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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE - UFRN CENTRO DE TECNOLOGIA - CT CURSO DE ARQUITETURA E URBANISMO - CAU DANILO JORGE DE OLIVEIRA CAPS AD TERRA E TERRA Um estudo preliminar de projeto arquitetônico NATAL, RN 2021 DANILO JORGE DE OLIVEIRA CAPS AD TERRA E TERRA Um estudo preliminar de projeto arquitetônico Trabalho Final de Graduação do Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, apresentado no semestre letivo 2021.1 como requisito de obtenção do título de Bacharel em Arquitetura e Urbanismo. Orientação: Profª. Drª; Luciana de Medeiros NATAL, RN 2021 Oliveira, Danilo Jorge de. CapsAD terra e terra: um estudo preliminar de projeto arquitetônico / Danilo Jorge de Oliveira. - 2021. 79f.: il. Monografia (Graduação) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Tecnologia, Departamento de Arquitetura. Natal, RN, 2021. Orientadora: Luciana de Medeiros. 1. Projeto arquitetônico - Monografia. 2. Humanização - Monografia. 3. CapsAD - Monografia. 4. Integração social - Monografia. I. Medeiros, Luciana de. II. Título. RN/UF/BSE15 CDU 72.012.1 Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial Prof. Dr. Marcelo Bezerra de Melo Tinôco - DARQ - -CT Elaborado por Ericka Luana Gomes da Costa Cortez - CRB-15/344 DANILO JORGE DE OLIVEIRA CAPS AD TERRA E TERRA Um estudo preliminar de projeto arquitetônico Trabalho Final de Graduação do Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, apresentado no semestre letivo 2021.1 como requisito de obtenção do título de Bacharel em Arquitetura e Urbanismo. Orientação: Profª. Drª; Luciana de Medeiros Aprovação em ________ de ______________ de ______. BANCA EXAMINADORA ___________________________________________________ Luciana de Medeiros Professora Orientadora – UFRN ___________________________________________________ Eunádia Silva Cavalcante Professora convidada – UFRN ___________________________________________________ Henrique Ramos Arquiteto convidado Agradecimentos Segue nesta página um breve muito obrigado, simplório até demais diante de toda força, carinho, instrução e amor que recebi nesses últimos anos, em que a graduação acontecia, e que espero poder retribuir de alguma forma. À minha família, por toda a coragem e estimulo em ser alguém melhor. À minha mãe, por ser um símbolo de força. Aos meus irmãos, por me deixarem contribuir no crescimento deles e me darem motivação. Ao irmão Gabriel, em específico, por acreditar sempre. A Donizete, por mesmo sem precisar, optar por acolher e ser um outro pai. Ao meu pai, Nildo, por trazer leveza e risada sempre. As tia Deborah e Dandarah, por toda a fé e afago. E ás duas avós que não puderam ver o ciclo se fechar, sou grato pela luz que me mostraram em vida. A todos os meus amigos que estiveram entre um café e outro, obrigado pelas trocas. Luiz Antônio, por estar perto independente de qualquer coisa; Karla Brasil, por todas as risadas nos primeiros períodos e ser sempre ótima; Tatiana Regalado, por ser da família a este ponto; Alana Kelly, por todas as conversas importantes demais enquanto fazíamos coisas banais demais; a Thalita Medeiros, por todo o apoio desde a infância; e Ramon Floriano por toda a parceria e paciência na caminhada. Aos padrinhos, Graça e Emanuel por todo apoio e suporte, além de toda a orientação. À Daya e Dyego por terem estado próximos e disponíveis para compartilhar ideias, festas e celebrações. E aos quatro, por todos os almoços de domingo na casa de vovô e vovó, aproveitando a calmaria que eles foram pra nós. A Matheus Carvalho, por todo o cuidado, afeto, amor e paciência nesses últimos meses. Os vinhos, os chás e os banhos de mar também fizeram toda a diferença. Que haja mais mar daqui pra frente. A minha professora orientadora Luciana de Medeiros, que aceitou estar mais perto nessa finalização, estimular a busca por um bom resultado, trazer calma nos momentos de ansiedade, clarear as ideias confusas, questionando, e conduzindo o processo todo. A Júlia Dias, Gabriela Almeida, e Ana Beatriz Targino, amigas de curso e de vida, por toda a ajuda dada, apoio nas madrugadas, viagens feitas, sonhos compartilhados, cervejas experimentadas, e pelas xícaras de café divididas. Foi mais leve com vocês. Aos arquitetos que tive e tenho por perto, que complementaram minha formação e tenho imenso carinho e respeito: Giuliano Caldas, André Alves, Henrique Ramos, Daniela Herrera, Monique Freire, Juliane Melo, Cynara Sá, José Neto, e José Aureliano. A Nyld Angela e Meire, que abriram as portas dos seus espaços de trabalho e me permitiram realizar estudos de referência mais ricos que os virtuais, levando em consideração o período pandêmico que este trabalho foi desenvolvido. E por fim a UFRN, por ter sido uma casa durante esses anos, cenário de tantas passagens e encontros, e a todos que a compõe. AQUI CABE UM PRÓLOGO... Que se explique o contexto. Caro (a) leitor (a), Os alunos que escreveram estes trabalhos em 2020.2 (que aconteceu em 2021) não são os mesmos alunos que entraram nesta faculdade há 5, 6 ou 7 anos. Sim, nós passamos por um processo de amadurecimento enquanto acadêmicos, enquanto futuros profissionais arquitetos e urbanistas. Mas além disso, passamos por mudanças ocasionadas pela pandemia da Covid-19. Alguns mudaram de lugar de trabalho, outros mudaram de cidade... Em agosto de 2021, o Brasil já contava com mais de 570 mil vidas perdidas devido a pandemia do Sars-Cov-19. Dessa maneira, alguns de nós também perdemos pessoas na família. A pandemia afetou todos nós, é verdade. A trajetória do Trabalho Final de Graduação, que já é solitária por natureza, se tornou ainda mais. As reflexões, escritas, produções que aconteceriam nas mesas do nosso amado Galinheiro, com contribuições efervescentes de professores e colegas, foram convertidas em momentos em que estivemos cada um na companhia de si próprio – ou chamadas online que duravam o dia todo, quando muito. Portanto, caro (a) leitor (a), o trabalho que você lê aqui foi realizado num contexto diferente do que todos nós já havíamos passado. Dadas as limitações de tempo, de bibliografia, de tecnologia, de equipamento, de contato humano... Cada um fez o seu possível. O nosso melhor dentro do nosso tempo, das ferramentas que tínhamos e das condições que nos foram dadas. O que você lerá a seguir é fruto de muita determinação, persistência e trabalho duro. Te desejamos uma boa leitura (e que os tempos estejam mais tranquilos enquanto você lê isso). Renata Freire Costa em nome da Turma 2020.1 RESUMO Segundo o Datasus, o álcool em 2018 foi o responsável por 16,5 mil mortes no Brasil, sem incluir acidentes de trânsito. O Rio Grande do Norte insere-se nesse contexto com mais de 16% dos seus usuários de drogas dependentes de álcool, e mais de 12% dos dependentes possuem algum transtorno mental grave. Os Centros de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (CAPSad) são espaços que se propõe a ajudar pacientes com esse perfil através de uma dinâmica de suporte diferente da internação, com foco na integração social do indivíduo com a sociedade, e são tidos como um modelo contrário ao de isolamento dos hospitais psiquiátricos. No entanto é recorrente que sejam vistos tais centros funcionando em espaços adaptados onde a edificação original tinha outrouso, gerando locais com pouca estrutura para que esse suporte ocorra conforme o planejado. Levando em consideração que o modelo de tratamento ao paciente em sofrimento mental já é fortemente associado com locais isolados, insalubres e impessoais, os CAPSad podem atuar nessa desconstrução positivamente. No entanto, sua estrutura física precisa estar conforme os objetivos do espaço. A humanização dos ambientes hospitalares pode ser tida como uma estratégia nesse processo de suporte social que os CAPSad se propõem, através da criação de espaços mais convidativos e acolhedores, onde o indivíduo e suas relações estão em foco. Logo, pensar essa relação torna-se relevante socialmente à medida que os números obtidos de pacientes em sofrimento mental relacionados ao uso de álcool e drogas constituem um problema de saúde pública. Entende-se que através do processo de compreensão do cenário atual dos espaços de apoio psicossocial, seguido do entendimento de como a humanização na arquitetura pode interferir na concepção de um espaço deste para Natal, é possível elaborar uma proposta projetual de equipamento desse uso. Portanto, este trabalho aborda a elaboração de um estudo preliminar de um CAPSad considerando a humanização o aspecto primário para sua criação. Palavras-Chave: CAPSad, humanização, integração social, projeto. ABSTRACT According to Datasus, in 2018 alcohol was responsible for 16,500 deaths in Brazil, not including traffic accidents. Rio Grande do Norte is part of this setting with more than 16% of its drug users dependent on alcohol, and more than 12% of these addicts have some serious mental disorder. The Psychosocial Care Centers for Alcohol and Drugs (CAPSad) are spaces that aim to help patients with this profile through a support dynamic different from hospitalization, with its focus on the individual's social integration in society, and are taken as an opposite model from the isolation applied in psychiatric hospitals. However, it is recurrent that such centers are seen working in adapted spaces where the original building had another use, resulting in places with little structure for this support to take place as planned. Considering that the treatment model for patients in mental suffering is already strongly associated with isolated, unhealthy and impersonal places, CAPSad can act in this deconstruction positively. However, its physical structure must conform to the space objectives. The humanization of hospital environments can be seen as a strategy in this process of social support proposed by CAPSad, through the creation of more inviting and welcoming spaces, where the individual and their relationships are in focus. Therefore, to think about this reality becomes socially relevant, as the numbers obtained from patients in mental suffering related to the use of alcohol and drugs compose a public health problem. It is understood that through the process of understanding the current scenario of psychosocial support spaces, followed by the understanding of how humanization in architecture can interfere in the design of this space for Natal, it is possible to elaborate a project proposal for equipment for this use. Therefore, this work addresses the preparation of a preliminary study of a CAPSad considering humanization as the primary aspect for its creation. Keywords: CAPSad, humanization, social integration, project. LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1.Equipamentos que compõe a Rede de Atenção Psicossocial. .................................... 16 Figura 2. CAPS Itapeva, o primeiro CAPS do Brasil. .............................................................. 23 Figura 3.Fachada frontal da Clínica Casa Alice, com acesso marcado pela vegetação e membrana envoltória em seu perímetro frontal. ....................................................................... 29 Figura 4. Espaço "corpo", na entrada da Casa Alice. ............................................................... 30 Figura 5. Espaço gourmet, com vegetação e jardim interno próximo. ..................................... 30 Figura 6. Pórtico em tom de rosa da Clínica Médica Casa Alice. ............................................ 31 Figura 7. Acesso a Clínica Médica Casa Alice. ....................................................................... 31 Figura 8. Coworking do espaço Casa Alice. ............................................................................ 32 Figura 9. Pátio interno da Casa Alice com "a montanha" a ser escalada. ................................ 32 Figura 10. Sala da pessoa da Casa Alice, com espaço para consulta e exames rápidos. .......... 32 Figura 11. Vista a partir do espaço "corpo" do espaço "montanha" na Clínica Casa Alice. .... 33 Figura 12. Fachada frontal da Villa VIC, em Natal. ................................................................ 35 Figura 13. Varanda voltada para piscina e jardim, próxima as suítes da unidade, na Villa VIC. .................................................................................................................................................. 36 Figura 14. Zoneamento esquemático da Villa VIC. ................................................................. 37 Figura 15. Sala de refeições, na Villa VIC. .............................................................................. 38 Figura 16. Recepção da VIlla VIC. .......................................................................................... 39 Figura 17. Espaço aberto da CT Caminho de Luz, com vista do campo e do casarão. ............ 43 Figura 18. Refeitório da CT Caminho de luz. .......................................................................... 44 Figura 19. Salão azul e piscina, na CT Caminho de Luz.......................................................... 45 Figura 20. Sala de psicoterapia na CT Caminho de luz. .......................................................... 45 Figura 21. Capela na CT Caminho de luz. ............................................................................... 46 Figura 22. Mapa de elementos da RAPS implantados na região de Natal até 2017. ............... 49 Figura 23. Localização do terreno escolhido. ........................................................................... 51 Figura 24. Vista do terreno a partir da Rua Paracati. ............................................................... 51 Figura 25. Dimensões do terreno e curvas de nível no entorno imediato. ............................... 52 Figura 26. Mapa de uso do entorno imediato do terreno escolhido. ........................................ 54 Figura 27. Mapa de gabarito do bairro Planalto. ...................................................................... 55 Figura 28. Rosa dos ventos para cidade de Natal/RN. ............................................................. 56 Figura 29. Estudo de insolação na fachada noroeste. ............................................................... 57 Figura 30. Estudo de insolação na fachada nordeste. ............................................................... 57 Figura 31. Estudo de insolação na fachada sudeste. ................................................................. 58 Figura 32. Estudo de insolação na fachada sudoeste. ............................................................... 58 Figura 33. Croqui de concepção inicial, explicando o gerador primário adotado. ................... 64 Figura 34. Primeiros estudos de zoneamento e setorização. .................................................... 65 Figura 35. Estudos iniciais dos blocos, prevendo estratégias de diminuição da radiação solar direta nas fachadas através de elementos vazados.................................................................... 66 Figura 36. Estudos de volumetria considerando ascondicionantes de conforto ambiental. .... 67 Figura 37. Estudos de fachadas com elementos vazados e definição de coberturas. ............... 68 Figura 38. Estudos do "quintal', núcleo central do projeto. ...................................................... 68 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................. 11 2 OS ESPAÇOS DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL ............................................................................. 15 2.1 OS CENTROS DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL ÁLCOOL E DROGAS ............................... 15 2.2 REFORMA PSIQUIÁTRICA E O SURGIMENTOS DOS CAPSad ........................................ 20 3 HUMANIZAÇÃO EM AMBIENTES HOSPITALARES ................................................................ 24 3.1 O QUE É A HUMANIZAÇÃO .................................................................................................. 24 3.1.1 O controle do ambiente ........................................................................................................ 26 3.1.2 O suporte social .................................................................................................................... 26 3.1.3 Distrações positivas .............................................................................................................. 27 4 ESTUDOS DE REFERÊNCIAS ........................................................................................................ 29 4.1 CLÍNICA MÉDICA CASA ALICE ........................................................................................... 29 4.1.1 Casa Alice: programação arquitetônica e uso do espaço...................................................... 30 4.2 VILLA VIC PSIQUIATRIA – UNIDADE DE INTERNAÇÃO................................................ 35 4.3 CLÍNICA TERAPÊUTICA CAMINHO DE LUZ ..................................................................... 42 5 CONDICIONANTES PROJETUAIS E PROGRAMA ARQUITETÔNICO ................................... 49 5.1 TERRENO DE INTERVENÇÃO ......................................................................................... 50 5.2 CARACTERIZAÇÃO DO ENTORNO ................................................................................ 53 5.4 CONDICIONAIS LEGAIS ................................................................................................... 59 7 MEMORIAL DESCRITIVO ........................................................................................................ 71 8 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................................. 77 REFERÊNCIAS .................................................................................................................................... 