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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES DEPARTAMENTO DE POLÍTICAS PÚBLICAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS A GESTÃO SOCIAL DO MEDO NA CIDADE DE NATAL/RN: CULTURA, MEDO E VIOLÊNCIA URBANA DALTON LUÍS BATISTA PAULO DOS SANTOS NATAL/RN 2017 DALTON LUÍS BATISTA PAULO DOS SANTOS A GESTÃO SOCIAL DO MEDO NA CIDADE DE NATAL/RN: CULTURA, MEDO E VIOLÊNCIA URBANA Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Estudos Urbanos e Regionais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre, sob a orientação do Prof. Dr. Fernando Manuel Rocha da Cruz. NATAL/RN 2017 Santos, Dalton Luís Batista Paulo dos. A gestão social do medo na cidade de Natal/RN: cultura, medo e violência urbana / Dalton Luís Batista Paulo dos Santos. - 2017. 136f.: il. Dissertação (mestrado) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Programa de Pós-Graduação em Estudos Urbanos e Regionais. Orientador: Prof. Dr. Fernando Manuel Rocha da Cruz. 1. Insegurança social. 2. Violência. 3. Espaços públicos. 4. Medo. I. Cruz, Fernando Manuel Rocha da. II. Título. RN/UF/BS-CCHLA CDU 364.652.2 Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes - CCHLA AGRADECIMENTOS Ao meu Pai Eterno, que sempre me orientou durante todo o trabalho. À minha amada Sara, que é meu remédio, minha paz. À Dálete, Jonathas e Débora, que são as minhas alegrias. Aos meus pais, que me deram muitas oportunidades. Ao meu orientador Prof. Dr. Fernando, que não tem sido, apenas, um orientador mas, sobretudo, um amigo. Aos meus mestres, que são meus exemplos. RESUMO A cidade, desde sua origem, caracteriza-se por ser um lugar de proteção do ser humano. Mesmo sendo símbolo de segurança e de melhores condições de sobrevivência, o medo permeia o imaginário dos seus moradores. A violência e a criminalidade também fazem parte dessa história. Apesar de, em certa medida, não passar de uma sensação, a insegurança na cidade tem influenciado ,subjetivamente, as pessoas, afastando-as do convívio com os outros e dos espaços públicos. Nesse sentido, o presente trabalho objetiva compreender a relação do indivíduo com a cidade sob a égide da cultura do medo, na cidade de Natal, no estado do Rio Grande do Norte. Ademais, visa conhecer quais as estratégias dos cidadãos e do poder público utilizadas para a gestão do medo na cidade e o consequente uso dos espaços públicos. A presente investigação é qualitativa, tendo por base entrevistas semiestruturadas junto aos gestores estaduais e municipais da segurança pública e também a representantes de entidades da sociedade civil. De maneira geral, os gestores públicos foram categóricos em afirmar que o cidadão não deve ter medo da criminalidade. Os representantes das entidades da sociedade civil apontaram a cidade como tendo um elevado índice de criminalidade e, em consequência, uma sensação de insegurança bastante preocupante. Para eles, o Estado deixa a desejar na prestação do serviço, seja em virtude de falta de efetivo, falta de investimento ou a ausência do Estado na Educação como sendo o principal fator de geração da criminalidade. Palavras-Chave: Cidade. Cultura. Espaços públicos. Medo. Violência. ABSTRACT The city since its origin is characterized by being a place of protection of the human being. Even being a symbol of security and better survival conditions, fear permeates the imagination of its residents. Violence and crime are also part of this story. Although to a certain extent it is no more than a sensation, insecurity in the city has subjectively influenced people away from socializing with others and public spaces. Therefore, the present work aims to understand the relationship between the individual and the city under the aegis of the culture of fear, in the city of Natal, in the state of Rio Grande do Norte. Next, to know the strategies of the citizens and of the public power used for the management of the fear in the city and the consequent use of the public spaces. The present investigation is qualitative, based on semi-structured interviews with state and municipal public security managers and also with representatives of civil society entities. In general, the public managers were categorical in affirming that the citizen should not be afraid of the criminality. Representatives of civil society organizations have pointed to the city as having a high crime rate and, as a consequence, a feeling of insecurity that is very worrying. For them, the State is no longer willing to provide the service, either because of lack of staff, lack of investment or the absence of the State in Education as the main factor in generating crime. KEYWORDS: City. Culture. Public spaces. Fear. Violence. LISTA DE MAPAS Mapa 1 – Densidade Demográfica de Natal, por Bairro, 2014.................................................79 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1 – Taxas de homicídios, por regiões do Brasil (2010-2012).....................................80 Gráfico 2 – Taxas de homicídio, região Nordeste do Brasil (2000-2012)...............................81 Gráfico 3 – Taxas de Homicídio, comparando Brasil, região Nordeste, Rio Grande do Norte, Região Metropolitana de Natal, e Natal (1996 – 2013)............................................................81 Gráfico 4 – Taxas de homicídios por 100.000 habitantes, na Região Metropolitana de Natal, comparando número de homicídios entre homens e mulheres.................................................83 Gráfico 5 – Quantidade de Crimes Violentos Letais Intencionais em 2015 comparado com 2014 por região Administrativa de Natal e sua variação.........................................................85 Gráfico 6 – Crimes violentos letais intencionais por tipo de ação criminosa em comparação com o ano de 2014....................................................................................................................86 LISTA DE TABELAS Tabela 1 – Taxas de homicídio, comparando Brasil, região Nordeste, Rio Grande do Norte, Região Metropolitana de Natal e Natal.....................................................................................82 Tabela 2 - Índice de vitimização masculina por homicídio e razão entre os riscos de mortalidade por homicídio masculina e feminina na região Metropolitana de Natal – 1998- 2007...........................................................................................................................................84 Tabela 3 - Número de registros de ocorrências de roubos seguidos de morte (latrocínios) e taxa por 100 mil habitantes referente aos anos de 2011 a 2014, no Rio Grande do Norte e no Brasil.........................................................................................................................................84 Tabela 4 – Efetivos da Polícia Militar e da Polícia Civil, por sexo, segundo as Grandes Regiões e as Unidades da Federação – Brasil – 2014...............................................................89 LISTA DE ABREVIATURA E SIGLAS ABRASEL - Associação Brasileira de Bares e Restaurantes AMOCISA - Associação de Moradores do Conjunto Habitacional Cidade Satélite - BBC – Corporação Britância de Radiodifusão BNH - Banco Nacional de Habitação CDL - Câmara de Dirigentes Lojistas de Natal CID 10 - Classificação Internacional das Doenças número 10 CID 9 - Classificação Internacional das Doenças número 9 CODIMM - Coordenadoria de Defesa dos Direitos das Mulheres e da Minoria CPTED (Crime Prevention Trough Environmental Design) - Prevençãoda criminalidade através do design ambiental CRAS - Centros de Referência em Assistência Social CREAS - Centros de Referência Especializados em Assistência Social CVLI Crimes Violentos Letais Intencionais DATASUS - Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde DEAM - Delegacias Especializadas no Atendimento à Mulher FJP - Fundação João Pinheiro – GMN - Guarda Municipal de Natal IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IDHM - Índice de Desenvolvimento Humano Municipal IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada OMS - Organização Mundial de Saúde ONU – Organização das Nações Unidas PMRN – Polícia Militar do Rio Grande do Norte PNUD – Programa das Nações Unidas paa o Desenvolvimento RM - Regiões Metropolitanas RMN – Região Metropolitana de Natal SINTRO - Sindicato dos Trabalhadores em Transportes Rodoviários do Rio Grande do Norte SUDENE - Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste UDH - Unidades de Desenvolvimento Humano UNESP – Universidade Estadual de São Paulo URSS – União das Repúblicas Socialistas Soviéticas SUMÁRIO AGRADECIMENTOS 4 RESUMO 5 ABSTRACT 6 LISTA DE MAPAS 7 LISTA DE GRÁFICOS 7 LISTA DE TABELAS 7 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS 8 INTRODUÇÃO 11 1. PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO CIENTÍFICO E METODOLOGIA 15 2. CIDADE: PRODUTO E PRODUTOR DE CULTURA 23 2.1. Cultura: ferramenta de transformação do homem e da construção da cidade 24 2.2. Cidade: produto da ação humana 31 2.3. A expansão demográfica das cidades e suas consequências sobre o homem 37 2.4. A cidade: cenário de atuação do capital 44 3. A CIDADE COMO OBJETO DE MEDO 50 3.1. Segregação social e espacial 54 3.2. A cultura do medo 59 3.3. O papel do estado na gestão do medo 64 3.4. A relação entre a configuração urbana e a criminalidade 69 4. NATAL: URBANIZAÇÃO, TRANSFORMAÇÃO, MERCANTILIZAÇÃO 74 4.1. Evolução urbana e caracterização sócio-demográfica 75 4.2. A criminalidade na cidade 81 5. DOIS OLHARES SOBRE A SEGURANÇA PÚBLICA 92 5.1. Perfil dos entrevistados 93 5.2. O olhar dos representantes da sociedade civil 94 5.3. O olhar dos gestores de segurança pública 102 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS 110 REFERÊNCIAS 121 APÊNDICE 134 INTRODUÇÃO Nos últimos anos, de forma mais exacerbada, o medo da criminalidade urbana tem se intensificado. Os sentimentos de medo e insegurança têm envolvido de tal maneira as pessoas que esses temas têm pautado, cotidianamente, as suas conversas e ações. A violência e a criminalidade urbanas têm assumido destaque, em uma progressão geométrica, entre as preocupações da população brasileira. De certo modo, não é sem razão que isso tem acontecido. Diversas pesquisas têm indicado que os números de homicídios, roubos a veículos, latrocínios e outros crimes tiveram um aumento substancioso e o pior é que as curvas de mensuração dos índices apresentam uma forte tendência de continuidade no crescimento desses crimes. Ou seja, os crimes vão continuar aumentando enquanto os governantes de plantão não se posicionarem no sentido de adotar uma abordagem científica para buscar soluções para a segurança pública. O Estado do Rio Grande do Norte e a cidade de Natal não estão desvinculados desse cenário; ao contrário, enquanto as cidades do Sul e Sudeste do país que, historicamente, apresentavam os índices mais altos de criminalidade, hoje devido a uma série de ações do poder público local, esses crimes e seus executores migraram para as regiões Norte e Nordeste. Em decorrência da histórica falta de investimento e inadequada gestão na área, esses criminosos encontraram um espaço, até certo ponto, fácil para agir. Especialmente, devido ao seu know-how, adquirido nos confrontos com as polícias do Sul e Sudeste, e ao seu nível elevado de equipamentos letais bem superiores aos utilizados no Nordeste têm obtido êxito, principalmente nas ações de grande monta como, por exemplo, os assaltos a bancos e a carros fortes. Como resultado desse quadro, mais do que nunca esse assunto tem sido objeto de conversas nos mais variados grupos das mais distintas cidades do Estado do Rio Grande do Norte. Nas diversas faixas etárias, idosos, jovens e até crianças têm essa temática como parte significante de suas conversas. O mesmo ocorre entre as diversas classes econômicas. As discussões têm caracteres diferenciados mas a essência é a mesma. Há uma fala básica que está presente em todos os grupos de amigos, colegas, vizinhos, familiares e outros. Esse discurso vai, paulatinamente, ganhando eco e provocando reações de medo em quem nem mesmo foi vítima, influenciando, decisivamente, sua relação com a cidade. 11 O medo na e da cidade, apesar do paradoxo, existiu desde seu surgimento, haja vista ela ter sido elaborada, entre outros fatores, a partir do medo. Esses elementos referidos são socialmente construídos, isto é, resultam da maneira como o homem apreende seu ambiente e atua sobre ele com base nas elaborações dos significados e significantes que o auxiliam nessa relação com a realidade que o envolvem. Contemporaneamente, o medo na e da cidade e a sensação de insegurança dele resultante têm se constituído com tamanha potência que ganhou o atributo de ubíquo. As pessoas, de maneira geral, têm sido impactadas pelas “falas do medo” que se constituem em discursos que vão se construindo a partir do imaginário que introjeta possíveis ameaças e as reelabora definindo lugares e pessoas ameaçadores (FERNANDES; RÊGO, 2012, p. 51). Assim sendo, a cidade transmuda-se de ambiente de integração, de ambiente de acolhimento para um ambiente de presenças indesejadas, de lugares indesejados, de vínculos fluidos, de interações fragmentárias. Os que fazem a cidade, que dão vida à cidade, que são a sua razão de ser passam a se constituir, paradoxalmente, naqueles que são a escória da cidade, se convertem ou são convertidos em objetos de repugnância. Os nós dessa cidade-teia que são interdependentes e foram construídos sócio-historicamente assim, também sofrem esse processo e, da mesma forma, tornam-se, ou são tornados repugnantes. A partir daí, esses, categorizados, rejeitos da cidade, sejam as pessoas ou os lugares que não se enquadram no padrão da normalidade construída passam a ser evitados. Nesse diapasão e, como resultado dele, tem-se a emergência da hipótese predatória da cidade, caracterizada como estrutura que se interpõe entre os indivíduos e os lugares, mediatizando as relações e estabelecendo comportamentos nos espaços da cidade ( FERNANDES, 2003, p. 57-60). Com base nessas percepções a presente investigação busca, principalmente, compreender o papel da violência e da criminalidade urbanas na relação do cidadão com a cidade. Assim, o objetivo principal do trabalho consiste em identificar quais as estratégias sociais de gestão do medo da criminalidade urbana. Os objetivos específicos são, por conseguinte, compreender a relação entre o cidadão e a cidade sob a perspectiva do medo; identificar as estratégias de gestão do medo sob a perspectiva da hipótese predatória na cidade; e, por fim, cotejar as percepções da população e dos gestores públicos sobre o medo da criminalidade urbana e sua gestão. 12 Logo, inicia-se o trabalho no primeiro capítulo pela revisão de literatura sobre a produção do conhecimento científico. O cientista ou aquele que se propõe a realizar um trabalho de caráter científico deve, obrigatoriamente, conhecer do que se trata tal empreendimento. Deve também conhecer as diversas visões a respeito do tema e buscar se posicionar em relação a eles. Com isso, constrói-se uma pesquisa norteada por um paradigma de fazer ciência que foi escolhido previamente com o objetivo de oferecer um produto que tenha condições de ser compreendido pela academia como frutoe resultado de sua própria lavra e de sua existência enquanto instituição de fazer ciência, por excelência. No segundo capítulo, são discutidos elementos que têm um caráter de essencialidade para a existência humana e também para toda e qualquer relação dessa espécie com o ambiente que a envolve. Desse modo, é discutido o papel da cultura enquanto ferramenta essencial de existência do ser humano, no sentido de ser o instrumento primordial de apreensão e compreensão dos elementos que o constituem. Nesse capítulo, apresenta-se a espécie humana com base em uma peculiaridade quando comparada a outras. As diversas espécies agem ou se comportam com base em instintos, enquanto o homem age com base no que aprende ao longo de sua existência. Esse aprendizado se dá através da cultura que é a ferramenta que o dota de capacidade para apreender o mundo que o cerca e, a partir daí, atuar reflexivamente sobre ele. Com base nessa percepção e, fundado nela, discute-se a cidade como um empreendimento humano eminentemente sócio-histórico e cultural, humano por excelência. Em seguida, são examinadas suas origens com o fulcro na compreensão da relação entre cultura e cidade, entre o ser humano e o ambiente. A partir desse processo sistemático e dialético de produzir e ser produzido, o homem elabora e realiza diversos empreendimentos que resultam de sua ação sobre a natureza em busca de comida, abrigo e proteção. A cidade surge, assim, como produto desse motor humano, como consequência, inicialmente do controle sobre a produção de alimentos e da criação de animais, que possibilitou a sua fixação em regiões que ofereciam melhores condições de sobrevivência. Posteriormente, foi motivado pelo desejo de se proteger dos fenômenos climáticos, dos animais e dos inimigos; além de motivações religiosas que promoviam a sociabilidade e interdependência dos indivíduos. O capítulo terceiro tem como fio condutor de sua discussão, além dos elementos apresentados a seguir, o medo da cidade como construto social e, como tal, realizado com as ferramentas da cultura. Esses elementos são socialmente construídos, isto é, resultam da 13 maneira como o homem apreende seu ambiente e atua sobre ele a partir das elaborações dos significados e significantes que o auxiliam nessa relação com a realidade que o envolve (FERNANDES; RÊGO, 2012, p. 51). Nesse capítulo, entende-se como fundamental para a compreensão da cidade, como objeto de medo, alguns elementos, tais como: (1) a questão da segregação sócioespacial, que resulta em preconceito, baixa auto-estima e violência tanto simbólica, quanto real para com os excluídos; (2) a elaboração subjetiva do medo de uma ameaça irreal, como se o crime estivesse presente em todos os lugares indistintamente. As pessoas têm sido impactadas pelas “falas do medo” (FERNANDES; RÊGO, 2012, p. 51) que se constituem em discursos que vão se construindo a partir do imaginário que introjeta possíveis ameaças e as reelabora, definindo lugares e pessoas ameaçadores; (3) influenciados principalmente pelos meios de comunicação de massa que espetacularizam a notícia, dando a ela uma importância tal que a torna a tônica de programas inteiros; (4) por fim, entram nessa equação o Estado e a configuração dos espaços públicos, por meio da Gestão das Políticas Públicas que, muitas vezes, tem levado a efeito um trabalho baseado no senso comum, como se houvesse uma rejeição ao trabalho científico, quer seja por desconhecimento, quer seja por falta de recursos. O capítulo quatro busca caracterizar a cidade de Natal articulando com o contexto da presente pesquisa. Desde a sua origem, passa por informações sociais e demográficas e, por fim, os dados referentes à criminalidade na cidade. Os dados referentes aos crimes de maior ofensividade, tais como os homicídios e os chamados crimes violentos letais intencionais, serão mais bem explicitados ao longo do capítulo. As entrevistas e suas análises estão apostas no capítulo cinco. A leitura crítica das entrevistas foi realizada a partir de um dinâmico e sistemático movimento continuado e cíclico de interligação entre a realidade apresentada pelos entrevistados, os conceitos esposados no trabalho e os dados que auxiliaram na compreensão da realidade, construindo, assim, gradualmente, uma trama, um tecido carregado de significado e de informações compreensíveis. 14 1. PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO CIENTÍFICO E METODOLOGIA O presente capítulo traz breves considerações sobre a produção do conhecimento científico. Apresenta, também, as estratégias metodológicas adotadas no presente trabalho, nomeadamente aquelas que se distanciam da visão tradicional de fazer ciência, mais especificamente o denominado paradigma cartesiano ou mecanicista. Assim, se aproxima de uma abordagem sistêmica, voltada para a valorização de outros saberes. O homem, desde seus primórdios, vem transformando o seu ambiente movido por um desejo de melhorar suas condições de vida, pela perfectibilidade. Essa faculdade o levou a construir saberes em sua relação com os obstáculos que lhe eram apresentados (ROUSSEAU, 1999, p. 173). Assim, o conhecimento foi sendo, gradualmente, agregado, e esse homem, na interação com a natureza e com os outros, foi estruturando um conjunto de soluções que, com o passar do tempo, o fez evoluir em termos cognitivos. Essa evolução o conduziu a desdobramentos que redundaram então, não apenas em transformações da natureza ou em superação de obstáculos, mas, agora, em uma nova etapa, em questionamentos menos pragmáticos e mais transcendentes, como: o que é o corpo luminoso que aquece e ilumina o seu dia, ou, quem é ele, de onde veio, para onde vai, o que são as estrelas, como elas aparecem no céu, e tantas outras dúvidas que passaram a intrigá-lo (LAVILLE; DIONE, 1999). Nessa sucessão sistemática de questionamentos e busca de respostas, o homem continuou seu processo de evolução cognitiva passando a procurá-las em suas experiências pessoais e em suas observações imediatas. Essas explicações foram resultantes de percepções espontâneas, intuitivas, ou revelações divinas, assim denominadas de “senso comum”, que se consolidaram e tornaram-se tradição. Entretanto, o homem percebe que essas explicações são extremamente limitadas e passa a buscar compreender o mundo a partir de processos mentais mais bem elaborados e pensados de forma sistematizada (LAVILLE; DIONE, 1999). Com isso, “a ciência deixa de ser uma interpretação contemplativa da natureza, para se tornar experiência ativa” (BAZZANELLA, 2009). A produção do conhecimento científico moderno, fundada em pensamentos como “a teoria heliocêntrica de Copérnico, as leis de Kepler sobre as órbitas dos planetas, as leis de Galileu sobre a queda dos corpos, a ordem cósmica de Newton e a consciência filosófica de Bacon e Descartes” (MIRANDA, 2005, p. 241), nas ideias de reprodução dos experimentos 15 com base em receitas ou formulações matemáticas e geométricas, na absoluta certeza de uma empresa em princípios matemáticos fundamentais que prescindem de demonstração (CAPRA, 2006, p. 53), também a preocupação com o desenvolvimento de uma metodologia própria da ciência, além da vontade de se distanciar da experiência sensorial. Todo esse conjunto de características, embora tenha se consolidado, se solidificado como o modelo de se fazer ciência, de se reproduzir o real, tem apresentado abalos, falhas, respostas incongruentes, quando submetido a confrontar as mais recentes descobertas científicas (HENRY, 1998, p. 20- 36). Com o surgimento dos conhecimentos produzidos pela teoria da relatividade de Einstein, pelo princípio da incerteza de Heisenberg, pela teoria quântica de Planck e Schrödinger, pelos modelos atômicosde Dalton, Thompson, Rutherford e Bohr, pela dualidade onda/partícula de De Broglie, e diversas outras descobertas realizadas entre o fim do século XIX e o início do século XX, o racionalismo científico e seu rigor matemático/geométrico são abalados. Todos eles foram progressivamente minando o alicerce, até então intocado, da ciência moderna, cartesiana, mecanicista, matemática, mensurável, quantificável, reproduzível, demonstrável. O eletromagnetismo e a eletrodinâmica de Michael Faraday e Clerk Maxwell, especialmente, provocaram as primeiras lacunas na até então considerada a “teoria fundamental dos fenômenos naturais”, a mecânica newtoniana. Essas disciplinas principiaram, no pensamento científico, a ideia de desenvolvimento, evolução, mudança, que acabaram por permear toda a produção de conhecimento seguinte (CAPRA, 2006, p. 65-84). A teoria da relatividade, especialmente, e a teoria quântica contribuíram significativamente, no primeiro quarto do século XX, para a deterioração da cosmovisão cartesiana, newtoniana (CAPRA, 2006, p. 69). A teoria da relatividade apresenta a ideia de que “a noção de matéria, da forma que a conhecemos, é uma ilusão; tudo, absolutamente tudo é pura energia, tudo pode ser fracionado, dividido e transformado em um nada absoluto, em energia pura” (SILVA; CAVALCANTE, 2013, p. 51). Portanto, o paradigma mecanicista de ciência não é capaz de atender aos experimentos e questionamentos que ocorrem no nível infinitamente pequeno, na ciência das partículas subatômicas, e no nível infinitamente grande, a ciência das distâncias e das velocidades astronômicas (CAPRA, 2006, p. 95). Há um esgotamento do modelo que desvela suas limitações em algumas áreas do conhecimento. 16 Em face do exposto, é possível inferir que está em andamento um inexorável processo de crise nesse paradigma, que resultou, de modo especial e paradoxalmente, dos enormes arcabouço e repertório de conhecimentos reunidos ao longo de, aproximadamente, quatrocentos anos. Ainda mais, pode-se afirmar que está em progresso uma intensa transformação no modo de se enxergar a produção de conhecimento. E por fim, ainda não é possível prever quais as características do modelo que se manifestará após findado esse momento de convulsão nas estruturas do modelo em vigor (SANTOS, 1988, p. 54). Segundo Capra (2005, p. 244), o novo paradigma de ciência apresenta seis características. A primeira se refere à ligação da parte com o todo e do todo com a parte. Diferentemente da ciência moderna, que procura compreender o todo a partir da compreensão de seus fragmentos de modo a se buscar a parte, ou partes constituintes fundamentais desse todo, no novo paradigma o essencial é o todo. Parte-se da leitura global de sua dinâmica para daí se inferir sobre o funcionamento de suas partes. A segunda característica é um desdobramento da primeira, visto que se trata do deslocamento da ideia de que os elementos fundamentais constituintes interagem entre si, gerando uma sucessão sistemática de fenômenos, para a ideia de que essa sucessão concatenada de fenômenos, é que são fundantes, essenciais, originários e que as partes observadas, percebidas pelo experimento científico são, na verdade, resultantes, consequentes dos fenômenos (CAPRA, 2005, p. 244). A produção do conhecimento científico, no modelo de ciência moderna, tem como estatuto o distanciamento, a separação entre o observador e o objeto a ser observado. A terceira característica do novo paradigma desconstrói essa ideia ao afirmar que não há possibilidade de ocorrer, de fato, essa separação. O conjunto de ações para a aquisição de determinado conhecimento se dá, inexoravelmente, com a participação, o envolvimento do observador independente de sua vontade. Toda a ciência moderna está fundamentada em um conhecimento construído sobre alicerces sólidos, sobre elementos basilares, blocos, ou partes que formam o todo desse conhecimento firmemente estruturado, edificado. No entanto, esse edifício por, muitas vezes, passou por abalos e, agora, passa por mais um, embora diferentemente delineado. Esse novo abalo configura não mais a ideia de uma construção sólida, de um edifício estável, formado pelo conjunto de suas partes bem concatenadas, mas por uma malha de relações, uma rede de fenômenos interconectados, caracterizada pela ausência de hierarquia desses fenômenos, sendo isso a quarta característica do novo paradigma. A quinta característica é a concordância, a admissão de que todas as ideias 17 sistematizadas, todas as descrições sobre o conhecimento científico propiciam uma visão incompleta, parcial, restrita do real. Não há mais respostas definitivas. A última característica do novo paradigma se baseia, ao contrário da visão baconiana de exploração, de extração, de dominação, na maneira de tratar a natureza, em valores de solidariedade, respeito, cooperação e de não-violência (CAPRA, 2005, p. 245-248). Outros dois aspectos a serem destacados são: primeiro, o desprezo da ciência moderna pelo conhecimento que não passa pelo seu crivo, construído sem a submissão aos seus estatutos, mas que responde aos questionamentos “comezinhos e corriqueiros”; segundo, seria questionar se a ciência tem, de fato, melhorado a vida das pessoas, em que medida e de que forma, visto que presenciou-se na primeira metade do século, a ciência ser responsável pela morte e destruição em massa da vida de um sem número de pessoas (SANTOS, 1988, p. 47). Para Giddens (1996, p. 177), as Ciências Sociais, dissociadas do modelo das Ciências Naturais, devem basear sua produção tendo, como referência, pensamentos como: o mundo social, ao contrário do mundo da natureza, tem de ser entendido como uma realização engenhosa de sujeitos humanos activos; a constituição desse mesmo mundo como «significante», «relevante» ou «inteligível» depende da linguagem, vista, contudo, não como um simples sistema de signos ou símbolos, mas como um meio de actividade prática; o cientista social, por necessidade, faz uso do mesmo tipo de capacidades que aqueles cujo comportamento procura analisar por forma a descrevê-lo; gerar descrições do comportamento social depende da incumbência hermenêutica de penetrar nos quadros de significado que os próprios actores não especialistas utilizam na constituição e reconstituição do mundo social. (GIDDENS, 1996, p. 177) Define, ainda, o que chama, as “novas regras do método sociológico”, sem a pretensão, no entanto, de estabelecer um estatuto para a investigação social, mas diretrizes, ou pressupostos para a produção do conhecimento no âmbito do mundo social. Primeiro, a investigação social se debruça sobre um universo construído por ações dos indivíduos. A natureza é transformada socialmente por eles que, nesse processo, produzem história, e também são, ao mesmo tempo, transformados por ela de tal maneira que “vivem na história”. Essa ação, apesar de deliberada e volitiva, não é, muitas vezes, totalmente consciente ou inexorável. Um segundo aspecto a se observar é que, apesar de produzirem e se reproduzirem enquanto sociedade, os indivíduos o fazem em um processo de tênue tensão entre saber e não saber o que estão fazendo, uma vez que são conduzidos, ou levados a agir dessa ou daquela maneira por uma estrutura social, que tem um caráter de tornar o sujeito da ação capaz de a 18 realizar. Sendo, portanto, tal estrutura social também objeto de um processo dialético construcionista, que se dá através da ação social. Outra diretriz diz respeito ao papel do pesquisador em sua práxis. Para o autor, “a imersão numa forma de vida é o meioúnico e necessário através do qual um observador é capaz de produzir” (GIDDENS, 1996, p. 181- 184) descrições de suas observações, que sejam produzidas em linguagem científica. Por fim, compreende que a investigação social tem por principais metas a) A explicação e mediação hermenêuticas de formas divergentes de vida dentro das metalinguagens descritivas das ciências sociais; b) A explicação da produção e reprodução da sociedade como resultado acabado da actividade humana. (GIDDENS, 1996, p. 185) Em face do exposto, foram adotados, como referências para a produção do presente trabalho, os pensamentos, baseados em uma perspectiva de fazer científico que se distancia da visão mecanicista, cartesiana e ortodoxa. Uma ciência social que tem características próprias, que diferem das ciências naturais, consequentmente, tem suas próprias regras. Trabalhar-se-á sob a égide de um modelo científico que valoriza a individualidade e o subjetivismo, cientes de que o objeto de estudo como também o observador estão em constante mutação, em contínua e inexorável construção mútua. Igualmente, será construída a pesquisa sem a intenção, claro, de dar respostas definitivas, mas apresentando uma leitura aprofundada do recorte da realidade objeto de questionamento. Visando realizar uma pesquisa que terá, como fulcro de estudo, os discursos de entrevistados que encerram em si experiências, vivências, interações, relações, princípios, valores e história, será adotada, para o presente trabalho, a metodologia aplicada a uma investigação científica de natureza qualitativa, na qual o investigador sempre faz alegações de conhecimento com base principalmente ou em perspectivas construtivistas (ou seja, significados múltiplos das experiências individuais, significados social e historicamente construídos, com o objetivo de desenvolver uma teoria ou um padrão) ou em perspectivas reivindicatórias/participatórias (ou seja, políticas, orientadas para a questão; ou colaborativas, orientadas para a mudança) ou em ambas. Ela também usa estratégias de investigação como narrativas, fenomenologias, etnografias, estudos baseados em teorias ou estudos de teoria embasada na realidade (CRESWELL, 2007, p. 35). Na pesquisa qualitativa, o investigador pretende estudar o mundo, o país, o estado, a cidade, as comunidades, os grupos sociais, visando compreender suas dinâmicas, questionamentos, dúvidas, certezas, problemas e soluções. Ademais, foram coletados dados e 19 informações permeados de sentimentos, desejos, histórias, vivências, dificuldades, superações, analisando-os e tratando-os dentro dos parâmetros estabelecidos pelo modelo. Depois, procurou-se descrever e explicar esse campo amostral em que foi realizada a pesquisa. O trabalho pode ser efetivado tendo como origem a realidade cotidiana das pessoas utilizando-se de documentos, observações das práticas ou das relações, e, por meio da entrevista pessoal, ouvir os relatos e histórias das pessoas que compõem o grupo a ser investigado. O objetivo é “ler” o mundo que rodeia essa população de forma indireta utilizando todos esses elementos e, em seguida, traduzí-lo para uma linguagem acadêmica e clara. Assim, é possível fazer uma reprodução ainda que aproximada, tendo em vista a subjetividade do objeto, do experimento (ANGROSINO, 2009, p. 8-9). Para levar a efeito essa investigação foram utilizadas algumas técnicas que serão apresentadas a seguir. Segundo Marconi e Lakatos (2002, p. 62), técnica é “um conjunto de preceitos ou processos de que se serve uma ciência ou arte; é a habilidade para usar esses preceitos ou normas, a parte prática.”