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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
DEPARTAMENTO DE LETRAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DA LINGUAGEM
EMBATES DIALÓGICOS EM UM PAÍS DIVIDIDO:
A RESPONSIVIDADE DAS CHARGES DE IVAN CABRAL NO PROCESSO DE IMPEACHMENT 
DE DILMA ROUSSEFF
Natal-RN
2017
MAURICIO DA SILVA OLIVEIRA JUNIOR
 
 
MAURICIO DA SILVA OLIVEIRA JUNIOR 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
EMBATES DIALÓGICOS EM UM PAÍS DIVIDIDO: A RESPONSIVIDADE DAS 
CHARGES DE IVAN CABRAL NO PROCESSO DE IMPEACHMENT DE DILMA 
ROUSSEFF 
 
 
 
 
 
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
graduação em Estudos da Linguagem da 
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 
como requisito parcial para a obtenção do título de 
mestre em Letras. Área de Concentração: 
Linguística Aplicada. 
 
ORIENTADORA: PROFA. DRA. MARIA DA 
PENHA CASADO ALVES. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Natal/RN 
2017 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN 
Sistema de Bibliotecas - SISBI 
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN 
Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes – CCHLA 
 
 
 
Oliveira Junior, Mauricio da Silva. 
 Embates dialógicos em um país dividido: a responsividade das 
charges de Ivan Cabral no processo de impeachment de Dilma 
Rousseff / Mauricio da Silva Oliveira Junior. - 2017. 
 116f.: il. 
 
 Dissertação (mestrado) - Universidade Federal do Rio Grande 
do Norte. Centro de Ciências Humanas Letras e Artes. Programa 
de Pós-graduação em Estudos da Linguagem, 2017. 
 Orientadora: Prof.ª Dr.ª Maria da Penha Casado Alves. 
 
 
 1. Charge. 2. Ivan Cabral. 3. Relações dialógicas. 4. 
Responsividade. 5. Embates dialógicos. 6. Impeachment de Dilma 
Rousseff. I. Alves, Maria da Penha Casado. II. Título. 
 
RN/UF/BS-CCHLA CDU 81'33:74 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
À minha família, em especial aos meus dois 
portos seguros: Andressa e Alissa. 
 
 
 
 
AGRADECIMENTOS 
 
Deus. Não tenho como não agradecer a esse cara que programou o meu caminho e fez 
com que as coisas acontecessem no tempo em que deveriam e da forma adequada, colocando 
as pessoas certas no meu caminho e me permitindo ter os fracassos e sucessos na medida exata, 
deixando-me chegar onde estou e me encorajando a almejar sempre uma nova conquista. 
À minha família, que entendeu quando precisei negar todos os seus convites e, com o 
protecionismo familiar que se espera, dizia-me que eu iria chegar lá. Deles, preciso destacar 
alguns: meu pai, que, além de me dar o seu nome, me ensinou a sua profissão e, com o que 
podia, me apresentou ao mundo da cultura e da arte, incentivando-me a enveredar nesse 
caminho (principalmente quando me fez trocar meu vício pela chupeta por um conjunto de tinta 
guache) e mostrando que era possível viver de arte. Ensinou-me, também, a responsabilidade e 
a organização que, com certeza, ajudaram bastante na conclusão desta pesquisa; minha mãe, 
que não está comigo há algumas décadas e me faz sentir ainda mais saudades a cada conquista 
minha que não pudemos compartilhar... muito disso é para ela, que nunca conseguirei esquecer; 
meus irmãos Shirley e Mateus, que confiam muito em mim. Nunca irei decepcioná-los. 
À Andressa, minha esposa, que, há muito tempo, é minha maior incentivadora e 
motivadora. Encoraja-me em todas as escolhas que faço e me inspira para ter foco e garra em 
todos os meus projetos. Não bastando ser meu tudo, presenteia-me com a maior felicidade de 
minha vida, minha filha Alissa, que está quase chegando e, mesmo na barriga da mamãe, já me 
incentiva e me faz ter uma energia que eu nem sabia que existia. Sem essas duas nada faz 
sentido. 
A todos os amigos que me ajudaram a montar o caráter e a essência pelos caminhos da 
vida. Cada um de vocês está aqui de uma forma ou de outra. Seria impossível nomear todos 
eles, mas alguns se destacaram nessa etapa. Ivana, que me encorajou a conhecer a Linguística 
Aplicada e me fez seguir esse caminho acadêmico; Kaline, minha parceira que divide muitos 
desafios e conquistas e que me dá força em meus projetos e me incentiva a querer subir cada 
vez mais novos degraus, além de garantir que eu não tenha escrito nenhuma bobagem neste 
trabalho; Verônica, pelas muitas risadas e pelo apoio “normatizador” e Letícia que, com toda a 
sua delicadeza, sempre me incentiva e me faz acreditar que eu sou capaz. Aos parceiros 
acadêmicos Rosângela, Fabíola, Margot e Fabiana que, desde o início, acreditaram que eu 
conseguiria. 
 
 
Há um agradecimento muito especial aos meus amigos do “Pequeno Círculo”, Diana e 
Arthur, que dividiram comigo cada etapa do mestrado, partilhando conquistas, sufocos e 
desesperos. Eu os levarei comigo por toda a vida. 
À Penha, que além de orientar muito bem esta pesquisa, foi uma excelente amiga quando, 
com toda a paciência e humildade possível, me explicou cada detalhe da Linguística Aplicada, 
até então inédita para mim. Cada mensagem, cada e-mail, cada encontro de corredores e, 
especialmente, cada encontro de sábado mudou a minha cabeça para melhor, abriu um leque e 
me deu lentes que não sei se iriam surgir um dia. Sou muito grato a você. 
A Gilvando, pela postura e pelas orientações na banca de qualificação que fizeram com 
que esse trabalho ganhasse um novo corpo e que me ajudaram a melhorar como pesquisador. 
A Paulo Ramos, pelo esclarecimento do mundo dos “gêneros visuais” em seus trabalhos 
e pela prontidão em aceitar o convite para examinar esta dissertação. 
O que dizer de um objeto de pesquisa que sempre está disponível, comunica sobre novas 
informações, debate ideias e indica caminhos de pesquisa? Ivan Cabral, continue sendo esse ser 
humano iluminado e de coração puro. Obrigado por acreditar em meu trabalho e me ajudar no 
que precisei. 
Sem todos vocês, isso aqui não teria acontecido ou não haveria motivação alguma para 
acontecer. Obrigado. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
A charge é o verbal reciclado. 
Ivan Cabral 
 
 
 
 
RESUMO 
A charge é um gênero discursivo que circula em variados veículos de notícia e, atualmente, 
difundido também em inúmeros outros meios de comunicação. Esse gênero discursivo permite 
uma maior visibilidade da opinião do autor, isto é, o "autor falante" produz o conteúdo temático 
carregando-o ideológico e axiologicamente. A produção de tais enunciados concretos (charges) 
é voltada para um ouvinte/leitor que também é histórico e também está situado em um ambiente 
social, fazendo com que esse direcionamento seja responsivo ao leitor, à situação e aos fatos. 
Para esta pesquisa, tomamos como referencial teórico as concepções advindas do Círculo de 
Bakhtin no que concerne às relações dialógicas, à heterodiscursividade, a posicionamento e a 
embates dialógicos. Para compreender o riso chargístico, apoiamos nossas reflexões em 
Bergson, Propp e Bakhtin. Dada a especificidade do gênero discursivo charge, buscamos 
ancorar nossas incursões no trabalho de Ivan Cabral, Ramos, Eisner e McCloud. O corpus desta 
pesquisa são as charges produzidas pelo chargista potiguar Ivan Cabral durante o período do 
processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, que ocorreu entre 02 de dezembro 
de 2015 e 13 de maio de 2016. A pesquisa se insere na área da Linguística Aplicada mestiça, 
fronteiriça e indisciplinar cujo objetivo é construir inteligibilidade sobre as práticas discursivas, 
considerando, para tanto, os sujeitos, as esferas de atividade e a historicidade das interações 
humanas. A investigação analisa os dados construídos a partir da vertente qualitativo-
interpretativista e o método indiciário de Ginzburg, que se volta para os indícios, os sinais que 
denunciam sentidos e posicionamentos. Os resultados permitem concluirque a charge, 
enquanto enunciado concreto, suscita responsividade que permite dar visibilidade aos embates 
dialógicos entre sujeitos situados e posicionados, confirmando que na interação os sujeitos 
ocupam lugares e posições a partir de sua visão de mundo e de um conjunto de valores. 
 
 
Palavras-chave: Charge. Ivan Cabral. Relações dialógicas. Responsividade. Embates 
dialógicos. Enunciado concreto. Impeachment de Dilma Rousseff. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
ABSTRACT 
The cartoon is a discursive genre that circulates in varied news vehicles and, currently, also 
diffused in numerous other means of communication. This discursive genre allows a greater 
visibility of the author's opinion, that is, the "talking author" produces the thematic content 
carrying it ideologically and axiologically. The production of such concrete utterances 
(cartoons) is directed towards a listener / reader who is also historical and is also situated in a 
social environment, making this direction responsive to the reader, the situation and the facts. 
For this research, we take as theoretical reference the concepts coming from the Circle of 
Bakhtin in what concerns to dialogic relations, heterodiscursivity, positioning and dialogic 
clashes. To understand the laughter from the cartoon, we support our reflections in Bergson, 
Propp and Bakhtin. Given the specificity of the discursive cartoon genre, we sought to anchor 
our forays into the work of Ivan Cabral, Ramos, Eisner and McCloud. The corpus of this 
research are the cartoons produced by the potiguar cartoonist Ivan Cabral during the 
impeachment process of former president Dilma Rousseff, which occurred between December 
2, 2015 and May 13, 2016. The research is part of the mestiza, frontier and indisciplinary 
Applied Linguistics whose objective is to build intelligibility on discursive practices, 
considering, for that, the subjects, the spheres of activity and the historicity of human 
interactions. The research analyzes the data constructed from the qualitative-interpretative 
perspective and the Ginzburg indicationary method, which turns to the signs, the signs that 
denounce meanings and positions. The results allow us to conclude that the charge, as a concrete 
statement, elicits responsiveness that allows to give visibility to the dialogic clashes between 
subjects situated and positioned, confirming that in the interaction subjects occupy places and 
positions from their world view and a set of values. 
 
Keywords: Cartoons. Ivan Cabral. Dialogical relations. Responsiveness. Dialogic clashes. 
Concret utterance. Impeachment of Dilma Rousseff. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
LISTA DE ILUSTRAÇÕES 
Enunciado 1 – Tchau, querido!............................................................................................... 30 
Enunciado-chave 1 – Gato pingado.........................................................................................70 
Enunciado-chave 2 – O alvo .................................................................................................. 78 
Enunciado-chave 3 – Como acabar com um protesto............................................................ 85 
Enunciado-chave 4 – Minha ponte, minha vida .................................................................... 96 
Enunciado-chave 5 – Sexta-feira 13..................................................................................... 102 
Enunciados-resposta 1 ......................................................................................................... 73 
Enunciados-resposta 2.......................................................................................................... 80 
Enunciado-resposta 3 – Releitura da charge "Como acabar com um protesto".................... 86 
Enunciados-resposta 4 .......................................................................................................... 91 
Enunciado-resposta 5 – ET nos protestos ............................................................................. 92 
Enunciado-resposta 6 – Interação do blog Sorriso Pensante ................................................ 93 
Enunciados-resposta 7 .......................................................................................................... 99 
Enunciados-resposta 8 ........................................................................................................ 104 
Figura 1 – Respostas ao Enunciado 1 ................................................................................... 32 
Figura 2 – Ameaça de morte a Ivan Cabral ........................................................................... 34 
Figura 3 – Primeira charge publicada no Brasil ..................................................................... 35 
Figura 4 – Primeira charge publicada de Ivan Cabral .............................................................41 
Figura 5 – Charge de 1983, Ivan Cabral substituindo Edmar Viana no Diário de Natal ....... 42 
Figura 6 – Charge de 1988, durante férias de Cláudio Oliveira, na Tribuna do Norte .......... 42 
Figura 7 – Charge de 1988, quando assume o cargo oficialmente no Diário de Natal .......... 43 
Figura 8 – Estrela decadente .................................................................................................. 47 
Figura 9 – Nova fase .............................................................................................................. 47 
Figura 10 – Manifestante genérico ......................................................................................... 84 
Figura 11 – Processo de reconstrução enunciativa ................................................................ 89 
Figura 12 – Logotipo do programa Minha Casa, Minha Vida ............................................... 97 
Gráfico 1 – Charges publicadas durante o processo de impeachment.................................... 67 
Gráfico 2 – Charges de dezembro de 2015............................................................................. 69 
Gráfico 3 – Charges de fevereiro de 2016.............................................................................. 77 
Gráfico 4 – Charges de março de 2016................................................................................... 83 
Gráfico 5 – Charges de abril de 2016..................................................................................... 95 
Gráfico 6 – Charges de maio de 2016................................................................................... 101 
 