78 11 1 INTRODUÇÃO A pouca discussão sobre os vícios na sociedade e a naturalização do uso do álcool como droga lícita são pontos que contribuem para uma maior existência de pessoas na nossa sociedade com algum nível de transtorno psicológico. A lotação do número de leitos em hospitais psiquiátricos, as aglomerações em pontos de consumo de drogas, ou as estatísticas de acidentes e fatalidades decorrentes do uso de tais substâncias evidenciam como há uma necessidade de se discutir mais ativamente sobre essa relação entre saúde mental e uso de drogas, sejam elas lícitas ou não. A compreensão sobre a natureza do alcoolismo e demais vícios, assim como a discussão sobre o tema saúde mental ainda são dificultadas na sociedade devido a construção histórica que se teve sobre o assunto, resultado também de um modelo de tratamento em espaços confinados, insalubres, isolados, cuja individualidade e autonomia do indivíduo não foram princípios presentes no processo. Os locais de tratamento variaram durante a história da psiquiatria, entre situações onde os doentes mentais eram parte da dinâmica social, até o momento da exclusão destes nas instituições de tratamento. No entanto, essa imagem de tratamento voltado para a retirada do paciente em sofrimento mental da sociedade e isolamento dele é um dos tópicos que contribuem para essa dificuldade em se entender a doença mental, vinculada a vícios ou não, e tem relação direta com a arquitetura desses locais. Nesse contexto, os Centros de Atenção Psicossocial são locais que se inserem nesta questão como espaços de apoio ao paciente. Inserem-se na RAPS – Rede de Atenção Psicossocial - junto com alguns outros serviços – e são parte do Sistema Único de Saúde (SUS). O CAPS Álcool e Drogas (AD) é o tipo de equipamento cuja proposta é ajudar esse perfil de paciente psiquiátrico com quadro de dependência química, buscando a promoção de uma dinâmica de suporte contrária a internação manicomial, ao buscar a integração dos pacientes com os familiares e o a permanência deles na sociedade, de acordo com o Ministério da Saúde (2015). A portaria de nº 366/GM (BRASIL, 2002a) instituiu os CAPSad como um serviço extra hospitalar, voltado para adultos, crianças ou adolescentes, dependentes de álcool e outras drogas (MARTORELLI, 2016). Os centros fazem parte das Rede de Atenção Psicossocial, instituída pela portaria de nº 3.088 em 2011 (BRASIL, 2011). No entanto, por comumente funcionarem em locais adaptados em edificações já existentes com usos anteriores distintos, apresentam aspectos negativos quanto a infraestrutura de muitos deles. A legislação existente é voltada para 12 aspectos técnicos e não considera as especificidades de cada edificação, o que requer uma interface como outras áreas de conhecimento para uma melhor implantação. A falta de uma boa estrutura física em muitos CAPS pelo Brasil pode desencorajar a busca dos pacientes e familiares pelo serviço. A unidade CAPSad Leste em Natal é um exemplo dessa situação, que segundo Freire (2017), passou por quatro endereços diferentes e apresentava condições físicas de insalubridade, ausência de áreas verdes e espaços voltados para exercícios físicos. Esse quadro é recorrente ao se pesquisar sobre estes equipamentos, cuja a implantação em edificações adaptadas gera uma série de problemas físicos, como falta de ventilação, iluminação, pouca acessibilidade, entre outros. Considerando a demanda e as fragilidades encontradas nos centros existentes, há a necessidade de se propor centros que impactem nessa imagem, ou seja, com configurações espaciais distintas do modelo de hospital psiquiátrico, mas que seja acolhedor ao usuário. Para isto, são necessários que além das questões legais, funcionais, técnicas e normativas que permeiam e condicionam o projeto de arquitetura - além das normativas especificas do uso hospitalar - leve-se em consideração técnicas para tornar tais locais mais convidativos, inclusivos, salubres e funcionais, sendo a humanização um aspecto a ser trabalhado na concepção também. Segundo Lopes e Medeiros (2004) é recorrente que se encontre o termo humanização relacionado a três elementos presentes na prestação do serviço de atenção à saúde: a assistência, o ambiente físico e a instituição. Para elas, quando se refere a assistência de serviço remete a atitude dos profissionais da saúde para com os pacientes, amenizando a complexidade dos processos envolvidos. Quando se refere ao ambiente físico, o termo “ambiente humanizado” é citado para denotar aspectos do ambiente como aconchegantes ou que trazem algum bem estar aos pacientes. Associa-se normalmente a cores, luz, vegetação. E quanto a humanização na instituição, pode-se dizer que é a exposição de uma imagem positiva, voltada à clientela em potencial. Critica-se ainda o uso do termo de forma banalizada e esvaziada de conteúdo. Assim, sem preocupação com a verdadeira extensão do seu significado, o uso do termo – com referência a ambientes ou instituiçõesde atenção à saúde – se tornou banalizado, esvaziado de conteúdo. A expressão “ambiente humanizado” pode, nesse contexto, se referir a apenas um ambiente com paredes coloridas. Mesmo a iniciativa de um grupo de voluntários vestidos de palhaços, em visita aos internos em tardes de domingo, pode dar ao hospital o status de “hospital humanizado”. (LOPES E MEDEIROS, 2004, p. 03) Criar formas de integração entre espaços fechados e abertos, internos e externos, uso de cores e texturas especificas, ou até a geometria do espaço em si são exemplos de táticas que 13 podem contribuir na criação de espaços mais humanizados. A conexão entre áreas internas e externas é uma das vias de criação de áreas multiusos, agradáveis visualmente e em outros sentidos, permitindo a interação social, gerando distrações e momentos de suporte entre os usuários. A grande variedade de estímulos presente nos espaços abertos pode vir a atenuar o estresse ao qual o paciente fica submetido. O uso de cores também pode ser uma estratégia para que se combata a monotonia dos espaços, gere pontos de atenção ou de distração em espaços de espera, ou até mesmo para que se gere alguma identidade visual para o local. Logo, a a contribuição da arquitetura para tais locais é bastante rica. A humanização de um ambiente deve-se principalmente ao partido arquitetônico adotado durante o seu planejamento. Por isso é importante o arquiteto estar inserido neste contexto, tanto pelo ponto de vista técnico e criativo, quanto pelo ponto de vista financeiro. O arquiteto deve estar a par das exigências da entidade mantenedora do programa, da equipe de trabalho do hospital e da população de pacientes que utilizará o espaço. Todas essas informações devem ser somadas aos conhecimentos técnicos necessários para a construção de uma edificação de alta complexidade, o hospital, e à capacidade criativa dos arquitetos para embutir nesse espaço complexo, sistemático e em constante evolução, os atributos de projeto que vão humanizar o ambiente, tornando-o funcional e confortável ao mesmo tempo. (VASCONCELLOS, 2004, p. 32) . Sendo assim, como propor um Centro de Apoio Psicossocial Álcool e Drogas para Natal onde os aspectos de humanização possam contribuir para tornar este local mais convidativo e acolhedor para os possíveis usuários? Este trabalho tem como objetivo geral a elaboração de um projeto arquittetônico de um Centro de Atenção Psicossocial Àlcool e Drogas (CAPS AD) para Natal (RN) considerando a humanização o aspecto primário para a criação deste espaço, tornando-o acolhedor ao paciente e integrado à sua área. Os objetivos específicos elencados são a compreensão do contexto atual dos espaços de apoio psicossocial dentro da dinâmica proposta pelo Sistema Único de Saúde; o entendimento de como a humanização pode contribuir para arquitetura destes espaços de atenção à saúde mental, incluindo a integração entre espaços internos e externos como tática de concepção projetual; a elaboração da proposta projetual considerando a reinserção social do usuário e sua relação com o local em questão, discutindo a humanização no processo de concepção. Para o alcance de tais objetivos o trabalho foi desenvolvido na seguinte ordem, e a mesma foi mantida na organização deste volume: busca pela compreensão sobre o tema, incluindo o uso escolhido e o estudo do que é a humanização, gerando o referencial teórico apresentado nos capítulos 01 e 02; na sequência, houve uma fase de estudos de referências de espaços similares, 14 afim de se conhecer espaços de usos similares e entender se a humanização se faz presente neles, expostos no capítulo 03; na sequência, foram levantadas as condicionantes projetuais, destacadas no capítulo 04; no capítulo 05 iniciou-se os estudos de projeto, com ideias de partido e conceito arquitetônico, estudos de volumetria, entre outros; no capítulo 06 são indicados os resultados alcançados através de um memorial descritivo. Vale salientar que no volume 02 as pranchas de representação técnica em arquitetura apresentam o estudo preliminar em si, com indicações geométricas, especificações gerais, dentre outros. 15 2 OS ESPAÇOS DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL Este capítulo insere-se neste trabalho final de graduação como parte da revisão bibliográfica necessária para a atividade de projetar tida como objetivo final, e sua função específica é trazer apontamentos relativos ao uso escolhido, neste caso um CAPS ad. Para isso o ponto inicial foi uma caracterização geral do que é esse equipamento de apoio a saúde mental, sua função no Sistema Único de Saúde, e um breve histórico do seu surgimento considerando o contexto da reforma psiquiátrica. Ainda, alguns conceitos chaves como desospitalização, desinstitucionalização e territorialidade também serão explanados por sua relação com a discussão existente sobre o tratamento a saúde mental e as relações do indivíduo paciente com a cidade e com os locais de apoio. 2.1 OS CENTROS DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL ÁLCOOL E DROGAS O modelo de CAPS Álcool e Drogas foi instituído no ano de 2002 através das Portarias 336/GM do Ministério da Saúde e sua função é prover atendimento a usuários de álcool em drogas em uma determinada região com acompanhamento clínico, porém com iniciativas de reinserção social utilizando o trabalho, o lazer, o apoio familiar e comunitário como parte do processo, além do exercício da cidadania (Ministério da Saúde, 2004). Este tipo de equipamento é um dos espaços substitutivos ao modelo asilar presente na história da psiquiatria, porém não é o único no Brasil. Existem outros tipos que variam de acordo com o público e o porte da área que abrange, como os CAPS I, II e III – que atendem todas as faixas etárias de pessoas que estão em sofrimento mental, e são indicados para áreas com mais de 15.000, 70.000 e 150.000 habitantes, respectivamente, sendo o III o tipo que possui atendimento 24 horas). O CAPSad atende pessoas de todas as faixas etárias e é indicado para munícios de mais de 150.000 habitantes, porém o serviço de acompanhamento 24 horas é ofertado no CAPSad III. E ainda há o CAPSi que é o indicado para atendimento de crianças e adolescentes, em municípios com mais de 70.000 habitantes (Ministério da Saúde, 2013). 16 Figura 1.Equipamentos que compõe a Rede de Atenção Psicossocial. Fonte: redehumanizasus.net (2019) A rede de atenção psicossocial formada pelos CAPS citados anteriormente, cuja distribuição foi mostrada na figura 01, acima, ainda é composta pelas unidades de acolhimento de cada centro, e podem ser para adultos ou infanto-juvenil. O Ministério da Saúde (2015) descreve: A Unidade de Acolhimento (UA), instituída pela Portaria MS/GM nº 121, de 25 de janeiro de 2012, oferece cuidados contínuos de saúde, com funcionamento de 24 horas e em ambiente residencial; objetiva oferecer acolhimento voluntário e cuidados contínuos para pessoas com necessidades decorrentes de uso de crack, álcool e outras drogas, de ambos os sexos, acompanhadas nos CAPS, em situação de vulnerabilidade social e/ou familiar e que demandem acompanhamento terapêutico e protetivo de caráter transitório. (Ministério da Saúde, 2015, p. 13.) 17 Segundo o Ministério da Saúde (2004), o primeiro Centro de Atenção Psicossocial do Brasil foi inaugurado em São Paulo, e era conhecido como CAPS da Rua Itapeva. Surge em 1986, resultado de um movimento social protagonizado pelos trabalhadores de saúde mental ao denunciar a precariedade dos hospitais psiquiátricos. A partir de então surgem outros pelo país. Apenas na Portaria GM 224/92 houve a criação oficial dos CAPS, mas o formato que o equipamento existe atualmente é posterior a regulamentação do ano 2002 na portaria do Ministério da Saúde nº336/GM (Ministério da Saúde, 2004). O contexto de criação do CAPSad pode ser brevemente caracterizado como um cenário mundial em que se questionava o modelo de tratamento aos pacientes em sofrimento mental, criticando negativamente o isolamento destes em relação a cidade e a sociedade que se dava nos hospitais psiquiátricos. Os trabalhadores da área estavam em articulação por melhorias no sistema de tratamento, reforçando a discussão sobre a saúde mental. Assim, o CAPS surge como uma alternativa nesse contexto de mudanças no tratamento a saúde mental - conhecido como reforma psiquiátrica - dentro do Sistema Único de Saúde, com a proposta de um tratamento que não retira o indivíduo da sociedade, ou seja, um espaço voltado para apoio psicossocial com diretrizes inclusivas. Dentre as atribuições do CAPS podem ser citadas: o atendimento em regime de atenção diário; rotina de projetos terapêuticos; organização da rede de serviços de saúde mental do seu território; promoção de atividades terapêuticas que promovam intersetorialidade; ser porta de entrada da RAPS, entre outros (Ministério da Saúde, 2004). O CAPSad diferencia-se dos demais pela inclusão das atividades clínicas relativas exclusivamente ao uso de drogas, como desintoxicação e internação provisória. Os CAPSad devem oferecer atendimento diário a pacientes que fazem um uso prejudicial de álcool e outras drogas, permitindo o planejamento terapêutico dentro de uma perspectiva individualizada de evolução contínua. Possibilita ainda intervenções precoces, limitando o estigma associado ao tratamento. Assim, a rede proposta se baseia nesses serviços comunitários, apoiados por leitos psiquiátricos em hospital geral e outras práticas de atenção comunitária (ex.: internação domiciliar, inserção comunitária de serviços), de acordo com as necessidades da população-alvo dos trabalhos. Os CAPSad desenvolvem uma gama de atividades que vão desde o atendimento individual (medicamentoso, psicoterápico, de orientação, entre outros) até atendimentos em grupo ou oficinas terapêuticas e visitas domiciliares. Também devem oferecer condições para o repouso, bem como para a desintoxicação ambulatorial de pacientes que necessitem desse tipo de cuidados e que não demandem por atenção clínica hospitalar. (Ministério da Saúde, 2015, p. 24). . Ainda segundo o Ministério da Saúde (2015), o espaço CAPS deve conter alguns ambientes considerados básicos, dentre os quais: espaço de acolhimento, sala de atendimento 18 individualizado, sala de atividades coletivas, espaço interno de convivência, sanitários adaptados a pessoas com deficiências, posto de enfermagem, farmácia, sala de medicação, quartos coletivos para acolhimento noturno (se o porte solicitar), sala de reunião, área externa de convivência, entre outros. No entanto, além de ser pontuado quais os espaços físicos devem possuir estes centros, ressalta-se a importância de que ele tenha em si a cultura de ser “portas abertas”, acolhedor, hospitaleiro e estar inserido nos territórios da cidade. Ademais, o quadro de profissionais que deve compor a equipe de um CAPSad é composto por profissionais como: médico psiquiatra, enfermeiro com formação em saúde mental, médico clinico, psicólogo, assistente social, enfermeiro, terapeuta ocupacional, pedagogo, técnicos em enfermagem, técnico administração, técnico educacional e artesão. No entanto, é comum de se ter espaços de atenção psicossocial em edificações adaptadas de outros usos (MARTORELLI, 2016). Logo, as instruções relativas ao espaço não compreendem as particularidades geradas pela adaptação e seus problemas recorrentes. Segundo Gonçalves (2019) que realizou um estudo de caso de CAPSad em Alagoas, o mais central, alguns dos pontos negativos encontrados são as más adaptações nos espaços internos, reformas e improvisações, pouca iluminação natural, falta de acessibilidade, ruídos altos, setorização confusa, dentre outras. Já dentre os pontos positivos foram citados a quantidade grande de ambientes internos para realização de atividades terapêuticas, pátios amplos e a autonomia do indivíduo dentro do espaço. Martorelli (2016) aborda ainda sobre as questões relativas ao espaço físico dos CAPSad, mostrando por exemplo o uso de gradis nas esquadrias como um elemento que relembra a imagem do modelo hospitalocêntrico, e o excesso de elementos em concreto fixos, também comuns. Carvalho e Silva (2012), ao estudarem a adequação às normas das instalações de dois CAPSad baianos adaptados, bem como as respectivas condições de humanização dos seus ambientes, apontaram importantes aspectos, como a questão da inacessibilidade a pessoas portadoras de deficiência, mau aproveitamento das áreas externas como áreas de convivência, uso de grades em todas as esquadrias e adoção de cores neutras gerando ambientes monótonos. (MARTORELLI, 2016, p. 84) Os problemas citados acima nos exemplos de avaliação pós ocupação, como os relacionados aos fluxos e mau dimensionamento dos espaços, são comuns. Entretanto a adaptação de outras edificações para o uso psicossocial traz consigo uma falha pertinente: a não acessibilidade dos espaços. Um outro estudo de caso, no CAPS II de Balneário Camboriú – SC, revelou novamente através de uma avaliação pós ocupação que esse é um item também 19 observado, levando em consideração a NBR 9050/2015 e origina uma série de dificuldades, visto que o atendimento deve ser inclusivo. Infelizmente os resultados desta pesquisa demonstraram no caso do CAPS II de Balneário Camboriú menos de 25% dos aspectos avaliados estão adequados à NBR9050/2015, o que significa que o espaço não está adequado para atender a diversidade da população. Pode-se concluir que trata-se de um espaço excludente que impossibilita pessoas de receber atendimento de saúde necessário e que lhes é de direito. Este estudo possibilitou a elaboração de diretrizes projetuais de qualificação espacial através de diversas ferramentas (CAMPOS, 2019, p. 1204) Dentre as diversas atividades desenvolvidas nos CAPS, como a prescrição de medicamentos, psicoterapia, atividades de ensino, lazer em família, dentre outros, as oficinas terapêuticas tem um papel importante já que estimulam a melhora através de atividades relacionadas as frentes de trabalho, arte e cultura, promovendo estímulos diversos aos pacientes (ABREU et al., 2017). Segundo estudo de caso feito em Ubá (MG) as praticadas no CAPSad de lá podem ser expressivas, voltadas para a expressão plástica, corporal, musical, visual, dentre outras relacionadas a arte; geradores de renda, como culinária, costura, venda de livros, fabricação de velas; de alfabetização, voltada para quem não teve acesso a escola, com foco no exercício da escrita e leitura. As oficinas terapêuticas são de bastante importância para o que os centros se propõem no sentido de que permitem interações, autonomia, integração social e participação social. No entanto, de acordo com os resultados apresentados por Abreu et al. (2017) no estudo feito há uma falha nos aspectos de infraestrutura nesses locais, e na logística destas atividades por falta de recursos. Então, a precariedade em alguns casos apontados nestes estudos de casos além de um caráter construtivo tem também uma questão política pública à medida que os modelos vêm apresentando sucesso, como o de Ubá, onde os resultados em geral são positivos, mas há ainda falta de estrutura para atender a população de uma forma mais integral. E estas atividades e seus espaços previstos assumem importância nessa configuração física já que se relacionam diretamente com a proposta de reintegração social. É importante que se conheça um também pouco mais sobre o cenário de surgimento do CAPS enquanto instituição para compreensão de alguns conceitos que são norteadores quanto a espacialização, como por exemplo: se ter um funcionamento de“portas abertas” ou um modelo “substitutivo ao modelo asilar”. 