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EducarLarEducar-Rodrigues-2006

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE 
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS 
DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO 
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO 
AUTORA: ANDRÉA GABRIEL F. RODRIGUES 
 
 
 
 
EDUCAR PARA O LAR, EDUCAR PARA A VIDA: cultura escolar e 
modernidade educacional na Escola Doméstica de Natal (1914 – 1945) 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
NATAL – 2007
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Catalogação da Publicação na Fonte. UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA 
Divisão de Serviços Técnicos 
 
 
 
Rodrigues, Andréa Gabriel F. 
 Educar para o lar, educar para a vida : cultura escolar e modernidade 
educacional na Escola Doméstica de Natal (1914-1945) / Andréa Gabriel F. 
Rodrigues. – Natal, 2007. 
 306 f. : il. 
 
 
 Orientadora: Prof.ª Dr.ª Marlúcia Menezes de Paiva. 
 Tese (Doutorado em Educação) - Universidade Federal do Rio Grande 
do Norte. Centro de Ciências Sociais Aplicadas. Programa de Pós-
Graduação em Educação. 
 
 
 1. Educação - Tese. 2. História da educação - Tese. 3. Cultura escolar - 
Tese. 4. Escola Doméstica - Tese. I. Paiva, Marlúcia Menezes de. II. 
Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título. 
 
RN/BS/CCSA CDU 37.035 (043.2) 
 
 1
 
 
ANDRÉA GABRIEL F. RODRIGUES 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
EDUCAR PARA O LAR, EDUCAR PARA A VIDA: cultura escolar e modernidade 
educacional na Escola Doméstica de Natal (1914-1945) 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Tese de doutorado apresentada ao Programa de 
Pós-Graduação em Educação como requisito 
parcial para obtenção do título de Doutor em 
Educação da Universidade Federal do Rio 
Grande do Norte, sob orientação da profª Drª. 
Marlúcia Menezes de Paiva. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
NATAL – 2007 
 
 2
 
 
ANDRÉA GABRIEL FRANCELINO RODRIGUES 
 
 
EDUCAR PARA O LAR, EDUCAR PARA A VIDA: cultura escolar e modernidade 
educacional na Escola Doméstica de Natal (1914-1945). 
 
 
Tese de doutorado aprovada como requisito 
parcial para obtenção do título de Doutor em 
Educação da Universidade Federal do Rio 
Grande do Norte, pela comissão formada pelos 
(as) seguintes professores (as): 
 
Aprovada em: ____/_____/_____ 
 
 
BANCA EXAMINADORA: 
 
 
__________________________________________________ 
Prª. Dra. Marlúcia Menezes de Paiva 
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN 
 
__________________________________________________ 
Prª Dra.Maria Inês Sucupira Stamatto 
Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN 
 
__________________________________________________ 
Pro Dr. Jorge Carvalho do Nascimento 
Universidade Federal de Sergipe - UFS 
 
__________________________________________________ 
Pro Dr. Antônio Carlos Ferreira Pinheiro 
Universidade Federal da Paraíba – UFPb 
 
__________________________________________________ 
Pro Dr. Antônio Basílio Thomaz Novaes de Menezes 
Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN 
 
___________________________________________________ 
Prª Dra Maria Arisnete Câmara de Morais 
Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN 
 
___________________________________________________ 
Prª Dra Maria Lindací Gomes da Silva 
Universidade Estadual da Paraíba - UEPb 
 
 
 3
 
 
DEDICATÓRIA 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Dedico este trabalho 
A Deus, pela paz interior, 
A minha querida Mãe Hilda (in memória), 
A Carlos Antônio, 
Aos meus filhos Juliana e Carlos Henrique. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 4
 
 
AGRADECIMENTOS 
 
 
 Para a realização deste trabalho, recebi contribuições diversas de muitas 
pessoas que, direta ou indiretamente, participaram da construção da tese. Não poderia deixar 
de explicitar o nome dessas pessoas e instituições, porque reconheço a importância que cada 
uma representou, como também a importância de um trabalho de pesquisa que contabiliza a 
somatória de muitas contribuições e ajudas envolvidas, desde os mais próximos (familiares, 
amigos etc.) até os mais distantes como funcionários ligados aos locais de pesquisa. 
 Destaco inicialmente o valioso apoio afetivo do meu esposo, Carlos Antônio, 
que soube compreender as minhas faltas em diversos momentos e assumiu com muita 
paciência e dedicação os papéis de pai e mãe durante as muitas ausências minhas no lar e em 
alguns momentos de lazer. 
 Aos meus filhos, Carlos Henrique e Juliana, por suportarem as minhas 
ausências enquanto mãe, para que eu pudesse cumprir determinadas etapas da pesquisa. As 
minhas secretárias Neide e Neire, por me ajudarem nos cuidados diários com meus filhos. 
 A minha mãe (in memória), a quem devo gratidão eterna pelo incentivo nos 
estudos e por me estimular desde cedo a conhecer e a gostar do universo da leitura. 
 A minha irmã, Adriana Gabriel, pelo grande incentivo aos estudos. 
 A Marlúcia Paiva, pelas valiosas contribuições na orientação da tese, pela 
amizade e profissionalismo desempenhado durante todo o percurso da construção da tese e 
durante os mais de dez anos que estudamos juntas. 
 Ao grupo de estudo da Base de Pesquisa Educação e Práticas Culturais do 
PPGEd, da UFRN, particularmente às colegas Neide Sobral, Keila Cruz, Otêmia Porpino, 
Salete Queiroz, Márcia de Sá, Nivaldete Ferreira, Maria Lindací, Ana Zélia e aos colegas José 
Mateus e Lusival Barcelos, pessoas com as quais convivi durante alguns anos, discutindo, 
pesquisando, vivenciando experiências que foram momentos valiosos de trocas culturais e que 
contribuíram para a construção do conhecimento. 
 Agradeço também à Universidade Estadual da Paraíba/RN, instituição que me 
liberou integralmente das atividades da docência durante o período de um ano e meio, quando 
eu ainda fazia parte do seu quadro de funcionários, para a realização do Curso de Doutorado. 
Essa liberação foi muito importante, porque durante aquele período, pude me dedicar 
 5
efetivamente às atividades de pesquisa. Com especial atenção, agradeço às professoras da 
UEPb, Cleonice Agra do Ó e Valniza, pela amizade conquistada e incentivo para que eu desse 
continuidade aos estudos. 
 Ao Centro Federal de Educação Tecnológica do RN – CEFET, instituição onde 
atualmente exerço a função de docente, pela redução da minha carga horária de trabalho para 
que eu pudesse concluir a fase final da tese (parte escrita). Particularmente, aos colegas de 
trabalho Dante Henrique, Maria Daguia (Nina), Malco Geisiel, Gerson Gomes e Eulália 
Raquel, pelo apoio afetivo nos momentos de incertezas e dificuldades. 
 À Escola Doméstica de Natal, instituição em que realizei vasta parte da coleta 
de dados durante os três anos da pesquisa, especialmente à diretora Sra. Noilde Ramalho 
Pessoa que me recebeu com muita educação e considerou desde os nossos primeiros contatos 
a importância da pesquisa que me propus a realizar. A Noilde Ramalho, agradeço pela 
paciência em me atender insistentemente nos muitos momentos de dúvida, nas etapas em que 
era necessário saber da existência de um documento, requisitando alguma fonte histórica que 
estava sob sua responsabilidade. Às funcionárias desta instituição, o meu agradecimento, às 
professoras Margarida Morgantine, Ell Marinho, Sônia Araújo, Dione e ao professor 
Alexandre Marinho. 
 Ao grupo de algumas das ex-alunas da Escola Doméstica que foram 
entrevistadas por mim. Pela disponibilidade com que me receberem em seus lares, 
despendendo tempo e dividindo comigo fotografias de época e recordações diversas sobre o 
período em que estudaram na Instituição. A todas elas agradeço pelos valiosos diálogos 
estabelecidos e por me receberem com carinho e atenção nos momentos em que me foi 
necessário entender o cotidiano e as práticas vividas na escola, cotidiano este que foi tão bem 
relatado. A vocês: Margarida Morgantine, Neide Galvão, Ell Marinho, Tereza Fonseca e 
Eulália Barros, o meu agradecimento especial. 
 Ao Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grandedo Norte, local onde 
realizei parte da pesquisa de dados. À funcionária Antonieta, ao diretor do Instituto, Sr. Enélio 
Petrovich, por alguns diálogos estabelecidos durante a pesquisa e que muito me ajudaram a 
localizar algumas fontes. 
 Ao corpo docente do PPGEd da UFRN, pelos saberes transmitidos e 
construídos junto aos discentes, particularmente às professoras Marta Araújo, Rosanália de Sá 
Leitão, Maria Aparecida Queiroz, Magna França, Inês Stamatto, Rosália de Fátima. Aos 
funcionários do Programa em Pós-Graduação em Educação: Milton, Radir, Letsandra, Jeane, 
Raquel, pelo excelente atendimento. Às funcionárias do Departamento de Educação dessa 
 6
instituição: Laíse, Gleide e Graça. À bibliotecária Albanita, pela revisão das normas técnicas 
do trabalho. 
 A Greycimar Silva dos Santos, pela paciente leitura e revisão gramatical do 
texto escrito. 
 Sem o apoio dessas pessoas e das instituições citadas, tão importantes para a 
trajetória de construção da tese, seria difícil realizar um trabalho dessa natureza, porque o 
próprio ato de pesquisar envolve pessoas, objetos e instituições. A pesquisa não se dá no 
vazio da objetividade; é fruto de emoções, pensamentos, sofrimentos e alegrias, desânimos, 
desafios e conquistas, exigindo de quem a pratica um mergulho num universo atordoante e 
prazeroso de grandes aprendizagens. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 7
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Hoje desaprendo o que tinha aprendido até 
ontem e que amanhã recomeçarei a aprender. 
Todos os dias desfaleço e desfaço-me em 
cinzas efêmera: 
Todos os dias reconstruo minhas edificações, 
em sonho eternas. 
 