 
SUMÁRIO 
1 RABISCOS INICIAIS ......................................................................................................... 11 
2 IDEIA NO PAPEL: A CONCRETUDE ENUNCIATIVA DO GÊNERO 
CHARGÍSTICO ...................................................................................................................... 15 
2.1 Charge: o que é? ................................................................................................................ 18 
2.1.1 O riso e o grotesco na charge ........................................................................................... 23 
2.2 Muito além dos balões: as vozes responsivas da charge ................................................ 28 
2.2.1 Je suis Charlie? ................................................................................................................ 33 
2.3 A charge no contexto político: posicionamentos ............................................................ 35 
2.4 Brasil, mostra a tua cara: o contexto político do país e o corpus pesquisado .............. 38 
2.4 O chargista Ivan Cabral ................................................................................................... 40 
2.4.1 Uma página rasgada ......................................................................................................... 46 
3 GEOMETRIA À PARTE: UM CÍRCULO DIALÓGICO COMO BASE TEÓRICA . 49 
3.1 As relações dialógicasbakhtinianas ................................................................................ 51 
3.2 Heterodiscursividade: as vozes que falam, ouvem e respondem .................................. 54 
3.2.1 A polêmica aberta e a polêmica velada ............................................................................ 58 
4 PERCURSO CONSTRUTIVO: APRESENTAÇÃO DA METODOLOGIA DE 
PESQUISA .............................................................................................................................. 60 
4.1 Questões e Objetivos de pesquisa .................................................................................... 64 
5 EMBATES DIALÓGICOS: ANALISANDO OS ENUNCIADOS ................................. 66 
5.1 Dezembro de 2015, enunciado-chave 1: "Gato pingado" ............................................. 69 
5.1.1 Contextualização política e dados quantitativos .............................................................. 69 
5.1.2 Apresentação do enunciado ............................................................................................. 70 
5.1.3 Embates dialógicos .......................................................................................................... 72 
5.2 Fevereiro de 2016, enunciado-chave 2: "O alvo" .......................................................... 76 
5.2.1 Contextualização política e dados quantitativos .............................................................. 76 
5.2.2 Apresentação do enunciado ............................................................................................. 78 
5.2.3 Embates dialógicos .......................................................................................................... 79 
5.3 Março de 2016, enunciado-chave 3: "Como acabar com um protesto" ...................... 83 
5.3.1 Contextualização política e dados quantitativos .............................................................. 83 
5.3.2 Apresentação do enunciado ............................................................................................. 84 
5.3.3 Embates dialógicos .......................................................................................................... 86 
 
 
5.4 Abril de 2016, enunciado-chave 4: "Minha ponte, minha vida" .................................. 95 
5.4.1 Contextualização política e dados quantitativos .............................................................. 95 
5.4.2 Apresentação do enunciado ............................................................................................. 96 
5.4.3 Embates dialógicos .......................................................................................................... 98 
5.5 Maio de 2016, enunciado-chave 5: "Sexta-feira 13" .................................................... 101 
5.5.1 Contextualização política e dados quantitativos ............................................................ 101 
5.5.2 Apresentação do enunciado ........................................................................................... 102 
5.5.3 Embates dialógicos ........................................................................................................ 103 
6 ACABAMENTO FINAL ................................................................................................... 106 
6.1 Epílogo ............................................................................................................................. 109 
REFERÊNCIAS .................................................................................................................... 110 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
11 
 
 
1 RABISCOS INICIAIS 
 
Há muito tempo, os consumidores de fontes de notícia têm tido contato com um gênero 
de informação que foge aos padrões das publicações noticiosas impressas: desenhos que brotam 
no meio das brochuras de jornais e revistas quebrando a harmoniosa disposição de textos 
diagramados em colunas simétricas. Esse gênero, denominado de charge, tem por natureza a 
característica de quebrar a linearidade, de romper com a lógica (seja estrutural ou semântica) e 
ao mesmo tempo informar. 
Além dos jornais, revistas e demais veículos impressos, a charge invadiu gradativamente 
outros meios de comunicação como a televisão, em versões animadas dos desenhos outrora 
estáticos, revelando uma crítica que não costumava fazer parte dos telejornais mais assistidos 
do país. Há poucos anos, o Jornal Nacional da Rede Globo trazia a charge de Chico Caruso, 
determinadas vezes na semana, criticando algum fato de destaque e expondo o posicionamento 
do veículo acerca do assunto. 
A internet foi outro espaço onde a charge ganhou muita visibilidade, originalmente 
servindo de canais de replicação das charges impressas nos jornais e, depois, passando a um 
 
 
12 
dos principais canais de veiculação – seja pela facilidade que o meio proporciona, seja pela falta 
de espaço na mídia convencional para chargistas talentosos exibirem seus discursos. Até o meio 
radiofônico, de certa forma, utiliza a charge: a rádio CBN tem um quadro chamado “A charge 
do jornal”, em que um jornalista relata algum fato e expõe a sua crítica, simulando o que uma 
charge convencional faz com recursos visuais. 
A charge deixou de ter características restritas ao jornalismo, passando a enfocar outras 
cenas do cotidiano que também mereciam o tom humorístico da crítica que ela propicia. Sites 
específicos produzem ou veiculam charges dos seus respectivos temas – inclusive que fogem 
do cotidiano jornalístico. Blogs restritos a temas específicos (videogames, moda, 
comportamento, tecnologia etc.) também trabalham com discursos chargísticos voltados aos 
seus temas. Isso mostra que o gênero agrada o leitor que provavelmente anseia por uma 
parcialidade em um meio no qual a imparcialidade (por mais difícil que seja encontrá-la) é a 
regra a ser seguida, além da melhoria de percepção do conteúdo por utilizar bem o recurso 
imagem. 
Jayme Cortez explica que a ilustração ajuda na compreensão do conteúdo, tornando-o 
mais agradável de ser consumido: 
Há milhares de anos que o homem chegou à conclusão de que a maneira mais 
simples de se explicar uma coisa é ilustrá-la. Esse anseio de expressão através 
da imagem tem dado as mais belas experiências no campo da arte como os 
mais expressivos resultados no setor da comunicação humana (CORTEZ, 
1970, p. 10). 
Para ser um bom ilustrador, deve-se dominar a técnica do desenho; já para ser um bom 
chargista, é necessário dominar mais do que os traços – precisa-se, também, ter a habilidade de 
imprimir em seu discurso a crítica sem ferir diretamente o objeto da própria crítica, ou seja, 
precisa-se ser sutil em seu enunciado. Foucault (1979, p. 86), falando sobre o poder no discurso 
na ideologia, observa que “O sucesso [do poder no discurso] é proporcional à sua habilidade 
para esconder seus próprios mecanismos”. Essa inserção velada da crítica do autor é inserida 
nos diálogos verbais e, principalmente, nos traços da charge, o que é mais difícil de deixar 
registrado. Quanto menos óbvia for a mensagem da charge, mais complexa terá sido a sua 
construção. Assim, para elaborar o enunciado de maneira sutil, o chargista deve estar atento aos 
conhecimentos do seu ouvinte e, só após isso, voltar à construção do discurso, encaixando-o 
nesse repertório alheio e deixando que a informação inserida na charge seja complementada 
pelo leitor. É nesse ponto que entra a Linguística Aplicada. 
 
 
13 
A Linguística Aplicada, ou LA, investiga o uso da linguagem nas práticas sociais. Para 
essa área do conhecimento, a estrutura da língua tem pouca importância quando analisada fora 
do palco onde ela se torna viva. Não há como vivenciar a linguagem se não em sua forma 
prática: construindo sentido entre a linguagem e o social. Assim, a Linguística Aplicada é a área 
de pesquisa na qual se insere esta investigação, uma vez que consideramosa produção de 
charges como prática discursiva. Para analisar a charge, utilizamos, principalmente, as 
concepções teóricas do Círculo de Bakhtin sobre gênero discursivo, relações dialógicas, 
heterodiscursividade e embates dialógicos, assim como reflexões sobre carnavalização 
(restringindo-nos no que diz respeito ao riso e ao grotesco); para a abordagem do gênero 
discursivo charge, apoiamo-nos, além de Bakhtin (1996, 1997, 1998, 2010, 2013, 2015a, 2015b, 
2016), em Volóchinov (2017), Bergson (2001), Propp (1992), Ivan Cabral (2005, 2008, 2016, 
2017) e Paulo Ramos (2009, 2011, 2016); os dois últimos autores também colaboram para 
contextualizar o potencial dos enunciados ilustrados, junto a McCloud (2005) e Eisner (1989, 
2005), dentre outros. 
O gênero charge foi estudado nesta investigação por estar presente massivamente nas 
grandes mídias e por se tratar de um gênero discursivo que permite que a opinião do autor 
(mesmo que indiretamente) seja inserida no enunciado, isto é, a charge possibilita (e até exige) 
que haja um posicionamento autoral. Assim, a ideologia do chargista empregada no enunciado 
busca um outro enunciador que, para compreendê-lo, responde-o obrigatoriamente – mesmo 
que não externe essa resposta. Como se trata de uma prática discursiva situada, historicamente 
constituída e que busca a resposta nos seus interlocutores, justifica-se o estudo da charge no 
âmbito da LA, considerando-se que construir conhecimento sobre essas práticas em diferentes 
esferas da atividade humana é uma das prerrogativas de tal área de investigação. 
As charges pesquisadas neste trabalho foram aquelas produzidas pelo chargista potiguar 
Ivan Cabral durante o período de 02 de dezembro de 2015 a 13 de maio de 2016, recorte 
temporal que compreende o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff. 
A escolha do tema "política" se deu pela quantidade de charges relacionadas a ele, pois, 
dos temas criticados nas mídias, o sistema político tem destaque, principalmente, por quase 
sempre haver um grupo de oposição e por subsidiar o autor com um repertório de argumentos 
para serem defendidos ou rebatidos, além de ser assunto comum à maioria dos ouvintes/leitores. 
Lustosa (2008) afirma que charges e colunas satirizando o poder público sempre 
existiram, mesmo em épocas nas quais não eram permitidas, mostrando que esse gênero, apesar 
de já ser bem conhecido, ainda é uma fonte inesgotável de pesquisa, havendo muitos aspectos 
a serem explorados. 
 
 
14 
Este trabalho está organizado da seguinte maneira: no segundo capítulo, após a 
Introdução, está apresentado o conceito de charge como gênero discursivo, abordando o 
processo de constituição do gênero como enunciado concreto. Ainda nesse capítulo, 
estabelecemos a distinção entre a charge e outros gêneros próximos como histórias em 
quadrinhos, o cartum e as tirinhas. Vemos, também, como o gênero chargístico se posiciona em 
relação aos seus leitores, analisando a sua responsividade e como ele está associado ao contexto 
político; apresentamos, ainda, o chargista produtor dos enunciados analisados e o contexto 
político do Brasil durante a pesquisa. No terceiro capítulo, abordamos o referencial teórico que 
ancora esta pesquisa, apontando as concepções que foram utilizadas; no quarto capítulo, 
expomos a metodologia de pesquisa e o processo de construção dos dados, assim como a forma 
em que os resultados estão expostos; o quinto capítulo traz a análise do corpus pesquisado; no 
sexto capítulo estão as considerações finais da pesquisa e, por último, encontram-se as 
referências que subsidiaram a produção deste trabalho. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
15 
 
2 IDEIA NO PAPEL: A CONCRETUDE ENUNCIATIVA DO GÊNERO 
CHARGÍSTICO 
 
Um gênero discursivo surge a partir das necessidades de interação numa determinada 
esfera da atividade humana. Os gêneros atuam nas relações humanas, pois são gerados a partir 
delas. Eles surgem organicamente das interações sociais, organizam-se e se estabelecem. 
Bakhtin (2016, p. 11) diz que os diversos campos da atividade humana estão ligados ao uso da 
linguagem e, naturalmente, esses "usos da linguagem" se estruturam e criam padrões; assim, 
novos gêneros surgem continuamente e ganham uso prático logo que se constituem. 
Da mesma forma que o gênero discursivo se constitui no mundo da vida, não há criação 
de um gênero discursivo sem que ele se insira no cotidiano, nas inter-relações pessoais. É o uso 
que garante a sua sobrevivência, e a sua existência só faz sentido quando, de fato, ele é mediador 
das interações. Bakhtin (2016, p. 20) afirma que nenhum fenômeno novo (fonético, léxico, 
gramatical) pode integrar o sistema da língua sem ter percorrido um complexo e longo caminho 
de experimentação e elaboração de gêneros e estilos. 
Bakhtin (2016, p. 15) ainda divide os gêneros discursivos em primários (simples) e 
secundários (complexos). Os gêneros secundários são os tradicionais; os que, digamos assim, 
 
 
16 
são mais consolidados e nutrem as interações nas esferas mais elaboradas: romances, dramas, 
artigos científicos etc. que se constituem interpretando, reconstruindo e agrupando elementos 
dos gêneros primários, aqueles que surgem nas comunicações imediatas do cotidiano – a 
linguagem que surge na internet, os jargões de fala de grupos sociais (a linguagem militar ou 
as gírias dos surfistas, por exemplo) ou até a linguagem coloquial utilizada nos aplicativos de 
mensagens instantâneas. 
É muito importante saber como um gênero surge e também como ele se mantém ativo, 
mas, para a Linguística Aplicada, é ainda mais importante conhecer a sua historicidade do que 
a sua gênese. É fundamental para esse estudo conhecer onde o gênero circula, em que círculo 
ele vive e em qual esfera ele se constitui, ou seja, como ele se torna ferramenta nas/para as 
interações. 
Bakhtin (2016) apresenta, também, as características do gênero discursivo: o conteúdo 
temático, que é o tema axiologicamente tratado e marcado pela intenção do autor; a construção 
composicional, que diz respeito à estrutura do material e à forma do texto; e o estilo, que 
concerne às escolhas de linguagem (padrão frasal, uso de abreviaturas, construções 
fraseológicas e escolhas lexicais, por exemplo). 
 