20 2.2 REFORMA PSIQUIÁTRICA E O SURGIMENTOS DOS CAPSad Espacialmente, a história da loucura ocorreu em diversos tipos de locais. Inicialmente, os ditos loucos habitavam as cidades normalmente, até serem retirados e levados aos hospícios, e atualmente, estarem num processo de convivência em sociedade, constituindo o movimento chamado reforma psiquiátrica, cujos efeitos levaram a criação do CAPS. No país esta reforma tornou-se um dos movimentos de defesa dos direitos humanos mais importantes, e ocorreu de um modo geral através de uma gama de experiências e coletivos militantes originando a desmontagem do modelo manicomial (Amarante e Torre, 2018). A história da relação entre a sociedade e a assistência psiquiátrica foi marcada por dois grandes momentos: quando na Idade Moderna, Pinel lança as bases da Assistência Psiquiátrica; e quando no período pós-guerra, começa-se a discussão mundial a respeito de como a loucura vem sido tratada desde Pinel. Para se chegar até o momento do lançamento das bases psiquiátricas baseadas na hospitalização do paciente, o paciente em sofrimento mental foi tido no período da Idade Antiga como um ser valorizado socialmente, e pertencente a rotina diária dos demais, inclusive sendo visto como diferente por poder se comunicar com o “divino”. Já na Idade Média com a dominação por parte da Igreja Católica e mudanças no modo de se organizar socialmente, tais pessoas tiveram suas figuras ligadas a ideia do demônio levando a prática do exorcismo. Um momento na história decisivo para esse trajeto até chegarmos nas bases do tratamento psiquiátrico que se teve como padrão por anos marcado pelo isolamento do indivíduo foi o advento do capitalismo. Já não era mais aceitável ter cidadãos improdutivos para a sociedade. Surge a ideia do ser incapaz e que não contribui para o desenvolvimento geral. Nesse contexto, Pinel em1973 inicia a forma de tratamento voltada para o isolamento, retirando o dito doente da sociedade e meio onde ele vive para trata-lo e conhecer a sua doença, seguindo um método laboratorial. Daí decorre a ideia de que a loucura tem como lugar privilegiado o hospício, tendo a reclusão um papel de proteção ao indivíduo louco e à sociedade. Um duplo processo de isolamento toma corpo com o desenvolvimento dos saberes da medicina mental (que se desdobram na clínica psiquiátrica) e das instituições manicomiais: “isolar para conhecer” e “isolar para tratar”. (AMARANTE e TORRE, 2018, p. 1091) Nesse modelo de tratamento existem formas de classificar o estado dos pacientes baseado no seu estado, porém questiona-se se o que se conhece nesse método de tratamento é 21 o doente afastado do seu meio, isolado para observação, ou de fato o quadro em que se ele se encontra naquele momento. A sociedade determinou que o paciente seria a peça principal de um sistema psiquiátrico carcerário, onde ele seria prisioneiro de si mesmo, isolado, sem o devido tratamento, sem chance de se expressar e de demonstrar o que sente, enquanto seu tratamento possui fortes chances de retrocesso. Ao privá-lo de desfrutar uma vivência harmoniosa no âmbito psiquiátrico, a sociedade negligencia ao paciente sua essência e até sua própria existência, opondo-se aos direitos básicos do indivíduo, de dignidade humana, cidadania e de construir uma sociedade livre, justa e solidária. (AMORIM, SIMÕES E VIANA, 2018) A configuração arquitetônica nesse modelo institucionalizado, e asilar se dava principalmente através do modelo Panóptico de Bentham, definido por Foucault (1978) como “uma máquina de dissociar o par ‘ver-ser visto’: no anel periférico, se é totalmente visto, sem nunca ver; na tore central, vê-se tudo, sem nunca ser visto”. O período pós guerra, onde os combatentes em sofrimento mental precisaram ter de tratamento, houve o questionamento sobre a ideia de trata-los nos hospícios. Segundo Amarante (2007), a superlotação dos hospícios e as constantes denúncias de violências foram pontos apontados, e as comunidades criadas previam. Surgiram nesse contexto as comunidades terapêuticas, uma das primeiras formas de tratar os pacientes psiquiátricos de um modo mais integrador e em espaços mais abertos. Esse modelo de tratamento psiquiátrico constitui-se em uma organização social democrática, que permite a livre comunicação entre profissionais e pacientes, em oposição à organização hierárquica (AMARANTE, 2007). A partir disso uma série de estudos a respeito de como esse tratamento se configurava surge, na França e nos Estados Unidos por exemplo junto com médicos curiosos por outras formas de terapia, familiares que percebiam maus tratos nos hospícios, e uma base de estudos científicos que vinha a criticar a institucionalização da loucura, impulsionando o debate. A reforma psiquiátrica se configura nesse contexto e se dá pela desmontagem do modelo manicomial e critica a exclusão do louco da sociedade. No Brasil, se impulsionou a partir de 1970 e é marcada por estratégias de substituição do manicômio por outras redes de serviços junto a formas de tratamento psicossocial mais inclusivas. A utilização do trabalho, da arte, a cultura e ação dos movimentos sociais envolvidas na temática são algumas das estratégias comuns de reinserção do doente na sociedade (CORREIO, 2018) Os espaços de convivência coletiva e o acesso a políticas públicas voltados a esse tratamento cujo foco é a não exclusão do paciente da sociedade vem sendo tipo como elementos chaves destas novas formas de tratamento. Critica-se o manicômio pela sua sociabilidade baixa, e acredita-se então que o processo de cura é contínuo e deve ter nele um cidadão ativo. A 22 desospitalização (no sentido espacial) e a desinstitucionalização (considerando o lugar social da loucura) são tidas como formas de devolver o paciente a sociedade, abrindo espaço para novas descobertas. Nesse contexto quando se pensa em tirar o paciente em sofrimento mental dos manicômios e leva-los a um tratamento em outros locais cuja participação social seja permitida, deve-se evitar a armadilha de se ter um tratamento voltado para a violência como era antes tendo agora instituições voltadas a tolerância, gerando novos equipamentos urbanos, mas com práticas similares as anteriores, e que não conseguem agir no campo social gerando mudanças efetivas. A reforma psiquiátrica no Brasil gerou abertura para maior participação social nas discussões sobre a saúde pública, mesmo que até os dias atuais este tema ainda seja ligado diretamente a medicina. No entanto, o resultado dessa luta antimanicomial gerou uma nova configuração de tratamento estrutura no Sistema Único de Saúde onde o CAPS AD está incluído. Porém, esse processo foi feito aos poucos, iniciando pela desmontagem dos leitos de alguns hospitais psiquiátricos, e criação de outros equipamentos de apoio a saúde mental. As atividades no CAPS são desenvolvidas por equipe multiprofissional que atua sob a ótica interdisciplinar e deverão situar-se em um espaço físico apropriado, assemelhando-se a uma casa acolhedora e familiar. Eles devem ser territorializados, ou seja, devem estar circunscritos no espaço de convívio social (família, escola, trabalho, igreja entre outros ) daqueles pacientes que os frequentam. Deve ser um serviço que resgate as potencialidades dos recursos comunitários à sua volta, pois todos estes recursos devem ser incluídos nos cuidados em saúde mental. A reinserção social pode dar-se a partir dos serviços, mas sempre em direção à comunidade (BRASIL, 2003a). Nesse trecho do texto do Ministério da Saúde o conceito de território é citado. Para Filho e Nóbrega (2001) a territorialização é a ocupação de um território. Tem relação com a sensação de afeição, posse, pertencimento aquele lugar, e aos laços criados com o físico/socialpor um tempo. É um conceito relevante por entender que segundo Socza (2005) o vínculo ao lugar induz a uma auto identidade que produz autonomia, segurança, satisfação e estabilidade. Acredita-se que tais sensações são importantes para o uso em discussão, pela proposta dos CAPS em “reterritorializar” seus pacientes através da prática de funcionamento de portas abertas, e serão retomadas no seguinte capítulo ao tratar sobre humanização em ambientes hospitalares. O primeiro foi criado em São Paulo em março de 1986 e tinha como objetivo na sua criação acolher os pacientes vindos dos hospitais psiquiátricos, e chamava-se Professor Luís da Rocha Cerqueira. O equipamento proposto era substitutivo ao modelo de hospital psiquiátrico, 23 e não isola o paciente da sua família e sociedade, tornando esse processo de melhora mais participativo. O nome do primeiro CAPS, Itapeva (figura 02, abaixo), que foi inaugurado numa construção antiga, é em homenagem ao antigo coordenador, que contribuiu para a mudança que se construía nos anos 70 defendendo políticas de saúde mental contrárias ao modelo de internação. Foram incorporados no Centro projetos terapêuticos voltados para promoção de autoestima, cuidados pessoais, expressão artística e trabalho. Seus valores são ética, respeito, transdisciplinaridade, integração com a comunidade e compromisso socioambiental. Figura 2. CAPS Itapeva, o primeiro CAPS do Brasil. Fonte: spdm.org.br (acesso em 2021) O surgimento do CAPS foi um grande momento por se ter uma nova forma de tratar no Brasil representa por um lugar onde a dinâmica que se propõe vai de acordo com o buscado na luta pelas frentes de combate ao modelo comum até então, e a partir disso estruturou-se a RAPS – Rede de Atenção Psicossocial. Finalmente, grande importância deve ser dada à ocupação da cidade e intervenção no imaginário social, por meio de uma multiplicidade de eventos, atos públicos, passeatas, mobilizações, e do debate na sociedade acerca da violência nos hospitais psiquiátricos e sobre os direitos sociais e de cidadania das pessoas em sofrimento mental. E de forma ampla destaca-se a militância do movimento da luta antimanicomial nos últimos 30 anos, que tem representado uma mudança histórica dos discursos e práticas sobre a loucura, (AMARANTE e TORRE, 2018, p. 1092) 24 3 HUMANIZAÇÃO EM AMBIENTES HOSPITALARES Considerando a proposição de um estudo preliminar de estabelecimento de assistência à saúde, a humanização é um aspecto comumente acrescentado a discussão. Portanto, pretende- se nesta parte do texto apresentar uma breve conceituação, considerando as esferas em que ela se aplica – ou é esperado que se aplique –, uma retomada sobre o histórico da arquitetura hospitalar, e como a humanização pode contribuir arquitetonicamente. 3.1 O QUE É A HUMANIZAÇÃO Segundo Lopes e Medeiros (2004) é recorrente que se encontre o termo humanização relacionado a três elementos presentes na prestação do serviço de atenção à saúde: a assistência, o ambiente físico e a instituição. No entanto, elas apontam que de acordo com essa lógica assistência-espaço-instituição, seria um conceito aplicado ao complexo geral. Porém, verifica- se que cada área tem suas próprias discussões. Para elas, quando se refere a assistência de serviço remete a atitude dos profissionais da saúde para com os pacientes, amenizando a complexidade dos processos envolvidos. Quando se refere ao ambiente físico, o termo “ambiente humanizado” é citado para denotar aspectos ambientes aconchegantes ou que trazem algum bem estar aos pacientes. Associa-se normalmente a cores, luz, vegetação. E quanto a humanização na instituição, pode-se dizer que é a exposição de uma imagem positiva, voltada para clientela em potencial. Critica-se ainda o uso do termo de forma banalizada e esvaziada de conteúdo. Na ausência da plataforma teórica, e na prática impossibilidade de vestir de algum rigor científico, ou mesmo técnico, as acepções correntes do termo nessa área, fica a sensação de que para “humanizar” um ambiente basta utilizar – na verdade, sobrepor ao ambiente arquitetônico – recursos como cores ou quadros nas paredes, jarros e plantas, veios ou espelhos d’água, em suma, elementos de natureza essencialmente decorativa e, de certa forma, independentes de uma real concepção espacial “humanizada”.(LOPES E MEDEIROS, 2004) A psicologia ambiental, campo de pesquisa que estuda a relação das pessoas com o ambiente físico estudou a partir de 1970 o ambiente hospitalar. A noção de “ambiente hospitalar humanizado” foi criada e segundo Lopes e Medeiros (2004) está associada e efeitos benéficos no processo de recuperação do enfermo conquistado através de artifícios como organização espacial, elementos decorativos e técnicos. 25 Internacionalmente, a literatura utiliza o termo “healing environment” para adjetivar um ambiente que como espaço de cuidado ao paciente de forma integral, considerando pessoas, comportamentos, tratamentos, parâmetros físicos e psicológicos. Segundo elas a expressão atende melhor por não se limitar aos recursos arquitetônicos físicos, mas incluir as ambiências sociais, psicológicas e culturais. Vasconcellos (2004) diz que a humanização de ambientes é a “qualificação do espaço construído a fim de promover ao seu usuário – homem, foco principal do projeto – conforto físico e psicológico”. Para o ambiente hospitalar, entende-se que para além das questões funcionais, estéticas e a complexidade do tipo de estabelecimento, o homem continua sendo o foco, levando em consideração sua família e os profissionais envolvidos. A psiconeuroimonologia é uma área que estuda a relação entre mente, corpo e saúde da medicina, e tem nela o ambiente como um fator influente no bem estar físico e mental, e traz indicações mais assertivas sobre como essa dita “humanização” pode ser aplicada, como uso de cores, texturas, formas, quantidade de luz, disposição de layout, entre outros. No entanto, os pacientes são um grupo heterogêneo e cada espaço pede conhecimentos específicos do público que irá frequentar. Como exemplo das necessidades específicas de grupos de pacientes, tem-se o caso dos pacientes com a doença de Alzheimer. Pesquisas mostram como um ambiente terapeuticamente planejado é capaz de tornar os pacientes mais independentes. Muitos pacientes com Alzheimer se distraem facilmente e podem se tornar agitados se houver muito estímulo ao redor deles. Então, um ambiente pequeno e mais íntimo onde os enfermeiros podem trabalhar com dois, ou, no máximo três pacientes ao mesmo tempo são preferíveis ao invés de uma sala ampla e com muita atividade. As cores também devem ser amenizadas porque um ambiente muito colorido é estimulante e os pacientes com Alzheimer precisam ser acalmados e não estimulados. Como os sentidos ficam prejudicados com a doença, as pessoas com demência frequentemente podem sentir prazer e conforto através do toque em objetos com textura, como tapetes de lã de ovelha, por exemplo. (VASCONCELLOS, 2004) Nesse contexto que o arquiteto hospitalar se torna ainda mais importante, por conseguir conciliar os conhecimentos técnicos pertinentes a esse tipo de edificação complexa aos atributos de projeto que fazem o ambiente ser humanizado, funcional e confortável. Além disso a humanização tem de ser parte componente do partido arquitetônico, evitando mera sobreposição de itens de design de interiores, apesar de esta ser uma área de bastante contribuição para a humanização. Vasconcellos (2004) comenta sobre atributos da humanização hospitalar que afetam o bem estar e o nível de estresse dos pacientes, e aborda as indicações feitas por Ulrich (1991), cuja explanação sobre o bem estar físico e a configuração espacial discute os três tópicos que 26 esse trabalho se baseia para criação do projeto: ocontrole do ambiente, o suporte social e a as distrações positivas. 3.1.1 O controle do ambiente A falta de controle das pessoas do ambiente imediato que o cerca, como níveis de barulho, confusão, perda de privacidade é um ponto causador de estresse, depressão e aumento de pressão arterial, de acordo com Ulrich (1990). Como exemplo, uma música alta ouvido do apartamento de um vizinho, é tida como ruído pela falta de controle, diferente da mesma música tocada no apartamento do indivíduo em questão. Tem sido demonstrado que em qualquer estabelecimento, não apenas em hospitais, o controle do ambiente reduz o estresse. Quando você sabe que tem uma opção, por menor que seja, você se sente melhor [...] As conseqüências para os ambientes de saúde são enormes: pacientes que podem controlar a temperatura e a iluminação do seu próprio quarto, a 37 privacidade necessária, a hora e a quantidade de refeições que têm durante o dia, demonstram menor estresse e apresentam recuperação mais rápida.