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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA E URBANISMO MARCELLA VIANA PORTELA DE OLIVEIRA CUNHA CONDOMÍNIOS PÚBLICOS PARA IDOSOS: O CASO DO “CIDADE MADURA” NA PARAÍBA NATAL 2020 2 3 MARCELLA VIANA PORTELA DE OLIVEIRA CUNHA CONDOMÍNIOS PÚBLICOS PARA IDOSOS: O CASO DO “CIDADE MADURA” NA PARAÍBA Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito para obtenção do título de Doutora em Arquitetura e Urbanismo. Orientadora: Profᵃ. Dra. Gleice Azambuja Elali Natal 2020 4 UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE TECNOLOGIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA E URBANISMO A tese CONDOMÍNIOS PÚBLICOS PARA IDOSOS: O CASO DO “CIDADE MADURA” NA PARAÍBA, desenvolvida por MARCELLA VIANA PORTELA DE OLIVEIRA CUNHA no PPGAU/UFRN, está inserida na Área de Concentração I – PROJETO, MORFOLOGIA E TECNOLOGIA DO AMBIENTE CONSTRUÍDO, e na Linha de Pesquisa MORFOLOGIA, USOS E PERCEPÇÃO DO AMBIENTE. Ela foi orientada pela Profᵃ. Dra. Gleice Azambuja Elali e, em acordo com as normas da instituição, defendida por meio de banca on line, tendo sido APROVADA POR UNANIMIDADE em 12/11/2020. BANCA EXAMINADORA Profᵃ. Dra. Gleice Azambuja Elali – PPGAU/UFRN (Orientadora – Presidente da banca) Prof. Dr. Heitor Andrade – PPGAU/UFRN (Examinador Interno) Profa. Dra. Amíria Brasil – CAU/UFRN (Examinador Externa ao Programa) Profa. Dra. Nirce Medevedowski – UFPEL (Examinadora Externa à Instituição) Profa. Dra. Siva Alves Bianchi – UFRJ (Examinadora Externa à Instituição) A Ata da Sessão, que correspondeu à 72a Defesa de Tese do PPGAU/UFRN, foi assinada digitalmente pelos membros participantes por meio de acesso à Mesa Virtual do SigaA/UFRN. 5 À minha filha Mariah (In Memoriam) 6 AGRADECIMENTOS Muita coisa acontece na nossa vida em quatro anos. Na minha, em particular, não faltaram dificuldades e alegrias ao longo do percurso. Para aqueles que escolhem a carreira acadêmica como profissão, este momento simboliza um ponto especial da caminhada, que inocentemente achamos ser o fim, mas, na verdade, é apenas o começo de uma longa jornada. É impossível chegar até aqui sozinha; por isso, agradeço a todas as pessoas que, direta ou indiretamente, conscientemente ou não, contribuíram para que este momento chegasse. Assim, dedico meus mais sinceros agradecimentos: - Aos participantes da pesquisa, tanto os idosos residentes nos CCMs estudados quanto os profissionais que me receberam, pela generosidade com que dividiram comigo seu conhecimento e suas vivências. - Ao Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo (PPGAU) da UFRN, pela acolhida e oportunidade de realizar esta pesquisa. - Aos professores das disciplinas e das várias bancas, pelas relevantes contribuições para a melhoria do trabalho. - Aos muitos amigos que me acompanharam nesta caminhada. - À minha orientadora que, de forma maternal, cuidou de mim e da tese, nos guiando com serenidade, me conduzindo acadêmica e pessoalmente, não me permitindo desanimar, nem desistir. - à minha família, que sempre me apoiou no alcance de qualquer objetivo: a Maristela, minha mãe, por me escutar e me apoiar nos momentos mais difíceis; a Fernando, meu pai, pelas longas chamadas telefônicas, sempre recheadas de ensinamentos e cobranças para que eu não me desviasse do caminho; a Denis, meu padrasto, que é um incentivador dos meus objetivos e vibra com todas as vitórias; aos meus irmãos, em especial a Mariane, sempre solícita, me ajudando no que podia; a Mariah, minha filha que, lá do céu, me alimenta com sua força e nunca me deixa desistir. Obrigada por sempre cuidar e olhar por esta filha, Deus! Conseguimos! 7 Trabalhar com a filosofia, assim como trabalhar com a arquitetura, é, na verdade, trabalhar consigo mesmo. (Ludwig Wittgenstein) 8 CUNHA, Marcella Viana Portela de Oliveira. Condomínios públicos para idosos: o caso do “Cidade Madura” na Paraíba. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Natal, RN, 2020, 213p. RESUMO Em resposta ao envelhecimento de sua população e como estratégia para suprir a demanda por moradias das pessoas com idade igual ou superior a 60 anos, o Governo da Paraíba está implantando empreendimentos habitacionais horizontais, públicos e fechados, exclusivos para essa faixa etária, denominados de ‘Condomínios Cidade Madura’ (CCM). Destinados a pessoas com mais de 60 anos e faixa salarial máxima de três salários mínimos, os CCMs são implantados na periferia de cidades de médio ou grande porte. Esta tese se propôs a compreender tais condomínios, tendo como perguntas de partida: o modelo adotado pelo CCM é adequado ao idoso? Qual(is) o(s) impacto(s) da proposta arquitetônica/urbanística adotada para a vida dos moradores? Como os usuários/moradores percebem o condomínio em que vivem? A hipótese do trabalho é que, apesar de garantir moradia a idosos de baixa renda, algumas características da tipologia “condomínios horizontais públicos fechados” (como o CCM) impactam negativamente a vida dos seus moradores, refletindo-se espacial e socialmente em dificuldades para o desenvolvimento de suas atividades cotidianas. Diante disso, o objetivo geral do estudo foi analisar os impactos que a tipologia adotada pelos CCMs tem sobre os idosos moradores, a fim de propor diretrizes para futuros projetos. Para tanto, a atividade empírica teve como recorte espacial os CCMs das cidades de João Pessoa e Campina Grande, na Paraíba, tomados como estudos de caso. Metodologicamente, além de estudo bibliográfico e análise documental, a atividade empírica recorreu à abordagem Multimétodos, promovendo o confronto da análise técnica do pesquisador (obtida por sintaxe espacial e vistoria) com o ponto de vista do usuário (por meio de questionários e grupo focal). A pesquisa mostrou que, embora existam características dos CCMs consideradas positivas por seus usuários (sobretudo o baixo aluguel social envolvido), há vários problemas associados a eles (em especial: sua localização, o afastamento da área conhecida da cidade e da família, a insegurança na permanência no local, a dissociação entre a programação arquitetônica e as necessidades dos moradores, o dimensionamento das unidades). Diante dessas evidências, recomenda-se que o modelo não seja reproduzido do modo como foi observado, sendo apontadas diretrizes que facilitariam a implantação de habitações para idosos a partir de outros parâmetros. Palavras-chave: Idoso; Qualidade de vida; Habitação; Condomínios. 9 CUNHA, Marcella Viana Portela de Oliveira. Public housing to elderly people: The case of “Cidade Madura” in Paraíba. Document submitted to the Doctoral Defense Exam. Program in Architecture and Urbanism. Federal University of Rio Grande do Norte. Natal, RN, 2019, 213p. ABSTRACT In response to the aging process of its population and as a strategy to meet the demand for homes meant for people aged 60 or over, Paraiba's Government is implementing, in several cities, closed public horizontal housing developments, exclusive for the elderly: the Cidade Madura Condominiums (CCM). Intended for people above 60 years and maximum salary range of three minimum wages, the CCMs are usually installed in the outskirts of mediumor large cities. In this context, this thesis had as starting questions: Is this housing model fit for its target audience? Which impacts architectural/urban proposal represents in the life of the elderly residents? How its users/ residents see the program and the condominium in which they live? Provisionally answering these questions, the hypothesis of this paper supposes that, despite the guarantee of housing to low–income seniors, the public horizontal housing developments (such as CCM) have problems that can reflect in difficulties in the deployment of daily activities of the residents, causing them inconveniences that need to be circumvented. In light of that, the general objective of the study was to analyze the impacts that the typology adopted by the CCM / Paraíba has on the elderly residents in order to propose guidelines for future projects. To this end, the empirical activity had as spatial cut out the CCM of the cities of João Pessoa and Campina Grande, in Paraíba. Methodologically, in addition to bibliographic study and document analysis, the thesis resorted to empirical activity through case studies using a multi- method approach –confrontation of the researcher´s technical analysis (obtained by spatial syntax and survey) with the user´s point of view (through questionnaires and focus group). The research has shown that, although there are features of the CCMs considered positives by its users (especially the low cost regarding its social rent), there are also several problems associated with them (in particular: their location, their distance from the known part of the city and from the users' family, insecurity to stay in the CCMs, the dissociation between the architecture and the residents' needs, as well as the dimensioning of the units). In light of the evidence, it's recommended that the model isn't copied as observed, pointing out guidelines that would improve housing solutions for the elderly from different parameters. Keywords: Elderly; Quality of life; Housing; Condominiums. 