Todos esses três elementos – o conteúdo temático, o estilo e a construção 
composicional – estão indissoluvelmente ligados no conjunto do enunciado e 
são igualmente determinados pela especificidade de um campo da 
comunicação. Evidentemente, cada enunciado particular é individual, mas 
cada campo de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis 
de enunciados, os quais denominamos gêneros do discurso (BAKHTIN, 2016, 
p. 12, grifos do autor). 
 
Bakhtin (2016, p. 21) conclui que "onde há estilo há gênero", mostrando que, por mais 
que alguns desses gêneros não permitam uma maior intervenção estilística, sempre haverá a 
presença de traços autorais. O grau de inserção particular na elaboração dos enunciados oscila 
de acordo com o gênero pela sua própria natureza. Uma charge exige um posicionamento 
autoral, um ofício militar utilizado em quartéis não, ou seja, a intervenção estilística varia de 
acordo com o local onde enunciado está inserido, por quem está sendo dito e em que 
circunstância social ele está inserido: o estilo vive em enunciados concretos. 
Reforçamos que os gêneros nascem das interações sociais e são constituídos de 
enunciados que também estão inseridos na prática social. Casado Alves (2016, p. 164), 
ancorada em Bakhtin, diz que "o enunciado não é uma abstração linguística: ele nasce, vive e 
 
 
17 
'morre' no processo de interação social", ou seja, não há como pensar nos enunciados sem 
aplicá-los à vida, e isso é que o faz se tornar concreto e pleno. 
Todo enunciado tem algo a dizer, e o cenário embasador de sua gênese e de sua vida é o 
círculo social onde ele habita. Assim, por estar inseridoem um ambiente "vivo", ele é voltado 
a alguém e é, necessariamente, carregado de um posicionamento ideológico1. 
Volóchinov traz, em uma conceituação sobre enunciado no livro Marxismo e filosofia da 
linguagem, que 
O enunciado se forma entre dois indivíduos socialmente organizados. [...] A 
palavra é orientada para o interlocutor, ou seja, é orientada para quem é esse 
interlocutor [...] não pode haver um interlocutor abstrato, por assim dizer, 
isolado [socialmente]; pois com ele não teríamos uma língua comum, nem no 
sentido literal, tampouco no figurado. (VOLÓCHINOV, 2017, p. 204 e 205, 
grifos do autor). 
Bakhtin explica que, da mesma forma que a oração é a unidade da língua, o enunciado é 
a unidade da comunicação discursiva, ou seja, assim como um texto (quando analisado 
sintaticamente) é composto por orações, os diálogos (da linguagem aplicada na prática) são 
compostos de enunciados, sem esquecermos que esses enunciados devem estar inseridos na 
vida social para que haja a dialogicidade. 
Isso é reafirmado por Volóchinov quando diz que: 
De fato, o ato discursivo, ou mais precisamente o seu produto – o enunciado 
– de modo algum pode ser reconhecido como um fenômeno individual no 
sentido exato dessa palavra, e tampouco pode ser explicado a partir das 
condições psicoindividuais e psíquicas ou psicofisiológicas do indivíduo 
falante. O enunciado é de natureza social (VOLÓCHINOV, 2017, p. 200, 
grifos do autor). 
Assim como os enunciados não podem existir se não estiverem associados à situação 
social, eles também não podem ser analisados fora dessa perspectiva. Devem ser vistos pelo 
pesquisador com atenção ao contexto em que foram elaborados, para quem se dirigem e com 
qual finalidade, sem desprezar, também, o círculo social e temporal no qual o interlocutor que 
interage com o enunciado está inserido. Volóchinov (2017, p. 216) conclui: "o centro 
organizador de qualquer enunciado, de qualquer expressão não está no interior, mas no exterior: 
no meio social que circunda o indivíduo". 
 
1 “Ideologia, na teoria do Círculo de Bakhtin, é o nome dado ao universo que engloba a arte, a ciência, a filosofia, 
o direito, a religião, a ética, a política, ou seja, todas as manifestações superestruturais. [...] Qualquer enunciado é 
sempre ideológico – para eles, não existe enunciado não ideológico” (FARACO, 2009, p. 46, grifos do autor). 
 
 
18 
Com essas reflexões, vemos que a charge também é um enunciado construído a partir de 
experiências sociais intercaladas, carregadas de valores e aplicadas a um contexto real, 
tornando-a um exemplo de enunciado concreto, com seus valores e suas ideologias bem 
definidas. 
Nesta pesquisa, trabalharemos a charge sob essa perspectiva de enunciado pleno e 
concreto, valorado e inserido em situações reais do cotidiano social. 
 
 2.1 Charge: o que é? 
 
Desde que iniciamos o processo de alfabetização tradicional, somos desestimulados a "ler 
imagens". Isso mesmo: a ler o que as representações gráficas têm a nos dizer. Passamos a 
produzir sentido exclusivamente pelos caracteres impressos e até esquecemo-nos que eles, 
quando vistos isoladamente, também são símbolos gráficos. Isso fica mais claro quando 
observamos línguas estrangeiras com caracteres distintos e acabamos enxergando os hieróglifos 
e os ideogramas orientais, por exemplo, apenas como "desenhos". Se pararmos para pensar, 
veremos que os caracteres do nosso alfabeto, quando isolados, também são imagens. 
Dondis, no livro A sintaxe da linguagem visual, traz uma reflexão sobre esse 
"desencorajamento" da leitura visual e apela aos educadores para uma maior atenção ao 
conhecimento visual: 
Eles próprios [os educadores] precisam compreender que a expressão visual 
não é nem um passatempo, nem uma forma esotérica e mística de magia. 
Haveria, então, uma excelente oportunidade de introduzir um programa de 
estudos que considerasse instruídas as pessoas que não apenas dominassem a 
linguagem verbal, mas também a linguagem visual (DONDIS, 1997, p. 230). 
O mesmo desconforto é revelado por Will Eisner (1989, p. 7-8): 
 
 
19 
Durante os últimos cem anos, o tema da leitura tem sido diretamente vinculado 
ao conceito de alfabetização;... aprender a ler… tem significado aprender a ler 
palavras… mas… gradualmente a leitura foi se tornando objeto de um exame 
mais detalhado. Pesquisas recentes mostram que a leitura de palavras é apenas 
um subconjunto de uma atividade humana mais geral, que inclui a 
decodificação de símbolos, a integração e a organização de informação… Na 
verdade, pode-se pensar na leitura – no sentido mais geral – como uma forma 
de atividade de percepção. A leitura de palavras é uma manifestação dessa 
atividade; mas existem muitas outras leituras – de figuras, mapas, diagramas, 
circuitos, notas musicais... 
Assim, gêneros discursivos com grande potencial enunciativo passaram muito tempo 
sendo tratados como produtos de função lúdica ou, nos melhores dos casos, para uso auxiliar 
de construção de conhecimento, como as ilustrações em manuais de instruções, por exemplo. 
Um desses gêneros visuais desprezados por alguns educadores e, consequentemente, por 
seus discípulos, é o quadrinho. McCloud (2005, p. 18, grifos do autor) diz que "a expressão 
'história em quadrinhos' teve conotações tão negativas que muitos profissionais preferem ser 
conhecidos como ilustradores, artistas comerciais ou, na melhor das hipóteses, cartunistas!" 
Como um gênero, o quadrinho possui padrões definidos que o caracterizam como tal. 
Para McCloud (2005, p. 9), as histórias em quadrinhos são imagens pictóricas e outras 
justapostas em sequência deliberada destinadas a transmitir informações e/ou a produzir uma 
resposta no espectador; assim, as histórias em quadrinhos exigem um pré-conhecimento para 
compreendê-las e dissociá-las de outros gêneros semelhantes. 
Ramos (2016, p. 14), estudioso dos quadrinhos e de outros gêneros visuais, explica que 
ler quadrinhos é ler sua linguagem, tanto em seu aspecto verbal quanto visual (ou não verbal). 
A linguagem dos quadrinhos é híbrida. Por mais que haja inúmeros exemplos de histórias 
produzidas apenas com imagens, é bem comum que os desenhos dispostos em quadros 
separados por sarjetas tragam balões com texto verbal que complementem a narrativa 
(RAMOS, 2016). Assim, com um potencial enunciativo composto por textos e imagens, os 
quadrinhos podem ser utilizados de muitas maneiras, desde um produto de entretenimento até 
uma base sólida para obtenção de conhecimento. 
Alguns teóricos, como Paulo Ramos, Scott McCloud e Will Eisner sugerem que os 
quadrinhos possam ser tratados como um "gênero-matriz", que serve como gênese para outros 
gêneros visuais. 
Ramos (2016, p. 20, grifos do autor) identifica três comportamentos teóricos sobre os 
quadrinhos: 
 
 
20 
● O que vê os quadrinhos como um grande rótulo que abriga diferentes 
gêneros; 
● O que vincula os gêneros de cunho cômico – charge, cartum, caricatura 
e tiras – num rótulo maior, denominado humor gráfico ou caricatura 
(termo usado num sentido mais amplo); 
● O que aproxima parte dos gêneros, em especial as charges e as tiras 
cômicas, da linguagem jornalística (linha apoiada no fato de serem 
textos [normalmente] publicados em jornal). 
Barbieri (1998 apud RAMOS, 2016, p. 17-18) defende que as várias formas de linguagem 
não estão separadas claramente; na verdade, estão interconectadas. Essa linguagem poderia ser 
comparada a um grande ecossistema composto de pequenos ambientes que teriam 
características próprias, podendo compartilhar características comuns. Da mesma forma, "os 
quadrinhos dialogam com recursos da ilustração, da caricatura, da pintura, da fotografia [etc]. 
Isso não significa que os comics [sinônimo dos quadrinhos] não constituam um nicho próprio 
e autônomo" (RAMOS, 2016, p. 18, grifo do autor). O autor (2016, p. 21) ainda explica que os 
cartuns, ascharges e as tiras (de modo geral) podem ser inseridos dentro desse hipergênero: os 
quadrinhos. 
Independentemente da linha teórica seguida, é consensual que os gêneros visuais são 
semelhantes e possuem características muito parecidas; em alguns casos, são apenas pequenos 
detalhes que os diferenciam. McCloud (2005, p. 21) diz que há uma grande relação entre 
quadrinhos e cartuns (dentre outros gêneros), "contudo, não são a mesma coisa!". 
Em uma estratificação rápida, podemos distinguir das histórias em quadrinhos alguns 
gêneros visuais como o cartum2, as tiras (e as suas subdivisões como tiras cômicas, tiras 
sequenciais etc.) e a charge. 
O cartum é o desenho com traço simplificado, em que o mais importante é o conteúdo 
discursivo em relação ao respeito às anatomias e à representação gráfica real de mundo. 
McCloud (2005, p. 30) define o cartum como "forma de amplificação através da 
simplificação". Continua (p. 31, grifos do autor): "Cartum não é só um jeito de desenhar, é um 
modo de ver. [...] A capacidade que o cartum tem de concentrar nossa atenção numa ideia é 
parte importante de seu poder especial, tanto nos quadrinhos quanto no desenho em geral". 
Logo, concluímos que o cartum é o tipo de desenho que, além de também estar definido 
como um dos estilos dentro das possibilidades do quadrinho, serve como base para a elaboração 
de outros dois gêneros: as tiras e a charge. 
 
2 "O texto caricatural denomina-se cartone (em italiano), carton (em francês) e cartoon (em inglês), passando para 
o nosso léxico sob a denominação de cartum" (ROBERTO, 2005, p. 73-74). 
 
