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Gilmara-VCA-DISSERT-PARCIAL

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE 
CENTRO DE CIÊNCIA HUMANAS LETRAS E ARTE 
PROGRAMA DE POS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DA LINGUAGEM 
 
 
 
 
 
 
GILMARA VIVIANE CASTOR DE ANDRADE 
 
 
 
 
 
A NATUREZA COMO SÍMBOLO DO NARCISISMO 
NOAILLIANO 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
NATAL, RN 
2012 
 
 
 
GILMARA VIVIANE CASTOR DE ANDRADE 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
A NATUREZA COMO SÍMBOLO DO NARCISISMO 
NOAILLIANO 
 
 
 
 
Defesa de mestrado apresentada à linha de 
pesquisa Poéticas da modernidade e da Pós-
modernidade, do Programa de Pós-Graduação em 
Letras/UFRN, como requisito parcial para 
obtenção do título de mestre. Este trabalho tem 
por área de concentração Literatura Comparada e 
é orientado pela Prof.ª Dr.ª Karina Chianca. 
 
 
 
 
 
 
Natal, RN 
2012 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 Andrade, Gilmara Viviane Castor de. 
 A natureza como símbolo do narcisismo noailliano / Gilmara Viviane Castor de 
Andrade. – 2012. 
 99 f. 
 
 Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro 
de Ciências Humanas, Letras e Artes. Departamento de Letras. Programa de Pós 
Graduação em Estudos da Linguagem, 2012. 
 Orientadora: Prof.ª Dr.ª Karina Chianca Venâncio. 
 
 1. Noailles, Anna de – L’Ombre des Jours. 2. Literatura francesa -Poesia. 3. 
Natureza. 4. Inspiração. I. Venâncio, Karina Chianca. II. Universidade Federal do 
Rio Grande do Norte. III. Título. 
 
 
 RN/BSE-CCHLA CDU 821.133.1-1 
 
Catalogação da Publicação na Fonte. 
Universidade Federal do Rio Grande do Norte. 
Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes (CCHLA). 
 
 
GILMARA VIVIANE CASTOR DE ANDRADE 
 
A NATUREZA COMO SÍMBOLO DO NARCISISMO 
NOAILLIANO 
 
 
 
Defesa de mestrado apresentada à linha de pesquisa Poéticas da modernidade e da Pós-
modernidade, do Programa de Pós-Grduação em Letras/UFRN, como requisito parcial para 
obtenção do título de mestre. Este trabalho tem por área de concentração Literatura 
Comparada e é orientado pela Prof.ª Dr.ª Karina Chianca. 
 
Aprovada em ____∕____∕ 2012 
 
BANCA EXAMINADORA: 
 
 ______________________________________ 
Prof.ª Dr.ª Karina Chianca 
Orientadora (PPgEL/ UFRN) 
 
 
 _________________________________ 
Prof.ª Dr.ª Beliza Auréa (PPGL/UFPB) 
 Examinadora Externa 
 
 
___________________________________________ 
Prof. Drª Ana Lúcia Moraes (PPgEL/UFRN) 
Examinador Interno 
 
 
 
 
AGRADECIMENTOS 
 
 
Agradeço a Deus, a meu esposo Lavoisier Elias de Oliveira por toda a sua compreensão e 
apoio, a meus pais e toda minha família por serem meu porto seguro, a minha orientadora 
Karina Chianca por contribuir para o enriquecimento e realização desse trabalho, me dando as 
devidas direções que muitas vezes sozinha não conseguiria enxergar. Agradeço, ao amigo 
Marcos Vinícius Fernandes, companheiro de luta. Minha gratidão aos professores da 
Universidade Federal da Paraíba, que ajudaram na minha formação acadêmica. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Ayant eu moins de joie que tu n’as eu d’envie 
Tu chanteras l’Amour aux saisons enroulé 
Peut-être fallait-il que pour bien en parler 
Tu ne conusses pas le meilleur de la vie 
(Tu vas toi que je vois -Anna de Noailles) 
 
 
 
 
 
ANDRADE, Gilmara Viviane Castor de. “A natureza como símbolo do narcisismo 
noailliano, 2012. 99 f.. Defesa de mestrado (Curso de Pós-Graduação em Estudos da 
Linguagem - PPgEL), Universidade Federal Do Rio Grande do Norte, 2012. 
 
RESUMO 
 
Neste trabalho de pesquisa nos propomos a estudar a obra de Anna de Noailles, poetisa e 
romancista francesa que publicou suas primeiras poesias no final do século XIX. Nosso 
corpus constitui-se dos poemas; Jeunesse, Le Répit e Renaissance, pertencentes à coletânea 
L’Ombre des Jours, publicada em 1902. Tratamos inicialmente da contextualização social e 
cultural do final do século XIX e início do XX. Em seguida, discorremos sobre o espaço 
interno da obra noailliana que se manifesta através de paisagens da natureza. Observamos que 
nesta, há uma identificação com o eu lírico. Enfim, analisamos os três poemas do nosso 
corpus. Ressaltamos que a falta de obras críticas e de pesquisas sobre a obra noailliana na 
França e a ausência de pesquisa sobre a poetisa no meio acadêmico brasileiro nos motivou a 
realizar esse estudo. Com esse trabalho, objetivamos ressaltar a riqueza da poética de Anna de 
Noailles. No nosso estudo sobre a obra l’ombre des jours, percebemos que a autora tem o seu 
estilo próprio e não busca imitar um modelo literário particular dos seus contemporâneos. Em 
sua estética encontramos o refúgio na natureza, no passado e também uma forte evocação 
sensorial. O universo lírico da obra noailliana é representado nas paisagens das estações, nos 
espaços bucólicos. Apesar desse retorno à natureza, pudemos encontrar em seus poemas 
elementos que caracterizam a poesia moderna, como a luminosidade, a busca pela expansão, a 
sobreposição de imagens, entre outros. O espaço da obra l’ombre des jours é grandiloquente, 
a poetisa frequentemente menciona o seu desejo de expansão; por essa razão encontramos nos 
poemas ambientes abertos onde é possível o contato direto com a luz, o ar e a água. As raras 
vezes que a poetisa refere-se a um recinto de clausura é para expressar o estado de abatimento 
da paixão. 
 
Palavras-chaves: Natureza, inspiração, eu lírico, expansão 
 
 
 
ANDRADE, Gilmara Viviane Castor de. “A natureza como símbolo do narcisismo 
noailliano, 2012. 99 f. Defesa de mestrado (Curso de Pós-Graduação em Estudos da 
Linguagem - PPgEL), Universidade Federal Do Rio Grande do Norte, 2012. 
 
RÉSUMÉ 
 
Dans ce travail de recherche nous nous proposons d’étudier l’oeuvre d’Anna de Noailles, 
poétesse et romancière française qui a publié ses premières poésies à la fin du XIXème siècle. 
Notre corpus est constitué de trois poèmes du recueil L’Ombre des Jours, publié en 1902, à 
savoir : Jeunesse, Le Répit et Renaissance. Initialement, nous avons traité la mise en contexte 
sociale et culturelle de la fin du XIXème et du début du XXème siècle. Ensuite, nous avons 
abordé l’espace interne de l’oeuvre noaillienne qui se manifeste à travers des paysages de la 
nature. Nous avons remarqué que dans celle-ci, il y a une identification avec le moi lyrique. 
Enfin, nous avons analysé les trois poèmes de notre corpus. Nous soulignons que le manque 
de critiques et de recherche sur l’oeuvre noailliene en France et l’absence de recherche sur la 
poétesse dans le milieu académique brésilien nous ont motivée à réaliser cette étude. Ce 
travail a comme objectif mettre en évidence la richesse de la poétique d’Anna de Noailles. 
Dans notre étude sur l’oeuvre l’ombre des jours, nous nous sommes apperçue que l’auteur 
possède son propre style, elle ne cherchait pas à imiter un modèle littéraire particulier à ses 
contemporains. Dans son esthétique, nous avons remarqué le refuge dans la nature, dans le 
passé et aussi une forte évocation sensorielle. L’univers lyrique de l’oeuvre noaillienne est 
representé à travers des paysages bucoliques qui évoquent des saisons. Malgré ce retour à la 
nature, nous avons découvert des éléments que caractérisent la poésie moderne, comme la 
luminosité, la quête de l’expansion, la superposition des images, entre autres. L’espace de 
l’ombre des jours est grandiloquent, la poétesse mentionne fréquemment son désir 
d’expansion et pour cette raison, nous trouvons dans les poèmes des lieux ouverts, où le 
contact direct avec la lumière, l’air et l’eau devient possible. Dans l’Ombredes Jours, il est 
rare qu’une référence à un lieu clos soit traitée; si la poétesse le fait, c’est pour exprimer la 
suspension de la passion. 
Mots-clés: Nature, inspiration, moi-lyrique, expansion. 
 
