. Acredito que os olhos que são tocados por textos e imagens podem levar a um futuro diferente, como diz o antropólogo Etienne Samain (2012, p. 22): “toda imagem [...] nos oferece algo para pensar: ora um pedaço de real para roer, ora uma faísca de imaginário para sonhar”. É sobre esse “pedaço de real para roer” que eu me proponho a falar aqui. Inicialmente, tive acesso à pesquisa organizada pelo coletivo de mídia Vaidapé5, a qual quantificou o número de apresentadores por cor ou raça em programas de televisão (entretenimento, infantil, religioso, educativo e jornalismo), nos anos de 2016 e 2017, e apontou 261 brancos em uma amostra de 271 pessoas. Intrigada com essa constatação e diante dos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)6, que mostram que 54,9% da população brasileira é composta por pardos e pretos, surgiu a curiosidade de analisar os telejornais locais, de modo a verificar se a população majoritária estadual estava representada na tela da TV. Considerando, então, a estudiosa Bento (2002, p. 26), que afirma que “o foco da discussão é o negro e há um silêncio sobre o branco”, e levando em conta que, ainda, há muitos trabalhos acadêmicos que trazem o “negro-tema” (RAMOS, 1957), como objeto de pesquisa, resolvi focar a pesquisa no lugar do branco no debate sobre desigualdades raciais, trazendo à luz o conceito de branquitude. 3 “A supremacia branca é uma ideologia racista que se baseia na crença de que os brancos são superiores em muitos aspectos às pessoas de outras raças e que, portanto, os brancos devem ser dominantes sobre outras raças” (SAAD, 2020, p. 25). 4 Protecionismo branco é um mecanismo pelo qual os brancos podem evitar designações desviantes ou criminais, uma vez que brancos trabalham para proteger os brancos “caídos” (e neste caso, as mulheres) de transgredir os limites de branquitude aceitos e laureados em ideais de bondade e pureza (DIRCKS et al., 2014, p. 170). 5 Dados do site Vaidapé. Disponível em: http://vaidape.com.br/2020/03/ligacao-do-crime-organizado- internacional-com-extrema-direita-explica-prisao-de-ronaldinho/. Acesso em: 16 ago. 2019. 6 Dados da Agência IBGE Notícias. Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012- agencia-de-noticias/noticias/18282-populacao-chega-a-205-5-milhoes-com-menos-brancos-e-mais-pardos-e- pretos. Acesso em: 16 ago. 2019. http://vaidape.com.br/2020/03/ligacao-do-crime-organizado-internacional-com-extrema-direita-explica-prisao-de-ronaldinho/ http://vaidape.com.br/2020/03/ligacao-do-crime-organizado-internacional-com-extrema-direita-explica-prisao-de-ronaldinho/ https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/18282-populacao-chega-a-205-5-milhoes-com-menos-brancos-e-mais-pardos-e-pretos https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/18282-populacao-chega-a-205-5-milhoes-com-menos-brancos-e-mais-pardos-e-pretos https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/18282-populacao-chega-a-205-5-milhoes-com-menos-brancos-e-mais-pardos-e-pretos 20 Por fim e não menos importante, cabe destacar que, ao longo do trabalho, foram imperativos alguns ajustes, seja pela dificuldade de acesso a dados da pesquisa e aos entrevistados; pela crise de pânico que me paralisou em 2019; pelos transtornos de ansiedade que se apresentaram em mim ligados ao contexto de isolamento e insegurança gerado pela covid-19; e, ainda, em razão das constantes leituras e do surgimento incessante de novas questões intrigantes e relevantes para a pesquisa. Foi árduo e, também, prazeroso, o caminho de gestação desta tese. 21 2. INTRODUÇÃO “98% dos jornalistas que se declaram pretos ou pardos consideram que os profissionais de imprensa negros (classificação do IBGE para a soma de pretos e pardos) enfrentam mais dificuldades em suas carreiras do que os colegas brancos”7; e “Só 20% dos jornalistas são negros nas redações brasileiras”8. Essas foram algumas das matérias publicadas na imprensa, em novembro de 2021, após o lançamento do estudo Perfil Racial da Imprensa Brasileira9. Partindo dessas constatações e levando em conta os dados do IBGE, que apontam que a distribuição da população brasileira por cor ou raça é de 46,7% de pardos, 44,6% de brancos e 8,2% de pretos, esta tese tem como objetivo identificar e analisar a representatividade racial no telejornalismo, uma vez que a televisão continua tendo um papel de protagonismo na sociedade brasileira, mesmo diante da crescente ascensão da internet como plataforma distribuidora de conteúdo. Enquanto o levantamento da Kantar IBOPE Media10, de 2018, mostra que o hábito de assistir à TV regularmente chega a 93% da