 
21 
As tiras (ou tirinhas) utilizam o estilo cartunesco para contar histórias fictícias com o 
intuito mais próximo ao humorístico do que ao informacional ou opinativo (duas características 
bem marcantes do gênero charge), tornando-se mais claras quanto à sua definição. 
É comum encontrar as tiras em grandes jornais impressos, alocadas em páginas dedicadas 
ao entretenimento, que abordam cultura e que também trazem jogos de passatempo como 
cruzadas e caça-palavras. Assim como a charge, a tira pode trazer humor, mas diferencia-se no 
tocante à notícia que a charge carrega, como aponta Ramos (2016, p. 16): 
Charge e tira cômica, por exemplo, são textos unidos pelo humor, mas 
diferentes no tocante às características de produção. Para ficar em apenas uma 
distinção: a charge aborda temas do noticiário e trabalha em geral com figuras 
reais representadas de forma caricata, como os políticos; a tira mostra 
personagens fictícios, em situações igualmente fictícias. 
A charge, termo que vem do francês com a mesma grafia, significa "carga de cavalaria", 
ou seja, ataque (MARINGONI, 1996 apud ROBERTO, 2005, p. 76). Essa origem etimológica 
justifica um dos principais objetivos do gênero charge: ele sempre é crítico, sempre tem um 
"alvo" a atingir. 
[A charge] é a crítica humorística de um fato cotidiano, o chargista procura 
fazer humor de tudo e de todos. O efeito humorístico nasce do encontro entre 
o querer de um sujeito, neste caso individual e não mais coletivo, e certas 
circunstâncias responsáveis por sua colocação em xeque (ROBERTO, 2005, 
p. 76). 
A crítica, assim como a obrigatoriedade de trazer um fato do cotidiano a ser comentado, 
faz com que a charge se diferencie de outros de gêneros discursivos (além de outros gêneros 
visuais). 
Ramos (2016, p. 21, grifos do autor) complementa a definição da charge diferenciando-a 
do cartum, afirmando que "a charge é um texto de humor que aborda algum fato ou tema ligado 
ao noticiário. De certa forma ela recria o fato de forma ficcional, estabelecendo com a notícia 
uma relação intertextual" e a principal diferença entre a charge e o cartum (p. 23) é que este 
não está vinculado a um fato do noticiário. 
Em outra publicação, Ramos (2009, p. 193) traz uma finalização a essa definição: 
A charge é um texto de humor que dialoga especificamente com fatos do 
noticiário. É uma leitura irônica de alguma informação, reportada ou não no 
jornal ou site em que foi veiculada. Quando tem como personagem algum 
político ou personalidade, é comum o uso de caricatura para reproduzir as 
feições da pessoa representada. 
 
 
 
22 
Concluindo a diferenciação entre charge e cartum, Ivan Cabral, em sua dissertação de 
mestrado "Humor gráfico: o sorriso pensante e a formação do leitor", traz a seguinte conclusão: 
Diferente das charges, os cartuns são atemporais. Geralmente, eles não fazem 
referência a nenhuma personalidade ou fato do noticiário. O cartum pode ser 
considerado um texto de humor universal. Isso significa dizer que a 
compreensão desses textos não apresenta maiores dificuldades como no caso 
das charges, que exigem por parte do leitor um conhecimento de época, das 
pessoas e dos fatos envolvidos. São comuns os cartuns de náufragos, bêbados, 
e pessoas não identificadas (CABRAL, 2008, p. 80). 
O elo entre os dois gêneros é tão intenso que, na língua inglesa estadunidense, os termos 
utilizados para a charge são political cartoon e editorial cartoon (CABRAL, 2008, p. 77). 
O meio de veiculação original das charges foram as páginas impressas de jornais. A 
charge foi definitivamente incorporada ao jornalismo por volta de 1830, quando o francês 
Charles Philipon fundou o jornal humorístico La Caricature (FONTANA, 2009), famoso 
periódico de Paris que tinha como característica principal trazer charges comentando fatos do 
cotidiano. 
 
Os jornais de Philipon caracterizavam-se pela liberdade artística e pela 
experimentação radical, oportunidades que levaram os artistas aos melhores 
esforços e inovações gráficas. Daumier criou suas primeiras obras-primas 
reconhecidas nas páginas desses jornais. Gustave Doré começou sua carreira 
nessas publicações. Contribuições de artistas do porte de Gavarni, Grandville, 
Monnier, Traviés e tantos outros levaram a caricatura a ser reconhecida como 
arte (FONSECA, 1999, p. 70 apud CABRAL, 2008, p. 69). 
 
 Colocada quase sempre em página nobre do jornal, a charge acaba sendo um tipo de 
editorial gráfico. Não obstante tudo isso, estar atrelada a acontecimentos noticiosos pautados 
em acontecimentos reais, a charge tem vida efêmera: passado o acontecimento, será difícil 
compreendê-la (ROBERTO, 2005, p. 79). 
A temporalidade da charge é um fator que merece destaque. Por se alimentar 
do noticiário tanto local quanto global, a charge se torna um gênero ancorado 
em uma pequena temporalidade, isto é, um tempo brevíssimo que se extingue 
no momento em que um outro assunto emerge (FERREIRA, 2013, p. 19). 
Todos os leitores de charge precisam estar situados em um mesmo ambiente de espaço e 
tempo para assimilarem o conteúdo sem ruídos e com o completo repertório da situação relatada 
pelo discurso. “Tudo que pertence ao presente morre juntamente com ele” (BAKHTIN, 1998, 
p. 363). O próprio Bakhtin nomeia esta relação espaço/tempo de cronotopo e a coloca como 
grande responsável por nortear o discurso: 
 
 
23 
O cronotopo organiza significativamente os acontecimentos e, desta forma, a 
própria relação e situação enunciativas, a qual o gênero medeia. O cronotopo 
é responsável pela imagem-demonstração dos acontecimentos: o espaço, o 
tempo, os participantes, a situação imediata, a situação ampla, graças 
“justamente à condensação e concretizações espaciais dos índices de tempo 
em regiões definidas do espaço” (BAKHTIN, 1998, p. 355). 
Na charge, além da finalidade informacional atribuída à relação com os fatos noticiosos, 
há a finalidade de criticar e, quase sempre, divertir. A construção composicional chargística 
traz a imagem, a representação gráfica do texto falado e, eventualmente, caricaturas. O estilo, 
que é toda escolha da linguagem feita pelo autor que deixa mais evidente as suas marcas 
personalizadas, aparece na charge como a segmentação estrutural do gênero mais marcante, 
uma vez que ele (o gênero charge) permitea individualidade do autor. Todas essas 
características, com base na perspectiva bakhtiniana, são marcadas pela valoração, pelo 
posicionamento e pelo teor axiológico que o autor imprime ao seu texto visual. 
Assim como a escolha gramatical feita pelo falante é um ato estilístico (BAKHTIN, 
2016), o traço do chargista também o é. Ele garante a sua autoria, comprova a construção 
composicional e até dispensa a assinatura do discurso, ou seja, é muito difícil que o chargista 
se esconda por trás de um pseudônimo, porque sua autoria sempre será exposta à luz do leitor, 
mostrando como o estilo presente no gênero é importante na produção do discurso chargístico. 
Na narrativa chargística, o desenhista também se posiciona como narrador dos 
acontecimentos, imprimindo a sua voz no discurso das personagens e utilizando esse recurso 
para controlar as ações durante a elaboração do enunciado. Volóchinov (2017, p. 259) diz que 
“a posição do narrador é oscilante e, na maioria dos casos, ele fala com a linguagem dos 
personagens representados". 
Além dessas características inerentes à construção da charge, é comum que o enunciado 
chargístico traga humor, e este recurso é utilizado, normalmente, para quebrar a linearidade do 
pensamento e criticar o fato com sutileza por meio do riso. 
 
2.1.1 O riso e o grotesco na charge 
 
A charge possui um caráter valorativo e responsivo que mescla o humorístico e o 
linguístico/discursivo para formar a sua estrutura básica. E um desses elementos 
composicionais mais marcantes do gênero é o humor, como confirma Ferreira (2013, p. 65) 
quando diz que "o humor é uma das armas as quais a charge usa para acentuar sua crítica". 
 
 
24 
Propp (1992) define o humor como a capacidade de perceber e criar o cômico, elencando 
alguns elementos linguísticos para o riso como os trocadilhos, os paradoxos, as tiradas, as 
ironias e as paródias. Quando falamos de charges, esse humor precisa se inserir na realidade do 
outro para existir. Bergson (2001, p. 6, grifos do autor) explica bem: "a comicidade exige um 
eco, uma cumplicidade com outros ridentes, reais ou imaginários. [...] A comicidade nascerá, 
ao que parece, quando alguns homens reunidos em grupo dirigirem todos a atenção para um 
deles, calando a própria sensibilidade e exercendo apenas a inteligência". Essa inteligência 
apresentada por Bergson é utilizada, ainda, como estratégia de atenuação da crítica, tornando-
a mais sutil quando trabalhada com a intenção cômica. 
O humor tem como objetivo principal causar o riso, e o humor na charge tem essa 
característica: satirizar o cotidiano, rir da notícia. Para existir como charge, o enunciado busca 
extrair o riso. Eisner (2005, p. 106) diz que há histórias que, para existirem, podem depender 
de uma piada. 
Para Alberti (2002 apud RAMOS, 2011, p. 37), o cômico surge por oposição ao trágico. 
 
A comédia é construída a partir de algo verossímil e tem duas diferenças em 
relação à tragédia: não pune os homens maus em seu desfecho (ao contrário 
da tragédia) e representa os chamados "homens baixos" (os não-nobres). O 
cômico, portanto, não está vinculado a uma noção de dor ou visto de maneira 
negativa. Seria um defeito moral ou físico e, como tal, inofensivo (RAMOS, 
2011, p. 37). 
 
Ivan Cabral, em sua dissertação de mestrado, explica – utilizando como suporte a teoria 
de carnavalização de Bakhtin (1996, 1997) – que 
para que o homem realize o riso cômico é necessário que ele neutralize, pelo 
menos momentaneamente, qualquer sentimento de compaixão ou piedade 
para com o objeto do seu riso. [...] A compreensão mais completa do riso só é 
possível se o analisarmos em seu contexto natural: a sociedade (CABRAL, 
2008, p. 21). 
Isso significa que o riso é deturpador. Ele é uma afirmação de superioridade frente a 
alguma fraqueza humana (ALBERTI, 2002 apud RAMOS, 2011, p. 39). A gênese do riso é "a 
mistura do prazer com uma das dores da alma, a inveja (manifestada na pessoa que é risível)" 
(RAMOS, 2011, p. 37 e 39). 
Um dos primeiros estudiosos a teorizar sobre o riso foi Mikhail Bakhtin. O pensador 
russo, no livro “Problemas da poética de Dostoiévski”, afirma (1997, p. 106-107) que na 
Antiguidade Clássica e durante o Helenismo, surgiram os gêneros do sério-cômico, opostos aos 
"gêneros sérios" (como a epopeia, a tragédia, a história, a retórica clássica etc.). 
 
 
 
25 
No século XVIII, o processo de decomposição do riso da festa popular que, 
durante o Renascimento, penetraria na grande literatura e na cultura chegou 
ao seu termo, ao mesmo tempo que o processo de formação dos novos gêneros 
da literatura cômica, satírica e recreativa que dominarão no século XIX. 
Estabeleceram-se também as formas reduzidas do riso: humor, ironia, 
sarcasmo, etc. que evoluirão como componentes estilísticos dos gêneros sérios 
(principalmente o romance) (BAKHTIN, 1996, p. 103). 
 
Esses gêneros classificados sério-cômicos estão relacionados por uma forte ligação com 
o folclore carnavalesco, impregnando-se de uma cosmovisão carnavalesca. Ferreira (2013, 
p. 63) resume a teoria da carnavalização: 
 
[O carnaval] enquanto festa popular que envolve toda uma comunidade 
durante um espaço-tempo limitados oficialmente (agindo como o não-oficial 
dentro da oficialidade, já que a sociedade séria abre mão de sua postura 
dominante de maneira convencional e limitada); cosmovisão carnavalesca 
como a atmosfera que se cria em meio à festividade do carnaval ou de cunho 
carnavalesco, a qual apresenta determinadas peculiaridades que caracterizam 
enquanto tal (a lógica das inversões, a subversão, a profanação, o livre contato 
familiar e a excentricidade); e a carnavalização como a transposição da 
cosmovisão carnavalesca para esferas outras de circulação enunciativa 
(FERREIRA, 2013, p. 63, grifos nossos). 
 
Em síntese, o carnaval de Bakhtin é uma metáfora das trocas de relações entre o "baixo" 
e o "alto", o "sagrado" e o "profano", o "belo" e o "grotesco" etc. Essa troca não é um 
deslocamento que mantém as fronteiras entre os opostos, e sim uma transgressão dessas 
fronteiras, que se misturam sem ordens hierárquicas, gerando formas híbridas de vozes – as 
chamadas vozes polifônicas. 
 
E, na utopia de superar toda e qualquer monologização da existência humana, 
Bakhtin viu no carnaval – entendido não como uma festa específica, mas como 
todo um modo de aprender o mundo [...] – uma poderosa força vivificante e 
transformadora da vida cultural, dotada de uma vitalidade indestrutível [...] 
(FARACO, 2009, p. 80). 
 