 
SUMÁRIO 
 
 
INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 1 
CAPÍTULO I – CONTEXTUALIZAÇÃO ......................................................................... 4 
1.1 ANNA DE NOAILLES SEU MEIO SOCIAL E A BELLE-ÉPOQUE DA LITERATURA FEMININA...... 5 
1.2 LIRISMO E MELANCOLIA: A BUSCA PELA SUSPENSÃO DO TEMPO .................................... 14 
1.3 ENTRE EROS E THÁNATOS ............................................................................................ 21 
CAPÍTULO II – O ESPAÇO INTERNO NA OBRA DE ANNA DE NOAILLES .......... 30 
2.1 O UNIVERSO DE EXPANSÃO NOAILLIANO ....................................................................... 31 
2.2 A NATUREZA SEDUTORA DO EU-LÍRICO ......................................................................... 44 
2.3 A INCESSANTE ATIVIDADE INTELECTUAL DO MELANCÓLICO .......................................... 52 
CAPÍTULO III – O SUJEITO CICLOTÍMICO NOS POEMAS: JEUNESSE, LE 
RÉPIT ET RENAISSANCE ............................................................................................... 55 
3.1 MEMÓRIA, DOR, REPOUSO E RENASCIMENTO EM JEUNESSE, LE RÉPIT E RENAISSANCE ...... 56 
3.2 A ANTECIPAÇÃO DO SOFRIMENTO MELANCÓLICO .......................................................... 57 
3.3 O EU-LÍRICO FACE AO REPOUSO DA NATUREZA.............................................................. 65 
4.4 O RENASCIMENTO APÓS A PENA .................................................................................... 70 
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................. 74 
REFERÊNCIA ................................................................................................................... 76 
ANEXOS ............................................................................................................................ 80 
POEMAS CONSTITUINTES DO NOSSO CORPUS ....................................................... 81 
 
 
1 
 
INTRODUÇÃO 
 
A nossa pesquisa tem como objeto de estudo a obra poética l’ombre des jours, 
publicada em 1902 pela poetisa e romancista francesa Anna de Noailles. Dos cinquenta e três 
poemas que compõem a obra, selecionamos três, como corpus do nosso trabalho, são eles: 
Jeunesse, Le Répit e Renaissance. 
Nos três poemas que selecionamos para o nosso corpus, assim como em toda a obra 
l’ombre des jours prevalece a preferência da poetisa pela forma clássica dosversos 
alexandrinos 
Além disso, a poetisa não segue a temática moderna e, até certo ponto, a estética da 
poesia da sua época. Constatamos que Noailles muitas vezes se refugia na natureza e nos 
revela um eu-lírico ciclotímico, voltado para os ciclos da natureza, enquanto a poesia de sua 
época está em busca de inovação no campo literário. 
A temática e a estética da modernidade estavam a serviço de um mundo 
instantaneísta, fragmentado e minimalista, buscando retratar nas obras a modernização pela 
qual a sociedade e os centros urbanos passavam. 
Verificamos que em l’ombre des jours é o ritmo das estações do ano que seduzem o 
eu-lírico noailliano, conferindo-lhe períodos de renascimento e morte, como a natureza. Um 
eu-lírico ligado à natureza e também nostálgico, sempre buscando o distanciamento da cidade. 
Julgamos que esse recurso serve para manifestar a sua identificação com a natureza, essa 
assimilação das paisagens pelo sujeito lírico nos levou a refletir sobre a hipótese da existência 
de um sujeito melancólico e consequentemente narcisista. De igual modo, cogitamos que a 
poetisa estaria fora de contexto, em uma época em que a arte e a sociedade de maneira geral 
passavam por transformações e buscava a liberdade de expressão no campo artístico. 
No entanto, constatamos que o retorno à natureza e a preferência por temas bucólicos 
são traços da estética da poesia feminina do inicio do século XX. Encontramos outras 
poetisas, como Lucie Delarue-Mardrus, Marie Dauguet que, como Anna de Noailles, estão 
voltadas para a natureza. 
Nosso objetivo é verificar na obra de Noailles o eu-lírico em fusão com a paisagem 
radiante de luz e de natureza exuberante. Observamos que primeiramente as imagens 
exteriores são impregnadas na alma do eu-lírico; em um segundo momento, essas paisagens, 
sobrepostas umas às outras jorram em uma torrente de emoções; em seguida são trabalhadas, 
e passam a constituir o universo em expansão na obra noailliana. 
2 
 
 
Nós evidenciamos, nos poemas estudados, um desejo metafísico em querer a fusão 
com o cosmos, constatamos este anseio pela aspiração do eu-lírico em franquear as fronteiras 
do mundo, afirmamos que a poesia noailliana deixa ecoar a voz da modernidade. O eu-lírico 
noailliano tem o desejo da imensidão. Como sabemos, estes são valores que os poetas da 
modernidade buscavam expressar em suas obras. No entanto, quando Noailles menciona um 
elemento do mundo moderno, ela não o trabalha como seus contemporâneos que expressavam 
encantamento pelos avanços da tecnologia, a poetisa alude ao objeto da modernidade para dar 
voz ao frenesi constituinte do eu-lírico. 
Estruturalmente a nossa pesquisa é elaborada em três capítulos. Trataremos 
inicialmente da contextualização social e cultural do final do século XIX e início do XX. 
Chamamos a atenção para o fato de que a poesia por séculos foi considerada um domínio 
masculino. O lugar da mulher neste campo era principalmente o de musa inspiradora. Este 
quadro literário mudou a partir do fim do século XIX e início do XX. Durante tal período, 
houve na França uma maior produção literária de autoria feminina. Contudo, o nosso trabalho 
não se fundamentará na crítica literária feminista. 
No capítulo dois, discorreremos sobre o espaço interno da obra noailliana que se 
manifesta através de paisagens da natureza, aliada da poetisa, que a trabalha e a constitui 
como objeto de inspiração para a expressão do subjetivismo feminino. Ressaltamos também 
que o espaço interno é laborado em sua obra, de forma a representar um ambiente bucólico: a 
natureza, a luminosidade, os ciclos das estações. 
Concernente a nosso apoio teórico sobre o lirismo presente na poesia de Noailles, 
nos apoiaremos nas concepções líricas de Jean-Michel Maulpoix e de Pierre Brunel. No que 
diz respeito ao estudo crítico sobre a poética noailliana, nos apoiaremos nos estudos de Jean 
Dornis e Jean de Gourmont, contemporâneos de Anna de Noialles, e na crítica de Angela 
Bargenda. Destacamos que a escassa fortuna crítica sobre as obras de Noailles se constituiu 
em um desafio para nós, pois não encontramos no Brasil nenhum estudo sobre a poetisa e 
mesmo na França são poucos críticos que o realizaram. 
Para fazermos a contextualização social e estética da poesia moderna, nos 
fundamentaremos na teoria de Meschonnic, Nelson Mello e Souza, Gilberto Mendonça Teles, 
Patrícia Izquierdo. Como apoio teórico sobre a melancolia nos servirá de fundamentação as 
obras de Freud, Afonso Romano de Sant’Anna, Marie-Claude Lambotte, Maria Rita Kehl e 
Júlia Kristeva. 
3 
 
Objetivando verificar a identificação do eu-lírico com os ciclos das estações 
mencionada anteriormente, nos propomos a realizar um estudo crítico de três poemas, que 
fazem parte da obra l’ombre des jours, respectivamente, jeunesse, le répit, e renaissance. Para 
isso, faremos uma análise temática dos poemas, nos apoiando nos estudos sobre a melancolia. 
Acreditamos que o nosso trabalho trará um aporte científico ao meio acadêmico, nos 
revelando o valor estético da obra literária de Anna de Noailles. Ressaltamos que a falta de 
obras críticas e de pesquisas sobre a obra noailliana na França ea ausência de pesquisa sobre 
a poetisa no meio acadêmico brasileiro nos motivou a realizar este estudo. 
 
 
4 
 
CAPÍTULO I – Contextualização 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
CAPÍTULO I 
 
CONTEXTUALIZAÇÃO 
 
 
5 
 
1.1 Anna de Noailles seu meio social e a Belle-Époque da literatura feminina 
 
 
Iniciaremos este subcapítulo fazendo uma apresentação da poetisa Anna de Noailles. 
Julgamos necessária uma exposição sobre sua vida para em seguida discorrer sobre o contexto 
social em que se insere a literatura feminina do início do século XX. 
Anna de Noailles nasceu em Paris no ano de 1876, sua carreira literária iniciou em 
1889 após seu casamento com o conde Mathieu de Noailles. Suas primeiras publicações 
foram na Revue de Paris e na Revue des Deux Monde (revistas francesas). Em 1901, ela 
publicou a coletânia Le Cœur innombrable, pela editora Calman-Lévy e em 1902, L’ombre 
des jours, pela mesma editora. Anna de Noailles também publicou alguns romances, mas o 
seu maior reconhecimento se dá através da poesia. Em Paris manteve contato com artistas e 
poetas célebres, entre eles: Aristide Briand, Marcel Proust, Jean Jaurès, Paul Valéry, André 
Gide, Jean Cocteau e Maurice Barrès. Os três últimos, além de Proust, mantiveram uma 
correspondência com a poetisa. 
Sobre a sua correspondência com Jean Cocteau, citamos aqui um trecho da carta 
trocada entre ele e Noailles, a qual expressa seu contentamento em perceber traços da sua 
poesia nos versos1 de Cocteau apud M. Ogliastri: “j’arrive, je trouve la revue, je suis éblouie 
et silencieuse d’admiration, d’envie, de gratitude pour le lyrisme jaillissant et profond qui va 
au-delà et au delà2” (1989, p.79). 
De poetisa célebre, que por um momento influenciou a forma e o estilo da poesia de 
Cocteau, Anna de Noailles tornou-se quase esquecida no meio literário atual. A afirmação de 
Ogliastri, sobre os poemas do poeta moderno publicados na Revue de Paris no ano de 1912, é 
que neles se podem identificar acentos noaillianos, nós percebemos que esses acentos, no caso 
específico da publicação na Revue de Paris, são de ordem temática na retomada dos mitos 
gregos e de estilo concernente à construção dos versos: “La prière III – écho à celles que 
publia em 1910 Anna de Noailles – dit au Dieu créateur sa diffilcuté à croire. Même 
hésitation dans le retour au jardin3” (1989, p. 80). 
Em outra declaração sobre a influência do meio literário no qual vivia, Noailles 
escreve uma nota de rodapé comentando a carta de Marcel Proust endereçada a ela: “Je 
 