10 CUNHA, Marcella Viana Portela de Oliveira. Condominios públicos para mayores: el caso de la “ciudad madura” en Paraíba. Tesis de doctorado. Programa de Postgrado en Arquitectura y Urbanismo. Universidad Federal de Rio Grande do Norte. Natal, RN, 2019, 212p. RESUMEN En respuesta al envejecimiento de su población y como estrategia para atender la demanda de vivienda en personas de personas de 60 años o más, el Gobierno de Paraíba está implementando proyectos de vivienda pública cerrados exclusivamente para personas mayores, conocidos como Condominios Cidade Madura (CCM). Dirigidos a personas mayores de 60 años y con un rango de salario máximo de tres salarios mínimos, se han implementado MCP en la periferia de ciudades medianas o grandes. Esta tesis proponía entender dichos condominios partiendo de las siguientes preguntas: el modelo adoptado por ¿CCM / Paraíba es apto para personas mayores? ¿Cuál es el impacto (s) de la propuesta arquitectónica / urbanística adoptada para la vida de los residentes? ¿Cómo perciben los usuarios / residentes el condominio en el que viven? La hipótesis del trabajo es que, a pesar de garantizar vivienda para personas mayores de bajos ingresos, algunas características de la tipología de “condominios cerrados públicos horizontales” (como el CCM) impactan negativamente en la vida de sus residentes, reflejándose espacial y socialmente en dificultades para el desarrollo de sus actividades diarias. Por tanto, el objetivo general del estudio fue analizar los impactos que la tipología adoptada por CCM / Paraíba tiene sobre los residentes mayores con el fin de proponer lineamientos para futuros proyectos. Para ello, la actividad empírica tuvo el CCM de las ciudades de João Pessoa y Campina Grande, en Paraíba, como un recorte espacial, tomado como casos de estudio. Metodológicamente, además del estudio bibliográfico y análisis documental, la actividad empírica utilizó el enfoque Multimétodos, promoviendo la comparación del análisis técnico del investigador (obtenido a través de sintaxis espacial y encuesta) con el punto de vista del usuario (a través de cuestionarios y focus group). La investigación mostró que, si bien existen características de CCM consideradas positivas por sus usuarios (especialmente la baja renta social que implica), existen varios problemas asociados a ellos (en particular: su ubicación, lejanía de la zona conocida de la ciudad y la familia, inseguridad en la permanencia en el lugar, la disociación entre la programación arquitectónica y las necesidades de los residentes, el dimensionamiento de las unidades). Ante esta evidencia, se recomienda que el modelo no se reproduzca en la forma en que se observó, señalando pautas que facilitarían la implantación de viviendas para ancianos desde otros parámetros. Palabras-Clave: Personas Mayores; Calidad de vida; Habitación; Condominios 11 LISTA DE SIGLAS ATI – Academia da Terceira Idade (equipamento para atividade ao lar livre) AU – Arquitetura e Urbanismo CCM – Condomínio Cidade Madura FGTS – Fundo de Garantia por Tempo de Serviço IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística OMS – Organização Mundial da Saúde ONU – Organização das Nações Unidas PMJP – Prefeitura Municipal de João Pessoa PNI – Política Nacional do Idoso PPGAU – Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo SE – Sintaxe Espacial SEDH – Secretaria do Desenvolvimento Humano da Paraíba TCLE – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido UFPB – Universidade Federal da Paraíba UFRN – Universidade Federal do Rio Grande do Norte UPA – Unidade de Pronto Atendimento 12 LISTA DE FIGURAS Figura 1. Os determinantes do envelhecimento ativo............................................................... 30 Figura 2. Fluxograma metodológico da pesquisa. .................................................................... 58 Figura 3. Mapa da Paraíba com as cidades que possuem Condomínios Cidade Madura......... 59 Figura 4. CCM: Projeto da casa – planta, corte, fachada ......................................................... 62 Figura 5. Fatores determinantes da iluminância adequada ....................................................... 70 Figura 6. Pontos mais frequentes das medições no quarto, sala e cozinha............................... 71 Figura 7. Anemômetro Digital, Luxímetro Digital ITDL- 260 e Decibelímetro. .................... 71 Figura 8. CCM-JP: Mapa de localização. ................................................................................. 78 Figura 9. CCM-JP: Implantação e imagens gerais. .................................................................. 80 Figura 10. CCM-JP: Unidade habitacional – planta baixa e fotos. .......................................... 81 Figura 11. CCM-JP: Mapa de segmento de integração global. ................................................ 85 Figura 12. CCM-JP: Mapa de segmento de integração local (R3) ........................................... 85 Figura 13. CCM-JP: Mapa de segmento de escolha. ................................................................ 86 Figura 14. CCM-JP: Step Depth. .............................................................................................. 86 Figura 15. CCM-JP: Vista geral do condomínio. ..................................................................... 87 Figura 16. CCM-JP: Mapa de uso e ocupação do solo na área de entorno do condomínio. .... 93 Figura 17. CCM-JP: Gráfico da localização do condomínio quanto ao seu acesso aos serviços .................................................................................................................................................. 94 Figura 18. CCM-JP: Gráfico do meio de locomoção no deslocamento aos estabelecimentos. 95 Figura19. CCM-JP: Centro de vivência. ................................................................................. 97 Figura 20. CCM-JP: Equipamentos de ginástica. ..................................................................... 97 Figura 21. CCM-JP: Núcleo de saúde ...................................................................................... 98 Figura 22. CCM-JP: Pista de caminhada. ................................................................................. 98 file://///Users/marcellaportela/Desktop/acadêmico/DOUTORADO/DEFESA/final/arquivo%20final/Arquivo%20Final/final%20entregue/TESE%20MARCELLA%20VIANA%20PORTELA%20correcao%20entrega%20sugestões%20Gleice.docx%23_Toc61281137 13 Figura 23. CCM-JP: Praça. ....................................................................................................... 99 Figura 24. CCM-JP: Gráfico da qualidade da infraestrutura do condomínio. ........................ 100 Figura 25. CCM-JP: Gráfico da distância dos equipamentos em relação à sua casa. ............ 101 Figura 26. CCM-JP: Gráfico da adequação dos cômodos ao morador. ................................. 101 Figura 27. CCM-JP: Gráfico da avaliação da dimensão dos cômodos. ................................. 102 Figura 28. CCM-JP: Gráfico da classificação da qualidade dos materiais de acabamento. ... 103 Figura 29. CCM-JP: Gráfico da melhoria da condição de vida.............................................. 104 Figura 30. CCM-JP: Gráfico do sentimento de pertencimento. ............................................. 105 Figura 31. CCM-JP: Gráfico da frequência de visita. ............................................................ 106 Figura 32. CCM-CG: Implantação do Condomíni ................................................................. 113 Figura 33. CCM-CG: Implantação e imagens gerais. ............................................................ 115 Figura 34. CCM-CG: Mapa axial de integração..................................................................... 119 Figura 35. CCM-CG: Mapa de integração Global. ................................................................ 120 Figura 36. CCM-CG: Mapa de integração local (R3). ........................................................... 120 Figura 37. CCM-CG: Mapa Escolha. ..................................................................................... 121 Figura 38. CCM-CG: Mapa Step Depth ................................................................................. 121 Figura 39. CCM-CG: Quadra e circulação horizontal. ........................................................... 122 Figura 40. CCM-CG: Academia de ginástica para idosos. ..................................................... 123 Figura 41. CCM-CG: Redário e mesas para jogos. ................................................................ 123 Figura 42. CCM-CG: Horta comunitária. ............................................................................... 124 Figura 43. CCM-CG: Projeto arquitetônico da casa............................................................... 125 Figura 44. CCM-CG: Gráfico da localização do condomínio quanto ao seu acesso. ............ 129 Figura 45. CCM-CG: Gráfico do meio de locomoção. .......................................................... 130 Figura 46. CCM-CG: Gráfico do tempo a pé ao ponto de ônibus. ......................................... 131 Figura 47. CCM-CG: Centro de vivência. .............................................................................. 132 14 Figura 48. CCM-CG: Equipamentos de ginástica. ................................................................. 133 Figura 49. CCM-CG: Núcleo de saúde .................................................................................. 134 Figura 50. CCM-CG: Pista de caminhada. ............................................................................. 134 Figura 51. Praça. .................................................................................................................... 135 Figura 52. CCM-CG: Gráfico da qualidade da infraestrutura. ............................................... 136 Figura 53. CCM-CG: Gráfico da qualidade de infraestrutura. ............................................... 138 Figura 54. CCM-CG: Melhoria das condições de vida. ......................................................... 