. Em uma primeira fase do presente estudo, procedeu-se a uma revisão bibliográfica com recurso à literatura nacional e internacional afeta à temática do trabalho. Essa técnica objetiva familiarizar o pesquisador com a temática com a qual trabalhará em seu estudo (MARCONI; LAKATOS, 2002, p. 62). Após a reunião de informações resultantes da revisão bibliográfica, percebeu-se a necessidade da realização de entrevistas semiestruturadas, com perguntas abertas, com gestores públicos e líderes de entidades representativas de grupos sociais. A entrevista, como técnica de pesquisa, é [...] um encontro entre duas pessoas, a fim de que uma delas obtenha informações a respeito de um determinado assunto, mediante uma conversação de natureza profissional. [...] trata-se, pois de uma conversação efetuada face a face, de maneira metódica; proporciona ao entrevistador, verbalmente, a informação necessária. [...] tem como objetivo principal a obtenção de informações do entrevistado, sobre determinado assunto ou problema. (MARCONI; LAKATOS, 2002, p. 92). Em relação à entrevista semiestruturada, entende-se ser a técnica mais apropriada para a pesquisa em questão. Assim, o pesquisador [pode] seguir um conjunto de questões previamente definidas, mas ele o faz em um contexto muito semelhante ao de uma conversa informal. O entrevistador deve ficar atento para dirigir, no momento que achar oportuno, a discussão para o assunto que o 20 interessa fazendo perguntas adicionais para elucidar questões que não ficaram claras ou ajudar a recompor o contexto da entrevista, caso o informante tenha “fugido” ao tema ou tenha dificuldades com ele (BONI; QUARESMA, 2005, p. 75). A pergunta aberta oferece ao respondente a condição de, usando suas próprias palavras, responder sem limitações e expressar sua opinião (MARCONI; LAKATOS, 2002, p. 94-101). Como consequência, pretemdeu-se compreender e interpretar, de maneira aprofundada, as falas dos entrevistados em busca do sentido daquilo que foi expresso. Na esteira dessas diretrizes, será utilizada, como estratégia de pesquisa, a Análise de Conteúdo. Essa estratégia de investigação é um conjunto de técnicas de análise das comunicações. Não se trata de um instrumento, mas de um leque de apetrechos; ou, com maior rigor, será um único instrumento, mas marcado por uma grande disparidade de formas e adaptável a um campo de aplicação muito vasto: as comunicações (BARDIN, 1977, p. 31). Assim, os objetivos de uma pesquisa e o formato dos dados a serem analisados estabelecerão os procedimentos de investigação, em consonância com as características de uma pesquisa qualitativa que busca garimpar as respostas à pergunta de pesquisa com base nas falas dos sujeitos. Em face do exposto e, visando compreender a percepção dos entrevistados, foram apresentadas a eles, tanto aos gestores públicos quanto aos representantes das entidades da sociedade civil, questões relacionadas à criminalidade na cidade de Natal, tais como: como veem a criminalidade em Natal nos últimos anos, considerando que houve aumento na quantidade de ocorrências, como eles mensurariam essa questão, quais suas opiniões, como se posicionam diante desse questionamento. Outro questionamento, para ambos os grupos, foi em relação à qualidade do serviço prestado pelo Estado na área da Segurança Pública, se consideravam suficiente, eficiente, se as demandas são atendidas adequadamente. Um terceiro questionamento foi sobre as orientações aos cidadãos para minimizar o risco de ser vitimado pelos criminosos. Na sequência, foram questionados se o cidadão deve ou não ter medo da criminalidade, se ele deve usar ou ocupar a cidade, qual o nível de cautela. E, por fim quais as diretrizes fundamentais que norteiam seus trabalhos. Para tanto, foram feitas entrevistas semiestruturadas com questões abertas para que fosse possível compreender as práticas e os princípios que regem o trabalho de cada um. Essas perguntas acima foram feitas aos gestores, 21 em relação aos entrevistados do grupo de entidades civis;as perguntas foram essencialmente quase as mesmas, as exceções foram as questões voltadas para o volume de vitimização de seus representados e quais as estratégias por eles utilizadas para diminuir a possibilidade de ser vítima. 22 2. CIDADE: PRODUTO E PRODUTOR DE CULTURA O presente capítulo tem por finalidade discutir o papel do ser humano e seus elementos culturais na idealização, elaboração e realização desse importante empreendimento humano que é a cidade. Esse empreendimento teve, como ideário primordial, a proteção e que, ao longo do tempo, constituiu-se, paradoxalmente, em objeto de medo. Foi construído, primariamente, com o auxílio do aparato biológico do ser humano, mas principalmente arrimado no instrumental cultural que complementa a estrutura de suporte à sobrevivência do ser humano. Inicialmente, com o objetivo de contextualização, serão apresentadas questões relativas à etimologia da palavra, às definições, seus significados e sua função enquanto instrumento de mediação e apreensão da realidade. O objetivo da discussão, nesse sentido, é buscar compreender esse caminho percorrido pelo homem em sua relação com a cidade. Na sequência, serão discutidos a origem das cidades, seu germe primitivo e os fatores responsáveis pelo seu surgimento, além da sua função primeva. Um terceiro ponto de discussão é a influência do crescimento urbano sobre a subjetividade e a percepção da realidade, bem como da construção social do modo pelo qual foi e é percebida. 23 2.1. Cultura: ferramenta transformadora do homem e da construção da cidade Há diferentes modos de se analisar a cultura. Ela pode ser: uma forma de se viver em grupo, uma forma de encarar a vida e o mundo, a herança de uma posição social em uma sociedade, um conjunto de conhecimentos, modos de agir e ser, uma série de regras sobre como se comportar, um acúmulo de experiências. Essas características das definições do termo cultura estão ligadas a fatores individuais - na esfera das vivências da individualidade ou da subjetividade - ou coletivos - na esfera das vivências em comunidade - adquiridos pelos indivíduos. Esses fatores são caracterizados, ainda, por resultar de uma superposição histórica ou sucessiva de elementos construtivos do intelecto e da subjetividade dos indivíduos. Outra perspectiva com a qual é possível se perceber essas proposições é que elas encerram em si, tanto representações do modo de viver, dos princípios e valores de um sujeito ou de um grupo, como também dos preceitos e ditames, baseados nos princípios que devem ser seguidos (CRESPI, 1997, p. 13-14). Em termos etimológicos, a palavra cultura tem origem em um campo semântico que abrange palavras ligadas à agricultura, tais como: cuidar da terra, cultivar, lavrar, lavoura, colheita, isto é, ações realizadas com e na terra. Entretanto, o termo ganhou, ao longo do tempo, outra conotação, passando de um fundamento material para um fundamento abstrato. Seu conceito passou a fazer parte de um campo semântico que se vincula ao conhecimento, às artes e ao refinamento. Alude ao “processo de formação da personalidade humana através da aprendizagem” (CRESPI, 1997, p. 14). Essa compreensão foi dada, particularmente, pelos gregos e pelos romanos. Ambos os povos tinham a preocupação em formar cidadãos oferecendo-lhes conteúdos, contendo conhecimentos mais elevados, de modo a fazê-los indivíduos que melhor convivessem em comunidade. Há, ainda, outras duas derivações do termo que apresentam uma o caráter sagrado, de crença divina e outra relativa à moradia, lugar de guarda ou de proteção (EAGLETON, 2005, p. 10; CRESPI, 1997, p. 15). Essa transição pode conter em si uma similaridade com a transição do homem do campo para a cidade, do rural para o urbano, do rústico para o civilizado. É interessante notar que essa mudança também carrega uma contradição, uma vez que o indivíduo que cuida da terra é representado como tendo pouco ou nenhum refinamento, não tem cultura, por não ter acesso à formação intelectual, e aquele da cidade a tem. Com isso, se conclui que a palavra cultura, por carregar ideias de cuidado com a terra, proteção dos produtos dela advindos, 24 denota um processo de ação sobre a natureza e, consequentemente, um processo reflexivo de ação da natureza sobre o homem, sugerindo então, uma mútua e sistemática sucessão de mudanças provocadas entre si. Com isso, o vocábulo encerra em si um processo cíclico de argumentos e contra-argumentos construtivos, destrutivos, desconstrutivos e reconstrutivos entre o ser humano e o ambiente natural que o circunda. Um embate contínuo e recíproco entre elementos que simultaneamente constroem e destroem, mas que se somam e formam história. Entretanto o homem e a natureza não são simples objetos submetidos ao agir um do outro, ambos estabelecem fronteiras. O indivíduo enquanto parte da cultura – ainda que também faça parte, ao mesmo tempo, da natureza – é moldável, é plástico, no entanto essa plasticidade está vinculada a sua subjetividade, é de caráter volitivo. Logo o aspecto prescritivo da cultura está limitado à liberdade de ação do indivíduo. Dessa forma, “a ideia de cultura, então, significa uma dupla recusa: do determinismo orgânico, por um lado, e da autonomia do espírito, por outro.” (EAGLETON, 2005, p. 10-14). Outro aspecto que merece registro é que o repertório de ferramentas utilizado para a modificação do ambiente é originário da cultura, portanto, histórico. Desse modo conclui-se que não há contradição entre a natureza e a cultura, apesar de a cultura ser, muitas vezes, apresentada como oposta àquela. Uma maneira metafórica de explicar isso é observar a atividade de um indivíduo nas águas ao nadar. Este exerce uma ação, uma força sobre a natureza - as braçadas e pernadas na água - gerando uma força contrária que o impulsiona para frente, mantendo-o na superfície. Apesar de usar a força contra a natureza e, de certo modo, a atacar ou a agredir, isso é que permite a manutenção do indivíduo numa posição adequada a ele, e só ocorre a manutenção da posição devido à reação da natureza ao ataque sofrido. Portanto há uma agressão recíproca, que poderia redundar em destruição, mas redunda em construção (EAGLETON, 2005, p. 12). Com base em uma percepção imediata, ou melhor, pouco refletida, simplista, a espécie humana, assim como as demais, é dotada de uma natureza própria, intrínseca da qual não pode se desvincular. Daí, se falar em características peculiares de toda a espécie. Ao mesmo tempo, se fala, também, em diferenças pontuais ligadas, por exemplo à compleição física, a determinados comportamentos próprios de homens e mulheres, ou de determinados povos, algo semelhante ao que acontece com espécies vegetais ou animais. Desse modo, existe uma relação de causa e efeito, ligada aos princípios e leis universais da natureza, tornando o ser 25 humano um autômato despossuído de vontade. Assim, haveria um “mundo do homem no sentido em que se pode falar em um mundo do cão ou de um mundo do cavalo [com o qual] têm uma relação fixa [...], do qual participam com todos os outros membros da respectiva espécie.” (BERGER; LUCKMAN, 2003, p. 59). No entanto esse mesmo olhar simplista, do senso comum se depara com uma série de contradições que, ao serem submetidas ao crivo do processo de produção científica, são desconstruídas e ressignificadas, estabelecendo, com isso, um corpus de saberes que deixam claro e peremptório o fato de que não existe uma natureza humana. Na verdade, o que acontece é a naturalização de “comportamentos, ideias, valores e formas de viver e de agir […] porque os seres humanos são culturais ou históricos” (CHAUÍ, 2000, p. 367-369). A natureza enquanto cultura a constrói com elementos existentes dentro do indivíduo e também fora dele,de modo que o homem que é cultural é, ao mesmo tempo, natural. As tensões ou mesmo as desordens que possam ocorrer na natureza podem, igualmente, acontecer no interior do ser humano. Logo, a cultura torna-se um preceptor desse homem, prescrevendo normas, comportamentos, aperfeiçoamentos, refinamento nos modos e configurando uma relação entre natureza, cultura e indivíduo no nível mental. Da mesma maneira que a natureza é transformada através de uma ação contundente, muitas vezes até violenta, igualmente o homem, para ser transformado, passa por esse processo, só que diversamente é possível que este realize uma autotransformação o que não é possível para a natureza. Portanto incrementar o arcabouço cultural é algo que ocorre, não espontaneamente, mas como resultado de uma colaboração e de um embate, simultâneos, entre a natureza e a cultura que constituem o ser humano. Para se efetuar, é necessário, também, um aporte de forças de caráter volitivo que afastem o homem da inércia, ou de uma condição técnica inferior para que se chegue a uma condição técnica superior. Em decorrência dessa relação emerge uma capacidade inata, uma possibilidade de se atingir patamares maiores (EAGLETON, 2005, p. 15-16). Enquanto as outras espécies de animais têm seu comportamento definido biologicamente e estão condicionadas inexoravelmente a agir de forma determinada e imutável, o ser humano é diferentemente composto. De início, não há um ambiente humano fixamente constituído, com base na sua instintualidade, e, como as outras espécies, tampouco hermético, não permeável ao trânsito delas entre si. Em que pese o fato de que o aparato 26 biológico humano é um instrumental para auxiliar na sobrevivência não é, por si só, suficiente para garanti-la, apesar de capacitá-lo para diversas atividades. No entanto a habilidade inata de, por exemplo, se adaptar aos mais diversos ambientes e modificá-los de acordo com suas necessidades, faz do animal humano uma espécie diferente das demais. Conclui-se, portanto, que há um segundo aparato instrumental que complementa e incrementa a sua existência e o seu “mundo”, quando se fala em um mundo ou em um ambiente intrínsecos ao humano. Esse aparato capacita-o para as mais variadas circunstâncias, de modo que a formação integral desse ser se dá na relação com o ambiente e a sociedade na qual está inserido. Essa última é responsável pela introdução no seu “mundo” (BERGER; LUCKMAN, 2003, p. 59-60). Esse cuidado com o incremento da competência técnica pode ser realizado, não só pelo indivíduo na sua relação com os outros e com o ambiente. Mas também por outros indivíduos ou instituições, que podem exercer esse papel de dinamizador do potencial inato que possui o ser humano, visto que existe, entre os membros de um grupo, uma tensão constante, decorrente das conveniências individuais. Assim, as instituições têm, também, a função de mediar essas tensões realizando o processo cultural de formação dos indivíduos, de modo que aconteça o afloramento de um agir paradigmático, caracterizado por um espírito de cidadania e de adequada convivência. Esse viver em coletividade denota o papel da política, que dessa forma deve se valer de elementos éticos mais robustos e sólidos a fim de proporcionar a apropriada formação de cidadãos, capazes de desempenhar, de maneira ideal, sua função de habitante da cidade. Assim é construído, um caminho que se origina na política, passa pela cultura e redunda na convivência pacífica dos indivíduos que formam a comunidade. Com isso, é possível concluir que as instituições e a cultura são entes com existências que abrangem todos, mas que atuam, individualmente, nos sujeitos que formam a sociedade (EAGLETON, 2005, p. 16-18). Com a teoria do relativismo cultural no âmbito dos estudos antropológicos, emerge a percepção de que os símbolos são importantes para a construção da subjetividade e do psiquismo do indivíduo. Para os povos primitivos em que os grupos se uniam por laços de parentesco e havia uma organização simplificada, os símbolos eram tidos como algo real, enquanto, para as sociedades modernas, devido ao nível de conhecimento científico, os símbolos são vistos, apenas, como representações do real. Essa mudança de paradigma promoveu a desconstrução de ideias até então inquestionáveis, vistas como naturais, que, no 27 entanto, não passavam de uma construção histórica, ou seja, eram elementos que faziam parte de um determinado contexto histórico e social. Ao mesmo tempo, nessa transição, tem início um processo de amadurecimento intelectual que conduz o homem a um exame criterioso da relação entre o simbólico e o real. A já referida superposição de experiências e de conhecimento sistemático levou o homem a questionar as assertivas que lhe foram legadas de maneira determinista, levando-o à compreensão de que a realidade é diferente das suas representações (CRESPI, 1997, p. 18). Na esteira desse processo e, em consonância com a relação entre o simbólico e o real, a geometria urbana se inscreve nesse conjunto de elementos que representam a maneira com a qual os indivíduos apreendem o ambiente. A disposição das construções que compõem a cidade tem um significado, não sendo aleatórias, tem uma gramática própria que se vincula às características de cada comunidade. Além disso, ocorre, também, e, de modo concomitante, o surgimento de um léxico próprio com a finalidade de comunicar algo sobre essa cidade para aqueles que a veem. Desse modo, configura um resultado da cultura (BARROS, 2011, p. 101). A observação e a análise imediatas dos fenômenos sociais, da enorme diversidade de fatos que ocorrem no cotidiano dos indivíduos, dos grupos e das sociedades, podem levar a uma compreensão incompleta da realidade desses fenômenos. Há uma propensão “natural” de associá-los às nossas próprias práticas de modo que são feitas leituras pelo prisma de um indivíduo, pela nossa visão de mundo, pelos nossos princípios e valores, pelo nosso “senso comum”. Contudo, o fato de a espécie humana haver alcançado o patamar de cognição que a habilita a se perceber como um sujeito que sabe da sua existência, que reflete sobre ela e suas ações foi o responsável pelo rompimento com as ações imediatas ou espontâneas. Os comportamentos dos sujeitos humanos a priori são dados, estabelecidos e vistos como naturais (CRESPI, 1997, p. 21). Nessa vivência do homem de se perceber como espécie, de ter noção de sua existência e se questionar sobre ela, a cultura exerce um papel de mediação e de categorização da realidade. Ao estabelecer conjuntos de elementos vivenciais semelhantes ou com características comuns, a cultura torna essa realidade menos complexa e mais compreensível. Todavia como ela não consegue, em seus modelos simbólicos de interface com o real, abranger todo ele, sistematicamente ocorrem transformações e adaptações desses modelos aos 28 novos contextos sócio-históricos dos indivíduos. Evidente que essas transformações também resultam, como já foi referido, do processo sucessivo e ininterrupto de superposição de vivências individuais e coletivas, redundando, assim, na produção de novas formas de compreensão do mundo por parte dos seres humanos através de sua capacidade de responder aos estímulos, provenientes de mudanças contextuais, sejam elas sociais ou ambientais (CRESPI, 1997, p. 23). A cultura é constituída de dois fatores que apresentam abordagens diversas, mas o mesmo valor. A diferenciação ocorre devido à conclusão de que há uma parte da cultura que se efetua no âmbito da individualidade e subjetividade humanas, e outra parte no âmbito das relações entre os indivíduos. Assim tem-se a abordagem antropológica e a abordagemsociológica. Na abordagem antropológica, os indivíduos constroem o arcabouço de representações que imprimem sentido a sua existência na relação, fundamental, com os outros e com o ambiente, numa perspectiva geral e abrangente. Nesse caso, essas representações são responsáveis por ajudar o indivíduo a enxergar o mundo como um todo de modo que lhe seja compreensível. São elaboradas com base nos diversos aspectos que formam a subjetividade, tais como: o gênero, os gostos, os hábitos, as crenças, a idade, a etnia, entre outros. Enquanto, na perspectiva sociológica, as construções de sentido não são gerais, mas especiais para circunstâncias determinadas. São elaboradas para a relação do indivíduo com elementos específicos (BOTELHO, 2001, p. 74). A cultura, enquanto sucessão de superposições temporais de camadas de experiências, símbolos, valores, crenças, princípios adquiridos na construção histórica da vida individual e coletiva, está sediada na memória. A memória é, também, uma sucessão de reelaborações de conteúdos passados, baseadas em conteúdos presentes, que dialogam ambos entre si. A partir disso, a consciência emerge como instrumento que processa os significados já existentes, distanciada deles e originando novos significados. Assim, a cultura é produzida pelo ser humano e produz esse mesmo ser humano, num processo dialético, dialógico, continuado e cíclico, cultura e homem se retroalimentam (CRESPI, 1997, p. 26-28). O legado cultural, transmitido às gerações seguintes, vincula os indivíduos do presente à sua própria história e, ao mesmo tempo, às histórias dos indivíduos do passado e da comunidade onde vive. Ademais, promove fixidez à consciência do indivíduo enquanto ser humano e oferece uma série de opções de soluções já experimentadas e aprovadas para as 29 dificuldades que surgirem, uma competência técnica. Esse legado é o agrupamento das vivências individuais e coletivas passadas e impulsiona a sociedade mantendo-a em movimento. Essas soluções constituem o resultado da capacidade humana de criar e superar os obstáculos encontrados ao longo da sua existência. Essas soluções são mais uma categoria de elementos que se superpõem em camadas, contribuindo para a construção da cultura de uma sociedade. Esse conjunto passa pelo crivo das gerações seguintes, sofrendo uma reformulação e se adaptando ao novo contexto sócio-histórico (LANDRY, 2008, p. 6-7). 30 2.2. Cidade: produto da ação humana A cidade é resultante desse processo da relação do ser humano com o ambiente natural em que a cultura é o instrumento que possibilita sua consumação. Sua origem ainda é objeto de discussões, não havendo consenso em relação ao surgimento dos primeiros assentamentos urbanos. No entanto, há convergências, em especial, de que foi com a sedentarização proveniente do surgimento da agricultura “depois de uma revolução agrícola, durante a qual as plantas e os animais foram domesticados e surgiram pequenos povoamentos permanentes de agricultores.” (LYNCH, 2007, p. 11). Igualmente, o consequente excedente do que é produzido, como também a relação do homem com o transcendente, as deidades e seus templos são elementos responsáveis pela fixação do homem em um determinado local (POZZER, 2003, p. 61). As descobertas arqueológicas apontam para, inicialmente, o surgimento de pequenos grupos de indivíduos seminômades, com relações de parentesco, que caçavam e coletavam para sua sobrevivência, que tinham, até certo ponto, a mesma importância dentro dessa comunidade e também funções, relativamente, determinadas. Devido aos constantes deslocamentos em busca de regiões mais adequadas para a caça e a coleta, esses grupos encontram, especialmente nas margens dos rios, grandes rebanhos de diversos animais selvagens e vastas áreas cobertas por plantações de diferentes cereais. Essas descobertas levaram à sedentarização e à consequente domesticação das plantas e dos animais (SOJA, 2008, p. 52-54). Como desdobramento dessa fixação, ocorre o crescimento dos grupos populacionais - o que era difícil de acontecer com o nomadismo devido à necessidade quase constante de deslocamentos, e isso seria um óbice para os grandes grupos -, o surgimento do excedente da produção – dessa vez, com a agricultura, sob o domínio dos indivíduos -, a divisão do trabalho e as primeiras construções voltadas à solução de problemas - a irrigação, por exemplo (SOJA, 2008, p. 55-56). Igualmente, a cidade é uma construção humana fundada em uma ação coletiva, ou comunitária, que subjuga a natureza conformando-a à vontade humana e que se dá sob a égide da cultura, esse instrumento de apreensão do real. Outro aspecto, como consequência dessa reunião social, é o surgimento da demanda pela adequada gestão das atividades nela desenvolvidas. Vale destacar o fato da necessidade de autoproteção e sustento dos indivíduos, 31 das famílias e dos grupos, levando-os a convergir para a cidade, visto que ela se mostra o ambiente mais adequado para isso (ROLNIK, 1995, p. 8; GLOTZ, 1929, p. 3). De modo geral, pode-se dizer que A origem das cidades é considerada frequentemente como o resultado de um pacote integrado de influências causais: as demandas administrativas da irrigação em grande escala e da tecnologia para o controle das inundações; as novas oportunidades econômicas surgidas do comércio e o intercâmbio com lugares distantes; a criação de um excedente de alimentos [...] mais confiável e contínuo; o crescente desenvolvimento institucional da monarquia e sua burocracia administrativa; a propagação de atividades religiosas e cerimoniais, e de sua capacidade para manter e reproduzir comunidades de maior tamanho [...]; a crescente necessidade de proteger-se das [intempéries] e da invasão de estrangeiros [...] (SOJA, 2008, p. 56-57, tradução nossa). Essa apropriação, ocupação de um determinado território pelo homem e suas consequentes ações para construir elementos que tornem adequada, ou minimamente satisfatória sua vida - como o domínio sobre a produção do alimento, a construção de soluções para o transporte e o armazenamento de água e, especialmente, os templos religiosos - acabavam por provocar, primeiramente, uma atração nos indivíduos; em seguida, pensava-se na cidade como lugar de habitação. Igualmente, no ambiente urbano, os altares religiosos promoviam o ajuntamento dos indivíduos. Além disso, há, na cidade, em sua forma, em seu desenho, elementos que carregam, ao mesmo tempo, a subjetividade dos indivíduos e do conjunto dos indivíduos, de certa maneira, encerrando em si, também, os costumes, valores, ideias, memória, a cultura desse povo, e, ainda, um significado, uma identificação, tendo seus elementos, suas construções como significantes dessa escrita, desse alfabeto, que é a cidade (ROLNIK, 1995, p. 13-17). O convívio e a interação entre os indivíduos e destes com o ambiente urbano são características intrínsecas das cidades. É na cidade e com a cidade que as pessoas reconhecem e constroem parcela significativa da sua identidade. Os diversos elementos que a compõem são responsáveis por produzir lembranças que auxiliam a identificação e a distinção dos indivíduos, gerando a sensação de pertencimento. É no interior dessa sucessão sistemática de fenômenos individuais e coletivos, dialéticos e dialógicos, que se dá a socialização dos seres humanos, e esse processo de socialização ocorre na ação recíproca com o meio físico. Esse meio não é apenas natural e físico, mas também socialmente construído. Assim, essa ação 32 recíproca se dá também com o conjunto de comportamentos, atitudes, princípios e valores do grupo que está inserido (BERGER; LUCKMAN, 2007, p.71; PESAVENTO, 2007, p.1). Mais um fator a serconsiderado é a necessidade própria, intrínseca da gestão dos conflitos resultantes dessa vida comunitária, que são consequências da complexificação da vida em uma comunidade. Dessa demanda de organização, manifesta-se, então, a necessidade de uma forma de controle baseado em um poder conferido, ou legitimado pela comunidade, visando promover a organização. Como resultado disso e, igualmente, do excedente da produção, ocorre a divisão do trabalho, sendo assim emerge da comunidade os que fazem a sua gestão, os que a protegem, os que cuidam do templo e o restante (ROLNIK, 1995, p. 19- 20). Com o desenvolvimento dos incipientes aglomerados urbanos surgem as grandes cidades por volta de 5000 a.C., apresentando, mais claramente, o objetivo de proteger sua população e o armazenamento do que foi produzido, além de elementos que denotam desigualdades entre os indivíduos que a compõem. Aquela vida comunitária em que os membros do grupo tinham, de certo modo, a mesma importância foi progressiva e lentamente se deteriorando. Do mesmo modo, ocorreu, também, um distanciamento, relativo à importância dentro do grupo, entre os indivíduos. Outro aspecto é o incremento do processo de diversificação e complexificação das diversas atividades realizadas e sua gestão, sucedendo nos primeiros sinais dos fatores que constituiriam a sociedade formada por classes sociais, a propriedade privada e a divisão social do trabalho. Igualmente, na esteira do processo, as diferentes construções, como os templos, os palácios, as casas simples, encerravam em si um simbolismo hierárquico ligado a esses fatores (LYNCH, 2007, p. 11- 12). Em uma etapa seguinte – aproximadamente 2000 a.C. – algumas cidades já se tornavam enormes complexos habitacionais, com muralhas e/ou fossos para proteção e delimitação da área urbana. Há também canais de irrigação que percorrem tanto a área interna, quanto a externa. A área interna é distribuída entre os habitantes, enquanto a externa, já modificada pelo cultivo agrícola, é de uso comunitário – de maneira geral, de propriedade dos deuses –, mas administrada pelos representantes das divindades. As construções – as casas, os templos, os armazéns - são em tijolo e argila. Os templos são construções que se destacam em relação às demais; de modo geral, são grandiosos, formados por diversos 33 pavimentos. Além das funções de santuário, são também pontos de observação e vigia da cidade e armazenamento dos alimentos. Nele, são desempenhados diversos tipos de funções, como: padeiros, cervejeiros, ferreiros, escravos, fiandeiras, tecelãs, escribas e sacerdotes (BENEVOLO, 1997, p. 27). Além disso, o excedente [da produção] se concentra nas mãos dos governantes das cidades, representantes do deus local; nesta qualidade recebem os rendimentos de parte das terras comuns, a maior parte dos despojos de guerra, e administram essas riquezas acumulando as provisões alimentares para toda população, fabricando ou importando os utensílios de pedra e de metal para o trabalho e para a guerra; registrando as informações e os números que dirigem a vida da comunidade (BENEVOLO, 1997, p. 26). Desde sua origem comunitária, baseada em relações fraternais, passando pelo desenvolvimento com o objetivo de proteção de seus indivíduos e guarda de seus bens, a cidade progride a ponto de se tornar parte essencial da vida dos indivíduos inclusive contribuindo para a construção da sua subjetividade. No entanto, essa concepção inicial é reformada e a cidade passa a ter uma nova atribuição, uma nova aptidão. Torna-se um instrumento com o objetivo de atender a uma determinada demanda, uma finalidade específica. Pode-se citar, como exemplos, as “cidades construídas por empresas [...] tendo como razão de ser motivos evidentes de exploração e de rentabilidade econômica” e “a cidade colonial [...] criad[a] para controlar um recurso ou para atenuar o excesso de população do local de origem.” (LYNCH, 2007, p. 19). Em face do exposto, emerge um questionamento sobre como se deu essa mudança no caráter da cidade. O que provocou esse processo? Quais os fatores responsáveis pela concepção de cidade que existe hoje? Como todo processo lento e gradual de mudança, o da cidade abrange diversos elementos. Particularmente, na Idade Média, as cidades cresceram graças ao comércio e à indústria incipiente. É importante notar que parte desse processo se deu, em especial, pelo papel das trocas comerciais existentes entre as cidades, originando, assim, uma relação de mútua dependência entre povos diversos. Além disso, muitas cidades se desenvolveram às margens das rotas comerciais. De certo modo, a cidade não existiria sem o dinamismo provocado pela economia, pelas trocas econômicas (PIRENNE, 1973, p. 103). O principal deles e, sem dúvida, o mais implacável, é o capitalismo. Sua visão e seu referencial voltado, integralmente, para a obtenção de lucros promoveram mudanças no modo 34 das pessoas pensarem, verem as cidades em suas configurações, em especial, nas vias e espaços públicos voltados para o comércio. A construção de estruturas dirigidas para os diversos tipos de produção, inclusive a industrial, foi responsável pela criação de enormes áreas tanto de habitação para os seus trabalhadores como para suas máquinas. Devido à expansão provocada pelo desenvolvimento do comércio e da indústria, particularmente com a extensa ocupação das terras urbanas, continua o círculo virtuoso (ou vicioso) da chegada massiva de trabalhadores despossuídos, uns oriundos do campo e outros imigrantes, que vão retroalimentar o processo de crescimento e transformação das cidades (LYNCH, 2007, p. 29- 31). O rápido crescimento da indústria dá continuidade ao processo de mudança das cidades, dessa vez, de grandes centros comerciais para centros industriais, o que também provoca acentuadas transformações na sua forma, de fato uma diferenciação territorial baseada na especialização das atividades. É interessante notar que muitas dessas transformações, apesar de serem de interesse privado, foram financiadas pelo poder público. Outro elemento relevante é a habitação dos operários. De maneira geral, eles e suas famílias ocupavam cubículos imundos que eram compartilhados com diversas outras famílias, provocando, assim, graves doenças, provenientes dessa convivência insalubre. Não obstante como parte desse processo pelo qual passou a cidade, e, ainda, a cidade como instrumento do capitalismo, ocorreu de modo significativo a segregação espacial. As áreas ocupadas pela população de menor poder aquisitivo foram, gradualmente, sendo transformadas em áreas voltadas para os de maior renda (LYNCH, 2007, p. 32-35). Em relação à sua constituição enquanto organismo, a cidade formou-se fundada em elementos singulares que favoreceram a necessária coesão para seu crescimento. A família, com seus laços de parentesco, e a religião, com seu poder coativo baseado em percepções transcendentais, são os principais constituintes da cidade. A religião, particularmente, promoveu a aproximação entre os indivíduos, com seus rituais e cerimônias que demandavam a participação de todos do grupo. Além disso, foi responsável por instilar a ideia da existência de seres sobrenaturais, com poderes sobre-humanos que exigiam dos indivíduos determinados comportamentos, além de oferendas e dádivas para aplacar os elementos naturais, tais como, o clima, a terra, as plantas, que impediam a produção (DONNE, 1979, p. 16-17). 