1 A declaração de Noailles faz referência a seis poemas de Cocteau, a saber: Le voile, les deux danses, la 
prière,le retour au jardin, le retour à Virgile e l’autre appel. Todos publicados na Revue de Paris em setembro 
de 1912. 
2 Eu chego, eu encontro a revista, eu estou ofuscada e silenciosa de admiração, de desejo, de gratidão pelo 
lirismo radiante e profundo que vai além e além. 
3 A oração III – faz eco as publicadas em 1910 por Anna de Noailles – ela conta ao Deus criador sua dificuldade 
em crer. A mesma hesitação se encontra em o retorno ao jardim. 
6 
 
donnais raison à l’impeccable et scrupuleux raisonnement de Marcel Proust. Que de fois il 
fut un conseiller lucide!4”. Nessa citação Noailles refere-se à análise que Proust faz do 
romance escrito por ela, la Domination. O autor discorda da comparação do estilo noailliano 
ao de Barrès5 que o crítico M. Rageot havia mencionado na sua análise. Proust declarou que o 
que há de Barrès no romance encontra-se na construção do personagem principal e não no 
estilo da autora. 
A admiraçao recíproca entre os autores está evidenciada nessa declaração de Anna de 
Noailles. O estudo das correspondências trocadas por Proust e Noailles revela o grande apreço 
que ele exprimia concernente à obra noailliana. 
Para Anna de Noailles a poesia constituía-se numa questão vital para a existência, 
havia sempre na poetisa o desejo de escrever, e não fazê-lo, seria atroz, como ela declarou 
apud Bargenda: “Ne plus rien écrire est une épouvante que touche à la folie […] d’un 
agissement sans résultats, d’une fin sans avenir6” (1995, p.69). A escritora é consciente de 
que os poemas escritos são o que a manterá viva a sua lembrança na memória de outros, 
mesmo após seu desaparecimento, pois a obra de arte e os escritos de um autor são coisas que 
eternizam sua efemeridade humana. 
O seguinte verso revela a busca da poetisa pela permanência no mundo “Pour être 
après la mort parfois encore Aimeé7” (1902, p.169). Para Noailles não se trata do desejo 
cristão da eternidade que vem sempre ligado ao interdito e ao ressentimento, mas o eterno 
significa sedução, ela então declarará no verso do mesmo poema citado acima: “Parce que 
l’eau, la terre et la montante flamme/En nul endroit ne sont si belles qu’en mon âme8”. (1902, 
p. 169) Nesses versos podemos perceber que a transitoriedade das coisas só se estabilizará nas 
palavras poéticas da autora e, por isso, mesmo após sua morte aquilo que foi sedução para ela 
continuaria seduzindo seus leitores. 
Esse desejo de não ser esquecida e silenciada fez parte do contexto literário feminino 
do início do século XX, quando surgiu na França um número considerável de autoras, 
segundo Patricia Izquierdo, curiosamente, essas mulheres escritoras dedicavam-se, sobretudo, 
ao gênero da poesia. A suposição levantada segundo essa crítica literária sobre o 
florescimento majoritariamente de poetisas é de natureza social, de acordo com Patricia 
 
4 Essa declaração foi retirada das correspondências entre Proust e Noailles, pág.121. 
Eu dei razão ao impecável e escrupuloso pensamento de Marcel Proust. Quantas vezes ele foi um lúcido 
conselheiro! 
5 Escritor e homem político francês com quem Noailles manteve uma correspondência de 1901 a 1923. 
6 Não mais escrever é um terror que toca a loucura[...] de um agir sem resultados, de um fim sem porvir 
7 Para ser depois da morte ainda amada algumas vezes. 
8 Porque a água, a terra e a montante chama/ Em nenhum outro lugar são tão belas do que em minha alma. 
7 
 
Izquierdo, o surgimento durante a Belle-Époque9 de um grande número de mulheres poetas 
não se deu pela preferência destas por esse gênero, mas, de certo modo, por imposição do 
contexto social da época. A hipótese de Izquierdo (2009, p. 62) também compreende o 
contexto econômico. Ela explica que por esse gênero literário ser menos rentável que o 
romance; a classe masculina cedeu esse espaço às mulheres. O que foi considerada a Belle-
Époque de uma literatura feminina, segundo a autora, foi, na verdade, uma concessão de um 
espaço literário pouco rentável financeiramente e, pelo que pudemos perceber, ainda 
estreitamente ligado à tutoria masculina. 
De acordo com Patricia Izquierdo, a mulher seria reconhecida por uma poesia lírica e 
marginal: “[...] une poésie lyrique, en aucun cas épique (ce domaine étant jugé exclusivement 
masculin), miniscule, minoritaire, marginale […] avec des sujets imposés et des conseils 
techniques10” (2009, p.61). Gostaríamos de ressaltar que a citação descrita faz referência ao 
posicionamento crítico da época. 
A julgar pela citação de Izquierdo, essa poesia feminina era considerada como de 
menor valor literário e os poemas femininos não faziam parte do que era apreciado como a 
grande poesia. Concordamos que a poesia masculina serviu como inspiração para essas 
mulheres, porém diminuir o valor estético de suas obras poéticas nos parece injusto, uma vez 
que as poetisas do ínicio do século XX souberam impor a forma e o tema dos poemas 
produzidos por elas. Se a poesia feminina foi marginalizada nesse período, não foi por seu 
valor literário, e sim por uma questão social. O lugar reservado às mulheres era o de musas 
inspiradoras e a mudança dessa situação significava reverter a estrutura patriarcalda 
sociedade da época. 
Apesar da imposição masculina, a qual se refere Izquierdo, nós percebemos que as 
poetisas tiveram certa autonomia na temática e mesmo na forma da poesia. Sabemos que elas 
seguiram a tradição dos versos clássicos, mas trouxeram inovação na temática, compondo 
poemas onde a sensualidade e os desejos podiam ser expressos com mais liberdade. A ousadia 
era declarada pelo amor à natureza, na qual se refugiavam. Em nossa opinião, essa era uma 
forma de se esquivarem da sensura social da época. Portanto, a temática da poesia feminina 
do início do século XX era inspirada na natureza, com preferência por temas bucólicos. 
 
9 A Belle-Époque foi um período na trajetória histórica européia. É definida como um momento de paz e de 
transformações culturais, abrangendo a arte e a literatura. A Belle-Époque iniciou-se no final do século XIX e 
durou até a deflagração da I Guerra mundial. 
10 Uma poesia lírica e nada épica (esse domínio sendo julgado exclusivamente masculino) minúsculo, marginal 
[...] com temas impostos e conselhos técnicos. 
8 
 
Críticos desse período se mostraram mais preocupados em pontuar a temática e a 
revelação psicológica existente na poesia feminina do que propriamente em analisar o valor 
estético das obras das poetisas. Jean de Gourmont associou a poesia feminina desse período à 
questão fisiológica das mulheres. Deste modo, ele afirma que a inspiração das poetisas não 
pode ser separada de seu estado fisiológico expresso por suas flutuações. Gourmont explica: 
“Ce n’est pas le désir de l’homme que domine, mais seulement la nécessité d’une vibration 
eurythmique11” (1909, p.197). 
Percebemos que as poetisas do ínicio do século XX não estavam preocupadas em 
revelar uma poesia alimentada pela ingenuidade do amor, mas pela revelação dos desejos do 
seu eu. Tanto a crítica de Gourmont, quanto a de Dornis, fazem ressaltar a característica do 
lirismo que domina as obras femininas. Sabemos que a existência do lirismo não se limita à 
identidade de genêro, mas os dois autores tentam demonstrar que o desejo de expor o 
psicológico do ser humano estava associado às exigências do organismo feminino. Deste 
modo, na visão de Dornis a poetisa encontrará na natureza o lugar ideal para expressão do 
lirismo: “La femme poète elle ne connait pas de telles réserves, elle se dévoile avec une 
naïvité surprenante[...] dans cette exaltation, il semble non seulement que sa beauté emplisse 
le monde, mais que la nature elle-même ne soit plus que le moule de son corps12” (1912, 
p.25) 
Quando Dornis atribui o expressar sem reservas do sentimento da alma, ele se refere 
à poesia feminina. Para Dornis, os poetas masculinos guardam certa ressalva em falar de seus 
próprios corpos, discorrendo com discrição sobre sua beleza plástica. Assim como Dornis, 
Jean de Gourmont acredita que a poesia feminina desse período tem na sua estética a 
expressão de uma sensualidade que diríamos mais ousada. 
Jean de Gourmont comenta sobre o frenesi encontrado na poesia feminina do início 
do século XX. Segundo ele, essa poesia seria dionisíaca: “S’il fallait d’un mot qualifier cette 
poésie féminine, on l’appellerait une poésie dionysiaque, ivre d’elle-même. Cette frénésie, ce 
pêle-mêle de sensations n’est peut-être que la mise en fusion d’éléments nouveaux, qui 
attendent un grand poète pour être fixés en art13” (1909, p. 199). 
 
11 Não é o desejo masculino que lhe domina, mas apenas a necessidade de uma vibração harmoniosa. 
12 A mulher poeta não conhece tais reservas, ela se revela com uma ingenuidade surpreendente [...] nessa 
exaltação parece que sua beleza não apenas preenche o mundo, mas que a natureza ela mesma não seja mais que 
a forma de seu corpo. 
13Se fosse necessário qualificar com uma palavra essa poesia feminina, chamaríamos de poesia dionisíaca, 
embriagada dela mesma. Esse frenesi, essas sensações desordenadas é talvez apenas a fusão de elementos 
novos que esperam um grande poeta para fixá-los como arte. 
9 
 
O inebriamento da poesia feminina é manifesto na destreza com que as poetisas 
declaram seus desejos; por vezes, se apropriando do vocabulário campestre, elas expressam 
suas sensações. 
No poema de Anna de Noailles, Les Plaisirs des Jardins (os prazeres dos jardins), 
encontramos uma multiplicação de sensações e de imagens sensuais dissimuladas nas palavras 
associadas à natureza. 
 