Esta frágil escola que somos, levanto-a com 
paciência dos alicerces às torres, sabendo que 
é trabalho sem termo. 
 
E do alto avisto os que folgam e assaltam, 
donos de risos e pedras. 
Cada um de nós tem sua verdade, pela qual 
deve morrer. 
 
De um lugar que não se alcança, e que é, no 
entanto, claro, minha verdade, sem troca, sem 
equivalência nem desengano permanente 
constante, obrigatória, livre: 
Enquanto aprendemos, desaprendo e torno a 
aprender. (Cecília Meireles) 
 
 8
 
 
LISTA DE QUADROS 
 
 
QUADRO 1 – Classificação dos sócios da LERN, 1911..................................................... 60 
 
QUADRO 2 – Cronograma dos presidentes da LERN, 1914.............................................. 79 
 
QUADRO 3 – Quadro de matrícula das alunas da ED, 1914-1964 ....................................135 
 
QUADRO 4 – Demonstrativo de horários da ED, 1927......................................................141 
 
QUADRO 5 – Percentual de alunas diplomadas pela Escola Doméstica de Natal: 
de 1919 a 1945 .............................................................................................146 
 
QUADRO 6 – Quadro demonstrativo de distribuição de matérias do Curso 
Doméstico, 1919 ..........................................................................................155 
 
QUADRO 7 – Demonstrativo das matérias do Curso Doméstico da ED, 1927 ..................158 
 
QUADRO 8 – Lista de enxoval das alunas da ED, 1927.....................................................242 
 
 
 9
 
 
LISTA DE FOTOS 
 
 
FOTO 1 – Registro fotográfico de Henrique Castriciano de Souza .................................. 48 
 
FOTO 2 – Primeira turma de alunas da Escola Doméstica de Natal em aula de 
culinária, 1918.................................................................................................. 111 
 
FOTO 3 – Foto do primeiro corpo docente da Escola Doméstica de Natal, 1919 ............ 116 
 
FOTO 4 – Registro fotográfico do primeiro Corpo docente da Escola Doméstica 
de Natal, 1925 .................................................................................................. 118 
 
FOTO 5 – Fotografia da primeira turma de discente da Escola Doméstica de 
Natal e o professor Clodoaldo de Góes, 1928.................................................. 134 
 
FOTO 6 – Alunas internas da ED em momento de descontração extra sala de 
aula, 1945 ......................................................................................................... 145 
 
FOTO 7 – Alunas da Escola Doméstica de Natal em momento de aula prática 
sobre culinária, 1927 ........................................................................................ 166 
 
FOTO 8 – Imagem de uma ex. aluna da ED, em momento de aula de 
Puericultura, 1948 ............................................................................................ 169 
 
FOTO 9 – Alunas da Escola Doméstica de Natal em aula prática de 
Puericultura, 1926 ............................................................................................ 171 
 
FOTO 10 – Turma de alunas da Escola Doméstica em aula prática de Ginástica 
Suéca, 1929 ...................................................................................................... 187 
 
FOTO 11 – Alunas da Escola na sala-laboratório de Puericultura, 1926............................ 193 
 
FOTO 12 – Alunas da Escola em aula de jardinagem ao ar livre na instituição 
escolar, 1926..................................................................................................... 195 
 
FOTO 13 – Alunas da Escola Doméstica de Natal em aula prática de jardinagem, 
1927.................................................................................................................. 196 
 
FOTO 14 – Alunas da Escola em aula sobre manipulação de lacticínios, 1927 ................. 197 
 
FOTO 15 – Alunas da Escola em momento de aula sobre lavagem e engomado de 
roupas, 1927 ..................................................................................................... 202 
 
FOTO 16 – Alunas em aula prática sobre Educação Doméstica e Higiene do Lar, 
1924 ................................................................................................................. 204 
 
 10
FOTO 17 – Registro fotográfico da turma de formandas da ED no ano 1931? .................. 224 
 
FOTO 18 – Primeiro Corpo discente da Escola Doméstica de Natal, 1928........................ 230 
 
FOTO 19 – Alunas internas da Escola Doméstica de Natal, 1945...................................... 237 
 
FOTO 20 – Imagem do Corpo discente da ED, ao centro destaque para o 
professor Clodoaldo de Góes, 1928 ................................................................. 239 
 
FOTO 21 – Registro fotográfico da primeira turma de docentes da Escola 
Doméstica de Natal, 1919 ................................................................................ 246 
 
FOTO 22 – Vista da Escola Doméstica de Natal no ano de sua inauguração, 1914 ........... 249 
 
FOTO 23 – Alunas da Escola Doméstica em momento de aula prática sobre 
culinária, 1927.................................................................................................. 252 
 
FOTO 24 – Fachada principal da ED de Natal, 1939.......................................................... 255 
 
FOTO 25 – Dormitório das alunas da ED, 1919 ................................................................ 257 
 
FOTO 26 – Sala de aula de costura Meira e Sá. Alunas em momento de 
aprendizado prático, 1930 ................................................................................ 258 
 
FOTO 27 – Momento de aula prática de Anatomia desenvolvida pelo prof. 
Varela Santiago, 1927 ..................................................................................... 259 
 
FOTO 28 – Alunas da Escola Doméstica de Natal em aula de Português com o 
professor Meira e Sá, 1914............................................................................... 260 
 
FOTO 29 – Alunas da Escola Doméstica de Natal no jardim da Escola, em aula 
de jardinagem, 1926 ......................................................................................... 262 
 
FOTO 30 – Gabinete da diretoria da ED, 1914 ..................................................................272 
 
 
 
 
 
 11
 
 
SUMÁRIO 
 
 
INTRODUÇÃO 
O contexto do pesquisador e o universo a ser pesquisado................................................... 14 
A acepção sobre os documentos e os arquivos ................................................................... 18 
A construção da pesquisa ................................................................................................... 39 
 
1 ESCOLA DOMÉSTICA DE NATAL: UM PROJETO MODERNIZADOR 
1.1 O INÍCIO DE TUDO: a Liga de Ensino do RN e o seu idealizador, Henrique 
Castriciano..................................................................................................................... 47 
1.2 A inauguração da Escola Doméstica de Natal ............................................................. 83 
 
2 IDÉIAS INSPIRADORAS DE UM NOVO MODELO ESCOLAR 
2.1. O modelo Escolar Suíço ............................................................................................... 95 
2.2. Os princípios filosóficos da Escola Doméstica ............................................................108 
 
3 DOCENTES E DISCENTES: CONSTRUTORES DE UMA NOVA 
CULTURA ESCOLAR 
3.1. As primeiras diretoras e professoras ............................................................................118 
3.2. O corpo discente ..........................................................................................................134 
 
4 PRÁTICAS NO COTIDIANO DA ESCOLA DOMÉSTICA DE NATAL 
 
4.1. O saber e o fazer no currículo escolar ..........................................................................150 
4.2. Algumas práticas de leituras ........................................................................................208 
4.3. A ordem, a disciplina, a vigilância ...............................................................................222 
4.4. Modelando o corpo: a vestimenta escolar ...................................................................233 
4.5. Espaço, tempo e cultura escolar ..................................................................................249 
 
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS.........................................................................................274 
 
REFERÊNCIAS ................................................................................................................283 
 
ANEXOS ............................................................................................................................303 
 
 12
 
 
RESUMO 
 
A pesquisa apresenta um novo olhar para a instituição escolar Escola Doméstica de Natal, 
tentando dar conta da multiplicidade dos atores e práticas envolvidas na escola que melhor 
definiam e explicavam os fenômenos daquela realidade educativa e das relações com o tempo 
e lugar em que estava inserida. Neste sentido, os conceitos de memória e cultura escolar 
foram fundamentais para a compreensão dessas práticas, porque contribuíram para fazermos 
uma leitura histórico-cultural do conjunto de aspectos institucionalizados na escola, como o 
seu currículo, finalidades, modos de ensinar e aprender, condutas, normas, enfim, o que 
caracterizavam a sua organização e práticas cotidianas. Sendo a Escola Doméstica de Natal 
uma instituição pioneira no modelo de ensino voltado para a educação feminina no Brasil, 
priorizamos reconhecê-la e circunscrevê-la na sua indelével contribuição à História da 
Educação norte-rio-grandense. Concebida por um modelo de organização escolar europeu 
para a educação feminina, a Escola Doméstica de Natal foi inaugurada em 1914, tendo como 
seu criador, o intelectual norte-rio-grandense Henrique Castriciano de Souza. Sua 
singularidade, divergindo das escolas femininas existentes no RN e no país naquele momento, 
advinha do modelo escolar adotado, que enfatizava a formação de uma mulher voltada para 
atender aos anseios modernos despontados com o advento da República. Esse ideário exigia, 
por parte da escola, a formação de um modelo de mulher em seus aspectos moral, físico, 
cultural e intelectual moldados nos ideais da ordem e do progresso. Essa seria uma nova 
forma de educação escolar que poderia favorecer a modernização dos velhos métodos de 
ensino, provocando o surgimento de modelos que implicariam numa nova organização 
pedagógica nas escolas existentes no Estado e conduziriam a cidade a novos e elevados 
patamares de cultura e civilidade. Estava presente, também a representação de que, com essa 
formação, a escola contribuiria para que a mulher atuasse na sociedade de forma mais ativa, 
social e ajustável ao meio. As palavras ordem, novo, civilidade, moderno e progresso 
circulavam e se entrecruzavam com valores arcaicos ainda arraigados e permanentes na visão 
da vida e na idéia de mundo de então. Assim, percebia-se a Escola Doméstica como 
instituição modelo, específica em sua função, que iria trazer para a cidade e, particularmente 
para o Estado do RN, idéias de civilidade, ordem e progresso. 
 