população nas principais regiões metropolitanas do país, uma reportagem da Agência Brasil11, de dezembro de 2019, aponta o WhatsApp como a principal fonte de informação para 79% dos entrevistados, seguido pela televisão e por outros aplicativos digitais, como o Instagram. Diante disso, com intuito de discutir sobre representatividade racial no telejornalismo, esta tese realizou pesquisas junto a jornalistas e analisou as imagens de TV e do Instagram dos principais noticiários televisivos da Bahia, estado com a maior proporção de pardos e pretos do Brasil, mais de 76%, segundo dados do IBGE12; Santa Catarina, que possui a maior população branca do país, quase 84%; e Mato Grosso do Sul, que apresenta proporção equivalente de brancos, 47,2%, e de pretos e pardos, 48,4%. 7 Disponível em: https://www.poder360.com.br/brasil/so-20-dos-jornalistas-sao-negros-nas-redacoes-brasileiras/. Acesso em: 14 ago. 2022. 8 Disponível em: https://abraji.org.br/noticias/98-dos-jornalistas-negros-apontam-dificuldades-para-desenvolver- carreira-diz-estudo/. Acesso em: 14 ago. 2022. 9 Disponível em: http://www.jornalistasecia.com.br/files/perfilracialdaimprensabrasileira.pdf. Acesso em: 14 ago. 2022. 10 Dados do site da Kantar IBOPE Media. Disponível em: https://www.kantaribopemedia.com/televisao-a- abrangencia-e-a-influencia-do-meio-mais-presente-na-vida-dos-brasileiros/. Acesso em: 16 ago. 2020. 11 Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2019-12/whatsapp-e-principal-fonte-de- informacao-do-brasileiro-diz-pesquisa.Acesso em: 31 maio 2022. 12 Disponível em: https://sidra.ibge.gov.br/Tabela/3175#resultado. Acesso em: 16 ago. 2019. https://www.poder360.com.br/brasil/so-20-dos-jornalistas-sao-negros-nas-redacoes-brasileiras/ https://sul21.com.br/noticias/geral/2021/08/negros-sao-apenas-59-dos-reporteres-e-apresentadores-no-telejornalismo-gaucho/ https://sul21.com.br/noticias/geral/2021/08/negros-sao-apenas-59-dos-reporteres-e-apresentadores-no-telejornalismo-gaucho/ http://www.jornalistasecia.com.br/files/perfilracialdaimprensabrasileira.pdf https://www.kantaribopemedia.com/televisao-a-abrangencia-e-a-influencia-do-meio-mais-presente-na-vida-dos-brasileiros/ https://www.kantaribopemedia.com/televisao-a-abrangencia-e-a-influencia-do-meio-mais-presente-na-vida-dos-brasileiros/ https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2019-12/whatsapp-e-principal-fonte-de-informacao-do-brasileiro-diz-pesquisa https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2019-12/whatsapp-e-principal-fonte-de-informacao-do-brasileiro-diz-pesquisa https://sidra.ibge.gov.br/Tabela/3175#resultado 22 O estudo foca nos telejornais locais das afiliadas da Globo, Record e SBT, emissoras de maior audiência do Brasil, conforme dados do site UOL13, tendo em vista não haver pesquisas públicas do IBOPE que apontem as principais TVs dos estados pesquisados. A tese abarca, ainda, o perfil do Instagram das mencionadas emissoras. Entre as perguntas-problema que motivaram a realização deste trabalho, estão: em um país constituído, majoritariamente, por negros e brancos, é possível verificar o perfil de cor ou raça preponderante entre os profissionais que atuam em frente às câmeras nos telejornais dos estados pesquisados? A branquitude se impõe nos noticiários televisivos a ponto de refletir desigualdades e privilégios em relação à cor ou raça dos jornalistas de TV? É possível verificar a percepção de telejornalistas sobre práticas de preconceito e de discriminação racial no ambiente de trabalho? Uma das hipóteses tem como base a tese de Brown (2005), de que o branco é utilizado ainda na sociedade contemporânea como padrão cultural. Sobre isso, Sodré (1999, p. 244) afirma que existe uma superioridade imaginária envolvendo o branco, enquanto o negro está fora da “imagem ideal de trabalhador livre, por motivos eurocentrados”. O autor complementa: A mídia é o intelectual coletivo desse poderio, que se empenha em consolidar o velho entendimento de povo como “público”, sem comprometer-se com causas verdadeiramente públicas nem com a afirmação da diversidade da população brasileira. O racismo modula-se e cresce à sombra do difusionismo culturalista euramericano e do entretenimento rebarbativo oferecido às massas pela televisão e outros ramos industriais do espetáculo (SODRÉ, 1999, p. 244). A pesquisa analisa a mídia como estrutura de poder no contexto sociocultural e, ainda, como reprodutora de padrões hierárquicos, partindo da análise de Martín-Barbero (2013) e de Bourdieu (1997), que destacam o papel central que a TV tem na vida cotidiana. Martín-Barbero (2013, p. 295) escreve que “se a televisão na América Latina ainda tem a família como unidade básica de audiência é porque ela representa para a maioria das pessoas a situação primordial de reconhecimento”. Bourdieu (1997, p. 23) entende que “há uma proporção muito importante de pessoas que não leem nenhum jornal, que estão devotadas de corpo e alma à televisão como fonte única de informações”. A afirmação, feita há mais de duas décadas, encontra respaldo nos dias de hoje, pois, segundo a Pesquisa Brasileira de Mídia (PBM) de 2016, a televisão é, atualmente, a 13 Disponível em: https://www.uol.com.br/splash/noticias/ooops/2020/06/21/ranking-30-canais-abertos-e-pagos- mais-vistos-em-maio.htm. Acesso em: 16 ago. 2020. https://www.uol.com.br/splash/noticias/ooops/2020/06/21/ranking-30-canais-abertos-e-pagos-mais-vistos-em-maio.htm https://www.uol.com.br/splash/noticias/ooops/2020/06/21/ranking-30-canais-abertos-e-pagos-mais-vistos-em-maio.htm 23 mídia mais utilizada pela população, “sendo mencionada pela quase totalidade da amostra” (BRASIL, 2016, p. 33). O estudo supracitado também revela que 77% dos entrevistados assistem TV todos os dias da semana e, em média, os brasileiros passam 4h31min por dia expostos ao televisor de 2.ª a 6.ª-feira e 4h14min nos finais de semana, números superiores aos encontrados na PBM 2014, que eram 3h29min. Uma pesquisa14 mais recente da Kantar IBOPE Media, de 2018, também mostra que a televisão é a mídia mais presente na vida da população brasileira. De acordo com o instituto, o hábito de assistir à TV chega a 93% dos brasileiros. Nos últimos 10 anos, houve, inclusive, um crescimento de 12%, conforme aponta a Figura 1. Figura 1 — Postagem do site da Kantar IBOPE Media Fonte: https://www.kantaribopemedia.com/televisao-a-abrangencia-e-a-influencia-do- meio-mais-presente-na-vida-dos-brasileiros/. Nesse contexto que demonstra, ainda, a força da TV, este trabalho traz à tona a questão da representatividade de raça na programação da televisão aberta. Como já destacado, a pesquisa organizada pelo coletivo de mídia Vaidapé15 quantificou o número de apresentadores negros em programas de televisão (entretenimento, infantil, religioso, educativo e jornalismo), nos anos de 2016 e 2017, tendo apontado apenas 10 negros em uma amostra de 271 pessoas. Silva e Moraes (2015), de forma similar, realizaram um levantamento de profissionais negros no telejornalismo do Bom Dia Brasil, da Rede Globo, e, na época, constataram que os negros eram 2,5%, em contraste com os 97,5% de brancos. Logo no início da pesquisa, também realizei uma breve observação dos telejornais do meio-dia da TV Globo na Bahia (TV Bahia), em Santa Catarina (NSC SC) e em Mato Grosso do Sul (TV Morena), no dia 6 de novembro de 2019. O levantamento não faz parte do corpus 14 Dados do site da Kantar IBOPE Media. Disponível em: https://www.kantaribopemedia.com/televisao-a- abrangencia-e-a-influencia-do-meio-mais-presente-na-vida-dos-brasileiros/. Acesso em: 16 ago. 2020. 15 Dados do site Vaidapé. Disponível em: http://vaidape.com.br/2017/06/pesquisa-apresentadores-negros-na- televisao/. Acesso em: 16 ago. 2019. https://www.kantaribopemedia.com/televisao-a-abrangencia-e-a-influencia-do-meio-mais-presente-na-vida-dos-brasileiros/ https://www.kantaribopemedia.com/televisao-a-abrangencia-e-a-influencia-do-meio-mais-presente-na-vida-dos-brasileiros/ https://www.kantaribopemedia.com/televisao-a-abrangencia-e-a-influencia-do-meio-mais-presente-na-vida-dos-brasileiros/ https://www.kantaribopemedia.com/televisao-a-abrangencia-e-a-influencia-do-meio-mais-presente-na-vida-dos-brasileiros/ http://vaidape.com.br/2017/06/pesquisa-apresentadores-negros-na-televisao/ http://vaidape.com.br/2017/06/pesquisa-apresentadores-negros-na-televisao/ 24 da pesquisa, mas foi relevante para o início dos trabalhos, pois mostra um branqueamento na TV. Tal recorte será apresentado à frente, na seção 5.2 “Atravessamentos: telejornalismo e raça”. Esses dados reforçam a branquitude, nomeada por Piza (2005, on-line) como “uma ação que se expressa em discursos sobre as desigualdades e sobre os privilégios de ser branco, em espaços brancos e para brancos”, citação teórica que se correlaciona com o problema da pesquisa. Brown (2005, p. 76, tradução nossa) também afirma que o “branco é vulgarmente utilizado como padrão cultural contra o qual todos os grupos e os indivíduos são medidos”16. Sobre esse assunto, cabe trazer à discussão o exemplo do Jornal Nacional (JN), o telejornal mais assistido do Brasil, de acordo com dados do IBOPE17. Ao longo de sua história, é possível constatar a predominância do branco na bancada do referido noticioso, conforme imagens disponíveis no site doJN18. Atualmente, três negros – Aline Midlej, Heraldo Pereira e Maria Júlia Coutinho – atuam como âncoras do JN, mas ficam responsáveis pelas edições de sábado ou pela apresentação do telejornal quando os apresentadores oficiais, William Bonner e Renata Vasconcelos, estão impossibilitados. Tal fato mostra uma dissonância, uma vez que 54,9% da população brasileira é composta por pardos e negros, conforme Figura 2. Figura 2 — Postagem no site Agência de Notícias do IBGE Fonte: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de- noticias/noticias/18282populacao-chega-a-205-5-milhoes-com-menos-brancos-e- mais-pardos-e-pretos. 