Sens-tu comme il est vif, sage, divin et beau, 
Le fruit gonfflé du suc auguste de la terre, 
Et sache, comme moi, honorer le mystère 
De la chair tendre éclose à l’entour du noyau. 14 
(1902, p.85) 
 
Em todo o poema a voz do eu-lírico tenta seduzir o interlocutor. O primeiro verso é 
um convite a sentir a beleza do fruto nutrido pela fertilidade da terra. Analisando a estrofe, 
percebemos o apelo erótico nela contido, diríamos que ela pode simbolizar a imagem da 
fertilização. O último verso, em nossa opinião, é alusivo ao órgão sexual feminino: la chair 
tendre éclose à l’entour du noyau. 
As estrofes que antecedem a que mencionamos se compõem de uma preparação aos 
sentidos antes do convite que eu-lírico faz a sentir o fruit gonfflé (fruto entumescido). No 
poema está presente a invitação a ouvir, ver e aspirar toda a exuberância ofertada pela terra: 
na primeira estrofe se percebe o apelo a ouvir “écoute au beau jardin” (escuta no belo 
jardim); em seguida, a terceira estrofe é iniciada pelo verbo voir, “voir ces fleurs” (ver essas 
flores). 
Percebemos na poesia noailliana uma característica que vai além do embriagamento 
referido por Gourmont. Noailles transcende a estética dessa nova poesia feminina; nós 
entendemos que nos poemas de l’ombre des jours a impetuosidade da paixão faz parte da 
constituição psicológica noailliana. O eu-lírico noailliano busca incessantemente aproveitar a 
claridade do dia, a liberdade do ar e dos campos, no entanto, ele é consciente de que a 
plenitude buscada não será completa porque o tempo é efêmero. 
Se exteriormente a sociedade se modernizava, o mesmo não acontecia à ideologia da 
época. O meio social ainda se apresentava como conservador. De fato, Paul Plat, em sua 
crítica sobre as mulheres escritoras, censura a misoginia da época em relação a essa literatura, 
mas fica evidente a partir de seu discurso que ele mesmo considerava essa poesia como 
 
14 Sentes tu como ele é vivo, sábio, divino e belo/ O fruto entumescido do suco augusto da terra,/ E saibas como 
eu honrar o mistério/ Da carne tenra expandida ao redor do núcleo. 
10 
 
imitação e não como um pensamento próprio às mulheres escritoras. Assim: “Par définition, 
et si j’ose dire, par constituition mentale, la femme incline à s’adapter, à se plier aux 
influences: pareille à la liane qui s’enroule autour de l’arbre dont elle partage le destin, elle 
épouse la forme de qui elle aime, ou de qui elle admire15” (1918 p. IV). 
Para os críticos contemporâneos a Anna de Noailles, a poesia feminina era imitação 
de uma arte já existente que servia para moldar o estilo poético das poetisas. Os versos 
clássicos constituíram a predileção delas, de maneira que a conservação da forma de uma 
poesia de tradição clássica foi vista por alguns críticos da época como sinal de uma tutela 
masculina, sugerindo assim que as poetisas estariam apenas imitando seus mestres. 
Contudo, observamos que essas poetisas se distanciaram da temática masculina: elas 
inovaram não na forma, mas na maneira que expunham seus sentimentos, distanciando-se da 
convenção do amor conjugal para expressararem uma sensualidade, ainda que velada, ousada 
para a época. 
O período de afirmação da literatura do início do século XX ousava na busca do 
hermetismo e do emprego dos versos livres, contudo essa não foi a preferência das poetisas 
contemporâneas à Anna de Noailles,Segundo Antoine Compagnon (2007, p.563) “En ce 
début du siècle où la subjectivité n’est plus reniée [...] Le monde, privé de sens, est soumis au 
temps destructeur et englué dans la matière, mais l’art redempteur peut produire un monde 
imaginaire16”. A literatura desse início de século passa do culto do eu à exploração do 
inconsciente de um eu que representa a coletividade. 
Citando Antoine Compagnon (2007, p.548), ele afirma que todo o período literário 
do século XX viverá sobre o signo de Mallarmé, posicionando-se a favor ou contra a poesia 
pura, a favor ou contra esse poeta. 
O início do século XX será o momento de uma literatura em busca de mudanças (ibid 
p.555) é a luta “de l’ordre et de l’aventure” (da ordem e da aventura). Ainda segundo esse 
crítico (2007, p.557), o autor declarará “la littérature qui n’est pas difficile se disqualifie 
d’elle même.17” 
A partir dessa afirmação, podemos imaginar como terá sido, no começo do século 
XX a recepção de uma poesia que estava centrada na estética e na forma da tradição clássica. 
Compagnon, em seu estudo, se deteve em reforçar que o começo do século XX significou a 
 
15 Por definição e se ouso dizer por sua constituição mental, a mulher se inclina a se adaptar, a se curvar às 
influências: semelhante à hera que se enrola à árvore com quem ela partilha o destino, ela desposa a forma de 
quem ela ama ou de quem admira. 
16 Nesse início de século em que a subjetividade não é mais renegada [...] O mundo privado de sentido é 
submetido ao tempo destrutor e esbarra na matéria, mas a arte redentora pode produzir um mundo imaginário. 
17 A literatura que não é difícil se desqualifica dela mesma. 
11 
 
busca pela afirmação do que é a literatura nesse período. Para Meschonnic esse princípio de 
século significou uma pluralidade de criação e não, negação da tradição como alguns 
afirmaram. Quanto às transformações no campo da linguagem o autor afirmará: “Il n’y a pas 
non plus une asocialité indiscriminée du langage. Mais, contre certaines conventions” 18 
(1998, p.74). 
As mudanças ocorridas no campo literário e artístico do início do século XX, não 
significou distanciamento, como afirmaram os que eram contra a transfomação da arte e da 
literatura. De acordo com Meschonnic, o conceito de moderno não significa ruptura, ele 
representa, na verdade, uma continuação. Meschonnic vê contradição em afirmar que há 
rompimento com o passado, porque a definição de moderno está agregada ao subjetivismo do 
sujeito e ao momento histórico de cada período. A oposição entre o antigo e o novo que tanto 
foi preconizada pela crítica literária do século XX é, na visão do autor, redutora da pluralidade 
literária desse começo de século. 
Não se pode negar a continuidade da qual fala o autor citado, contudo o período que 
marca as transformações no campo literário faz suscitar a divisão entre os que eram a favor ou 
contra a fixidez formal da poesia tradicional. 
Para Anna de Noailles, a nova poesia que estava se formando poderia por fim ao que 
ela pensava ser a verdadeira forma em comunicar o estado lírico da alma. Em uma declaração 
sobre os versos livres, ela atesta apud Bargenda: “Pour ce qui est du vers libre [...]que 
préconisent M. Jules Supervielle et M. de Montherlant il m’est impossible de comprendre leur 
inclination, que je considère non comme libératrice, mais comme destructrice.19” (1995, 
p.59). Segundo Noailles o desrespeito à forma significaria a destruição da estrutura; para ela o 
equilíbrio da poesia começa pela conservação da forma tradicional. A poesia de estrutura 
tradicional conservada por Noailles levou o crítico contemporâneo Pringent a considerá-la 
como continuadora do romantismo. Para Michel Pringent (2006, p.842), o que há de novo na 
poesia de Anna de Noailles é o surgimento de um lirismo feminino que exprime uma 
sensualidade liberta dos códigos masculinos. 
Angela Bargenda (1995, p.63) destaca o fato de que se há inovação em Noailles não 
é sobre a estética, e sim acerca da temática. Indo de encontro ao que Pringent (2006, p.842) 
 
18 Também não há uma associalização indiscriminada da língua. Mas contra certas convenções. 
19 Referente ao verso livre [...] que preconiza M. Jules Supervielle et M. de Montherlant me é impossível 
compreender a inclinação deles. Eu a considero não como libertadora, mas como destruidora. 
Como a maioria dos poetas de seu tempo Jules Supervielle se engajou na longa disputa entre a tradição e a 
invenção, entre o antigo e o novo.Henry de montherlant foi escritor, ensaísta e romancista francês. 
12 
 
afirma da poesia noailliana, Pringent menciona que Noailles ficou prisioneira da forma e dos 
temas herdados do Romantismo. 
Apesar dos temas bucólicos e da conservação dos versos alexandrinos, Anna de 
Noailles não é uma autora fora de contexto na sua época. De fato encontramos durante nossa 
análise outras poetisas que buscavam conservar a forma clássica da poesia. 
Podemos citar Marie Dauguet, Lucie Delarue-Mardrus, entre outras. A crítica 
literária da época buscava inseri-las em alguma das várias correntes literárias surgidas no final 
do século XIX e início do século XX. Assim Izquierdo afirma que essas poetisas e a art-
nouveau20 tiveram como tema principal o retorno à natureza: “[...] la poésie et l’art-nouveau 
semblent puiser leur force dans les mêmes racines: la nature, les fleurs surtout, et donc par 
analogie, la femme elle-même21” (2009, p.121). 
Segundo Izquierdo, o contexto social e cultural da época, como a exposição da 
imagem da mulher pela art-nouveau, parece ter sido o momento propício para o florescimento 
da literatura feminina do início do século XX. 
A representação do feminino pelos artistas da art-nouveau era a da mulher 
misteriosa: sensual e ideal e, por vezes, metamorfoseada em natureza. Izquierdo afirmará: 
“Nous retrouvons ici les deux thèmes qui caractèrisent nos femmes poètes: la volonté de 
fusion dans la nature et les éléments, et la métamorphose nécessaire à cette fin22” (2009, 
p.115). 
Em nossa opinião, essa poesia, que tinha como maior inspiração o refúgio na 
natureza, é um reflexo da procura de afirmação da mulher como poeta. O retorno aos temas 
bucólicos é mais do que o expressão da dor da alma, é de certa forma, a conquista de revelar, 
com certa liberdade, o subjetivismo da alma feminina. 
Catherine Perry menciona uma poesia que se libera dos códigos sociais aos quais 
relegavam à mulher o papel de esposa e de mãe: “Par son affranchissement du monde social 
elle se transforme à son tour en persona mythique, donnant ainsi à la femme poète, de même 
qu’à ses lectrices, la possibilité d’accéder à un mode d’existence libérateur23” (1997p. 2). 
 
20 A art-nouveau foi um estilo estético da arquitetura e do design. Esse movimento europeu teve início no século 
XIX e se prolongou até as primeiras decádas do século XX. Caracteriza-se pelo uso de materiais como o vidro e 
o ferro, entre outros. A art-nouveau privilegiou a imagem da mulher as vezes representada como a mulher ideal 
e em outras como lasciva. 
21 A poesia feminina e a art-nouveau parecem retirar suas forças das mesmas raízes: da natureza, sobretudo das 
flores e por analogia da mulher ela mesma. 
22 Nós encontramos aqui os dois temas que caracterizam nossas mulheres poetas: o desejo de fusão na natureza e 
seus elementos e a metamorfose para esse fim. 
23 Por sua libertação do mundo social ela se transforma por sua vez em pessoa mítica, dando assim à mulher 
poeta, e as suas leitoras a possibilidade de ascender a um modo de existência libertador. 
13 
 
Como afirma Perry, a poesia significou para essas poetisas a ascensão a um modo de 
existência libertador. No subcapítulo posterior, nós nos fundamentaremos sobre a origem do 
lirismo e da melancolia,para analisar a poesia de Anna de Noailles. 
 