Palavras-chave: Educação História da Educação. Cultura Escolar. Escola Doméstica, 
Modelo escolar. 
 13
 
 
RÉSUMÉ 
 
La recherche propose un nouveau regard sur l’Institution Scolaire École Doméstica de Natal, 
en essayant de tenir compte de la multiplicité des auteurs et des pratiques développées à 
l’école qui définissaient le mieux et expliquaient les phénomènes de cette réalité éducative et 
des rapports avec le temps et le lieu où elle s’insérait. Pour ce faire, les concepts de mémoire 
et culture scolaire ont été fondamentaux pour la compréhension de ces pratiques, parce qu’ils 
ont contribué à notre lecture historique-culturelle de l’ensemble d’aspects institutionnalisés à 
l’école, comme son curriculum, ses finalités, ses façons d’enseigner et d’apprendre, ses règles 
de conduite, ses normes, enfin, ce qui caractérisait son organisation et ses pratiques 
quotidiennes. C’était l’École Doméstica de Natal l’institution pionnière dans le modèle 
d’éducation féminine au Brésil, nous le reconnaissons en priorité et nous visons à le 
circonscrire à son indélébile contribution à l’Histoire de l’Éducation de Rio Grande do Norte. 
Conçue par un modèle d’organisation scolaire européen pour l’éducation féminine, l’École 
Doméstica de Natal a été inaugurée en 1914, en ayant comme créateur l’intelectuel de Rio 
Grande do Norte Henrique Castriciano de Souza. Sa singularité, s’opposant aux écoles 
féminines existantes au Rio Grande do Norte et au Brésil en ce temps-là, était dû au modèle 
scolaire adopté, qui appuyait sur la formation d’une femme préparée à répondre aux 
aspirations modernes surgissant avec l’avènement de la République. Ce contexte exigeait de 
l’école la formation d’un modèle de femme dans les aspects moral, physique, culturel et 
intelectuel modelés sur les idéaux de l’ordre et du progrès. Ce serait une nouvelle méthode 
d’éducation scolaire qui pourrait favoriser la modernisation des anciennes méthodes 
d’enseignement, provoquant le surgissement de modèles qui impliqueraient une nouvelle 
organisation pédagogique aux écoles de l`État et conduiraient la ville à de nouveaux et hauts 
paliers de culture et civilité. Avec cela, l’école contribuerait à ce que la femme joue un rôle 
dans la société d’une manière plus active, sociale et mieux adaptée. Les mots ordre, nouveau, 
civilité, moderne et progrès se répandaient et s’entrecroisaient avec des valeurs archaïques 
toujours permanentes et enracinées dans la vision de vie et l’idée de monde d’alors. Ainsi, on 
voyait que l’École Doméstica était une institution modèle, spécifique dans sa fonction, qui 
apporterait à la ville et, particulièrement au Rio Grande do Norte, des idées de civilité, ordre 
et progrès. 
 
Mots-clés: Éducation. Histoire de l’Éducation. Culture Scolaire. École Doméstica. Modèle 
Scolaire. 
 14
 
INTRODUÇÃO 
 
 
Todos nós, inevitavelmente, escrevemos a história de nosso próprio tempo 
quando olhamos o passado e, em alguma medida, empreendemos as batalhas 
de hoje no figurinodo período. Mas, aqueles que escrevem somente a 
história do seu próprio tempo não podem entender o passado e aquilo que 
veio dele, podem até mesmo falsificar o passado e o presente, mesmo sem a 
intenção de o fazer. (ERIC HOBSBAWM). 
 
 
O contexto do pesquisador e o universo a ser pesquisado 
 
 
 As relações temporais entre passado e presente são importantes para 
compreendermos os acontecimentos e neles as experiências que se entrecruzam na história. 
Relações que vão do tempo vivido, no qual estamos mergulhados, a um tempo que já passou, 
mas que mantêm ligações e aproximações com o presente. O exercício de ir e vir parece à 
primeira vista atordoante, no entanto, para o historiador/pesquisador é condição ímpar, é 
salutar a percepção de tempo histórico e os acontecimentos nele ocorridos. Como lembra 
Hobsbawm (1996), os que escrevem apenas a história do seu tempo, limitam-se a ela, sem 
entender os elos que se estabelecem de um passado que parece fugidio aos nossos olhos e o 
que dele ficou e permanece diante das lentes de um olhar mais meticuloso. 
 Diante dessas inquietações, decorreu o surgimento do nosso objeto de estudo, a 
Escola Doméstica de Natal, fruto de germinações históricas, de manuseios documentais, 
debates, reflexões. Nas primeiras tentativas de aproximações com o objeto, alguns diálogos 
foram estabelecidos: primeiro em conversas informais ou planejadas (com professoras, 
ex.funcionárias que atuaram no estabelecimento de ensino), depois através da leitura de 
materiais de pesquisa coletados. Esses diálogos contribuíram para definir algumas situações-
problema, delimitações e focos do nosso estudo. 
 Os levantamentos feitos indicavam que a Escola Doméstica de Natal foi para o 
Rio Grande do Norte um marco importante por ser uma instituição educativa destinada ao 
ensino voltado para as mulheres. Pioneira na América Latina na sua forma de organização 
escolar e curricular, o que a diferenciava das demais instituições existentes no país, marcou 
uma época, enquanto modelo escolar. O conceito de modelo escolar tratado neste estudo está 
 15
relacionado à noção de organização pedagógica de uma instituição escolar, com regras 
específicas que pode passar a impor racionalmente a forma de seu funcionamento a outras 
escolas no referente ao currículo, metodologias de ensino, administração e funcionamento, 
dentre outros aspectos. 
O entendimento de modelo escolar envolve muitos estudos realizados sobre a 
história das instituições escolares, a exemplo da pesquisa de Souza (1998) utilizada para 
configurar o modelo de organização do ensino, modalidade de escola primária - o Grupo 
Escolar - que foi implantado pela primeira vez no Brasil em 1894, em São Paulo. Nesse 
estudo, o Grupo Escolar é tomado para evidenciar que: 
 
 
Tratava-se de um modelo de organização do ensino elementar mais 
racionalizado e padronizado com vistas a atender um grande número de 
crianças, portanto, uma escola adequada à escolarização em massa e à 
necessidade da universalização da educação popular. Ao implantá-lo, 
políticos, intelectuais e educadores paulistas almejavam modernizar a 
educação e elevar o país ao patamar dos países mais desenvolvidos. 
(SOUZA, 1998, p. 20). 
 
 
 No presente estudo, o conceito de modelo escolar foi usado para delinear a 
organização pedagógica da Escola Doméstica de Natal, percebida como criação de um grupo 
de intelectuais norte-rio-grandenses preocupados em criar um padrão de instituição voltada 
especificamente para a formação de uma mulher culta e civilizada que a República almejava; 
isso acontecia numa conjuntura histórica, sinalizada por um período de remodelação da 
educação no Brasil e também no Rio Grande do Norte, quando intelectuais lançavam 
tentativas reformistas priorizando o campo educacional como modalidade cultural importante 
para a modernização do Estado e do país. 
 Esses primeiros diálogos com o objeto eleito, na verdade, já se configuravam 
na investigação, ao que chamamos de primeiras aproximações com o objeto, posto que o 
entendimento de pesquisar ultrapassa etapas de coleta e análise dos dados, indo além, 
iniciando com as escolhas, seleções do objeto, definições, delimitações do corpus teórico, 
problematizações iniciais, até consolidar-se nas etapas seguintes, quando o contato mais 
efetivo com o objeto dar-se-á numa construção permanente, planejada a priori, mas não 
definitiva, fechada, em consonância com a idéia de Bogdan & Biklen (1994, p. 249), quando 
estes dizem que: 
 16
Uma pesquisa qualitativa é, sobretudo, uma construção teórico-
metodológica, um processo no qual nada é definitivo, porém passível de 
modificações, mesmo no instante em que põe o ponto final no seu relatório 
ali está começando uma nova pesquisa sua ou de outrem. 
 
 
 Não deve haver preocupações somente com os dados evidentes, mas a tentativa 
de aprofundar a complexidade dos acontecimentos em sua essência, nas suas relações e 
interdependências, para ir tecendo o conhecimento sobre o objeto de estudo situado num 
tempo. Também sentimos necessidade de operar cortes seletivos no universo da pesquisa, de 
definir o quê e como pesquisar, porque o contato inicial com um universo diversificado de 
fontes documentais exige do pesquisador, separações, delimitações e definições a partir dos 
objetivos da pesquisa. O recorte do objeto dá-se, portanto, como função necessária. 
 Indagações sobre as pretensões, as possibilidades, limites e contribuições do 
estudo e outras situações e questionamentos foram aflorando a partir de então. A organização 
de um plano de investigação, de fato, passou a auxiliar e iluminar os passos, sinalizando para 
a bibliografia existente sobre a temática da Escola Doméstica de Natal, o universo a ser 
pesquisado, o aporte teórico-metodológico a seguir, o levantamento dos espaços para 
pesquisar, posto que toda pesquisa histórica, além de um tempo específico, inscreve-se em 
algum lugar na sociedade, articula-se com um lugar de produção sócio-econômico, político e 
cultural, enraíza-se em uma particularidade. (LE GOFF ; NORA, 1979). 
 É em função desse lugar social e desse meio de elaboração que alguns 
questionamentos se formulam, que se definem e apuram os métodos e esboçam-se riscos e 
uma trajetória (CERTEAU, 2002). Afinal, para Nora (1981, p. 13): 
 
 
Os lugares de memória nascem e vivem do sentimento de que não há 
memória espontânea, que é preciso criar arquivos, que é preciso manter 
aniversários, organizar celebrações, pronunciar elogios fúnebres, notariar 
atas, porque essas operações não são naturais. 
 