Bakhtin analisa o carnaval na Idade Média pelo fato de, nessa época, haver uma divisão 
muito forte entre o cômico e o sério, em que o cômico estava associado a um mundo inferior, 
principalmente devido à inferiorização do riso pela igreja, como explica neste trecho: 
 
O riso na Idade Média estava relegado para fora de todas as esferas oficiais da 
ideologia e de todas as formas oficiais, rigorosas, da vida e do comércio 
humano. O riso tinha sido expurgado do culto religioso, do cerimonial feudal 
e estatal, da etiqueta social e todos os gêneros da ideologia elevada. O tom 
sério exclusivo caracteriza a cultura medieval oficial (BAKHTIN, 1996, p. 
63). 
 
 
 
26 
Quando a igreja permitia o riso, fazia isto como uma exceção, um tipo de "bonificação" 
para que os fiéis pudessem viver um pouco fora da penitência constante: 
 
A tradição antiga permitia o riso e as brincadeiras licenciosas no interior da 
igreja na época da Páscoa. Do alto do púlpito, o padre permitia-se toda espécie 
de histórias e brincadeiras a fim de obrigar os paroquianos, após um longo 
jejum e uma longa abstinência, a rirem com alegria e esse riso era um 
renascimento feliz (BAKHTIN, 1996, p. 68). 
 
Paulo Ramos (2011, p. 38) ainda explica que 
 
Na Idade Média, o riso esteve muito associado à visão teológica. O raciocínio 
pode ser resumido num silogismo: Cristo, Deus feito homem, não 
demonstrava ter rido nos textos bíblicos; oshomens devem ser imagem e 
semelhança de Deus; logo, não é próprio do homem rir. O riso, ou o não-sério, 
era visto como desnecessário (ALBERTI, 2002 apud RAMOS, 2011, p. 38). 
 
O carnaval seria um hiato (com período e duração determinado) em que o profano 
poderia ser experimentado sem que comprometesse o objetivo sagrado que o fiel da Idade 
Média desejava. Permitiria que as experiências comuns aos grupos, que outrora estavam 
segregados, pudessem ser vividas e misturadas, destruindo a barreira existente entre o "alto" e 
o "baixo", transpondo, inclusive, a linha do religioso para o cômico. 
 Logo, nessa linha teórica, os homens que riem são aqueles que pertencem ao submundo. 
Mas, afinal de contas, por que se ri? 
Durante a pesquisa, encontramos diversas explicações do porquê de rirmos. Segundo 
Aristóteles, o homem é o único animal que ri e, numa análise médico-filosófica, ri por um 
motivo físico: o calor gerado na região do diafragma (RAMOS, 2011, p. 37). Cabral (2008, p. 
16) aponta que o homem é o único que ri de si mesmo e Bergson amplia a regra aristotélica 
definindo que o homem não é apenas o único animal que ri – inclusive de si mesmo – mas, 
também, é o único que produz o riso zombador. 
Para se rir é necessário que o falante articule a sua narrativa para que atinja o seu objetivo. 
Ri-se das falhas humanas e esse riso surge a partir das estranhezas inesperadas. O texto 
humorístico existe quando consegue surpreender o seu ouvinte. 
Eisner (2005, p. 106) diz que 
 
Estruturalmente, uma piada é a dramatização de uma "surpresa". Um resultado 
incongruente de um ato ou discurso, ela também pode estar na forma de 
diálogo ou ser apresentada como um incidente. É o imprevisto e o inesperado 
que despertam o prazer do alívio ou do divertimento que resulta na risada. 
 
 
 
27 
Para Muniz (2013, p. 47), "pode-se rir de diferentes maneiras, fazendo apelo a certos 
saberes culturais e sociais, reproduzindo/resistindo/instituindo determinados aspectos 
institucionais. Mas o fato é que todos riem, e sempre a partir de um procedimento linguístico e 
discursivo". 
 Cabral (2008) enumera alguns atributos inerentes aos textos de humor, como a ausência 
do medo ou piedade; o exagero; o inusitado; a metáfora e a superioridade. Todas essas 
características são encontradas na charge, assim como em outros gêneros humorísticos, porém, 
uma delas tem presença marcante no gênero: o exagero, representado pela caricatura. 
Se uma das maneiras de se buscar o humor está no rebaixamento dos defeitos do risível 
(daquilo que se ri), a caricatura é a representação gráfica exagerada destes defeitos ou, em uma 
visão menos intensa, das características marcantes do indivíduo ou de suas ações. 
Podemos posicionar a caricatura, na composição da cosmovisão carnavalesca 
bakhtiniana, como o que ele chamou de realismo grotesco. Segundo Ferreira (2013, p. 62), "o 
traço marcante desse realismo é o rebaixamento, a transferência de tudo o que é elevado para o 
plano material e corporal; imperfeição, incompletude e inacabamento". Minois conclui: 
No realismo grotesco, uma das imagens mais comuns é a do gigante por suas 
dimensões exageradas e grosseiras. Com isso, a natureza do grotesco busca 
mostrar a dualidade da vida e todo exagero era visto de maneira positiva, 
sendo o realismo grotesco uma percepção da origem de todas as realidades – 
incluindo-se as mais sublimes –, dos processos biológicos fundamentais 
(MINOIS, 2003, p. 158). 
É fato que as experiências imagéticas sempre estiveram associadas ao humor, seja, por 
exemplo, nas brincadeiras infantis de caretas, buscando atingir o riso, ou seja nas narrativas 
textuais que buscam montar a imagem grotesca e exagerada no detalhamento, por escrito, de 
características e ações. Assim, a caricatura seria essa objetivação do riso pelo grotesco 
representada graficamente. “A arte do caricaturista é captar esse movimento às vezes 
imperceptível e, ampliando-o, torná-lo visível para todos os olhos” (BERGSON, 2001, p. 18-
19). 
A essência da caricatura foi reiteradamente definida de modo convincente e 
correto. Toma-se um pormenor, um detalhe; esse detalhe é exagerado de modo 
a atrair para si uma atenção exclusiva enquanto todas as demais características 
de quem ou daquilo que é submetido à caricaturização a partir desse momento 
são canceladas e deixam de existir (PROPP, 1992, p. 88-89). 
Finalizando a nossa apresentação da charge, diferenciando-a dos quadrinhos, cartuns e 
definindo-a como gênero discursivo carregado de opinião e, em muitas vezes, de humor (uma 
 
 
28 
das ferramentas para tal é a caricatura), trazemos uma definição do chargista Chico Caruso 
apresentada por Ivan Cabral (2008, p. 86) que define o que dissemos: 
 
O cartum contemplaria o plano geral, aberto e com o foco no infinito. A charge 
aproxima esse olhar, situando-o em uma realidade determinada mais próxima 
e identificada com o contexto social do leitor. A caricatura realiza um close 
focado em um indivíduo dessa cena, retratando-o minuciosamente. 
 
Nessa seção, apresentamos parte da teoria da carnavalização, uma das mais importantes 
teorias definidas pelo Círculo de Bakhtin e fundamental para análise do humor e da comicidade, 
restringindo-a ao que interessava para definição do humor no gênero charge: o riso e o grotesco. 
Neste trabalho, não a utilizaremos por completo, pois o objetivo da pesquisa é analisar a 
responsividade dos enunciados chargísticos; na sequência, apresentaremos as teorias que 
servirão de base para essa análise. 
 
2.2 Muito além dos balões: as vozes responsivas da charge 
 
A charge, como vimos, é um gênero discursivo já consolidado. Possui características, 
forma e moldes que a caracterizam e a distinguem de outros gêneros. No entanto, um dos 
elementos mais fortes na construção de sua estrutura composicional é a carga crítica que vem 
ancorada em seu discurso. 
Esse gênero se destaca dos demais padrões de publicações porque é composto, quase 
sempre, de linguagem não verbal, o que proporciona facilidade de assimilação ao mesmo tempo 
que exige uma relação dialógica intensa entre falante e ouvinte. A construção da charge 
necessita de um alinhamento de repertórios para que seja compreendida e para que haja um 
diálogo. 
A fala, o enunciado ou, dentre outros sinônimos, o discurso é, de fato, qualquer 
manifestação do uso da língua, independentemente de tamanho ou organização sintática. Uma 
frase curta ou apenas uma palavra como a expressão "Pare!" já vem carregada de sentidos que 
precisam ser lidos por um ouvinte que, com o seu repertório, irá complementar o sentido do 
discurso do falante. Esse mesmo "pare" pode significar uma ordem de uma mãe para uma 
criança ou uma regra de trânsito grafada em uma placa octagonal vermelha do Código de 
Trânsito Brasileiro. Assim, de acordo com seu uso, o discurso exige um resgate de repertórios 
diferentes. 
Bakhtin (2010, p. 126) reitera isso apontando que 
 
 
29 
 
[...] de fato um mesmo objeto – igual do ponto de vista do conteúdo-sentido – 
considerado de diversos pontos de um mesmo espaço por pessoas diferentes 
ocupa posições diferentes e é diversamente dado no conjunto arquitetônico3 
concreto do campo visual destas pessoas que o observam. 
 
Assim, observa-se que o discurso é, por natureza, interativo. O senso comum tem a ideia 
de que o discurso é emitido por uma fonte para quem pouco importa o destinatário. Ao analisar 
o discurso falado, a melhor e mais natural representação, é natural que se associe a uma 
responsividade nata – quase sempre há um interlocutor a serviço do falante. Porém, ao pensar 
em outros tipos de gêneros discursivos que parecem ser vias de mão única (como cartas, e-
mails, telegramas ou outros textos escritos, por exemplo) é difícil enxergar a interatividade do 
discurso. 
Bakhtin (2016, p. 122) observa que "todo discurso pressupõe um ouvinte, um apelo a 
este", ou seja, o discurso, independentementede gênero (inclusive os que parecem desprezar a 
necessidade de um leitor ou aqueles em que o leitor seja passivo), pressupõe a presença de um 
outro alguém que o complementa. E conclui (2015a, p. 271): 
 
O ouvinte [...] ocupa simultaneamente em relação a ele uma ativa posição 
responsiva: concorda e discorda dele (total ou parcialmente), completa-o, 
aplica-o, prepara-se para usá-lo, etc.; essa posição responsiva do ouvinte se 
forma ao longo de todo o processo de audição e compreensão desde o seu 
início, às vezes literalmente a partir da primeira palavra do falante. 
 
Assim, o falante (nesse caso, o chargista), desde o início da produção do seu enunciado, 
procura direcionar a fala ao seu ouvinte, respeitando o repertório dele. Isso faz com que haja, 
desde o início, uma espera pela resposta de quem receberá o discurso. "Desde o início o falante 
aguarda a resposta deles, espera uma ativa compreensão responsiva. É como se todo o 
enunciado se construísse ao encontro dessa resposta" (BAKHTIN, 2015a, p. 301). 
Dessa maneira, o enunciado pertence tanto ao falante quanto ao ouvinte; é uma construção 
feita por duas partes, partes essas que são fundamentais para que ele exista como enunciado 
concreto. 
 
3 A arquitetônica que Bakhtin apresenta (1998, 2010) está relacionada a um conjunto de relações construídas em 
torno dos seres humanos em sociedade que orientam a sua percepção enunciativa/responsiva. 
 
 
30 
 
[...] a palavra é um ato bilateral. Ela é determinada tanto por aquele de quem 
ela procede quanto por aquele para quem se dirige. Enquanto palavra, ela é 
justamente o produto das inter-relações do falante com o ouvinte. Toda 
palavra serve de expressão ao “um" em relação ao "outro". Na palavra eu dou 
forma a mim mesmo do ponto de vista do outro e, por fim, da perspectiva da 
minha coletividade. A palavra é uma ponte que liga o eu ao outro. Ela apoia 
uma das extremidades em mim e a outra no interlocutor. A palavra é o 
território comum entre o falante e o interlocutor (VOLÓCHINOV, 2017, p. 
205, grifos do autor). 
 
Não há como criar um enunciado isolado, sem estar inserido em um contexto e sem estar 
direcionado a um ouvinte responsivo para compreendê-lo. O exemplo a seguir mostra como a 
responsividade é um elemento inerente ao processo interativo. 
 
 
Enunciado 14 – Tchau, querido! 
Fonte: Ivan Cabral. Disponível em: <http://www.ivancabral.com/2016/04/charge-do-dia-tchau-
querido.html>. Acesso em: 9 jul. 2017. 
 
O enunciado, produzido em 21 de abril de 2016, após votação do impeachment de Dilma 
Rousseff na Câmara dos Deputados, mostra dois momentos em que um personagem 
(representando um político opositor da presidente, posição identificada pelo discurso e pela cor 
azul do terno e amarela da gravata, tons do principal partido de oposição petista, o PSDB). No 
primeiro quadro, o personagem repete o que aconteceu na votação em que os deputados 
aproveitaram o momento como palanque e fizeram discursos antes do voto, muitas vezes não 
 
4 O enunciado ainda não faz parte, diretamente, da análise de dados desta pesquisa. Ele está presente pela 
necessidade de ilustrar como a responsividade dos enunciados chargísticos acontece na prática. 
 