 
 
 
14 
 
1.2 Lirismo e melancolia: A busca pela suspensão do tempo 
 
 
A volta ao passado e o escoamento do tempo foi sempre uma preocupação dos 
líricos. O poeta lírico se sentindo aflito diante da efemeridade que marca a vida humana 
buscará suspender esse tempo se prendendo às lembranças. Consciente da irreversibilidade 
das coisas, ele não conseguirá superar suas perdas, nos revelando um eu-lírico preso a sua dor, 
e da mesma forma melancólico. 
Visando discorrer sobre a suspensão do tempo na poesia de Noailles, nos apoiaremos 
em estudos sobre o lirismo de Jean-Paul Maulpoix e de Pierre Brunel. Obervamos que o 
desejo da suspensão do tempo também faz parte do sofrimento melancólico, por essa razão 
nós nos fundamentaremos em Luto e Melancolia, de Freud; nos estudos de Afonso Romano 
de Sant’Anna e de Marie-Claude Lambotte, a qual nos servirá de embasamento teórico para a 
compreensão do sentimento de nostalgia presente nos poemas de Noailles. Esclarecemos que 
a abordagem da nostalgia se explica por ser esta uma das características da melancolia; para 
entendermos melhor o sujeito lírico noailliano, julgamos necessário nos apoiarmos em 
estudos da literatura e psicanálise. 
Inicialmente, discorreremos sobre a origem do lirismo, para em seguida dissertar 
sobre a presença da melancolia na obra noailliana. Destacamos que essa poetisa faz um 
retorno ao lirismo bucólico, mesmo sendo ela contemporânea do século XX. 
No lirismo, podemos observar um arrebatamento, um estado e uma maneira de falar 
que faz elevar a palavra ao mais alto grau da inspiração. Maulpoix preconiza que o lirismo é a 
expressão subjetiva do sujeito e falar dele é fazer reviver o mito de Orfeu (2000, pág.297). 
Segundo o autor, o nome lirismo teve origem na palavra lira, e o mito grego citado se 
presta à explicação do estado lírico da criação literária. Orfeu, com sua lira e seu canto, tinha 
o poder de encantar e de suspender o tempo, ele é um dos mais solitários e inconsoláveis 
poetas que nos foi legado pela mitologia grega e é considerado como o primeiro poeta que 
inaugura no ocidente a poesia de amor e de morte. 
Em uma das versões do mito24, Orfeu, após perder a amada Eurídice que havia 
morrido picada por uma serpente, desce ao Hades para resgatá-la, porém o amante não podia 
olhar para trás antes de chegar ao mundo dos vivos. Orfeu desobedece à interdição, pois olha 
para trás para ver se Eurídice lhe segue. Nesse ato de desobediência de Orfeu, Euridíce é 
 
24 Pierre Brunel em mythopoétique des genres se ampara do mito de Orfeu para discutir sobre a origem do 
lirismo 
15 
 
condenada a permanecer no Hades, e seu amado viverá lamentando sua perda. 
Consequentemente, Orfeu viverá preso ao passado angustiante, assim como o eu-lírico 
noailliano, e por saber que o tempo é irrecuperável o eu-lírico se reportará às memórias como 
forma de reviver o que foi perdido. 
Para a tradição lírica a passagem do tempo é angustiante para o eu-lírico, que se 
encontra atado à sua perda e está condenado a viver uma existência situada entre a tensão da 
fugacidade das coisas e da permanência em seu sofrimento. Quanto à fugitividade que 
angustia o poeta, Maulpoix certifica que um dos pressupostos fundamentais do lirismo é a 
suspensão do tempo: “Lorsque Lamartine s’exclame: “Ô temps! Suspends ton vol”, il afirme 
la postulation fondamentale du lyrisme à se délivrer du fugace et du transitoire, voire à 
immobiliser dans le langage le cours du monde25” (2000, p. 334). 
Assim como Lamartine26 e os demais líricos, o eu-lírico noailliano procurará se 
libertar da irreversibilidade do tempo, buscando imobilizá-lo na ação de retorno ao passado. 
Para ele a angústia proporcionada pela passagem das horas é sinônimo de vagar que se torna 
angustiante porque nele está representado o instável: Le vent fin, la cloche qui sonne,/Vont 
fanant l’air sentimental27 (1902, p. 81). 
Nesses versos octassílabos estão presentes símbolos da instabilidade, a saber, le vent 
e la cloche (o vento e o sino). Em seguida, o verbo faner (murchar) faz o ar sentimental 
desaparecer, como o faz com uma rosa, e se observarmos esse murchar, percebemos que é 
algo lento e doloroso, pois o vento brando e o soar do sino marcam a lentidão das horas. Nas 
imagens poéticas dos dois versos podemos perceber a monotonia do ambiente que se 
estenderá ao eu-lírico: comme tout cela fait mal28 (1902, p.81). 
O eu-lírico está fadado a uma existência efêmera, de forma que algumas vezes se 
refugia em uma época que ele mesmo não conheceu, como podemos observar na poesia de 
Noailles: “-Mon désir, mon soupir, ont la forme aujourd’hui/ De l’absente, lointaine, 
enchantante colline29” (1902, p. 163). Observamos nestes versos que durante a passagem do 
tempo a poetisa permanece imóvel, apenas seu desejo e suspiro se evadem para outros 
lugares, a saber, para uma época já ausente. O desejo e o suspiro simbolizam a possibilidade 
da errância de seu pensamento, enquanto que ela resta fixa ao que não existe mais. O eu-lírico 
 
25 Quando Lamartine exclama: “Ó tempo! Suspenda teu vôo”, ele afirma a postulação fundamental do lirismo de 
se libertar do fugaz e do transitório, até mesmo de imobilizar na linguagem o curso do mundo. 
26 Lamartine foi um dos poetas franceses que contribuiu para o enriquecimento do romantismo na França. 
Lançou seu primeiro livro de poemas Méditations poétiques em 1820. 
27 O vento brando, o sino que soa, vão desfazendo o ar sentimental. 
28 Como tudo isso fere. 
29 - Meu desejo, meu suspiro, têem a forma hoje/ Da ausente, longiqua, encantadora colina. 
16 
 
viverá dividido entre a rememoração do passado e o presente e construirá uma temporalidade 
particular, conforme afirma Chianca: “Au sentiment d’infini succède la monotonie du temps 
chronologique qui renforce le chagrin30” (2007, p.72). 
A passagem das horas, das estações é motivo de sofrimento para o eu-lírico 
noailliano, chegando a se perguntar para que serve toda a ternura pela vida, o que podemos 
observar no poema mélancolie le soir (melancolia à noite): Toujours réfléchir ou sentir/ Ne se 
peut-il que cela cesse;/ cette étonnante tendresse / À quoi peut-elle servir?31 As duas ações de 
refletir e sentir representam um fardo para o eu-lírico e do mesmo modo lhe proporcionam 
prazer, mas como tudo é cíclico, ele sofre antecipadamente. 
Como afirma Chianca, o sentimento amoroso: “peut être considéré à la fois comme 
une fatalité étant vital, et aussi comme dangereux puisque éphémère” (2007, p.71). Por ter 
consciência dessa dualidade que é o sentimento amoroso, o eu-lírico deseja reter o tempo 
quando se pergunta: “Ne se peut –il que cela cesse” (Isso tudo não não pode cessar) (1902, 
p.79). 
A poetisa, consciente da imutabilidade das coisas, só conseguirá suspender as horas 
no ato da sua escritura. Como afirma Maulpoix: “Le poète substitue au temps réel qui le 
dévore, le temps suspendu de l’écriture32 (2000, p. 334). A escritura se opõe à 
irreversibilidade do tempo. A página em branco é o lugar da criação, nela o poeta é livre, 
porque não esbarra no limite das horas, nem das fronteiras. Desta forma o eu-lírico noailliano 
busca recuperar liricamente o passado, porém essa atividade de recordação é sinônimo de 
sofrimento por saber que a sua condição será marcada pelas alegrias e pelas penas. Como se 
sabe, a antecipação do sofrimento marca o sujeito melancólico. 
Para adentrarmos no espaço da obra de Noailles, onde verificamos a presença de um 
eu-lírico melancólico, nos fundamentaremos no estudo Luto e Melancolia, de Freud, e na obra 
de Marie-Claude Lambotte, La Mélancolie:études cliniques (Melancolia: estudos clínicos). 
Em Luto e Melancolia, Freud expõe as diferenças e aproximações entre as duas 
operações psíquicas. Segundo o autor, tanto o luto, quanto a melancolia são desencadeados 
pela perda de um objeto. O que difere o luto da melancolia, segundo Freud, é que no estado de 
luto, o sujeito é consciente de sua perda, e a dor causada pelo desaparecimento do objeto 
amado será suplantada pelo sujeito, que se conscientizará de que o objeto não existe mais; 
enquanto a melancolia manifesta um estado de sofrimento desencadeado pela perda do objeto, 
 