139 Figura 55. CCM-CG: Quando se sente em casa. .................................................................... 140 Figura 56. CCM-CG: Quando recebe visita. .......................................................................... 141 Figura 57. Visitas em relação à antiga moradia...................................................................... 141 Figura 58. Projeto padrão de implantação. ............................................................................. 156 Figura 59. CCM-Patos: Mapa axial de Escolha. .................................................................... 203 Figura 60. CCM-Patos: Mapa axial de Integração. ................................................................ 204 Figura 61. CCM-Cajazeiras: Mapa axial de Escolha. ............................................................ 206 Figura 62. CCM-Cajazeiras: Mapa axial de Integração ......................................................... 207 file://///Users/marcellaportela/Desktop/acadêmico/DOUTORADO/DEFESA/final/arquivo%20final/Arquivo%20Final/final%20entregue/TESE%20MARCELLA%20VIANA%20PORTELA%20correcao%20entrega%20sugestões%20Gleice.docx%23_Toc61281184 file://///Users/marcellaportela/Desktop/acadêmico/DOUTORADO/DEFESA/final/arquivo%20final/Arquivo%20Final/final%20entregue/TESE%20MARCELLA%20VIANA%20PORTELA%20correcao%20entrega%20sugestões%20Gleice.docx%23_Toc61281186 15 LISTAS DE TABELAS Tabela 1. Indicações para a Zona Bioclimática 8 ..................................................................... 69 Tabela 2. Valores de iluminâncias em lux por tipo de atividade. ............................................. 70 Tabela 3. Áreas das aberturas. .................................................................................................. 88 Tabela 4. Mensuração do nível de ruído................................................................................... 89 16 LISTA DE QUADROS Quadro 1. Resumo dos elementos da pesquisa ......................................................................... 21 Quadro 2. Síntese das variáveis e dimensões relativas à qualidade de vida. ............................ 42 Quadro 3. Síntese das variáveis e dimensões relativas a qualidade de vida urbana. ................ 45 Quadro 4. Variáveis de avaliação de políticas públicas. .......................................................... 51 Quadro 5. Esquema da metodologia utilizada por Bonduki, 2001. .......................................... 53 Quadro 6. Desenho da pesquisa - Síntese das variáveis e dimensões da tese. ........................ 57 17 1. INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 19 2. ENVELHECIMENTO E QUALIDADE DE VIDA ........................................................................................ 25 2.1 QUESTÕES DEMOGRÁFICAS................................................................................................................. 25 2.1.1 Quem é idoso? .......................................................................................................................... 26 2.1.2 Envelhecimento ativo ............................................................................................................... 29 2.1.3 O idoso e o ambiente ...............................................................................................................31 2.2 SOBRE QUALIDADE DE VIDA E POLÍTICAS PÚBLICAS ............................................................................ 36 2.3 QUALIDADE DE VIDA .................................................................................................................................. 38 2.2.1 Questões de Habitabilidade ..................................................................................................... 46 2.2.2 Sobre a avaliação de programas públicos nesse campo .......................................................... 49 3. MÉTODOS E TÉCNICAS .......................................................................................................................... 55 3.1 DESENHO DA INVESTIGAÇÃO ............................................................................................................... 55 3.2 UNIVERSO DA PESQUISA E RECORTE ESPACIAL ............................................................................................ 59 3.3 ESTUDOS DE CASO (MÉTODOS/TÉCNICAS E PROCEDIMENTOS DE PESQUISA) ............................................................. 62 3.3.1 Avaliação técnica ...................................................................................................................... 63 3.3.2 Avaliação sob o ponto de vista dos usuários ............................................................................ 72 3.4 ANÁLISE E SISTEMATIZAÇÃO DOS DADOS .................................................................................................... 77 4. ESTUDO DE CASO I – CCM JOÃO PESSOA .......................................................................................... 78 4.1 SINTAXE ESPACIAL ....................................................................................................................... 82 4.2 WALKTHROUGH........................................................................................................................... 87 4.3 AVALIAÇÃO TÉCNICA – HABITAÇÃO CCM-JP ............................................................................... 88 4.4 AVALIAÇÃO TÉCNICA - CONDOMÍNIO CCM-JP ............................................................................ 91 4.5 A OPINIÃO DO USUÁRIO .............................................................................................................. 93 4.6. O QUE DIZEM OS IDOSOS ................................................................................................................................. 107 5. ESTUDO DE CASO 2: CCM CAMPINA GRANDE ....................................................................................... 113 5.1 SINTAXE ESPACIAL ..................................................................................................................... 116 5.2 WALKTHROUGH......................................................................................................................... 122 5.3 AVALIAÇÃO TÉCNICA – Habitação CCM-CG .............................................................................. 124 5.4 AVALIAÇÃO TÉCNICA – CONDOMÍNIO CCM-CG ........................................................................ 126 5.5 A OPINIÃO DO USUÁRIO ............................................................................................................ 128 5.6 O QUE DIZEM OS IDOSOS .......................................................................................................... 143 6. ALÉM DOS ESTUDOS DE CASO ......................................................................................................... 147 6.1 OS CCMS EM VÁRIAS ESCALAS ........................................................................................................... 149 18 6.2 SOBRE O PROJETO .............................................................................................................................. 153 6.3 REVELAÇÕES SOBRE OS CCMS ............................................................................................................ 162 6.3.1. O que a implantação desse modelo revela .......................................................................... 164 6.3.2. O que revela o empreendimento .......................................................................................... 166 6.3.3. O que revelam as relações interpessoais ............................................................................. 168 6.3.3. Uma importante dicotomia .................................................................................................. 170 6.4 ALGUMAS DIRETRIZES PARA EMPREENDIMENTOS SEMELHANTES AO CCM..................................... 173 6.4.1 Quanto à configuração do programa institucional ................................................................ 174 6.4.2 Quanto à inserção urbana / escolha do local ......................................................................... 175 6.4.4 Quanto à unidade habitacional (microescala) ....................................................................... 176 7. CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................................................. 178 REFERÊNCIAS .......................................................................................................................................... 184 APÊNDICES .............................................................................................................................................. 190 APÊNDICE A – ROTEIRO DE AVALIAÇÃO TÉCNICA ...................................................................................... 191 APÊNDICE B – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO ............................................................ 194 APÊNDICE C - QUESTIONÁRIO .................................................................................................................. 196 APÊNDICE D – MAPAS SINTÁTICOS DO CCM PATOS .................................................................................. 202 APÊNDICE E – MAPAS SINTÁTICOS DO CCM CAJAZEIRAS ........................................................................... 205 ANEXOS .................................................................................................................................................. 208 ANEXO 1 – COMITÊ DE ÉTICA ................................................................................................................... 