(Maklin, apud. Vasconcellos, 1991, p14-15) Diversas são as questões que envolvem o controle do ambiente, como por exemplo um dos estudos conduzidos por Ulrich e Simons em 1986 indicou que os televisores sempre ligados sem oferecer opção de troca de canal ou controle de som afetam os batimentos cardíacos e a pressão de parte dos pacientes. Outro dado é que quadros com arte abstrata num hospital psiquiátrico pode afetar o estado mental dos pacientes. Algumas soluções podem ser utilizadas nesse controle por parte do paciente, como oferecer privacidade visual para pacientes vestirem-se em salas de imagens; inclusão de jardins ou pátios acessíveis aos pacientes, permitindo o uso; criação de locais onde os pacientes possam se dedicar a coisas de interesse próprio; áreas de descanso para equipe profissional, entre outros. 3.1.2 O suporte social É bem sabido que o suporte social, seja familiar ou por amigos pode ajudar nas sensações de bem estar de pessoas em fragilidade, no entanto a qualidade do espaço para pessoas que acompanham algum paciente nem sempre ajuda nesse processo. Fornece um ambiente confortável, aconchegante e com um layout flexível pode ajudar na interação entre pacientes e visitantes bem como entre pacientes e outros pacientes. 27 A flexibilidade entra como um aspecto importante neste atributo a medida que pensar ambientes que possam oferecer diversidade de uso é uma ideia ainda pouco utilizada. É um item com forte rebatimento na discussão projetual a medida que a arquitetura fornece procedimentos projetuais que adotados proporcionam soluções funcionais. Entendendo-a como uma relação entre espaço e a possibilidade de mudanças demandadas na sua organização, o “Manual prático da Arquitetura Hospitalar” cita a modulação como um ponto norteador desta, que é a utilização de um elemento de repetição, ou uma medida padrão adotada no projeto, através de múltiplos e submúltiplos. Além disso, para promoção de suporte social há a inclusão no programa de necessidades de ambientes cujo foco é este como sala de reuniões, oficinas, grupos de estudo, espaços de lazer em geral ou até para uso religioso. No entanto é preciso que tais espaços sejam pensados de forma a permitir o contato social, porém sem força-la, respeitando a privacidade e o controle do indivíduo. Dentre outras formas possíveis de se prever suporte social podem ser citadas: existência de espaços confortáveis para familiares passarem a noite, áreas de espera que permitam contato social; jardins externos que estimulem interações, entre outros. 3.1.3 Distrações positivas A distração positiva é proporcionada por um ambiente formado por elementos que provocam sentimentos positivos no paciente, distraindo-o da sua doença, reduzindo pensamentos negativos. A inclusão de quedas d´água, oficinas interativas, elementos que façam parte do espaço e que não sejam apenas suavizações estéticas (Malkin, apud Vasconcellos) são elementos desse atributo. Podem ser citados como estratégias para promoção de distrações positivas o uso de elementos como água e fogo; janelas baixas permitindo visão do exterior; uso de cores e luz nos níveis adequados; integração com a natureza, dentre outros aspectos de a psiconeuroimunologia aborda também. A psiconeuroimonologia é a arte e ciência de criar ambientes que ajudam a evitar doenças, aceleram a cura e promovem o bem-estar das pessoas. O bem estar físico e emocional das pessoas são influenciados diretamente pela luz, cor, som, aroma, textura e forma, logo tomando tais elementos como partido na arquitetura hospitalar, o tratamento pode se tornar ainda mais efetivo. 28 A luz do sol é importante na absorção do cálcio e do fósforo, sendo a mais indicadas para uso hospitalar, em detrimento das lâmpadas fluorescente comumente utilizadas. Logo, o uso de janelas, átrios, iluminação zenital, formas de contato com o exterior no geral auxiliam no conforto visual, término e psicológico dos pacientes. Associado ao uso de tais elementos, deve-se ter consciência da heterogeneidade dos indivíduos citado anteriormente, e da opção de controle da luz ser cedida ao paciente. As cores influenciam o psicológico e o emocional do ser humano. Podem evidenciar elementos construtivos ou mimetiza-los. Ainda podem ser utilizados criando uma distração positiva de modo a quebrar a monotonia, como num corredor de hospital, cujas a imagem é comum são paredes brancas e uma sequência de portas. O conforto térmico também é afetado pela cor, de modo que cores quentes podem tornar o espaço mais caloroso mesmo que a temperatura se mantenha, e o contrário pode ser observado no uso de cores frias. O som se mostra como influenciador do nosso bem estar relativo à arquitetura no sentido de amenizar ruídos, proporcionar sons considerados naturais, utilizar a música, dentre outras estratégias. O barulho em excesso gera mau humor, afeta a percepção visual e diminui a capacidade de aprendizado (Vasconcellos, 2004). Idosos com altos níveis de ruídos podem sentir insônia ou se sentirem desorientados. Móveis e revestimentos escolhidos para um ambiente podem intensificar ou amenizar as ondas sonoras, da mesma forma que a geometria arquitetônica pode contribuir também. Vale ressaltar que os sons naturais se mostram calmantes e relaxantes no geral, então o uso de fontes de água e de jardins internos podem ser aliados nessa concepção arquitetônica. O uso de aromas também afeta o nosso bem estar. O cheiro de medicamentos deve ser evitado por estimular ansiedade e medo nos pacientes. Uma solução utilizada pode ser o uso de arranjos florais, ou de vegetação interna que purificam o ar interno também. A qualidade tátil dos ambientes é um aspecto que pode ser trabalhada através de diversas superfícies, além de móveis cujo design auxiliam no seu uso e permitem que as pessoas os operem sem grandes dificuldades. O uso de espaços externos também é uma forma de promover contato do paciente com uma variedade de texturas a medida que a natureza é bem rica nesse sentido. A forma é também bastante importante, a medida de que se relaciona diretamente com o comportamento do paciente. Por exemplo, a existência de espaços privativos para momentos de tensão, como quartos individuais, e localização estratégica de enfermarias. A centralidade de uma enfermaria pode gerar sensação de cuidado pelos pacientes entenderem que estão todos próximos a ela, e não alguns próximos e outros distantes. Formas irregulares, ou variadas no 29 geral, associadas a cores e outros aspectos como texturas podem gerar distrações positivas também. 4 ESTUDOS DE REFERÊNCIAS . Foram escolhidos três equipamentos de saúde para estudo, sendo dois estudos de caso diretos (com visita e entrevista) e um indireto (a partir de material disponibilizado virtualmente). Os estudos diretos referem-se a doisespaços em Natal, RN, cujo trabalho é voltado para pacientes em sofrimento mental relacionados ao álcool e drogas, mas não são CAPSad. Em virtude do momento pandêmico em que este trabalho está sendo desenvolvido, gerado pelo vírus Sars-Covs-02 não foi possível visitar exatamente o mesmo equipamento que se estuda, devido a restrições de circulações socias em espaços publicos. Os dois visitados em Natal, pela sua natureza privada, houve maior facilidade. Além deles, o estudo indireto foi feito sobre uma clínica em São Paulo, escolhida pela sua abordagem diferenciada perante o paciente, permitindo aproveitamento na compreensão sobre a humanização. 4.1 CLÍNICA MÉDICA CASA ALICE A Clínica Médica Casa Alice localiza-se na Av. Rebouças, 3506, no bairro Pinheiros, em São Paulo (SP). Segundo o site Archdaily (2021) é um projeto desenvolvido pelos escritórios ACR Arquitetura em parceria com o Noak Studio, no ano de 2020. A edificação conta com uma área de aproximadamente 540,00 m² dispostas em dois pavimentos, e foi escolhida pelas soluções adotadas para tornar o espaço mais acolhedor. Figura 3.Fachada frontal da Clínica Casa Alice, com acesso marcado pela vegetação e membrana envoltória em seu perímetro frontal. Fonte: Archdaily, 2021. 30 A proposta da Casa Alice (figura 03, acima) é ser um equipamento de saúde sem “aquele ambiente e vibe ruim de hospital” como eles mesmo se identificam. Utilizam também como atrativos para o seu espaço a presença de áreas externas com elementos naturais. Segundo eles “os espaços foram feitos como devem ser: para respirar saúde”. A ideia é que cada paciente tenha seu time, de acompanhamento regular observando a saúde no geral, contando com médicos, enfermeiros, nutricionistas, preparadores físicos, entre outros. A Casa Alice é a clínica própria da Gestora de Saúde Alice e está instalada numa via bastante arborizada. Foi resultado da reforma de um casarão antigo, e englobou em seu projeto algumas das árvores existentes no terreno, bem como aspectos da edificação original. Distribui- se num programa de necessidades bem peculiar, focado na personalização dos ambientes, com soluções interessantes de humanização, pontuadas na sequência. 4.1.1 Casa Alice: programação arquitetônica e uso do espaço Para atender a proposta da empresa, os arquitetos fizeram um espaço composto pelos seguintes ambientes: Área Gourmet (figura 05), Espaço corpo, Pátio, Coworking (figura 04), Booths, Lavatório, Reunião, Copa, 2 DML, Sala da família, Coleta, 06 Salas da Pessoa, Administração, Espaço Yoga. Segundo os autores do projeto a área gourmet (figura 05, abaixo) está próxima de entrada para se configurar um espaço de estar e convivência para os clientes, com um aspecto residencial para que estes viessem a criar uma relação de identificação com o local. Possui uma grande ilha central com cadeiras a volta, e uma diversidade de vegetação que segundo eles Fonte: Archdaily, 2021. Figura 5. Espaço gourmet, com vegetação e jardim interno próximo. Fonte: Archdaily, 2021. Figura 4. Espaço "corpo", na entrada da Casa Alice. 31 também podem ser utilizadas nas atividades de culinária. A ideia é que o espaço seja utilizado também para um trabalho de conscientização alimentar. A entrada é marcada por uma casinha de cor rosa (figuras 06 e 07), e um jardim com plantas frutíferas, ideia de paisagismo que se repete por toda a casa e segundo os autores do projeto a ideia era instigar as pessoas a cultivarem nos seus lares também. O espaço corpo (figura 04, acima) na entrada possui bolas de pilates e pequenos equipamentos, layout cuja intenção é convidar as pessoas a se alongarem e se conectarem com seus corpos. O acesso a casa Alice é marcado pelas cores, mas também pela sinalização gerada pelo pequeno pórtico com iluminação vinda do piso associada a balizadores de luz no percurso. Logo a legibilidade do espaço foi trabalhada no acesso. Duas árvores existentes laterais ao pórtico estabelecem uma relação de simetria. A membrana bioclimática translúcida que envolve a edificação funciona como um mecanismo de intercepção visual voltado para privacidade durante o dia, ajudando também no controle da luz solar incidente no ambiente interno. Segundo os autores do projeto ela possui efeito lanterna a noite, ou seja, associado a luz gera um destaque para quem vê de fora. O uso do universo residencial nos ambientes internos foi com a premissa de tornar o espaço mais convidativo. O uso de equipamentos que remetessem também um hotel como frigobar, grandes poltronas, sofás, associados a texturas de MDF, revestimentos cerâmicos, tapetes auxiliaram nessa ideia. Fonte: Archdaily, 2021. Fonte: Archdaily, 2021. Figura 6. Acesso a Clínica Médica Casa Alice. Figura 7. Pórtico em tom de rosa da Clínica Médica Casa Alice. 32 O pátio interno existente (figura 09, abaixo) conta com árvore e uma arquibancada que os autores apelidaram de “a montanha” com objetivo de ser usada para descanso, eventos e treinamentos. Há ainda um coworking, (figura 08, abaixo) com uma mesa, bastante iluminação natural e integração com o pátio interno. Na varanda superior existe uma área aberta para ioga, alongamento e consultas fisioterapêuticas ao ar livre. As salas da pessoa (figura 10, abaixo) são espaços de atendimento clínico, mas que não possuem o layout convencional de mesa de atendimento separando médico de atendimento. É um ambiente mais descontraído, onde o time da pessoa vai até ela, com sofás, mesinhas, etc. Ficam localizadas no pavimento superior para que se gere maior privacidade nas consultas. Fonte: Archdaily, 2021. Fonte: Archdaily, 2021. Figura 9. Pátio interno da Casa Alice com "a montanha" a ser escalada. Fonte: Archdaily, 2021. Figura 8. Coworking do espaço Casa Alice. Figura 10. Sala da pessoa da Casa Alice, com espaço para consulta e exames rápidos. 33 4.1.2 A humanização percebida na Casa Alice É possível observar que em diversos visuais do projeto há a presença constante de formas geométricas vazados no piso, que compõe um grupo de jardins e canteiros com vegetação. Alguns destes na parte externa, outros na parte interna da edificação e ainda alguns fazendo transição entre o interior e o exterior. Um ponto interessante é que a tais formas são irregulares, fugindo dos quadrados e retângulos mais comuns, possuem uma organicidade em seu desenho o que aparentemente torna o espaço mais natural. Outro ponto percebido também à medida que se observa as imagens da edificação é o uso de grandes aberturas, especialmente no pavimento térreo, marcada por esquadrias de vidro que em alguns espaços são de pivotantes, em outras são fixas, como na figura 11, acima. Ainda se percebe o uso de alguns elementos construtivos aparentes, como as instalações sob a laje que foram pintadas de branco para serem mimetizadas junto ao teto, e que remetem a um ar industrial e contemporâneo. Há também o uso de materiais aparentes como tijolos maciços próximos a jardins e concreto, em paredes e pilares, quebrando a ideia de acabamentos lisos e brancos comuns ao se pensar em espaços de atenção à saúde, invocando variedade de texturas. As cores são utilizadas para remeter a cor da marca em alguns locais, como no acesso e em elementos do mobiliário distribuídos no espaço como nichos, bem como em alguns pontos de iluminação de cor. No primeiro pavimento cujo uso é de maior interação, por contar com Figura 11. Vista a partir do espaço "corpo" do espaço "montanha" na Clínica Casa Alice. Fonte: Archdaily, 2021. 34 mobiliários voltados para uso em grupo como mesas, cadeiras e puffs, percebe-se o uso de cores vivas como amarelo, laranja e rosa. Tanto as cores utilizadas, como a variedade de texturas e materiais aparentes, como esquadrias que valorizem a integraçãoentre o interior e o exterior associada a áreas vegetadas são tidos como pontos positivos a medida que geram distrações positivas para o paciente. A quebra da monotonia através dessas estratégias de projeto gera um espaço que retira o foco na doença e retoma o bem estar do indivíduo como foco, dando maior pessoalidade, ao contrário da lógica de produção hospitalar produzida no estilo internacional, voltada para produtividade e funcionalismo, com menor preocupação para com o paciente. Ainda é possível ver também que há escritos na parede, e em outras áreas como no pátio interno com comunicados que remetem a saúde e o contato com o próprio corpo, como por exemplo “estar presente, e não apenas presenciar”. Esse mesmo estilo de sinalização é utilizado para direcionar os usuários do espaço onde se localizam cada ambiente, junto a setas indicativas. Logo há uma preocupação na orientação do paciente dentro do espaço, gerando nele uma sensação de maior controle, reforçando a autonomia no espaço. Internamente a vegetação além de utilizada nos jardins se faz presente em vasos distribuídos pelos diversos ambientes. No Gourmet elas ficam em prateleiras também compondo a ornamentação do espaço, e ainda sobre um aramado sobre a ilha similar a um forro, também gerando uma área diferenciada pela sua sensação de pé direito mais baixo. O mobiliário no geral tem formato dinâmico. O sofá possui dois lados no mesmo modelo, um voltado para a rua e outro para o pátio interno. Já a mesa de trabalho possui um formato bem irregular, com cadeiras voltadas para diversas direções e é amadeirada. Sabe-se que elementos com texturas naturais remetem ao natural e pela relação de proximidade com jardins internos tal textura parece se integrar ao conjunto interno, dando a sensação que o interior e o exterior também se integram pelo mobiliário, além de criar espaços que incentivem práticas de convivência e suporte social. Do ponto de vista da humanização, o estudo a respeito da Casa Alice foi bem rico pelas suas estratégias relacionadas não só ao espaço físico, mas pela inclusão dela na logica institucional e no atendimento. Porém pelo estudo ser indireto não se pôde coletar maiores informações sobre como o uso ocorre de fato, e se as expectativas de projeto foram atendidas. Também por isso não foi possível se fazer criticas as questões construtivas no espaço, como salubridade, conforto térmico, falhas na programação arquitetônica, entre outros aspectos que são comuns de se encontrar em equipamentos de saúde adaptados, como foi visto na revisão bibliográfica e será apontado nos demais estudos. 