 
31 
condizentes com suas práticas políticas, invocando palavras de ordem e ética; no segundo 
quadro, vemos o mesmo personagem concluindo a fala anterior com a expressão "Tchau, 
querida!"5, utilizada pela oposição como slogan do momento de encerramento do mandato de 
Dilma, só que dessa vez em uma viatura policial como preso. A expressão agora estava sendo 
utilizada como despedida de sua companheira. A charge estava associada à prisão, por 
corrupção, do prefeito de Montes Claros/MG, Ruy Muniz, dias após a votação do impeachment 
(BRESCIANI, 2016): sua esposa, a deputada federal Raquel Muniz, foi enfática com a saída de 
Dilma, votando pela cassação com a alegação de estar fazendo isso em nome da sua família e 
da gestão competente de seu marido na prefeitura da cidade mineira. 
Após publicar a charge em sua página pessoal no Facebook, um dos leitores de Ivan 
explicou a sua metodologia de leitura da charge. 
 
 
 
5 A expressão surgiu após ligação telefônica grampeada do ex-presidente Lula para a então presidente Dilma 
Rousseff e, no final, ele se despede dessa maneira. A oposição se aproveitou da fala para utilizá-la como despedida 
de Dilma do cargo. 
 
 
32 
 
Figura 1 – Respostas ao Enunciado 1. 
Fonte: Facebook 
 
Um leitor aponta uma característica da charge afirmando que Ivan havia repetido "o rosto 
do homem na imagem"; outro leitor explica o porquê; Ivan, ironicamente, elogia o primeiro 
leitor e o instiga a evoluir na análise; o leitor retorna e explica a metodologia que ele utiliza 
para analisar charges: "gosto de analisar a charge por inteiro, a fisionomia, as cores usadas, o 
tipo de letra, e qual a mensagem quer se transmitir [...]" (sic); surge outro leitor e aponta mais 
detalhes da charge. 
Como se observa, independentemente da leitura feita pelo receptor estar alinhada ou não 
com o objetivo enunciativo proposto pelo chargista, ela é, por natureza, responsiva. 
Isso mostra que a charge sempre busca o resgate de seu complemento na responsividade 
dos leitores. A voz do chargista atinge esse leitor que não apenas ouve. Mesmo que não externe, 
ele refrata essa voz que, sendo externalizada, volta ao enunciador, às vezes de forma pacífica e 
às vezes não. 
 
 
33 
2.2.1 Je suis Charlie? 
 
Sempre houve retaliações a charges e, consequentemente, aos seus autores. Inúmeros 
chargistas foram perseguidos durante a Ditadura Militar brasileira justamente pela característica 
agressiva dos enunciados produzidos nesse gênero, porém, nas últimas décadas, vimos um 
aumento dessas represálias. 
Em setembro de 2005, o jornal dinamarquês Jyllands Posten publicou charges retratando 
o profeta Maomé. Essas charges foram replicadas em diversos outros países europeus e 
causaram uma violenta reação do mundo árabe, inclusive fazendo com que a Arábia Saudita, a 
Líbia e o Kuwait encerrassem suas relações diplomáticas com a Dinamarca, mesmo após o 
pedido de desculpas oficial do seu governo (CABRAL, 2008, p. 13). 
Outro episódio, ainda mais marcante, aconteceu na França, o "berço da democracia". Em 
7 de janeiro de 2015, o jornal Charlie Hebdo foi alvo de um ataque terrorista motivado, 
novamente, por charges caracterizando o profeta Maomé. 
O jornal, conhecido pelas polêmicas envolvendo política, economia, sociedade e religião, 
já havia sido alvo de outro ataque em 2011 com uma bomba incendiária, causado, também, pela 
crítica à religião islâmica. 
Na ação de 2015, em um tempo de cinco minutos, os terroristas mataram 12 pessoas e 
feriram uma. Dentre os mortos estavam cinco cartunistas (G1, 2015). 
Em todo o mundo, houve reação de apoio ao jornal com a hashtag #JeSuisCharlie (em 
tradução direta para o português: "Eu sou Charlie", porém, ficou sendo utilizada em nossa 
língua como “Somos todos Charlie”), assim como levantou-se o debate sobre até onde há 
liberdade crítica e se os chargistas e cartunistas do periódico "passaram dos limites". 
A "ira", apresentada nas forças do discurso responsivo das charges, também se apresenta 
em publicações de Ivan. No dia 21 de março de 2016, em meio a polêmicas postagens sobre o 
cenário político brasileiro, o chargista recebe, em sua conta do Twitter, uma ameaça de morte. 
 
 
 
34 
 
Figura 2 – Ameaça de morte a Ivan Cabral. 
Fonte: Twitter 
 
As ameaças foram postadas por um perfil criado, provavelmente, apenas para isso, pois, 
logo após as publicações, foi excluído. O nome do perfil (desfocado na figura) menosprezava 
a população do Rio Grande do Norte e, como se vê, as mensagens atacavam diretamente o 
chargista por conta de seu posicionamento político.Enquanto nas mesmas redes sociais víamos inúmeras manifestações de apoio aos 
chargistas europeus vitimados pela falta de liberdade de expressão, também encontramos 
posicionamentos de cobrança e ameaçadores, além de inúmeros processos enfrentados por 
chargistas mundo afora devido ao desagrado provocado pela crítica das charges. Assim, sem 
essa liberdade de o chargista se posicionar livremente, é possível mesmo dizer que "somos 
todos Charlie"? 
É fato que as charges, assim como qualquer outro enunciado, são responsivas (sejam elas 
positivas ou não). Vemos que, nesse gênero, a "refração responsiva" é acentuada ainda mais 
por sua característica acidez crítica. 
 
 
 
35 
2.3 A charge no contexto político: posicionamentos 
 
Por mais que os periódicos ou sites de internet estejam povoados de charges dos mais 
variados temas, a política ainda é tratada no gênero como principal assunto. Um leitor menos 
atento às publicações chargísticas pode até dissociar outras charges que não sejam da temática 
política como um gênero discursivo distinto, como se a charge, obrigatoriamente, tivesse que 
estar pautada nos acontecimentos políticos. Isso acontece pelo fato de a sua origem ser 
justamente este assunto, que foi se diversificando com o passar do tempo. 
A gênese da charge brasileira também foi política. Segundo o jornalista Gutemberg Cruz 
Andrade (2011), a primeira charge brasileira foi publicada no Jornal do Commercio do Rio de 
Janeiro (Edição 277) em dezembro de 1837 e teve autoria atribuída a Manoel de Araújo Porto 
Alegre. A charge satirizava Justiniano José da Rocha, político da época, em uma crítica às 
propinas recebidas por um funcionário do governo relativas ao correio oficial. Observa-se, 
assim, que o tema político sempre teve estreita relação com o gênero chargístico. 
 
 
Figura 3 – Primeira charge publicada no Brasil. 
Fonte: Jornal do Commercio do Rio De Janeiro/Manoel de Araújo Porto Alegre. Disponível em: 
<http://blogdogutemberg.blogspot.com.br/2011/07/primeira-charge-brasileira.html>. Acesso em: 4 
abr. 2017. 
 
 
 
36 
Muitos chargistas surgiram em meio à produção crítica à política, assim como muitos 
folhetins também apareceram sob os holofotes dessa mesma temática. No Brasil, O Pasquim 
foi um grande exemplo das publicações nascidas para o debate político, principalmente por ter 
aparecido em uma época difícil para os meios de comunicação: a Ditadura Militar brasileira. 
Editado entre 26 de junho de 1969 e 11 de novembro de 1991, O Pasquim trouxe grandes 
nomes da charge nacional como Henfil, Millôr, Jaguar e Ziraldo, além de muitos outros, como 
confirma Ivan Cabral (2008, p. 75): 
 
Um dos fronts de resistência era ocupado por corajosos chargistas como 
Claudius, Fortuna, Ziraldo e Jaguar. O título de corajosos é merecido se 
lembrarmos que a tortura, e muitas vezes a morte, era um dos instrumentos 
mais usados nos chamados “porões da ditadura”. O jornal PIF-PAF, de Millôr 
Fernandes, foi a primeira publicação a reagir ao regime; foi lançado no Rio de 
Janeiro, há apenas cinqüenta dias após o golpe. Entretanto, a publicação que 
se tornou emblemática na resistência à ditadura foi O Pasquim, jornal de 
humor dirigido por Tarso de Castro e lançado quatro anos após o golpe militar, 
que surgiu em substituição ao Carapuça, de Stanislaw Ponte Preta, 
pseudônimo do escritor Sérgio Porto. O jornal funcionou como um quartel 
general da brigada humorística, agregando nomes como Millôr Fernandes, 
Fortuna, Claudius, Jaguar, Henfil e Ziraldo, verdadeiros patronos do humor 
do final do século e principais influências na geração seguinte. Eles usaram a 
charge, na melhor concepção do termo francês, como um poderoso canhão 
arremessando as mais mordazes críticas contra o governo militar e 
denunciando com habilidade e constância os resultados e, principalmente, as 
causas dos malefícios sociais do regime instalado. Seus dirigentes e artistas 
foram presos diversas vezes, mas o jornal conseguiu resistir até o início da 
flexibilização do regime. 
 
A política nunca foi um assunto resolvido, isto é, ele jamais foi esgotado plenamente. 
Sempre haverá o grupo eleito, que está no poder, e sempre haverá a oposição. De qualquer 
forma, independente do posicionamento do chargista, haverá um outro a ser buscado, haverá 
alguém para compreender o enunciado e resolvê-lo. Talvez por ter essa plateia sempre a postos 
que a temática seja a preferida tanto pelos chargistas quanto pelos leitores. 
Ao trabalhar a charge política, o chargista utiliza muitos elementos estratégicos para 
conseguir uma responsividade, e um deles é a associação de fatos do cotidiano com o seu 
enunciado por meio de recursos gráficos. 
Não dá para trabalhar com os personagens de forma genérica, criar falsos nomes ou 
representações gráficas neutras na charge política, uma vez que os políticos têm cara e nome. 
Os eleitores podem até ser concebidos com traços simples e genéricos: um homem ilustrado 
com um capacete e um macacão é normalmente utilizado para representar a classe trabalhadora, 
por exemplo. Eisner (2005, p. 21) explica que esse recurso estereotipado é definido como uma 
ideia ou um personagem que é padronizado numa forma convencional, sem individualidade, 
 
 
37 
sendo desenhado a partir de características físicas comumente aceitas e associadas a uma 
ocupação, e conclui: 
 
A arte de criar uma imagem estereotipada com o objetivo de contar uma 
história requer uma familiaridade com o público e a percepção de que cada 
sociedade tem um conjunto de estereótipos próprios que ela aceita (EISNER, 
2005, p. 23). 
 
Assim, um político comum pode até ser representado pelo uso do terno e de uma pasta, 
mas a técnica da caricatura é fundamental para a representação dos personagens, ancorando-os 
com a realidade. Dessa forma, o chargista busca o repertório do outro associando o real à 
construção do seu produto. 
O político graficamente representado nas charges chega a ter uma assimilação mais fácil 
com o leitor até do que o seu próprio nome. Esse uso de imagem é inerente ao cargo e vem a 
partir da associação natural deles com suas respectivas imagens. A imagem do personagem 
político já é marcada em sua origem, desde as peças publicitárias que estampam rostos nas 
campanhas (os famosos "santinhos") até as atitudes de alguns candidatos. Fernando Collor de 
Mello (presidente do Brasil entre 1990 e 1992) era então conhecido como "O Caçador de 
Marajás", assim, já subsidiava os chargistas com um estereótipo para caricaturá-lo e representá-
lo, buscando a responsividade do leitor. Outros presidentes ajudavam ainda mais por suas 
características físicas: o topete de Itamar Franco, a grande boca de Fernando Henrique Cardoso, 
a barba e a baixa estatura de Lula e os grandes dentes de Dilma Rousseff eram bem 
representados (e evidenciados) nas caricaturas das charges políticas. Até o ex-presidente José 
Sarney (2010), em sua coluna no jornal Folha de São Paulo, disse que, ao encontrar o cartunista 
Chico Caruso, falou: "Eu ajudo muito os chargistas". Foi indagado: "Em quê?". "Com o meu 
bigode, que facilita o trabalho de vocês", respondeu. 
A charge sempre manteve um estreito laço com a política e a sua intensidade (seja 
produtiva ou discursiva) é diretamente proporcional à situação política do ambiente onde ela 
vive e é criada – a época política turbulenta que o Brasil passava durante o período desta 
pesquisa também intensificou a produção chargística no país e, obviamente, as charges de Ivan 
Cabral. 
 