208 19 1. INTRODUÇÃO Como acontece por todo planeta, nas últimas décadas o Brasil assistiu ao alargamento no topo da sua pirâmide etária. Segundo o IBGE (2010), ao longo do tempo, a população de crianças e jovens perderam representatividade, ao passo que os idosos apresentam um crescimento contínuo que, em 1991, correspondia a 4,8% da população total, passando para 5,9% em 2000, 7,4% em 2010, 9,83% em 2020 e devendo chegar em 2050 a 21,87%. Assim, embora por muito tempo os idosos tenham sido ignorados como objeto de investigação, além de não serem contemplados com políticas públicas e sociais consistentes, nos últimos vinte anos, a preocupação com o envelhecimento ativo e saudável promoveu uma série de legislações e políticas relacionadas a esse público. Um exemplo dessa mudança é a Política Nacional do Idoso (BRASIL, 1994) da qual resultaram a Política Nacional de Saúde do Idoso e o Estatuto do Idoso (BRASIL, 2006 e 2004, respectivamente), que asseguram direitos como assistência à saúde e moradia digna no seio familiar natural, havendo opção de abrigo em instituições apenas nos casos especiais. A permanência de idosos no seio familiar tem o intuito de preservar as relações sociais e espaciais conquistadas pela pessoa durante a vida, além de estabelecer um convívio com as demais gerações, requisito fundamental para integrá-la à comunidade. Por outro lado, também são comuns as situações em que o idoso precisa de assistência específica, quenão pode ser proporcionada por famílias muito comprometidas em atividades fora de casa, e também existe uma grande parcela de idosos carentes, que não dispõem de moradias adequadas. Em resposta ao envelhecimento de sua população e como estratégia para suprir a demanda por moradias desse grupo etário, o Governo da Paraíba está implantando, em vários de seus municípios, empreendimentos habitacionais horizontais públicos fechados, exclusivos para idosos: os Condomínios Cidade Madura (CCMs). Eles são destinados a pessoas com mais de 60 anos e faixa salarial máxima de três salários mínimos, e que precisam ter condições para realizar suas atividades cotidianas com autonomia. As unidades são disponibilizadas no sistema de concessão. Geralmente os CCMs são implantados na periferia de cidades de médio ou grande porte. O empreendimento é constituído por residências geminadas com área de 54m², e equipado com espaços de convivência compostos por praças, academia, hortas comunitárias, centro de saúde, salão de festas e redário, além de garantir acesso dos moradores à rede de serviços de saúde e de assistência social. 20 Até 2019 o governo estadual já tinha investido cerca de 28,5 milhões de reais na construção de seis CCMs (sendo quatro empreendimentos concluídos e dois em andamento), arcando, ainda, com um orçamento mensal aos profissionais que prestam serviços aos diversos locais em funcionamento. Diante desse quadro geral questionamos: o modelo adotado pelo CCM/Paraíba é adequado ao idoso? Que impactos a proposta arquitetônico/urbanística adotada representa para a vida dos moradores? Como seus usuários/moradores percebem o condomínio em que vivem? Essas indagações foram tomadas como perguntas de partida da tese, entendendo-se que a busca por tais respostas é fundamental para discutir a provisão de moradias para os idosos, contribuindo para sua inserção social e ambiental. O fato de esta ser uma temática emergente (o que conduz à realização de uma pesquisa exploratória sobre o tema), à luz das diretrizes previstas na legislação e das indicações da literatura relativas às necessidades subjetivas sobre o envelhecimento saudável, considera-se como hipótese de trabalho que: apesar de garantirem moradia a idosos de baixa renda, algumas características da tipologia “condomínios horizontais públicos fechados” (como os CCMs) impactam negativamente a vida dos seus moradores, refletindo espacial e socialmente em dificuldades para o desenvolvimento de suas atividades cotidianas. Portanto, mais do que entender a realidade físico-espacial desses usuários e seu modo de usufruir do ambiente, espera-se realizar uma reflexão sobre o modo de como a provisão de moradias deve ser pensada/projetada na realidade brasileira. Em termos empíricos, a pesquisa tem como objetivo geral analisar os impactos que a tipologia adotada pelos CCMs/Paraíba tem sobre os idosos moradores, a fim de propor diretrizes para futuros projetos. Entendendo-se que, para atingir esse objetivo maior é preciso compreender os modos como é provida a moradia para a população da terceira idade, bem como as características do espaço que podem influenciar a qualidade de vida destas pessoas, foram definidos três objetivos específicos: • Conhecer estratégias adotadas pelo poder público para a provisão de moradia para a população idosa. • Analisar tecnicamente os CCMs em seus aspectos morfológicos e construtivos, em diferentes escalas (unidade habitacional, empreendimento, bairro e cidade). 21 • Identificar a percepção/satisfação dos moradores do CCM com relação à sua condição de vida no local. Fornecendo uma visão geral dos elementos trabalhados no texto, o Quadro 1 apresenta uma síntese do projeto de pesquisa que alicerçou esta tese. Quadro 1. Resumo dos elementos da pesquisa Título: Condomínios públicos para idosos: O caso do “Cidade Madura” na Paraíba. Perguntas de pesquisa: O modelo adotado pelo CCM/Paraíba é adequado ao idoso? Que impactos a proposta arquitetônico/urbanística adotada representa para a vida dos moradores? Como seus usuários/moradores percebem o condomínio em que vivem? Hipótese (s): Apesar de garantirem moradia a idosos de baixa renda, algumas características da tipologia “condomínios horizontais públicos fechados” (como os CCMs) impactam negativamente a vida dos seus moradores, refletindo espacial e socialmente em dificuldades para o desenvolvimento de suas atividades cotidianas. Objeto de estudo: Os condomínios “Cidade Madura” construídos na Paraíba (municípios de João Pessoa, Campina Grande, Cajazeiras, Souza e Patos), tendo como recorte espacial os dois primeiros municípios (João Pessoa e Campina Grande). Objetivo Geral: Analisar os impactos que a tipologia adotada pelos CCMs/Paraíba tem sobre os idosos moradores, a fim de propor diretrizes para futuros projetos. Objetivos específicos Procedimentos metodológicos Principais referências teóricas e fontes primárias Conhecer as estratégias adotadas pelo poder público para a provisão de moradia para a população idosa. • Revisão bibliográfica para verificar o que preconiza para o bem-estar do idoso. • Revisão da legislação e políticas brasileiras relativas aos idosos. • Identificação dos critérios e variáveis a serem analisados no estudo empírico. • Legislações: Política Nacional do Idoso (BRASIL, 1994); Estatuto do Idoso (BRASIL, 2003); Envelhecimento e saúde da pessoa idosa (BRASIL, 2007); Guia prático do cuidador (BRASIL, 2008); World Health Organization-WHO (2005). Envelhecimento ativo: uma política de saúde. • Seleção de indicadores: HORNQÜIST (1990) / NUVOLATTI (1998) / SANTOS E MARTINS (2002), HERCULANO (2000) / VELOSO, ELALI (2006) / RIBEIRO et al (2008). Analisar tecnicamente os CCMs em seus aspectos morfológicos e construtivos, em diferentes escalas (unidade habitacional, empreendimento, bairro e cidade). • Pesquisa documental dos CCMs. • Reconhecimento dos locais de pesquisa (Walkthrough e vistoria técnica). • Caracterização do CCM em termos morfológicos em relação à cidade, ao empreendimento e a habitação (Sintaxe espacial). • HILLIER; HANSON (1984) • ROMERO; ORNSTEIN (2003) • DISCHINGER; BINS ELY (2000) • RHEINGANTZ et al (2009) Identificar a percepção/satisfação dos moradores dos CCMs com relação à sua condição de vida no local. • Aplicação de questionário para avaliação perceptiva/comportamental (indicadores escolhidos) e em comparação com realidade anterior. • Realização de grupos focais para discussão das informações coletadas. • Dados oficiais sobre o perfil dos usuários. • Elaboração dos questionários: RHEINGANTZ et al (2009) SOMMER; SOMMER (2002). Fonte: Elaborado pela autora. 22 Apresentando o trabalho realizado, além desta introdução a estrutura desta tese está composta por seis capítulos, os quais detalham as ideias e referenciais que subsidiaram a investigação, conforme segue. O capítulo 2 problematiza o tema, subdividindo-o em dois grandes itens. O primeiro item se relaciona ao envelhecer, discutindo questões demográficas sobre o público-alvo, com o intuito de entender o cenário atual da pessoa idosa, como também perspectivas e desafios futuros que essa parcela da população pode enfrentar. Também são discutidos os vários conceitos e marcos etários para a definição de quem é idoso, trazendo contribuições de várias áreas do conhecimento. Nele é apresentado o conceito de envelhecimento ativo em suas dimensões e diretrizes, as quais são pautadas nos princípios de independência, dignidade, participação, assistência e segurança, baseando-se em direitos que promovem a igualdade de oportunidades e tratamento. Finalizando discute-se como deve ser o espaço para favorecer as vivências das pessoas idosas, e sua influência na qualidade de vida das mesmas. No outro itemsão apresentados os conceitos de qualidade de vida, qualidade de vida urbana, habitabilidade e políticas públicas, culminando com a síntese de variáveis e dimensões relativas a eles. Destaca- se, ainda, a importância conhecer o contexto no qual a pessoa está inserida, a fim de compreender as necessidades e aspirações de cada indivíduo. Partindo de autores como Bonduki (2001), Carvalho (2008), Silva (2011), Cohen (2007), Barros Filho (2006), o tópico também discorre