35 A religião doméstica tinha, como norma, o culto aos ancestrais, o que resultou na garantia da continuidade da família, no surgimento de normas para reger o casamento. O direitode propriedade e o direito de sucessão atribuíram ao líder poder total sobre a família e também ao ancestral mais velho. Isso deu origem à ideia de moralidade. É da religião que surgem as diretrizes que vão nortear a convivência familiar e social, decorrendo, daí, o direito de propriedade (DONNE, 1979, p. 17-18). Assim, a religião, ao se sedimentar, institucionaliza as ideias de família e propriedade privada. Ao mesmo tempo, a religião influenciava o poder político, de maneira direta, ou indireta. Em muitos casos, o rei era o sacerdote maior e também o magistrado; logo, seu poder, sua autoridade tinha um caráter, até certo ponto, onipotente, haja vista fazer crer que possuía a mesma capacidade dos deuses. Desse modo, a população o temia e não se propunha a contrariar os deuses. A religião se fazia presente em todas as instituições urbanas (GLOTZ, 1929, p. 3). Nesse cenário de surgimento e crescimento da cidade, [...] veremos em luta [...]: a família, a cidade e o indivíduo. Cada uma delas foi-se tornando sucessivamente predominante. Toda a história das instituições é formada por famílias que conservam ciosamente o seu direito primordial e submetem todos os outros membros ao seu interesse colectivo; no segundo, as Cidades subordinam a si as famílias chamando em sua ajuda os indivíduos libertados; no terceiro, os excessos do individualismo, causam a ruína à cidade, a ponto de se tornar necessária a constituição de Estados mais vastos (GLOTZ, 1929, p. 5, tradução nossa). Dessas fases iniciais, ou primevas desse fenômeno multidisciplinar conhecido como cidade, até aqui expostas, serão apresentadas a seguir informações sobre uma fase que se considera de vital importância em virtude da grande expansão, especialmente, demográfica, e, sobretydo, econômica, ocorrida. Assim procedendo, será deslocado o olhar das regiões do Oriente Médio no Sudoeste da Ásia, onde se acredita terem surgido as primeiras e grandes cidades, para a Europa. Esse procedimento se dá em virtude, principalmente, da relativa estagnação expansionista ocorrida naquela região quando comparada com esta. Igualmente, esse fenômeno não foi exclusividade da Europa, ocorreu, também, nas Américas e na Ásia (ZUCCONI, 2009. p. 16). 36 2.3. A expansão demográfica das cidades e suas consequências sobre o homem As cidades, em especial, os grandes centros urbanos, no século XIX assistiram a uma expansão nunca vista. Esse período legou elementos basilares para o fenômeno da expansão, como as estações ferroviárias e as indústrias, sendo responsável, também, por estabelecer categorias de cidades, que se tornaram paradigmáticas. No início do século XIX, a população europeia era de 190 milhões; cem anos depois, esse número mais que dobrou e chegou a 473 milhões de pessoas. Esse crescimento não foi equânime, ocorrendo de maneira mais acentuada em determinadas regiões, ou países. Vale destacar que a população urbana em relação à população rural – o que seria uma medida da urbanização – na Grã-Bretanha se iguala em 1850, na Alemanha em 1900, na França em 1930 e na Itália em 1950 (ZUCCONI, 2009. p. 13-16). Como resultado desse crescimento demográfico acentuado, surge, também o fenômeno da metropolização em diversas cidades, haja vista que, apenas, Londres tinha uma população de 1 milhão de habitantes no início do século XIX e no início do século seguinte 22 cidades têm essa população. Isso se estende, a partir da Europa, para outras regiões, especialmente, as portuárias e naquelas que são o fim de linhas ferroviárias. A América do Norte é responsável por contribuir, significativamente, com a metropolização, mais especificamente, com as cidades de Chicago que foi de 5.000 habitantes para 1.700.000 no período de 1850 a 1900, e Nova York que tinha uma população de aproximadamente 50.000 habitantes por volta do ano 1800 e chegou ao ano 1900 com 3.500.000 (ZUCCONI, 2009. p. 16-18). No Brasil, diferentemente, o processo de urbanização teve início dos anos 1930, na esteira de transformações econômicas e sociais. Apesar das cidades terem papel fundamental, foi apenas, em 1970, que a população urbana se tornou maior que a rural. Em 1940, a população urbana era de 31,2% e em 1970 chegou a 55,9%. Com a emergência da primeira fase de industrialização e a pujança da produção de café, ocorre a expansão do comércio interno desse produto. Em consequência, as regiões cafeeiras, estados como São Paulo e Rio de Janeiro, tornam-se polos de atração de migrantes (BRITO; HORTA, 2002, p. 1-2). A expansão da população de forma exponencial ocorreu em diversas regiões e, de modo díspar, dessemelhante, promovendo o crescimento das cidades-polo de regiões. A melhoria nos meios de transporte – particularmente as ferrovias e os portos - e o comércio são fatores que contribuíram para a expansão, uma vez que facilitaram o fluxo de pessoas, bens e 37 produtos em direção a essas cidades. A conjugação desses elementos favoreceu, também, de maneira relevante, o surgimento de novas cidades, industriais e comerciais, com grandes populações (ZUCCONI, 2009. p. 19). Essa expansão acentuada, ocorrida em curto período de tempo, não permitiu que as cidades tivessem condições para se adaptar, às circunstâncias dela decorrentes. Toda a infraestrutura das cidades não tinha capacidade de suportar, satisfatoriamente, essa nova população, o que fez com que esses habitantes tivessem uma significativa diminuição em seu nível de qualidade de vida. Nesse momento, as cidades são marcadas pelo amontoamento dos habitantes, pelas inadequadas condições sanitárias e pela indiscriminada e imoral mistura de indivíduos, inclusive a literatura da época encarou o fenômeno e suas consequências como algo nocivo para as pessoas. Entretanto, é importante salientar que o crescimento demográfico resultou, também, de um acesso maior à alimentação, à educação e às condições sanitárias (ZUCCONI, 2009. p. 19-20). Apesar de haver uma compreensão de que esse processo de expansão demográfica se deveu, muito especialmente, à denominada revolução industrial, é possível concluir que, de fato, ela foi uma das variáveis que contribuíram para que isso ocorresse. As outras seriam: a existência de cidades localizadas em nós de redes ferroviárias, fluviais e viárias, que já apresentavam características de grandes centros mercantis, inclusive com portos, o que lhes conferia capacidade para atrair investimentos e trabalhadores. Isso também possibilitou a repentina transformação de centros rurais, onde não havia quase nada, em centros urbanos, com a economia baseada na indústria (ZUCCONI, 2009. p. 22-26). A cidade passa a ser vista, dessa vez, como um ser vivo, ela é dinâmica, transforma-se, ou pode ser transformada, pode ser moldada de acordo com as necessidades que se apresentarem. Tem início como que um processo de criação, destruição, construção, reconstrução em que o homem explora esse território por ele dominado, a natureza se dobra, ou é dobrada pelo homem, de modo que há uma continuada e cíclica demanda pela realização de obras e equipamentos que sirvam para facilitar a vida na cidade. De certo modo, ocorre uma sucessão sistemática de remodelagens, com um aparente viés de produção de uma cidade com a marca de atualidade, com o objetivo de inscrever, ou indicar que há uma nova maneira de enxergar o mundo, uma outra cultura, um desejo de escrever uma nova cidade. Assim, o suporte comporta a disposição que se desejar dar ao alfabeto pelo qual é escrita a cidade. 38 Disso, resultam novas construções para necessidades já existentes ou novas funções para as antigas construções. Em alguns casos, a finalidade é tentar apagar as memórias, libertar-se de elos que prendem a cidade e seus habitantes a momentos que apresentavam situações, circunstâncias e práticas incômodas, ouopressivas, de fato a intenção era se diferenciar do passado (ROLNIK, 1995, p. 15-16; ZUCCONI, 2009. p. 28-31). Nessa grande cidade, em extensão, em população, em problemas, com sua convulsa sucessão de cenários e imagens que provocam o aumento da atividade mental, o indivíduo apresenta características próprias que resultam de uma harmonização com esse ambiente. Ademais, sua convivência com uma inumerável quantidade de interações, ou de relações cotidianas, demanda de seus processos cerebrais a construção de um psiquismo fundado, principalmente, na racionalidade e na reflexão problematizadora. Essas interações e relações se dão superficialmente, com o uso de regiões bem menos profundas da consciência, e não reúnem as características suficientes para que a mente as absorva e tornem-nas ações automáticas e inconscientes. Igualmente, a emoção é alijada dessa sucessão de sistematizações a fim de que haja o completo funcionamento das atividades mentais, uma vez que, no limite, essas são afetadas por aquela. Assim, as faculdades do entendimento, da compreensão são responsáveis por cuidar da mente como um todo, visto que filtram ou tratam os elementos nocivos, provenientes da grande cidade (SIMMEL, 1967, p. 11). Em síntese, esse produto da cultura humana constrói um indivíduo com elementos que se inscrevem em um campo semântico atrelado às incertezas, ao inesperado, ao fluido, ao fugaz. De fato, o indivíduo tem que caminhar sobre um terreno movediço desagradável, desconfortável, novo, desconhecido, sobre o qual não há condições de enraizamento, tampouco de manutenção das referências anteriores, é o lugar do “desamparo”. Nesse ambiente urbano, o indivíduo tem subtraídos os elementos identitários, que são desconstruídos de modo que esse não se vê como parte desse produto. Assim, “cada um vive sua própria experiência de exílio” (LEITÃO, 2014, p. 126). Parte das características do indivíduo metropolitano, produto da grandiosidade urbana seja da quantidade de pessoas ou da quantidade de formas, é a ausência de afinidade com a essência, ou o conjunto das qualidades que caracterizam a pessoa. As relações altruístas, baseadas em uma ligação afetiva ou emotiva entre as pessoas, nas quais se conhecem, se identificam, têm afinidades e são desvalorizadas. Nessa interação com a metrópole, o homem 39 é reduzido a uma quantidade, passa a representar uma unidade de valor, tornando as relações interpessoais em meros negócios, ou em meras relações de troca, baseadas na racionalidade, desconstruindo as relações humanas baseadas no afeto e, ao mesmo tempo, provocando a somatização dessa cultura (LEITÃO, 2014, p. 126 ; SIMMEL, 1967, p. 12). Logo, essa fugacidade própria desse período da história humana encarrega-se de transformar, ou fazer das pessoas e das coisas fluidos, os quais se esvaem por entre os dedos. Não há nada em que se agarrar, a fixidez das instituições, dos relacionamentos, do trabalho, dos cenários se liquefazem. A solidariedade não mais faz parte da vida das pessoas, ela foi fagocitada pelo novo padrão cultural, construído com base no individualismo. Na ideia laboriosamente criada, inventada pelo regente de todos os tipos de relações, de que não está mais na comunidade e na coletividade o modelo adequado de reprodução da vida humana. Ao contrário, é, na individualidade, que deve se dar a construção de um novo caminho para a consecução de uma superior qualidade de vida. Gradualmente, essa ideia vai ganhando espaço e a priori alcança as relações comerciais ou industriais, aquelas ligadas aos negócios, à reprodução do capital, do dinheiro. A posteriori, inexorável e sub-repiticiamente, atinge de morte, mas de forma velada as relações pessoais, que se quedam diante da suposta obviedade vendida pelo citado regente, o mercado. Portanto, “o dinamismo inato da economia moderna e da cultura que nasce dessa economia aniquila tudo aquilo que cria – ambientes físicos, instituições sociais, ideias metafísicas, visões artísticas, valores morais – a fim de criar mais, de continuar infindavelmente criando o mundo de outra forma”. E, esse discurso é de tal maneira envolvente que seduz muito facilmente até mesmo os que virão a ser suas próprias vítimas (BAUMAN, 2009, p. 4-5; BERMAN, 1986, p. 286-287). Os elementos constituintes e distintivos do ser são relegados, fomentando uma degeneração da subjetividade e organizando sua identidade em vinculação com outras tantas, no entanto sem se constituir em profundidades subjetivas e formando um imperioso conjunto de funções que são assumidas inconscientemente. Essas características tornaram a vida metropolitana em uma sucessão interdependente de atividades. Devido, principalmente, à importância dos fatores econômicos e à profusão de fatores ativadores das funções cerebrais no ambiente metropolitano, emerge, no cidadão, uma postura de indiferença e pouca reatividade em face das inumeráveis circunstâncias cotidianas. Especialmente em relação ao elemento econômico presente na metrópole que estabelece suas regras e seu modo de viver, 40 confere a tudo e a todos um valor monetário. As interações entre os indivíduos se realizam de forma superficial e aligeirada. Apesar disso, ocorrem, ainda, agregações produzidas por similaridades de interesses estéticos, ou prazeres, contrastando com os primórdios, que tinham uma cultura que provocava a desindividualização. Assim, os indivíduos introjetavam as ideias do grupo, gerando coesão interna, preparando-os para a proteção contra as investidas dos outros grupos. Na grande cidade, contrariamente, tem-se a intensificação da divisão do trabalho como resultado da cultura urbana e também do “caráter segmentário e as feições utilitaristas das relações interpessoais” (PARK, 1967, p. 36-63; SIMMEL, 1967, p. 13-17; WIRTH, 1967, 100;) A partir daí e com o crescimento do grupo, tem início um concomitante e gradual processo de degeneração do ideário de coletividade, haja vista a dificuldade para sua disseminação em uma associação com um elevado número de pessoas. Essas variáveis de unidade e tamanho, dos ajuntamentos humanos, são inversamente proporcionais, ou seja, à medida que o grupo cresce, a coesão diminui. Os limites culturais circunscreviam os indivíduos a uma socialização exclusivamente voltada para a proteção, e a unidade da comunidade sofre rupturas. O crescimento origina a necessidade de uma maior divisão do trabalho. Essa divisão enseja uma especialização e faz emergir uma sucessão sistemática de fenômenos que redundam no desenvolvimento de uma incipiente individualidade que, ao término, resulta da expansão do grupo. No limite desse fenômeno, surgem as metrópoles e seus cidadãos com suas características próprias. Em consequência, “a metrópole, fenômeno da formação social moderna por excelência, tem pouca coesão interna e limites indefinidos, abrindo-se a infinitas conexões com o espaço exterior” (KAPP, 2014, p. 112). Outro aspecto relevante que influencia, de forma decisiva, no estilo de vida na metrópole é o econômico. Cidade e economia estão intimamente relacionadas, à medida que a cidade cresce, cresce também sua riqueza e o inverso é verdadeiro, ou seja, quando a riqueza da cidade cresce, ela cresce também. No entanto, essa relação não é direta, a riqueza de uma cidade sempre cresce mais que a cidade; haja vista os aumentos no valor das propriedades que ocorrem devido a melhoras na infraestrutura. Essa relação resulta no crescimento da cidade não só em termos físicos, mas também a cidade tem acrescida sua influência. Ela passa, gradativamente, a exercer seu poder, além de seus limites. Com isso, os elementos referentes à constituição moral do indivíduo são traduzidos em números e valores.Somando-se o aspecto 41 econômico a todos os aspectos referidos anteriormente, estes incidem sobre o indivíduo, influenciando sua subjetividade (SIMMEL, 1967, p. 17-18). Diante disso, o capitalismo contemporaneamente é um dos principais responsáveis pela conformação da subjetividade humana, e está fundado sobre a ideia da acumulação de capital. Portanto, à medida que ocorre o aumento da acumulação de capital, é imprimido ao sistema capitalista um crescimento global. Entretanto, esse crescimento se dá, na verdade, de forma exponencial. Assim, o sistema capitalista tem uma característica básica que favorece o seu desenvolvimento e decorre de componentes internos do sistema, que funcionam de forma interdependente, mas, ao mesmo tempo, de forma caótica. Outrossim se relacionam com o meio externo de maneira que essa parafernalia que compõe o sistema sofre com forças exógenas, todavia, dialeticamente, influencia todo o conjunto de aspectos que o envolvem, não apenas os humanos, mas também os inumanos. Ele depende, fundamentalmente, de processos dinâmicos que o impulsionam. Como consequência, disso tem-se um ciclo quase que contínuo e inexorável, um moto-perpétuo, salvo nas poucas crises pelas quais passa, de mudanças em todos os aspectos da vida humana (HARVEY, 2005, p. 43-44). Ainda como resultado do processo de acumulação intrínseco e necessário ao capitalismo, um outro aspecto deve ser levado a efeito: o fato de que o capitalismo, ao se ver premido por uma crise, busca soluções por meio de sua reestruturação interna, sem contudo modificar-se estruturalmente. Uma dessas soluções é a sua dispersão, ou espraiamento ao longo das diversas regiões que apresentam potencial de oferecer acolhimento e posterior crescimento. Logo, isso tem ocorrido gradual e continuamente de tal sorte que, cada vez mais, o sistema capitalista está presente nas mais variadas e improváveis regiões do mundo, constituindo, assim, o que se convencionou chamar de mercado mundial. Nessa conformidade, as diversas componentes econômicas que formam o sistema, tais como: a indústria, o comércio, o transporte, os serviços, as informações – contemporaneamente -, buscam estar mais próximos de seus mercados consumidores, quer seja fisica, quer seja virtualmente, mas sempre com o foco na minimização dos custos. Isso resulta na modificação das paisagens locais onde se instalam as grandes corporações. Quase sempre esses locais são, anteriormente à intervenção capitalista, bucólicos e com características eminentemente habitacionais, com uma população ainda baseada em valores solidários. A partir da implantação dos diversos parques fabris e, em consequência, da modificação da paisagem, 42 essas populações se transformam individual e socialmente, abrindo mão de seus princípios primeiros e tornando-se vítimas do sistema. Com isso, adota-se o padrão por ele apresentado como a melhor solução para suas vidas, de individualidade e individualismo como solução para alcançar o sucesso, ou fazer parte do sucesso com o qual o sistema se traveste (HARVEY, 2005, p. 49-54). 43 2.4 A cidade: cenário de atuação do capital A cidade, para além de sua estrutura física e administrativa, é um modo de ser, de pensar e agir que permeia o conjunto das faculdades mentais das pessoas que a compõem. Ela influencia, diretamente, na construção dos processos constitutivos do indivíduo, de maneira que está ligada estruturalmente, essencialmente a eles. “a cidade é a realização humana mais complexa, a produção cultural mais significante que recebemos da história” (BORJA, 2003, p. 26, tradução nossa). A cidade é, especialmente, o resultado da capacidade humana de pensar e planejar uma determinada construção ou um conjunto delas e torná-la realidade, não apenas com finalidades funcionais, para moradia, ou guarda de alimentos, ou culto religioso, mas também com finalidades estéticas, ou de encontros, de promoção de interação. Assim, esses projetos e realizações que formam a cidade se constituem em símbolos carregados de significados para essa sociedade (BORJA, 2003, p. 26). Essa cidade, com essas características, mais recentemente, tem vivenciado transformações rápidas que a distanciam do paradigma estabelecido e resultam em novas formas de constituição subjetiva. Caracterizada pela descontinuidade em sua configuração, essa nova cidade apresenta novos desenhos, particularmente com os condomínios fechados, a deterioração das regiões centrais com funções específicas, o surgimento de várias regiões com diversas funções, a ocupação de áreas anteriormente degradadas por populações de classe média provocando a expulsão das classes pobres. Primordialmente, de uma união de indivíduos que formam uma comunidade, constituída de partes indivisíveis com suas características intrínsecas, próprias, chegou-se a uma grande aglomeração de pessoas que não apresentam mais unidade, mas uma fragmentação social e individual (SALGUEIRO, 1998, p. 40-42). Parte dessas mudanças decorre do crescimento populacional das grandes cidades. Atualmente, 54% da população global vive nas cidades. Cerca de 12,5% dessa população está em cidades com mais de 10 milhões de habitantes. Projeções apontam que haverá, até 2050, um incremento na população urbana de 2,5 bilhões de pessoas o que representará 66% da população mundial (ONU, 2014, p. 1). A cidade configurou um símbolo de poder e status, o lugar de oportunidades para a obtenção de melhores condições de vida, com possibilidade de se conseguir maiores rendimentos, uma moradia confortável, o acesso a serviços públicos minimamente eficientes, infraestrutura urbana funcional. Tornou-se a meta a ser alcançada por 44 grande parte dos habitantes das regiões distantes e pobres. Nessa perspectiva, vem ocorrendo de modo, cada vez mais, acelerado o processo de crescimento populacional das cidades. O avanço científico que proporcionou o surgimento e desenvolvimento de tecnologias no campo das telecomunicações e do processamento de dados, e a globalização, que conduz a vida urbana a uma exacerbação das relações sociais fundadas no dinheiro, são outros fatores responsáveis por ocasionar essas mudanças na cidade (SANTOS, 2001, p. 9). Ademais, houve, também, transformações nessas relações sociais cotidianas dos cidadãos cujas bases eram vinculadas à interação direta entre os indivíduos, estabelecendo-se ligações de caráter identitário e até afetivo. No entanto, com a emergência da, assim denominada, pós- modernidade1, as interações se dão em plataformas virtuais, de modo que é possível interagir com um grande número de pessoas sem a necessidade de um contato direto, o que gera relações superficiais e fugazes. Isso influencia, diretamente, a subjetividade e a constituição moral, ética, intelectual, principiológica dos indivíduos, consequentemente, a relação com a cidade (LIMONAD, 2000a, p. 3; 2000b, p. 92). Ademais, observam-se as mudanças nas características essenciais da cidade e o acelerado processo de urbanização mundial. Associados ao mito da cidade como porta de acesso para uma vida de melhor qualidade, emerge o questionamento se, de fato, a cidade tem realizado esse sonho, tem atendido aos anseios das pessoas, não apenas no sentido do atingimento de um melhor poder aquisitivo, mas também no sentido de uma série de condições infraestruturais que ofereçam aos cidadãos melhor qualidade de vida; por exemplo: a adequada prestação de serviços em áreas como mobilidade urbana, qualidade do ar, segurança, saúde e educação públicas. Não há cidades sem as pessoas e as interações entre si; elas só têm razão de ser devido aos cidadãos que as constroem e ocupam. De fato, esse fenômeno eminentemente humanosó se concretizou por sua ação. O tornar-se cidadão, membro da comunidade, se dá na relação com os outros membros que já se constituíram como cidadãos e também na relação com o ambiente, com a cidade (SEIXAS, 2013, p. 29- 30). A cidade, mesmo com todas as expectativas oníricas que gera, tem se mostrado pouco eficiente em seu mister na medida em que, ao contrário do que se idealizou a seu respeito, tem 1 Segundo Juremir Machado a Pós-Modernidade pode ser definida como o momento em que os pilares sobre os quais se assentavam a sociedade começam a ruir. Já não sustentam mais as ideias estabelecidas (MACHADO, 2009). 45 ofertado aos cidadãos poucas ou nenhumas chances de mudança de vida, quando, na verdade, “a cidade nasce para unir homens e mulheres e para protegê-los, em uma comunidade que se legitima negando aparentemente as diferenças” (BORJA, 2003, p. 27, tradução nossa). Na realidade, diversos problemas afligem os moradores das cidades. Seu crescimento descontrolado, sem planejamento, de maneira geral, baseado em uma lógica econômica que não leva em consideração as pessoas, tem sido deletério em vários aspectos. De fato, a cidade está associada a “stress, poluição, [alto] custo de vida, solidão, segregação e violência” (SEIXAS, 2013, p. 30) além de desemprego, falta de moradia, de saneamento básico, e tantos outros problemas, quase todos redundando em um baixo nível de qualidade de vida em especial, como é comum acontecer, para as classes menos favorecidas (SEIXAS, 2013, p. 30- 31). No entanto, o cidadão, enquanto membro dessa sociedade na qual vive, tem por obrigação exercer o papel de construtor da cidade, ou seja, de produtor de mudanças que atendam às suas necessidades. Mas nem sempre é assim. Há muitos que não se sentem no direito de reivindicar, ou de promover as transformações necessárias. De maneira geral, essas pessoas que têm condutas passivas são assim por serem produto, ou resultado da ausência de políticas voltadas para seu empoderamento. Mesmo diante de tantos problemas que, de maneira geral, os oprimem, ou de inércias que os desprezam ainda assim não esboçam reação. Não tem a capacidade de perceber que são eles que fazem a cidade, que a constroem e também são construídos por ela. Entretanto aceitam apenas o papel de produto e não o complementar e dialético papel de produtores (BORJA, 2003, p. 25). A adequada oferta de serviços urbanos e seu usufruto se vinculam ao conceito de “direito à cidade”. Esse direito está inscrito na perspectiva dos direitos humanos tão em causa hodiernamente. A cidade eminente e originariamente é um fenômeno social, resultante de um processo dialético, já referido neste trabalho, de mútua construção entre dois fatores fundamentais que são a sociedade urbana e a urbe. Esse processo não se dá divorciado de um desses elementos e são complementares. Assim, o direito à cidade passa essencialmente pelo “direito de mudar a nós mesmos pela mudança da cidade” (HARVEY, 2012, p. 73-74). Mas, quais os direitos dos cidadãos à cidade? O que eles devem esperar encontrar? O que a cidade deve oferecer? É óbvio que as respostas estão vinculadas aos contextos temporais, culturais, históricos nos quais esta ou aquela civilização ou sociedade estão inseridos. No entanto, 46 oferecer as melhores condições possíveis de acordo com suas capacidades é dever da cidade, ou dos que fazem a cidade. Esses direitos cidadãos que se constituíram, ao longo da história, têm sido relegados, menosprezados, ainda que uma pequena parte da sociedade seja alcançada por esses direitos. Claro que essa parcela da sociedade é, sem dúvida, aquela que está próxima do centro das decisões, ou o influenciam diretamente; principalmente através do poder econômico, uma vez que as cidades surgem, particularmente, como resultado do excedente da produção. Logo, o processo de urbanização caracterizou-se por ser um fenômeno pautado pela desigualdade social. Essa injustiça, porém, deve ser alvo de ações que equalizem as forças e promovam o direito à cidade para todos os cidadãos (BORJA, 2003, p. 33; HARVEY, 2012, p. 73-74). De fato, a cidade, no passado, apresentou, em muitos momentos, desequilíbrios em diversos aspectos, desigualdades de toda natureza, seja social, econômica, de classe, de gênero. Desse modo, se poderia referir os problemas atuais àqueles. No entanto, os problemas atuais se mostram mais aprofundados, de natureza estruturais, com características próprias da atual conjuntura. Derivam do processo de globalização pelo qual passa o planeta, que, por sua vez, resultam do atual período pelo qual passa o capitalismo, e é caracterizado pela situação de somenos importância da indústria e a exacerbação da financeirização, com a volatilidade do capital que migra com muita facilidade para onde houver melhor remuneração. Isso gerou, na cidade, como consequência da “chamada nova revolução urbana: a fragmentação espacial, a desestruturação social e o enfraquecimento do papel do Estado” (BORJA, 2003, p. 47, tradução nossa). Como consequência desse processo, “os direitos sociais conquistados foram transformados em serviços, mercadorias a serem vendidas” (CANETTIERI; VALLE, 2015, p. 36). Isso resultou, também em um aprofundamento da segregação urbana com uma extremada concentração de riqueza em poder de um pequeno número de pessoas. Assim a cidade contemporânea configura um sistema de relações, mesmo as pessoais, de consumo. As pessoas são envolvidas pelo discurso capitalista que abrange, inclusive, o psiquismo dos indivíduos, que são cooptados a fazer parte e a reproduzir esse discurso. Com isso, a cidade, que deveria ser de todos, torna-se a cidade de alguns poucos privilegiados e adere à lógica mercantilista, caracterizando também, a cidade como o novo território de atuação do capital e 47 tornando-a “mercadoria essencial para a sobrevivência do capitalismo” (BORJA, 2003, p. 164; CANETTIERI; VALLE, 2015, p. 36). A cidade, então, se insere, ou é inserida, ou é conduzida, quase que sub-repticiamente, para o rol de produtos a serem adquiridos por quem pode pagar. De maneira geral, quem pode pagar é uma parcela muito pequena da sociedade que compõe a urbe. Afinal, os valores dos diversos elementos que compõem esse produto, em especial os mais importantes, são elevados. Assim, como exemplo, a mobilidade urbana é pensada para os que possuem automóveis, a oferta de saúde pública é sofrível para que se possa vendê-la no mercado privado por um bom preço, a educação pública, da mesma maneira, não atende às necessidades dos urbanitas para que se possa, também, torná-la um bem a ser comprado. Assim, a gestão da cidade “deve ser entregue a quem entende de negócios e é indissociável de um projeto de cidade autoritária porque dentro de uma empresa vige o despotismo do capital” (COSTA 2010, p. 157). Essa inserção se dá em resposta ao capital, especialmente ao imobiliário, que, ao produzir seus excedentes, tem a premente necessidade de reproduzi-lo. Com isso “o espaço público é invadido e controlado pelo espaço de consumo, substituindo o ato de cidadania pelo de consumo”, de modo a construir um padrão urbano de apresentação adequada dessa mercadoria que é a cidade (CRUZ, 2011, p. 114-115; HARVEY, 2012, p. 74- 76) Em face disso, aquele ideal de cidade se deteriora e a segregação urbana torna-se sua principal característica. Esse fenômeno é de tal maneira impositivo que ele influencia até a forma da cidade, seu desenho, que acaba reproduzindo. Dessa maneira, o capitalismo penetrou, de modo furtivo, o processo de urbanização fazendo dele mais um de seus instrumentos. Em consequência, ocorre a produção de “um triplo processo negativo: dissolução, fragmentação e privatização[que] se reforçam mutuamente contribuindo para o desaparecimento do espaço público como espaço de cidadania” (BORJA, 2003, p. 163). Assim, sucede a exacerbação das mazelas que caracterizam a cidade pós-moderna, a cidade inserida nesse fenômeno de transição em todas as áreas do conhecimento humano, como também a emergência dos processos de rarefação das interações sociais, da segregação entre classes e a especialização de áreas urbanas (BORJA, 2003, p. 164; CANETTIERI; VALLE, 2015, p. 36-37). 48 Essa nova cidade emerge plasmada pela perspectiva pós-modernista de valorização de um processo de disrupção, de descontinuidade do tecido urbano. Isso se dá sob a égide do capital especulativo que impõe sua vontade deteriorando o já combalido encargo do cidadão na produção da cidade. Dessa forma, a economia urbana, no sentido da organização e do desenvolvimento racional das sociedades urbanas, é pautada não mais por valores éticos, mas agora por valores estéticos. Isso redunda em exacerbação das diferenças sociais e o aprofundamento da exclusão das classes menos favorecidas. Ao mesmo tempo, gera, com a valorização da estética, a anestesia dos cidadãos que são cooptados pela ideia de vender a cidade e, em consequência, da necessidade de se realizar uma adequada apresentação desse produto (CRUZ, 2011, 50-51) Tudo isso conduziu a cidade a um novo conjunto de características que a representam. Conduziu-a, também, para uma situação de impasse. Ela se encontra em um ponto de inflexão. Deve retomar seu lugar de protagonista na sua reprodução de lugar e objeto mítico de desejo, de lugar de perspectivas de transformação na vida das pessoas. Para tanto, é necessário que haja a reocupação dos espaços públicos pelos cidadãos, que eles interajam com o objetivo de promover o debate político sobre a cidade, sejam apresentados e discutidos seus problemas. Isto é, o fazer política deve voltar ao centro das ações públicas, deve haver uma retomada do papel da cidadania na produção da cidade. É fundamental que os cidadãos libertem a cidade do jugo mercantilista apoderando-se dela. Ao mesmo tempo, esse mesmo cidadão deve ser empoderado, cientificando-se do papel fundamental de sua participação na construção da cidade (SEIXAS, 2013, p. 221-222). 