30 Ao sentimento de infinito sucede a monotonia do tempo cronológico que reforça a tristeza. 
31 Sempre refletir ou sentir;/ Isso não pode cessar?/ Esta ternura surpreendente/ De que ela pode servir? 
32 O poeta substitui o tempo real que o devora pelo tempo suspenso da escrita. 
17 
 
porém o melancólico não tem consciência do que perdeu. Esta perda provoca no melancólico 
uma inibição dolorosa que o absorve: “La mélancolie se caractérise du point de vue 
psychique par une dépression profondément douloreuse, une suspension de l’interêt pour le 
monde extérieur33” (1968, p.146). 
Freud explicará que no luto é o mundo que se torna pobre, e no estado de melancolia 
é o próprio sujeito que se sente vazio: “Dans le deuil le monde est devenu pauvre et vide, 
dans la mélancolie c’est le moi lui même34” (1968, p.146). Freud afirma que o eu melancólico 
é consumido por um trabalho interior semelhante ao luto, e essa atividade psicológica o 
domina, mas à diferença do enlutado, ele não consegue superar a dor da sua perda e 
permanece preso ao objeto. 
A energia que o enlutado investiu na sua dor durante o trabalho de luto será 
direcionada para outro objeto: “mais le fait est que le moi après avoir achevé le travail de 
deuil redevient libre et sans inhibitions.35” (1968, p.148). O mesmo não acontecerá ao 
melancólico, que, segundo Laplanche (1998, p.265), este não consegue transferir a sua 
libido36 para um novo objeto, mas a conserva em si. Uma vez essa libido livre, ela é deslocada 
para o próprio eu, desse modo o melancólico estabelece uma identificação com o objeto 
abandonado (1968, p.156). Esse processo de identificação que se constitui na fase inicial da 
relação com o outro, pode se agravar ou se diferenciar e passar à incorporação do outro. 
O melancólico se sente esvaziado de si, mas é só aparentemente porque ele é 
sobrecarregado de pensamentos e esse estado de racionalidade como preconiza Lambotte 
justificaria a inibição psíquica que invade o sujeito (1999, p.12). 
O melancólico tem prazer em exaltar sua dor e ao mesmo tempo se sente impotente 
em sair do estado de abatimento que o invade. Assim o eu-lírico noailliano está sempre 
desejoso de preencher essa falta que lhe aflige. 
A dor dessa angústia que de certa forma petrifica o eu-lírico, porque ele não 
consegue apaziguar a inquietude de seu estado psicológico, nos revela um traço da condição 
melancólica. Sendo assim, o sujeito se recusa a investir na realidade exterior em função do 
seu narcisimo37. Satisfazendo-se com sua posição de exceção no mundo, ele sofre por um 
paraíso mítico ao qual acha ter direito. Para ele, o investimento na realidade é decepcionante 
 
33 Por uma depressão profundamente dolorosa, uma supensão do interesse pelo mundo exterior. 
34 No luto o mundo tornou-se pobre e vazio, na melancolia é o próprio eu que se torna vazio. 
35 Mas o fato é que o eu depois de terminado o trabalho de luto fica livre e sem inibições. 
36 “Energia postulada por Freud como substrato das transformações da pulsão sexual quanto ao objeto 
(deslocamento dos investimentos), quanto à meta (sublimação, por exemplo) e quanto à fonte da excitação 
sexual (diversidade das zonas erógenas)”. 
37 Trataremos sobre o termo narcisismo no capítulo II do nosso estudo 
18 
 
porque está associado ao desaparecimento do outro; em consequência, o melancólico se 
agarra a uma realidade por trás de outra que é o seu ideal dotado de promessas de gozo. 
Para conservar o objeto amado, o sujeito melancólico se prende ao passado na 
tentativa de recriar o tempo perdido e vivenciá-lo; sabendo, porém, que não é possível 
recuperá-lo. 
 
Maison où j’ai passé tous les plus tendres mois 
De mon aventureuse et frissonante vie, 
Mon rêve vous bâtit dans mon âme ravie, 
Et voici qu’aujourd’hui je vous habite en moi! 38 
(1902, p.23) 
 
Percebemos nesse poema, certa estagnação do tempo presente do eu-lírico, em 
contrapartida, sua consciência não tem repouso. Esse instante de reflexão o reporta a um 
passado reconstruído. Nessa estrofe tudo remete ao que é transitório, à exceção do vocábulo 
Maison (casa) que representa o estável e, juntamente com as lembranças, formam o elo que o 
liga à sua já passada vida “frissonante”. Além dos objetos concretos, o permanente para a 
poetisa também é representado pelas lembranças que possibilitam o vai e vem da memória. 
Como já afirmamos, o retorno ao passado é uma constante no eu-lírico noailliano, 
identificamos nessa ação uma característica do sujeito melancólico, que atingido pelo 
sentimento de melancolia viverá na dinâmica de retorno ao tempo decorrido; para isso, ele se 
reporta ao tempo nostálgico39 como tentativa de reviver o momento prazeroso já 
experimentado, contudo não lhe será possível recuperá-lo tal como fora um dia, e, por isso 
estará sempre se decepcionando, conforme afirma Lambotte: “les retrouvailles avec l’objet de 
la représentation ne semblent pas pour autant correspondre au souhait si longtemps 
différé.40” (1999, p. 36). 
Segundo Lambotte a nostalgia se configura por uma aspiração dolorosa e por um 
desejo que tende para um passado lamentado, ao qual a imaginação aguçada pelas vicissitudes 
da vida e as limitações da realidade, atribui como recurso de consolo(2000 p.29). 
 
38 Casa onde passei todos os mais ternos meses/ De minha aventurosa e frissonante vida,/Meu sonho vos 
construiu na minha alma radiante,/ E eis que hoje eu vos habito em mim! 
39 Nos referimos ao tempo nostálgico e à nostalgia como característica do estado do sujeito melancólico. O eu 
lírico noailliano muitas vezes se reporta ao tempo passado na tentativa de revivê-lo; por essa razão julgamos 
necessária a definição de nostalgia. 
40 Os reencontros com o objeto da representação não parecem, no entanto corresponder ao desejo tão longamente 
percebido. 
19 
 
Portanto, o sentimento de nostalgia é ilusório e decepcionante e por isso mesmo 
angustiante como a própria etmologia da palavra designa. Derivada das palavras gregas nóstos 
(retorno) e álgos (sofrimento), a nostalgia indica uma aspiração dolorosa. 
A angústia do sujeito nostálgico sempre vai existir mesmo que o desprazer se 
transforme em satisfação diante do objeto cobiçado, isto se explica porque o eu não versa toda 
a sua libido no objeto tão esperado. A nostalgia ultrapassa a realidade e se encontra no plano 
da fantasia: 
 
L’état nostalgique [...] impliquerait seulement une renoncement partielle à l’objet, soit parce que la 
création fantasmatique appellerait à la croyance en des retrouvailles possibles [...] soit parce qu’elle 
tendrait à déplacer ces satisfactions vers d’autres profits effectivement réalisables dans la société.41 
(LAMBOTTE, 1999, p.39) 
 
Como afirmamos anteriormente, o sujeito nostálgico não versa toda sua libido no 
objeto de seu desejo, ele o renuncia parcialmente na esperança de um reencontro com um 
estado prazeroso anterior. O eu atingido pela nostalgia aparece como uma instância psíquica 
superior que soube desviar sua pulsão libidinal para outra direção ou para outro modo de 
satisfação. 
Nos versos do poema Attendrissement, o eu-lírico não abandona totalmente seu 
objeto, mas está consciente do impossívelreencontro: “- Rien n’est changé là-bas, mais j’ai 
changé moi-même/ Ce n’est plus qu’un rêvant que je revois encor/ Ces beaux soleils, venus de 
l’âme et du dehors42”. 
Percebemos que a busca de satisfação do eu-lírico não se concentra em rever as 
antigas imagens às quais ele faz menção, mas é uma procura de si mesmo, ou seja, é um 
encontro com um momento prazeroso do passado que sabe que está para sempre perdido, por 
isso está afirmado no primeiro verso: “j’ai changé moi même” (eu mesma mudei). Esse 
estado de dor e de fascínio na poética de Noailles é mostrado nas lembranças que a fazem 
ressuscitar e reviver o passado. 
À força de renascimentos e mortes, o eu-lírico ansiará pelo repouso. O estado de 
quietude que se instala por alguns intantes no espaço da obra de Noailles se revela necessário 
para que o sujeito lírico se recupere da sua pena. 
 
41 O estado nostálgico [...] implicaria apenas uma renúncia parcial ao objeto, seja porque a criação imaginária 
convidaria a crer em reencontros possíveis [...] seja porque ela tenderia a desviar suas satisfações em direção a 
outros benefícios efetivamente realisáveis na sociedade. 
42 - Lá nada mudou, mas eu mesma mudei/ É apenas sonhando que eu ainda vejo ainda/ Esses belos sois, vindos 
da alma e de fora. 
20 
 
No subcapitulo seguinte, nós veremos como o eu-lírico fatigado pelas alternâncias de 
alegrias e penas, desejará a morte. Nós verificamos que às vezes se manifesta a aspiração pela 
morte física e outras pela psicológica. 
 