35 4.2 VILLA VIC PSIQUIATRIA – UNIDADE DE INTERNAÇÃO A visita a Unidade de internação psiquiátrica Villa VIC, em Natal, RN foi feita no dia 18 de junho de 2021 no período da tarde com o acompanhamento da enfermeira responsável pelo local durante um turno do dia, Nyld Ângela. Teve como objetivo conhecer um espaço voltado para os pacientes psiquiátricos em caso de internação voluntária, cuja proposta é ser equipado com uma infra estrutura interna voltada para o lazer, atividades física, descanso e privacidade. Figura 12. Fachada frontal da Villa VIC, em Natal. Fonte: Acervo do autor, 2021. Os dados foram levantados na seguinte sequência: identificação do perfil de paciente comum ao local; quadro de profissionais disponíveis e atividades realizadas; zoneamento do espaço e utilização dos ambientes; aspectos de humanização do espaço considerando a revisão bibliográfica; problemas relativos ao espaço construído e suas adaptações. Não foi disponibilizada a planta baixa do ambiente, e só foram permitidos registros fotográficos em espaços não ocupados pelos hóspedes durante a visita. A Villa VIC (figura 12, acima) foi criada há aproximadamente três anos no bairro de Tirol, em Natal, RN. Localiza-se na R. Dr. Nilo Bezerra Ramalho, 1776. Segundo a entrevistada, que é funcionário do local desde a sua criação, foi fruto da adequação de uma edificação existente e ampliação desta, intervenção que teve um profissional da área de arquitetura presente. O entorno imediato do local é bem variado, tendo residências, usos de lazer, serviços, institucional, comercial, dentre outros. A proximidade da rua com as Avenidas Bernardo Vieira, Rui Barbosa, Hermes da Fonseca e Alexandrino de Alencar podem ter relação com essa 36 variedade de uso já que são vias de alto fluxo e circulação dentro da cidade, no entanto a rua em si onde a unidade se encontra é de um fluxo baixo. O local se mostra virtualmente como um espaço de recuperação psiquiátrico voltado para o conforto e cuidado, com aspecto de hotel (como mostrado na varanda da figura 13) recebendo apenas seis pacientes por vez. O público é de diversos locais, sendo muito comum receber pessoas das cidades vizinhas, principalmente João Pessoa – PB. Há pacotes, que variam desde uma semana a 28 dias, incluindo refeições, atividades físicas em geral, sessões de psiquiatria, sessões de psicologia e com clínico geral. Não são inclusos serviços de lavanderia, nem compra de medicamentos. Figura 13. Varanda voltada para piscina e jardim, próxima as suítes da unidade, na Villa VIC. Fonte: Acervo do autor, 2021. O pacote de 28 dias é comumente indicado para usuários de álcool. Atualmente, a depressão é a doença mais presentes nos pacientes, e em seguida o uso de álcool e drogas ilícitas. Nyld realça os aumentos dessas doenças associada a pandemia que o mundo enfrenta nesse período, gerada pelo vírus SARS-CoV-2, incluindo também o aumento da procura por profissionais da saúde por exaustão mental devido ao excesso de trabalho. Os homens são em sua maioria a maior parte do público de usuários de álcool e drogas. Dificilmente recebem pacientes com esquizofrenia devido a agitação destes. A origem desses pacientes é voluntária em sua maioria ou por indicação de profissionais que conhecem o local. Não trabalham com internação involuntária, e o paciente tem liberdade de deixar o tratamento caso queira. Ao ser questionada sobre a relação dos pacientes, a enfermeira Nyld Angela diz que eles se tornam próximos durante o período de internação e há muitos casos dessa amizade se estender mesmo depois do fim do período lá dentro. Ela ressalta como é importante esse contato eles para recuperação. https://pt.wikipedia.org/wiki/SARS-CoV-2 37 Os profissionais que trabalham no local são: três psiquiatras; um clínico geral; um psicólogo; um terapeuta ocupacional; um estudante de psicologia; cinco técnicos em enfermagem; um enfermeiro; dois cozinheiros; três seguranças; um porteiro; um motorista; dois personais de atividade física; uma professora de pilares e um musicoterapeuta. O local dispõe de terapias diversas com os profissionais citados, inclusive sessões com a família. Dispõe também de atividades físicas diárias, inclusive pilates. Seminários, cine terapia e estudos temáticos também são oferecidos, além da musicoterapia. 4.2.1 Zoneamento e utilização dos ambientes, na Villa VIC Dentre os ambientes existentes, foi possível visitar maior parte, incluindo algumas das suítes ocupadas no período. São seis suítes de internação; uma farmácia; uma sala de TV; uma sala de refeições; uma farmácia; uma cozinha dividida em dois ambientes, com uma despensa; recepção; sala de atendimento individual; sala de atendimento coletivo; capela; duas salas de descanso de funcionários e um banheiro para eles; uma varanda, voltada para o jardim e para piscina; banheiro adaptado para PNE. A figura abaixo ilustra um zoneamento básico. Figura 14. Zoneamento esquemático da Villa VIC. Fonte: Elaborado pelo autor, 2021. 38 Das seis suítes existentes, três possuem acessos duplos, interno a circulação e externo, com abertura para a área de lazer. O mobiliário comum a todas é um armário para os hóspedes guardarem seus pertences – exceto pertencesconsiderados perigosos na situação em questão, ou eletrônicos, a depender do plano de tratamento -, uma cama de casal com duas mesas de cabeceira, o painel de cabeceira da cama e uma mesa para estudo ou trabalho. É importante salientar que durante a visita foi possível entrar em três suítes, e nos três casos os móveis estavam sendo utilizadas. As mesas de cabeceira tinham livros, e objetos pessoais. As mesas de estudo estavam com livros abertos, desenhos, anotações em geral. Dois pontos chamaram atenção: o uso das mesas de estudo, um por uma hóspede que desenhava, e outro por um estudante Uma das suítes possuía banheiro adaptado. Assim como na sala de refeições também existe um banheiro adaptado. No entanto, a enfermeira que dirigiu a visita informou que não é comum de se receber pacientes com alguma limitação física. Ainda sobre os banheiros da suíte, um dos quartos possui um banheiro que chama atenção. Nesta suíte há uma varanda privativa, e o banheiro fica com o banho voltado para a varanda, possuindo assim dois acessos A farmácia localiza-se próximo as suítes, porém com acesso para uma pequena circulação interna. É dividida em dois ambientes. O primeiro com bancadas, que são utilizadas para manuseio de medicamentos. E o segundo com armários que são utilizados para guardar os remédios, mas também pertences dos pacientes. Ainda há uma mesa para registros e atividades documentais. No entanto, não é um local de demoras, apenas de usos rápidos e eventuais, já que a demanda de hospedes é planejada, então há uma frequência comum quanto ao uso desse espaço. Figura 15. Sala de refeições, na Villa VIC. Fonte: Acervo do autor, 2021. 39 Na sequência foi possível conhecer as áreas de socialização interna. A sala de TV estava sendo ocupada, logo não se demorou lá, mas foi possível observar que tinha sofás, e uma grande televisão, onde acontecem as atividades de exibição de filmes e discussão entre os hóspedes. A sala de refeições (figura 15), cujo layout é o de uma sala de jantar, comum, fica ao lado da sala de televisão. Segundo a enfermeira os hospedes fazem as refeições juntos e os ajuda a fortalecer os laços no período de estadia no espaço. Próximo a esses dois ambientes há um lavabo acessível, porém foi relatado que dificilmente surge algum paciente que precise de espaços adaptados. Em frente a sala de refeições e as suítes fica a varanda coberta, voltada para piscina e para o jardim. O espaço é bem amplo, com cadeiras para que os hospedes se demorem e neste vão pratiquem exercícios físicos. Durante a visita mais de um hospede utilizou o jardim para passar um tempo ocioso. Segundo a enfermeira eles costumam utilizar o espaço aberto recorrentemente e este é um dos locais preferidos. Ainda próximo ao jardim temos num local separado das suítes a capela, que não foi utilizada durante a visita, mas segundo a enfermeira é comum que seja utilizada pelos hospedes, especialmente no período da manhã. Ao lado dela, uma sala multiuso onde acontecem sessões de terapia, e encontros com a família. Essa sala possui um layout com cadeiras soltas que podem ser colocadas voltadas umas para as outras. E por ser mais distante, é o local mais utilizado para reuniões com familiares pela privacidade a respeito das discussões internos. Fonte: Acervo do autor, 2021. Figura 16. Recepção da VIlla VIC. 40 Ao lado dessa sala há também um bloco de apoio onde ficam as áreas de funcionários, com ambiente para repouso, camas, armários, ventiladores. Há banheiros para eles, e também um DML. Percebe-se que se trata de uma reforma pensada separado do bloco principal, pois tem um padrão de acabamento bem inferior, e de mobiliário. No entanto, relatou-se que não se demora e dorme no espaço, à medida que os funcionários trabalham por agendamento ou turnos. A recepção (figura 16) conta com um balcão para trabalho, e duas poltronas para quem aguarda. No entanto, não é comum de longos períodos de espera já que se funciona por agendamento. Então as poltronas em si não são utilizadas por muito tempo. Na lateral da recepção há uma sala de atendimento clinico de admissão, com um layout comum de atendimento médico, com mesa de computador, balcão lateral, etc. No entanto, também é pouco utilizada porque maior parte dos pacientes vai encaminhado, e sua entrada é agendada. Um outro ponto é que essa sala não tem uma boa acústica, então ao ser utilizada é possível ouvir o que se fala nela da recepção. Foi permitido visitar a cozinha também, onde são feitas as refeições por dois cozinheiros que se alternam em turnos. Ficam no lado oeste da edificação, similar a farmácia, então deu pra se notar um desconforto térmico. Havia grandes bancadas para preparo da alimentação, mais de uma cuba para higienização, e uma despensa de apoio com os alimentos utilizados. Não existe depósito nesse local. Ainda foi possível visitar a garagem apesar de não ter nenhum hospede com carro no local. Segundo a enfermeira, normalmente pacientes de cidades vizinhas utilizam a garagem, que é pensada para duas vagas, uma para idosos e uma para PNE. Ela é um dos acessos ao espaço. Na sua lateral há o acesso comum, para pedestres, que é marcado com um caminho coberto com um material translucido e um caramanchão, saindo na recepção. 4.2.2 Aspectos de humanização e problemas encontrados O aspecto relacionado a humanização percebido em maior destaque durante a visita foi a utilização de espaços abertos e bem vegetados, com diversidade de materiais e texturas para criação de ambientes cuja distração positiva e o suporte social se façam presentes. O jardim que circunda as áreas onde as atividades coletivas acontecem em sua maioria, próximo a piscina, é um espaço que os hospedes costumam ocupar ao sair dos seus quartos e foi possível ver isso no local. É também nesses locais abertos onde acontecem momentos de visita de familiares, quando não são sessões onde a privacidade é importante. 41 Além do espaço verde constituir uma área de uso e estadia em si, tomou-se partido do preenchimento de locais intermediários como varandas, pergolados, acessos como forma de tornar outros mais agradáveis, contribuindo também para a criação de distrações positivas. O banheiro semi aberto é um exemplo, inclusive pelo fato de ser a suíte mais procurada, mas também as suítes que permitem saída direta para as áreas abertas, e a sala de admissão, que possui uma vista pela janela de um jardim. Em todos esses casos os espaços tornaram-se mais acolhedores. O aspecto de residência, com ambientes com layout de “casa” é outro ponto de humanização, à medida que gera áreas internas e externas que proporcionam o suporte entre os pacientes. Reuniões em grupo, o realizar refeições em conjunto, a disposição dos sofás voltados um pra o outro são formas de utilização do espaço que proporcionam o suporte, e como a própria responsável pela visita afirmou, gera efeitos positivos entre os pacientes. O layout dos quartos com mobiliário para descanso e outras atividades, como desenho, estudo, leitura também chama atenção, principalmente pelo uso recorrente em todos as suítes que se pode entrar. A opção de se fazer atividades pessoais dentro de um espaço particularizado pelo paciente contribui para que ele se sinta bem e se ocupe, contribuindo para o controle do ambiente, importante para a humanização. Num dos quartos a hospede utilizou a cabeceira da cama para colocar fotografias de amigos e familiares. Em outro, havia um estudante com diversos livros sendo utilizados. Logo, permitir formas de personalização do espaço gera um efeito positivo também. Tais intervenções citadas anteriormente nas suítes leva a reflexão sobre a flexibilidade nesses espaços. Nessa forma compreendida em diversas escalas, desde se ter um móvel que permita que os pacientes em seus quartos dêem uma “cara” mais pessoal,pedindo um mobiliário flexível, como uma cabeceira lisa, uma mesa lateral que tenha espaço para livros e desenhos, até a se ter no programa de necessidades uma sala multiuso, como visto anteriormente, onde acontecem atividades diversas e o layout dela ser bem livre, com cadeiras dispostas como for preciso na situação. A autonomia dos pacientes em circular pelo espaço e a ausência de elementos de segurança também contribuem para que se tenha uma ambiência mais amigável, sem remeter aos hospitais psiquiátricos, com gradis e elementos fixos, contribuindo também para a o controle do ambiente. No entanto há também problemas percebidos na edificação. O primeiro deles é que segundo o zoneamento, os ambientes voltados para o serviço, como cozinha e farmácia, estão para o lado oeste. São dois ambientes onde se viu ventiladores, e foi possível perceber o 42 desconforto térmico. Como a cozinha é um ambiente de longa duração, questiona-se sobre essa escolha. A farmácia estava sendo utilizada como área para guardar objetos pessoais dos pacientes. Além disso, o servidor foi identificado nesse local. Entendeu-se que pela sua centralidade e fácil acesso, era um ambiente pouco utilizado que foi se tornando útil para alguns usos não previstos. No entanto, como não era a proposta do ambiente, também se imagina que seja mais adequado a separação dessas atividades. A diferenciação entre as áreas de apoio aos funcionários também chamou atenção pela não inclusão destas no projeto original. Além disso, o DML fica também nesse bloco, então é um espaço não só de apoio aos funcionários, como apoio logístico ao serviço oferecido. Apesar dos funcionários não dormirem no local, entende-se que houve uma falha na atenção ao programa de necessidades previstos. De um modo geral, o espaço possui diversas qualidades e do ponto de vista da humanização em EAS a visita foi bastante rica. Foi possível perceber mais de um aspecto relacionado ao espaço de diversas formas, dentre elas integração com o exterior, flexibilidade, autonomia no uso, texturas diversas, entre outros, que tornaram a percepção desse tipo de projeto mais aguçada. 4.3 CLÍNICA TERAPÊUTICA CAMINHO DE LUZ A Clínica Terapêutica Caminho de Luz funciona para usuários de álcool e drogas em regime de isolamento total por no mínimo seis meses. Localiza-se em Macaíba, próximo a BR 304, numa área pouco adensada, fora do centro do centro urbano. É um espaço bem amplo, com aspecto de chácara, e voltado para uma pequena lagoa (mostrado na figura 17). O funcionamento do local é de 24 horas, porém a administração apenas em horário comercial. Lá se recebe pacientes em diversos horários, e os casos são mais voltados para dependentes químicos do que necessariamente pessoas com transtornos mental, apesar de ter sido relatado que é comum de se ter alguma relação entre as doenças. Ao buscar entender o perfil do paciente comum, as informações dadas foram as de que são homens – segundo a responsável pela visita é de uma dificuldade enorme misturar os dois sexos pelos instintos sexuais aflorados durante o processo de reabilitação – e maior parte usuários de crack e cocaína. Os alcoólatras são mais senhores de idade, acima de 50 anos. São recebidos no máximo 30 homens por vez. Eles tornam-se próximos durante o período de tratamento. Há jovens e senhores, usuários de diversas substâncias, no entanto todos 43 convivem em conjunto, fazendo todas as atividades coletivamente. A demanda surge por espontânea vontade, encaminhado por prefeituras, ou encaminhados pela iniciativa privada. O plano de tratamento comum é de seis meses, no entanto quando é a primeira vez do paciente no local, indica-se o de nove meses que é mais intenso, segundo os donos do local. Nesse espaço é trabalhado o método Minnesota, segundo a responsável pelo lugar, estruturado através de práticas de autoconhecimento e na prática dos 12 passos, tendo em si começo, meio e fim. Logo, o espaço dispõe de diversos espaços de reuniões voltados para espiritualidade e autoconhecimento. E é através desse pensamento que foi feita a observação do local. Figura 17. Espaço aberto da CT Caminho de Luz, com vista do campo e do casarão. Fonte: Acervo do autor, 2021. 4.3.1 Rotina dos pacientes e o uso do espaço Ao se perguntar como era um dia comum no local para um paciente, o relato foi o seguinte: o paciente acorda, no quarto com os demais (são aproximadamente quatro pessoas por quarto) e fazem a higiene pessoal. Acordam e já sentem a necessidade de fumar, então antes do café é comum deles irem ao fumódromo, um espaço arborizado próximo ao refeitório. As sete da manhã é servido o café da manhã no refeitório, e na sequência é feito uma sessão de espiritualidade no dito “salão azul”. Nesse momento eles se conectam consigo mesmos e com o divino, e muitos usam violão para distração. Em seguida é feita a laborterapia, um momento de cuidado do espaço onde eles trabalham na higiene do lugar. Depois há uma aula de atividade física coletiva, com banho e um momento de lazer até o meio dia, horário de almoçar. Após o almoço, normalmente os pacientes podem descansar, até as 14:30 onde é feito o momento de estudo dos Planos Minnesota. Existe o lanche da tarde, as 16:00 horas, e a noite livre para lazer. 44 No fim de semana eles fazem uma grande faxina pelo sábado de manhã e o restante do tempo podem utilizar a piscina, as áreas de jogos, campo de futebol, fumódromo, áreas de convívio em geral. E os atendimentos com profissionais da saúde mental acontecem semanalmente, e em dias intercalados, para psicólogos e psiquiatras. O espaço dos quartos é composto por um grupo de suítes, com beliches dispostos de forma variada, um armário comum e um banheiro. É comum ver itens pessoais nos espaços, apesar de durante a visita estar tudo aparentemente organizado. A localização dos quartos é voltada para a parte posterior do espaço, não sendo de fácil acesso pelas as áreas comuns. Figura 18. Refeitório da CT Caminho de luz. Fonte: Acervo do autor, 2021. As áreas comuns são várias, como citadas acima. O refeitório (figura 18, acima) possui mesas de quatro pessoas, e funciona num espaço similar a um galpão, bem aberto, mas coberto, e com uma circulação razoável entre as mesas. A cozinha fica no mesmo espaço, onde a dupla responsável cozinha durante a semana. Não se vê muitos itens no refeitório, apenas as mesas e cadeiras, e por ele ser aberto ainda se torna mais simples. Na lateral dele fica o fumódromo, onde eles se reúnem sob algumas árvores e fumam em horários previstos. Segundo a dona é um espaço de grande interação e importante para os momentos de lazer no geral. O salão azul (figura 19) trata-se de uma estrutura similar a um ginásio, também aberto e de frente a pequena lagoa. Existem cadeiras que são dispostas em círculo, sendo o círculo o formato preferido para as reuniões que ocorrem lá pela visão um do outro que ele permite. Por trás dele há um bloco de banheiros coletivos, utilizado nos horários de atividades em grupo. 