 
 
38 
2.4 Brasil, mostra a tua cara: o contexto político do país e o corpus pesquisado 
 
É fato conhecido que o Brasil nunca teve uma estabilidade política, uma situação em que 
a maior parte da população estivesse satisfeita com o sistema de governo ou com o grupo 
político que estivesse no poder. 
Porém, desde o Golpe Militar de 1964, o movimento Diretas Já, entre 1983 e 1984 e os 
Cara-pintadas de 1992 não se via umenvolvimento político de grande repercussão em território 
nacional. A partir de junho de 2013, após um aumento de passagem de ônibus, diversos grupos 
em várias cidades do país começaram uma onda de protestos intitulada "Não são só 20 
centavos" (MORI, 2013, extraído da internet), referindo-se ao aumento da passagem de ônibus 
em R$ 0,20, além de um conjunto de fatos que estava acontecendo no Brasil. A movimentação 
ganhou força e, pouco tempo depois, passou a usar a frase de efeito "O gigante acordou" como 
lema. A manifestação tomou todo o país e deixou de se tratar de protestos locais sobre a 
qualidade de vida brasileira, passando a mirar o governo federal, na época gerido por Dilma 
Rousseff, eleita pelo Partido dos Trabalhadores em 2010. 
As manifestações passaram de um tom pacífico de protesto para depredação e 
vandalismo, promovidos por um grupo "neoanarquista" que se intitulava de Black Blocs, e 
começaram a ganhar visibilidade os primeiros movimentos de identificação acirrada entre os 
que apoiavam a esquerda e os opositores de direita. 
A esquerda assumiu o poder no Brasil após a eleição de 2002 do presidente Luiz Inácio 
Lula da Silva, ou apenas Lula, como é mais conhecido. A eleição de Lula trouxe esperança para 
a população brasileira que estava descontente com o modo de gestão da direita, até então 
dominante nos processos eleitorais. Lula foi reeleito em 2006 e, em 2010, Dilma Rousseff 
conquistou o posto de presidente do país, sendo reeleita em 2014. No pleito da reeleição de 
Dilma, o país começou a se mostrar mais receoso e dividido entre uma gestão de esquerda ou 
de direita, divisão causada, principalmente, pelos muitos casos de corrupção envolvendo o 
Partido dos Trabalhadores que vinham acontecendo desde a gestão de Lula. 
Os casos de corrupção envolvendo o PT vieram à tona com a divulgação massificante na 
mídia da Operação Lava Jato (G1, 2017), deflagrada pela Polícia Federal em 17 de março de 
2014 e que, até a conclusão desta pesquisa, estava em curso, na 41ª fase e sem data para ter um 
fim. 
Em 2012, a disputa encerrou no segundo turno, com 51,64% de votos para Dilma 
Rousseff, do PT, representando a esquerda, e 48,36% para Aécio Neves, candidato do PSDB, 
partido de direita (UOL, 2014). 
 
 
39 
Logo após o pleito, o país acirrou a divisão político-ideológica, e quem estava descontente 
com a gestão de Dilma assumiu a postura de oposição, criticando o governo e protestando pela 
sua saída; quem apoiava também ia para as ruas em defesa do mandato. 
O embate político não ficou restrito à população, chegando, também, a ser a pauta 
principal da política brasileira, que apontava outros casos de corrupção e tentava criar uma 
fragilidade no governo eleito. Vários pedidos de impeachment foram encaminhados à Câmara 
dos Deputados e, o então Deputado Federal pelo PMDB (partido do vice-presidente Michel 
Temer) e líder da Câmara, Eduardo Cunha, aceitou, em 2 de dezembro de 2015, a denúncia de 
crime de responsabilidade proferida por Hélio Bicudo (Procurador de Justiça aposentado) e 
pelos advogados Miguel Reale Júnior e Janaína Paschoal para cessar a presidência de Dilma 
Rousseff. Cunha já aparecia publicamente nos noticiários mantendo uma postura firme e clara 
de suas intenções de derrubar o mandato da ex-presidente, utilizando, inclusive, inúmeras 
estratégias consideradas antiéticas a fim de conseguir realizar o seu objetivo. Mesmo assim, 
parte da população apoiava veementemente o deputado, estampando em redes sociais e em 
cartazes nos protestos a frase "Somos todos Cunha". 
No dia 7 de dezembro, Michel Temer, que até o momento não havia se manifestado sobre 
a possibilidade de impeachment, nem havia comentado nada sobre o acolhimento da denúncia 
por Eduardo Cunha, publicou uma carta aberta à presidente Dilma Rousseff. A carta, escrita em 
tom pessoal e reforçada com a expressão "Esta é uma carta pessoal. É um desabafo que já 
deveria ter feito há muito tempo", posiciona Temer agora como outro opositor, o que 
enfraquecia, ainda mais, a possibilidade de Dilma continuar no poder. 
O processo de impeachment aconteceu entre 2 de dezembro de 2015 e 12 de maio de 
2016. Após ter o mandato cassado, Dilma Rousseff saiu de cena como presidente e Michel 
Temer assumiu o cargo. 
Após a mudança de gestão, os protestos continuaram. Pela direita, de forma mais branda, 
e mais intenso pela esquerda. Os opositores de Dilma, Lula, PT e da esquerda como um todo 
apoiaram o processo e criticavam o atual governo discretamente, mesmo se tratando do vice-
presidente eleito junto a Dilma; os apoiadores esquerdistas chamavam o processo de golpe e 
pediam eleições diretas. Além das críticas de ambos os lados, havia uma outra demonstração 
ideológica: os manifestantes de direita vestiam-se com as cores verde e amarelo (muitas vezes 
carregadas nas camisas da seleção brasileira de futebol) e os de esquerda estampavam a 
tradicional cor vermelha em suas vestes. 
Uma análise sobre os acontecimentos políticos mostra que há muito tempo não se via a 
população brasileira tão dividida politicamente e nem se mantinha uma postura tão ativa acerca 
 
 
40 
dos acontecimentos políticos do país. Essa dicotomia gerou dois grupos bem distintos e até a 
mídia se posicionava contrária ou favorável aos grupos políticos e suas respectivas ideologias. 
Assim, era comum ver posicionamentos firmes nas ruas, nas redes sociais, na mídia e, claro, 
nas charges. 
 
2.4 O chargista Ivan Cabral 
 
Ivam Cabral da Silva nasceu em Areia Branca, município do Litoral Norte do Rio Grande 
do Norte, em 16 de julho de 1963. Cristão evangélico, marido, pai de dois filhos e servidor 
público: essas são algumas das muitas funções que ele exerce em sua rotina. Mas há um outro 
Ivam, o chargista politizado, ético, experiente e talentoso, mais conhecido como Ivan Cabral, 
grafado com "n" no fim do primeiro nome em seu discreto "pseudônimo". 
Ivan surgiu como chargista naturalmente e começou os trabalhos sem um vínculo oficial, 
publicando, inicialmente, na revista Maturi6 no início da década de 1980. Por mais que não 
fosse um veículo comercial – tratava-se de uma publicação livre e distribuída gratuitamente – 
o desenho já alcançava leitores e estava alinhado ao discurso chargístico, abordando ecologia e 
criticando o descaso com o meio ambiente, ou seja, estava associado a um problema do 
cotidiano e trazia a opinião do chargista. 
 
 
6 A Revista Maturi é publicada no Rio Grande do Norte sem periodicidade estabelecida. Foi criada por Aucides 
Sales e Enoch Domingos e começou a ser publicada pelo GRUPEHQ (Grupo de Pesquisa de História em 
Quadrinho) em 1976. Ivan Cabral começou a ilustrar para a revista em 1984 (MEDEIROS, 2015, p. 39-44). 
 
 
 
41 
 
Figura 4 – Primeira charge publicada de Ivan Cabral. 
Fonte: Acervo de Ivan Cabral. 
 
 
O início de Ivan Cabral como chargista profissional foi em 1981, publicando 
esporadicamente no jornal Dois Pontos. Em 1983, Ivan publicou no Diário de Natal (Diários 
Associados) como substituto do chargista Edmar Viana, que estava sob licença, e após a sua 
volta começou a colaborar com algumas charges esporádicas. Entre 1987 e 1988 assumiu, 
embora que provisoriamente, o cargo de chargista na Tribuna do Norte durante as férias de 
Cláudio Oliveira. Ainda em 1988, Ivan alcançou o cargo de chargista oficial do jornal Diário 
de Natal, onde ficou até o final de 2009, quando foi demitido após uma reestruturação do 
veículo, que passava por dificuldades financeiras (o jornal deixou de circular em versão 
impressa em 2012)7. No início de 2010, Ivan começou a produzir charges para o Novo Jornal. 
 
 
7 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE IMPRENSA. Diário de Natal: fim da versão impressa. 2012. Disponível 
em: <http://www.abi.org.br/diario-de-natal-fim-da-versao-impressa/>. Acesso em: 4 jul. 2017.42 
 
Figura 5 – Charge de 1983, Ivan Cabral substituindo Edmar Viana no Diário de Natal. 
Fonte: Acervo de Ivan Cabral. 
 
 
Figura 6 – Charge de 1988, durante férias de Cláudio Oliveira, na Tribuna do Norte. 
Fonte: Acervo de Ivan Cabral. 
 
 
 
43 
 
Figura 7 – Charge de 1988, quando assume o cargo oficialmente no Diário de Natal. 
Fonte: Acervo de Ivan Cabral. 
 
Além de charges, Ivan também produz cartuns, materiais publicitários e animações, assim 
como materiais didáticos para várias editoras do país. 
O chargista já foi premiado em diversos salões de humor no Brasil, dentre os quais o 
Unacon/DF, em 1997, obtendo o 1º lugar; Volta Redonda/RJ, também em 1997, e mais uma 
vez em primeiro lugar; Volta Redonda/RJ, 1998, repetindo a primeira colocação, e Natal/RN, 
1999, com o 2º lugar. Possui, ainda, diversas menções honrosas em outros eventos de humor. 
Ivan é Mestre em Educação pela UFRN, com uma pesquisa sobre a relação entre o humor 
gráfico e a formação do leitor, e tem três livros publicados: "Já era Collor" (1991), em parceria 
com Cláudio Oliveira, Edmar Viana e Emanoel Amaral; "Humor Diário" (2005) e "Humor 
Sustentável" (2016). 
A maior parte das publicações de Ivan tem como pauta os acontecimentos políticos, 
principalmente por ser uma característica muito forte das charges publicadas em jornais e 
também pela situação política conflitante em que o Brasil sempre viveu. 
Em seu primeiro livro, Humor Diário, Ivan agradeceu aos políticos brasileiros que, com 
os seus modos de trabalhar, proporcionam "abundante matéria-prima para o humor". Conclui: 
 
 
44 
"Que outro país de língua portuguesa teria um dos envolvidos nos escândalos chamado Jacinto 
Lamas?8" (CABRAL, 2005, p. 4). Os números mostram que Ivan possui um grande acervo de 
enunciados chargísticos e experiência composicional, conquistados ao longo dos anos 
produzindo esses discursos, fornecendo muito material para ser pesquisado. 
As charges produzidas por Ivan, que eram publicadas exclusivamente nos jornais por 
onde ele passou, hoje são veiculadas, principalmente, em sua página pessoal no Facebook e em 
seu blog intitulado "Sorriso Pensante", além de replicada em outros sites de abrangência 
nacional. Em uma visita a algumas de suas postagens, observa-se que, politicamente, ele se 
alinha à esquerda, mas não mostra ser partidário claramente. Pelo fato de o Partido dos 
Trabalhadores ser atualmente o grupo político de esquerda com maior força e Ivan notadamente 
elaborar as suas charges criticando a direita, o chargista constantemente é rotulado como petista. 
Por mais que na construção da charge haja espaço para que o chargista exponha a sua 
ideologia, Ivan Cabral também é um profissional da comunicação que defende a imparcialidade 
em seu código de ética e precisava justificar-se perante as críticas ao seu posicionamento. 
Em 4 de abril de 2016, Ivan fez uma postagem em seu blog na qual dava uma satisfação 
aos seus leitores sobre o seu posicionamento político. Intitulada "Eu, Petista?", a publicação 
visava justificar a intenção discursiva do autor. 
Logo no início da postagem, após o título "Eu, petista?", vem uma frase enfatizando a 
dúvida: em letras maiúsculas, o autor destaca em negrito a palavra "PETISTA?!", finalizando-
a com um ponto de exclamação, como se estivesse surpreso com a associação ao partido. 
Ivan explica que, para os opositores do PT, qualquer pessoa que não se posicione 
contrário ao partido ou que questione o processo de impeachment automaticamente está 
associado a ele: 
Diante desse quadro, qualquer posicionamento que não seja alinhado com a 
expulsão do PT do cenário político é tido como prova cabal que você é um 
petista e, por decorrência, a favor da corrupção. E mesmo que você tenha 
severas críticas ao PT, se ousar defender a continuidade do mandato legítimo, 
mesmo que pífio, da presidente Dilma, suas críticas são sumariamente 
desconsideradas ou tratadas como prova de incoerência (CABRAL, 2016, 
extraído da página). 
O chargista explica que a inserção do seu posicionamento durante o processo criativo é 
voltada ao questionamento da legitimidade do processo de impeachment e passa a tratá-lo como 
 
8 Jacinto Lamas foi tesoureiro do Partido Liberal (PL), hoje Partido da República (PR), condenado no processo do 
Mensalão. 
 