16 Texto original: White is commonly used as the cultural standard against which all groups and individuals are measured and found waiting. 17 Dados do Kantar Ibope Media 2016. Disponível em: https://www.kantaribopemedia.com/dados-de-audiencia- nas-15-pracas-regulares-com-base-no-ranking-consolidado-2507-a-3107/. Acesso em: 12 ago. 2020. 18 Disponível em: http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2010/04/confira-historia-do-jn.html. Acesso em: 12 jul. 2017. https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/18282populacao-chega-a-205-5-milhoes-com-menos-brancos-e-mais-pardos-e-pretos https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/18282populacao-chega-a-205-5-milhoes-com-menos-brancos-e-mais-pardos-e-pretos https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/18282populacao-chega-a-205-5-milhoes-com-menos-brancos-e-mais-pardos-e-pretos https://www.kantaribopemedia.com/dados-de-audiencia-nas-15-pracas-regulares-com-base-no-ranking-consolidado-2507-a-3107/ https://www.kantaribopemedia.com/dados-de-audiencia-nas-15-pracas-regulares-com-base-no-ranking-consolidado-2507-a-3107/ http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2010/04/confira-historia-do-jn.html 25 Em 15 de abril de 2022, foi noticiado pela mídia o dia histórico em que o Jornal Nacional teve dois jornalistas negros na bancada do telejornal, sendo eles Aline Midlej e Heraldo Pereira. No entanto, a primeira bancada totalmente negra de um noticiário televisivo ocorreu poucos anos antes, composta por Luciana Camargo e Rodrigo Cabral, no RedeTV News, em agosto de 201819. Ademais, levando em conta que, dos 81 trabalhos sobre a temática branquitude identificados no catálogo da CAPES, a maior parte deles estão associados aos cursos de Antropologia, Sociologia e Psicologia, tendo como assuntos preponderantes aspectos da branquitude relacionados ao cotidiano escolar, à universidade e à mulher, percebe-se que há uma oportunidade de fomentar essa discussão no campo da comunicação, sobre mídia e branquitude. A tese está enquadrada na área de concentração de Estudos da Mídia e Produção de Sentido, uma vez que se propõe a analisar uma prática no campo do telejornalismo que envolve questões de cor e raça, considerando a narrativa midiática a partir da realidade de cada espectador (MARTÍN-BARBERO, 2013). Oportunamente, faz-se necessário esclarecer que o trabalho utiliza a classificação de raça/cor adotada pelo censo demográfico do IBGE: branca, preta, parda, amarela e indígena. O estudo também manteve o método adotado pelo IBGE que entende que a raça negra é resultado da soma da população parda e preta. Por fim, esta tese aponta, a partir de relatos de entrevistados, que a branquitude, mesmo quando representada minoritariamente, com apresentadores e repórteres no telejornalismo, impõe-se de forma racista nos bastidores, uma vez que os jornalistas pretos entrevistados relatam episódios de discriminação racial. Com base nos depoimentos, também foi possível verificar que a maior parte das pessoas brancas entrevistadas não apresentam uma percepção sobre as práticas de preconceito e de discriminação racial no ambiente de trabalho e muitas, simplesmente, optam pelo silêncio quando o assunto é raça. 2.1 Metodologia O corpus da pesquisa está dividido em partes distintas, porém complementares. A primeira contempla a análise de imagem de repórteres e apresentadores nos telejornais e no 19 Disponível em: https://www.metropoles.com/entretenimento/televisao/aline-midlej-e-heraldo-pereira-formam- primeira-dupla-negra-do-jn. Acesso em: 9 jun. 2022. 