49 3. A CIDADE COMO OBJETO DE MEDO Este capítulo tratará da contradição entre a cidade idealizada como local de proteção, de boa qualidade de vida, de boa prestação de serviços públicos, lugar de sociabilidade e a cidade lugar de conflitos, insegurança, injustiça social e com problemas infraestruturais. Apesar de seu planejamento primordial baseado na ordem celestial2, apresentou diversos problemas resultantes de sua produção humana. Essa produção ocorreu durante toda a sua história em um esforço humano para a manutenção da ordem, inclusive com o uso da força por parte dos grupos sociais de maior poder que viam, nos grupos de menor poder, os elementos de promoção da instabilidade social e estrutural. Ao longo de sua história, a cidade tornou-se símbolo de organização estrutural e social, local de proteção e de oferecimento de condições adequadas para sobrevivência, além de centro religioso. Essa construção humana se realizou como resultado do desejo do homem de buscar ordenar suas produções visando reproduzir a mesma ordem que era observada no céu. Essa ordem deveria ocorrer tanto na forma quanto nas relações sociais da cidade. Para tanto, foi adotado um padrão de rede reticular quase sempre orientada pela trajetória dos corpos celestes, com os templos religiosos ocupando o centro ou locais destacados dessa rede. De fato, a religiosidade é o fator preponderante na atração e manutenção da estabilidade social. Além disso, e, em observância também à organização celeste, foi adotado o modelo de ordem social, baseado na subordinação sucessiva de determinados grupos (LYNCH, 2007, p. 15; TUAN, 2005, p. 231-232). Essa organização, porém, baseada nesses fundamentos, como todo empreendimento humano, apresentou falhas ao longo de sua existência. Isso resultou no surgimento de novos padrões de organização para garantir a manutenção da estabilidade social. Estabeleceu-se, então, a coerção por meio da imposição de normas que definiam o modo de agir dos cidadãos. No entanto, essa forma de controle e de tentativa de manutenção da ordem e da estabilidade social malogrou também, tanto nos momentos em que havia uma maior coerção, quanto nos momentos de menor coerção, provocando desajustes sociais variados. Diversas outras formas de controle surgiram, mas todas elas malsucedidas, resultando em instabilidade social e risco de perda do poder da classe dominante (TUAN, 2005, p. 233). 2 Para os povos que edificaram e habitaram as primeiras cidades, essas tinham uma origem e eram a representação dos seus deuses. Cada deus possuía sua residência e sua cidade preferida. Para esses povos tudo tinha um objetivo divino. Assim como os deuses tinham origem celestial, as cidades também o tinham por pertencerem a essas divindades (POZZER, 2003). 50 Contemporaneamente, em que pese o fato de a cidade e de os cidadãos terem características diferentes, esta mantém sua essência de produto humano, fruto de um desejo de organização e de modificação da natureza, de ação sobre ela. No entanto, mesmo tendo, como característica intrínseca, o fato de ser fruto de elaboração e pensamento sistemáticos sobre sua construção, apresenta claros paradoxos. Problemas diversos se abatem sobre ela e seus ocupantes, provocando, em certa medida, a deterioração da ideia onírica que, normalmente, se tem a seu respeito. Problemas tais como criminalidade e violência urbana, acidentes de trânsito, pragas urbanas que podem provocar graves e extensos problemas, como a peste bubônica, por exemplo, que, no século 14, matou 50 milhões de pessoas (BBC, 2015), falta de saneamento básico, de acesso à água tratada, falta de moradia, congestionamentos, incêndios, guerras e tantos outros problemas, uns mais recentes e outros nem tanto, que influenciam diretamente na qualidade de vida urbana (TUAN, 2005, p. 233). Muitos desses problemas provocavam, na população, o sentimento de medo. No entanto, com o processo de modernização da cidade, ao longo do tempo, o medo dela foi se reconfigurando “começando a gerar um tipo de medos distintos daqueles que gerava quando era um espaço pré-moderno” (FERNANDES; RÊGO, 2011, p. 169). Desse modo, “Poderíamos dizer que a insegurança moderna, em suas várias manifestações, é caracterizada pelo medo do crime e dos criminosos” (BAUMAN, 2009, p. 2). De fato, esse tipo de medo, que, muitas vezes, não passa de uma sensação de insegurança, por algo que pode vir a acontecer, é resultante da ideia de que, com o emprego da força, da energia e dos meios apropriados é possível se proteger suficientemente. Mas ao se deparar com a realidade dele, busca-se justificá-la pela má ação do outro que, então, se torna objeto de medo. Ainda no século XIX, tem início o processo de construção subjetiva do medo dos espaços urbanos, com o consequente surgimento do medo do outro. Determinadas pessoas, o morador de rua, o menino abandonado, tornam-se símbolo do perigo e causadores de insegurança (FERNANDES; RÊGO, 2011, p. 169; BAUMAN, 2009, p. 2). Em consequência, emerge uma visão maniqueísta da cidade, resultado de uma percepção subjetiva e simplista. Assim, há os lugares onde se pode andar com tranquilidade e os lugares onde há diversos riscos de se sofrer violência. Do mesmo modo, há as pessoas perigosas, por causa de determinadas características, e as pessoas que não oferecem riscos (REGUILLO, 1999, p. 137). É evidente que essa preocupação com a criminalidade urbana 51 não se trata de algo novo. Ao contrário,sempre fez parte do cotidiano urbano, entretanto, no mesmo nível de importância que outras angústias que assolavam os cidadãos, os roubos ou assaltos não representavam um problema maior que os outros. Na verdade, as ações que causavam mais medo nas pessoas eram as provenientes das guerras, em que os membros dos exércitos não tinham nenhuma noção de respeito aos direitos humanos, sendo muito comum a ocorrência de vandalismos, saques, roubos, estupros, torturas excruciantes por parte dos soldados, que faziam questão de deixar um rastro de destruição. Mas, naquele período, se delineia uma perspectiva em que a criminalidade e a violência urbana ganham destaque, particularmente os crimes que atingem os bens das pessoas (SOUZA, 2008, p. 38). Na primeira metade do século XX, as preocupações se voltam para as duas grandes guerras mundiais e outros conflitos de grande magnitude que se assemelham a estas. Praticamente, todos os países europeus, com poucas exceções, os países da América do Norte, os da Oceania, alguns países asiáticos e africanos, participaram do primeiro conflito mundial. A principal exceção foram os países da América Latina. Semelhantemente, a Segunda Guerra Mundial envolveu quase todo o mundo, ainda que, em alguns casos, de forma indireta. Para se ter uma noção do tamanho da destruição ocasionada, nesses eventos, aproximadamente 2 milhões de pessoas morreram. Mais alguns conflitos internacionais de menor proporção aconteceram, nesse período, quando todas as atenções estavam voltadas para as suas consequências (HOBSBAWN, 1995, p. 31-32). Com o fim da Segunda Guerra Mundial, tem-se o surgimento de dois poderosos países em termos econômico, político e bélico com influência mundial, que são os Estados Unidos da América e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), que, após a Segunda Guerra Mundial deram início a um novo período belicoso entre elas. Esse conflito apresenta características próprias e muito particulares. Tratou-se de uma guerra de ameaças veladas com a promessa de uso do poderio bélico por qualquer um dos lados e a qualquer momento. Isso gerou uma tensão entre eles e também de todos os outros países que se alinharam a cada um dos lados. Com isso, logo após o fim da Segunda Guerra ocorre, de maneira geral, uma fase de estabilidade em todo o planeta. Os conflitos eram resolvidos de forma diplomática; até mesmo aqueles, poucos, é verdade (como a guerra da Coréia e a crise dos mísseis cubanos), 52 que extraoficialmente envolviam os dois países, parte das querelas eram solucionadas diplomaticamente (HOBSBAWN, 1995, p. 223-226). Essa estabilidade se refletiu no cotidiano das cidades, nas quais, de maneira geral, a lembrança dos horrores da guerra ainda era vívida. No entanto, essa situação vai se deteriorando em termos globais com a emergência de novas guerras e em termos locais com a exacerbação dos crimes contra a vida e o patrimônio. Desse modo, é percebido, subjetivamente, como algo clamoroso quando comparado ao período anterior de estabilidade recentemente vivido. Portanto o aumento da violência urbana e da criminalidade passa a ser vistos como um novo fenômeno, de tamanha importância que “as ameaças mais frequentemente referidas na maioria dos estudos sobre as cidades e áreas metropolitanas dos países em desenvolvimento são a criminalidade e a violência e os desastres ambientais” (LOURENÇO, 2013, p. 19). Evidente que o que se está comentando aqui trata-se de questões relativas à cidade, haja vista que, no campo, a situação não se compara à da cidade; visto que havia outras dinâmicas relativas à criminalidade (SOUZA, 2008, p. 39). Essa intensificação da violência urbana e criminalidade resultam, também, da precipitação do processo de urbanização e das injustiças sociais presentes, particularmente, nos países em desenvolvimento, especialmente no Brasil (LOURENÇO, 2013, p. 19). Isso foi consequência da deterioração do padrão de Estado Keynesiano associado a um trabalhador fordista, que baseava sua práxis em princípios solidários, ao mesmo tempo que surgiu um Estado com uma visão darwinista defensor e pregoeiro da competitividade, do individualismo e da desresponsabilização com os interesses comuns (WACQUANT, 2010, p. 201). 53 3.1. Segregação social e espacial A cidade não mais representa o lugar de se buscar melhores condições de vida, é também o lugar onde são vivenciados múltiplos problemas que acabam por condicionar os cidadãos em seu nível de qualidade de vida. As expectativas de se alcançar um patamar melhor em termos de renda, ou moradia, por exemplo, são frustradas e a cidade torna-se, para o cidadão, não mais o lugar de soluções, mas de dificuldades e de pesadelos. A cidade é percebida então como um produto cindido, dividido entre aqueles que possuem muito mais do que precisam, os que possuem o que precisam e os que não possuem nem o mínimo para viver (SOUZA, 2005, p. 20). Como resultado disso, emerge, entre outras disfunções, a criminalidade, sendo o fator que mais causa preocupação para os cidadãos, em paralelo com os danos ao meio ambiente e esta resulta particularmente das desigualdades sociais. Tanto que “A pobreza e a exclusão social têm sido associadas ao quadro de violência e de insegurança que caracteriza as cidades dos países em desenvolvimento” (LOURENÇO, 2013, p. 19). Essa cisão se torna mais patente ao se observar a topografia da cidade. É possível se perceber setores urbanos completamente diferentes uns dos outros, ou seja, algumas poucas áreas centrais adequadamente servidas de infraestrutura como saneamento básico, pavimentação e drenagem de ruas, e áreas quase sempre periféricas que não têm nenhum tipo de serviço que atenda a sua população, com os ricos ou a classe média morando na primeira e os pobres na segunda. Essa divisão é quase sempre resultando do planejamento estatal que privilegia as classes mais abastadas. É importante destacar que mais recentemente essa separação entre classes e suas diferenças infraestruturais têm se dado não apenas em áreas completamente distintas e distantes, mas também em regiões contíguas (CALDEIRA, 2000, p. 211; CEZÁRIO; CAETANO, 2010, p. 237-238). Esse novo modelo de segregação configura a construção de “muralhas” em torno de determinadas áreas delimitando-as. São os chamados condomínios fechados e são ocupadas pelas classes com maior poder aquisitivo (essas construções remetem às cidades antigas que possuíam muralhas e apenas uma entrada e saída a fim de oferecer segurança aos seus moradores). Essas áreas estão localizadas, em muitos casos, ao lado da pobreza e da marginalidade. O objetivo é o de impedir o livre acesso de pessoas e se encastelar de modo a se distanciar dos pobres, seus problemas e, particularmente, da criminalidade. Isso acaba por criar descontinuidades no tecido urbano, gerando subculturas dentro de uma mesma cidade e 54 padrões diferentes de sociabilidade (CEZÁRIO; CAETANO, 2010, p. 240), ao mesmo tempo impedindo a interação das pessoas e deteriorando a característica essencial de promoção das relações interpessoais entre os moradores que constituem a cidade (VAZ DE MELO, 2008, p. 11). Essa separação entre pobres e ricos em diversas modalidades tem sido a marca das cidades ao longo do tempo, inclusive, paradoxalmente, com a anuência estatal com a ferramenta de que dispõe: a regulação, tem favorecido as classes de maior poder aquisitivo (CALDEIRA, 2000, p. 211). Em relação ao papel estatal, considera-se importante pontuar que o poder público que é constituído para fazer a adequada distribuição dos bens públicos e que deveria realizar a equalização das desigualdades socioespaciais, paradoxalmente, acaba por se tornar parcial colocando-se ao lado das classes de maior renda. A ela,destinam os setores urbanos que possuem melhor infraestrutura para as classes de maior renda ou constroem a melhor infraestrutura nos setores cuja população possui maior renda, de modo que está sempre em oposição aos de menor poder aquisitivo. Como resultado, surgem as áreas periféricas ou mesmo centrais ocupadas, quase sempre ilegalmente por essa parcela da população que vê essa possibilidade como alternativa para superar obstáculos aos direitos de moradia ou transporte coletivo, por exemplo (CEZÁRIO; CAETANO, 2010, p. 241). Os espaços murados e fechados para moradia e outras atividades foram denominados “enclaves fortificados” e se caracterizam por serem “espaços privatizados, fechados e monitorados para residência, consumo, lazer e trabalho” cuja “principal justificação é o medo do crime violento” (CALDEIRA, 2000, p.211). Objetivam atender àquela parcela da população, de maior poder aquisitivo, que compreende não haver outro caminho para solucionar os problemas presentes na cidade que não seja o de blindar-se deles, junto a seus iguais, criando barreiras na tentativa de impedir que esses problemas tenham condição de atingi-los. Isso resulta na concepção de uma nova maneira de se fazer o urbano, caracterizada pela negação do embate, do debate, do conflito de ideias, de visões divergentes que se enfrentam e produzem convergências. Assim, gera o empobrecimento e a involução das relações sociais que passam a ocorrer quase que, exclusivamente, entre pessoas de estratos semelhantes (CALDEIRA, 2000, p. 211). Ainda em relação à segregação socioespacial, esta apresenta uma característica importante quanto a sua reprodução. Em certa medida, as suas consequências redundam na 55 sua retroalimentação e também na produção de outros problemas que a gravitam. O baixo nível de infraestrutura e a baixa qualidade de vida em relação às dificuldades enfrentadas no cotidiano dessas áreas, por exemplo, são responsáveis por gerar preconceitos tanto contra os moradores como contra as áreas propriamente ditas, promovendo, também, a emergência de um sentimento de baixa auto-estima por parte de seus moradores que se veem como pessoas de menor importância social, de certa maneira, como cidadãos de segunda classe (SOUZA, 2008, p. 83). Além disso, há o problema da violência que colabora para a construção tanto do preconceito quanto da baixa autoestima, inclusive alguns estudos mostraram que há “uma relação direta entre espacialidade e violência” o que é percebido ainda que pelo senso comum, mas acaba por reverberar, ganhando visibilidade (MARICATO, 2000, p. 28). Há ainda o fato de que a violência se concentra em áreas que reúnem um certo conjunto de fatores como “níveis baixos de renda e escolaridade, maior proporção de negros entre os moradores, maior desemprego, maior número de moradores de favelas, piores condições de moradia e urbanísticas.”3 (MARICATO, 2008, p. 28). Outros elementos que auxiliam na configuração desse fenômeno são o fato de que, nessas áreas referidas, há muitas pessoas ociosas em diversas moradias e onde o desemprego tem um caráter mais estrutural, além da “ausência de atividades culturais e esportivas, falta de regulação social e ambiental, precariedade urbanística” e a falta de serviço de transporte público. Tudo isso resulta na deterioração das relações intra e interpessoais de modo que “é impossível dissociar o território das condições socioeconômicas e da violência.” (MARICATO, 2008, p. 29-30). A principal representação dessas áreas segregadas social e espacialmente são as favelas. É caracterizada “como um espaço destituído de infra-estrutura urbana – água, luz, esgoto, coleta de lixo; sem arruamento; globalmente miserável; sem lei; sem regras; sem moral. Enfim, expressão do caos” (SILVA, 2009, p. 16). Seu surgimento, no Brasil em especial, e no Rio de Janeiro principalmente, está associado aos processos de urbanização e industrialização. Obviamente, o surgimento de moradias precárias se deu ainda no período colonial com destaque para os cortiços, que eram casas com diversos quartos ocupados por famílias inteiras e, em muitos casos, apenas um banheiro. Essas casa eram desprovidas de higiene e tinham focos de doenças e promiscuidade. Essas moradias eram extremamente insalubres; por isso, tornaram-se objeto de políticas públicas sanitaristas. No entanto, as 3 Nesse artigo Ermínia Maricato (2008, p. 29) apresenta dados referentes a cidade de São Paulo, no entanto ressalta que essas informações são reais também em outras cidades latino-americanas. 56 favelas começam a surgir com as ações públicas que visavam destruir os cortiços. Assim, tornaram-se alvo do poder público em suas políticas de limpeza e saneamento da cidade. Em alguns casos, os cortiços eram destruídos e seus moradores ocupavam as áreas livres mais próximas, em geral, os morros (QUEIROZ FILHO, 2011, p. 34-35). Um segundo fator era a presença, em grande número, de soldados do exército que haviam lutado na Guerra do Paraguai e, ao retornarem para a capital, não tinham alojamentos suficientes para hospedá-los, de modo que essa problemática tem início ainda no século XIX. Outro aspecto importante para esse fenômeno foi a abolição da escravatura que promoveu um fluxo de ex-escravos para as cidades que não possuíam capacidade de absorver esse contingente de pessoas completamente despossuídas que buscavam na cidade oportunidades para sobreviver (QUEIROZ FILHO, 2011, p. 35-36). Apesar de não se enquadrar no modelo de ocupação do solo urbano estabelecido como adequado pelo poder público e o mercado imobiliário, a favela constitui-se, inexoravelmente, como parte integrante da paisagem urbana. Tem características próprias e diferenciadas que devem ser levadas em consideração no planejamento urbano. As políticas públicas voltadas para esse território devem ser construídas com base nessas características e não ter um caráter planificado ou semelhante às ações destinadas a outros locais de referência, considerados adequados e categorizados nas teorias de fundo elitista hegemônico (SILVA, 2009, p. 21-22). Historicamente, esses territórios são credores tanto do poder público que sempre os relegou à própria iniciativa, quanto do mercado que sempre o percebeu como um ponto fora da curva em matéria de ocupação da cidade. Essa dívida foi a responsável por produzir um território privado da presença estatal e redundou na ausência de diversos serviços fundamentais para a concretização da cidadania, tais como: água tratada, esgoto, coleta e limpeza urbanas, iluminação das ruas, escolas, unidades de saúde, equipamentos para esporte, lazer e cultura. Com isso, as favelas se tornaram territórios “sem garantias de efetivação de direitos sociais, fato que vem implicando a baixa expectativa desses mesmos direitos por parte de seus moradores.” (SILVA, 2009, p. 96). Um outro aspecto é em relação à economia. Nas favelas, estão os maiores índices de subempregados e desempregados de modo que “há, portanto, distâncias socioeconômicas consideráveis quando se trata da qualificação do tempo/espaço particular às favelas e o das condições presentes na cidade como um todo.” (SILVA, 2009, p. 96). Em relação à forma e à 57 regulação, a favela se caracteriza pela ocupação e pela construção ilegais configurando “uma morada urbana que resume as condições desiguais da urbanização brasileira, ao mesmo tempo, a luta de cidadãos pelo legítimo direito de habitar a cidade.” (SILVA, 2009, p. 97). Por fim, “a favela é um território de expressiva presença de negros (pardos e pretos) e descendentes de indígenas” o que corrobora a ideia de dívida social com essas áreas urbanas, para as quais os negros foram “empurrados”, a fim de que deixassem o centrodas cidades e suas habitações insalubres, produtoras de doenças, pelas elites e o poder público higienistas (SILVA, 2009, p. 97). Some-se a tudo isso e como resultado disso, a violência que sofrem os moradores dessas comunidades; seja a violência simbólica configurada pelo medo e o preconceito que os moradores de outras áreas nutrem contra a favela e seus moradores, seja a violência real em que são obrigados a conviver, cotidianamente, com bandidos armados, tráfico de drogas e invasões ou abusos policiais. Em consequência “dessas questões, o pobre, o negro, o morador de favela e a própria favela em si ficam no imaginário da sociedade como os legítimos representantes da violência e de tudo o que ela significa.” (NAIFF, 2005, p. 108). Tudo isso redunda em mais preconceito e distanciamento entre as classes sociais, retroalimentando, assim, o processo que constitui um círculo vicioso. 58 3.2. A cultura do medo O medo é uma sensação que acompanha o homem desde o seu surgimento. Outrossim trata-se de “um sentimento complexo, no qual se distinguem claramente dois componentes: sinal de alarme e ansiedade.” (TUAN, 2005, p. 10). Não é privilégio apenas da espécie humana, mas, de fato, é, também, uma das faculdades responsáveis pela manutenção da vida animal. É ele o motor que impulsiona os animais superiores a reconhecer e fugir de situações e circunstâncias que possam vir a causar danos físicos. Essa sensação, especialmente para a espécie humana, tem uma origem assente na consciência de sua finitude, sendo a única espécie que tem a certeza de que morrerá. É gerado a partir de uma necessidade fundamental de segurança não satisfeita. Assim, ao par dicotômico segurança e insegurança, associam-se, respectivamente, vida e morte. Apesar de ser uma sensação de características similares em todas as espécies, constitui-se de diferentes maneiras e intensidades no ser humano. (DELUMEAU, 2009, p. 23-24). Caracteriza-se como elemento partícipe da subjetividade e, como tal, constitui um resultado da construção sócio-histórica dos indivíduos (SOUSA FILHO, 2007, p. 3). Apesar de se situar como um fenômeno mental e interior, que ocorre no âmbito do psiquismo ele é encetado por estímulos exteriores, de modo que vem a ser o resultado da relação entre os indivíduos e os ambientes natural e social que os envolvem. Devido a isso, apresenta diversas nuances em suas manifestações, seja na intensidade ou nas categorias. Na espécie humana, particularmente, resulta não apenas de situações que ameacem a vida, mas também de situações que envolvam a moralidade, a honra, a culpa, o sobrenatural, entre outras, chegando, inclusive, a ser gerado até na ausência de ameaças. Nesse sentido, a complexidade do nosso conjunto dos estados e processos psíquicos, constituído de diversos elementos e fenômenos, gera uma manifestação como o medo também complexa e multiforme (TUAN, 2005, p. 11- 12). A espécie humana, particularmente, apresenta um desdobramento desse medo essencial e primordial. Uma manifestação de temor resultante, especialmente, de uma reestruturação do primeiro assente numa situação real de ameaça a sua integridade física que foi tratada pelo aparato psicossociocultural do indivíduo. Decorre de um novo conjunto mental de representações da realidade que vão conduzir a decisões, atitudes e comportamentos baseados não, apenas, em situações concretas de ameaça, mas também e, 59 principalmente, na ausência dessas, sendo gerados sob a ação residual da experiência concreta e ameaçadora vivida anteriormente. Nessa conformidade, paira sobre o indivíduo um contínuo sentimento de insegurança que emerge de uma sensação de vulnerabilidade e especialmente de um perigo irreal, inexistente, provocando comportamentos, atitudes e reações somáticas semelhantes ao perigo real. Ou seja, esse outro esquema resulta, também, em uma sensação de que o indivíduo pode ser alvo de alguma possível ameaça, no entanto ainda inexistente ou irreal (BAUMAN, 2008, p. 9). É evidente que a construção desse sentimento se dá, fundamentalmente, pelo fato de que o ser humano tem suas percepções de mundo, resultantes de um processo, intrínseco a essa espécie, que se constitui através da relação entre sua mente e o ambiente mediado pelo arcabouço instrumental da cultura. A espécie humana, apesar de apresentar todo o aparato instintivo próprio, esses instintos não são completamente desenvolvidos ao se comparar com outras espécies. E essas faculdades instintuais são complementadas pelas faculdades intelectivas, especialmente a cultura; consequentemente essa característica permite a essa espécie uma gama enormemente maior de possibilidades de percepções de mundo. Além disso, a constituição biológica também toma parte nessa equação de maneira que a reunião desses elementos dota a espécie humana de uma grande capacidade de adaptação (BERGER; LUCKMAN, 2004, p. 60-61) Em face do exposto, é natural que ocorra o surgimento de um medo específico na relação do indivíduo com a criminalidade violenta. Esse medo resulta, primordialmente, do embate entre o aparato mental que trata esse sentimento e a situação real vivida. O medo de ser vítima de crime não é nenhuma novidade, entretanto há cada vez mais intensamente um sentimento generalizado de que a possibilidade de ser vítima de violência é muito grande e está em todo lugar. Há uma sensação de que o crime é ubíquo, uma vez que o crime pode atingir, e atinge, pessoas indiscriminadamente, não importando a classe social da qual se faz parte ou o lugar onde se mora. Nem mesmo os diversos aparatos de segurança são capazes de impedir a ação de criminosos. Logo, essa percepção teria fundamento. Ao mesmo tempo emerge também a ideia de que há, particularmente, lugares e pessoas perigosos. Determinadas características configurariam o lugar de risco, do qual não se deve se aproximar, ou passar por ele. Da mesma maneira, ocorre com as pessoas perigosas, que ao apresentarem determinadas características são definidos como indivíduos os quais se deve temer (SOUZA, 2008, p. 54). 60 Nesse sentido, pode-se concluir que há uma espécie de “sombra” do medo da criminalidade que tem envolvido parcela significativa da sociedade e tem moldado seu comportamento. Além disso, esse fenômeno tem assumido tamanha força que tem gerado, mesmo nas pessoas que não foram vítimas de violência, a prática de reverberar o discurso do medo. De fato, o medo do crime influencia, diretamente, os diálogos e as relações interpessoais, transformando as práticas habituais e as configurações das cidades e fazendo do crime o assunto principal das conversas. Os discursos sobre o crime se seguem, continuamente, de modo que um enseja o outro em uma espiral de observações e opiniões dos mais diversos gêneros. Uma série de narrativas monótonas e repetitivas que parecem objetivar a expurgação desse mal dos planos real e virtual ou imaginário numa espécie de terapia de grupo. Promovendo a proliferação da cultura do medo, reforçando-a e sedimentando essa “sombra” referida anteriormente (CALDEIRA, 2000, p. 27). Desse modo, o sentimento de insegurança adquire uma grande intensidade, mas está totalmente desvinculado da realidade. Vale destacar que isso decorre do fato de que a espécie humana apresenta uma necessidade de dar uma maior dimensão a problemas que nem sempre merecem (GLASSNER, 2003, p. 30). O medo da morte causada por danos infligidos por indivíduos com maior poder físico, econômico ou político conduziu as sociedades a estabelecer regras de respeito mútuo. Em consequência dessa necessidade de convivência entre os membros de determinadas sociedades, surge, em decorrência de um pacto conjunto com a anuência de todos, um poder regulador superior a todos os outros. A esse poder é conferidoo direito de sanção contra aqueles que se não submetem à regulamentação, de modo que o aparato jurídico tinha por finalidade conformar os comportamentos dos indivíduos tornando-os previsíveis e, em decorrência, gerar estabilidade e evitar os conflitos. Com isso, o medo do poder superior, comumente estabelecido, responsável pela aplicação das penalidades resultantes das transgressões às normas, cumpria e cumpre o papel de controlador, limitador das ações sociais e individuais (SILVA, 2011, p. 16-17) Nesse processo de construção social dessa cultura do medo, os meios de comunicação exercem papel preponderante na sua reprodução, especialmente, os programas que se utilizam do sensacionalismo ao apresentar notícias que, apesar de verdadeiras em sua essência, estão travestidas de forma exagerada com a intenção de causar choque no público. De maneira geral, estão distanciados do compromisso profissional de comunicar a verdade de forma 61 imparcial. Dessa forma e, em especial, os grandes veículos de comunicação que estão, como toda corporação, vinculados à lógica capitalista, interessam-se apenas em auferir lucros, em alcançar cada vez maiores índices de audiência. Com isso conseguirão mais patrocinadores e terão mais renda. Então espetacularizam a notícia a fim de torná-la um produto de entretenimento. Até mesmo a população ao ser questionada sobre o medo do crime se reporta às notícias dos jornais, de tal sorte que são os meios de comunicação social, e não a experiência real, que têm instilado esse sentimento em uma parcela majoritária da sociedade (GLASSNER, 2003, p. 31-33; PASTANA, 2003, p. 72-73). A seguir, são apresentados alguns recortes jornalísticos que trazem informações sobre violência e criminalidade no Estado do Rio Grande do Norte: RN tem final de semana violento: O Rio Grande do Norte voltou a registrar um final de semana violento. Somente entre a madrugada de sexta-feira (7) e a noite de domingo (9), 27 pessoas foram vítimas de homicídios, sendo os crimes ocorridos, principalmente, na Grande Natal (BARBALHO, 2016, grifo nosso). RN já registra 61 casos de estupro este ano: As Delegacias Especializadas no Atendimento à Mulher (DEAM) já registraram 61 casos de estupro no Rio Grande do Norte no período de janeiro a agosto deste ano. O número representa 68,5% dos casos que aconteceram em todo o ano passado, quando foram registrados 89 crimes sexuais no Estado, de acordo com dados da Coordenadoria de Defesa dos Direitos das Mulheres e da Minoria (CODIMM) (TAVARES, 2016, grifo nosso). No RN, homicídios têm alta de 23,61% este ano: O Rio Grande do Norte computou mais 11 homicídios no fim de semana e, com isso, o Estado acumula 1.403 crimes violentos letais intencionais neste ano, de acordo com dados até esta segunda-feira (19). em comparação ao mesmo período do ano passado, o Rio Grande do Norte teve 268 a mais, o que significa um aumento de 23,61% no número de homicídios (TRIBUNA DO NORTE, 2016, grifo nosso). RN já teve mais de 1.400 homicídios em 2016: O Rio Grande do Norte computou mais 11 homicídios no fim de semana e, com isso, o Estado acumula exatos 1.403 crimes violentos letais intencionais em 2016, com dados até esta segunda-feira (19) (TRIBUNA DO NORTE, 2016, grifo nosso). Insegurança prejudica aulas no RN: O Rio Grande do Norte é o Estado do país onde os alunos mais perderam aula por motivo de segurança, relaciona à violência (BARBALHO, 2016, grifo nosso). 62 Em 10 anos, homicídios crescem 445%: Em uma década, o Rio Grande do Norte 'mais que quadruplicou' os índices de homicídios por armas de fogo. Ao lado de Alagoas, Ceará, Maranhão e Sergipe, o estado potiguar “enfrenta uma pandemia de violência para a qual estava pouco e mal preparado” (ARAÚJO, 2016, grifo nosso). Importa observar que as frases iniciais das reportagens têm um caráter alarmista. Visto que a intenção da reportagem é espetacularizar a notícia, acabando por reforçar o medo da criminalidade. Nessa conformidade, a imprensa, de modo geral, torna-se uma das principais responsáveis por disseminar a sensação de insegurança. Na esteira da lógica capitalista , chegam ao termo de objetivar unicamente a venda de suas notícias, que se tornaram mercadorias, e atingir elevados índices de audiência para conseguir mais e mais patrocinadores. Com isso, há um exacerbado destaque aos fatos que envolvem crimes violentos e morte ou barbarização das vítimas. As informações são sempre tratadas de acordo com diversos interesses de tal maneira que a sociedade é conduzida, acriticamente, para conclusões preconcebidas pelos meios de comunicação sob interesses quase sempre mercantis (GLASSNER, 2003, p. 33-35; PASTANA, 2003, p. 72-77; ZALUAR, 2000, p. 247) Um outro aspecto relevante na constituição desse sentimento de insegurança está ligado ao medo do outro. Elaborou-se, como marca da contemporaneidade, gradativamente, a ideia de que indivíduos com tais e quais características representam perigo (BAUMAN, 2009, p. 3). A fim de conferir representatividade simbólica a esse sentimento, constrói-se, no imaginário, uma figura maligna oposta ao bem que é o criminoso categorizando-o como aquele que não se enquadra às regras sociais de convivência, o marginal. Alguém que se constitui como antípoda da sociedade formada pelos homens de bem, criando-se, assim, os estereótipos da criminalidade. Quase sempre esses indivíduos são: os vagabundos, sem-teto, moradores de rua, viciados, negros, favelados, maltrapilhos, de maneira geral os pobres. Em decorrência disso, se estereotipa também os lugares do mal, os lugares de onde se originam esses indivíduos. Logo, os crimes e os criminosos estão ligados às favelas, a locais abandonados pelo poder público que acabam por serem infestados desse tipo de gente (CALDEIRA, 2000, p. 78-79). 