 
21 
 
1.3 Entre Eros e Thánatos 
 
 
No presente subcapítulo discorreremos sobre as duas forças que regem os poemas de 
L’ombre des jours, a saber, Eros e Thánatos. Ressaltamos que a quase totalidade dos poemas 
está sobre o domínio de Eros, contudo nos chama a atenção na poética de Noailles a 
preocupação do eu-lírico com a morte. Observamos que este ora deseja a morte, porque vê 
nela o bálsamo para sua alma inquieta, ora se questiona se o fim de seus dias poria um termo 
ao desejo de sua alma em querer tudo vivenciar. A paixão pela vida gera a tensão que está 
patente no objeto do nosso estudo e, por este motivo, o eu-lírico noailliano encontra-se 
fragmentado sem alcançar a satisfação que busca, o que o leva à abolição do desejo. 
Segundo Kehl, existem duas pulsões que regem a vida humana, uma responsável 
pela conservação da vida e a perpetuação da espécie, força atribuída a Eros, e outra que leva o 
indivíduo à autodestruição, Thánatos. Eros é associado às pulsões mais primitivas de 
preservação da vida e a ele estão também conferidas as pulsões eróticas. Como afirma Kehl, 
estão associadas a essas pulsões de vida as pulsões eróticas, “que buscam de certa forma essas 
mesmas coisas em seu estado de fusão inicial com o corpo materno” (1987, p.473). Esse 
desejo de união, à qual Kehl se refere, representa o momento prazeroso da fusão narcísica 
inicial com o corpo da mãe. 
No estado narcísico dos primeiros meses de vida da criança, o amor ainda não tem 
lugar; tudo o que o bebê recebe como bom e prazeroso, ele o associa como vindo de si 
mesmo, a criança só passará a amar o objeto que lhe é exterior, depois de a mãe a ter frustrado 
algumas vezes. 
De acordo com Kehl, as fantasias e necessidades de um recém-nascido estão sobre o 
domínio das paixões em seu “estado bruto”, mas segundo a autora esse estado de excitação 
sem nenhum mecanismo psíquico mediador, torna-se desprazeroso para a criança (1987, 476). 
Assim sendo, uma certa dose de repressão dessas paixões em seu estado bruto, torna-se 
salutar para o equilíbrio psíquico. 
Em outra fase da vida humana, o estado natural das paixões reaparece como uma 
espécie de mistificação nostálgica, isso se deve pelo fato de que a repressão da sociedade é 
bem maior do que a necessária para lidarmos com nossas paixões. Assim, conviveremos com 
o renascimento do desejo inconsciente do absoluto, que foi a vida intrauterina. 
O desejo da união primitiva com o corpo materno sofre ao longo da vida a influência 
de Eros, que por sua força de irradiação erotiza todo o grupo das manifestações primitivas de 
22 
 
defesa da sobrevivência. Eros busca esse estado de fusão com os elementos de preservação da 
existência, porém, sob a forma de contato com o outro. 
Do lado oposto da conservação da vida, encontra-se Thánatos, que impele o ser 
humano ao repouso, ao grau zero das tensões: “Já que a vida é tensão, excitação, irritação da 
matéria. Já que o desejo não encontra satisfação definitiva e não para de renascer de suas 
satisfações efêmeras, Thánatos deseja a abolição do desejo; o retorno à matéria inanimada” 
(1987, p.474). 
As duas pulsões regentes das paixões humanas geram a dualidade que faz parte do 
espaço da obra l’ombre des jours. A paixão pela vida compõe a coletânea, no entanto, esta, 
por se achar associada ao ciclo das estações, sofrerá uma suspensão durante o outono e o 
inverno. 
A força motora que se observa em Noailles tem seus períodos de intensidade e de 
declínio, constatada nas mudanças das estações. Para a poetisa, o verão pode, ao mesmo 
tempo, convidar os seres humanos a viverem intensamente e levá-los à perdição e, por 
consequência, ao sofrimento. Nesse caso, a insatisfação e a dor que citamos no item anterior 
do nosso trabalho são procedidas da busca de um amor impossível e inatingível. 
Se o verão é loucura e imprudência, o outono e o inverno representam a sabedoria e o 
apaziguamento dos sentimentos do eu-lírico: 
 
 
Voici que c’est fini tout cela, est mort 
Le bois va s’effeuiller, le soleil est sans force, 
Rentrez chez vous, je vais tant qu’il fait jour encor 
Dorer la poire froide au noeud des branches torses 
Retournez doucement dans les bonnes maisons, 
Reprenez l’hivernale et prudente, habitude, 
Elle est morte la folle et perverse saison, 
Quel calme- quel repos – quelle béatitude!... 43 
(1902, p.47) 
 
A preposição voici (eis) iniciando a estrofe marca o fim do ciclo da paixão que 
coincide com a temporada do outono, em que o sol está sem força e, em consequência, sobre 
 
43 Eis que terminou tudo isso, tudo está morto/ O bosque vai se desfolhar, o sol está sem força/ Entreis em vossas 
casas, eu vou enquanto ainda é dia/ Dourar a pera fria nos nós dos galhos tortos/ Retorneis docemente as boas 
casas,/ Retomeis o invernal e prudente hábito,/ Ela está morta a louca e perversa estação,/ Que calma – que 
repouso – que beatitude!... 
23 
 
o sujeito lírico provoca-se o declínio da influência de Eros, que representa a força de atração 
necessária à reprodução. Com efeito, ele assegura ao mesmo tempo a coesão e a perenidade 
do universo, segundo a cosmogonia hesiódica. De acordo com Pierre Brunel, o poder de Eros 
em excesso pode destruir (1988, p.564-573), assim é preciso que haja um equilíbrio da força 
da paixão. 
Se estabelecermos uma relação com os períodos ciclotímicos do eu-lírico, diríamos 
que esse aspecto é necessário para se manter a harmonia. O frenesi que lhe é característico em 
querer o ar, o azul, o espaço, é equilibrado no momento em que a natureza está morta, porque 
representa para o eu-lírico a suspensão do estado de paixão. Quando chega o inverno, a 
natureza, sem atrativos aos olhos do eu-lírico, leva-o a um período de reflexão. Anna de 
Noailles traduz poeticamente esse instante de recolhimento nos versos do poema L’Année: 
“Retournez doucement dans les bonnes maisons/ Reprenez l’hivernale et prudente 
habitude”44. Os verbos retournez e reprenez (retorneis e retomeis), a nosso ver, dá o caráter 
de mobilidade do tempo e do recomeço do ciclo, porque indica no prefixo re a repetição de 
uma ação. 
Observamos que o outono e o inverno são momentos de reflexão para esse eu, no 
qual as paisagens da primavera e do verão exercem um fascínio dominante. Porém esse desejo 
de viver, esse frenesi existentenos poemas de Noailles causam dor ao eu-lírico. A exemplo do 
outono e inverno, sinônimos de equilíbrio da paixão que move o eu-lírico, podemos observar 
que a noite também trará o apaziguamento para a alma desordenada. 
 
 
Et puis surtout, d’abord, le silence et l’oubli; 
Plus rien, ah! plus d’effort, de voix et de visage! 
Laissez, on est mieux seul dans le soir amolli 
Pour ces tournants de vie et ces mauvais passages... 45 
(1902, p.157) 
 
Como percebemos, as chegadas do inverno e da noite representam o fenecimento de 
tudo que seduz e fascina o eu-lírico para dar lugar à razão e ao equilíbrio, para que o ciclo 
recomece. Segundo Brunel, é preciso que haja esse equilíbrio do Eros, do contrário o “eu-
lírico” seria levado à morte (1988, p.564). 
 
44 Os versos fazem parte da estrofe traduzida na página anterior. 
45E então sobretudo o silêncio e o esquecimento;/ Mais nada, ah! Nenhum esforço, nem voz, nem rosto!/ 
Esqueçais, somos melhor sozinhos na noite branda/ Por essas alternâncias de vida e essas atrozes passagens... 
24 
 
Consciente de que nada é durável e que o sofrimento pelo arrefecimento e 
renascimento da paixão é algo que não cessa, o eu-lírico desejará a abolição de tudo que lhe 
fascina porque espera dessa forma alcançar o conforto para a sua alma errante. Os poemas 
Jeunesse e La Mort Favorable aludem à destruição física. A simbologia da morte nos dois 
poemas tem o significado de abrigo, de bálsamo, e constitui-se na única maneira de fusão com 
a natureza, e de igual forma, representa o retorno do eu-lírico a um estado anterior prazeroso 
em que as tensões não mais existem. Esse estado de repouso buscado é, segundo Kehl, a vida 
intrauterina: “a fusão perfeita com o corpo materno, quando não há desejo porque as 
necessidades são supridas continuamente [...] e é por isso que enquanto busca o repouso que 
pode ser a morte, está buscando também o repouso do contato, da fusão com o outro.” (1987, 
p.475). 
Thánatos representa a ausência de tensão que faz parte dos embates da realidade. A 
pulsão de morte é, portanto, a abolição do desejo e a busca do “retorno à matéria inanimada”, 
como já afirmamos. De fato, as duas pulsões regentes da vida pretendem a mesma coisa, a 
fusão com o outro na esperança de voltar a um momento prazeroso. Em Eros, a união com o 
outro é narcísica. No estado de narcisismo comparado com o de paixão Kehl afirma “o mundo 
desaparece, eu sou o mundo, o mundo é uma extensão de mim” (1987, p.475). Por isso, 
perseguimos o que se aproxima da nossa representação de perfeição. Porém, não há um objeto 
que satisfaça plenamente, e por essa razão, o desejo não para de renascer: 
 
Tu vas, toi que je vois, mon ombre, ô mon moi-même, 
Cherchant quelque épuisant et merveilleux bonheur, 
Mais l’espoir tremble, l’air es las, la vie a peur, 
Tu vas, ayant toujours plus aimé qu’on ne t’aime.46 
(1902, p 149) 
 
Na referida estrofe, observamos um sujeito narcisista consciente do inalcançável 
contentamento. Nós ressaltamos que, apesar da decepção suportada pelo eu-lírico, a inércia 
não faz parte dele, ficando destacados no poema a tensão e o movimento que caracterizam a 
pulsão de vida. Todos os verbos indicam movimento, vas (vais), cherchant (buscando). A 
repetição do verbo aller (ir) no primeiro e último versos transmite a ideia de uma busca 
 
46 Tu vais, tu que eu vejo, o minha sombra, ô eu mesma,/ Procurando uma cansativa e maravilhosa felicidade,/ 
Mas a esperança treme, o ar é lasso, a vida tem medo,/ Tu vais, tendo amado mais do que te amam. 
25 
 
repetitiva e incessante, de modo que essa atividade torna-se cansativa, porque traz decepções, 
embora não haja uma supressão definitiva da paixão. 
Portanto, em nossa opinião, Eros é o vetor de força na poética de Anna de Noailles. 
Ressaltamos nas estrofes do poema l’abondance, citado a seguir, que o eu-lírico encantado 
pela natureza é capaz de seduzir o seu interlocutor por estar tão impregnado das paisagens das 
estações. O eu-lírico e os segredos da natureza formam uma fusão perfeita, e como ela o 
sujeito lírico terá os artifícios da sedução. 
Analisando as imagens da natureza presentes nas duas estrofes do poema, nós 
percebemos como o sujeito lírico noailliano trabalha a fusão com a natureza, que encontrando 
no sujeito um meio propício para se expandir nele, abriga-se e o torna sedução. 
 