 
 Apresenta também essa proposição o significado de reconhecer que nesses 
lugares pesquisados, ao fazermos história, temos o contato com as fontes, sendo necessário 
perceber como estas se organizam e em função de que e quem, definindo os momentos e 
espaços onde se realiza a pesquisa. Certeau (2002) ainda chama a atenção para entendermos a 
articulação da história com um lugar social e histórico, tomando isto como condição ímpar 
 17
para uma análise da sociedade, posto que não exista análise que não seja totalmente 
dependente de situações criadas por relações sociais ou analíticas. 
 
 
Levar a serio o seu lugar não é ainda explicar a história. Mas é a condição 
para que alguma coisa possa ser dita sem ser nem legendária (ou 
‘edificante’), nem a-tópica (sem pertinência). Sendo a denegação da 
particularidade do lugar o próprio princípio do discurso ideológico, ela 
exclui toda teoria. Bem mais do que isto, instalando o discurso em um não-
lugar, proíbe a história de falar da sociedade e da morte, quer dizer, proíbe-a 
de ser a história. (CERTEAU, 2002, p. 77). 
 
 
 Nora (1981) ao falar desses lugares, também chama a atenção para o sentido de 
que eles devem ser percebidos como lugares portadores de memória em disputa de grupos, a 
determinar o que deve ser resguardado ou não; a memória é tida nesse contexto,como um 
instrumento de buscas e disputas de grupos sociais. Nesse raciocínio, Burke (1992, p.80) 
também se atém ao estudo da memória enquanto campo de disputas, pois para ele, “a 
produção de esquecimentos se efetiva no confronto entre memórias em disputas, entre grupos 
que constroem versões opostas, destruindo fatos relevantes para seus opositores”. 
 Nesse raciocínio, assim como Nora (1981), Burke (1992), Le Goff (1996) e 
Certeau (2002), também compreendemos que toda pesquisa histórica se articula como um 
lugar de produção sócio-econômica, político e cultural e está submetida a imposições, ligada a 
privilégios, enraizada, portanto, em particularidade, sendo que em função desse lugar se 
instauram os métodos, os interesses, organiza-se a busca pelas fontes e elabora-se a proposta 
de pesquisa. 
 A história sendo relativa a um lugar e a um tempo também depende, para ser 
construída, de técnicas de produção e uso de técnicas apropriadas e cada sociedade, no seu 
contexto, faz uso de acordo com os instrumentos disponíveis que são usados por sua vez por 
portadores de interesses individuais e grupais. Ao tecer algumas reflexões nesse sentido, 
destacamos algumas limitações impostas a nossa trajetória de pesquisa, com as quais nos 
deparamos no decorrer da investigação, como por exemplo, o uso dos espaços-arquivos da 
Escola Doméstica de Natal. 
 Uma dessas limitações refere-se às restrições no manuseio de alguns 
documentos de época que versam sobre as práticas da Escola, posto a condição que nos foi 
colocada no manuseio e registro de algumas fotos de época, pois, por serem alguns 
 18
documentos bastante antigos, nos foi negado o registro fotográfico de algumas imagens. 
Outro aspecto a destacar diz respeito a algumas restrições de entrada e saída do Memorial 
(local que acondiciona os documentos da Escola Doméstica de Natal), tendo em vista que a 
visita e consulta a esse espaço deveria sempre ser acompanhada pela direção da instituição, o 
que significou uma limitação ao nosso tempo de trabalho. 
 
 
A acepção sobre os documentos e os arquivos 
 
 
 No tocante ainda ao estudo documental, tivemos algumas dificuldades no 
percurso da pesquisa em relação ao acesso às fontes históricas, pois alguns documentos 
procurados no Memorial da Escola não foram localizados nos arquivos pesquisados, a 
exemplo da Planta Arquitetônica do prédio Escolar onde a instituição funcionou nas suas 
origens, no bairro da Ribeira. Isso limitou a nossa análise na parte que havíamos proposto, 
inicialmente estudar, pois a idéia inicial era detalhar os lugares ocupados pela ED a partir da 
proposta arquitetônica detalhando a divisão dos espaços e suas respectivas construções enfim, 
desnudar a parte física da escola. 
 Por serem as fontes pesquisadas, em sua maioria, localizadas no interior da 
própria instituição pesquisada, houve alguns empecilhos para nos aproximarmos delas. A 
inexistência de um repertório de fontes organizadas inicialmente também dificultou o acesso. 
Posteriormente, foi inaugurado na Escola Doméstica de Natal (no ano de 2005) um Memorial 
da escola, contendo em seu interior uma ordenação de documentos diversos de época que 
versam sobre a trajetória da instituição, o que proporcionou melhor visualização das fontes de 
pesquisa: fotografias, vestimentas, objetos matérias de época, livros, textos, etc, 
demonstrando uma regularidade na história da instituição, tendo em vista conter o memorial 
uma ordenação cronológica da trajetória institucional, destacando o quadro de objetos e 
pessoas que foram os marcos de vida da instituição proporcionando aos olhos de quem a 
visita uma História linear, pronta para ser lida e apreciada. 
 Apesar dessas limitações tentamos, dentro do possível, preencher essas lacunas 
existentes e muito recorrentes nas pesquisas, quando lançamos propostas de garimpar e 
analisar alguns documentos que ficam, com o passar do tempo reservados às instituições 
privadas. A busca por outros caminhos e fontes que fornecessem novas pistas e informações 
que melhor preenchessem os espaços questionados durante a sua investigação terminou sendo 
 19
a via mais importante diante das adversidades surgidas, ocasionando também novos 
aprendizados: como pesquisar e redimensionar a metodologia de trabalho. 
 Pensando nessa perspectiva, entendemos que uma trajetória de pesquisa deve 
realmente, como sugere Certeau (2002), considerar os lugares em que se inserem as fontes 
como espaços construídos historicamente, de acordo com os interesses individuais e grupais 
de cada época, priorizando também os lugares de memória que são marcados por conteúdos 
múltiplos e são, ao mesmo tempo, material, simbólico e funcional. Configuradas neste 
sentido, é preciso pensá-las, a história e a memória, enquanto plurais, construídas e 
interpretadas sob diversos ângulos num determinado espaço de tempo. 
 Assinalamos nesse primeiro momento uma grande e importante preocupação 
essencial ao historiador, como nos lembra Le Goff (1996), a do tempo que não é linear, mas 
múltiplo, permeado por rupturas e nele, a idéia de situar o objeto no tempo e reconhecer as 
diversidades desse tempo, quais as complexidades para uma instituição escolar como a Escola 
Doméstica de Natal e como ela foi capaz de se estruturar nesse determinado tempo em que se 
inscreveu. 
 Reencontramos no levantamento bibliográfico e no diálogo entre os textos que 
versam sobre a Escola Doméstica de Natal e/ou por onde ela fala, não apenas nomes de 
pesquisadores, mas também, resultados de pesquisa e pistas onde localizar novos documentos. 
Fizemos deste momento uma aprendizagem: a de que é possível empreendermos olhares 
diversos para o mesmo objeto e dele apreendermos várias interpretações, cada uma com a sua 
singularidade, nenhuma maior ou melhor que a outra, mas diferentes em interpretações. Neste 
sentido, a busca neste estudo foi manter a análise e a interpretação mais próxima possível das 
experiências ocorridas, e o que parecia supor um passado acabado, transmudava-se e emergia 
nos textos e nos documentos escritos, impulsionando mergulhar num novo conjunto de 
indagações, de deslindamentos. 
 Mergulhar no universo da pesquisa sobre a Escola Doméstica de Natal, 
significou também no campo da História da Educação um esforço de conjugar a análise da 
singularidade de uma instituição educacional da cidade do Natal e o estabelecimento de suas 
relações com as determinações mais conjunturais do Estado, Brasil e de outros países, 
transpondo a esfera local, mas sem limitar-se somente a uma análise macroestrutural, 
buscando-se alguns elementos que conferiam à identidade da instituição um sentido único no 
cenário social do qual fez parte. 
 O nosso propósito foi apresentar a escola à luz das fontes documentais, 
sabendo que a seleção e interpretação dessas fontes são feitas pelo historiador. Esses dois 
 20
momentos, seleção e interpretação, são condições ímpares para que o passado seja analisado 
de forma significativa e contextualizado. Ao que lembra Carr (2002, p. 25), 
 
 
A história exige a seleção e ordenação de fatos sobre o passado à luz de 
algum princípio ou norma de objetividade aceito pelo historiador, que 
necessariamente inclui elementos de interpretação. Sem isso, o passado se 
dissolve em uma confusão de inumeráveis incidentes isolados e 
insignificantes, e a história não pode ser escrita de modo algum. 
 