63 3.3. O papel do Estado na gestão do medo A Constituição Federal estabelece, em seu artigo 5o, que a segurança é um direito fundamental, portanto, universal. Compõem, em nível federal, o Sistema de Segurança Pública os órgãos: Polícia Federal e Rodoviária Federal; e em nível Estadual: Polícias Militares e Civis; e os municípios através das Guardas Civis cujo escopo da competência é a proteção patrimonial. No entanto, já há entendimento jurídico de que os municípios podem efetivamente realizar o trabalho de proteção não só aos bens, mas também à sociedade. Especialmente, por meio da articulação entre os diversos atores com o foco na vertente da prevenção, colaborando, assim, no desenvolvimento de políticas de gestão, disponibilizando recursos que otimizarão as ações e se inserindo no ciclo das políticas públicas o ente federado que tem relação mais próxima com o cidadão (CORREIA; FERREIRA; PINTO, 2014, p. 3- 11). Assim, como o foco desse trabalho é a cidade, serão apresentadas ações que o poder público municipal pode realizar para que possam colaborar para a diminuição dos índices de criminalidade urbana. A partir, especialmente, da elaboração do Programa “Cidades Mais Seguras” implementado pela Organização das Nações Unidas em 1996, tem início a preocupação com o papel fundamental dos governos locais na questão da Segurança Pública particularmente no que toca à prevenção da criminalidade; haja vista que outras esferas de governo constituem estruturas excessivamente grandes para que suas ações consigam alcançar os bairros, as comunidades, por exemplo. Para tanto, são necessárias algumas condições: (1) destinar recursos humanos e financeiros exclusivamente para essa finalidade; (2) assumir o papel de articulador das ações preventivas; (3) garantir a participação da sociedade civil organizada; (4) garantir que a transparência permeietodas as etapas das políticas. A ideia, ao delegar as ações de Segurança Pública às localidades, é fazer com que o Estado (no caso brasileiro os municípios) esteja mais próximo dos cidadãos para que estes possam participar do processo. Além disso, como a gestão local tem papel eminentemente preventivo, fazendo-se necessário envolver diversas pastas para o processo de elaboração e implementação das políticas, ela se caracteriza, em tese, por ser mais dinâmica e ágil na busca de soluções (ONU, 1996, p. 9-10). Essa percepção torna-se relevante, a partir do término dos governos autoritários na América Latina. Com o objetivo de desvincular a segurança pública das forças militares, policiais e forças armadas, emerge o conceito de “segurança cidadã” que é construído para 64 promover o envolvimento da sociedade civil nessas questões. Além disso, objetivava imprimir um caráter democrático em consonância com os novos momentos de liberdade vividos, quando, então, torna-se possível a construção de políticas públicas transparentes, legítimas e sob a égide da sociedade e dos direitos humanos. Desse momento, surgem as políticas municipais de segurança cidadã; pautadas pelo caráter preventivo e destinadas à mitigação do medo e do sentimento de insegurança. São constituídas, principalmente, pela qualidade de serem muito mais proativas do que reativas, buscando, ao mesmo tempo, reduzir os índices de criminalidade mediante ações que diminuam as possibilidades de práticas delituosas (MESQUITA NETO, 2006, p. 6-8). De maneira geral, há dois modelos básicos de abordagem na questão da segurança pública: o modelo repressivo ou tradicional e o preventivo ou comunitário. O primeiro é centrado no emprego da força como elemento dissuasório, além de ter um caráter fortemente reativo. Tem como finalidade precípua controlar o crime através da prisão dos delinquentes. Baseia a execução das suas atividades no uso intensivo de veículos, armamentos e equipamentos de intercomunicação, sendo as ações executadas após o acionamento pela população na ocorrência ou na iminência de ocorrer um crime. Nesse caso, o objetivo é alcançar e prender o criminoso logo após o cometimento do ato delituoso, antes que aconteça ou durante a ocorrência. O segundo modelo está fundamentado na ideia de que todos somos responsáveis pela segurança pública. Com isso, busca-se envolver todos em ações preventivas, que é a essência do modelo. Tanto as instituições públicas diretamente ligadas à segurança quanto a população são envolvidas no processo de elaboração e implementação das ações. O princípio basilar desse modelo é o de que, ao reunir a técnica policial com o conhecimento da população sobre o seu local de habitação, ocorre, sinergicamente, uma potencialização de saberes e consequentes soluções que melhor se ajustam a cada situação ( SARAIVA; SOARES, 2014, p. 8-10). Um dos primeiros passos que podem ser dados pelo Estado é a implantação de políticas pontuais de prevenção à criminalidade com ações focadas, localizadas em situações que resultam em maior volume de ocorrências; como, por exemplo, políticas de curto prazo que não prescindem das ações estruturais de longo prazo, mas que podem gerar um círculo virtuoso, especialmente na economia, ao promover a diminuição da criminalidade em determinados locais. Assim, hodiernamente, se concebe, de maneira geral, a ideia de que o 65 crime é também responsável pela crise social e econômica. É importante destacar que o crime afeta não só as pessoas em seu psiquismo e, em consequência, a sociedade, mas também e, em grande medida, a economia das áreas que são alvo de uma maior quantidade de ações delituosas o que provoca uma série de problemas, como, por exemplo: o fechamento de empresas gerando desemprego, que redundam em aumento do crime. Logo, as ações localizadas têm como finalidade manter o funcionamento da economia, dinamizando-a também, e a reboque vem a melhora de diversos serviços públicos. Assim “políticas preventivas eficientes dependem de diagnósticos locais (técnicos e interativos), gestão participativa, circunscrição territorial, autoridade política e articulação intersetorial” (SOARES, 2006, p. 94-96). É necessário que, com base em certos pilares gerais, sejam desenvolvidos programas próprios de atuação em cada local. As ações a serem delineadas devem ser baseadas nas particularidades de cada região a ser objeto dessas ações. Daí, a importância de se conhecer, pormenorizadamente, toda a sua configuração, como também os diversos cenários que podem se desenhar como desdobramentos de cada uma das atividades que integram o programa. Além disso, todo o modelo de intervenção deve conter um levantamento minucioso das características sociais, econômicas, estruturais, dos serviços públicos disponíveis, das ofertas de lazer, de cultura e as potencialidades dos indivíduos e do local. Como resultado dessa complexidade multicausal que envolve o problema, tem-se na construção de uma solução um conjunto de dimensões a serem observadas. Dessa forma, as abordagens devem ser pautadas pela multi e a intersetorialidade. Entretanto, apesar dessa necessidade de integração na construção do modelo de intervenção, a realidade dos governos municipais aponta para uma desarticulação nas ações das diversas pastas. Daí, a importância da criação de um ente gestor vinculado diretamente ao chefe do executivo municipal e que tenha autoridade gerencial por ele delegada para promover a integração dos setores que comporão o programa e acesso disponível aos recursos necessários (SOARES, 2006, p. 96-97). Um outro aspecto de extrema relevância para as ações de prevenção à criminalidade no âmbito dos municípios são as informações. As instituições que prestam serviço de segurança pública de caráter moderno têm, na coleta e no tratamento das informações, sua principal ferramenta. Ela subsidia todas as fases do processo de gestão desse serviço, como também de todo o ciclo de desenvolvimento das políticas públicas do setor, inclusive para o 66 monitoramento e a avaliação das ações implementadas. No entanto o componente fundamental do processo de coleta e tratamento da informação são os servidores que exercerão suas atividades nessa área. Há que se ter uma densa preparação desse profissional haja vista as ferramentas e os instrumentos para execução das atividades informacionais apresentarem tecnologias de última geração, demandando, assim, profissionais com elevado nível de conhecimento. Com isso, apesar das limitações do poder público municipal, esse pode buscar construir sua base de dados com informações relacionadas ao contexto socioeconômico das áreas de maior incidência de crimes, como também, utilizando-se de ferramentas de georreferenciamento, identificar essas áreas a fim de alimentar os processos de planejamento de outros níveis estatais. Esse banco de dados deve conter, basicamente, a cartografia urbana, sistema de endereçamento, sistema viário, dados demográficos, além de toda a geografia das áreas finalitárias (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2004, p. 129-159). Nesse sentido, o Estado tem uma responsabilidade fundamental no desenvolvimento e implementação de políticas públicas que auxiliem na mitigação do medo do crime. Diversos tipos de intervenções podem gerar, nas potenciais vítimas, a sensação de segurança e, ao mesmo tempo, inibir a ação dos criminosos, ou até reduzir, efetivamente, os índices de criminalidade. De modo geral, alterações, nos desenhos ou na distribuição dos espaços urbanos, levam as pessoas a modificar suas percepções e seus comportamentos. Logo, conclui-se que é possível interferir na subjetividade docriminoso, em sua maneira de agir, ao se realizar alterações ambientais; como também no sentimento de insegurança das pessoas. Intervenções, tais como: a iluminação pública adequada e contínua; o paisagismo planejado não apenas para o aspecto estético, mas também com o objetivo de promover a vigilância natural; a adequada disposição dos equipamentos e espaços públicos que também pode influenciar nos índices de criminalidade, são medidas que podem colaborar para a diminuição das ações criminosas. Dessa maneira, o Estado, seja em que esfera for, tem condições de atuar, visando gerenciar o medo do crime com ações relativamente simples e exequíveis (EVANGELISTA, 2012, p. 198-201) . Promover a ampla visibilidade em todos os logradouros e em qualquer horário é uma medida que diminui a possibilidade de uma ação delituosa. Além disso, gera, nas pessoas, o sentimento de segurança. Mesmo que não seja possível fazer frente a um criminoso de forma direta, quando um ambiente está bem iluminado, natural ou artificialmente, existe a 67 possibilidade de que as pessoas vejam umas as outras; isso, por si só, já é uma circunstância dissuasória. As áreas escuras ou mal iluminadas das cidades são aquelas onde há maior volume de ocorrências criminais. Logo, o poder público deve manter em bom estado a iluminação pública visando facilitar o controle visual dos transeuntes. Quanto ao paisagismo, torna-se uma ferramenta de fundamental importância para dificultar as ações criminosas. Quando é bem planejado, transforma-se em um obstáculo natural, auxiliando na definição de limites de acesso a áreas a serem protegidas e, ao mesmo tempo, permitindo a visualização de todos os que usam essas áreas. Entretanto pode ter efeito contrário no caso de não passar por constante manutenção – a falta de manutenção provoca o crescimento desordenado da vegetação, causando um aspecto de desleixo e ausência estatal - haja vista poder tornar-se local de esconderijo e facilitador das ações delituosas (EVANGELISTA, 2012, p. 202-203). Com base no modelo preventivo, uma das soluções que têm sido utilizadas pelos municípios para colaborar com as ações de Segurança Pública é o monitoramento das cidades utilizando-se câmeras. Um exemplo dessa solução é o município de Ipatinga em Minas Gerais que, em parceria com a Polícia Militar do estado, adotou esse sistema. Foram instaladas 43 câmeras em toda a cidade, sendo 19 delas na região central. O projeto apresentou importantes resultados na mitigação das ações delituosas. A cidade fica no interior de Minas Gerais distando, aproximadamente, 200 km da capital. Apresentava, à época da implantação do projeto, aproximadamente 240.000 habitantes. A implantação ocorreu em dezembro de 2009 e apresentou redução, no período de 2009 a 2010, nos crimes da seguinte forma: redução de 38,71% nos roubos à mão armada entre 2009 e 2010; nos arrombamentos a residências ou comércio redução de 49,06%; quanto ao furto de veículos, diminuição de 45,15%. Lamentavelmente, por falhas de gestão, o programa passou a apresentar deficiências e devido à falta de recursos em alguns momentos sofreu paralisações já no ano de 2011 e chegando ao fim em agosto de 2012 (SARAIVA; SOARES, 2014, p. 14-17). 68 3.4. A relação entre a configuração urbana e a criminalidade De maneira geral, todo e qualquer objeto construído pelo ser humano tem a sua utilidade já definida e definitiva, tem uma operacionalidade própria, a qual não se questiona. A partir da correta junção de diversos componentes constituindo um determinado construto com sua funcionalidade intrínseca, é possível, em uma segunda etapa, acrescentar uma outra característica a esse objeto. Então, nesse processo, são adicionadas, por exemplo, características que não têm uma funcionalidade própria e direta, como os elementos estéticos. Logo, esses objetos, agora, carregam em si um repertório de características permeadas de significados, vinculados não mais à operacionalidade, mas também características que se vinculam a fatores identitários, culturais e sociais. Portanto, todo construto humano encerra em si dois domínios: um funcional e outro simbólico e, ao mesmo tempo, tornam-se um meio de eternizar aquelas época e sociedade na qual estão sendo produzidos (HILLIER; HANSEN, p. 1). Os edifícios, enquanto construtos humanos, estão inseridos nesse contexto. Entretanto essa inserção não é incontroversa, haja vista que os edifícios, ao serem construídos, acabam por também definir os espaços não construídos. Desse modo, emerge uma função secundária e indireta, resultante do ordenamento do espaço proporcionado pelo edifício, que é seu propósito primário. Não se objetiva o construto em si apenas, mas ele se torna um meio para um determinado fim. Portanto, o edifício também transforma o espaço através de si. Nessa conformidade, o edifício constrói a relação entre a função e o significado social. O ordenamento do espaço, resultante do construto, é reflexo do ordenamento das relações entre as pessoas. Com isso, as pessoas tornam-se tanto a matéria-prima quanto a forma do edifício. São produtos físicos resultantes de construção humana, mas também são produtos sociais, carregados da cultura dessa sociedade (HILLIER; HANSEN, p. 1-2). Nesse contexto, um outro aspecto a ser levado em consideração, nas ações de prevenção ao crime, é a configuração de todo o conjunto de elementos que formam a paisagem urbana. Essa percepção foi, gradualmente, sendo constituída com base nas observações e nos estudos de diversos atores4 do processo de discussão das cidades, como, por 4 Jane Jacobs (Ativista), Elizabeth Wood (Socióloga), Shlomo Angel (Pesquisador), C. Ray Jeffery (Criminólogo), Oscar Newman (Arquiteto), Paul e Patricia Bratingham (Criminólogos), Sally E. Merry (Antropóloga), Alice Coleman (Geógrafa), Timothy Crowe (Criminólogo) (MACHADO; NEVES, 2011, p. 32- 33). 69 exemplo, ativistas urbanos, pesquisadores, arquitetos, sociólogos, criminólogos, antropólogos, geógrafos de diversos países que foram responsáveis por construí-la. A partir daí, surgiram ideias que redundaram em conceitos como o de “espaço defensável” ou o de “prevenção do crime através do espaço construído” cuja sigla em inglês é CPTED (Crime Prevention Trough Environmental Design), que são as estratégias de configuração do espaço urbano para prevenção do crime mais utilizados, ultimamente, em vários países (MACHADO; NEVES, 2011, p. 30-33). Os principais elementos da estrutura urbana são as ruas e as calçadas. De maneira geral, ao se falar, em uma cidade, logo se imagina suas ruas. As ruas são o principal elemento de constituição simbólica. Uma cidade é considerada limpa se suas ruas são limpas, animada se suas ruas têm diversão; bonita se as pessoas que usam a rua são bonitas; segura se não há crimes nas ruas. Com isso, pode-se dizer que a cidade é a rua e, em consequência, as calçadas. De maneira geral, o medo da cidade nasce a partir das experiências inseguras, vivenciadas nas ruas. Logo, se não há experiências de medo, não há medo da cidade, ou, de fato, não há medo das ruas e calçadas. No entanto, basta uma experiência de violência, seja de que grau for, um assalto, um estupro, um furto, um homicídio, para que essa ganhe uma grande repercussão e acabe por se reproduzir ainda que virtualmente, resultando no esvaziamento da rua e em consequência no aumento da probabilidade de acontecer novos casos, e gerando um círculo vicioso de ausência das pessoas nas ruas e o aumento da criminalidade. Nesse contexto a manutenção da segurança das ruas e calçadas ocorre, fundamentalmente, pela presença e pelo uso das ruas pelas pessoas (JACOBS, 2003, p. 29-32). Jane Jacobs descreve uma situação emblemática em relação aessa assertiva: Frank Havey, diretor da União no North End, associação comunitária local, afirma,: “Moro no North End há 28 anos, e em todo esse tempo não ouvi falar de um só caso de estupro, roubo, abuso de criança ou outro crime urbano desse tipo. Se tivesse havido algum, eu teria sabido mesmo que os jornais não tivessem publicado.” Meia dúzia de vezes, nas três últimas décadas, diz Havey, supostos molestadores tentaram seduzir uma criança ou, altas horas da noite, atacar uma mulher. Em todos os casos, a tentativa foi frustrada por transeuntes, pessoas nas janelas e comerciantes (JACOBS, 2003, p. 34). Assim, para que uma rua seja segura, deve ter três características: (1) é necessário haver uma clara distinção entre o que é espaço público e espaço privado, de tal maneira que não pode haver margem para confusão; (2) toda e qualquer edificação deve ter muitas aberturas voltadas para a rua; com isso, a rua se torna alvo de diversos observadores; (3) a rua 70 deve ter muitos transeuntes o tempo todo a fim de promover a vigilância por parte deles, como também para atrair as pessoas das casas a se entreter com o movimento da rua, tornando-se, também, vigilantes dela, fazendo com que haja o maior número de olhos atentos. Com isso, é possível controlar o comportamento tanto dos moradores da localidade quanto dos estranhos, principalmente. Entretanto não é simples manter toda essa ocupação e vigilância das ruas. É necessário desenvolver ações que promovam a ocupação desse espaço. Uma das maneiras mais eficazes é a instalação de comércios os mais variados, como: bares, restaurantes, cafeterias, lanchonetes, lojas e tantos outros estabelecimentos que possam utilizar, também, as calçadas, ocupando-as com mesas. Isso torna essas localidades vivas, fazendo delas polos de atração para convivência entre as pessoas (JACOBS, 2003, p. 35-37). O conceito de “espaço defensável” é caracterizado, principalmente, por mudanças no desenho urbano e na participação efetiva das pessoas nas ações de vigilância da comunidade. Preconiza a adequada alocação das diversas componentes da estrutura urbana comunitária a fim de que os cidadãos possam ter o domínio visual das áreas circunvizinhas e das ruas, inclusive as áreas externas das casas e suas partes frontais e laterais. De maneira geral, a proposta é que as pessoas consigam manter o usufruto das áreas comuns sem a preocupação com a criminalidade. Propõe-se a ser um programa de ajuda mútua entre os moradores da comunidade e também uma ação social. Objetiva se antecipar às ações oficiais visando evitar as soluções de continuidade que ocorrem quando se dá a retirada da presença estatal em situações de contenção de gastos. Além disso, depende da participação de todos para que se consiga reduzir os índices de criminalidade, inibindo a presença dos criminosos. Tem a capacidade de agregar pessoas de diferentes níveis sócioeconômicos e de raças com o mesmo objetivo. Outrossim permite que as pessoas de menor poder aquisitivo se sintam incluídas (NEWMAN, 1996, p. 9). A estratégia de enfrentamento à criminalidade, conhecida como Crime Prevention Through Environmental Design (CPTED), surge no final dos anos 1960 e início dos anos 1970 com a percepção de que a configuração do espaço onde se vive tem o poder de influenciar o comportamento dos criminosos visando dissuadí-los ou persuadi-los a agir ou não em determinado local. Os rudimentos do conceito foram apresentados, nos anos de 1971 e 1973, por C. Ray Jeffery e Oscar Newman respectivamente (BELL, 2014, p. 1). Essa abordagem, atualmente, tem se tornado em todo o mundo uma das mais eficazes para a 71 redução dos índices de criminalidade e tem apresentado resultados muito significativos nos lugares mais diversos, desde pequenas lojas até comunidades inteiras. A ideia essencial é a de que o crime pode ser prevenido através da adequada distribuição das construções na área que forma a comunidade; isso permitiria, ao mesmo tempo, a redução do medo do crime como também do crime em si, promovendo melhoria na qualidade de vida da população (CROWE; ZAHM, 1994, p. 22). Essas abordagens se fundamentam sobre quatro pilares principais: (1) a vigilância natural exercida pelos próprios usuários dos espaços, de modo que a simples presença dos transeuntes e a mútua observação podem intimidar um criminoso; (2) o controle do acesso a determinados locais através de barreiras naturais ou artificiais com o objetivo de definir limites, o que pode causar, no potencial criminoso, a sensação de estar sendo monitorado por haver ultrapassado um determinado limite; (3) o comportamento territorial das pessoas através da sensação de pertencimento e de identificação com um determinado local as torna mais responsáveis com a atenção e o cuidado a esse local, logo isso se torna perceptível e pode dissuadir um possível infrator; e por fim (4) a adequada manutenção dos espaços bem como o zelo por parte dos usuários leva as pessoas a agirem da mesma maneira, causando uma sensação de segurança. Para tanto, é possível se fazer da seguinte maneira: Controle de acesso usa portas, arbustos, cercas, portões e outros elementos de design físico para desencorajar o acesso a uma área por todos, exceto pelos usuários pretendidos. A vigilância é conseguida através da colocação de janelas em locais que permitem que os usuários pretendidos para ver ou ser visto, garantindo que os intrusos serão observados também. A vigilância é reforçada por fornecer iluminação adequada e paisagismo que permitem vistas desobstruídas. Finalmente, o território é definido por calçadas, paisagismo, varandas e outros elementos que estabelecem as fronteiras entre áreas públicas e privadas. Estas estratégias trabalham juntas para criar um ambiente no qual as pessoas se sintam seguras para viver, trabalhar, viajar ou visitar (CROWE; ZAHM, p. 22-23). (Tradução nossa) Portanto, é possível concluir que a disposição, ou o desenho do espaço urbano tem relação com a questão da segurança pública, em especial o caráter preventivo das abordagens apresentadas, e particularmente na promoção da sensação de segurança da população (MACHADO; NEVES, 2011, p. 35-36). É importante esclarecer que as abordagens, acima descritas, baseiam-se em observações empíricas que mostram, por exemplo, que a configuração de uma rua que facilite o acesso às casas e a fuga de um potencial criminoso pode encorajá-lo a agir naquela via. Ou, 72 ainda, uma rua cujo uso tenha elementos que atraiam a atenção, como comércio volumoso e concentrado, ou grande fluxo de dinheiro. Uma rua com essa característica tem uma incidência de crimes bem maior que uma com características industriais. Acúmulo de lixo e de entulhos, ao longo das vias, serve como pontos de esconderijo ou de dissimulação. Bares, boates, raves, bailes ao ar-livre são lugares que têm o potencial de gerar crimes, enquanto que casas lotéricas, bancos, casas de câmbio, terrenos baldios são locais com potencial de atrair os crimes (TABANGIN; FLORES; EMPERADOR, p. 31, 2008). As estratégias de prevenção à criminalidade, baseadas no conceito denominado CPTED, se tornaram bastante populares em todo o mundo, sendo utilizadas, em larga escala, por diversos países5 para mitigar os problemas provenientes de áreas deterioradas que sofrem com a criminalidade. De maneira geral, a população dessas áreas mais expostas ao crime apresenta uma maior tendência ao medo do crime. Ambientes como esses prejudicam mental e fisicamente seus moradores que acabam por não utilizar as ruas para a prática de atividades físicas. Com isso, diversos projetos de prevenção ao crime foram baseados nas abordagens do padrão CPTED para reduzir índices, mitigar a sensação de insegurança e gerar ambientes seguros para o usufruto dosurbanitas. No entanto, em pesquisa6 realizada na cidade de Seul na Coréia do Sul, alguns resultados revelaram que parte das medidas preconizadas pelo padrão CPTED são eficazes e parte delas não são tanto quanto as outras. Assim, circuitos fechados de TV, iluminação pública e a manutenção das ruas são medidas importantes na diminuição do medo do crime. No entanto, outras medidas, tais como: cercas removíveis, cercas que permitem a visualização externa e interna, pavimentação de ruas, estacionamentos comunitários e centros comunitários têm pouca eficácia. Com isso, esses resultados são importantes para a reavaliação do modelo CPTED (LEE; PARK; JUNG, 2016, p. 12-13). 5 Diversos estudos e aplicações do padrão CPTED foram realizados em países como Estados Unidos, Inglaterra, Canadá, Austrália, Nova Zelândia, Holanda, França, Alemanha, Espanha (FERREIRA, 2013, p. 108) 6 LEE, J. S.; PARK, S.; JUNG, S. Effect of crime prevention through environmental design (CPTED) measures on active living and fear of crime. Basel: MDPI, 2016. 73 4. NATAL: URBANIZAÇÃO, TRANSFORMAÇÃO, MERCANTILIZAÇÃO Este capítulo tem como objetivo apresentar as características da cidade de Natal em seus aspectos socioeconômicos, demográficos, geográficos e administrativos, outrossim os números que caracterizam o cenário da criminalidade. Natal não está fora do que se poderia chamar de “circuito do medo” da criminalidade urbana. Esse fenômeno tem um caráter ubíquo, ou quase isso. Essa sensação de se estar inseguro nos mais diversos lugares ou, mormente, em determinados lugares com características específicas, ocorre não só nos países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, mas também e, cada vez mais, nos países desenvolvidos. De maneira geral, resulta não apenas dos casos objetivos de vitimização como também ultrapassa os limites individuais e atinge a sociedade como um todo, tornando seus membros vítimas invisíveis, não materiais. Os meios de comunicação colaboram, decisivamente, para esse cenário ao apresentar, em noticiários sensacionalistas, os acontecimentos cotidianos com um verniz de entretenimento e não de comunicação social. Como consequência, tem-se uma sociedade que vive sob uma aura de medo que define comportamentos e pode desencadear uma série de doenças psicossomáticas (AGUIAR, 2008, p. 1; SOARES; MIRANDA; BORGES, 2006, p. 52-57). O capítulo também tem como finalidade apresentar como se deu o processo de urbanização da cidade, processo esse que tem influência direta sobre a criminalidade. Apesar de tardio pelo fato de ser uma cidade distante dos polos dinâmicos da economia brasileira, a urbanização de Natal não foi, ou está sendo, muito diferente de outras cidades que já consolidaram seu processo. Segregação social e espacial e gentrificação são sua tônica. Tendo início, efetivamente, em meados do século XX logo após o fim da Primeira Guerra Mundial, especialmente, com diversos marcos, como: a instalação da Base Aérea de Parnamirim e da Base Naval de Natal, a criação da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) e o Banco Nacional de Habitação (BNH). Merece destaque o período entre 1940 e 1950 quando ocorreu a duplicação da população (SANTOS, E., 2016, p. 41-43). 74 4.1. Evolução urbana e caracterização sóciodemográfica Natal é a capital do estado do Rio Grande do Norte e está localizada no litoral leste do estado. Possui uma área de 168,53 km2, sua população é de, aproximadamente, 869.954 habitantes, a densidade demográfica é de 5.201 hab/km2 e a taxa de crescimento no período entre 2010 e 2015 foi de 1,60% (NATAL, 2015, p. 65-69). Seu PIB foi de R$ 19.992.607.000 em 2013 o que equivale a 16a posição em relação às capitais e 36a posição em relação aos outros municípios brasileiros (IBGE, 2015, p. 30). O Índice de Desenvolvimento Humano de Natal era 0,664 em 2000 e, em 2010, passou para 0,763, considerado alto. O indicador que mais contribuiu para esse aumento foi o de Educação. A cidade com esse índice ocupa a 320a posição entre os municípios brasileiros segundo o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM7). A esperança de vida ao nascer, ou a dimensão Longevidade que compõe o IDHM, cresceu 5 anos entre 2000 e 2010, foi de 70,1 anos para 75,1 anos. A mortalidade infantil decresceu nesse período de 32 óbitos por mil nascidos vivos para 14,4. Outro indicador que decresceu foi o índice de Gini8 que, em 2000, era de 0,63 e, em 2010, passou a 0,60 (ATLAS DO DESENVOLVIMENTO HUMANO NO BRASIL9). A cidade de Natal teve origem com a construção da Fortaleza dos Reis Magos que teve início em 6 de janeiro de 1598. Uma construção militar com o objetivo de proteger a foz do Rio Potengi dos diversos invasores que tentaram conquistar o território e, também, marcar a posse da região por parte das coroas ibéricas que, à época, estavam unidas. No ano seguinte, em 25 de dezembro, é fundada, oficialmente, a cidade. Essa edificação e posterior ocupação foram resultado de uma determinação do rei Felipe II, que regia Portugal e Espanha, para que ocorresse a efetiva ocupação da capitania do Rio Grande do Norte. Isso se deu em decorrência das diversas tentativas de invasão perpetradas pela França e a invasão realizada pela Holanda. 