26 Instagram das emissoras pesquisadas, enquanto a segunda parte está relacionada às análises quantitativa e qualitativa de entrevistas realizadas com profissionais de TV. Os entrevistados foram levantados a partir dos créditos e da observação dos telejornais. O corpus principal é formado por imagens de repórteres e apresentadores captadas durante uma semana de observação dos noticiários da TV Globo, SBT e Record, na Bahia, em Mato Grosso do Sul e em Santa Catarina e durante um mês de observação do Instagram das respectivas emissoras. Por exemplo, a análise proposta teve início em maio, na semana de 24 a 29 de maio de 2021, com a observação dos telejornais da Globo, do SBT e da Record, em Mato Grosso do Sul. Então, durante todo o mês de maio, foram acompanhadas as postagens realizadas no feed do Instagram das emissoras citadas. Isto porque, na semana de 24 a 29 de maio de 2021, não houve postagens, tornando necessária a análise do mês, de 1º a 31 de maio. Na Bahia, foram consideradas as postagens do mês de setembro e, em Santa Catarina, de novembro de 2021. As imagens dos telejornais estudados foram obtidas por meio dos vídeos disponibilizados, na íntegra, na página de cada programa na internet ou por meio da gravação dos noticiários, realizada por empresa especializada em clipping de TV. As cenas pausadas foram capturadas como imagem, sem nenhum tipo de tratamento ou retoque, privilegiando a observação integral dos repórteres e apresentadores. Quanto aos registros no Instagram, de modo a observar a presença de repórteres e apresentadores nessa plataforma, as imagens foram salvas no computador em formato JPG, utilizando a tecla print screen. O período de análise foi escolhido com base no amadurecimento da pesquisa e levando em conta a possibilidade da pesquisadora no cenário atual de pandemia. No mês de setembro, foi realizada, entre os dias 13 e 18, a análise dos noticiários da Bahia. Em novembro, entre os dias 8 e 13, foi realizada a observação dos telejornais de Santa Catarina. A segunda parte do corpus utiliza, como método de abordagem, entrevistas estruturadas junto aos apresentadores, repórteres e profissionais que atuam em cargos de chefia nos estados pesquisados. No total, 99 jornalistas participaram da pesquisa. Metodologicamente, as entrevistas buscaram refletir sobre a experiência de pessoas de todas as raças dentro e fora das redações de noticiários de TV. A pesquisa está centrada no sujeito e nas recordações de fatos pessoais marcantes na sua trajetória profissional, assim como traz a opinião dos respondentes sobre estruturas racistas no ambiente de trabalho. Para a realização da pesquisa de autodeclaração de raça ou cor (Apêndice A) com os apresentadores e repórteres de emissoras de TV, foi realizado contato telefônico com as 27 emissoras e, em seguida, de posse dos e-mails e do WhatsApp, foram encaminhadas 135 pesquisas utilizando a plataforma Google Forms, sendo 45 para cada estado. Houve 29 respostas na Bahia, 27 em Mato Grosso do Sul e 33 em Santa Catarina. Importa esclarecer que os participantes não serão identificados nesta tese, sendo utilizado apenas a profissão, gênero e cor ou raça do entrevistado, quando necessário. Ademais, a fim de compreender um pouco sobre o espectro racial que paira sobre o telejornalismo naqueles estados, um outro questionário, que pode ser conferido no Apêndice B, foi enviado para profissionais que atuamem cargos de chefia, tendo quatro respostas na Bahia, quatro em Mato Grosso do Sul e duas em Santa Catarina. Os capítulos conceituais trazem, além de referenciais bibliográficos importantes, os achados coletados nas entrevistas, de modo a exemplificar as afirmações dos estudiosos que fundamentam a base teórica desta tese. Dessa forma, a partir desse método, que nomeio de teoria ilustrada, os capítulos 3, Branquitude: uma construção histórica, e 4, Televisão: um memorial da TV brasileira, contemplam depoimentos provenientes das entrevistas estruturadas. Ao longo do texto há, igualmente, declarações anônimas oriundas de experiências pessoais vividas por mim ao longo da escrita desta tese. O capítulo 5, Telejornalismo: a (im)posição da branquitude, apresenta a imagem de apresentadores e repórteres dos noticiários BATV 2ª edição (TV Bahia), Aratu Notícias (TV Aratu) e Bahia no Ar (RecordTV Itapoan), da Bahia; MSTV 2ª Edição (TV Morena), SBT MS Notícias (SBTMS) e Cidade Alerta MS (TV MS), do Mato Grosso do Sul; e NSC Notícias (NSC TV), SCC News (SCC SBT) e ND Notícias (NDTV), de Santa Catarina. O tópico contempla, ainda, as imagens de repórteres e apresentadores de telejornais, a partir das postagens realizadas pelas mencionadas emissoras no Instagram. Por fim, o capítulo intitulado “Retrato racial: um recorte do telejornalismo” apresenta o resultado final, por estado, das entrevistas estruturadas, contendo a perspectiva de telejornalistas da Bahia, de Mato Grosso do Sul e de Santa Catarina sobre questões relacionadas à