45 Figura 19. Salão azul e piscina, na CT Caminho de Luz. Fonte: Acervo do autor, 2021. Em frente ao salão existe o campo de futebol, aberto. Sendo a responsável pelo local é bastante utilizado pelos mais jovens. Fica de frente a lagoa também. Quanto as atividades esportivas, o casarão central onde fica a administração e um grande alpendre com sinuca, mesas e cadeiras para conivência permite que estas sejam feitas em espaço coberto também. O casarão tem uma sala central onde acontecem estudos, como os do plano minnesota, além de alguns quartos maiores onde ficam pacientes. Fonte: Acervo do autor, 2021. Figura 20. Sala de psicoterapia na CT Caminho de luz. 46 Há ainda uma capela (figura 21, abaixo) na parte mais alta – a chácara fica num terreno em declive ondeo acesso está na parte mais alta e a lagoa é a parte mais baixa – isolada, e é aberta também. Há próximo ao casarão uma enfermaria para primeiros socorros, onde ficam medicamentos em geral, e acontecem consultas eventuais. Na lateral dela há uma sala de atendimento psicológico (figura 20, acima) onde acontecem as sessões semanais. Fonte: Acervo do autor, 2021. 4.3.2 Quanto aos aspectos de humanização e problemas percebidos no espaço construído O vasto programa de necessidades chama bastante atenção, com uma implantação de blocos de edificios bem distribuida pelo terreno, com visuais para espaços abertos e para a a lagoa, constitutem uma boa distribuição com distrações positivas. O distanciamento entre os blocos gera espaços arejados e iluminados, trazendo agradabilidade. No entanto, entende-se que deveriam haver maior conexão física entre áreas mais utilizadas, como entre quartos e refeitório, onde não há cobertura para épocas de chuva. O salão azul é um espaço importante pela flexibilidade que ele proporciona, por ser coberto mas também ser bem aberto. Há uma diversidade de atividades possíveis nele, e configurações de cadeiras, podendo ser organizadas em filas ou em circulos, mediante a necessidade. Ainda pode ser utilizado para atividades recreativas e exercícios fisicos. O bloco de banheiros na proximidade também ajuda quando se tem atividades de longa duração. A organização do espaço ao ser feita pelos proprios pacientes permite que eles participem da escolha das questões relativas ao espaço, sendo visto também como um aspecto Figura 21. Capela na CT Caminho de luz. 47 positivo por influenciar no controle do ambiente. Assim como a autonomia da circulação deles em horários pre determinados na rotina prevista pelo tratamento. Não se viu no espaço mecanismos que impeçam a circulação, nem uso de gradis ou similares. Importante a ausência desses elementos para que se combata a imagem das instituições psiquiátricas como locais de perda de autonomia. As salas de psicoterapia e o posto de enfermagem também chamaram atenção por serem espaços de acolhimento, com livros, instrumentos musicais, uso de cores e funcionarem de portas abertas. Estão perto das áreas comuns, e são de facil acesso. Quanto a infraestrutura física, preocupou-se com a acessibilidade no geral do espaço, por não terem sido vistos espaços adaptados a pessoas com limitações. Além disso, as diferenças de níveis geram muitas áreas de transição descobertas, de modo que em épocas de chuva ou até em determinados horários do dia haja desconforto nessas mudanças de local, ou deixando algumas áreas subutilizadas. 4.4 ESTUDOS DE REFERÊNCIAS E A HUMANIZAÇÃO Baseado nos estudos vistos acima, foi possível perceber que alguns aspectos se fizeram presentes em mais de um local, e possuem relação com as estratégias de humanização indicadas no capítulo 03. O quadro abaixo mostra a relação percebida. Tabela 1. Estratégias de humanização percebidas nos estudos de referência. Fonte: Elaborado pelo autor, 2021 48 4.5 RESUMO DE DIRETRIZES Associando a percepção dos elementos de humanização vistos nas referências bibliográficas aos estudos de caso observados neste capítulo, foram elencadas as seguintes diretrizes para o processo de concepção do CAPDad deste trabalho: 1. Integração entre os espaços internos e externos, com presença de elementos naturais constante; 2. Multifuncionalidade dos espaços de convivência ou atividades coletivas; 3. Uso de texturas naturais diversas, com estimulo aos sentidos; 4. Unidade espacial, com circulações bem distribuidas, com foco na autonomia do individuo; 5. Adoção de soluções com foco no acolhimento do usuário do espaço através de elementos característicos do uso residencial. 49 5 CONDICIONANTES PROJETUAIS E PROGRAMA ARQUITETÔNICO Natal é um município brasileiro que segundo o IBGE (2020) possui 890.480 habitantes. No entanto, só existem duas unidades de CAPSad na cidade: o CAPSad Leste – localizado na rua Monsenhor Severiano, 443, Petrópolis – e o CAPSad Norte – localizado na Av. Rio Doce, 03, Conjunto Santarém, de acordo com os endereços disponíveis no Google Maps (acesso em 2021) e com o mapa disponibilizado no site “saúde mental”, conforme figura 22, abaixo. De acordo com o Ministério da Saúde os CAPSad são indicados para áreas com mais de 150 mil habitantes, logo há um déficit desse tipo de equipamento na área estudada. Figura 22. Mapa de elementos da RAPS implantados na região de Natal até 2017. Fonte: saudementalrn.wordpress.com (acesso em 2021) 50 Como já foi visto anteriormente no capítulo 02, os CAPS são equipamentos que funcionam inseridos numa dinâmica sócio-espacial, adequando-se aos locais em que se inserem, com iniciativas de participação por parte do usuário nas vivências comunitárias e integração com demais setores da sociedade. Logo, entende-se que áreas que permitam vivências ricas e de troca são mais interessantes por permitir uma intersetorialidade. Por exemplo, bairros cuja população resida nele e não sejam somente comerciais ajudam no sentido de se ter ocupação durante os diversos momentos e relação de pertencimento pelos moradores. Outro ponto relevante é que se tenha uma área central e acessível por diversos modais, facilitando a procura por quem precisa de ajuda nessa área. Desse modo, e vendo que os CAPSad estão localizados na zona leste e norte, ficaram a zona oeste e sul para estudo de áreas onde se poderia implantar esse equipamento. Nesse ponto do processo surgiram três possíveis locais: os bairros de Ponta Negra, próxima a vila; o bairro de Lagoa Nova, próximo ao Parque das Dunas; e o bairro do Pitimbu, próximo a linha do trem. Os três foram pensados por serem áreas onde a dinâmica social aparenta ser rica e possuírem uma fácil acessibilidade. Sobre Ponta Negra imaginou-se que se poderia tirar partido cultural do lugar bem como da sua relação com o mar. Sobre Lagoa Nova, a ideia inicial foi sua acessibilidade dentro da cidade como um todo, e sua relação com a paisagem do Parque das Dunas; e a área do Pitimbu por estar próxima a dois eixos de acesso (Av. Omar O’Grady e BR 101), estar próximo aos bairros de Cidade Nova e Planalto, bem como ter a feira, as duas estações de trem, Parque da Cidade, e outros elementos do entorno. Dentre as ideias, a área do bairro de Pitimbu e seu entorno foi a que chamou mais atenção, por estar numa área mais distante em relação aos equipamentos já existentes, mas também pelos elementos citados acima. Possui duas estações de trem (Pitimbu e Satélite), a feira livre do Planalto, variedade de equipamentos religiosos, de lazer, áreas ociosas a serem trabalhadas, entre outros atrativos do ponto de vista urbanístico. 5.1 TERRENO DE INTERVENÇÃO O terreno escolhido (figura 23) localiza-se na R. Paracati, no bairro Planalto, na esquina com a R. Professor Antônio Trigueiro. É um lote sem construções atualmente, e com vegetação rasteira, sem árvores de grande espécie. Possui duas fachadas frontais e seu entorno imediato é residencial. 51 Figura 23. Localização do terreno escolhido. Fonte: Google Earth, 2021 (editado pelo autor). A topografia do terreno tem uma variação de cinco metros, onde a esquina é um dos pontos mais elevados. A fachada voltada para a Rua Paracati (figura 24) possui 25,64 m, e a voltada para a R. Professor Antônio Trigueiro, 66,85m. As demais fachadas possuem 27,61 m e 66,94 m. O terreno possui uma área de 1.780,66m². Figura 24. Vista do terreno a partir da Rua Paracati. Fonte: Google Maps (2021) A área escolhida para implantação teve sua justificativa descrita anteriormente, no entanto é necessário que se especifique qual a razão deste terreno em específico. De acordo com as recomendações fornecidaspelo Ministério da Saúde (2015), há uma lista inicial de ambientes precisos para que os CAPS existam, conforme seu tipo. Nela há também uma área mínima para cada ambiente e sua quantidade, permitindo assim a criação de um programa de necessidades inicial. O programa de necessidades inicial foi modificado e será melhor abordado no item 5.4, porém encontrou-se nesse momento uma área mínima de aproximadamente 600 m². Levando em consideração a necessidade de recuos, áreas de transição, circulações, estacionamentos, 52 áreas verdes, margens para ampliação, partido inicial de projeto, concluiu-se que era interessante terrenos com no mínimo o dobro da área encontrada neste programa inicial. Foram cogitados três possíveis lotes nas áreas próximas que atendiam a essa área, no entanto alguns estudos iniciais demonstravam que se ter um lote de esquina cuja maior fachada não é voltada para uma avenida principal permitirá se trabalhar bem a distribuição de acessos, visto que para este uso é necessário que haja uma entrada para o público em geral, e uma área de carga e descarga. Lotes de miolo de quadra, ou seja, sem ser de esquina, com grande profundidade e fachadas mais curtas dificultariam a distribuição desses acessos sem que eles tomassem a fachada como um todo. Já lotes mais largos nesse mesmo tipo com uma fachada frontal maior também permitiria uma boa distribuição desses acessos. Lotes com três fachadas foram evitados pela necessidade de se cuidar da quantidade de possíveis áreas visíveis e vulneráveis dentro da edificação, logo o lote escolhido (figura 25) ficou sendo um intermediário entre essas questões. Figura 25. Dimensões do terreno e curvas de nível no entorno imediato. Fonte: Mapa fornecido pela SEMURB, editado pelo autor. 53 5.2 CARACTERIZAÇÃO DO ENTORNO Segundo a Prefeitura de Natal (2012), o Planalto foi criado em 1998 na Lei nº 151, originado de um conjunto de pequenas granjas, maior parte sob propriedade da senhora Amélia Duarte Machado. Hoje é parte da região administrativa oeste. Faz limites com os bairros Cidade Nova, Pitimbu, Guararapes e o município de Parnamirim. Sua área é de aproximadamente 463 Hectares e sua população residente no ano de 200 era de aproximadamente 14 mil pessoas. Dentre os equipamentos públicos existentes, ainda segundo a Prefeitura de Natal (2012) há escolas, quadras, base policial, unidade básica de saúde, entre outros. Além disso haviam em torno de 245 atividades comerciais em 2010 na área, e 165 de serviço. Além disso, é válido perceber que segundo o mapa de gabarito, na figura 27, a grande parte das edificações são térreas, porém há pontos que indicam haver um crescimento de edificações de dois ou três pavimentos. O entorno imediato do terreno, segundo o mapa de uso na figura 26, é predominantemente residencial, no entanto ainda é possível que sejam encontradas atividades comerciais e de serviços. É importante também ver a linha férrea, próxima a área de implantação. . 54 Figura 26. Mapa de uso do entorno imediato do terreno escolhido. Fonte: Elaborado por Ana Beatriz Targino. 55 Figura 27. Mapa de gabarito do bairro Planalto. Fonte: Elaborado por Ana Beatriz Targino. 56 5.3 CONDICIONANTES FÍSICOS E AMBIENTAIS Natal é uma cidade de clima tropical úmido. Localiza-se abaixo da linha do equador e é cercada pelo oceano atlântico. Situa-se numa área com presença constante de dunas. Fica na zona bioclimática 08. As recomendações construtivas para Natal são a utilização de grandes aberturas, sombreadas, com paredes e coberturas leves e refletoras, incentivando a ventilação cruzada durante todo o ano. De acordo com a rosa dos ventos (figura 28), temos ventilação vinda predominantemente do nordeste ao sudeste, variando de acordo com o período do ano. Para essa região a ventilação é desejada para o conforto térmico, pedindo estratégias na concepção da edificação nesse sentido, de aproveitamento dos ventos. O poente ocorre no oeste, com variação também de acordo com o período do ano entre noroeste e sudoeste. Figura 28. Rosa dos ventos para cidade de Natal/RN. Fonte: Acervo do sofrware Climate Consultant (2021). Para o terreno escolhido, a fachada lateral e frontal recebe o sol da tarde em parte do ano. Já a esquina do lote recebe maior quantidade de ventilação. 57 De acordo com as análises da carta solar para Natal, RN, as fachadas recebem insolação da seguinte forma: • Fachada noroeste: o sol incide nesta fachada durante a tarde em todo o ano, e pela manhã do mês de março a setembro, onde o mês de junho, no solstício de inverno, a fachada recebe sol o dia praticamente todo. Fonte: Elaborado pelo autor (2021). • Fachada nordeste: o sol incide nesta fachada em todo o ano durante a manhã. Fonte: Elaborado pelo autor (2021). Figura 29. Estudo de insolação na fachada noroeste. Figura 30. Estudo de insolação na fachada nordeste. 58 • Fachada sudoeste: o sol incide nesta fachada pela manhã, com maior quantidade de horas no período do verão, próximo ao solstício, indo até por volta das 14 horas da tarde. Fonte: Elaborado pelo autor (2021). • Fachada sudoeste: o sol incide nesta fachada durante toda a tarde, no ano inteiro. Fonte: Elaborado pelo autor (2021). Figura 31. Estudo de insolação na fachada sudeste. Figura 32. Estudo de insolação na fachada sudoeste. 59 A topografia do terreno já apresentada anteriormente foi utilizada como início de uma concepção de uma área verde que se distribuiria pelo maior sentido do lote rente ao lote vizinho, já que há um declive no sentido proposto (partindo da rua como ponto mais alto indo em direção ao meio do lote como ponto mais baixo). A ideia é que esta área verde seja permeável e já permita uma drenagem natural das águas coletadas nas coberturas da edificação, além do desnível ser utilizado no partido arquitetônico, a ser descrito no item 6. Não foram percebidos durante a visita árvores de grande porte a serem preservadas, apenas uma grande extensão de uma vegetação rasteira, logo não foram incorporadas na implantação como vegetação existente a ser mantida. 5.4 CONDICIONAIS LEGAIS O bairro onde o terreno se insere se enquadra, de acordo com o Plano Diretor de Natal de 2007 numa zona de adensamento básico, onde o coeficiente de aproveitamento permitido é de 1.2 Nessa região o gabarito máximo permitido é de 65 m. Para esse terreno, como pretende-se ter uma edificação térrea, são solicitados apenas recuos frontais de 3 m. No entanto, como é um terreno de esquina esse recuo incide nas duas fachadas. Além disso, o Código de Obras de Natal, de 2004, solicita no anexo III que o projeto preveja uma vaga de estacionamento a cada 55 m², além de área e desembarque, casa de lixo, e carga e descarga. 5.5 PROGRAMA DE NECESSIDADES Como citado anteriormente durante a descrição da escolha do terreno, foi feito um dimensionamento inicial baseado nos ambientes mínimos para implantação de um CAPSad, de acordo com orientações do Ministério da Saúde. Tais ambientes encontram-se na tabela 02, abaixo. No entanto, na sequência citam-se alguns outros que surgiram baseado nos estudos de referência e na revisão bibliográfica, considerados importantes para a proposta como um todo considerando o partido e conceito de projeto. 60 Tabela 2. Programa de necessidades básico do CAPSad. PROGRAMA DE NECESSIDADES BÁSICO - CAPS AD AMBIENTE QUANT . ÁREA MÍN./AMBIENT E (m²) ÁREA TOTAL (m²) UNIDADE FUNCIONAL Área externa de convivência 1 50 50 ATENDIMENTO AMBULATORIAL Espaço de acolhimento 1 30 30 ATENDIMENTO AMBULATORIAL Espaço interno de convivência 1 50 50 ATENDIMENTO AMBULATORIAL Sala de aplicação de medicamentos 16 6 ATENDIMENTO AMBULATORIAL Sala de atendimento individualizado 3 9 27 ATENDIMENTO AMBULATORIAL Sala de atividades coletivas 2 22 44 ATENDIMENTO AMBULATORIAL Posto de enfermagem 1 6 6 ATENDIMENTO AMBULATORIAL Quarto coletivo com acomodações individuais (para acolhimento noturno com 02 camas) 1 12 12 ATENDIMENTO AMBULATORIAL Almoxarifado 1 4 4 APOIO ADMINISTRATIV O Arquivo 1 4 4 APOIO ADMINISTRATIV O Sala administrativa 1 12 12 APOIO ADMINISTRATIV O Sala de reunião 1 16 16 APOIO ADMINISTRATIV O Cozinha 1 35 35 APOIO TÉCNICO Farmácia 1 7 7 APOIO TÉCNICO Refeitório 1 50 50 APOIO TÉCNICO Sala de utilidades 1 3 3 APOIO LOGÍSITICO Área de serviços 1 4 4 APOIO LOGÍSITICO Banheiro contíguo aos quartos coletivos com acomodações individuais 1 3 3 APOIO LOGÍSITICO Abrigo externo de resíduos comuns 1 1,5 1,5 APOIO LOGÍSITICO Abrigo GLP 1 1 1 APOIO LOGÍSITICO Área externa para embarque e desembarque 1 20 20 APOIO LOGÍSITICO 61 Banheiro com vestiário para funcionários 2 9 18 APOIO LOGÍSITICO DML 1 2 2 APOIO LOGÍSITICO Sanitário PNE público feminino 1 10 10 APOIO LOGÍSITICO Sanitário PNE público masculino 1 10 10 APOIO LOGÍSITICO Fonte: Ministério da Saúde (2015). Baseado nas visitas feitas presencialmente e conversa com profissionais da área, uma área para vivências de natureza espiritual, como visto na Villa VIC e na CT Caminho de Luz é interessante para esses espaços a medida que os usuários desse espaço estão em momentos de fragilidade e busca por uma melhora interna, então há de acordo com o percebido nos estudos uma necessidade de busca por uma conexão interna ou com seres tido como superiores. Para isso, pensou-se em ter um espaço chamado de “meditação”, semi aberto, onde as pessoas pudessem meditar, fazer algum tipo de prece, reza, oração, dentre outras práticas. Também durante as visitas observou-se que a prática de estudo e leitura é comum. Na CT Caminho de Luz há um momento onde os pacientes do local dedicam-se a atividades de escrita e questionários, e é um momento de troca e crescimento de acordo com os donos do espaço. Ainda foi visto na Villa VIC que apesar de não se ter esse espaço de estudo coletivo, os pacientes tinham livros e cadernos em seus quartos. Logo, a leitura pode ser tida como uma prática a ser incentivada nos momentos de ócio, ou espera por alguma atividade coletiva. Por isso pensou-se em ter uma sala de estudos, com alguns livros diversos e espaço para discussão de temas coletivos em pequenos grupos. Já na Clínica Médica Casa Alice, estudo de referência indireto, a existência de salas de consulta médica cujo foco era não ter uma disposição de mobiliário que distanciasse os profissionais dos pacientes e presença de elementos de uso residencial, inclusive chamando estas salas de “sala da pessoa” indica um alinhamento com a ideia da quinta diretriz que é “adoção de soluções com foco no acolhimento do usuário do espaço através de elementos característicos do uso residencial”. Portanto, pensou-se em se ter salas de atendimento individualizado bem amplas sendo quatro unidades, onde uma seja maior para que durante situações onde precisam estar mais de um profissional de saúde e familiares dos pacientes no mesmo espaço, haja confortot. Prever ambientes amplos e com possibilidade de escolha de como o usuário vai estar no espaço é uma forta de fornecer controle do ambiente para ele. Além disso, pensar na possibilidade de se ter espaço para acompanhamento de familiares estimula o 62 suporte social. Vale salientar que apesar da existência dessa quarta sala maior, as demais também serão amplas e manterão inclusas nelas as estratégias de humanização. 