 
 O historiador Carr (2002, p. 26) expõe que história significa muito mais do que 
a simples coleta e narração das experiências vividas; história é interpretação; a “história é o 
que o historiador faz”, constituindo-se num contínuo processo de interação e diálogo entre 
presente e passado. 
 Ao estabelecer os diálogos entre passado e presente, observamos que a 
presença do documento, como objeto que é, exprime idéias, valores, crenças, interesses de 
quem o escreveu eo resguardou, pois concordamos com as palavras de Le Goff (1996, p. 9-
10) ao dizer que o documento “[...] não é um material bruto, objetivo e inocente, mas que 
exprime o poder da sociedade do passado sobre a memória e o futuro.” Assim, ao pensar em 
interpretar o modelo escolar da Escola Doméstica de Natal, onde o corpus documental maior 
encontra-se nos arquivos da própria instituição, tivemos o cuidado de fazer a leitura 
meticulosa desse corpus com um olhar mais atento, afoito e questionador sobre as 
informações nele descritas, posto que os espaços que servem como locais da pesquisa 
(arquivos) e os documentos neles pesquisados devem ser vistos sob diversos aspectos, críticos 
e reflexivos, uma vez sabendo que os documentos não são neutros, inócuos, na expressão de 
Le Goff (1996, p. 547-548): 
 
 
[...] é antes de mais nada o resultado de uma montagem, consciente, da 
história, da época, da sociedade que o produziram, mas também das épocas 
sucessivas durante as quais continuou a viver, talvez esquecido, durante as 
quais continuou a ser manipulado, ainda pelo silêncio. O documento é uma 
coisa que fica, que dura, o testemunho, o ensinamento (para evocar a 
etimologia) que ele traz devem ser em primeiro lugar analisados 
desmistificando-lhes o seu significado aparente. 
 
 
 Da escrita do autor, apreendemos que a leitura do documento não deve se dar 
 21
com idéias preconcebidas nem com ingenuidade, posto que o documento não é neutro, mas 
impregnado de valores sociais, culturais, políticos, merecendo, por isso, maior atenção por 
parte de quem o manuseia e dele tenta abstrair a essência dos acontecimentos. Esse olhar 
ampliou também a abordagem teórico-metodológica, fazendo aproximar a História de outros 
campos do conhecimento como a Sociologia, Geografia, Economia e principalmente a 
Antropologia, numa abordagem mais global de interpretação, contemplando uma leitura 
voltada para os documentos como testemunhos de história e histórias. 
 Essa postura metodológica no trato com os documentos sintetiza um método 
oposto ao que propõe a corrente positivista, pois esta corrente cria um modelo de 
conhecimento da realidade que limita a visão de documento ao material escrito, oficial, assim 
como limita a interpretação dos fatos. No que se refere à interpretação dos acontecimentos, a 
corrente positivista propõe que “[...] o cientista social deve pôr de lado sistematicamente todas 
as prenoções antes de começar a estudar a realidade social. Essas prenoções seriam ‘viseiras’ 
que impediriam de ver o que realmente estaria se passando.” (LOWY, 1985, p. 42). Nessa 
perspectiva teórica, temos que considerar que essa receita clássica da vertente positivista é 
utópica e inviável, impossível de ser aplicada aos estudos que pretendam desvendar a história 
problematizando-a, conhecendo-a nas múltiplas interfaces e nuances das realidades distintas. 
 É difícil considerar as proposições apontadas pelo sociólogo Durkheim 
(considerado um precursor do positivismo) ao defender que “[...] o sociólogo deve rodear de 
todas as precauções possíveis contra sugestões irracionais. Opor a essas paixões irracionais 
acalma a imparcialidade científica, o sangue-frio.” (DURKHEIM apud LOWY, 1985, p. 42). 
Acreditamos que é inviável pesquisar sem trazer para o corpus da nossa análise os desejos e 
as paixões, os interesses, a nossa percepção de vida e de mundo. A subjetividade é uma 
realidade presente desde os primeiros momentos em que realizamos as escolhas, delimitamos 
o objeto da pesquisa e o percurso da mesma. Como seria essa escolha pensada com o 
pressuposto da objetividade? Mera ilusão do pesquisador! 
 Assim como é difícil pensar na pesquisa segundo os postulados positivistas, é 
questionável também os locais que abrigam e resguardam os documentos que servem de 
suporte à memória. A disposição dos documentos em determinados espaços sofrem seleções 
por parte de pessoas e instituições que definem a sua importância ou não em ser resguardado e 
servir de legado histórico. 
 As palavras escritas por Le Goff (1996), na sua obra ‘ História e Memória ’, 
ecoava em nossas lembranças, nos diversos momentos da realização do levantamento e 
análise das fontes. Nesses momentos, pensávamos sobre as suas afirmações que dizem: 
 22
De fato, o que sobrevive não é o conjunto daquilo que existiu no passado, 
mas uma escolha efetuada quer pelas forças que operam no desenvolvimento 
temporal do mundo e da humanidade, que pelos que se dedicam à ciência do 
passado e do tempo que passa, os historiadores. (LE GOFF, 1996, p. 535). 
 
 
 Portanto, refletíamos sobre suas palavras escritas e as trazíamos para o nosso 
plano de investigação, reconhecendo que os documentos que versam sobre os acontecimentos 
da Escola Doméstica de Natal são produtos de escolhas, seleções, de acordo com os interesses 
da instituição e/ou de pessoas em fazer memorar o que consideravam relevante, o que deveria 
ser lembrado, lido e perpetuado pelas gerações dos que passaram e permanecem na história 
dessa instituição pioneira na educação da mulher no Brasil, nos moldes Suíço e Escolanovista. 
 O historiador Veyne (1995) também conclama a reflexão sobre a ótica imposta 
pelas fontes documentais, devendo ser este aspecto o centro da reflexão sobre o conhecimento 
histórico, onde perguntas devem ser levantadas, as problemáticas colocadas, para que não 
falte uma atitude mais crítica por parte do pesquisador em relação ao material analisado. 
 Os suportes materiais existentes que auxiliaram na pesquisa, clareando o 
objeto de estudo, dando vida à sua existência, foram diversos. Seu corpus foi composto de 
correspondências, livros, ofícios, relatórios, fotografias, jornais, revistas, textos 
mimeografados, considerando que as fontes retratam uma época, práticas, momentos, 
imaginários; são, portanto, prenúncios que permitem a leitura de novas investigações sobre a 
Escola Doméstica de Natal. Os autores Carr (2002) e Le Goff (1996) chamam a atenção para 
a correlação documento/construção histórica, ao lembrar ao pesquisador/historiador que as 
informações contidas nos documentos não lhes chegam de forma pura, descontextualizada, 
pois são sempre refratadas através da mente do registrador. Assim alguns registros 
importantes encontrados nos documentos precisam ser processados pelo historiador antes de 
serem usados, necessitando trabalhar o material pesquisado para decifrá-lo. Neste raciocínio, 
os documentos são essenciais ao trabalho de reconstituição histórica, sabendo que eles, por si 
só, não constituem a história; são fragmentos que precisam ser interpretados, atribuindo-lhes 
vida e significado. 
Na leitura das experiências históricas sobre a instituição escolar feminina que 
estudamos, buscamos as indicações de Certeau (2002, p. 81) quando adverte que o 
historiador, no seu oficio: 
 
 
 23
Longe de aceitar os ‘dados’, ele os constitui. O material é criado por ações 
combinadas, que o recortam no universo do uso, que vão procurá-lo também 
fora das fronteiras do uso, e que o destinam a um reemprego coerente. É o 
vestígio dos atos que modificam uma ordem recebida e uma visão social. 
Instauradora de signos, nem apenas nem primordialmente, o efeito de um 
olhar. É necessário aí uma operação técnica. 
 
 
 Portanto as condições de produção e arquivamento dos documentos 
pesquisados foram consideradas, no sentido de analisar as possíveis tentativas de se legar um 
testemunho à posteridade. Concordamos com a afirmação de Le Goff (1996) que lembra ao 
historiador/pesquisador o fato acima referido e que: 
 
 
Quer se trate de documentos conscientes ou inconscientes (traços deixados 
pelos homens sem a mínima intenção de legar um testemunho à 
posteridade), as condições de produção do documento devem ser 
minuciosamente estudadas. [ ] Nenhum documento é inocente. Deve ser 
analisado. Todo o documento é um monumento que deve ser des-
estruturado. O historiadornão deve ser apenas capaz de discernir o que é 
‘falso’, avaliar a credibilidade do documento, mas também desmistificá-lo. 
(LE GOFF, 1996, p. 110). 
 
 
 As maneiras de pensar as particularidades e realidades diversas de 
determinadas épocas através das fontes documentais devem incidir no questionamento dos 
vestígios deixados como testemunhos de um tempo. Neste sentido, a busca do pesquisador 
deve ser mais analítica que a primeira leitura desses vestígios, concordando com as palavras 
de Bloch (2001, p. 83) ao destacar que: 
 
 
A despeito do que às vezes parecem imaginar os iniciantes, os documentos 
não surgem, aqui, ou ali, por efeito de [não se sabe] qual misterioso decreto 
dos deuses. Sua presença ou ausência em tais arquivos, em tal biblioteca, em 
tal solo, deriva de causas humanas que longe de terem apenas o alcance de 
exercícios de técnicos, tocam eles mesmos no mais íntimo da vida do 
passado, pois o que se encontra posto em jogo é nada menos do que a 
passagem da lembrança através de gerações. 
 