sobre as dimensões de habitabilidade abordados pela pesquisa para avaliar a qualidade do espaço, fundamentando as opções por trabalhá-la em três escalas (urbana, do empreendimento e da unidade habitacional) e considerar três dimensões a avaliar (do processo, do produto e dos impactos detectados). No capítulo 3 foi destrinchado o processo metodológico ligado à atividade empírica, com descrição das etapas e técnicas utilizadas para o alcance dos objetivos. O universo da pesquisa foram os Condomínios Cidade Madura (CCMs), tendo como recorte espacial os empreendimentos de João Pessoa e Campina Grande (CCM-JP e CCM-CG, respectivamente, aqui entendidos como o produto a ser avaliado). Para sua análise, o estudo da habitabilidade englobou as escalas urbana, do empreendimento e da unidade habitacional, sendo considerados indicadores investigados sob o ponto de vista técnico e dos usuários. Os dados foram obtidos através de fontes secundárias (pesquisa documental e bibliográfica) e por meio de sintaxe espacial, walkthrough, aplicação do roteiro de avaliação, questionários e grupo focal. Na análise 23 da habitabilidade urbana foram considerados a localização urbana, a infraestrutura e equipamentos existentes. Para a avaliação dos impactos do condomínio na vida dos usuários, foram abordados aspectos referentes às relações com local (como o sentimento de pertencimento, segurança e cidadania), além de custos e relações sociais, tendo o questionário como meio de obtenção das informações. Na habitabilidade da unidade habitacional foram estudadas questões ligadas a conforto ambiental, composição, integração e funcionalidade dos ambientes, além de segurança construtiva, acessibilidade espacial e satisfação do usuário. Na análise do empreendimento dentro do contexto urbano, a sintaxe espacial trouxe informações sobre o modo de como ele se relaciona com o sistema como um todo, além de indicar se há centralidade local, orientação e legibilidade espacial (através das métricas de integração e escolha). O roteiro de avaliação desenvolvido foi aplicado a fim de possibilitar o entendimento de vários aspectos do condomínio e da unidade habitacional. Após a coleta dos dados técnicos, foram aplicados os questionários para investigar a percepção do usuário em relação às questões estudadas e, finalmente, aconteceram grupos focais para aprofundar o conhecimento sobre a percepção dos usuários em relação aos assuntos do cotidiano e ao modo de viver no condomínio, evidenciando seus pontos negativos e positivos. Em continuidade, os capítulos 4 e 5 apresentam em detalhes os resultados da aplicação do método desenvolvido nos dois CCMs. Na sequência, o capítulo 6 confronta os principais dados obtidos na investigação e os relaciona com a literatura estudada, trazendo contribuições sobre a maior compreensão daqueles condomínios nas várias escalas pré-estabelecidas. Revelam-se, assim, os principais achados da investigação nas três escalas delimitadas, envolvendo desde a implantação do empreendimento até aspectos das relações interpessoais dos moradores, além de serem indicadas algumas diretrizes projetuais e urbanísticas a serem consideradas em projetos que visem o alcance de um envelhecimento ativo e saudável. Encerrando a tese, as Considerações Finais complementam o trabalho realizado, respondendo à hipótese levantada e aos objetivos previstos, além de indicarem caminhos para a continuidade desse tipo de pesquisa, a serem perseguidos em novas oportunidades. Concluindo esta introdução é importante acrescentar um ponto de atualidade. Em março de 2020, quando a pandemia provocada pelo Corona-vírus (COVID19) atingiu o Brasil, impondo medidas de afastamento social para redução dos índices de contaminação, a pesquisa empírica para subsídio à tese já havia sido concluída, embora restasse a pretensão de realizar 24 uma visita final a cada empreendimento participante, a fim de complementar informações. Tais visitas não aconteceram, primeiro porque o afastamento social o impediu, e, num segundo momento, para que os resultados obtidos numa situação dita “normal” não fossem alterados em função de uma condição extraordinária e, sobretudo, diferente daquela em que aconteceu a investigação inicial. Compreende-se que, mesmo baseado em estudos de caso, este é um trabalho de cunho genérico, de modo que a pandemia poderia alterar detalhes da situação vivenciada, embora, provavelmente não viesse a mudar substancialmente a essência do material que é apresentado na tese e das descobertas por ele promovidas. 25 2. ENVELHECIMENTO E QUALIDADE DE VIDA Esta tese se volta para o público idoso como um grupo específico da população. Para tanto, o presente capítulo foi dividido em dois tópicos: o primeiro discorre brevemente sobre o conceito de envelhecimento ativo e comenta o que se entende por qualidade de vida, qualidade de vida urbana e habitabilidade, conceitos considerados fundamentais para a investigação; o segundo tópico começa por uma contextualização genérica das políticas públicas nesse campo, para depois trabalhar alguns indicativos relacionados à qualidade de vida como embasamento destas políticas, e à avaliação dos produtos a elas associados. 2.1 QUESTÕES DEMOGRÁFICAS A velhice é um dos temas cujas importância e visibilidade aumentaram nas últimas décadas, tendo-se assistido uma acentuada proliferação de iniciativas voltadas para esse campo de estudo nos últimos 50 anos. A preocupação com os idosos está presente em todas as áreas do conhecimento e acompanha o próprio movimento de “descoberta” e valorização da velhice por parte da sociedade, atestado não apenas pelos dados demográficos (amplamente divulgados pelos meios de comunicação), mas também pela experiência cotidiana dos habitantes das cidades, que hoje convivem com os idosos tanto da vida privada quanto em diferentes espaços públicos (BARROS, 2007). Tal fenômeno teve início nos países desenvolvidos entre o final da década de 1940 e início dos anos 1950, em decorrência da queda de mortalidade relacionada às grandes conquistas do conhecimento médico, melhoria nutricional, elevação dos níveis de higiene pessoal e ambiental (tanto em residências como no trabalho), bem como dos avanços tecnológicos em diversas áreas ligadas à saúde humana, como o desenvolvimento das vacinas, o uso de antibióticos, as práticas quimioterápicas, os equipamentos para exames complexos, entre outros. Nos países menos desenvolvidos como o Brasil, o aumento da expectativa de vida tem sido evidenciado nos últimos 60 anos, alicerçado pela popularização de tratamentos de saúde, que tornaram possível a prevenção ou cura de muitas doenças. Aliados a estes fatores, a queda de fecundidade iniciada naquela década, o aumento da expectativa de vida e a redução dos níveis de mortalidade vêm produzindo transformações no padrão etário da população brasileira, 26 fazendo crescer o número de idosos de forma acelerada nos últimos decênios. De acordo com o IBGE (2018), a população idosa hoje no país é de 9,52%, chegando a 13,14% em 2029 e 17,01% em 2039. E, ainda, segundo o mesmo órgão, para 2017 a esperança de vida ao nascer do brasileiro foi estimada em 76 anos. Espera-se que em 2060 mais de 25% da população tenham mais de 65 anos, o que tornará o cuidado com o envelhecimento um desafio socioeconômico para toda a sociedade. Desse modo, o formato tipicamentetriangular da pirâmide populacional brasileira, com base alargada e cume reduzido, está cedendo lugar a uma pirâmide característica de uma sociedade em acelerado processo de envelhecimento, caracterizado pela redução da participação relativa de crianças e jovens, acompanhada do aumento do peso proporcional dos adultos, particularmente, dos idosos. Em 2008, enquanto as crianças de 0 a 14 anos de idade correspondiam a 26,47% da população total, o contingente com 65 anos ou mais de idade representava 6,53%. Em 2050, o primeiro grupo representará 13,15%, ao passo que a população idosa ultrapassará os 22,71% do total (IBGE, 2008). Até 2025, segundo a OMS (2002), o Brasil será o sexto país do mundo em número de idosos. Desse modo, as discussões sobre o envelhecimento e um estilo de vida ativo para essa parcela da população têm promovido uma importante mudança no tratamento da questão, agregando-lhe um significado positivista, que remete à busca de bem-estar, realização e aumento da capacidade individual. Evidencia-se, assim, a possibilidade de o idoso continuar a exercer atividades (potencial físico), manter relações sociais, usufruir de bem-estar físico e mental. 2.1.1 Quem é idoso? Como cada indivíduo envelhece de forma diferente e se insere em uma realidade social e cultural distinta, os gerontologistas afirmam não existir um marco etário definido a partir do qual uma pessoa passe a ser considerada idosa. De acordo com a situação em que se encontram, pessoas com 70, 60, ou mesmo 40 anos podem ser consideradas idosas, dependendo do contexto histórico, geográfico e social no qual se encontrem (MASCARO, 1997). Em entrevistas com atletas de alto nível, por exemplo, é comum ouvi-los afirmar que, aos 30 anos já estão “velhos” para a atividade, que “chegou a hora da aposentadoria”. 