6 CONCEPÇÃO PROJETUAL Levantadas as questões iniciais sobre o projeto a ser feito e conhecendo as condicionantes a serem atendidas, o processo de projeto se constrói de forma mais sólida de acordo com as diretrizes já pontuadas anteriormente. No entanto, vale retomar alguns pontos que acompanharam o surgimento dos primeiros croquis de ideia: - A humanização do espaço vai ser trabalhada através de três estratégias projetuais, que são: o controle do ambiente por parte do usuário; o suporte social; e as distrações positivas; - O lote possui um desnível na sua parte central, rente à divisa com os lotes laterais, sendo esse ponto a cota mais baixa; - Escolheu-se um lote com duas fachadas frontais, onde a voltada para a rua de maior movimento recebe sol durante quase todo o ano, e a de menor movimento, e maior recebe grande parte da ventilação predominante na região. Para além disso, foram escolhidas as seguintes diretrizes de projeto, que se relacionam com as estratégias de humanização das seguintes maneiras: 1. Integração entre os espaços internos e externos, com presença de elementos naturais constante, gerando distrações positivas pelo estimulo feito pela diversidade de cores e texturas presentes no jardins, que podem funcionar de forma terapêutica, e do contato com a luz natural. Além disso, essa integração em alguns espaços se apresenta como uma forma do paciente escolher aonde se sente melhor, se num espaço aberto ou fechado para determinada atividade, relacionando-se ao controle do ambiente. 2. Multifuncionalidade dos espaços de convivência ou atividades coletivas, estimulando o suporte social nessas áreas; 3. Uso de texturas naturais diversas, com estimulo aos sentidos, similar ao primeiro item, com foco na criaçao de distrações positivas, e na criação de uma imagem característica do CAPS através dessas texturas, gerando uma relação de identidade por parte dos usuários; 4. Unidade espacial, com circulações bem distribuidas, com foco na autonomia do individuo, estimulando o controle do ambiente por parte dele; 63 5. Adoção de soluções com foco no acolhimento do usuário do espaço através de elementos característicos do uso residencial, relacionando-se com todas as três estratégias, a medida que o uso residencial pode invocar sensações de estar num espaço de uso mais pessoal e menos institucional dando a sensação de mairo controle, focado no bem estar e na distração, permitindo ao invididuo ir e vir, entendendo os limites do espaço pessoal de cada um através da delimitação das zonas. 6.1 O GERADOR PRIMÁRIO O processo de criação teve como referência algumas questões expostas no livro “Como Arquitetos e Designs Pensam” de Bryan Lawson (2011). Ele explica Entender a atividade de projetar parte da sua complexidade e também da pessoalidade. Apesar de se ter técnicas e abordagens sistêmicas é importante compreender a especificidade de cada projetista e sua reação único ao problema proposto. Fruto de estudos sobre projeto e criação iniciados na década de 70, Lawson (2011) indica a descoberta que análise e síntese são inseparáveis nesse processo de concepção. Logo, apesar da vivência pessoal de cada profissional existem também questões comuns que vale a pena conhecer. Uma ideia interessante nesse projeto de concepção é entender que apesar de haver etapas elas não possuem uma ordem definida, isto é, o processo não é padrão temporalmente apesar de ter fases comuns. Resumir o problema, estudar o entendimento das exigências, produzir uma ou mais soluções, testá-las, transmitir aos clientes são fases de projeto, mas não acontecem necessariamente nesta ordem sempre. Ou seja, o processo é cíclico. É necessário que se formule o problema corretamente, olhe a situação de diferentes ângulos, represente-o, avalie a solução, reflita, e veja para qual fase voltar. Escolheu-se ter o usuário como ponto central do projeto, e a humanização como aspecto direcionador da concepção, gerando uma das diversas respostas possíveis ao problema exposto nesse volume, buscando se alcançar o nível de estudo preliminar. O produto final é um grupo de pranchastécnicas de arquitetura, com plantas e elevações, além de imagens em 3D para facilitar a compreensão da proposta, que se encontram no fim do volume. Por fim, um memorial descritivo para se expor quantitativamente e qualitativamente parte das soluções pensadas, como materiais utilizadas, concepção estrutural, aspectos legais do projeto, entre outros. Revendo esses apontamentos inciais surge a ideia de se ter uma área interna de interação cuja imagem seja de um espaço de encontros aberto, vegetado, com cara de casa, onde as circulações se encontram nele. Essa ideia, podendo ser chamada de “gerador primario” de 64 projeto se manteve como unificadora durante toda a concepção e junto com o zoneamento e a topografia definiu os primeiros traços da proposta Essa área inicial surge como um núcleo central de encontros (figura 33). Simultaneamente, pôde-se compreender que a esquina no encontro das duas fachadas frontais é o ponto mais visivel para quem procura o equimanento, considerando a rua de maior fluxo. Logo, pensou-se que o acolhimento por ser o prinicpal ponto de entrada para as atividades que acontecem nesse no CAPSad deve ficar lá. E a partir do acolhimento, o direcionamento para demais áreas. Ainda, nesse mesmo momento incial entendeu-se que os fundos do terreno, no ponto da fachada mais distante da esquina, na rua de menor movimento, ficaria bom para acesso de funcionários e área de carga e descarga, bem como atividades em geral de cunho logisitico. Portanto, esse também foi um eixo de zoneamento adotado mediante uma distribuição da ocupação da fachada que fosse legível a quem chega, onde o acesso principal ficasse privilegiado mas o de serviço tivesse maior restrição e privacidade. Figura 33. Croqui de concepção inicial, explicando o gerador primário adotado. Fonte: Elaborado pelo autor (2021). 65 6.2 ESTUDOS DE PARTIDO E ZONEAMENTO Entendendo o principio da disposição dos acessos e a existência desse núcleo central de encontros, foi feito um estudo de quais ambientes deveriam estar próximos. Nesse momento do projeto entendeu-se que os espaços poderiam ser organizados mediante o nível de uso previsto para cada área. Por exemplo: salas de atendimento individual e aplicação de medicamentos serão bem mais acessadas que os quartos de repouso para pacientes. Um outro exemplo, o descanso de funcionários não precisa estar numa localização tão central quanto um refeitório. Logo, fez sentido que os ambientes ao serem zoneados fiquem dispostos considerando privacidade, segurança, usuários, fluxo pretendido, dentre outros. Dessa forma, ilustrado na figura 34 abaixo, o atendimento ambulatorial foi pensado em ficar num bloco único, o mais próximo do acolhimento e distribuido em duas subzonas onde as áreas de atividades coletivas ficassem numa parte e as de clínica em outro, para que os ruídos gerados pela quantidade de pessoas da primeira não interferisse na utilização da segunda. As áreas de apoio administrativo e logístico foram pensadas em ficar num bloco no canto mais restrito do terreno. Na parte central, os ambientes como áreas de conviência, abertas ou não, refeitório, e espaços coletivos em geral seriam locados. Figura 34. Primeiros estudos de zoneamento e setorização. Fonte: Elaborado pelo autor (2021) 66 Já nesse momento levava-se em consideração a criação desses espaços abertos no meio do terreno, e de transição entre um espaço e outro. Também já imaginava-se anteparos e coberturas lineares, como nos estudos da figura 35. No entanto, nessa primeira disposição ainda não havia sido levado em consideração a influência das condicionantes ambientes, e como o desenho de implantação em si já poderia contribuir para um melhor aproveitamento do espaço e conforto dos usuáriros. Fonte: Elaborado pelo autor (2021) Ao relacionar esse desenho incial com as condicionantes físicas e ambientais surgiram duas ideias que foram de extrema relevância para o projeto: • A cota mais baixa do terreno central pode ser mantida desta forma, e incorporada ao projeto como área verde e de drenagem das águas da chuva. • A área externa de convivência pode ter um formato similar a uma escadaria ou arquibancada, onde o proprio desnivel do terreno possa ser utilizado como degraus para as pessoas sentarem e terem momentos de reunião. O nucleo central, lembrando a logica do anfiteatro grego pode ser o ponto mais visivel e já permite algumas atividades de apresentação em geral, mas também de natureza esportiva. Logo, a Villa VIC foi uma referência estudada que tinha um espaço similar, que serviu de inspiração para a concepção dessa área central. • Ao manter as formas iniciais da implantação alinhadas com as fachadas do terreno, mantendo um paralelismo entre os blocos, seriam geradas mais áreas que receberiam o sol da tarde e de boa parte da manhã, já que a fachada frontal recebe a maior quantitdade de insolação. Então, resolveu-se quebrar esse alinhamento com a fachada, gerando uma fachada no sentido leste-oeste, buscando dimininuir essa incidência direta. No entanto, Figura 35. Estudos iniciais dos blocos, prevendo estratégias de diminuição da radiação solar direta nas fachadas através de elementos vazados. 67 para além disso foram utilizadas outras estratégias de conforto que serão melhor abordadas. Figura 36. Estudos de volumetria considerando as condicionantes de conforto ambiental. Fonte: Elaborado pelo autor (2021) Nesse ponto, chegou-se ao macro zoneamento dentro do terreno que se manteve, trabalhando em cima disso algumas relações de menor escala como localização do acesso as salas, privacidade de alguns ambientes em especifico, segurança, entre outros. A partir disso, iniciou-se o estudo de partido, e surge a forma inicial vista na figura 36, Nesse momento levou-se em consideração não só a forma que o projeto estava tomando a partir do zoneamento pensado previamente, mas também algumas definições relacionadas a viabilidade construtiva e a humanização aplicada no projeto. Havia desde as diretrizes a intenção de se ter a imagem de “casa” no projeto, especificamente na parte interna da edificação. Logo, questionou-se o que seria ter essa “cara de casa”? Dentre as pesquisas feitas, optou-se que seria interessante trabalhar com uma cobertura cerâmica associada a um madeiramento aparente, para auxiliar na criação dessa imagem. No entanto, por ser uma solução de cobertura que exige manutenção regularmente pelo desgaste da madeira, ficou resolvido que ela seria adotada em áreas especificas. Outra forma de se propor essa imagem de residência, foi utilizar como elemento de vedação permeável o cobogó cimentíceo, ou em cerâmica, já que é um elemento brasileiro, e atende bem do ponto de vista da ventilação. Além disso, o efeito de sombras desejados na utilização do elemento vazado agrega esteticamente a composição. 68 Figura 37. Estudos de fachadas com elementos vazados e definição de coberturas. Fonte: Elaborado pelo autor (2021) Os primeiros estudos de volumetrias contavam com três volumes mais extensos: o bloco de oficinas, o de atendimento individualizado e o de administração e serviços similares. Todos térreos, com formas lineares, voltados para o nucleo central, com duas grandes circulações radiais, partindo deste nucleo em direção a área de acolhimento, e a segunda em direção a carga e descarga. As coberturas cerãmicas seriam utilizadas internamente, em áreas a serem melhor delineadas depois. Figura 38. Estudos do "quintal', núcleo central do projeto. Fonte: Elaborado pelo autor (2021) Ao haver uma definição prévia de como essa edificação se materializaria como um todo, inclusive percebendo a relação entnre os volumes (figuras 37 e 38), fez-se necessário estudar a planta baixa a partir de uma visualização mais tecnicista. Fala-se neste trabalho numtipo de edificação de uso publico, inserido no Sistema Único de Saúde, onde nos capítulos inciais foi apresentado a situação de descaso recorrente na manutenção destes espaços e no pouco investimento em infra estrutura. Sendo assim procurou-se pensar numa lógica construtiva que estivesse alinhado as diretrizes mas que também fosse duradoura, demandasse pouca manutenção, existisse mão de obra disponível na área para sua execução, permitisse a mescla com outras e pudesse ser utilizada aparente. Para isso foram escolhidos os seguintes itens: 69 • A estrutura predominante em concreto armado permite uma execução cuja mão de obra é ofertada na região, pede pouca manutenção, e é de alta durabilidade. Pode também ser utilizada aparente se necessário, e permite a interface com outras técnicas construtivas; • A vedação será em parte de alvenaria convencional, por permitir uma variedade de acabamentos, seja do revestimento cerâmico a pintura, e pelo uso da área de saúde pedir uma variedade de tratamentos por questões de manutenção e praticidade de limpeza. Além dela, serão utilizadas em algumas áreas a taipa de pilão aparente, feita com o solo do lugar mesclado com outros conforme a necessidade, por ser uma técnica relacionada também a cultura de construção brasileira, e a variedade de texturas que ela possibilita, buscando gerar uma identidade visual no lugar. Mediante os devidos cuidados de implantação é um tipo de vedação duradoura e associa-se as demais; • Cobertura composta por telha metálica tipo sanduiche, por oferecer isolamento térmico e acústico, ter uma baixa inclinação possibilidade a linearidade pretendida segundo o partido adotado, na maior área da edificação. Em algumas áreas em especifico, como refeitório e acolhimento pensou-se em utilizar a telha cerâmica aparente baseado nas diretrizes projetuais. Baseado nessa definição o projeto foi revisado em planta baixa adotando uma modulação de 1,20 cm, levando em conta não apenas a racionalidade construtivas mas a criação de maiores circulações que atendam a todas as pessoas, reforçando a autonomia do usuário e o controle do ambiente. Na sequência houve o lançamento da estrutura em concreto armado, permitndo que se alcançasse novas áreas para os ambientes, e por consequência definição das esquadrias que atenderiam ao conforto térmico e lumínico, além da privacidade e integração com o exterior. 6.3 ESTRATÉGIAS DE HUMANIZAÇÃO A humanização se fez presente durante a concepção do projeto de diversas formas, no entanto três estratégias merecem uma explanação mais ampla: a integração entre o exterior e o interior; a diversidade de texturas adotadas; a quebra da monotonia das circulações. A integração entre os espaços abertos e fechados foi um dos primeiros elementos projetuais a serem tidos como estratégia de humanização, visto que surge junto do gerador primário. A criação dessa área central, em forma de arquibancada, proxima a outras áreas de uso comum integrada as duas circulações principais é uma forma de tornar o uso da área central mais incentivado, já que ele bem conectado aos demais blocos, mas também de tornar os 70 ambientes fechados proximos a ele mais interessante, já que há uma área ali aberta a ser vista, e também que permite entrada de luz e ventilação. Outro local onde isso se fez presentte foi na concepção dos consultórios. Estão localizados próximos ao acolhimento e possuem um jardim de inverno, isto é, um vazio na laje que gera uma área verde, que se conecta com o restante do ambiente. A ideia é que os pacinetes que estejam mais agitados ou acompanhados e sintam vontade de ter esse contato com o espaço aberto possam fazê-lo e assim deixá-lo mais a vontade, incentivando também a ida de familiareas a consulta pela sensação de bem estar nela. Nesse caso, os jardim de inverno funcionam também como uma forma de se ter ventilação e iluminação zenital para os consultórios. Os quartos de descanso dos pacientes para estarem voltados para a fachada que do ponto de vista do conforto térmico é a mais privilegiada, receberam também um jardim de transição entre os quartos e a rua, cuja vedação foi feita de alvenaria e cobogós, onde a visual de quem está nos quartos é de um jardim, estratégia vista nos estudos de referências, mas sem perca de privacidade em relação a quem circula pelas calçadas na parte externa. Ainda, é possivel ver na área de descanso de funcionários uma forma de se ter um núcleo composto por quarto de descanso, descanso aberto e copa. A ideia foi de se ter uma área onde os funcinários pudessem descansar mais confortável no quarto, mas pudessem ter um descanso a céu aberto, com redes, vegetação, e com privacidade também, Além disso a proximidade com a copa permite que eles façam refeições nessa área aberta, levando também o conforto dos profissionais em conta. A diversidade de texturas adotadas se faz presente principalmente nesses espaços abertos, a medida que a vegetação em si, jutno com o estimulo a outros sentidos como o olfato, pode contribuir para o bem estar das pessoas. A ideia é que nos espaços de convivência haja diversidade de espécies vegetais e nas circulações haja uma paginação de piso que mescle texturas secas, como o cimento queimado, mas gere canteiros com elementos naturais, como pedras, argilas, cascalhos, entre outros. A escolha dos materiais em si, com a presença da taipa, dos cobogós de cerâmica, e algumas paredes em pedra natural, além da cobertura em telha cerâmica e o madeiramento dela também compõe essa variedade de texturas. Ainda foram pensados espaços onde se poderia haver intervenção artistica já que é bem comum, de acordo com os estudos de referência e também pela revisão biliográfica, que a arte aja como mecanismo de reabilitação psicologica. Outro ponto que foi consequência de se ter a humanização como elemento chave na concepção do projeto foi a preocupação com as circulações. Combater a imagem do longo 71 corredor branco cheio de portas iguais recorrente ao se pensar no uso hospitalar era um objetivo também, definido nas diretrizes, e foi solucionado pela integração com o interior e exterior a medida que as circulações se direcionam para o espaço aberto, mas também pela criação de nichos trabalhados junto do mobiliário e da paginação de piso de paradas rapidas das pessoas, chamados durante o processo de “recantos”. Imagina-se que se possa ter melhores áreas de espera, mas também distrações ao percorrer o espaço. A definição das estratégias de humanização levou a compreensão do que veio a ser o conceito de projeto. O núcleo central que levou as premissas do zoneamento junto aos aspectos residenciais resultaram na ideia do “quintal”, adotado como conceito pela semelhança desse espaço aos fundos, comuns as residências, aberto, e que muitas vezes serve como área de lazer, descanso, cultivo, trabalho, entre outras atividades. 