7O Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) é uma medida composta de indicadores de três dimensões do desenvolvimento humano: longevidade, educação e renda. O índice varia de 0 a 1. Quanto mais próximo de 1, maior o desenvolvimento humano. Fonte: PNUD. 8 É um instrumento para medir o grau de concentração de renda em determinado grupo. Ele aponta a diferença entre os rendimentos dos mais pobres e dos mais ricos. Numericamente, varia de zero a um (alguns apresentam de zero a cem). O valor zero representa a situação de igualdade, ou seja, todos têm a mesma renda. O valor um (ou cem) está no extremo oposto, isto é, uma só pessoa detém toda a riqueza. Fonte: PNUD. 9 O Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil engloba o Atlas do Desenvolvimento Humano nos Municípios e o Atlas do Desenvolvimento Humano nas Regiões Metropolitanas. O Atlas é, uma plataforma de consulta ao Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) de 5.565 municípios brasileiros, 27 Unidades da Federação (UF), 20 Regiões Metropolitanas (RM) e suas respectivas Unidades de Desenvolvimento Humano (UDH). O Atlas traz, além do IDHM, mais de 200 indicadores de demografia, educação, renda, trabalho, habitação e vulnerabilidade, com dados extraídos dos Censos Demográficos de 1991, 2000 e 2010. É elaborado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD, pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA e pela Fundação João Pinheiro – FJP do governo do estado de Minas Gerais. Fonte: PNUD. 75 Através da repartição de terras para os colonos oriundos da península ibérica é que se dá, de fato, a ocupação por meio do estatuto das sesmarias. Natal se desenvolve, inicialmente, às margens do rio Potengi, particularmente na área onde hoje é o porto e também no chamado, à época, e, até hoje, Passo da Pátria. A Cidade Alta e a Ribeira são os primeiros bairros da cidade (TEIXEIRA, 2015, p. 2-3). Um efetivo e significante crescimento populacional e urbano em Natal só veio a ocorrer no final do século XIX e início do século XX, quando surgiram vários elementos dinamizadores da economia e, em consequência a atração de migrantes para a cidade, imprimindo uma maior intensidade ao processo de crescimento. Alguns desses elementos foram: a Junta Comercial de Natal, responsável por fomentar o crescimento do comércio, as primeiras indústrias, diversos estabelecimentos de ensino, além de vários órgãos públicos federais civis e militares. Os serviços de iluminação pública e água encanada surgem,respectivamente, em 1859 e 1882. Esse crescimento também se deu pelo fato de Natal ter se tornado o principal entreposto comercial e a capital da capitania. Outro aspecto a ser considerado é o intenso processo migratório, resultante dos seguidos períodos de seca na região semiárida. Assim, Natal se torna, como é intrínseco às cidades, especialmente, as capitais, um lugar de acolhimento dos sonhos de adequada sobrevivência e de vida mais digna para os que deixam seu lugar rural (ARAÚJO, 2014 p. 46; SANTOS, E., 2016, p. 42). Ainda no início do século XX, os governos provinciais passam a ter mais autonomia política e financeira com o fim do Império e a implantação da República. Com isso, a cidade começa a ser pensada e planejada. A administração local, à época, então cria o novo bairro denominado Cidade Nova, cuja configuração é baseada em modelos racionalmente planejados. Entretanto, como é próprio das elites que detinham o poder, o novo bairro foi construído com base em desocupações, na verdade expulsões, de moradores de menor poder aquisitivo. Esses moradores que habitavam barracos, casebres ou cabanas deslocando-os para locais sem nenhuma infraestrutura concorreram para que houvesse uma incipiente favelização em áreas como a Praia do Meio e o Passo da Pátria, sinalizando, assim, uma deliberada ação oficial de segregar social e espacialmente essa população menos favorecida. Ao mesmo tempo, a ação tinha um caráter higienista. A pretensão era oferecer à elite natalense uma área afastada do bairro central que já estava tomado por moradias sem adequadas condições sanitárias. Ademais, não havia interesse em organizar o espaço urbano; na verdade, o objetivo 76 era meramente estético. O projeto do novo bairro ficou conhecido como Plano Polidrelli ou Master Plan Polidrelli por haver sido idealizado pelo agrimensor italiano Antônio Polidrelli. Essa intervenção tornou-se referência para outras seguintes e estabeleceu o padrão de largas avenidas na cidade (NATAL, 2007, p. 18-21). Após essas ações, novas intervenções de vulto só foram realizadas na década de 1920. Daí, emerge uma preocupação com as condições sanitárias da cidade, a preocupação com ações que prevenissem as doenças, decorrentes da falta de água tratada e do adequado descarte dos esgotos. Com isso, surgem medidas sanitárias de caráter preventivo. Ainda nesse período, surge o Plano Geral de Sistematização de Natal, elaborado pelo arquiteto italiano Giácomo Palumbo. O plano teve como objetivo preparar a cidade para uma população de 100.000 habitantes e, naquele final de década, tinha, apenas, 35.000. A ideia fundamental do plano era a inserção da cidade na modernidade com base na técnica e estética urbanísticas da época. Destaque-se o fato de que era um plano claramente de estado. O gestor, à época, e idealizador das mudanças pensou em um conjunto de intervenções que pudessem ser executadas não apenas no período de sua gestão, mas também ao longo dos anos e envolvendo outros administradores que viessem. Ou seja, uma incipiente configuração de um real planejamento urbano, com a sugestão, inclusive, de criar uma comissão exclusiva para a implementação do plano (FERREIRA; DANTAS, 2012, p. 5-8). A terceira intervenção de grande monta ocorreu sob o regime ditatorial militar. Em 1968, na administração do prefeito Agnelo Alves é desenvolvido e tem início a implementação do Plano Urbanístico e de Desenvolvimento de Natal. Considerado, por estudiosos do urbanismo, tais como Pedro Lima e João Maurício, o primeiro Plano Diretor de Natal, haja vista haver sido elaborado com base em levantamentos de dados e pesquisas de campo. Apesar de não ter a participação popular, foi, de fato, tido como inovador para o urbanismo da cidade. Esse plano foi responsável por formar um corpo técnico preparado para as ações de planejamento urbano da municipalidade (NATAL, 2007, p. 31-34). Em 1974, surge o primeiro Plano Diretor da cidade, sendo seguido por diversos outros até hoje. Foi elaborado por uma equipe própria da prefeitura. Apresentou poucas inovações em relação ao ordenamento urbano e do ponto de vista estrutural. O plano seguinte foi implementado, em 1984, regulamentava a ocupação do solo, incluindo o zoneamento da região administrativa norte. O Plano Diretor de 1994 apresenta uma característica inovadora 77 haja vista contar com a participação popular em sua elaboração. Tinha preocupação com as questões da sustentabilidade, social e com a qualidade de vida da população. Em 2007, ocorre uma revisão desse plano ficando contemplados, de forma mais aprofundada, a regularização fundiária e a questão ambiental; além disso, o macrozoneamento, gabarito das edificações e as zonas de proteção ambiental são mais bem explicitados e detalhados (TAQUARY; FAGUNDES, 2010, p. 3-5). A Segunda Guerra Mundial imprimiu a Natal um intenso dinamismo econômico, social e urbano. Devido a sua posição geográfica estratégica, a cidade, mais precisamente, o distrito de Parnamirim recebeu a construção de uma Base Aérea norte-americana que foi responsável por atrair um grande número de militares. Ao mesmo tempo ocorreu uma intensificação da migração de outras cidades, especialmente das regiões semiáridas, para a capital e também para Parnamirim, provocada pela possibilidade de ter renda devido ao, então, grande volume de dinheiro circulante. Em consequência, ocorre um crescimento populacional vertiginoso no período compreendido entre as décadas de 1940 e 1950 10, indo de 54.836 habitantes para 103.215. No início desse período, a área da cidade compreendia os bairros da Ribeira, Cidade Alta, Rocas, Petrópolis e Alecrim, aproximadamente 90 km2. Como resultado dessa intensa procura, já não havia espaço suficiente para abrigar todos os que acorriam para a capital. Em decorrência, tem início a ocupação das áreas periféricas da cidade que se tornam grandes loteamentos. Todos eles sem nenhuma infraestrutura, seja por conveniente inércia ou por falta de qualificação do poder público. (FERREIRA; MEDEIROS; QUEIROZ, 1992, p. 180-181; OLIVEIRA; PONTUAL, 2005, p. 1). O processo de urbanização de Natal teve continuidade seguindo, inicialmente, o eixo sul da cidade. Isso se deu em virtude, principalmente, da pretérita dinâmica econômica, promovida pela presença da Base Aérea de Parnamirim, que foi responsável por fazer essa ligação. Em um segundo momento, essa urbanização segue para as demais regiões administrativas sobressaindo a região Norte. Importante destacar que o processo de expansão urbana foi eminentemente horizontal, resultando em elevados custos de infraestrutura, como também assentou-se, fundamentalmente, na ideia de ocupação de áreas periféricas, distantes do centro da cidade. Como é próprio da produção capitalista da cidade, essa expansão urbana promoveu, concomitantemente, em larga medida, um processo de segregação sócioespacial. 10 Fonte: IBGE, Censo Demográfico 1940, 1950. Disponível em: <http://www.censo2010.ibge.gov.br/sinopse/index.php?dados=6&uf=00>. 78 Dessa forma, os conjuntos habitacionais, construídos com o financiamento do BNH (Banco Nacional de Habitação), se caracterizaram, especialmente e de forma explícita, por distribuir, espacialmente, os mais pobres em áreas com menor infraestrutura e mais distantes, e os com maior renda de modo contrário (MEDEIROS, 2015, p. 108). O Mapa 1, abaixo, apresenta a atual distribuição da população na cidade por bairros, sobressaindo os bairros com maior densidade demográfica nas regiões: Norte com os bairros de Igapó, N. S. Da Apresentação, Pajuçara, Potengi e Lagoa Azul; Leste com os bairros de Mãe Luíza, Areia Preta, Rocas e Praia do Meio; Oeste os bairros de Dix-sept Rosado, Quintas, N. S.Nazaré, Cidade da Esperança e Felipe Camarão; já a região Sul, de maneira geral, não apresenta destaque quanto à densidade demográfica. 79 Mapa 1 – Densidade Demográfica de Natal, por Bairro, 2014. Fonte: SEMURB, 2015. 80 4.2. A criminalidade na cidade Como não poderia ser diferente, a cidade de Natal está inserida nesse contexto da criminalidade urbana patogênica. À guisa de contextualização, observado-se os dados referentes a homicídios em Natal, no período de 2005 a 2014, a quantidade de homicídios passou de 144 para 557. Isso representou um crescimento no número de homicídios da ordem de 386,8%, ou seja, um aumento totalmente díspar quando comparado aos números do Brasil. O país, nesse mesmo período, foi de 47.578 para 59.681 homicídios, o que representa um incremento de 25,4%11. De maneira geral, há que se destacar o fato de que, entre o início dos anos 2000 e o início dos anos 2010, as taxas de homicídio apresentaram uma inversão na relação entre as regiões Sudeste e Nordeste. O gráfico 1 aponta esse salto nos números de homicídios ocorridos na região Nordeste. Isso, por si só, já denota um deslocamento da criminalidade de caráter regional (RIO GRANDE DO NORTE, 2015, p. 6-7). Gráfico 1 – Taxas de homicídio, por Regiões do Brasil (2010-2012) Fonte: Diagnóstico da Situação da Segurança Pública no Rio Grande do Norte, 2015. 11 Os dados referentes a homicídios foram retirados do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS) no site http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?sim/cnv/ext10br.def. Os dados do Datasus/MS, tratam das agressões que resultaram em morte, conforme a Classificação Internacional das Doenças número 10 (CID- 10), que desde 1996 vigora no âmbito das informações sobre mortalidade por‐ causas externas no âmbito da Saúde Pública e que eram anteriormente chamadas de homicídios até a CID- 9.‐ Entretanto para melhor compreensão será utilizado nesse trabalho o vocábulo homicídio. 81 Nesse período de 2000 a 2012, tendo como referência exclusivamente a região Nordeste, todos os estados, exceto Pernambuco, apresentaram uma linha ascendente nas ocorrências de homicídio. O Gráfico 2, abaixo, corrobora essas informações. Gráfico 2 – Taxas de homicídio, região Nordeste do Brasil (2000-2012) Fonte: Diagnóstico da Situação da Segurança Pública no Rio Grande do Norte, 2015. Gráfico 3 – Taxas de Homicídio, comparando Brasil, região Nordeste, Rio Grande do Norte, Região Metropolitana de Natal, e Natal (1996 – 2013). 82 Fonte: Diagnóstico da Situação da Segurança Pública no Rio Grande do Norte, 2015. Confrontando os números de homicídios, no período de 1996 a 2013, no Gráfico 3 acima, entre o Brasil, a região Nordeste, o Estado do Rio Grande do Norte, a Região Metropolitana de Natal (RMN) e Natal, é possível observar que os índices do país e do Nordeste eram maiores que os índices do Estado, da Região Metropolitana e da Capital. Entretanto, o Brasil, em certa medida, permanece estável e o Nordeste apresenta um crescimento lento, gradual e contínuo ao longo desse período. Enquanto o Estado, a RMN e a capital apresentavam os mesmos índices e uma certa estabilidade com pequenas oscilações, contudo em meados do período considerado tem início uma repentina tendência de crescimento que se acentua ao longo do tempo. Essa tendência se confirma a ponto de ocorrer o descolamento dos índices nacional e regional. Outrossim, a RMN e Natal apresentam uma tendência ainda mais forte de crescimento chegando ao número de 62,30 óbitos por 100.000 habitantes, o que dá, aproximadamente, 6 vezes mais do que recomenda a OMS (Organização Mundial de Saúde) que é 10 óbitos por 100.00012. As taxas de homicídios, apresentadas na Tabela 1, contribuem para uma maior clareza na compreensão do estado em que se encontram os homicídios no Rio Grande do Norte, na RMN e, particularmente, em Natal em relação ao Brasil e à região Nordeste, mostrando o exacerbado incremento ocorrido naqueles (RIO GRANDE DO NORTE, 2015, p. 7-8). Tabela 1 – Taxas de homicídio, comparando Brasil, Região Nordeste, Rio Grande do Norte, Região Metropolitana de Natal e Natal 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 RN 9,4 9,1 8,5 8,4 9,3 11,4 10,5 14 11,6 Natal 14,8 14,5 14,4 7,8 6,7 12 13,1 18,5 12,3 RMN 13,4 13,4 12,8 8,1 9,1 13,2 11,5 15,5 12,7 Nordeste 18,2 19,3 18,5 17,6 19,4 21,9 22,5 24 23 Brasil 24,8 25,4 25,9 26,2 26,8 27,9 28,5 29,1 26,9 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 RN 13,5 14,9 19,1 23 25,5 25,6 33 34,79 42,86 Natal 17,2 18,9 25,7 31,8 36 36,5 45,5 50,03 56,8 RMN 15,6 17,2 23 29,8 33,2 31,5 41,6 47,71 59,36 Nordeste 25,6 28 29,6 32,2 33,5 35,7 36,4 38,02 39,46 Brasil 26,1 26,6 25,5 26,7 27,2 27,8 27,4 29,05 29,26 12 A informação referente à taxa de homicídios recomendada pela OMS foi obtida no Observatório de Segurança Pública da UNESP, através do site http://www.observatoriodeseguranca.org/node/3960. 83 Fonte: Diagnóstico da Situação da Segurança Pública no Rio Grande do Norte, 2015. Ainda em relação aos homicídios, o Gráfico 4 apresenta a disparidade entre as taxas de homicídios entre homens e mulheres na RMN. Há uma evidente responsabilidade dos homens no incremento desses números (ANDRADE; SOUZA; FREIRE, 2013, p. 80). Gráfico 4 – Taxas de homicídios por 100.000 habitantes, na Região Metropolitana de Natal, comparando número de homicídios entre homens e mulheres Fonte: Homicídios nas Regiões Metropolitanas de Natal, Observatório das Metrópoles, 2013. É interessante observar que há uma expressiva tendência de crescimento das taxas de homicídios masculinas que se coadunam com as taxas globais referentes à RMN e à Natal. Nessa conformidade, é possível inferir que o principal elemento, responsável pelo crescimento global dos homicídios nessas regiões, são aqueles que envolvem o gênero masculino. Com isso, a probabilidade de morte masculina por homicídio, em 1998, era de 14,86 vezes maior que a de uma mulher ser vítima de homicídio. A Tabela 1 mostra essa relação ao longo do período compreendido entre os anos de 1998 e 2007. Diversos fatores contribuem para esse fenômeno, mormente, o envolvimento maior de homens com o tráfico de drogas; no entanto há fatores contribuintes que são de menor importância como a necessidade de autoafirmação masculina e a facilidade do acesso a armas de fogo. Esse fenômeno vem impactando, diretamente, os números da População Economicamente Ativa. 84 Os homens jovens são as principais vítimas de homicídios, concentrando-se na faixa etária de 15 a 29 anos na RMN (ANDRADE; SOUZA; FREIRE, 2013, p. 81-83). Há, no país, um acelerado processo de mortes de jovens, ocasionando não apenas a vitimização direta, mas também redundando em uma série de vítimas indiretas dessas mortes. A melhoria nos índices de nascidos vivos e na diminuição das mortes de jovens foi elemento que contribuiu para dinamizar o desenvolvimento econômico dos países que promoveram essas mudanças (SOARES, 2003, p. 22), Tabela 2 - Índice de vitimização masculina por homicídio e razão entre os riscos de mortalidade por homicídio masculina e feminina na Região Metropolitana de Natal – 1998- 2007 Fonte: Homicídios nas Regiões Metropolitanas de Natal, Observatório das Metrópoles, 2013. Em relação aos latrocínios, a Tabela 2 aponta para um gradual crescimento, não obstante a falta de informações relativa ao ano de 2011, baseado nos anos de 2012 com uma taxa de 0,28, de 2013 com uma taxa de 0,3 e de 2014 com uma taxa de 0,6. O período que compreende o ano de 2013 ao ano de 2014 apresentou um aumento da ordem de 100% no número de latrocínios. Isso associado aos índices de homicídios demonstra essa tendência de aumento da criminalidade na RMN e em Natal em alguns aspectos, apesar das taxas relativamente estáveis emnível nacional. Tabela 3 - Número de registros de ocorrências de roubos seguidos de morte (latrocínios) e taxa por 100 mil habitantes referente aos anos de 2011 a 2014, no Rio grande do Norte e no Brasil. 2011 2012 2013 2014 85 Registro de Ocorrência Taxa por 100 mil habitantes Registro de Ocorrência Taxa por 100 mil habitantes Registro de Ocorrência Taxa por 100 mil habitantes Registro de Ocorrência Taxa por 100 mil habitantes NI NI 9 0,28 11 0,3 20 0,6 1454 0,72 1725 0,85 1806 0,89 1762 0,87 Fonte: Portal SINESP, SENASP, Ministério da Justiça, 2016. De maneira geral, os Crimes Violentos Letais Intencionais (CVLI13), segundo a Secretaria de Segurança Pública do Estado do Rio Grande do Norte (RIO GRANDE DO NORTE, 2015, p. 7) apresentaram um decréscimo de 14,7% em 2015 na comparação com 2014. Gráfico 5 – Quantidade de Crimes Violentos Letais Intencionais em 2015, comparado com 2014 por Região Administrativa de Natal e sua variação. Fonte: Secretaria de Segurança Pública do Rio Grande do Norte, Relatório Anual de CVLI - 2015 É interessante destacar que o tipo de crime com mais volume de ocorrências, no Gráfico 6, apresenta os números absolutos dos CVLI por tipo de ação criminosa, mostrando a acentuada discrepância entre a quantidade de homicídios e os demais crimes, apesar do decréscimo de 10% no período aferido. Em relação à composição dos CVLI's, a taxa de homicídio representou 84,9%, enquanto os outros crimes representaram juntos 14,1%. Distribuídos por lesão corporal seguida de morte com 4,2%, latrocínio 3,5%, as ações típicas 13 A categoria “Crimes Violentos Letais Intencionais” abrange os crimes de: Homicídio doloso, Roubo seguido de morte ou Latrocínio, Lesões seguidas de morte e Mortes a esclarecer (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2006, p. 12). 86 de Estado 3,9%, os feminicídios 3,3% e os demais 0,2%. Em 2015, mais uma vez, a componente de maior expressão, no conjunto dos Crimes Violentos Letais Intencionais, é o homicídio com 81,5%; os demais representaram: a lesão corporal seguida de morte 8,1%; latrocínio 3,5%; a ação típica de Estado 4,6%; o feminicídio 2,2%; e as outras causas 0,06%. Os dados apontam para uma redução nos homicídios em 10,0%, um extremo crescimento em termos percentuais nas lesões corporais seguidas de morte, nos latrocínios uma redução de 6,5%, as ações típicas de Estado tiveram um crescimento de 10,1%, os feminicídios um decréscimo bastante significativo da ordem de 36,2% e as outras causas, uma expressiva redução de 75,0% . Gráfico 6 – Crimes violentos letais intencionais por tipo de ação criminosa em comparação com o ano de 2014. Fonte: Secretaria de Segurança Pública do Rio Grande do Norte, Relatório Anual de CVLI – 2015 A criminalidade no Rio Grande do Norte e, mais especificamente em Natal, tem se intensificado, motivada pela ausência de investimentos em outras macroestruturas, da adequada gestão dos recursos investidos no setor de segurança pública ao longo dos últimos 25 anos. De fato, houve investimentos, no entanto isso não se refletiu em melhoria nos índices de criminalidade. Outrossim, todo o aparato de segurança pública, isto é, as polícias civil e militar e a estrutura organizacional da secretaria de segurança não se modernizaram em termos gerenciais e estruturais. O levantamento de dados, bem como seu tratamento são 87 arcaicos, consequentemente impedindo os adequados diagnósticos, elaboração e implementação de ações públicas. Dessa forma, ocorreu uma complexificação da dinâmica do crime, particularmente no âmbito do tráfico de drogas e dos roubos a bancos, entretanto o Estado, de maneira geral, se manteve inerte. Some-se a isso o fato de que há um déficit no número de policiais e suas remunerações estão aquém da realidade nordestina (RIO GRANDE DO NORTE, 2015, p.126-127). Um outro aspecto a ser considerado é o modelo de duas polícias: uma preventiva/ostensiva; a outra repressiva/judiciária. Com isso, as ações de persecução criminal sofrem solução de continuidade, tendo em vista não haver ligação entre ambas instituições. São organismos estanques com formações diferenciadas e que desempenham papéis bastante delimitados legalmente. Além disso, há uma questão de “ego” que envolve principalmente a cúpula das duas instituições, que não fazem nenhum esforço para romper esses obstáculos por receio de perderem poder. Como resultado disso tem-se uma solução incompleta ou claudicante que não atende ás necessidades da população baseada especialmente em ações reativas que não atingem os objetivos desejados (HERMES, 2013, p. 20). Em termos gerenciais, urge destacar que o estado não possuía, até 2014, um Plano de Segurança Pública, instrumento necessário para acesso aos recursos federais do Fundo Nacional de Segurança Pública. Outros instrumentos preconizados pela União para a adequada gestão das políticas de Segurança Pública são: o Plano de redução/prevenção de homicídios, a Lei de Diretrizes/Plano Diretor de Segurança Pública e o Fundo Estadual de Segurança Pública, no entanto o Estado do Rio Grande do Norte não possuía nenhum deles até 2014 (IBGE, 2014, p. 75). É importante, também considerar os efetivos policiais atuais. Tanto a Polícia Militar, a Polícia Civil, como também a Guarda Municipal, segundo seus representantes nas entrevistas realizadas, apresentam déficits de servidores. A Polícia Militar do Rio Grande do Norte dispõe, atualmente, de 8.926 policiais o que equivale a 1 policial para cada 378 habitantes. A Organização das Nações Unidas (ONU) recomenda, como ideal, a relação de 1 policial para cada 450 habitantes, o que colocaria o Rio Grande do Norte em uma posição satisfatória nesse aspecto (MARTINS, 2015). Vale ressaltar que, desses policiais, aproximadamente, 500 se encontram em desvio de função em outros poderes. Isso aumentaria um pouco a relação, sem contudo afetar em demasia a posição do Estado. Por seu turno, a Polícia Civil dispõe de 1.929 servidores entre agentes, escrivães e delegados. Entretanto para 88 a Polícia Civil a quantidade de servidores mínima ideal seria de 5.000 servidores. De fato, a Polícia Civil é a instituição com maior dificuldade em termos de efetivo, pois, além dos serviços intrínsecos a ela, há ainda o problema da vultosa quantidade de presos nas delegacias. Quanto à Guarda Municipal de Natal, segundo seu Comandante, essa possui 460 servidores, o ideal, de acordo com a legislação municipal, seriam 680 e, com a promulgação da Lei 13.022/2014 que dispõe sobre o Estatuto Geral das Guardas Municipais, o efetivo ideal seria 1.700 servidores. A Tabela 4 apresenta as quantidades de Policiais Militares e Civis, por sexo, nas Unidades da Federação e seus índices de policiais por habitantes (ANUÁRIO BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA 2015, p. 94; IBGE, 2015, p. 80; RIO GRANDE DO NORTE, 2015, p. 85). 89 Tabela 4 – Efetivos da Polícia Militar e da Polícia Civil, por sexo, segundo as Grandes Regiões e as Unidades da Federação – Brasil – 2014 Fonte: Perfil dos Estados e dos Municípios Brasileiros 2014, IBGE, 201514. Todos esses elementos têm contribuído de forma decisiva, para o aumento da criminalidade em Natal, de modo especial em relação aos homicídios que cresceram exacerbadamente. Como tem ocorrido em outras cidades, a má gestão dos poderes públicos 14 Informação retirada da Publicação: “Perfil dos Estados e dos Municípios Brasileiros 2014”. Publicado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE em 2015. Disponível em: <http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv94541.pdf>. Acesso em: 26 jan. 2017. 90 estadual e municipal em relação às suas competências constitucionais têm fomentado a criminalidade violenta na cidade, mormente, no caso da Prefeitura deNatal, que não tem percebido a importância do cuidado com os espaços públicos para a promoção de uma sensação de segurança. Tem sido recorrente a falta de manutenção com os equipamentos públicos, tais como: praças, ajardinamentos, ruas. As recém-implantadas academias da terceira idade estão, em alguns casos, mal manutendidas e suas áreas ocupadas por usuários de drogas, e isso tem afastado a população desses locais. Esse fator tem sido um dos principais causadores do não uso, por exemplo, dos calçadões para caminhadas, visto que causam medo nos usuários. O Estado, por sua vez, tem sido impotente para elaborar planos de segurança compatíveis não só com as orientações da SENASP mas também com os conhecimentos científicos internacionalmente utilizados nessa área. Com isso, entende-se, como fundamental, a compreensão dos poderes públicos municipais, visando atuar com base em procedimentos científicos para o atingimento dos objetivos almejados pela população. 91 5. DOIS OLHARES SOBRE A SEGURANÇA PÚBLICA O presente capítulo tem a finalidade de problematizar e analisar15 as respostas emitidas pelos entrevistados às perguntas que lhes foram formuladas. A partir dessa tarefa, objetiva-se, então, buscar percepções e compreensões dos entrevistados a respeito da temática tratada pela presente investigação. Com base na escuta e observação detalhadas das falas, serão buscadas as suas semelhanças e dessemelhanças para, em seguida, fazer as inferências que corroborarão, ou não os pressupostos anteriormente apresentados, tendo, como lastro, todo o aparato conceitual, bem como os dados e informações expostos ao longo do trabalho e cotejando-os com as falas das entrevistas. Assim, pretende-se alcançar a confirmação ou a infirmação das teses levantadas e dos pressupostos discutidos nessa investigação (ALVES; SILVA, 1992, p. 61-62). É importante destacar que foram entrevistados dois grupos de pessoas que, de certo modo, estão em campos opostos na questão da segurança pública. Assim, primeiro se entrevistou um grupo de representantes de entidades da sociedade civil, ou seja, contribuintes e, em consequência, o objeto finalístico dos serviços públicos nessa área. De maneira geral, tem cada vez mais se empoderado do seu papel e exigido uma prestação de serviço, sobretudo, em segurança pública, com melhor qualidade. O segundo grupo é formado por representantes do Estado responsáveis pela prestação dos serviços de segurança pública. Quase todos com larga experiência nas áreas operacionais e de gestão, portanto conhecedores de suas atribuições e dos trâmites burocráticos, próprios do setor público. Trata-se de servidores públicos que têm como mister primordial o atendimento às demandas da sociedade na área em que labutam. Como algo intrínseco a qualquer prestador de serviço, esse deve buscar, continuamente, aprimorar-se para a adequada prestação desse serviço. No entanto, as falas do primeiro grupo apontam para uma prestação de serviço deficitária. O capítulo foi dividido em três subcapítulos; o primeiro apresenta o perfil dos entrevistados. No segundo, é feita a análise das falas dos entrevistados do primeiro grupo em todas as perguntas. E, no terceiro, o mesmo procedimento com o segundo grupo de entrevistados. 15 Análise de conteúdo: conjunto de técnicas de análise das comunicações. Não se trata de um instrumento, mas de um leque de apetrechos; ou, com maior rigor, será um único instrumento, mas marcado por uma grande disparidade de formas e adaptável a um campo de aplicação muito vasto: as comunicações (BARDIN, 1977, p. 31). 92 5.1. O perfil dos entrevistados No grupo, que é composto por representantes de entidades da sociedade civil, optou-se por entrevistar as seguintes pessoas: Anizio Lúcio Barbosa Neto. Presidente da Associação de Moradores do Conjunto Habitacional Cidade Satélite - AMOCISA. A entidade representa os moradores do bairro Cidade Satélite. Antônio Augusto Medeiros de Carvalho Vaz. Presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas de Natal. A entidade representa uma parcela dos comerciantes de Natal. Tem, como missão, desenvolver o setor. Antônio Júnior da Silva. Presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Transportes Rodoviários do Rio Grande do Norte. A entidade representa todos as categorias de trabalhadores do setor. Max Fonseca é Presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes. A entidade congrega empresas do segmento de alimentação fora do lar. Tem como missão representar e desenvolver o setor de alimentação fora do lar. No segundo grupo, composto por gestores públicos da área de Segurança Pública, optou-se por entrevistar as seguintes pessoas: Daniel Henrique Bandeira do Nascimento é Secretário Municipal de Segurança Pública e Defesa Social. É advogado militante e não é oriundo do sistema de segurança pública. Caio César Marques Bezerra é Secretário Estadual da Segurança Pública e da Defesa Social. É Delegado da Polícia Federal há 13 anos, atuando no combate aos crimes previdenciários, fazendários e ao crime organizado. Michel Dantas é Comandante da Guarda Municipal de Natal. É Guarda Municipal de Natal há 8 anos. Desempenhou suas funções sempre nas atividades operacionais. José Francisco Correia Júnior é Delegado-Geral Adjunto da Polícia Civil do Rio Grande do Norte. É Delegado da Polícia Civil do RN há 20 anos. Exerceu diversos cargos tanto de natureza operacional quanto administrativa. 93 5.2. A percepção dos representantes de entidades da sociedade civil Quanto às impressões dos entrevistados sobre o modo como a criminalidade é percebida em Natal, é possível perceber, logo no início das falas, o tom de desalento, ou desencanto com uma cidade que era considerada, até há bem pouco tempo, como, senão a mais, uma das mais seguras do Brasil. E, agora tem tanta violência quanto qualquer outra grande cidade ainda que não esteja no patamar de grande cidade. São feitas referências às cidades do Sul e do Sudeste do Brasil que apresentavam tamanha violência já nos anos 1980 e 1990, como também à cidade de Recife que, nessa mesma época, já apresentava elevados índices de criminalidade; Natal era tida como um “porto seguro” um “lugar tranquilo” (Augusto Vaz). Essa visão de local de proteção e segurança se coaduna com o que Lynch destaca ao dizer que a cidade “é uma expressão gloriosa do orgulho, do conforto e do temor humanos” (LYNCH , 2007, p. 15). Natal, naquele tempo e até o início da década de 2000, tinha ares de cidade do interior (Michel Dantas). Daí, provocar a migração de alguns dos entrevistados ou de seus pais, com a finalidade de se livrar da violência substanciosa que havia onde moravam para virem morar em um lugar tranquilo. Termos como: guerra, caos, crise, delírio, pânico, desespero, terror, medo, morte, entre outros, foram utilizadas pelos entrevistados ao falarem do nível de criminalidade em Natal. A sensação descrita, em alguns casos, é de terror e total abandono. Com isso, ocorre, então, uma desconstrução daquele modelo onírico primordial de cidade, redundando, paradoxalmente, em diversos problemas, entre os quais, a criminalidade (TUAN, 2005, p. 233). E em consequência, nesse hiato, tem início a construção social de um medo do lugar. Ao comentar sobre a questão, o Presidente do SINTRO disse que na prática o que ocorre hoje o bandido vai no terminal de ônibus faz o arrastão e pra provar que é bandido, que é macho, dá umas coronhadas na cabeça dos companheiros arrasta pelos pés e bota lá pra fora e diz que vai matar e todo mundo fica dentro daquele...ou carrega um...dá porrada na cabeça, às vezes dá tiro e a gente pensa que o colega foi embora, por sorte não foi (Antônio Júnior da Silva, Presidentedo SINTRO) Nos bairros, diversas ações criminosas têm acontecido, como, por exemplo, arrombamentos e/ou invasões de casas, especialmente quando as pessoas chegam ou saem. Os criminosos aproveitam a distração das pessoas nesse momento, abordando-as e cometendo os delitos. Tem sido uma prática recorrente o assalto às pessoas que estão aguardando o ônibus nas paradas. Recentemente, ocorreu um latrocínio, quando um morador saía de seu 94 condomínio e foi abordado por criminosos que queriam tomar-lhe seu veículo e, devido a sua demora em sair, os criminosos efetuaram disparos contra esse senhor, que foi a óbito ainda no local. Os moradores têm se sentido acuados e conforme disse o Presidente da AMOCISA “os comerciantes estão trabalhando atrás das grades”. Segundo ele, “o nosso bairro tem sofrido muito” e “os moradores clamam por segurança pública”. É interessante observar a maneira como são expostas as palavras do senhor Anizio; em sua fala, há uma clara indicação de um estado de ânimo, de uma sensação de prostração e de impotência diante dos crimes ocorridos no bairro os quais ele toma conhecimento (Anízio L. B. Neto). Descreve-se, como percebido claramente, um aumento gradual da criminalidade. Segundo o Presidente da CDL, “isso foi aumentando ano após ano”. A impressão é de que o crime está cada vez mais perto deles. Ainda que alguns não tenham sido vítimas diretas, mas há casos de pessoas muito próximas que foram vítimas. Fica patente o fato da vitimização indireta daqueles que ainda não foram alvo de ações criminosas. No entanto, sentem-se como se vítimas fossem, ou, pelo menos, têm a sensação de que, a qualquer momento, serão atacados (Augusto Vaz). Não há dúvidas de que, dentro em pouco tempo, serão as próximas vítimas (SOARES; MIRANDA; BORGES, 2006, p. 52-57). No caso dos comércios de rua, são corriqueiros os casos de arrombamentos, assaltos aos caixas das lojas e até homicídios, em estabelecimentos os mais diversos, tais como: mercadinhos, padarias, açougues, farmácias, postos de gasolina, entre outros. Assim, percebe- se como um fenômeno que teve um aumento exacerbado (Augusto Vaz). Tem-se como resultado a construção do medo da cidade. A qualidade de vida é diretamente afetada. Esse ambiente passa a ser visto como hostil aos que o ocupam (FERNANDES; RÊGO, 2011, p. 169). Está patentemente caracterizada a insegurança moderna fundada no medo do lugar e do outro e esses como ameaças reais ou virtuais à vida das pessoas (BAUMAN, 2009, p. 2). O Presidente da ABRASEL senhor Max Fonseca, ao ser questionado, direcionou sua resposta para a questão econômica que é afetada diretamente pela criminalidade. Apesar de reconhecer que, de fato, houve um aumento exacerbado na criminalidade nos últimos anos, sua preocupação está na influência do fenômeno sobre as finanças dos bares e restaurantes. Os custos de manutenção dos seus representados aumentaram e, ao mesmo tempo, devido à diminuição da frequência aos estabelecimentos provocada