 
Je sais tous les secrets des plantes et des eaux. 
La feuille dentelée et le bruit de la source 
Sont entrés dans mon coeur aux merveilleux réseaux, 
Mon coeur est plein de joie et de bonnes ressources. 
 
Je te dirai, tandis que les pommes de pin 
Grésilleront au creux de la moelleuse cendre, 
Comme le jour est beau, pendant l’été divin, 
Quand la force amoureuse au sillon va descendre; 47 
(1902, p.68) 
 
 
Como o eu-lírico mesmo certifica, ele conhece todos os segredos das plantas e, por 
isso, pode transmitir esse estado lírico que o habita. Diríamos ainda que, por ele ter 
experimentado as dádivas da primavera e do verão, não suportando mais o silêncio da 
iminente morte da natureza, decide ele mesmo alimentar outras almas com a beleza de 
palavras plenas de natureza exuberante. A morte da qual falamos refere-se ao fim do outono 
no poema e o eu-lírico contempla o fim dessa estação. 
Na primeira estrofe, os substantivos source e ressource (fonte e recurso) parecem dar 
um efeito de eco ao murmúrio das fontes. Para nós, a água, uma imagem portadora de sedução 
e de fertilidade, é símbolo de fecundidade. Para trabalhar essa imagem da água que flui de sua 
 
47 Conheço todos os segredos das plantas e das águas/ O contorno da folha e o murmúrio da fonte/ Entraram no 
meu coração de maravilhosas vias,/ Meu coração é pleno de alegria e de bons recursos./ Eu te direi, enquanto 
que os frutos do pinho/ crepitarão no interior da leve cinza,/ Como o dia é belo, durante o verão divino,/ Quando 
a força amorosa lentamente enfraquece. 
26 
 
boca, o eu-lírico se utiliza da assonância em /e/, representando o múrmurio da fonte da mesma 
forma que o fonema /s/ reproduzirá o barulho da água. 
Na segunda estrofe, o eu-lírico parece não ter pressa em narrar seu conhecimento 
sobre as folhas e as fontes como ele afirma no primeiro verso. Como a imagem das águas que 
descem lentamente da fonte, as palavras escoarão, enquanto, sobre as cinzas, os frutos do 
pinho crepitarão. Nessa estrofe, a aliteração do som /t/ e /p/ servirá para representar o crepitar 
do fogo. 
É certo que as estrofes transcritas anteriormente suscitam no leitor toda uma 
atividade sinestésica, porém, na segunda estrofe, o esmero na escolha do vocabulário promove 
um ambiente de aconchego e acolhimento que são representados pelo crepitar da pinha. O 
verbo crepitar tanto pode suscitar o estalar do fogo, como o ambiente aquecido, contrastando 
com a frieza da chegada do inverno. 
Apesar da inexistência de vida exterior, é possível reconstruir liricamente as imagens 
encantadoras e exuberantes do verão, porque elas passam a fazer parte do eu-lírico no instante 
em que ele se apropria dos “segredos das plantas e das águas”. Contemplamos nessa descrição 
do poema, imagens que são, ao mesmo tempo, narcísica e sedutora. Romano de Sant’Anna 
discorre sobre esse processo de incorporação do objeto como uma espécie de canibalismo, 
uma vez que o ego quer incorporar esse objeto a si mesmo, buscando evitar sua perda (1993, 
p.127). 
Como já afirmamos no início desse subcapítulo, o sujeito lírico, anelando por um 
termo a essa atividade angustiante, quererá se refugiar na morte que, para ele, representa o 
desejo de voltar ao estado inorgânico da matéria a fim de fazer cessar todo o sofrimento da 
instabilidade que marca a vida humana: 
 
O Mort de t’avoir crainte un jour, je me repens, 
O fille de Cybèleauguste et du dieu Pan 
Dont les bras ont porté la terre et le feuillage, 
Toi, divine, par qui le cœur est enfin sage, 
Que faisais-je quand triste aux approches du soir 
Je me cachais de toi et craignais de te voir... 
Pourtant pour nous si las, si vains, pour nous qui sommes 
Toujours blessés de joie ou d’ennuis, pauvres hommes, 
Qui mieux que toi connais le baume et le secret, 
Le breuvage, le lit, le vent limpide et frais, 
27 
 
La bonne et harmonieuse et longue sauvegarde... 48 
(1902, p.175) 
 
Nesse poema, o eu-lírico declara seu amor à morte, “Je t’aime comme j’ai parfois 
aimé l’été”; é a característica de permanência da Morte que a atrai “ Comme rien, hormis toi, 
n’est égal ou durable”. Em um primeiro instante da coletânea L’ombre des jours, o eu-lírico 
desejava tudo viver e ver. Mas, depois de experimentar todas as sensações e viver os ciclos de 
alegrias e penas, sabendo que tudo é finito, ele deseja o aniquilamento da paixão. Se 
observarmos esse anseio pelo “longo abrigo”, constataremos que isso só ocorre porque o eu- 
lírico sabe que nele se encontram os segredos que ele ansiou decifrar. 
Estão presentes no poema as figuras de dois deuses gregos associados à natureza, 
Cibele e Pan (HACQUARD, 1996, p.32 e 99), logo podemos relacionar o anseio pela “longue 
et bonne sauvegarde” ao retorno do eu-lírico à natureza. Cibele é considerada, em uma das 
versões do mito, como a mãe de Zeus. Por essa consideração, partilhou com ele o poder sobre 
o céu, o mar, a terra, os animais e as plantas, já a encarnação da natureza universal é atribuída 
a Pan. 
Os deuses simbolizam a natureza e a fertilidade. Assim, a morte representa a volta do 
eu-lírico à terra dispensadora de benefícios. Esse retorno talvez retrate para ele a esperança de 
renascer assim como a natureza. Pensamos que o amor pela vida, confessado pela voz da 
interlocutora presente no poema é o que a fez querer o refúgio da morte: Je t’aime comme j’ai 
parfois aimé l’été (eu te amo como às vezes amei o verão). Associar amor e morte é 
paradoxal. Contudo, entendemos que o amor é a força motora do eu-lírico que, por sua vez, 
compreende a tragicidade ligada à vivência dos prazeres. Por esse motivo, a alegria e a dor 
estarão frequentemente retratadas na poesia noailliana. 
No último verso do poema, percebemos que o término da vida simboliza paz e 
hamonia. Ele é dispensador de benevolência à alma sofredora, que é sempre ferida pela 
alegria ou pelo tédio e, apenas dessa forma, é possível ter a certeza do fim da desordem e, por 
consequência, o eu-lírico porá fim a seu vagar. A morte será o lugar da morada eterna 
associada à proteção e ao bem estar, que também significa conhecimento “Qui mieux que toi 
 
48 Ó Morte de haver te temido um dia, eu me arrependo/ O filha de Cibele augusta e do deus Pan/ Cujos braços 
carregaram a terra e a folhagem,/ Tu, divina, por quem o coração é enfim sábio,/ Que fazia eu, quando triste na 
aproximação da noite/ Eu me escondia de ti, e temia te ver.../ No entanto para nós, tão lassos, tão vãos, para nós 
que somos,/ Sempre feridos de alegria e de tédio, pobres homens,/ Quem melhor que ti conhece o bálsamo e o 
segredo,/ O néctar, o leito, o vento límpido e fresco/ O bom harmonioso e longo abrigo... 
28 
 
connais le baume et le secret”. Nesse verso, identificamos que a habitação ansiada é o 
consolo e a possibilidade de se alcançar o pleno conhecimento do segredo da terra. 
O conforto e a harmonia preterida pela voz lírica no poema está figurada pelos 
substantivos baume (bálsamo), breuvage (bebida), lit (cama/leito) e o vent (vento), 
especificado como limpide et frais (límpido e fresco), personificando a calmaria. Em seguida, 
no último verso, a inversão do sujeito concede harmonia ao ritmo e ao psicológico do eu- 
lírico: “La bonne et harmonieuse et longue sauvegarde”. O emprego da assonância em “e” 
caduco no fim de cada vocábulo é também responsável pelo equilíbrio do verso. 
O abrigo ansiado pode ser encontrado no contato com o outro, isso se torna possível 
quando o eu-lírico encontra a guarida na alma de outrem. Para a voz lírica, esse contato é 
sinônimo de estabilidade e de união perfeita, porém só posssível depois de sua dissipação da 
terra: 
 
Et qu’un jeune homme alors lisant ce que j’écris, 
Sentant par moi son coeur, ému, troublé, surpris 
Ayant tout oublié des compagnes réelles, 
M’accueille dans son âme et me préfère à elles... 49 
(1902, p.169) 
 
Presenciamos nesses versos, o anseio pela perpetuidade da vida literária que se 
contrapõe ao desaparecimento físico do homem. De modo que, após a interrupção da vida, o 
eu-lírico continuará suscitando em outrem o frenesi que o moveu durante sua existência. 
Afirmamos anteriormente que a força de Thánatos suscita no homem o desejo de 
retorno a um estado prazeroso antecedente. Quanto a isso, percebemos que na estética 
noailliana esse estado de deleite é efetuado de dois modos: Pela aceitação da morte física 
como esperança de cessação da dor causada pelas decepções e, de outra forma, pelo 
acolhimento do eu-lírico por seus leitores. Nesse sentido, observamos que, mesmo após seu 
fim aqui na terra, o frenesi que o moveu em vida estará transcrito em seus versos, de modo 
que o outro se sentirá tocado por ele. 
Entendemos que nessa ação exista uma forma de se esvaziar de si mesmo, 
transmitindo a outrem a paixão que o sujeito lírico sempre buscou saciar. Compreendemos 
que o momento que antecede o exaurir-se de suas impressões passa por um instante de 
 
49 E que um jovem homem então lendo o que escrevi,/Sentindo por mim seu coração, comovido, turbado, 
surpreso/Tendo tudo esquecido das companheiras reais,/Me acolha em sua alma e me prefira à elas... 
29 
 
absorção da substância do mundo de forma que o universo interno lírico se expande. 
Trataremos da expansão interior do sujeito lírico na segunda parte do nosso trabalho. 
 
 
76 
 
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