branquitude e à cor ou raça no exercício da profissão. Importa destacar que a pesquisa de autodeclaração de cor ou raça com repórteres e apresentadores (Apêndice A) e a entrevista estruturada com profissionais em cargos de chefia (Apêndice B) foram devidamente aprovadas pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, CAAE 49782021.0.0000.5537. Cabe esclarecer que, nesta tese, utiliza-se a expressão não branco, como forma de demarcar a hipótese de que há, por múltiplas considerações apontadas nesta pesquisa, uma maior quantidade de pessoas brancas “em frente às câmeras” dos telejornais e nas publicações 28 do Instagram. Ademais, considera-se pertinente a utilização do termo, uma vez que o trabalho versa sobre aspectos pertinentes à branquitude. Dessa forma, enfatiza-se que o uso não está relacionado a uma percepção de sujeitos brancos como universais. A seguir, será apresentado o capítulo sobre branquitude, tema central deste trabalho, que traz aspectos importantes sobre as relações raciais brasileiras e sobre o lugar de privilégio do branco. O mesmo capítulo trata, ainda, sobre o processo de miscigenação no Brasil, os conceitos de raça e os padrões hegemônicos e estéticos de cor ou raça da mídia. Na sequência, os capítulos sobre TV e telejornalismo abordarão os mais de 70 anos da tevê, trazendo, também, a trajetória de noticiários jornalísticos da Bahia, Mato Grosso do Sul e Santa Catarina. As transformações que vêm ocorrendo em relação às telas, as propostas atuais de interatividade e participação, bem como os atravessamentos entre televisão, telejornalismo e raça também são abordados. Por fim, o trabalho culmina com a consolidação dos dados das entrevistas estruturadas. 29 3. BRANQUITUDE: UMA CONSTRUÇÃO HISTÓRICA 3.1 Miscigenação brasileira “Respondi! Pela [sic] amor de Deus! Fui sincerao kkk [sic] então cuida com pra [sic] não revelar minha identificação em hipótese alguma”. A frase dita em setembro de 2021, por um jornalista negro, sugere que a ideia de democracia racial, proposta pelo sociólogo Gilberto Freyre, em 1933, ainda hoje, quase um século depois, permanece um mito20. A mestiçagem brasileira, a qual o autor se referia, não superou os preconceitos dirigidos à raça negra, assim como não atenuou os graves contrastes sociais vividos no Brasil, especialmente, pela população preta. Pensar, então, a democracia racial sob a ótica do branco é só mais uma demonstração de autoritarismo da chamada branquitude, já que a história mostra que, desde a colonização, o sistema brasileiro mantém os privilégios de um grupo étnico-racial em prejuízo de outro. Os colonizadores perceberam a branquitude como um ponto de vantagem para brancos, representando poder, superioridade e privilégio. Desde então, o poder está estritamente ligado à identidade branca (SILVÉRIO, 2002). Poder esse que pode ser observado na produção supervalorizada de estudiosos, como Gilberto Freyre, Florestan Fernandes e outros, em contraposição a autores negros, como o pioneiro nos estudos sobre branquitude, Guerreiro Ramos; o sociólogo Clóvis Moura; o estudioso de cultura africana no Brasil, Nei Lopes; a jornalista e escritora de ascendência africana brasileira, Esmeralda Ribeiro; o pesquisador Oracy Nogueira; e a historiadora, antropóloga e filósofa Lélia Gonzalez, pioneira nas discussões sobre a relação entre racismo e sexismo na sociedade brasileira21. Angela Davis, ícone do feminismo negro norte-americano, em visita ao Brasil em 2019, disse “Por que vocês precisam buscar uma referência nos Estados Unidos? Eu aprendo mais com Lélia Gonzalez do que vocês comigo”22, trazendo à reflexão a necessidade de o brasileiro reconhecer a intelectualidade negra do País. A Figura 3, abaixo, de Jacques Etienne Arago, intitulada Castigo de Escravo, ainda diz muito sobre os dias de hoje. Máscaras de silenciamento fizeram parte do projeto colonial 20 Essa palavra foi escolhida levando em conta, principalmente, as conotações negativas que carrega, em razão da associação com o presidente Jair Bolsonaro. A democracia racial, assim como Bolsonaro, são mitos por serem tão absurdos, descabidos e desprezíveis. 21 Disponível em: https://elastica.abril.com.br/especiais/racismo-branquitude-lourenco-cardoso-novos- paradigmas/. Acesso em: 12 nov. 2021. 