pela criminalidade, ocorreu também a queda nas vendas. Muitos deles investiram, pesadamente, em segurança privada, 95 visando oferecer aos clientes alguma sensação de segurança dentro dos estabelecimentos. Entretanto, foi enfático, ao apontar os noticiários sensacionalistas, como um dos principais responsáveis pela ausência das pessoas aos bares e restaurantes. Segundo ele, “os noticiários potencializam“ a questão da criminalidade na cidade. Corroborando o que diz Glassner a respeito dos noticiários ao afirmar que “entre as diversas instituições com mais culpa por criar e sustentar o pânico, a imprensa ocupa indiscutivelmente um dos primeiros lugares” (Max Fonseca). Toda e qualquer notícia comunicada pela imprensa é tida, por grande parte da população, como verdadeira e inquestionável. Logo, como são produtos a serem vendidos, as notícias recebem embalagens que provoquem nas pessoas o desejo de comprá-las, tendo em vista que as empresas de comunicação fazem parte do mercado capitalista, são corporações mercantis, cujos produtos são as notícias (GLASSNER, 2003, p. 31-33). O que os entrevistados dizem a respeito da prestação de serviço de segurança pública, oferecida pelos poderes públicos municipal e estadual, em suas competências de atuação, deixou clara a sensação dos entrevistados de que não há efetivo policial suficiente para fazer frente à criminalidade atual. A impressão é de que o Estado estagnou em relação à Segurança Pública de modo que não só o efetivo é pequeno, mas também os equipamentos utilizados pelas polícias são obsoletos em relação aos utilizados pelos criminosos. As polícias, de maneira geral, estão fragilizadas a ponto de os criminosos terem certeza da impunidade. Assim, conseguem cometer vários delitos em série, como que deixando um rastro de crimes e, de certo modo, apontando o caminho que vão seguir, mas, mesmo assim, não encontram nenhum tipo de empecilho a sua ação por parte das forças policiais. Para o Presidente da AMOCISA “nós estamos totalmente desprovidos de segurança”. Acredita que há a necessidade de uma total reforma nas Polícias Civil e Militar. Esse pensamento se coaduna com uma proposta de reforma necessária nas polícias, tendo em vista que, na transição democrática, em que ocorreram mudanças em todas as instituições públicas, aquelas instituições ficaram esquecidas (SOARES, 2003, p. 1). “A prestação do serviço de segurança pública é um descaso” disse o Presidente do SINTRO. Entende-se que um dos principais problemas da Segurança Pública é a gestão inadequada, visto que os profissionais que estão à frente do setor não têm qualificações gerenciais, é notório que todo o serviço público passa por problemas de falta de recursos financeiros, mas há diversos casos de sucesso quando há gestão adequada (SOARES, 2006, p. 96 94). Nesse diapasão, “é necessário colocar um comandante que tenha capacidade e pulso e não uma indicação política” (Antônio Júnior da Silva, Presidente do SINTRO). O senhor Anizio da AMOCISA compreende que não há sensibilidade, tampouco conhecimento sobre segurança pública, haja vista que para ele, os nossos governantes não sabem da importância do que se chama segurança, eu acho que eles precisam se reciclar pra poder abrir a boca e falar de segurança. Esse pra mim é o ponto mais estratégico aonde todos estamos sofrendo e o nosso bairro é muito agredido, bastante violento (Anizio L. B. Neto, Presidente da AMOCISA). Logo, os entrevistados entendem que o problema passa pelos erros na administração dos parcos recursos; como também nas atividades corriqueiras, uma vez que seria impossível que as instituições que compõem o aparato de segurança pública não soubessem, por exemplo, onde se localiza um local de venda de drogas, que é, hoje, o maior problema gerador de insegurança (Anízio L. B. Neto). De modo geral, os delinquentes que cometem os pequenos delitos o fazem para sustentar a drogadição (SOARES, 2003, p. 76). Outro aspecto apontado é a falta de manutenção nas praças e ajardinamentos, que é responsabilidade da prefeitura. No bairro Cidade Satélite, por exemplo, há 10 (dez) praças e 01 (um) calçadão e, segundo o senhor Anizio, todas elas estão precisando de manutenção e o calçadão está deixando de ser utilizado devido à vegetação que o invadiu. A iluminação pública também é outro problema que diz respeito à Prefeitura e que tem deixado a desejar. Há muitas lâmpadas queimadas o que gera ambientes propícios para a realização de crimes (Anízio L. B. Neto). É importante destacar que essas ações de manutenção de áreas de responsabilidade do poder público municipal fazem parte de um programa de prevenção à insegurança ambiental conhecido e utilizado internacionalmente e que prevê, entre suas diretrizes,a manutenção dos espaços públicos, bem como a adequada iluminação (CROWE; ZAHM, 2014, p. 22-23). Outro motivo que tem levado as pessoas a deixar de usar as praças e o calçadão é a presença de usuários de drogas. Em sua maioria, jovens estudantes que deixam as escolas próximas para se encontrar com os vendedores de drogas e, ali, a utilizam (Anízio L. B. Neto). Vale destacar que esses espaços públicos poderiam ser policiados pela Guarda Municipal de Natal que tem, entre suas competências, a proteção aos equipamentos públicos municipais (SOARES, 2006, p. 95). 97 Um fato que tem se tornado comum, segundo o senhor Augusto Vaz, é o menor infrator que comete assaltos em um determinado estabelecimento, é preso, logo depois, por ser menor, é solto e, em seguida, volta a cometer o mesmo crime às vezes no mesmo estabelecimento. Isso dá impressão ao leigo que a legislação é extremamente permissiva e condescendente. Todavia, para esse mesmo entrevistado, “a criminalidade também é combatida com outros serviços públicos que deveriam ser oferecidos” (Augusto Vaz). O presidente da ABRASEL também concorda com essa afirmação e chega a citar uma declaração do célebre antropólogo e professor brasileiro Darcy Ribeiro que, em 1982, disse: “se hoje não se investir em escolas em 20 anos faltará dinheiro para se investir em presídios”. Segundo ele, havia conversado com um membro da cúpula da Polícia Militar do Rio Grande do Norte e esse disse que “se hoje na PMRN fossem incorporados novos 10.000 policiais mesmo assim não se resolveria o problema de segurança”. Portanto sua compreensão é que é necessário se investir, maciçamente, em educação de qualidade para as camadas menos favorecidas da sociedade para que o crime não seja uma alternativa para eles. Deu, como exemplo, a prostituição para as garotas da periferia de Natal, integrantes das classes de menor poder aquisitivo. Para muitas pessoas, era um comportamento degradante que deveria ser combatido. Mas, por muito tempo, foi uma alternativa viável, quando, em Natal, havia uma presença substanciosa de turistas estrangeiros. E concluiu dizendo que “é o que resta se a sociedade se nega a oferecer oportunidades a seus pares eles vão buscar oportunidades onde elas existem”. Destaca, ainda, que há uma pressão muito forte do mercado consumidor, que pressiona as pessoas a consumir, tendo em vista as massivas propagandas na TV, em Outdoors, em revistas e nas redes sociais. Assim, as pessoas que estão fora do mercado são, de certo modo, impelidas para fazer parte dele (Max Fonseca). E muitos, por falta de princípios, vivendo em famílias desestruturadas, acabam por escolher a opção mais próxima (SOARES, 2006, p. 93). Nesse sentido, o problema da criminalidade é estrutural: Então eu acho que é um problema muito profundo da sociedade, não adianta ficar tratando de paliativo, condomínio fechado, segurança privada, aumento de efetivo da polícia, construir mais presídios, não é uma alternativa, a alternativa é uma reforma social. (Max Fonseca Presidente da ABRASEL). Nas representações dos entrevistados a respeito do nível de vitimização dos associados às suas entidades, eles afirmaram categoricamente que seus representados já foram vítimas de crimes em maior ou menor grau. Direta ou indiretamente há inúmeros casos de assaltos, 98 arrombamentos, invasões de residências, roubo de veículos, latrocínios, entre outros (Anízio L. B. Neto). Segundo o Presidente do SINTRO, os motoristas, por incontáveis vezes, foram “vítima do crime, de espancamento, de homicídios, de assaltos, tentativas de homicídios”. Ainda segundo ele, “esses casos acabam por gerar em todos os trabalhadores a sensação de insegurança não só nas vítimas”, mas também àqueles que não foram vítimas diretamente acabam por sofrer emocionalmente com a sensação de que podem, a qualquer momento ser alvo de algum criminoso (Antonio Júnior da Silva). O Presidente da ABRASEL respondeu que “claro, como todos os outros setores da sociedade, como todo mundo.”. O Presidente da CDL chega a citar, desolado que “o pior de tudo é quando a gente recebe uma notícia de que um comerciante acabou sendo morto nesse processo, porque revidou ou fez alguma coisa desse tipo”. E confirma o aumento dos casos de violência contra seus associados ao afirmar que “é constante a notícia de problema de criminalidade no comércio de nossa cidade[...]nos últimos anos têm chegado muitas reclamações, o assunto criminalidade faz parte das pautas de reuniões” (Max Fonseca). A quantidade de reclamações ou notícias sobre ações criminosas contra os associados das diversas entidades tem se multiplicado nos últimos anos de forma alarmante. Os presidentes dessas entidades têm sido demandados constantemente, na qualidade de representantes, têm sido instados a buscar junto ao poder público uma presença mais efetiva da polícia nas ruas a fim de, se não evitar, pelo menos, minimizar as inúmeras ocorrências criminosas das quais têm sido vítimas. No entanto, mesmo com a pressão por eles exercida, legitimamente, sobre os gestores da segurança pública, pouco ou quase nada tem sido feito . Os pleitos são pautas de diversas reuniões com essas e outras entidades da sociedade civil, como também com a própria população, mas não tem havido a resposta necessária (Anízio L. B. Neto). O senhor Anizio Presidente da AMOCISA informou que foram feitas diversas mobilizações pela comunidade, inclusive, foi realizada na nossa sede mesmo aonde nós colocamos mais de 500 pessoas numa assembleia buscando e clamando por segurança tanto é que nós trouxemos pra aqui toda a cúpula, não conseguimos trazer o secretário na época porque ele estava em Brasília, mas veio o adjunto, veio o comandante geral, o sub-comandante e todos aqueles que fazem parte do primeiro escalão e segundo escalão da Polícia Militar e da Polícia Civil, até os Direitos Humanos nós conseguimos trazer. Então isso mostra a preocupação que nós moradores temos hoje dentro da nossa comunidade (Anizio L. B. Neto, Presidente da AMOCISA). 99 Isso vem demonstrar que os esforços dos gestores do sistema de segurança pública estão quase sempre dirigidos para ações reativas, de modo que as ações proativas são relegadas a segundo plano ainda que sejam consideradas importantes. Outrossim, esses se aferram à necessidade de se enfrentar os macroproblemas que envolvem fatores estruturais e de solução a longo prazo, sem, no entanto, se aperceber da igual importância das ações tópicas e aparentemente superficiais (SOARES, 2006, p. 94-95). O que os entrevistados dizem sobre as estratégias utilizadas pelos seus associados/representados, para minimizar a possibilidade de ser vítima do crime, é que a ferramenta fundamental de prevenção e autodefesa é a atenção; sem ela, todas as estratégias utilizadas se tornam inócuas. A unanimidade dos entrevistados apontou, como principais estratégias utilizadas para tentar evitar ou minimizar a incidência de crimes em seus estabelecimentos comerciais, ou suas residências, ou durante o trabalho como motorista de ônibus, são os equipamentos de monitoramento por câmeras, alarmes, sensores, e outros afins. A segurança privada, de forma geral, também tem sido muito utilizada . Em que pese o fato de ter um custo bastante elevado, o uso de seguranças armados tem sido uma opção para oferecer uma certa sensação de segurança para os clientes dos estabelecimentos comerciais. Os postos de gasolina, além do vídeo monitoramento e dos seguranças, têm utilizado os chamados cofres boca de lobo. Esse é um equipamento no qual é colocado o dinheiro arrecadado pelos frentistas dos postos a cada fração de tempo determinado. Geralmente, o equipamento é fixado no chão ou embutido em uma parede de maneira que é quase impossívelretirá-lo ou arrombá-lo em um tempo curto. Outra maneira encontrada pelos comerciantes para evitar ser vítima é aproximar-se, informalmente, da polícia, oferecendo algum tipo de vantagem. Muitas vezes, são oferecidas refeições ou, até mesmo, retribuições pecuniárias para que os policiais deem uma atenção especial a esses estabelecimentos. Outra forma utilizada é a contratação informal de policiais em suas folgas para fazer a segurança desses locais (Augusto Vaz). Essa prática é muito comum, chegando a alcançar o patamar de 60% a 80% dos policiais militares, civis e, também, bombeiros (SOARES; ROLIM; RAMOS, 2009, p. 78). No caso das residências, a estratégia mais utilizada também é o uso do videomonitoramento. Entretanto, há, também, as cercas elétricas com concertinas, os portões automatizados, os sensores de presença nos diversos ambientes da casa, o uso de cães de guarda. Quanto ao comportamento dos moradores, esses, em alguns casos, têm o hábito de 100 ficar atentos a pessoas estranhas, próximo as suas casas. Ao entrarem e saírem de casa observam, cuidadosamente, se há algum veículo estranho próximo, ou algo incomum e então evitam entrar ou sair até que a situação anormal se dissipe e encontrem uma situação normal em sua rua (Anízio L. B. Neto). O senhor Anizio, Presidente da AMOCISA, descreve a situação que vive o bairro de forma dramática ao dizer que dentro da comunidade, se você passar em todas as ruas do nosso bairro você vai ver que uma sim, outra não tem o muro chamado presídio. Com concertina, com câmera para que possa ter uma sensação maior de segurança. Então isso é uma das coisas que agride muito a todos nós. A gente deixa de fazer outros investimentos até na educação e na saúde dos nossos filhos pra poder investir nessa segurança. Porque quer queira, quer não é muito, muito interessante nós termos hoje uma casa com grades em todas as partes, uma casa com muro alto, uma casa com câmera, uma casa com cão, uma casa com concertina...em todas as ruas do bairro você vai ver que a maioria das casas, todas elas estão se comportando dessa forma para proteger suas famílias (Anizio L. B. Neto, Presidente da AMOCISA). É interessante observar, na fala acima, os momentos em que o entrevistado demonstra um certo abandono, ou prostração diante da impossibilidade de se proteger e proteger sua família bem como dos associados da entidade diante de algo que parece, ao analisar sua fala, um poder descomunal que está na iminência de se abater sobre ele e os seus entes queridos de forma inexorável. A impressão que se depreende é de que os moradores do bairro estão fadados ao aprisionamento e à impossibilidade de viver em outro espaço e de outra forma que não seja enclausurado em sua casa. Essa percepção, entretanto, é, também, fruto de uma construção que tende a naturalizar a presença do crime e da insegurança como por exemplo, sombras, ou nuvens sombrias, densas e indissipáveis que surgem de forma implacável (FERNANDES, 2003, p. 56). Esse mesmo entrevistado informou a respeito de um vultoso projeto de segurança comunitária, inicialmente, para uma parte do bairro como estratégia para diminuir a insegurança. Por meio de uma assembleia da AMOCISA, será apresentado o projeto, que funcionará da seguinte forma: três seguranças em motocicletas, com celulares e hand talks para cada um deles e usando uniformes, a instalação de câmeras em 42 ruas do bairro. Todos os moradores, através da internet, terão acesso às imagens das ruas monitoradas e eles mesmos, ao perceberem alguma anormalidade, acionarão os seguranças. A ideia é não esperar que o sistema de segurança pública os ajude, ou atenda às suas demandas de segurança, pois, segundo o senhor Anízio, “se nós formos esperar pelo poder público nós não 101 vamos chegar a lugar nenhum e vamos perder as nossas famílias e nossas vidas” (Anízio L. B. Neto). 102 5.3. A percepção dos gestores de segurança pública Concernente à criminalidade em Natal, os entrevistados entendem que houve um aumento significativo em poucos anos. Cada um deles fez questão de conduzir suas respostas no sentido de demonstrar que há um esforço das administrações que representam. Dois deles entenderam necessário fazer uma rápida retrospectiva sobre a situação da cidade em alguns anos atrás e chegando até às atuais circunstâncias que vivemos. Assim, o Delegado-Geral falou sobre o período de sua infância e adolescência em Natal quando era possível brincar e andar de bicicleta nas ruas sem medo de ser vítima de crimes. Segundo ele, “dificilmente a gente via situações de furto, de roubo e homicídios” e, em seguida, reconhece que “a gente não pode negar que, nesses 20 últimos anos, houve um aumento da criminalidade em Natal”. No entanto pontua que os órgãos de segurança pública têm feito esforços visando oferecer uma melhor sensação de segurança para a população, mas reconhece que esses esforços não têm surtido o efeito esperado. A verdade é que a sociedade, cada vez mais, está assustada, insegura. A insegurança está em toda parte: dentro de casa, fora de casa, nas ruas da cidade; enfim, onde quer que as pessoas estejam, não há tranquilidade. As pessoas ficam preocupadas com o que pode acontecer com elas ou com seus familiares (José Francisco Correia Júnior). Igualmente, o Comandante da Guarda Municipal de Natal lembrou que Natal há não muito tempo era tranquila e tinha ares de cidade do interior. Era um lugar onde pouco se ouvia falar a respeito de crimes e, quando ocorriam, tornavam-se o assunto de alguns dias tanto da imprensa quanto das pessoas em suas conversas informais (Michel Dantas). A esse propósito ele afirma que os governantes que estiveram à frente da nossa cidade, da nossa capital, eles não se importaram de acompanhar os indicadores de criminalidade das outras regiões, acho que eles pensavam é que o crime nunca chegaria em Natal, e o que nós enfrentamos hoje é uma criminalidade realmente organizada. (Michel Dantas, Comandante da GMN) Os gestores do sistema de segurança e, em especial, os chefes dos executivos municipal e estadual não conseguem perceber a dimensão do problema que é o nível da criminalidade em Natal. Com isso, as polícias locais não têm preparo e tampouco equipamentos para fazer frente aos criminosos que aqui atuam. Não há investimentos, que são fundamentais, em qualificação e em aquisição de novos e modernos equipamentos. Ademais os salários pagos aos operadores que desempenham suas tarefas na atividade-fim, que lidam 103 diretamente com os criminosos, estão muito aquém de suas necessidades. O serviço oferecido é, na verdade, realizado de forma a escamotear a realidade pela qual passa o sistema de segurança pública. Os efetivos das polícias são totalmente insuficientes e estão longe do ideal, nem mesmo o ideal estabelecido em lei. O sistema precisa ser revisto em seus procedimentos organizacionais, seus planejamentos e programas, como também a quantidade de recursos destinados ao setor, tanto em nível estadual, quanto em nível municipal. Segundo ele, o principal programa de governo na área, o Ronda Cidadão, não é, de fato, um programa com recursos destinados, exclusivamente, para ele, nem recursos financeiros, nem recursos humanos, tendo em vista que os policiais utilizados no programa são remanejados de outros locais e não são repostos na origem. Outra falácia são as viaturas utilizadas no programa que da mesma maneira que os servidores as viaturas também são retiradas de outros locais e não são repostas. Em relação à Guarda Municipal, a situação é a mesma. O chefe do executivo municipal não entende quanto é importante a participação do município nas ações de combate ao crime. Dessa forma, também, não há novos equipamentos, as viaturas utilizadas pela GMNsão todas doadas pela União e não têm manutenção regular (Michel Dantas). O Secretário Municipal de Segurança Pública admite que, de fato, a criminalidade em Natal tem crescido, no entanto enfatiza que esse fenômeno não é privilégio de Natal apenas, mas de todo país. O fenômeno é provocado por diversos fatores. O aumento exacerbado, no consumo de drogas, redundando no aumento do tráfico. Além disso, o aumento do desemprego é proveniente da crise econômica por que passa o país. Os índices têm demonstrado o “aumento de homicídios, do uso de drogas, prisão de jovens, os jovens cada vez mais cedo consumindo drogas. Então, esse aumento tem sido perceptível a toda a sociedade”. Apesar de reconhecer que a responsabilidade pelo policiamento ostensivo e pelas polícias judiciária e científica, é da União, a Prefeitura de Natal, através de políticas públicas voltadas para a redução de danos e prevenção da criminalidade, tem feito a sua parte. Ainda em relação à Guarda Municipal, com a promulgação da Lei 13.022/2014 que dispõe sobre o Estatuto Geral das Guardas Municipais deu maior poder a essas instituições; então, a partir disso, a Prefeitura tem tentado fazer mais pela segurança pública (Daniel Henrique Bandeira do Nascimento). O secretário de Segurança Pública do Estado afirma que esses elevados índices de criminalidade resultam da falta de concursos públicos para a recomposição dos efetivos das 104 polícias. A Polícia Militar e a Polícia Civil não realizam concurso há 10 anos e a Polícia Científica há 15 anos. De certo modo, ocorreu um desmantelamento do sistema de segurança pública por falta de investimentos. Além disso, há o problema da falta de dispositivos legais normativos para essas instituições o que dificulta sua gestão, como, por exemplo na realização de concursos, na aquisição de equipamentos e na estruturação das carreiras (Caio César Marques Bezerra). As representações dos entrevistados sobre o serviço prestado pelo Estado, na área de Segurança Pública, apontaram para esforços pontuais, mas sem efeito sobre a criminalidade. No âmbito da Secretaria Estadual de Segurança Pública, foi implantado o projeto de policiamento comunitário, denominado Ronda Cidadão. A ideia básica do programa é aproximar o policial da população para que o cidadão conheça o policial que trabalha em seu bairro e se sinta confiante com a sua presença. A intenção é fazer o trabalho preventivo de policiamento, é fazer com que a polícia cuide dos 98% da população que, até pouco tempo, era esquecido, haja vista que a preocupação, anteriormente, era com 2% da população que são os criminosos. Pretende-se, com isso, não relegar o serviço repressivo, mas realizar um serviço repressivo mais qualificado, buscando investigar melhor. Sem dúvidas, há muito a avançar e melhorar na prestação do serviço. O concurso público é fundamental, como também a implantação de novas unidades policiais. É extremamente necessário melhorar o atendimento nas Delegacias e, para isso, o primeiro passo está sendo dado: a implantação de um sistema de informática para o registro de ocorrências policiais (Caio César Marques Bezerra). A Secretaria Municipal de Assistência Social tem contribuído, significativamente, para a prevenção da criminalidade, especialmente com as políticas voltadas para as pessoas em situação de rua, com o adequado funcionamento dos albergues noturnos que abrigam essas pessoas, oferecendo-lhes um lugar para dormir e uma alimentação de qualidade. Com o funcionamento dos Centros de Referência em Assistência Social (CRAS) instrumentos fundamentais de prevenção à criminalidade, haja vista terem a função de proteger as famílias e pessoas em situações de vulnerabilidade social. Como também os Centros de Referência em Assistência Social (CREAS) que têm, como função, oferecer apoio e assistência social a famílias e indivíduos em situação de ameaça ou de violação de direitos. Além disso, os Programas de Saúde Mental voltados para os usuários de drogas com o objetivo de tratar o 105 vício e, ao mesmo tempo, evitar o envolvimento do adicto com os furtos e/ou roubos para sustentar o vício. Uma outra ação importante, na área da prevenção, é o atendimento aos pleitos de reposição de iluminação pública e de limpeza e poda de árvores e de vegetação rasteira em áreas como praças ou academias da terceira idade. Há, ainda, dois projetos voltados para o atendimento às crianças em situação de vulnerabilidade. O primeiro é o Agente Mirim Ambiental que contempla crianças de 9 a 12 anos que estudam em um turno e no contraturno são levadas para o Parque da Cidade e recebem aulas sobre meio ambiente. O segundo é o Semente Cidadã que funciona levando atividade física para crianças, que no contraturno da escola participam de diversas modalidades esportivas. Ambos os programas são realizados por Guardas Municipais que têm formação em áreas afins. Por fim, estão em funcionamento no município, aproximadamente, 55 câmeras de monitoramento que auxiliam a Secretaria Estadual de Segurança Pública que tem acesso direto a elas (Daniel Henrique Bandeira do Nascimento). Todas essas ações se coadunam com as prescrições mais modernas no campo da segurança pública em especial no âmbito dos governos locais. Nesse caso, esses podem contribuir, de forma bastante significativa, para a prevenção da criminalidade com diversas políticas como as acima citadas (CORREIA; FERREIRA; PINTO, 2014, p. 7). A Polícia Civil tem envidado esforços para atender à população do Estado a tempo e modo, não obstante as dificuldades de recursos financeiros e humanos. Além disso, por falta de recursos, as instalações físicas das delegacias têm deixado a desejar. Quanto às viaturas, a situação é relativamente confortável uma vez que há um contrato de locação de veículos em funcionamento, de modo que não há falta de viaturas. Foram distribuídos alguns armamentos, recentemente, que supriram as necessidades. Um exemplo claro dos esforços individuais e institucionais para atender à sociedade foi o caso da rebelião nos presídios ocorrida no ano de 2016. Essa rebelião teve reflexos na cidade com atos de vandalismo, incêndios a ônibus e a veículos públicos, todos comandados por parte dos presos rebelados (José Francisco Correia Júnior). No entanto, ao terem início os atentados imediatamente os policiais se colocaram à disposição, inclusive os que estavam de férias, de folga e de licença, em seguida instalamos uma delegacia exclusiva para apurar os incêndios a ônibus. Prisões foram feitas, vários inquéritos foram instaurados e remetidos à justiça, pessoas estão aguardando julgamento. Então no momento necessário a Polícia Civil vai estar presente mesmo com um efetivo pequeno nós fazemos tudo que é possível para atender o povo do Rio Grande do 106 Norte (José Francisco Correia Júnior, Delegado-Geral da Polícia Civil). A questão dos recursos financeiros também tem sido uma dificuldade constante. Devido a isso, têm ocorrido atrasos nos pagamentos aos fornecedores, de modo que, apenas, os materiais básicos têm sido adquiridos. Um destaque nessa situação por que passa a Polícia Civil é a capacitação dos policiais. Foi realizado, no ano passado, um grande programa de capacitação com recursos advindos de um convênio com o Banco Mundial. Com isso, foi possível capacitar 1.400 policiais em diversas áreas de conhecimento (José Francisco Correia Júnior). De modo geral, há uma total desestruturação no sistema de segurança pública. O serviço prestado é de baixíssima qualidade devido à falta de seriedade das cúpulas das instituições com o sistema. O tempo-resposta aos pedidos de apoio feitos através da Central de Informações Operacionais de Segurança Pública é muito superior ao momento da ocorrência propriamente dita. Comisso, o cidadão fica esperando a presença da Polícia Militar por vários minutos depois de ter sido vítima do crime, contrariando o fundamento preventivo do trabalho da PM, a ideia de que sua presença constante coiba as práticas delituosas. São poucas as vezes em que a polícia consegue evitar a ocorrência do crime, se antecipar a ação criminosa. Uma área que merece destaque é o sistema carcerário que se encontra em estado deplorável. Nos presídios, os presos andam livremente e são eles que comandam as áreas internas. Essas áreas são divididas por facções criminosas. Não há nenhuma cela com grade, assim os presos têm acesso total às áreas internas. Não sem razão, via de regra são encontrados túneis para fugas ou mesmo fugas têm ocorrido com uma certa frequência. Em relação à Guarda Municipal, não é diferente. Conforme já foi dito, as viaturas utilizadas pela GCM são provenientes de convênios com a União, mas não têm manutenção e, com isso, sua maioria está sucateada (Michel Dantas). Quanto ao comportamento dos cidadãos para evitar ser vítima de crimes, os entrevistados destacaram que uma orientação comum dada a todos é a necessidade de se ter atenção ao andar nas ruas, ou usar uma parada de ônibus, sempre que estiverem expostos demais, especialmente ao utilizar o celular, ou portar algum bem de valor. Todos desaconselharam, enfaticamente, o uso de celulares, correntes de ouro ou outras joias valiosas, quando estiverem caminhando nas ruas. Caso o façam, devem agir com muita cautela sempre mantendo a atenção no que acontece ao seu redor ou nas proximidades. 107 Observar a aproximação repentina de pessoas a pé, em bicicletas ou em motocicletas. Evitar se distrair utilizando o celular em redes sociais ou lendo algo. De maneira geral, os criminosos agem contra pessoas nas quais eles veem fragilidades ou desatenção (Caio César Marques Bezerra). Outra orientação considerada fundamental é a total atenção ao chegar e ao sair de casa. É necessário observar se há algo diferente nas proximidades de sua residência, se alguém desconhecido está sentado na calçada ou de pé encostado nos muros, ou ainda uma mesma pessoa que passa várias vezes olhando indiscretamente para o interior das casas como se estivesse procurando algo, ou, ainda, se há um carro desconhecido parado nas proximidades da casa. Entre outros, são esses comportamentos estranhos e pouco comuns que se verificam no dia a dia. Tudo isso deve gerar, nas pessoas, um sinal de alerta e algumas atitudes devem ser tomadas. No caso de pessoas em atitudes incomuns, ou suspeitas nas proximidades da residência deve-se evitar entrar ou sair, se a pessoa está chegando em casa o ideal é continuar o deslocamento sem parar em frente a sua casa e dar algumas voltas aguardando a saída do veículo ou da pessoa suspeitos daquele local. Ao entrar ou sair de casa, essa manobra deve ser feita com rapidez e o portão deve ser fechado rapidamente. É totalmente desaconselhável permanecer dentro do carro na rua conversando com alguém ou usando o celular (Michel Dantas). Para ilustrar isso ocorreu um caso com uma senhora que chegou na frente de sua casa e pela câmera deu pra perceber mesmo a filha dela ali no portão ela passou cerca de 3 minutos parada na frente de casa olhando as redes sociais, não foi identificado, olhando o celular alguma coisa e foi o tempo necessário que chegou uma dupla de moto, rendeu ela, colocou ela pra dentro da residência dela, colocaram os pertences mais valiosos dentro de casa e levaram o carro dela com todos os pertences. Então isso poderia ser evitado? (Michel Dantas, Comandante da Guarda Municipal)” Caso o suspeito não deixe o local, então deve ser acionada a Polícia Militar através do telefone 190, informando toda a situação. Deve-se evitar comer em bares e restaurantes que ficam em locais ermos, ou isolados. Têm sido comum arrastões nesses locais (Michel Dantas). Ainda nessa conformidade, é muito interessante, para se evitar ou minimizar a possibilidade de ser vítima de crime, o uso de equipamentos de video-monitoramento, como também grupos de whatsapp formado pelos moradores de uma rua, por exemplo. Ou de estudantes de uma escola que vêm sendo vítimas de assaltos em determinados locais e horários. Esses grupos auxiliam as pessoas a evitar esses locais. No caso dos vizinhos ou mesmo de um bairro, um exemplo de sucesso é o que foi feito nos bairros de Nova 108 Descoberta e Morro Branco. Os moradores se uniram e compraram diversas câmeras e instalaram em diversas ruas dos bairros. Em seguida, adquiriram um contêiner e o montaram como se fosse uma base da Polícia Militar, com toda estrutura, inclusive internet e monitores ligados às câmeras que foram instaladas (José Francisco Correia Júnior). E criaram um grupo de whatsapp para trocar mensagens, exclusivamente, sobre situações suspeitas, onde você tá lá 03:00h da manhã com sua câmera...ah, passa um carro aqui não parou, parou na esquina, deu ré. Aí alguém vai e coloca no grupo: olha tem um carro em atitude suspeita rodando dessa forma. Esse grupo o pessoal da PM que trabalha nesse local através das câmeras monitora essa situação (José Francisco Correia Júnior Delegado-Geral da Polícia Civil) Em relação ao uso do banco, deve-se evitar totalmente o saque de somas vultosas. É muito mais seguro o uso da internet para fazer transferências ou pagamentos que envolvam grandes quantidades de dinheiro mesmo que se pague uma taxa para isso. Sempre utilizar os caixas eletrônicos que estão localizados em lugares de grande movimentação e, ao utilizá-lo, ficar atento a qualquer comportamento anormal de pessoas próximas. Por exemplo, uma pessoa que está próxima do caixa eletrônico, mas não faz uso dele apenas observa as pessoas que o utilizam ou um caixa eletrônico que não tem ninguém utilizando, mas há uma pessoa próxima nesse caso não deve ser utilizado. Deve-se aguardar a saída da pessoa ou procurar outro equipamento. Em estacionamentos, ao se aproximar do seu veículo, observar se há alguém próximo encostado em outro veículo, ou que começou a andar ao observar o desacionamento do alarme. Nesse caso, deve afastar-se, imediatamente, e, se possível, pedir ajuda a algum vigilante caso haja. É muito importante conhecer os vizinhos e se relacionar bem com eles; com isso, é possível criar um grupo de proteção através do aplicativo whatsapp, por exemplo. Nesse caso, a pessoa que está em casa e percebeu algo anormal do lado de fora imediatamente informa ao grupo para que todos tomem conhecimento. Nesse caso, se todos os vizinhos começarem a observar de forma que o suspeito perceba que muitas pessoas da rua o estão olhando e estranhando sua presença, ele, sem dúvida deixará o local (José Francisco Correia Júnior). A respeito do medo da criminalidade pelos cidadãos, os entrevistados indicaram que o cidadão nunca deve se deixar dominar pelo medo. Ao contrário, é necessário enfrentar o crime com os instrumentos legais. “Jamais”, “de forma nenhuma”, são expressões usadas para rechaçar a ideia de que o cidadão deva ter medo do crime. Ao contrário, por sermos em 109 número muito maior que os criminosos nós devemos enfrentá-los. Claro que esse enfrentamento não deve ser direto. Não se está incentivando o cidadão a pegar uma arma e tentar fazer o papel da polícia; não é isso. Na verdade, é utilizar-se de diversos meios modernos que estão disponíveis para esse enfrentamento. O cidadão deve se comportar não com medo, mas de forma preventiva visando se antecipar ao criminoso e escapar da possível ação. De fato, o que é fundamental, atualmente, é um comportamento cauteloso, cuidadoso, quando se está em algum lugar que haja a possibilidade deuma ação criminosa. É importante destacar que o medo pode resultar em uma sensação de pânico ao se deparar com uma ação criminosa. Nesse caso, não se consegue raciocinar, muitas vezes nem mesmo ouvir ou entender o que diz um criminoso. Pode levar a reações involuntárias que denotem ao bandido uma intenção de reação por parte da vítima e então acontecer algo indesejável como um disparo do bandido contra a vítima. Com isso, é necessário autocontrole para se evitar situações de maior risco. Repetindo, o sentimento que deve estar presente no cidadão é o de cautela e também atenção ao que acontece em seu entorno. Pode-se concluir, com base nas análises das entrevistas, que os poderes públicos municipal e estadual não têm atendido, adequadamente, à população em relação ao serviço de segurança pública. Bem como seus gestores apresentam um quadro pouco condizente com o quadro apresentado pelo segundo grupo de entrevistados. Esses gestores, apesar de concordarem com o fato de que ocorreu um aumento na criminalidade em Natal, procuram dar diversas justificativas para tanto, de certo modo tergiversando das questões a eles formuladas. No caso dos entrevistados que representam entidades da sociedade civil, esses apresentaram um cenário de caos, de má gestão, de insuficiência de recursos na prestação do serviço de segurança pública. Tudo isso tem lhes causado medo da criminalidade na cidade. 