27 O envelhecimento pode ser definido como um processo de natureza dual, pois além da questão biocronológica, próprio dos seres vivos, também são consideradas características psico- sócio-culturais que afetam os indivíduos, possuindo quatro características: (1) é universal, uma vez que é para todos; (2) é contínuo, pois não para; (3) é irreversível, porque não retrocede; e (4) é diferenciado, uma vez que o envelhecimento ocorre de diferentes maneiras, de acordo com sua carga genética, entorno geográfico da residência e do trabalho, histórico de vida, situação econômica, hábitos alimentares, desenvolvimento cultural e condições de moradia (VÉROLI, SHMUNIS, 2018). Apesar desses vieses, a maioria dos estudos com idosos utiliza o referencial cronológico como base para sua definição. O critério marco etário é utilizado pelas Nações Unidas, segundo a qual a pessoa idosa é aquela que possui 60 anos de idade ou mais (ONU, 2006); aliás, a instituição estabelece três estágios para essa fase da vida: pessoas idosas (60 a 74 anos), anciãos (75 a 90 anos) e velhice extrema (mais de 90 anos). No Brasil, a política Nacional do Idoso (PNI – Lei 8.842, de 04 de janeiro de 1994 – BRASIL, 1994), ratificada pelo Estatuto do Idoso (Lei 10.741 de 1 de outubro de 2003 – BRASIL, 2003), também estabelece o parâmetro da idade de 60 anos ou mais para definir a pessoa idosa. Assim, o governo brasileiro considera os sexagenários (ou mais) como pessoas idosas, para as quais são assegurados alguns direitos, tais como gratuidade no transporte, prioridade de atendimento em serviços públicos e estabelecimentos comerciais, entre outras medidas dispostas no Estatuto (BRASIL, 2004). Em outros países essa idade é diferente. Assim, por exemplo, em Portugal, a velhice começa aos 65 anos (INE, 2011), idade também considerada em outros países europeus. Há, ainda, quem defenda que apenas após os 75 anos o envelhecer realmente se instala (PAPALEÓ NETO, 2013). Excluindo-se a questão exclusivamente etária, várias correntes de pensamento entendem que o processo de envelhecimento se estende ao longo da vida e é constituído por múltiplas determinações, sendo preciso analisá-lo por diversos pontos de vista, como o biológico, histórico, psicossocial, cultural, econômico, cronológico, entre outros. Dependendo do campo de pesquisa e do objeto de interesse, pode-se definir o processo de envelhecimento de maneiras diferentes. 28 Sob o ponto de vista biológico, verifica-se um conjunto de alterações no desenvolvimento do organismo, do nascimento até a morte, diminuindo seu funcionamento e capacidade de autorregulação. Assim, os idosos possuem perdas biológicas e funcionais devido ao processo de envelhecimento que podem representar limitações, como a diminuição das propriedades psicomotoras, afastamento da vida social, perdendo a capacidade de adaptação ao meio ambiente, o que afeta seu relacionamento, podendo ser abalados por crises de identidade, diminuição do poder aquisitivo e redução da qualidade de vida (RAMOS, 2002). Quando se pensa o envelhecimento do ponto de vista sociocultural, as classificações e seus significados se tornam mais complexos, variando em diferentes épocas e civilizações. Sob a perspectiva social, evidencia-se que as influências histórico-culturais e as relações pessoais afetam as atividades produtivas, modificando o papel da pessoa na sociedade. Em termos cognitivos, salientam-se modificações na memória, atenção, orientação e concentração, que representam respostas comportamentais diferentes em relação a mudanças do ambiente, afetando também a motivação. Em relação ao aspecto funcional, a diminuição da independência requer, em alguns casos, o auxílio de outras pessoas para a execução das atividades cotidianas, reduzindo a autonomia individual e, colateralmente, a autoestima. Em termos econômicos, as mudanças mais significativas estão relacionadas com a aposentadoria, pois o desligamento do trabalho pode causar um sentimento de inutilidade e exclusão da pessoa como membro produtivo e útil perante sua família e seu círculo social, trazendo repercussões de caráter psicossocial, dentre as quais se destacam os sentimentos de invalidez, solidão (COSTA, CAMPOS, 2009). Assim, é possível analisar um indivíduo com base em seu enquadramento em cinco diferentes tipos de classificação etária: a idade cronológica, a biológica, a funcional, a psicológica e a social (TERÁN, 2010). Com o intuito de reduzir as polêmicas nesse campo e amenizar o impacto das modificações adquiridas com o envelhecimento, pesquisadores dos diversos campos da gerontologia têm se envolvido com o desenvolvimento de estudos que valorizam uma compreensão positiva da velhice, como importante fase de vida humana. Surgindo como uma resposta ao notável aumento da população idosa, e tendo como alicerce paradigmas que tiram a ênfase da compreensão da velhice em função das limitações da idade, 29 os movimentos conhecidos como “envelhecimento saudável”1 e o “envelhecimento bem- sucedido”2 defendem o enfrentamento eficaz das situações-problema experenciadas nesta faixa etária. Tal tipo de mudança tem potencial para influenciar inúmeras esferas da vivência cotidiana deste grupo, desde a prática de exercícios e os novos padrões de consumo, até as relações intergeracionais. 2.1.2 Envelhecimento ativo No final dos anos 1990 a Organização Mundial da Saúde (OMS) adotou o termo “envelhecimento ativo” (Active Ageing) para expressar o processo pelo qual podemos alcançar a meta de “proporcionar saúde e qualidade de vida para as pessoas que estão em processo de envelhecimento” (WHO, 2002). Ainda de acordo com a organização, busca-se a otimização das oportunidades de saúde, participação e segurança, a fim de melhorar a qualidade de vida daqueles que envelhecem. Por si, a palavra “ativo” leva em consideração, entre outros aspectos, a inclusão e participação nas questões sociais, econômicas, culturais, espirituais e civis, incluindo pessoas que já se aposentaram do trabalho e as que estão doentes ou vivem comdeficiências, desde que contribuam ativamente na sociedade, com a família, colegas e comunidades, independentemente se estão, ou não, inseridos no mercado de trabalho. Essa abordagem é baseada no reconhecimento dos direitos das pessoas idosas e nos princípios de independência, participação, dignidade, assistência e segurança, preconizados pela Organização das Nações Unidas (ONU). Esta perspectiva traz grandes mudanças para o planejamento estratégico do setor, uma vez que a abordagem antes “baseada nas necessidades” (a qual assume que os idosos são alvos passivos), passa a ser “baseada em direitos”, oferecendo igualdade de oportunidades e tratamento em todos os aspectos da vida. Contudo, atingir o envelhecimento ativo depende de uma variedade de “determinantes” presentes no cotidiano das pessoas e cujo entendimento ajuda na formulação de políticas públicas consistentes no setor, o que envolve determinantes econômicos, sociais, ambientais, 1 Envelhecimento saudável: termo utilizado pela literatura gerontológica para designar o envelhecer com limitações mínimas de saúde ou no qual essas limitações são enfrentadas de modo eficaz (BOWLING et al., 2003). 2 Envelhecimento bem-sucedido: conceito ligado ao movimento de mesmo nome, que recomenda a adoção de estratégias ativas para enfrentamento dos problemas advindos da velhice, a fim de prever a morbidade, a partir da promoção de bem-estar físico e subjetivo (TEIXEIRA, NERI, 2008). 30 de saúde e pessoais (Figura 1). Apesar de estes fatores influenciarem no envelhecimento ativo, mais pesquisas são necessárias para especificar o papel de cada um deles, sua interação e como esses determinantes afetam a saúde e bem-estar dos idosos. De fato, os desafios para o envelhecimento da população abrangem as esferas globais, nacionais, regionais e locais, principalmente se consideramos as condições de vida em um mundo cada vez mais globalizado e interligado. Para enfrentá-los é preciso planejamento inovador e reformas políticas substanciais, baseados em aspectos como independência, participação, assistência, autorrealização e dignidade - princípios adotados pela OMS (2002). Figura 1. Os determinantes do envelhecimento ativo. Fonte: WHO, 2002. Para tanto, as ações nesse campo devem estar embasadas em três pilares: saúde; participação e segurança (WHO, 2002). Na saúde, são considerados fatores ambientais, mentais e comportamentais que influenciam na qualidade de vida da pessoa idosa, prevenindo a carga de doenças crônicas e a mortalidade prematura. Na participação considera-se a inserção no mercado de trabalho, educação, saúde e políticas sociais, de acordo com suas capacidades, 31 necessidades e preferências, além de incentivar a participação plena na comunidade e na família, são aspectos importantes para que essa parcela da população possa contribuir com a sociedade. Na segurança, consideram-se aspectos físicos e financeiros que assegurem proteção, dignidade e cuidado, sobretudo se tratando de pessoas que não são mais capazes de se proteger. Logo, propor políticas públicas embasadas nas premissas do envelhecimento ativo e nos seus pilares implica numa visão intersetorial e transdisciplinar do fenômeno. Diante deste cenário, o Brasil, através do Ministério da Saúde, lançou em 2005, o programa “Brasil Saudável” que fomenta ações nacionais para a criação de políticas públicas que promovam modos de viver mais saudáveis em todas as etapas da vida, favorecendo a prática de atividades físicas no cotidiano e no lazer, o acesso a alimentos saudáveis, como meio de garantir um ganho substancial na qualidade de vida (Ministério da Saúde - BRASIL, 2005) Apesar do aumento da expectativa de vida e dos avanços médicos para seu prolongamento, é preciso diferenciar longevidade e qualidade de vida, pois, muitas vezes estas não caminham em conjunto. Problemas relacionados à saúde, dependência para a realização das atividades diárias e isolamento social, são aspectos que diminuem a qualidade de vida do idoso. Neste sentido, nas mais variadas áreas vem crescendo a quantidade de estudos voltados para a qualidade de vida das pessoas idosas, incluindo o campo da arquitetura e urbanismo, notadamente no que se refere às relações que se estabelecem entre as pessoas e o ambiente. Na Paraíba, em resposta ao envelhecimento populacional e como política pública direcionada para o setor, o Governo está implantando os condomínios “Cidade Madura”, programa direcionado ao público idoso autônomo e entendido como forma de oferecer uma melhor qualidade de vida aos usuários – como veremos no capítulo 5. 