22 Disponível em: https://brasil.elpais.com/cultura/2020-10-25/lelia-gonzalez-onipresente.html. Acesso em: 15 abr. 2022. https://elastica.abril.com.br/especiais/racismo-branquitude-lourenco-cardoso-novos-paradigmas/ https://elastica.abril.com.br/especiais/racismo-branquitude-lourenco-cardoso-novos-paradigmas/ https://brasil.elpais.com/cultura/2020-10-25/lelia-gonzalez-onipresente.html 30 europeu. A implementação da mudez, como forma de impor a dominação, foi um dos recursos utilizados pela raça branca (KILOMBA, 2019). Figura 3 — Castigo de Escravo (1839), de Jacques Etienne Arago Fonte: https://antropologia.fflch.usp.br/files/u127/Revista%20Afro%20B.pdf O apelo “Pela [sic] amor de Deus! Fui sincerao kkk [sic] então cuida com pra [sic] não revelar minha identificação em hipótese alguma” parece revelar que práticas brutais de silenciamento permanecem presentes na sociedade contemporânea. No estado mais preto do Brasil23, será que alguns negros não se sentem seguros para falar? Esse projeto violento de imposição da mudez, implícito nas relações, precisa ser desconstruído, especialmente, por quem compõe a raça branca. Saad (2020) lembra que O que você recebe por ser branco tem um custo alto para quem não é branco. Isso pode deixá-lo enjoado e fazer com que sinta culpa, raiva e frustração, mas você não pode alterar a cor da sua pele branca para parar de receber esses privilégios, assim como uma pessoa negra não pode mudar a cor da pele para parar de ser atingida pelo racismo. O que você pode fazer é acordar para o que realmente está acontecendo (SAAD, 2020, p. 27). Desse modo, Kilomba (2019, p. 46) sugere que “Em vez de fazer a clássica pergunta moral ‘Eu sou racista?’ e esperar uma resposta confortável, o sujeito branco deveria se perguntar: ‘Como eu posso desmantelar meu próprio racismo?’”. Recorrer à ideia de uma identidade brasileiramestiça é só mais uma forma de deslegitimar as reivindicações da população afrodescendente e atravancar a discussão sobre privilégios raciais: 23 Disponível em: https://sidra.ibge.gov.br/Tabela/3175#resultado. Acesso em: 16 ago. 2019. https://antropologia.fflch.usp.br/files/u127/Revista%20Afro%20B.pdf https://sidra.ibge.gov.br/Tabela/3175#resultado 31 A afirmação da miscigenação esteve sempre associada à idéia de que nesta terra se criava uma nação com uma nova raça, os brasileiros, frutos de um hibridismo em que prevaleceria a homogeneidade racial e cultural, que deixaria para trás, de forma completamente superada, a divisão racial de nossa formação. Nasce, nesse contexto, o conhecido mito da democracia racial brasileira (ARAÚJO, 2006, p. 76). No entanto, esquece-se que os supostos aspectos positivos dessa fusão de negros, indígenas e brancos, que origina uma suposta identidade brasileira única, só beneficia a raça branca. “A elite continua branca, a classe média alta continua branca, e os seus filhos ocupam maciçamente a universidade pública brasileira e reagem de forma indignada contra qualquer ameaça aos seus privilégios” (ARAÚJO, 2006, p. 78). A miscigenação é uma realidade apenas nas classes populares e, embora neguem, os brancos lutam para manter esse status quo. Quando, por exemplo, questionam cotas raciais, reproduzem o discurso elitista de uma minoria e expressam o desejo de perpetuar as desigualdades raciais presentes na sociedade brasileira. Considerando (ou quiçá inventando) seu grupo como padrão de referência de toda uma espécie, a elite fez uma apropriação simbólica crucial que vem fortalecendo a autoestima e o autoconhecimento do grupo branco em detrimento dos demais, e essa apropriação acaba legitimando sua supremacia econômica, política e social (BENTO, 2002, p. 25). A pesquisa de Lia Schucman (2020) lembra que a cultura nacional e as identidades brancas e não brancas têm sido historicamente criadas, recriadas, significadas e redefinidas a partir das trocas entre a África, a Europa e as Américas: Corresponde à cadeia de processos históricos que começa com o projeto moderno de colonização, que desencadeou a escravidão, o tráfico de africanos para o Novo Mundo, a colonização, as formações e construções de novas nações e nacionalidades em toda a América e a colonização da África. Portanto, são nesses processos históricos que a branquitude começa a ser construída como um constructo ideológico de poder, em que os brancos tomam sua identidade racial como norma e padrão, e dessa forma outros grupos aparecem ora como margem, ora como desviantes, ora como inferiores (SCHUCMAN, 2020, p. 49-50). As sociedades colonizadas por europeus foram estruturadas pela dominação do branco e a raça foi utilizada para justificar a violência colonial, favorecendo e perpetuando, até os dias atuais, privilégios e vantagens a esse grupo racial. A branquitude, resultado dessa relação colonial, orientou lugares sociais para brancos e não brancos (SILVA, 2017, p. 22). Diante disso, as próximas seções deste trabalho trarão uma breve abordagem conceitual de raça, além de estudos sobre a branquitude, abarcando os privilégios que cercam a raça branca e os padrões hegemônicos da mídia. 