 
 As palavras de March Bloch nos fez pensar, ao pesquisarmos as práticas da 
Escola Doméstica de Natal, sobre a existência do Memorial dessa instituição, espaço que 
 24
aloca os documentos de época sobre o percurso histórico da Escola. Visualizamos esse local 
como um espaço que tem por finalidade perpetuar uma memória e as fontes que lá se 
encontram cumprem uma certa cronologia de idéias, imprimindo uma memória gloriosa sobre 
a trajetória da instituição. 
 Na nossa pesquisa, fizemos uso da iconografia, tomando-a como fonte 
documental e, nesse sentido, a leitura realizada das imagens como documentos possibilitou 
retratar uma época, através de sua leitura simbólica. As fotografias não figuraram no trabalho 
como meras ilustrações e apoio ao texto escrito. Trazê-las para o corpo da nossa pesquisa 
representou para nós desvendar possíveis significados circunscritos e materializados no 
imaginário das (os) professoras (es) e alunas da escola Doméstica de Natal. 
 Uma grande dificuldade e obstáculo ao uso da fotografia é o seu acesso. 
Muitas delas podem ser utilizadas como fontes para a história da educação, porém, em sua 
maioria, pertencem a arquivos particulares. No caso específico da nossa pesquisa, as fotos 
pesquisadas e trazidas para o corpo do nosso trabalho pertencem ao acervo particular da 
Escola Doméstica de Natal. Houve também certa dificuldade para identificar as fotos; 
algumas continham em seu corpo a data em que foram registradas, outras não tinham a data 
definida; as com data registrada nos possibilitou fazermos aproximações do período a partir 
de alguns elementos que levassem à compreensão daquela época, através da observação da 
vestimenta, dos costumes espelhados nos penteados, corte de cabelo, calçado, gestos, modos 
de se comportar, etc. Esse procedimento foi importante afinal, como nos lembra Miguel 
(1993, p. 124): 
 
 
A fotografia tomada como documento histórico precisa ser decodificada e 
apreendida em sua conotação. É preciso romper com as pesquisas que se 
orientam a partir da ‘teoria do espelho’, isto é, aquelas que encaram a 
fotografia como reflexo da realidade e tentam compreende-la através de suas 
proposições evidentes. Considerando a fotografia como um corpo de signos 
e todo signo como constituinte ideológico, a questão do sentido que o 
permeia somente pode ser formulada a partir do estudo das relações dos 
signos com aqueles que os emitem. A fotografia é sempre uma mensagem 
situada, produzida por alguém e com endereço determinado. 
 
 
 Assim como na leitura do texto escrito, houve uma leitura interpretativa das 
fotografias, através das quais surgiram possibilidades de identificá-las no contexto, 
considerando: as condições de produção da imagem, a sua inserção social, o autor da foto, os 
 25
sujeitos nela inseridos, as suas vinculações institucionais e as formas como ela foi 
resguardada. 
 Os registros fotográficos presentes no Memorial da Escola Doméstica de Natal 
foram resultantes de uma organização da instituição com a finalidade de estabelecer certa 
cronologia para os melhores momentos vividos pela escola, formulando, através dessa 
periodicidade, a sistematização de acontecimentos memoráveis. Grande parte do acervo 
fotográfico foi doado por pessoas (ex-alunas, ex-professoras, funcionárias...) que passaram 
pela instituição e outra parte do acervo é fruto de registros já existentes no próprio 
estabelecimento educacional. Em cada momento histórico, os pesquisadores e a sociedade 
criam suas condições de interpretação do real e esta realidade é apreendida e registrada de 
diversas formas. 
 Entendemos que as imagens corporificam concepções culturais coletivas. Elas 
podem retratar o imaginário de uma época e não o real como tal, porque elas produzem 
diversas representações da realidade. Nesta compreensão, surge a necessidade de realizar os 
entrecruzamentos com o texto escrito e com outras imagens de época. 
 Nas primeiras décadas do século XX, historiadores como March Bloch, Lucien 
Fevre, Lê Goff, dentre outros, buscaram interpretar o documento para além do texto escrito, 
enfatizando a idéia de que o homem poderia fazer história a partir de diversos vestígios 
humanos: fotografias, objetos, testemunhos orais, etc. Esse pensamento materializado e 
publicado em diversos artigos defendidos por esses pesquisadores contribuiu 
significativamente para o entendimento da palavra documento para além do registro escrito e 
oficial significando o alargamento dos registros históricos, o que de fato acreditamos ter 
enriquecido o campo dos estudos históricos. 
 Na prática da pesquisa, buscar nas fontes os acontecimentos, explícitos ou não, 
sobre a Escola Doméstica de Natal e o que contribuiu para as autoridades políticas, 
educacionais e intelectuais criá-la, tornou-se vivo, dinâmico e presente ao olhar do hoje. Isto é 
uma busca do passado feita, não com propósito e intuito de explicitar o presente, e sim no 
sentido singular ao que Bloch (2001) defende sobre o conhecimento do passado. Nas suas 
palavras: 
 
 
O conhecimento do passado reavivado pelas tintas do presente, num 
exercício vigoroso de comparação que tem claro e preciso o pressuposto de 
que a ignorância do passado não se limita prejudicar o conhecimento 
presente. Vai além, compromete, no presente a própria ação. (BLOCH, 
2001, p. 2). 
 26
 
 A História, nesse contexto, pôde ser percebida não como ciência do passado, 
uma vez que tal idéia é contestada pelo autor, mas como ciência dos homens no tempo, o 
passado que atrai homens pela busca das raízes e identidades e o presente que se constitui no 
lugar da prática do historiador. Assim na visão de Motta (1998), a História (como ciência) 
comporta uma operação intelectual quando, ao criticar as fontes, reconstruindo-as à luz de 
uma teoria, realiza uma interpretação do passado, onde o que importa não é somente a noção 
de um consenso, mas também a de conflito. 
 Não tivemos, pois, a intenção de eleger a história para justificar as práticas 
educativas da Escola Doméstica de Natal, recuando a um período histórico distante e 
objetivando evidenciar que o presente, no qual estamos mergulhados, tem a sua justificativa 
devido aos acontecimentos do passado. Não buscamos uma história invertida, fragmentada, 
nem a glorificação de um passado, mas sim a compreensão entre os elos que se estabelecem 
entre passado, memória, presente e o conhecimento histórico, para desvelar o nosso objeto de 
estudo (a história da Escola Doméstica de Natal, seu modelo escolar, saberes, práticas 
escolares, sua pedagogia), através de um passado construído pela memória. 
 O caminho de investigação que percorremos desencontra-se com a tarefa 
atribuída ao historiador menos atento, na expressão de Certeau (2002), com os ‘não ditos na 
História’, pois para esse autor, vários motivos, dentre eles pessoais e grupais, suscitam a nãorevelação dos acontecimentos na história e assim alguns acontecimentos passam a ser 
registrados e outros legados. Inversamente aos ‘não ditos’, a tentativa na nossa pesquisa tem 
sido a de vasculhar os pedaços deixados, contidos nas memórias documentais e nas falas de 
alguns depoentes, sujeitos que atuaram na instituição pesquisada tentando explicitar as 
nuanças implícitas em registros históricos; memórias diversas, plurais, que são fontes 
históricas, cuja compreensão simboliza conhecimento de nossa identidade enquanto sujeito 
histórico, ativo, crítico e empreendedor de suas histórias, percebendo os elos entre o tempo 
presente e o passado. Expressa o sentido que Ferro (1989, p.100-101) atribui à tarefa do 
historiador: “Dotar um grupo, uma nação de sua memória, restituí-la - esta é de fato uma das 
funções do historiador. A segunda é sem dúvida, contribuir para a inteligibilidade do passado, 
dos vínculos entre o passado e o presente.” 
 A memória emerge como elemento mediador das lembranças sob o efeito de 
uma série de pensamentos individuais e coletivos, com unidade e multiplicidade que o tempo 
muitas vezes, contribui para apagar e o historiador envida esforços de reavivar as tintas desse 
passado, destacando que as lembranças fazem parte das memórias dos sujeitos e não são 
 27
lineares, posto que: 
 
 
A sucessão de lembranças, mesmo daquelas que são mais pessoais, explica-
se sempre pelas mudanças que se produzem em nossas relações com os 
diversos meios coletivos, isto é, em definitivo, pelas transformações desses 
meios, cada um tomado à parte, e em seu conjunto. (HALBWACHS, 1990, 
p. 51). 
 
 
 Um dos primeiros pesquisadores da memória enquanto fenômeno social, 
Halbwachs (1990), chamou a atenção nos seus estudos para percebê-la enquanto objeto 
coletivo e social, construído, portanto, sujeita a flutuações e mutações constantes. Adepto 
também dessa lógica, Pollak (1992) sinaliza para a importância de compreendermos uma das 
características da memória, que é ser seletiva, porque nem tudo fica gravado e registrado nas 
nossas memórias e por ser objeto social é considerada elemento de disputa política, onde é 
possível a existência de conflitos para determinar os acontecimentos e datas que devem 
permanecer memoráveis numa sociedade. Evidenciando a idéia, também defendida por 
Halbwachs (1990), que a memória é um fenômeno construído por sujeitos que são sociais, 
temos a necessidade de a articularmos em três elementos-chave: os acontecimentos, o 
personagem e o lugar. 
 Compreendemos, pois, essas relações da história e da memória contidas num 
passado que se entrelaça com o presente e o futuro, mantendo relações afastadas e próximas 
de forma dinâmica, permeadas de entrecruzamentos que caminham em sentidos variados, e 
não de forma unívoca e singular como uma reta. Bosi (1998) que estudou sobre as memórias 
presentes nos grupos como identidade de pertença (onde um grupo se identifica no próprio 
grupo) e também o conhecimento do sujeito em relação a si próprio, considera que: 
 
 
Não há evocação sem uma inteligência do presente, um homem não sabe o 
que ele é se não for capaz de sair das determinações atuais. Aturada reflexão 
pode preceder e acompanhar a evocação. Uma lembrança é diamante bruto 
que precisa ser lapidado pelo espírito. Sem o trabalho da reflexão e da 
localização, seria uma imagem fugidia. O sentimento também precisa 
acompanhá-la para que ela não seja uma repetição do estado antigo, mas 
uma reaparição. (BOSI, 1998, p. 81). 
 