2.1.3 O idoso e o ambiente Como visto, a proposta de envelhecimento ativo prevê que, para uma melhor qualidade de vida para os idosos, é preciso atuar em várias frentes, promovendo a saúde, participação e segurança. Trazendo a questão para o ambiente, Lawton (1986) descreveu que este apresenta três funções básicas: manutenção, estimulação e apoio. A primeira diz respeito à constância e apego ao lugar. A segunda refere-se à possibilidade de oferecer ao idoso estímulos a novos comportamentos e atitudes, promovendo atividades de lazer e que incentivem a interação social. A última trata da eliminação de barreiras físicas e facilidade de acesso aos ambientes. 32 Devido às perdas biológicas e funcionais em virtude do processo de envelhecimento, os idosos tendem a se apropriar dos espaços residenciais e seu entorno imediato de forma mais cotidiana, evitando grandes percursos. Neste sentido, a oferta de espaços compatíveis com suas capacidades físicas e comportamentais é fundamental para a promoção da independência e autonomia, requisito fundamental para o desenvolvimento das tarefas do dia-a-dia. Neste sentido, o campo das relações pessoa-ambiente vem trazendo grandes contribuições para esta área, uma vez que estuda as interações das pessoas com os locais, tendo como premissa a existência de um processo interativo em que o ambiente é modificado pelo homem, assim como as ações e comportamentos dos indivíduos são modificados pelo ambiente (ELALI, 2003; GUNTHER, 2003). É resultado de uma ação recíproca, em que as pessoas interferem no espaço e este, através de suas características, atributos e qualidades, gera influência nas pessoas, despertando sentimentos e percepções que favorecem determinadas atitudes e dificulta outras, interferindo na saúde e comportamento. De acordo com a OMS (2005), os ambientes físicos podem promover a autonomia ou a dificuldade dos indivíduos, principalmente para o público idoso, pois espaços com múltiplas barreiras dificultam a saída e mobilidade, possibilitando que a pessoa fique mais propensa ao isolamento, depressão e problemas de interação. Por esse motivo, recomenda-se que os espaços ofereçam serviço de transporte público, eliminação de barreiras arquitetônicas, moradia adaptada e adequada, além de uma vizinhança que incentive uma interação social positiva. Ruas bem iluminadas, semáforos com mais tempo para o pedestre, fornecimento de água potável e alimentos saudáveis, e a promoção da prática de exercícios para a manutenção da mobilidade são diretrizes a serem observadas. Ainda de acordo com Lawton (1986), para a promoção de ambientes que promovam qualidade de vida, é preciso ter atenção para aspectos ligados à segurança, à acessibilidade, à orientação, à autonomia, à personalização, à integração social e à estética. Assim, como todas essas preocupações devem ser consideradas na concepção de espaços voltados para pessoas idosas, a análise de suas influências neste segmento social requer vários níveis e escalas de estudo. Tais escalas vão desde o contexto (urbano/rural) até a relação com a moradia e os ambientes, passando pela vizinhança, o que exige abordagens inter, multi e transdisciplinares para o entendimento das principais questões envolvidas.33 Especificamente com relação ao ambiente urbano, nas últimas décadas tem-se evidenciado o crescimento de dois fenômenos, a urbanização e o envelhecimento populacional, bem como as dificuldades de um relacionamento adequado entre ambos, uma vez que a solução adotada para a reprodução da habitação popular em massa, o modelo de condomínio, trouxe consequências para tecido urbano, como também para a qualidade de vida das pessoas. De acordo com os estudos de Medvedovski (1998), a tipologia “condomínios exclusivos” ainda traz a ideia de um “conjunto que deu certo”, uma vez que o urbano está contido entre os muros da propriedade e a renda dos moradores ou o subsidio do governo (como é o caso dos CCMs) permite o pagamento das taxas mensais de manutenção. A autora ressalta que esta concepção de moradia é centrada somente no projeto e na construção, considerando a habitação um produto imediato. Diante do desafio de tornar as cidades mais amigas das pessoas idosas, a partir de junho de 2005 a OMS introduziu a ideia das Age-Friendly Cities, por meio de um documento composto por diretrizes voltadas para promover o envelhecimento ativo, otimizando oportunidades para a saúde, participação e segurança da população idosa, com o intuito de aumentar a qualidade de vida durante o envelhecimento. De fato, as cidades podem promover o envelhecimento ativo adaptando estruturas e serviços de modo que sejam acessíveis e inclusivas para as pessoas com mais de 60 anos, as quais tendem a apresentar necessidades e capacidades específicas. Para tanto, as cidades devem ser planejadas de modo a respeitar as decisões dos idosos e seu estilo de vida, além de promover a inclusão essencial ao reconhecimento de sua contribuição para a sociedade. O guia para a cidade amiga do idoso (WHO, 2007), elenca áreas a serem trabalhadas para garantir um envelhecimento ativo: a habitação, a participação social, respeito e inclusão social, participação cívica e emprego, comunicação e informação, apoio comunitário e serviços de saúde, espaços ao ar livre e edifícios, além dos transportes. O mesmo documento comenta, ainda que, para promover a inclusão social dos idosos, é preciso permitir a essa camada da população a tomada de decisões na vida civil, o trabalho remunerado, a oferta de programação adequada na mídia, o acesso ao conhecimento e a informação sobre a vida na cidade. O documento supracitado traz uma visão sistêmica sobre os tópicos abordados, gerando algumas diretrizes e características urbanas que são vantajosas. Em relação às moradias, sugere que sejam implantadas em áreas livres de risco de desastres naturais e perto 34 de serviços, além de situada próxima de pessoas de diferentes faixas etárias para que permitam a participação e a integração dos seus moradores à comunidade. Além disso, os transportes e infraestrutura devem oferecer acesso a serviços e equipamentos de saúde. A pesquisa de Guimarães, Medvedovski e Sopeña (2019) traz algumas reflexões quanto à percepção dos idosos em relação ao ambiente construído e à maneira que eles se apropriam, com o intuito de trazer contribuições para a adequação das cidades frente ao envelhecimento populacional. A pesquisa evidencia a relação entre a qualidade do ambiente, a percepção do usuário e sua consequente apropriação, sendo indispensável a melhoria da qualidade ambiental como forma de garantir o uso pleno dos espaços. Bianchi (2013) estudou a qualidade do lugar em Instituições para Longa permanência para idosos no Rio de Janeiro e indica que a habitação não deve ser tratada como um objeto, sendo essencial refletir sobre como esses espaços serão vivenciados, pois eles são impregnados por valores, lembranças e experiências, incorporando atributos comportamentais ao ambiente, como territorialidade, privacidade, identidade e ambiência. Defende, também, ser preciso prevenir a solidão e o isolamento, e manter o idoso capaz de realizar as tarefas da vida diária, mesmo que lentamente, permitindo que mantenha participação ativa no comando de sua vida. A pesquisa de Buettner (2015) também traz diretrizes para uma vida longa e ativa. O autor estudou as regiões com a maior quantidade de pessoas idosas no mundo, as chamadas Zonas Azuis, verificando que estes lugares e as pessoas que neles habitam apresentam nove características em comum, as quais foram divididas em quatro grupos: (i) movimentar-se naturalmente, fazendo da atividade física uma constante da sua vida, porém sem fatigar a extremos; (ii) ter um propósito de vida, relaxar e tirar férias; (iii) alimentação adequada; e (iv) sentimento de pertencimento ao lugar. No livro Cidade para Pessoas, Jan Gehl (2013) atesta que ruas com fachadas vivas criam uma aparência convidativa para se caminhar, atraindo diversos perfis de pedestres. Complementando essa ideia sob o ponto de vista da gerontologia, Andrade e Linke (2017) observam que o estímulo para a caminhada contribui para tornar o idoso menos sedentário, pois se estima que os idosos correspondem a 55% das pessoas que são inativas fisicamente (ou seja, as que realizam menos de 150 minutos semanais de atividade física moderada-intensa). Neste sentido, a cidade pode incentivar o caminhar ativo, oferecendo serviços e comércios próximos à moradia, promovendo ainda mais o movimento diário das pessoas. 