32 3.2 Raça: uma breve abordagem conceitual O conceito de raça desta tese passa pela perspectiva de Guimarães (1999c apud SCHUCMAN, 2020), que utiliza o termo “raça social”, que não se refere a questões biológicas, mas a maneiras de classificar e identificar os seres humanos. “Construtos sociais, formas de identidade baseadas numa ideia biológica errônea, mas eficaz socialmente, para construir, manter e reproduzir diferenças e privilégios” (GUIMARÃES, 1999c, p. 153 apud SCHUCMAN, 2020, p. 85). Nessa perspectiva, as características étnicas são percebidas como marcadores de diferenças e privilégios na sociedade, não estando associadas a dados biológicos (CARRERA, 2020). Joel Zito Araújo (2006) cita que o preconceito racial brasileiro se atém às aparências, às marcas fenotípicas e, para o autor, “quanto mais traços físicos de negros, mais problemas” (ARAÚJO, 2006, p. 76). [...] a raça, como um fator fenotípico pois historicamente elaborado, é um dos critérios mais relevantes que regulam os mecanismos de recrutamento para ocupar posições na estrutura de classes e no sistema de estratificação social. Apesar de suas diferentes formas (através do tempo e espaço), o racismo caracteriza todas as sociedades capitalistas multirraciais contemporâneas. Como ideologia e como conjunto de práticas cuja a eficácia estrutural manifesta-se numa divisão racial do trabalho, o racismo é mais do que um reflexo epifenomênico da estrutura econômica ou um instrumento conspiratório usado pelas classes dominantes para dividir os trabalhadores. Sua persistência histórica não deveria ser explicada como mero legado do passado, mas como servindo aos complexos e diversificados interesses do grupo racialmente supraordenado no presente (HASENBALG, 1979, p. 118 apud SCHUCMAN, 2020, p. 65). A seção seguinte abordará a branquitude, um conceito que revela os privilégios e vantagens simbólicos e materiais obtidos por brancos e que geram profundas desigualdades nas relações cotidianas brasileiras. 3.3 Branco-tema: bibliografia comentada O branco-tema24 ou o estudo sobre o papel do branco dentro da sociedade brasileira foi iniciado nos anos 1950, com o artigo do intelectual negro Alberto Guerreiro Ramos intitulado “A patologia social do ‘branco’ brasileiro”. O texto aponta que o racismo e o ideal de beleza branca levaram a população brasileira a produzir significados positivos para o branco e 24 O termo faz referência ao “negro-tema”, de Alberto Guerreiro Ramos (1957), uma crítica aos pesquisadores que tinham como objeto de estudo apenas a raça negra. 33 significados negativos para o negro, estando a patologia no fato de o branco brasileiro enaltecer o modelo eurocêntrico, deixando de lado a sua verdadeira ancestralidade negra (RAMOS, 1957). O trabalho apresentou os conceitos “patologia-protesto” e “negro-tema”, uma vez que, na época, apenas o negro era objeto de estudo (JESUS, 2017, p. 72). Observou-se que, para compreender as relações raciais brasileiras, privilegiava-se o estudo somente sobre o negro. Dessa forma, os pesquisadores também se colocavam no papel de opressores e exploradores. O professor britânico Richard Dyer (1988), em seu livro White: Essays on Race and Culture25, aponta que os estudos que apenas se debruçaram sobre os grupos minoritários reforçaram a ideia de norma dos grupos hegemônicos. Em outras palavras, focar apenas em pesquisas sobre a raça negra contribuiu com a ideia de que o branco é a norma (DYER, 1988 apud SCHUCMAN, 2020). O sociólogo Florestan Fernandes (1978), por exemplo, no livro A integração do negro na sociedade de classes, apesar de explicitar a sua indignação com o sistema escravocrata, não analisa o papel do branco, limita-se à análise do oprimido. O autor afirma que “a escravidão deformou o seu agente de trabalho, impedindo que o negro e o mulato tivessem plenas possibilidades de colher os frutos da universalização do trabalho livre em condições de forte competição imediata com outros agentes humanos” (FERNANDES, 1978, p. 52), mas não reflete sobre a deformação do opressor. Diante disso, Bento (2019, p. 49) faz uma crítica: A decisão de escravizar ou a omissão frente ao sistema escravocrata já carrega em si indiscutíveis sinais de deformidade moral e ética. Como um estudioso de sua envergadura pôde deixar de analisar detidamente essa dimensão tão explícita do grupo branco, ao mesmo tempo que conseguiu debruçar-se sobre a ‘deformidade negra’? A deformação negra,
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