 
 
 28
 Eis um aspecto da memória para o qual Bosi (1998) nos chama a atenção, nos 
seus escritos sobre “memória e sociedade”: a importância que deveríamos atribuir ao passado, 
assim como aferimos ao presente. Concordamos com a autora que a memória como função 
social deve ser buscada, pois a capacidade de compreender e relacionar as vivências passadas 
com as atuais é um exercício de reconhecimento e pertence ao hoje, constituindo elemento 
importante para a construção da identidade coletiva e do sujeito individual. 
 Na busca por um passado distante e ao mesmo tempo presente na nossa 
história local, as fontes mapeadas que deram suporte à investigação, além dos arquivos da 
Escola Doméstica de Natal, já referenciados, foram buscadas no Instituto Histórico e 
Geográfico do Rio Grande do Norte e no jornal A República. 
 A idéia presente no momento da seleção e estudo desses espaços foi a de que 
“[...] mapear fontes é preparar o terreno para uma crítica vigorosa que constitua novos 
problemas, novos objetos e novas abordagens.” (LE GOFF; NORA, 1979, p. 18). Então, 
mesmo com a existência de alguns estudos já realizados sobre a Escola Doméstica de Natal, a 
nossa proposta se debruça no desvelar da instituição escolar, buscando elementos de análise 
além dos estudos existentes, a exemplo de Pinheiro (1996) que dedicou sua análise às idéias 
do intelectual potiguar Henrique Castriciano, sua visão de educação, política, e cultura, 
abordando de forma breve a criação da instituição Escola Doméstica. Nesse estudo 
dissertativo de Pinheiro (1996), o foco central foi o personagem Henrique Castriciano de 
Souza. Na pesquisa realizada por Barros (2000), a trajetória histórica da Escola Doméstica é 
evidenciada, destacando-a quanto aos seus moldes de administração, organização e 
funcionamento. Esse estudo não se centrou na cultura escolar da instituição, mas trouxe no 
seu corpus pontos relevantes para conhecermos a evolução histórica da instituição, algumas 
de suas práticas educativas, a composição do quadro das primeiras docentes e diretoras enfim, 
sua estruturação no decorrer dos anos. 
 Temos ainda a destacar a dissertação de mestrado de Albuquerque (1981) que 
priorizou a trajetória de Castriciano na política e na educação, apresentando uma breve 
incursão das Escolas Domésticas no Rio Grande do Norte e no mundo. Muito embora sem 
deter-se em uma análise mais profunda da Escola Doméstica de Natal, o autor deixou algumas 
contribuições de pesquisa, principalmente quando se refere à documentação levantada. 
 Acreditamos que a História é uma ciência interpretativa que nunca repete os 
fatos, portanto marcada por continuidades, descontinuidades, rupturas e não linearidades, 
havendo igualmente para quem a constrói uma relatividade do olhar para os acontecimentos e 
os relatos que deles possam surgir, no sentido que Veyne (1995) denomina de 
 29
“individualização do olhar”; pois, é isto que torna singular a cada historiador a sua riqueza de 
idéias e percepções das nuanças perante as experiências e acontecimentos mais gerais. Pela 
característica de ser dialética, a História e sua escrita não merecem ser apenas explicitadas 
mediante leis universais, apuradas indutivamente através de generalizações como ocorreu 
principalmente nos primórdios do século XIX, com o positivismo de Augusto Comte, 
engessando a História numa masmorra de vidro, purificando-a das influências subjetivas do 
ser humano e provando ser a melhor via de conhecimento da verdade absoluta dos fatos como 
se fosse possível separar o objeto do indivíduo. Esses tempos passaram, mas ainda persistem 
nos dias atuais, pois nos legou marcas e influências significativas nos modos de construção 
dos objetos de estudos e das formas diversas de se fazer pesquisa. 
 A percepção que sustentou o nosso estudo sobre o que vem a ser História foi 
um dos pilares e nos moveu no sentido de buscarmos um olhar diferente para os documentos e 
para a Escola Doméstica de Natal, não nos moldes como foi analisada até então por alguns 
estudiosos, mas penetrando em no seu interior, tentando evidenciar que existe uma cultura 
escolar (ou várias culturas na escola) e que esta se manifestou sob diversas formas: na 
organização do tempo escolar, na estruturação dos conteúdos escolares, nos regimentos de 
controle das formas de se comportar no interior da escola, na composição do quadro docente 
enfim,a cultura escolar está presente na história de vida da escola e de como se materializa 
nos objetos e pessoas que dela fizeram parte. Entender essa matriz de pensamento conduziu a 
uma análise da instituição escolar para além da sua estrutura material e de funcionamento; 
implicou perceber a escola como espaço, na mesma linha de raciocínio atribuída por Frago 
(1994) que delineia a instituição escolar imbricada numa rede de relações sociais, 
considerando-a numa sociologia das organizações e antropologia de práticas cotidianas. 
 Neste sentido, a escola materializa eixos e idéias, mente e corpo, objetos e 
condutas, modos de pensar, decidir e fazer, ritos, hábitos, simbologias. Ver a escola como 
espaço significa reconhecer que o espaço habitado não é neutro, é uma construção social, é 
condição de quem o habita e nele convive. O espaço, portanto, comunica e varia em cada 
cultura. 
 No primeiro momento da nossa pesquisa, o mapeamento que realizamos dos 
estudos já existentes sobre a Escola Doméstica de Natal nos proporcionou uma nova 
abordagem, novos questionamentos e saberes, bem como um levantamento acerca dos 
documentos que versam sobre a trajetória da referida escola. A teoria que nos fundamentou 
foi percebida não como produtora da verdade, mas indispensável para estabelecer relações 
reflexivas com atividades concretas, criando-se uma teia de significados. A relação 
 30
teoria/empiria é formulada em dois planos: o histórico-social, onde a teoria depende da prática 
à medida que a define e é o seu fundamento, o avanço do conhecimento e o plano das 
operações práticas, onde a teoria pode questionar e problematizar a prática, estabelecendo 
correspondências, diálogos construtivos entre ambas. Isto se torna importante para a 
compreensão da nossa pesquisa por ser um exercício de antecipação e articulação, onde as 
relações dialéticas entre ambas se entrelaçam no decorrer do trabalho com as fontes, com os 
documentos, proporcionando maior visibilidade à construção de uma história menos 
fragmentada e mais interpretativa. 
 Diante da dimensão do aparato documental, na imbricação dos registros a 
caminho da construção de significados, a tentativa de garantir a forte presença no texto do 
nosso objeto, a Escola Doméstica de Natal e suas ações educativas foi uma finalidade a 
perseguir. A preocupação primeira foi manter o objeto no texto, de modo que mostrasse 
independência e existência próprias, oferecendo caracteres de autonomia (STAROBINSKI, 
1995). 
Tentamos perseguir no decorrer da pesquisa a seguinte proposição: a de que a 
Escola Doméstica de Natal, desde suas origens, apresentou objetivos para a formação da 
mulher de acordo com os propósitos republicanos e de uma pedagogia que era moderna na 
época por isso a defesa da instituição por um ensino ativo e moderno, uma educação pautada 
nos valores cívicos, civilizados, condizentes com os valores da nova organização social que se 
estabelecia com o advento republicano despontado no início do século XX, que priorizava a 
ordem e o progresso. (NAGLE, 2001). Junto com o discurso da identidade nacional, era 
também apregoado o discurso da modernização da sociedade brasileira, segundo Horta 
(1994), como uma forma de atendimento às exigências da vida moderna. Nos ideais dos 
intelectuais que fundaram a Escola Doméstica de Natal, ela representaria esses anseios 
republicanos, de trazer para a cidade do Natal ares de progresso e modernidade. 
 As fontes diversificadas nos cruzamentos realizados subsidiaram a construção 
do objeto de estudo sobre a Escola Doméstica de Natal, auxiliando a clareá-lo ao emergi-lo do 
universo dos arquivos, mas também o depoimento dos sujeitos que atuaram na instituição 
Escola Doméstica como diretoras, funcionárias (os) do estabelecimento, professoras (es), 
constituindo um corpus no universo da investigação. O depoimento oral, portanto, contribuiu 
não como puro preenchimento deixado pelo vazio documental, mas como articulador do 
diálogo com outras fontes iconográficas e também para identificação e análise de narrativas 
não reveladas pela subjetividade dos documentos escritos. 
 Debruçamos particular atenção aos desvios das narrativas dos depoentes, o que 
 31
nos foi possível por termos feito o entrecruzamento de fontes orais, escritas e também pelo 
fato de realçarmos, na nossa análise, que os referentes abstraídos das memórias advêm de 
indivíduos possuidores de olhares e discursos diferenciados e o que faz com que eles norteiem 
sua percepção do mundo que o rodeia. No caso das falas orais, a memória individual de cada 
depoente só teve sentido em função de sua inscrição no conjunto social das demais memórias, 
permitindo o conhecimento do fenômeno social, pois: “[...] quando se valoriza, na fala contida 
da narrativa gravada, o conjunto de conteúdos ditos como fator decisivo para as análises, as 
questões afeitas à memória despontam com caminhos indicativos dos exames sociais.” 
(MEIHY, 2002, p. 42). 
 O passado contido nessas memórias, que são impregnadas de idéias reporta a 
um tempo social, cultural, histórico, a um passado que não deve ser compreendido como uma 
coleção de conhecimentos isolados, um reservatório estático de memórias, concordando com 
a afirmativa de Bruner (1997) ao lembrar que “uma história é sempre a história de alguém ou 
algo e como tal, requer uma análise detalhada e contextual.” Neste sentido, Veyne (1995, p. 
27) também aponta idéias que complementam as de Bruner, quando afirma que “os fatos não 
existem isoladamente, mas têm ligações objetivas; ligações, laços objetivos, nas suas 
atribuições e importância”. 
 Nessa análise contextual, o testemunho oral foi tomado como portador de 
sentido, representando papel importante no processo de reconstituição histórica da memória, 
possibilitando trazer à tona traços fugidios, às vezes, não registrados nos documentos escritos, 
assim como as vivências e vestígios indispensáveis à apreensão do objeto de estudo em seus 
diversos ângulos. Apresentamos como exemplo as palavras expressas por alguns sujeitos que 
lecionaram na Escola Doméstica de Natal, que contribuíram para o enriquecimento do texto, 
clareando aspectos ainda não suficientemente esclarecidos através da análise dos documentos 
escritos, favorecendo a melhor percepção do nosso objeto de estudo. 
 É relevante destacar a leitura que Halbwachs (1990) tece sobre o indivíduo 
tomado como testemunha de um tempo, de uma memória, tendo como fio condutor em sua 
análise a memória coletiva repercutindo na memória individual de forma dinâmica e 
interativa. Bosi (1998) tomando esse raciocínio de Halbwachs escreveu sobre a memória de 
idosos e nesse estudo observou que: 
 
 
Uma memória coletiva se desenvolve a partir de laços de convivências 
familiares, escolares, profissionais. Ela entretém a memória de seus 
membros, que acrescenta, unifica, diferencia, corrige e passa a limpo. 
 32
Vivendo no interior de um grupo, sofre vicissitudes da evolução de seus 
membros e depende de sua interação. (BOSI, 1998, p. 408). 
 