35 Ainda sob esse aspecto, o estudo de Félix e Assis (2017) traz uma revisão da literatura para teste de caminhada de seis minutos com idosos. Esse procedimento avalia a capacidade funcional de forma submáxima, ou seja, a pessoa escolhe sua própria intensidade de exercício. A capacidade funcional é conceituada como a capacidade do idoso em realizar as exigências físicas impostas a ele no seu dia a dia, que partem das mais simples às mais rebuscadas. Barata et al (2005) analisaram as distâncias percorridas por idosos brasileiros no teste de caminha de seis minutos, verificando que homens andam cerca de 410,5 metros e mulheres 371 metros. Pesquisa semelhante realizada por Santos et al (2013) avaliou as distâncias percorridas por idosos e chegou a números maiores: 565,7 metros para homens e 494,1 metros para mulheres. Dados como estes podem embasar a distribuição de diferentes usos num raio de caminhada confortável para o idoso e, em consequência, aumentar a atividade física desta faixa da população, influenciando sua melhor qualidade de vida, uma vez que tal público demonstra ter maior dificuldade para começar a praticar atividades físicas oferecidas na forma de musculação ou do uso de equipamentos específicos para este fim. No que se refere ao segundo aspecto relatado por Buettner (2015), destacam-se ter um propósito de vida, relaxar e tirar férias, indicando, ainda, que a participação social tem influência direta no envelhecimento ativo, pois comprometer-se com interesses coletivos ajuda no processo. Além disso, segundo o autor, ao alimentar-se (3º aspecto) é fundamental: comer até se sentir 80% cheio, beber uma taça de vinho por dia, ter uma dieta com 95% de vegetais e evitar comida processada – as quais, aliás, são metas a serem perseguidas por todas as pessoas. Finalmente, a quarta dimensão elencada é a sensação de pertencimento ao local onde se vive, condição fundamental para que a pessoa crie (e mantenha) um grupo de convívio saudável e se comprometa com a vizinhança e a cidade. Sob essa perspectiva, a família e a espiritualidade têm sido elencadas como importantes mediadoras da qualidade de vida ao envelhecer. Tais constatações evidenciam o impacto direto das vivências urbanas sobre a qualidade do envelhecimento, verificando-se que a cidade pode implicar positiva ou negativamente em nossas vidas. Diante disso é essencial que qualquer investigação ou atividade propositiva no campo do envelhecimento invista parte de seus esforços na obtenção de uma visão global da vida urbana e suas relações,pois as reflexões e observações nesse campo são uma importante chave para o entendimento das variáveis que estão interconectadas num todo orgânico que é a qualidade de vida das pessoas. 36 2.2 SOBRE QUALIDADE DE VIDA E POLÍTICAS PÚBLICAS Mundialmente, as políticas públicas voltadas para a atenção aos idosos remontam à primeira Assembleia Mundial sobre o Envelhecimento, que ocorreu em Viena em 1982. O principal produto daquele evento foi um Plano Internacional de Ação, que salientava a importância de garantir segurança econômica e social às pessoas idosas, bem como a necessidade de integrar este grupo ao processo de desenvolvimento local (CAMARANO, 2004; CAMARANO, PASINATO, 2004). O Plano trazia 66 recomendações relativas a: saúde e nutrição; bem-estar social; previdência social e trabalho; educação; família; meio ambiente e moradia. Indicando que as metas supracitadas pouco evoluíam em relação aos direitos básicos de qualquer ser humano (isto é, alimentação, habitação, saúde, trabalho e educação), em 1991 a Assembleia Geral da ONU delimitou cinco temas a serem especificamente priorizados pelas políticas relativas aos idosos: independência, participação, cuidados, autorrealização e dignidade. Com base nestas orientações gerais, países desenvolvidos e em desenvolvimento tem fomentado políticas direcionadas à qualidade de vida das pessoas com idade acima de 60 anos (ou 65, conforme o caso), alguns dos quais chamando atenção para a importância do ambiente para a qualidade de vida desta população, notadamente no que diz respeito ao ambiente residencial. A literatura (ALVARADO, 2012; FERNANDES, MAGALHÃES, ANTÃO, 2012; PASINATO, KORNIS, 2010) indica como principais estratégias utilizadas: - Processos de avaliação contínua das condições de vida do idoso, acompanhando seu envelhecimento, que deve (preferencialmente) acontecer na própria casa em que habita, possibilitando a manutenção da independência e da autonomia do indivíduo na realização das atividades de vida diária. Este é o modelo adotado em países como Dinamarca, Suécia, Holanda, França, Japão, Inglaterra, Alemanha e, mais recentemente, Portugal. Franceses e holandeses tem incentivado programa de coabitação de idosos com estudantes (de ensino médio e universitário) e mesmo aproximação entre instituições de apoio a crianças e idosos. Os portugueses estimulam estratégias para 37 promoção dos chamados ambientes “capacitadores”, entendidos como aqueles que facilitam aos seus usuários a máxima utilização de suas capacidades funcionais. - Implantação de programas voltados para a qualidade de vida das pessoas idosas de diversas faixas sociais, mesclando vida em família e em instituições especializadas (geralmente de caráter privado, mas que prestam serviços à previdência social e a seguradoras). Este é o caso do Canadá, dos Estados Unidos e da Espanha, entre outros. - Programas que se traduzem em cuidados paliativos e assistencialistas, os quais geralmente são propostos para atendimento às camadas mais carentes da população, como acontece no México e no Brasil. Ilustrando tais estratégias, desde o final da década de 1990 no Japão o “Novo Plano Dourado” abrange recreação, alimentação e cuidado para com os idosos, que permanecem acomodados em seu próprio domicilio, que pode ser o originalmente habitado pela pessoa, ou um que se adeque às suas necessidades atuais. As ações envolvidas pelo programa incorporam a aquisição ou aluguel das chamadas “casas sem barreiras”, grande parte das quais são oferecidas pelo mercado imobiliário à ação governamental, estabelecendo uma importante rede de parcerias público-privada. No caso do Brasil, a ampliação do quantidade de idosos e a cada vez maior proporção da população que este grupo representa, exigiram a formulação de políticas voltadas para esse segmento, que geralmente se aliam a ações no campo da saúde, e cujas principais metas estão associadas à identificação precoce de processos patológicos e ao seu tratamento a fim de evitar o aumento da quantidade de indivíduos incapacitados e doentes. Assim, ao assegurar que a saúde é um direito de todos e um dever do Estado a ser promovido por meio de políticas sociais e econômicas, a Constituição Brasileira (BRASIL, 1988) trata deste tema de forma universal e equânime. A partir dessa concepção, em 1988 foi criado o Sistema Único de Saúde (SUS), consolidado por meio da Lei Orgânica da Saúde - lei n. 8.080/90 (BRASIL, 1990) – esta última indica que a saúde abrange tanto aspectos que a determinam, quanto aspectos que a condicionam, articulando ações nos campos de saneamento básico, alimentação, trabalho, renda, educação, transporte, meio ambiente, lazer e moradia. Segundo Gordilho (2000) e Cohen et al (2004), tais diretrizes se somaram à preocupação social com o envelhecimento saudável para promover a criação da Política Nacional do Idoso 38 – PNI - Lei 8.842/94 (BRASIL, 1994), regulamentada pelo Decreto nº 1.948 de 03/07/96 (BRASIL, 1996). A PNI visa obter longevidade com qualidade de vida e, para tanto, indica a necessidade de ações relacionadas à preservação da autonomia das pessoas na defesa de sua integridade, física e moral, de seus direitos sociais e das condições para participação social. Em termos de moradia (Capítulo IV no Art. 10 inciso V) é exigido que os programas habitacionais promovam boas condições de habitabilidade e a adaptação da residência às condições físicas do usuário idoso, garantindo-lhe independência de locomoção. Em continuidade, em 1999, a Portaria Ministerial nº 1.395 (BRASIL, 1999) determinou a necessidade de “promover a elaboração ou a readaptação de planos, projetos e atividades” a fim de garantir e mesmo ampliar a capacidade funcional dos indivíduos idosos. Finalmente, em 2003 o Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741 - BRASIL, 2004), assegurou inúmeros direitos a esta faixa da população. Referindo-se à habitação, o Artigo 38 do capítulo IX, ressalta que deverão ser priorizados: a eliminação de barreiras arquitetônica e urbanísticas para garantir a acessibilidade ao idoso; a reserva 3% (três por cento) das unidades para atender a esta faixa etária; a implantação de equipamentos urbanos comunitários voltados para o atendimentos das necessidades desta camada da população. Complementando, o inciso IV do Art. 50, destaca que a habitação deve oferecer instalações físicas em condições adequadas de habitabilidade, higiene, salubridade e segurança A fim de permitir ao leitor se apropriar dos conceitos (já citados nesta tese em várias ocasiões) de qualidade de vida (que tem o indivíduo como centro) e qualidade de vida urbana (que enfoca o papel da cidade como contexto de influência na vida das pessoas), este capítulo aborda as ideias que alicerçam tais proposições; o texto termina com uma discussão sobre os aspectos envolvidos na avaliação de políticas públicas neste campo (notadamente os fatores analisados nesse tipo de trabalho). 2.3 Qualidade de vida O tema qualidade de vida é amplo e complexo, envolvendo muitas interpretações e percepções. Nas últimas décadas, os pesquisadores da área têm discutido indicadores para investigar (e avaliar) elementos das condições de vida sociais e ambientais de pessoas e grupos, e condicionantes relacionados à temática. A partir da década de 1970, tornou-se claro que enfocar apenas indicadores de ordem quantitativa e indicadores econômicos (como o Produto 39 Interno Bruto ou a Renda per Capita) não eram suficientes para traduzir questões de satisfação e felicidade, o que fez aflorar o interesse pelos aspectos subjetivos envolvidos neste estudo. Segundo Guimarães (2005), o uso da expressão “qualidade de vida” se popularizou com o término da II Guerra Mundial, contexto que, em um primeiro momento refletiu as preocupações referentes às necessidades de reconstrução das economias de muitos países, estando
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