110 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS A cultura pode ser definida de diversas formas, no entanto todas essas definições encerram em si uma ideia principal. Há um fio condutor que está presente em quase todos os significados da palavra. A ideia de construção cuidadosa e elaborada, de forma gradual e sistemática, visando conduzir o ser humano como objeto da ação cultural a um conjunto de percepções, de visão de mundo diferenciadas em relação aos momentos anteriores. O ser humano não nasce pronto; na verdade, sua completude se dá fora do útero materno. Diversos órgãos ainda não estão prontos, após o nascimento. Logo, esse ser precisa de cuidados básicos para se manter vivo e alcançar a maturidade orgânica e intelectiva, que ocorre na relação com o outro e com o ambiente. E a cultura é essa ferramenta que capacita o ser humano a se relacionar com o outro e a modificar a natureza. O arcabouço cultural que é legado aos indivíduos e às sociedades une seu passado e seu futuro e auxilia na sedimentação da percepção consciente de que o ser humano, diferentemente dos outros animais, sabe da sua existência. E que é capaz de realizar ações transformadoras no ambiente, como também torna-se o elemento dinâmico da sociedade que vai levá-la a novos níveis de conhecimento e de consciência de si. É evidente que a cada geração esses elementos transmitidos são reformulados, ressignificados, uma vez que as gerações que se sucedem encontram circunstâncias diferentes. Uma dessas circunstâncias é a sedentarização que ocorre em um certo momento da história humana. Ela vai permitir o crescimento de pequenos grupos nômades. Desses primordiais agrupamentos de indivíduos que tinham em comum a finalidade de proteção e alimentação, de sobrevivência, surgem então as primeiras cidades. Com o crescimento da população e a consequente complexificação da vida em comunidade, surge a necessidade de novas construções. Ao longo do tempo, a distribuição das edificações vai se tornando mais elaborada. Os deuses “influenciam” a moradia humana, a disposição dos espaços são reflexos sócio-históricos-culturais, mas também são resultado da sua relação com as divindades. Doravante, esse empreendimento humano, nascido, segundo as suas necessidades, torna-se um polo de atração de outros indivíduos estranhos aos originais. Numa fase posterior, o capitalismo começa a dar os primeiros passos e, claro, em união com a cidade. Ambos amalgamados, ainda que o sistema capitalista tenha nascido bem depois, mas, como é sua característica, ele sub-repticiamente se entremete e se conforma a 111 tudo que possa oportunamente lhe oferecer condições de reproduzir-se. Desse momento em diante, a cidade definitivamente abandona qualquer resquício de seus propósitos primevos. Essa união começa a produzir frutos. As pessoas, os, agora, cidadãos começam a ver a cidade como lugar de lucro, de fazer dinheiro, de reproduzir ou produzir seu capital. Os espaços urbanos públicos e privados começam a ser pensados com fundamentos nessas premissas. A cidade começa a ser reelaborada, ressignificada mais uma vez, só que agora com base num sistema que transforma tudo e todos em moeda. O objetivo principal das edificações é direcionado para atender ao comércio e à indústria. Até as habitações são feitas para os trabalhadores. Enormes espaços vazios, ou, melhor dizendo, enormes áreas verdes, são transformados em parques industriais e em edifícios habitacionais para seus trabalhadores. O agora portentoso empreendimento humano continua com seu poder de atração de pessoas cheias de esperança. Entretanto agora o mote é outro, a atração tem que acontecer. Do contrário, não haverá quem faça o trabalho de reprodução do capital. A cidade, agora, torna-se um poder insofismável, que fagocita as solidariedades, digere as subjetividades e excreta individualismos, egoísmos, egocentrismos e misantropias. Como parte desse processo, tem início o fenômeno da segregação espacial. Muitas áreas centrais das cidades que eram ocupadas pelos mais pobres, passam a ser ocupadas pelos ricos. Através de ações de caráter higienista, esses pobres são retirados à força de suas moradias infectas e colocados em áreas distantes do centro, onde trabalhavam. Nesses locais, não havia nenhuma infraestrutura, por mínima que fosse. Nem ao menos transporte público que levasse esses trabalhadores até seus locais de trabalho. Os próprios trabalhadores deviam construir suas casas que, claro, na verdade eram barracos, muitas vezes, construídos com madeira e cobertos com palhas ou zinco. Em seguida, como resultado da expansão exponencial da cidade, surge o processo de metropolização. Àquelas que polarizavam determinadas regiões e que eram, principalmente, nós de redes comerciais ou que eram pontos estratégicos de sistemas de transportes, foram as que mais se desenvolveram, ganhando enormes dimensões. Outro fator que contribuiu para esse fenômeno foi a Revolução Industrial. Há um conjunto de novas construções associadas a esse novo momento, consequentemente, há um novo alfabeto e, uma nova escrita de uma nova cidade. Há a intenção de marcar, na história, a presença de um novo padrão de ver o mundo. Novos princípios, valores, ideias, pensamentos, atitudes, comportamentos deixam 112 claro essa nova etapa que vive a atual cidade. Como é próprio acontecer, é preciso se diferenciar do passado ou se libertar do incômodo que ele causa. A metrópole, esse novo modelo de cidade, tem seu estatuto próprio, além de pouca coesão interna e limites indefinidos. Cabe ao cidadão metropolitano, ao imergir nesse gigantesco emaranhado de representações da realidade que é a grande cidade, se enquadrar nesse padrão estabelecido para quem se aventura nessa selva. A sucessão de quadros e de imagens variegados, com incontáveis matizes, bem como o encontro com a multidão que o leva à solitude, conduzem o indivíduo a um estado de consciência diferenciado. É interessante notar que, nessa união indissolúvel entre o capital e a cidade, que resultam em uma nova razão de ser dessa e também a redução das relações com as coisas e as pessoas a uma dimensão eminentemente econômica, produz essa grande cidade e em consequência esse novo cidadão que segue os ditames padronizados, tornando-se um produto dessa excrescência cidade e capital. Desse modo, esse indivíduo se apresenta,ainda que inconscientemente, como aquela excreção da cidade, acima referida. Logo, ele é desprovido de qualquer sentimento de solidariedade e sua subjetividade é refém do estatuto da metrópole. Não há essência, não há a pessoa, o que há contido nele é a metrópole. Não há valores humanos, no sentido primordial de colaboração e solidariedade, tendo em vista que o indivíduo é só o indivíduo ele não é mais a espécie humana, no sentido de fazer parte da comunidade de seres humanos. Tais percepções estão muito distantes. São como luzes tênues que tremulam bem longe. Como estrelas no céu que, de tão distantes, têm brilhos débeis. Não o mobilizam. O que o mobiliza são os interesses que constam no estatuto da metrópole: superficialidade, dinheiro, negócios. Como resultado desse padrão e dos desdobramentos dele advindos, a cidade tem passado por transformações que redundam no surgimento de descontinuidades no tecido urbano. Novas áreas com novos perfis têm surgido e a fragmentado ainda mais. A segregação sócioespacial tem se afirmado, a exemplo das favelas e dos condomínios de luxo. Os pobres continuam sendo expulsos de suas moradias, de seus lugares. Dessa vez, no entanto estão sendo retirados daqueles lugares distantes do centro para onde outrora foram alijados. Esses locais, com o crescimento das cidades, tornaram-se locais de interesse para as classes de maior poder aquisitivo, tendo em vista que, agora, estão localizados nos novos centros das cidades. 113 Nesse sentido, as classes menos favorecidas estão sendo empurradas para locais ainda mais distantes, da mesma forma que antes, sem nenhuma infraestrutura, sem nenhum apoio, e de novo com a anuência do poder público. Com isso, a cidade, mais uma vez, inscreve em sua história a marca da injustiça tornando-se a cidade de uns poucos privilegiados e preterindo uma multidão de despossuídos, aderindo à lógica do mercado. De novo, o capital se reinventa e através da especulação imobiliária, que é uma vertente do capital especulativo e volátil, faz da cidade mais um produto do seu portfólio a ser adquirido por quem pode pagar. Como resultado desse novo paradigma cultural urbano, pode-se perceber o avanço da criminalidade e, em consequência, o medo da cidade. Sem dúvida, o medo dos cidadãos com o que poderia se abater sobre eles, no âmbito da cidade, é algo que sempre existiu. No entanto, sob a influência desse novo paradigma, já referido, o medo assume outros contornos. O sentimento de insegurança, atualmente, é fundamentalmente relacionado com o medo do crime e dos criminosos. É importante acrescentar a isso um medo virtual de uma ameaça inexistente no momento, mas envolve o indivíduo a ponto de ele modificar seu comportamento ao usar os espaços públicos ou, até mesmo, nem usá-los. A criminalidade tem imobilizado as pessoas de tal maneira que elas se sentem impedidas de sair de suas casas por terem certeza de que serão atacadas. Esse medo subjetivo é consequência de uma construção sócio-histórica a partir da disseminação espetacularizada dos casos reais de vitimização. Outra consequência também resultante dessa construção é o medo de determinadas pessoas, com determinadas características e também de lugares determinados, com características determinadas. Assim, é possível ouvir, em muitas falas cotidianas, frases como: “Não passe perto de tal lugar, pois ali ficam moradores de rua”, “Cuidado com aqueles maltrapilhos, sem dúvidas eles assaltam quem passa perto deles”, “Aquele bairro é muito perigoso, eu vi na TV”, “Fulano disse que tem ocorrido muitos assaltos a pedestres no nosso bairro”. Esses discursos têm feito parte do cotidiano das pessoas, têm sido pauta de muitas conversas informais, que os replicam, dando uma dimensão de ubiquidade do crime. Interessante que há, também, os lugares e pessoas dos quais não precisa ter medo. Mais uma vez a segregação social e a segregação espacial se afirmam, como se fossem algo imperioso para a vida das pessoas e da cidade. Esse fenômeno de exacerbação da criminalidade também resulta do processo de urbanização brasileiro, que ocorreu e ocorre em 114 algumas cidades ainda, sob a ação da segregação e da injustiça social presentes no Brasil e em Natal não é diferente. Outro aspecto que influenciou o fenômeno foi a implantação de uma visão competitiva de mercado, na qual o mais preparado deve vencer o menos preparado. O que vende mais e bate metas é o trabalhador ideal e deve permanecer na empresa, enquanto o trabalhador que não bate as metas deve ser demitido. Mais um elemento a ser considerado nessa equação do medo da cidade é a imprensa com seus noticiários que reproduzem essa sensação de insegurança. Os diversos programas sensacionalistas que apresentam notícias sobre os crimes ocorridos na cidade, têm, como única finalidade, atingir índices elevados de audiência. Como consequência, não há compromisso com o padrão de se fazer comunicação social corretamente. O compromisso é com os números tanto de audiência quanto de patrocinadores que geram renda para as emissoras e os apresentadores. A intenção quase sempre é causar impacto, chocar a população e não informá-la. Portanto, a notícia passa a ser um produto e, como tal, deve receber a embalagem adequada para que se torne um objeto de desejo dos consumidores que estão assistindo a esses programas. Esses espectadores são de tal modo envolvidos que têm suas mentes, gradativamente, programadas por esses noticiários para encarar esse tipo de notícia como algo digno de medo. Isso ocorre não só na imprensa televisionada, como também na imprensa escrita. De maneira geral, as manchetes sobre notícias que envolvam crimes são alarmistas. É evidente que o objetivo é vender jornais, logo a imparcialidade e a comunicação sensata dos fatos são preteridos. Isso contribui, também, para a disseminação da sensação de insegurança na cidade. É importante notar que os programas e os jornais escritos, ao mostrarem os criminosos e os lugares onde acontecem os crimes bárbaros, apresentam sempre o mesmo perfil, dessas pesoas, a mesma cor de pele, o mesmo lugar onde moram, quanto aos lugares, sempre os periféricos, os sem infraestrutura, os mais pobres. Colaborando com a construção simbólica dos estereótipos da criminalidade; mais uma vez é essa pessoa, com essas características, é esse lugar, com essas características. O Estado, em suas três esferas de poder, tem a responsabilidade de coibir as ações criminosas, seja prevenindo, seja reprimindo. No entanto, é, no nível estadual, de acordo com a Constituição Federal, que está a competência de coibir diretamente a criminalidade. Na esfera da União, estão as Polícias Federal e Rodoviária Federal que têm competências 115 diversas das esferas estadual e municipal. Assim, às Unidades da Federação, através das Polícias Militar e Civil, competem reprimir e prevenir a criminalidade. Visando garantir ao contribuinte a posse de seus bens e de sua vida. Ela atinge não só diretamente as pessoas como também indiretamente vitimizando, psicologicamente, aqueles que não foram vítimas diretas. O crime também tem influência direta na economia do país; é também um dos elementos que contribuem para a crise econômica. Esse combate através da repressão se dá com a Polícia Militar de forma ostensiva presente nos espaços públicos e, ao mesmo tempo, pela Polícia Civil mediante procedimentos investigativos após o acontecimento dos crimes. São fundamentais, para o sucesso das ações, os adequados planejamento e execução. Para tanto, é preciso qualificação adequada. Modernamente uma das principais ferramentas de combate à criminalidade é o uso de informações, que devem ser adequadamente coletadas e tratadas, para subsidiarem asações. Em relação a ações preventivas, tanto o poder público estadual, quanto o poder público municipal podem atuar de forma articulada, implementando políticas sociais que envolvam os jovens em atividades lúdicas, por exemplo. É possível promover, nos contraturnos, atividades esportivas, artísticas ou de lazer que mantenham os jovens longe do contato com os bandidos e as drogas. Outras políticas podem ser implementadas nas áreas de assistência social através dos CRAS e CREAS. Como também em programas de superação da drogadição. Os municípios, ao realizarem suas atividades de manutenção dos espaços públicos, estão colaborando com a prevenção. Em relação a Natal, os índices mostram que houve, de fato, um crescimento exacerbado nos casos de homicídios; no entanto os outros indicadores, apesar de apontarem uma tendência de crescimento, esses não foram tão intensos quanto os homicídios. Os CVLI's, entre 2014 e 2015, tiveram uma redução de 14,7%, apesar de ainda serem números absolutos muito elevados para os padrões nacionais. A Polícia Militar do Rio Grande do Norte apresenta, hoje, uma quantidade de 8.926 servidores e a Polícia Civil 1.929. A Guarda Municipal de Natal possui 460 servidores. As entrevistas realizadas com representantes de entidades da sociedade civil e com gestores da segurança pública deixaram claro, no caso dos representantes das entidades da sociedade civil, que eles se encontram extremamente assustados com o que vem acontecendo em Natal nos últimos anos. Segundo eles, a criminalidade, de certa maneira, tomou conta da 116 cidade, e o poder público não tem mais condições de combatê-la. Eles apontaram que a explicação, para essa situação, seria a má gestão no sistema de segurança pública. Não haveria compromisso com a efetiva proteção da sociedade. Há um desânimo em suas falas e pode-se perceber uma sensação de prostração e abandono por parte do poder público à população. Essa sensação se dá porque, há bem pouco tempo, Natal era considerada a mais segura capital do Brasil, inclusive alguns entrevistados ou seus pais migraram para Natal devido a isso. E, em pouco tempo, esse quadro se reverteu; daí, essa sensação de insegurança tão intensa. Há termos usados pelos entrevistados que definem bem suas sensações; são os seguintes: “guerra”, “caos”, “crise”, “delírio”, “pânico”, “desespero”, “terror”, “medo”, “morte”. São descritas diversas ações criminosas seja nas residências, com arrombamentos, invasões, assaltos; seja nos comércios com arrombamentos, assaltos, latrocínios; seja nos ônibus com mortes, espancamentos, tentativas de homicídio. Citaram, também, muitos casos de assaltos a pedestres nos bairros, ou a passageiros nos ônibus, ou a caixas de comércios, inclusive com mortes. Diversos estabelecimentos têm sido alvo de crimes, tais como: mercadinhos, farmácias, padarias, postos de gasolina. Os entrevistados falam em prejuízo à qualidade de vida. Já não há mais condições de frequentar os espaços públicos e privados sem alguma preocupação com a possibilidade de ser vítima. Além disso, no caso dos restaurantes, esses têm sido atingidos em suas economias diretamente, tendo em vista a diminuição da frequência a esses estabelecimentos, como também o aumento dos custos com a adoção de medidas para coibir ou minimizar os crimes. Para eles, os serviços prestados são totalmente deficitários. Acreditam que um dos principais problemas é o efetivo insuficiente da Polícia Militar. Além disso, têm a convicção de que o Estado, por falta de investimento, não tem mais condições de fazer frente aos criminosos. Há a impressão de que os gestores não têm conhecimento suficiente para gerenciar o sistema. Considerando que há poucos recursos, é necessário um elevado nível de conhecimento e experiência para geri-los. Falaram, também, sobre a falta de cuidado do poder público municipal com as praças e a iluminação pública, uma vez que as praças do bairro Cidade Satélite, que são 10, estão sem manutenção há dois anos e há muitos postes com luzes queimadas em todo o bairro. As principais estratégias, para tentar evitar ser vítima do crime, é o uso de segurança privada seja armado ou desarmado que tem sido uma opção bastante eficiente para oferecer 117 aos usuários dos estabelecimentos comerciais alguma sensação de segurança. Nos casos dos bares e restaurantes, também têm sido muito utilizadas a segurança privada e a contratação de policiais em suas folgas para trabalhar como segurança desses locais. Para os motoristas de ônibus, o que é prática comum para minimizar a possibilidade de serem assaltados é não parar em determinados locais e horários e, como muitos deles, já conhecem os criminosos, ao vê-los não atendem a sua solicitação de parada. Um elemento que não tem impedido a ação dos bandidos dentro dos ônibus é a câmera de monitoramento, instaladas em muitos ônibus. Os bandidos não se sentem constrangidos com elas. Uma outra solução que foi tentada foi o uso do botão de pânico, mas que não obteve sucesso porque os criminosos assim que anunciavam o assalto já impediam o motorista de acionar o botão. Os postos de gasolina têm utilizado como estratégias o vídeo monitoramento, os seguranças armados, quase sempre policiais em folga, os chamados cofres boca de lobo que é um equipamento no qual é colocado o dinheiro arrecadado pelos frentistas dos postos. Geralmente, o equipamento é fixado no chão ou embutido em uma parede de maneira que é quase impossível retirá-lo ou arrombá-lo em um tempo curto. Assim, a cada fração de tempo determinada, os frentistas devem colocar, na verdade jogar através de uma abertura, o dinheiro que arrecadam. Não podem ter, em sua posse, grandes somas e são orientados, enfaticamente, a manter consigo pequenas quantidades de dinheiro apenas para trocos de pequeno valor. Os moradores de residências têm adotado como estratégias o uso de portão automatizado, de maneira que, ao se aproximarem de suas residências, acionam a abertura e, assim que entram, acionam o fechamento. Outras estratégias são o uso de grades de ferro em todas as janelas e portas, muros altos, cães de guarda, câmeras de vídeo-monitoramento, sensores de presença nos ambientes internos e na parte externa da casa, cercas elétricas com concertinas de arame farpado e também vigilantes de rua, que entretanto não têm nenhum tipo de vínculo empregatício com nenhuma empresa, os quais oferecem seus serviços e muitos moradores aceitam pagar-lhes mensalmente. Alguns moradores têm o hábito de ficar atentos às pessoas estranhas próximo as suas casas. Ao entrarem e saírem de casa, observam, cuidadosamente, se há algum veículo estranho próximo, ou algo incomum e, então, evitam entrar ou sair até que a situação se normalize. A AMOCISA pretende implantar um projeto de segurança comunitária que funcionará com 3 (três) motociclistas diuturnamente com celulares 118 e hand talks cada um, e também câmeras de monitoramento em, inicialmente, 42 (quarenta e duas) ruas do bairro a título de experiência. Os gestores públicos apontaram diversas estratégias para minimizar a possibilidade de vitimização. De modo geral, todos destacaram a necessidade de uma atenção redobrada ao estar nas ruas, praças, estacionamentos, enfim, em lugares abertos. Sempre redobrar a atenção ao perceber a aproximação de uma motocicleta ou bicicleta e se antecipar a uma suposta ação, saindo desse local ou se abrigando atrás de muros ou carros próximos, mas sem que os prováveis criminosos vejam. Ainda quando estiverem, nesses locais abertos, não se deve utilizar celular de espécie alguma, correntes, brincos, pulseiras, ou anéis de ouro, jóias; de maneira geral, todos esses elementos chamam muito a atençãodos criminosos devido à facilidade de vender rapidamente. É importante destacar que os criminosos sempre procuram atacar as pessoas menos atentas, descuidadas. Esse mesma postura deve ser adotada ao andar de ônibus e também não andar com vultosas somas de dinheiro, apenas o suficiente para a passagem. O dinheiro da passagem deve estar separado antes de entrar no ônibus.. Ao caminhar nesses locais, deve-se usar o meio da calçada e no sentido contrário ao trânsito para que seja possível perceber qualquer aproximação de veículos. Evitar o uso de dinheiro é uma medida importante; recomenda-se o uso do cartão. Não pedir orientações a estranhos. Não andar sozinho à noite nas ruas. Evitar passar por locais sem iluminação, ermos, becos, vielas, terrenos ou construções. Não parar para atender pedido de estranhos. Manter seus pertences sempre à frente do corpo. Desconfiar de pequenos grupos aglomerados, não passar próximo a eles e, ao passar, manter a atenção. Procurar conhecer os policiais do seu bairro e onde há uma unidade policial. Quando no trânsito, dirigindo ou como passageiro, é preciso manter as janelas fechadas se for possível; caso contrário, deve-se evitar todo e qualquer elemento que possa chamar a atenção dos bandidos. Não manter notebooks, tablets, smartphones, bolsas, mochilas, maletas ou pastas sobre qualquer um dos bancos; esses objetos devem estar no porta-luvas, ou embaixo do banco ou dentro do porta-malas, fora da visão de alguém que esteja fora do carro. Ao se aproximar de um semáforo que está fechado e não tenha outros veículos, deve-se diminuir a velocidade esperando que o semáforo abra, caso não seja possível pare bem antes dele em um local que não tenha próximo nada que possa servir de esconderijo. Ao chegar ou sair de casa, é necessária toda a atenção, observar a rua, se há 119 alguma coisa ou pessoa estranha, se há veículos desconhecidos parados próximos à sua casa. Caso haja, não se aproximar da casa. Dar voltas no quarteirão e aguardar; ao tentar novamente, se a situação estranha se mantiver, chamar a polícia através do 190. Passar todas as informações e detalhes possíveis. Ao entrar ou sair de casa, essa manobra deve ser feita com rapidez, como também a abertura e o fechamento do portão devem ser rápidos. Não permanecer dentro do carro do lado de fora da casa, na rua em hipótese alguma. Caso queira desembarcar algum volume, faça dentro de casa, na garagem. Ao deixar alguém em casa, não ficar conversando com essa pessoa dentro do carro do lado de fora da casa; caso precise conversar, entre na casa. Uma estratégia que tem sido utilizada pelas pessoas é a criação de grupos de whatsapp entre vizinhos para troca de informações sobre o que acontece na rua. Assim, quando há algo estranho, a primeira pessoa que percebe passa a informação, imediatamente, para o grupo e, com isso, todos ficam atentos; inclusive quem está saindo ou chegando em casa. A postura de vigilância e de atenção para com a situação ou pessoa estranha pode inibir a ação criminosa. Essa vigilância deve ser feita com segurança, mas não muito discreta; é necessário que o estranho perceba que está sendo vigiado. Esses mesmos grupos podem ser criados em diversas outras situações, por exemplo entre estudantes de uma escola cujos caminhos de acesso podem oferecer risco de uma ação criminosa. Desse modo, o primeiro estudante que perceber algo ou alguém estranho em um determinado caminho imediatamente informa para o grupo que deverá evitar esse caminho. Quando for necessário utilizar o banco, deve-se evitar o saque de somas vultosas. O uso da internet, atualmente, é mais seguro para fazer movimentações bancárias. Sempre utilizar os caixas eletrônicos que estão localizados em lugares de grande movimentação e, ao utilizá-los, ficar atento a qualquer comportamento anormal de pessoas próximas. Por exemplo, uma pessoa que está próxima do caixa eletrônico, mas não faz uso dele apenas observa as pessoas que o utilizam ou um caixa eletrônico que não tem ninguém utilizando, mas há uma pessoa próxima nesse caso não deve ser utilizado. Deve-se aguardar a saída da pessoa ou procurar outro equipamento. Em estacionamentos, ao se aproximar do seu veículo, observar se há alguém próximo encostado em outro veículo, ou que começou a andar ao observar o desacionamento do alarme. Nesse caso, deve afastar-se, imediatamente, e, se possível, pedir ajuda a algum vigilante caso haja. 120 Por fim, em caso de assalto, manter a calma, não fazer gestos rápidos, responder, somente, ao que lhe for perguntado, ou informar ao criminoso sobre qualquer movimento que precise fazer, não discutir, entregar o que ele pedir, não fazer brincadeiras, não o encarar e principalmente, nunca reagir, o que pode ser fatal. Quanto aos gestores, esses admitem que, de fato, houve um aumento da criminalidade em Natal nos últimos anos. Atribuem o fato à crise econômica que gerou desemprego o que acaba levando algumas pessoas ao crime. Esforços têm sido feitos, no entanto não têm surtido o efeito desejado. Isso tem levado à população a viver assustada e insegura. Para o Comandante da Guarda Municipal, os gestores não conseguem perceber a dimensão do problema da criminalidade em Natal, e isso resulta em baixos investimentos e, consequentemente, equipamentos de baixa qualidade e obsoletos, que não fazem frente aos criminosos. Outro fator importante é a questão salarial; os policiais ganham salários bastante aquém de suas necessidades. As ações policiais são pontuais e espaças e são realizadas apenas para dar a impressão de que estão se esforçando para coibir a criminalidade. Um programa, implantado pelo Governo do Estado em um determinado bairro como um projeto piloto, está sendo levado a efeito com a retirada de policiais e viaturas de outros locais que ficam desguarnecidos. Concluindo, a sociedade civil não dispõe de um serviço de segurança pública minimamente adequado para o nível de criminalidade existente na cidade. A população sente- se insegura, assustada, abandonada e enclausurada nas suas residências, prejudicando, assim, a sociabilidade. Além disso, há as somatizações provocadas pelo medo do crime. Há diversas orientações e estratégias que podem e devem ser adotadas para que as pessoas evitem ou, pelo menos, minimizem a possibilidade de ser vítima de um criminoso. 121 REFERÊNCIAS ANUÁRIO BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA 2015. São Paulo: Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2015. Disponível em: <http://www.forumseguranca.org.br/publicacoes/9o-anuario-brasileiro-de-seguranca- publica/>. Acesso em: 25 jan. 2017. 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A presente entrevista é relevante para minha dissertação e objetiva identificar quais as estratégias de gestão do medo da criminalidade urbana prescritas pelos gestores de segurança pública, como também sua compreensão sobre essa questão. Os dados levantados nessa entrevista poderão serutilizados na elaboração da dissertação, com exceção das informações para as quais me peça expressamente confidencialidade. Gostaria também de solicitar autorização para gravar esta entrevista. 1. Qual a sua opinião, como gestor de segurança pública, em relação à criminalidade na cidade de Natal? 2. Qual a sua opinião, como gestor de segurança pública, em relação ao serviço prestado pelo Estado nessa área? 3. Como o cidadão deve se comportar para evitar ser vítima de crimes? 4. O cidadão deve ter medo da criminalidade? 5. Na qualidade de gestor da segurança pública, quais as diretrizes básicas que norteiam seu trabalho? 135 Roteiro de entrevistas com representantes de entidades da Sociedade Civil UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES DEPARTAMENTO DE POLÍTICAS PÚBLICAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS ORIENTADOR: PROF. DR. FERNANDO MANUEL ROCHA DA CRUZ ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA PARA PESQUISA ACADÊMICA Encontro-me a fazer Mestrado em Estudos Urbanos e Regionais no Departamento de Políticas Públicas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. A presente entrevista é relevante para minha dissertação e objetiva identificar quais as estratégias de gestão do medo da criminalidade urbana utilizadas pelos moradores de Natal e mais especificamente dessa entidade. Os dados levantados nessa entrevista poderão ser utilizados na elaboração da dissertação, com exceção das informações para as quais me peça expressamente confidencialidade. Gostaria também de solicitar autorização para gravar esta entrevista. 1. Qual a sua opinião, como representante de um determinado grupo, em relação à criminalidade na cidade de Natal? 2. Qual a sua opinião, como representante de um determinado grupo, em relação à segurança pública provida pelo Estado? 3. Seus representados têm sido vítimas de crimes como o roubo? 4. Quais as estratégias utilizadas por seus representados para minimizar a possibilidade de ser vítima do crime? 136