 
 Constatou também a autora que “por muito que deva à memória coletiva, é o 
indivíduo que recorda. Ele é o memorizador e das camadas do passado a que tem acesso pode 
reter objetos que são, para ele, e só para ele, significativos dentro de um tesouro comum”. 
(BOSI, 1998, p.408). 
 A memória individual, onde os indivíduos recordam no sentido literal, ganha 
sentido quando inserida num coletivo que é construído por grupos sociais. O individual, 
portanto, compõe o corpus da memória coletiva (HALBWACHS, 1990) porque cada membro 
da sociedade define-se no intergrupal, nas suas relações com os outros e para que a memória 
individual se auxilie interligue-se com a do outro, não é necessário que haja ponto total de 
concordância no grupo ao qual o sujeito está inserido, realçando que: 
 
 
Não é suficiente reconstituir peça por peça a imagem de um acontecimentodo passado para se obter uma lembrança. Ë necessário que esta reconstrução 
se opere a partir de dados ou de noções comuns que se encontram tanto no 
nosso espírito como no dos outros, porque elas passam incessantemente 
desses para aquele e reciprocamente, o que só é possível se fizeram e 
continuam a fazer parte de uma mesma sociedade. Somente assim podemos 
compreender que uma lembrança possa ser ao mesmo tempo conhecida e 
reconstruída. (HALBWACHS, 1990, p. 34). 
 
 
 Muito embora não tenhamos especificamente trabalhado com a história oral, 
pois a nossa pesquisa foi principalmente documental, optamos por ouvir algumas pessoas que 
fizeram e fazem parte da história da Escola Doméstica de Natal. Nesse sentido, consideram-se 
os sujeitos individuais ouvidos durante as entrevistas realizadas, porque as atitudes de 
reconstrução individual da memória de cada sujeito que atuou na ED operaram-se também de 
práticas compartilhadas a partir de uma cultura escolar grupal que se estabeleceu na escola, 
comungada, portanto, por diversos agentes. 
 Na busca pelas memórias da Escola, a leitura de algumas obras escritas por 
um sujeito individual, Henrique Castriciano, contribuiu para a compreensão do seu 
pensamento e este influiu diretamente na criação do Projeto Escola Doméstica num dado 
contexto da cidade do Natal nas primeiras décadas do século XX, palco de transformações 
econômicas, culturais e sociais, no cenário local, com desdobramentos no cotidiano e nos 
 33
anseios dos seus moradores, revelando um novo perfil para a cidade, marcada pela busca do 
progresso material e espiritual. 
 Lançamos a tentativa de propiciar uma abordagem epistemológica e 
metodológica que tentasse distanciar e também aproximar, quando necessário, a relação 
objeto/sujeito. 
 O uso de técnicas complementares às análises documentais, a aplicação da 
entrevista semi-estruturada e uma reflexão sobre os dados em toda a sua riqueza nos fez 
apropriar-se da idéia de que: “A abordagem da investigação qualitativa exige que o mundo 
seja exatamente examinado com a idéia de que nada é trivial, que tudo tem um potencial para 
constituir uma pista que nos permita estabelecer uma compreensão mais esclarecedora do 
nosso objeto de estudo.” (BOGDAN; BIKLEN, 1994, p. 49). 
 Algumas poucas entrevistas estruturadas parcialmente possibilitaram um 
diálogo com sujeitos que vivenciaram e compartilharam de perto as idéias pedagógicas da 
Escola Doméstica de Natal. As informações apreendidas serviram para a análise dos dados. 
Atentamos para o que Burke (1992) nos diz sobre a expressão amnésia social que se 
consubstancia na seleção, por parte do indivíduo, no processo de construção de memórias, 
implicando em escolhas entre os acontecimentos do passado e o que grupos consideram que 
devem ser lembrados/rememorados, sob pena de ameaçar a unidade do grupo, questionando a 
sua identidade, colocando em foco o interesse comum. 
 Perceber as regras, os motivos que suscitaram a supressão e exclusão de dados 
nesses diálogos foram difíceis para que se operasse uma reconstituição de memórias, trazendo 
acontecimentos, projetos renegados e/ou esquecidos, tendo presente nessa operação a 
articulação com as fontes escritas para tecer comparações das escolhas e opções. Segundo 
Burke (1992, p. 88): 
 
 
Para questionar a memória é preciso então, reconstruir uma gama variável de 
interpretações da evidência que se pretenda estudar. Somente assim fazendo, 
torna-se possível a aproximação com a realidade então vivida, fugindo do 
perigo de um juízo moral que se antecipe ao resgate da evidência, 
contaminando a própria investigação. 
 
 
 
 As entrevistas foram fontes importantes na nossa pesquisa. Classificaram-se 
em exploratórias e ilustrativas. As primeiras enquadraram a pesquisa de acordo com os 
interesses do pesquisador e as ilustrativas funcionaram como uma oportunidade para a busca 
 34
de pistas e/ou informações historiográficas que suscitaram novas entrevistas e a formulação 
de novas problemáticas. Para conseguir localizar as pessoas entrevistadas, recorremos ao 
diálogo anterior com professoras e direção atual da Escola Doméstica de Natal, bem como à 
leitura de alguns artigos publicados em jornal local que se referiam a depoimentos dados por 
ex-alunas da escola. A partir dessas pistas, procuramos, em conversas informais com 
funcionárias da ED, identificar as residências dessas pessoas para fazermos um primeiro 
contato. Através dessas aproximações, pudemos entrevistar algumas dessas ex-alunas (não foi 
possível entrevistar algumas ex-alunas devido a problemas de mudança de endereço, 
situações de doença ou outros motivos). 
 O diálogo inicial com determinados sujeitos, aparentemente desnecessários, 
funcionou como elo para localizar outros depoentes e novas fontes precisas para a efetivação 
da pesquisa. 
 Na tentativa de entender as formas de representações sobre o universo 
cotidiano das práticas educativas da Escola Doméstica de Natal, o foco das entrevistas semi-
estruturadas com as ex-alunas da instituição escolar incidiu na preocupação em perceber o 
cotidiano escolar dessas alunas, seus costumes, valores. Nesse momento, a entrevista foi 
revestida de uma singularidade que exigiu do pesquisador habilidade para agir, para que os 
seus objetivos fossem alcançados. Nesses encontros, a forma de comunicação (não 
influenciando nas respostas das entrevistadas), a maneira de estabelecer os diálogos e 
interações com as informações recebidas das entrevistadas e o ponto de encerramento do 
diálogo foram etapas cuidadosas e bem articuladas, administradas corretamente para que 
houvesse sucesso e não implicações negativas durante a entrevista e/ou bloco de entrevistas. 
 A forma de assegurar posteriormente uma possível análise mais cautelosa das 
falas dos entrevistados foi disponibilizada a partir da gravação eletrônica de alguns 
depoimentos. Essa gravação ocorreu com a autorização expressa da (o) entrevistada (o), 
esclarecendo-se a forma de divulgação dos dados, bem como atendo-se à questão ética, ou 
seja, não comprometendo a integridade e identidade do sujeito e as informações por ele 
cedidas. 
 Em nossa pesquisa, a entrevista consistiu numa conversa intencional entre a 
pesquisadora e o sujeito entrevistado (a), apoiando-se na visão de Haguette (2000) quando diz 
que a entrevista pode ser definida como um processo de interação social, de captação de 
informações, que pode ocorrer entre duas ou mais pessoas, dependendo dos propósitos do 
pesquisador. No diálogo com o outro, a palavra do sujeito entrevistado vai sendo tomada 
enquanto ato concreto, mediada por discursos que relatam histórias de vida, de experiências, 
 35
temporalidades diferenciadas como ato que expressa uma cultura de vida. 
 Segundo Brandão (2002, p. 40): 
 
 
[...] a entrevista é trabalho, reclamando uma tenção permanente do 
pesquisador aos seus objetivos, obrigando-o intensamente à escuta do que é 
dito, a refletir sobre a forma e conteúdo da fala do entrevistado, os 
encantamentos, as indecisões, contradições, as expressões e gestos. 
 
 
 Tivemos o cuidado de organizar um roteiro de entrevista não constando de 
uma listagem de perguntas a serem feitas, mas sim de pontos e tópicos relevantes 
correlacionados à problemática da pesquisa, e o cuidado de informar ao sujeito o objetivo da 
entrevista, garantindo qual informação obtida seria posta no trabalho, não pondo em foco a 
ética profissional, mas respeitando-a. 
 Do material gravado durante a entrevista o importante não foi a pura 
transcrição das falas dos sujeitos, mas os pontos mais relevantes extraídos nos diálogos. 
Assim as frases recorrentes (que se repetiam com freqüência) dos discursos funcionavam 
como indícios para a identificação ou não de consensos e conexões de sentido, assim como as 
contradições nos discursos, as falas implícitas, as coerências nas respostas e outros aspectos 
apontavam

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