7 MEMORIAL DESCRITIVO Como citado na introdução, o memorial descritivo é parte dos produtos finais deste trabalho final de graduação, e abordará uma síntese das soluções técnicas do estudo feito, informando materiais utilizados, prescrições urbanísticas, aspectos formais, funcionais e estéticos, configuração estrutural, entre outros pontos considerado relevantes ao entendimento da proposta. Vale relembrar que o CAPSad terra & terra é uma proposta de Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas para o bairro do Planalto, em Natal, RN, de atividade diurna. O entorno é bastante residencial, com maior parte das edificações térreas, apesar da existência de alguns condomínios próximos. É uma área de entorno rico em dinâmica social urbana, com atividade comercial, religiosa, institucional em bairros próximos, e com pontos de ônibus e estações de trem próximas também. O nome foi escolhido por ser uma proposta que usa a terra como um dos elementos de vedação,com suas variações de tons naturais e aparentes como parte da estética adotada, buscando gerar uma personalização desta unidade em si, além da relação da ideia de “terra” como um lugar de alguém, de pertencimento, retomando o conceito de “minha terra” como um lugar de identidade. Esse tipo de instituição pede uma diversidade de espaços para que se atenda o projeto singular terapêutico de cada um, com espaços para reuniões, atividades de lazer, acompanhamento psicológico clinico, acolhimento, oficinas, entre outras atividades de uso geral. Ao final, o projeto ficou com uma área construída de 856,34 m². 72 7.1 IMPLANTAÇÃO O CAPSad teria sua implantação em um terreno de esquina, com 1.780,66 m², cujo motivo da escolha foi a localização, a demanda especulada, e a possibilidade de uma melhor distribuição dos acessos. Possui duas fachadas frontais, logo há um recuo de 3,00 m aplicado nessas duas fachadas. O acesso principal que chega até o ambiente “acolhimento” se dá pela rua Paracati, com área de embarque e desembarque próximo a esse acesso. Além disso, há a disposição de sete vagas nessa fachada, com uma dessas vagas sendo para idoso e outra para Pessoa com Mobilidade Reduzida. O acesso de serviço se dá pela área de carga e descarga na parte posterior do terreno, pela rua Antônio Trigueiro. Nesta fachada também se distribuem um outro conjunto de vagas, As áreas de carga e descarga e embarque e desembarque são cobertas por uma estrutura de madeira coberta com telha em policarbonato, conforme é possível se ver nas fachadas. A implantação foi baseada na criação de uma área central entre os blocos, na parte mais baixa do terreno. Foram pensados três volumes zoneados conforme o uso, sendo estes: o de atendimento individual próximo a fachada da rua Paracati, o de atividades coletivas próximo a rua Antônio Trigueiro, e o de atividades administrativas e logística na parte posterior do terreno. A área central é destinada ao uso coletivo, tendo os espaços de convivência internos e externos, além do refeitório. O cálculo de vagas para carro foi elaborado de acordo com o Código de Obras de Natal (2007) no anexo III, onde o equipamento proposto de enquadra na categoria “Hospital, maternidade, pronto socorro, clínica médica, dentária, consultório, laboratório, etc”. Considerou-se até 2 pavimentos para via locais, sendo exigido uma vaga a cada 55 m². Logo, como existem 16 vagas, a área máxima da edificação seria 880,00 m². Tabela 3. Índices urbanísticos finais alcançados no projeto. Fonte: Elaborado pelo autor (2021) 73 7.2 DISTRIBUIÇÃO FUNCIONAL E CIRCULAÇÕES A distribuição funcional e as circulações foram consequência do zoneamento descrito anteriormente. No entanto vale retomar alguns aspectos conceituais ao justificar a localização dos espaços e suas relações funcionais. A esquina por ser o ponto mais visível optou-se por ficar o acesso principal e por isso o acolhimento ficou locado nessa área. Por uma questão de logística e facilidade de acesso, a sala de arquivo ficou próxima ao acolhimento, onde os funcionários desse atendimento inicial possam ter acesso ao histórico de cada paciente de forma rápida. O acolhimento é dividido entre uma área fechada e uma aberta. A área aberta tem espaço para uma árvore de médio porte, que é visível da rua e possui fechamento em cobogós, para permitir circulação de ventos e uma visibilidade parcial do meio externo. Além disso, possui acesso para uma circulação que chega ao centro do projeto, “o quintal”. Essa circulação inicial possui banheiros que ficam próximas as áreas de atividade individual, coletivas e do acolhimento. São dois grupos de banheiro, um coletivo para cada gênero, e dois acessíveis individuais. Um aspecto importante dessa circulação é que ela possui uns cantos de parada e distração, evitando a ideia de corredor, onde imagina-se que haverá uma intervenção artística em cada parede. Partindo dessa circulação inicial, há o setor de atendimento individual, separado num bloco único, composto por quatro consultórios, além de salas de apoio a essa atividade clínica, como farmácia, sala de medicamentos, sala de utilidades, entre outras. É importante ressaltar que as salas de atendimento individual possuem uma área acima do mínimo para que seja permitida a entrada de mais de uma pessoa para atendimento. A configuração dessas salas surgiu baseada nos estudos de referência, onde constatou-se que é comum de se ter momentos de atendimento clínico com mais de um profissional participando, bem como a presença de familiares de algum paciente. Prover área para esses encontros nessas sessões de atendimento é uma forma de estimular o suporte social, aspecto de humanização buscado na proposta. Outro ponto que deve ser observado nessas salas de atendimento é a existência de uma área aberta, com um piso permeável tipo deck removível, e mobiliário similar ao de uma varanda, para que caso o paciente se agite, ele possa ter um tipo de sessão ou consulta mais informal, ao ar livre, com a sensação de estar num ambiente mais residencial e menos clínico. Na sequência dessa circulação inicial há as salas de atividades coletivas, dentre as quais existem as de oficinas, as de leitura e estudo. Elas se abrem para o dito “quintal” e são acessadas 74 pela circulação, com excessão da sala de leitura que possui acesso por um jardim interno, por ser uma atividade mais reservada e com menos pessoas. A locação dessas salas de atividades coletivas foi feita de forma a não incentivar que as pessoas adentrem ainda mais no terreno, limitando-as a esse núcleo central coletvo. A função dessa circulação é de levar as pessoas usuárias do CAPSad as áreas de interesse delas, seja para atividade coletiva ou individual. O refeitório e os espaços de convivência estão todos juntos também por uma observação dos estudos de referência, onde foi possível ver que após refeições as pessoas costumam ter um momento de descanso e interação. Logo, imaginou-se que se teria uma área bem ocupada e com bastante visibilidade entre os dois espaços. Esse espaço do projeto foi pensado com bastante integração entre os ambientes, aproveitando as diferenças de nível e inserindo bastante vegetação. Partindo da área de carga e descarga, na parte posterior do terreno, temos uma outra circulação voltada para os funcionários, onde se distribuem os vestiários, salas de administração, reunião, descanso, entre outros. Nesse bloco também se manteve o padrão de criação considerando espaços abertos, inclusive tendo uma área de descanso com jardim próximo para uso dos profissionais. Além disso nesse setor do terreno ficaram o abrigo de gás e a casa de lixo, por serem ambientes que onde não é necessário circulação de um numero grande de pessoas externas. Além disso, na região de transição entre a área central de lazer, o “quintal”, e o bloco de acesso mais restrito aos funcionários há um espaço chamado de “meditação”, cuja inserção no programa de necessidades também foi resultado das pesquisas feitas em campo, onde percebeu- se que nesses locais havia um apelo por um tipo de cuidado e orientação superior. Logo, imaginou-se que seria uma área de acesso intermediário, já que o espaço de meditação pede um pouco mais de privacidade. Também pensou que nele fosse utilizado um desenho irregular, com aberturas nas vedações para que se gere um efeito de luz natural nestes vazios, realçando a natureza da atividade espiritualista. Vale a pena chamar atenção também para a localização dos quartos, situado próximo a fachada frontal da rua Antônio Trigueiro, recebendo uma ventilação desejada considerando as condições de conforto da nossa zona bioclimática. É uma área que se volta para o sol nascente, e se separa do espaço de convivência por uma parede onde o acesso aos quartos fica mais reservado. Para que os quartos não tivessemcontato direto com a rua, mas pudessem ter aberturas para ela foi criado um espaço de transição vedado com alguns cobogós, de modo a permitir que haja janelas dos quartos para a rua, mas não diretamente para a calçada. O jardim 75 interno faz essa transição entre a parede dos quartos com esquadrias de alumínio e vidro, e a parede externa com alvenaria e cobogós. 7.3 SOLUÇÕES GERAIS Como definiu-se previamente que a edificação seria térrea, e que o CAPSad é uma edificação cuja demanda é feita por um numero fixo de pessoas atendidas numa unidade, diminuindo a expectativa de possíveis ampliações deste equipamento, definiu-se que se utilizaria uma estrutura em concreto armado no geral. Além disso, é um tipo de estrutura cuja manutenção tem periodicidade baixa, há uma familiarização com sua execução por parte dos profissionais da região, e pode ser utilizada aparente em espaços pontuais sem necessidade de tratamentos específicos. A possibilidade de se trabalhar com formas diversas também foi um critério na escolha do tipo de estrutura. Buscou-se na concepção do equipamento liberdade formal, e avaliando alguns outros sistemas construtivos como o aço, alvenaria estrutural ou container, a forma se condiciona um pouco mais as especificidades do material do que durante a utilização do concreto armado. Associado ao concreto armado pensou-se em ter vedações em alvenaria convencional – tijolo de oito furos, cerâmico – junto do uso da técnica de taipa de pilão. A taipa de pilão sendo utilizada aparente possui um apelo estético em si, já que mostra as variações de tons nas camadas de terra utilizadas, e pode ser feita utilizando material prima local. A ideia é que pudessem ser feita com o solo natural do terreno junto ao barro de alguma outra região, mas que tenha essa relação com o lugar em si. Inclusive, foi do uso desse material que surge o nome do CAPSad. No entanto, a terra por ser utilizada aparente na taipa só foi sugerida em áreas onde não há atividades clínicas, como aplicação de medicamentos, nem precisam de limpeza regularmente. Deu-se preferência a ter alguns volumes nesse material, em áreas específicas de uso coletivo, como leitura, oficinas, meditação. Estão representadas na planta baixa como paredes de 40 cm, pois esse tipo de vedação é mais largo que o convencional. A escolha do uso da taipa também se justifica pela possibilidade de ser executada por pessoas da região, sem necessidade de alguém com uma qualificação profissional especializada. Também remete a técnicas construtivas locais, valorizando a história da construção na região nordeste, e lembra a imagem de “casa de interior”. Essa invocação no imaginário das pessoas 76 também foi uma forma para se ter um local mais humanizado, tirando a cara de espaço de atendimento à saúde monótono. A cobertura proposta foi em telhas termoacústicas, com núcleo de poliestireno e inclinação de 10%. A escolha foi pela sua contribuição positiva quanto ao conforto térmico e acústico na edificação e também por oferecer a possibilidade de ser cortada de acordo com o formato do espaço em que será utilizada. Também oferece a vantagem de ter folhas grandes, diminuindo o custo com escoramento, otimizando o tempo de obra. Dispensou-se o uso de forros internos, sugerindo a execução de uma laje em concreto com emassamento, pintada na cor branco neve. Também foi sugerido no acolhimento, no espaço interno de convivência, e no refeitório o uso de cobertura em telha colonial cerâmica, estrutura sobre madeiramento aparentes. Por serem áreas de estadia de muitas pessoas e especificas do projeto, esse tipo de cobertura pode invocar a ideia de casa. Além disso, é uma boa solução para circulação de ar no espaço. Pensou-se também em ter um piso em cimento queimado aparente, feito na própria obra. A ideia também é voltada para o aspecto de “casa de interior”. Além disso, atende a um fluxo alto de pessoas, não pede rejuntamento, e a limpeza é fácil. No entanto, para áreas molhadas em geral sugere-se piso cerâmico esmaltado, com medidas de 60x60cm, por se conseguir maior controle da limpeza nesses ambientes com esse material. As esquadrias são em sua maioria de alumínio anodizado branco, e vidro temperado. A indicação é feita baseada na facilidade de limpeza do vidro, e na resistência que ele adquire com esse tratamento. Além disso, o alumínio possui boa durabilidade e também é fácil de limpar, pedindo baixa manutenção. As janelas voltadas para a fachada, as altas, em veneziana, também são em alumínio. As portas são em sua maioria em madeira laminada, de cor branca, exceto as de vidro, indicadas no quadro de esquadrias das pranchas. 77 8 CONSIDERAÇÕES FINAIS A questão dos espaços de atenção à saúde mental é bem mais ampla do que o pequeno recorte que esse trabalho final de graduação conseguiu abordar. É uma questão que faz parte da realidade de uma porção da sociedade brasileira, mas o diálogo aberto sobre ainda é escasso. Além do estigma social que cerca os problemas de saúde mental e a dependência química, o tema humanização na arquitetura tem sido trilhada nas últimas décadas, com sua base teórica ainda em construção. Logo, foi necessário para a elaboração desse trabalho uma compreensão sobre dois temas, considerados pelo autor, enquanto graduando, delicados - humanização e saúde mental - mas de muita relevância social, que despertaram mais questões que afirmações em si. Para além da proposta finalizada, considero aqui a importância ímpar de visitar pessoalmente os espaços de uso similares ao do CAPSad e ter conversas com profissionais da área. Muitos foram os esclarecimentos tidos com o nível de informação passada por quem vivencia diariamente a realidade discutida nesse trabalho. Os estudos de referência foram retomados durante todo o processo de concepção e tiveram rebatimento em toda a proposta. Apesar de todas as limitações geradas pela pandemia, houve momentos de trocas de conhecimento entre profissionais da área, pessoas que já foram pacientes desse tipo de estabelecimento, e com a orientadora Luciana, e todo esse diálogo foi primordial. Além disso, imagina-se que essa proposta, caso houvesse mais tempo, ainda seria objeto de muita análise, e consequentemente, síntese e representação atualizada. No entanto o pouco tempo hábil não permitiu que os estudos iniciais de concepção fossem mais longos. Então, o processo até esse momento de finalização do estudo preliminar foi rico de acordo com o contexto, e as definições iniciais de conceito e partido foram elementos chaves na concepção. Ainda, vale lembrar que haveria uma necessidade de trabalhar em mais pontos relativos à humanização, como nas definições dos ambientes de forma isolada. No entanto como a proposta se limita ao estudo preliminar, foi dada preferência a ter uma ideia geral que se relacionasse com o conceito de humanização, e a edificação como um todo fosse concebida buscando uma unidade formal, não sendo possível adentrar nas discussões por ambiente. Portanto, espera-se ter atingido uma proposta que esteja de acordo com o papel da arquitetura de contribuir com equipamentos de qualidade deste tipo, com maior foco no usuário, e que a integração presente regularmente entre os espaços fechados e os espaços abertos e verdes, tenha de fato sido positiva na intenção de se ter locais mais salubres, acolhedores e humanos. 78 REFERÊNCIAS ABREU, Marcella Alvarenga et al. AVALIAÇÃO DA ESTRUTURA E PROCESSO DE TRABALHO DE UM CENTRO DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL NO MUNICÍPIO DE UBÁ-MG. Revista Científica Fagoc, Ubá, v. 2, n. 2, p. 27-34, set-jul 2017. Semestral. Disponível em: https://revista.fagoc.br/index.php/saude/issue/view/19. Acesso em: 07 jun. 2021. AZEVEDO, D. M. MIRANDA, F. A. N. Práticas profissionais e tratamento ofertado nos CAPSad do municípiode Natal, RN, com a palavra família. Esc. Anna Nery Ver Enfermagem, v. 14. N.1, p.56-63. 2010. 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