 
45 
golpe, retomando que ser contra o impedimento da presidente não significa ser conivente com 
as atitudes do Partido dos Trabalhadores. 
 
Utilizando a linguagem híbrida das charges, tenho denunciado a ilegitimidade 
do pedido de impeachment. Ninguém discorda que o instrumento do 
impeachment é constitucional, mas sua aplicação precisa ser conduzida 
mediante as condições constantes na legislação. Diversos juristas têm repetido 
que essas condições não estão presentes no atual processo de impeachment da 
presidente Dilma. É por essa razão que se afirma que esse processo constitui-
se em um golpe devido à ausência de um crime que o justifique. 
 
Ser contra o impeachment, pelo menos com o que se tem apurado até agora 
na Operação Lava-jato, não significa aprovação plena dos governos petistas 
(CABRAL, 2016, extraído da internet, grifos nossos). 
 
Na continuação do texto, Ivan aponta a crítica para a mídia e a culpa como uma das 
principais responsáveis pelo apoio da população ao impeachment. 
 
A explicação mais plausível é que isso é fruto de uma doutrinação midiática, 
constante e intensa. Em um país cuja população não tem uma prática de leitura 
crítica e reflexiva, que se contenta em ler manchetes e se acostumou a adotar 
como verdade as enfáticas – embora parciais – denúncias dos telejornais [...] 
Como critico a própria imprensa, desmentindo suas acusações ao governo, 
logo sou tratado como um advogado de defesa do PT. [...] A estratégia da 
grande mídia repete o modus operandi do golpe político, civil, militar e 
midiático de 1964 (CABRAL, 2016, extraído da internet, grifos nossos). 
 
Ivan procura justificar a sua imparcialidade em relação ao partidarismo utilizando 18 
charges (dentre outras) que fez criticando o PT. Nos exemplos, ele traz enunciados que 
questionam as alianças, a gestão e a corrupção no partido, ou seja, mostra que também 
reconhece os erros petistas (e da esquerda, obviamente), mostrando-se coerente com o seu 
posicionamento, conforme exemplo a seguir: 
 
 
 
46 
 
Figura 8 – Estrela decadente. 
Fonte: Ivan Cabral. Disponível em: <http://www.ivancabral.com/2016/04/eu-petista.htmll>. Acesso 
em 4 jul. 2017. 
 
Ivan conclui a postagem com uma clara definição sobre o seu posicionamento: 
 
Por fim, não se trata de defender o PT, ou um governante, mas as regras do 
jogo democrático. Não subscrevo a frase, por mais que muitos a adotem, 
"Mexeu com Lula/Dilma, mexeu comigo". Não é por aí. Não se trata de 
fulanizar a defesa. Defendo a democracia, o direito, a legitimidade do governo 
eleito, que por acaso é exercido pela Dilma (CABRAL, 2016, extraído da 
internet, grifos nossos). 
 
Com essa postagem, Ivan quis mostrar que não estava alinhado ideologicamente ao 
Partido dos Trabalhadores, estava posicionado como um defensor da democracia, ao mesmo 
tempo em que justificava que o seu posicionamento de esquerda e que ele estava inserido dentro 
dos seus enunciados chargísticos. 
 
2.4.1 Uma página rasgada 
 
Após concluído o processo de impeachment, em 12 de maio de 2016, e Michel Temer ter 
assumido o cargo de presidente do Brasil no dia 13, Ivan assumiu uma postura ainda mais crítica 
e ácida ao novo governo, posicionando-se como oposicionista mais abertamente. 
Gradativamente, as postagens criticando a atual gestão federal foram se intensificando e 
tendo como grande palco o Facebook. As charges, que, na sua maioria, eram produzidas no 
 
 
47 
jornal e replicadas na página eletrônica, agora também eram criadas exclusivamente para a rede 
social, deixando o conteúdo mais ácido para tal veículo.As críticas intensas estavam voltadas a Michel Temer, o novo presidente do Brasil, ao seu 
partido, o PMDB, e à perseguição a Lula, Dilma e ao PT. O chargista continuou produzindo no 
jornal impresso e, lá, também inseria a sua crítica nas charges, porém, quando desejava ser mais 
incisivo, elaborava postagens exclusivas para as redes sociais. 
No dia 15 de setembro de 2016, Ivan foi demitido do Novo Jornal e, após dois dias de 
silêncio, fez uma postagem revelando a sua demissão com um desabafo: 
 
 
Figura 9 – Nova fase. 
Fonte: Ivan Cabral. Disponível em: <http://www.facebook.com>. Acesso em: 16 mar. 2017. 
 
 
48 
Nova fase 
Fui dispensado da colaboração com o Novo jornal. A tal crise já vinha 
atingindo as finanças do jornal e na hora de cortar corta-se o que se considera 
ser o mais cortável com menores consequências ou distúrbios. Sem 
problemas. Estava planejando e confidenciando para os íntimos minha decisão 
de parar em Janeiro de 2017. A antecipação não traz complicações mais sérias 
fora um rearranjo administrativo e financeiro fácil de implementar. 
Sempre gostei de produzir charges, mesmo quando não sabia fazê-las. Graças 
ao socorro de grandes artistas e irmãos do traço consegui engatinhar até dar 
os primeiros passos e, entre um tombo e outro, andar sem auxílio direto desses 
mestres. Entre esses cito o saudoso Edmar Viana e Cláudio Oliveira. Outras 
referências da terrinha – Emanoel Amaral, Aucides Sales e o também saudoso 
Evaldo – me influenciaram bastante. Por mais de 30 anos – 33 para ser mais 
exato – venho produzindo charges na imprensa potiguar; de forma 
ininterrupta, desde 1988. Essa atividade sempre teve para mim um caráter 
contínuo e prazeroso, mas confesso que nos últimos 5 anos a obrigação de ter 
que produzir foi me incomodando. E não podia ser diferente para quem 
trabalha com um jornal diário. Minha intenção era sair do jornalismo impresso 
e ficar publicando charges no lotezinho que adquiri nos latifúndios da internet. 
Nesse projeto "meu blog minha vida" publicaria quando estivesse com 
vontade, sem ouvir o tique-taque do cronômetro e sem me preocupar com 
editorias e editores. Quem sabe a produtividade até aumente, né? Sempre falei 
em palestras que a charge é sintética e o chargista não consegue retratar em 
uma única charge todos os ângulos do tema que aborda. Meus planos 
profissionais agora incluem, além de manter o blog Sorriso Pensante, publicar 
livros, ministrar palestras e oficinas, escrever, desentocar projetos 
engavetados, investir mais na produção de cartuns, quadrinhos e desenhar, 
desenhar e desenhar. 
Pronto! Esse episódio estragou a surpresa, embora eu mesmo não tenha me 
surpreendido. Também não me senti magoado. Foi assim no finado Diário de 
Natal, onde melei de tinta suas páginas durante 21 anos. 
Vou inclusive evitar trabalhar em jornais impressos já que por onde passo 
deixo um rastro de falências! Vai ser pincel frio assim nos Estados Unidos do 
Brasil... não é, Serra?" 
 
A justificativa para a demissão dada por Ivan Cabral no desabafo citado acima não liga, 
necessariamente, o fato ao conteúdo e ao teor crítico de suas charges. Desde que Ivan deixou o 
jornal, o seu cargo não foi ocupado por outro chargista, o que talvez deixe claro que não se 
tratou de uma represália devido ao seu posicionamento. Independentemente do motivo de 
demissão, esse fato é um marco que finaliza, até então, o Ivan Cabral como chargista de um 
jornal impresso, uma vez que, como ele explica no texto, os planos já eram de se aposentar. 
Após não estar mais ligado ao jornal, Ivan continuou com a sua produção, sem se 
preocupar com prazos de entrega e, muito menos, com posições editoriais. Assim, as críticas se 
tornaram diretas e mais intensas. 
 
 
49 
 
 
3 GEOMETRIA À PARTE: UM CÍRCULO DIALÓGICO COMO BASE TEÓRICA 
 
Nesta pesquisa, trabalharemos com as concepções do pensador russo Mikhail Bakhtin e 
de divulgadores/colaboradores de suas teorias. 
Segundo Bezerra (2016, p. 251), Mikhail Mikhailovich Bakhtin nasceu na Rússia em 
1895 e foi professor de História, Sociologia e Língua Russa. Durante a Guerra Civil, liderou 
um grupo de intelectuais do qual participavam Valentin Volóchinov, Pável Medviédv, Matvei 
Kagan, Maria Iúdina, Lev Pumpianski e Ivan Solertinski, dentre outros (GRILLO; AMÉRICO, 
2017, p. 369). 
Esse grupo, liderado por Bakhtin, ficou conhecido como "O Círculo de Bakhtin". Casado 
Alves (2016, p. 163), citando Ponzio (2011), explica que o Círculo não era uma escola (no 
sentido acadêmico), tampouco Bakhtin era um líder ou um mestre, tratando-se de um grupo que 
produzia "em clima de colaboração e amizade pesquisas comuns a partir de interesses e 
competências diferentes". O nome "círculo" possivelmente provém dessa característica de 
produção nivelada e em grupo, sem divisão hierárquica ou verticalizada, e é intitulado com o 
nome de Bakhtin pela quantidade maior de produções desse pensador. 
 
 
50 
Faraco (2009, p. 75) relembra que 
 
Bakhtin viveu boa parte de sua vida adulta sob um regime totalitário, tendo 
sido, inclusive, vítima de perseguição política, o que resultou em prisão, num 
exílio de seis anos no Cazaquistão e num ostracismo de trinta anos em cidades 
provincianas, já que, como antigo prisioneiro político, era alcançado pela 
proibição do regime stalinista de fixar residência e trabalhar em grandes 
centros urbanos. 
 
Os textos de Bakhtin (e do Círculo) foram esquecidos por quase três décadas enquanto o 
teórico estava sob punição, e só vieram a ser redescobertos em 1960 por três estudantes de 
Moscou (Vadim Kójinov, Serguei Botcharov e Gueórgui Gátchev), que os trouxeram à luz do 
conhecimento público (GRILLO; AMÉRICO, 2013, p. 117), adquirindo o direito de reproduzi-
los e dar continuidade à disseminação do conhecimento elaborado pelo Círculo. 
Essa descoberta de Bakhtin aconteceu tardiamente para os padrões dos estudos da 
linguagem que existem há décadas. Bakhtin foi recolocado nos holofotes do conhecimento 
linguístico por volta de 1960, quando a sua obra sobre Dostoiévski foi revista e republicada sob 
o título “Problemas da poética de Dostoiévski” (1963) e seguida da publicação “A cultura 
popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de François Rabelais” (1965), além de 
uma coletânea de ensaios: “Questões de literatura e estética” (GRILLO; AMÉRICO, 2013, p. 
117). 
Muitos cursos de Linguística Aplicada vêm formando linhas de pesquisa alinhadas à 
análise dialógica do discurso e também utilizando as concepções do Círculo de Bakhtin. É 
necessário, além de enriquecedor, ter um embasamento teórico de outros autores e de outras 
linhas de pesquisa, mas, em geral, as concepções bakhtinianas orientarão toda esta análise. 
As concepções do Círculo que compõem esta pesquisa são, essencialmente, as relações 
dialógicas – nas quais se inserem as questões de alteridade e de contrapalavra, além da 
conceituação de vozes sociais – e o uso da palavra do outro e a sua importância na construção 
do repertório do autor/falante, considerando, para tanto, a visão de heterodiscursividade, no 
que diz respeito ao gerenciamento e ao processo construtivo das vozes sociais e as forças que 
as constituem, assim como a forma em que elas se apresentam no discurso. 
A carnavalização, como já dissemos, foi trabalhada em pontos específicos (o riso e o 
grotesco) apenas para a definição do gênero charge. Essa concepção não se encontra no corpo 
deste capítulo por não ser necessária, diretamente, para o objetivo de análise desta pesquisa. 
 
 
 
 
51 
3.1 As relações dialógicas bakhtinianas 
 
Ao falar de concepções bakhtinianas, pode até parecer redundante retomarmos a 
dialogicidade, já que ela está interligada a tudo o que o pensador falava, uma vez que as relações 
dialógicas são a base de todo o pensamento linguístico/discursivo proposto pelo Círculo. 
Essa característica de pensar em dialogicidade em qualquer produção discursiva vem dabase de pensamento do Círculo de observar a linguagem na interação, nos usos por indivíduos 
organizados socialmente, como explica Bakhtin (2015b, p. 40, grifo do autor): "Não tomamos 
a língua como um sistema de categorias gramaticais abstratas; tomamos a língua 
ideologicamente preenchida". 
Faraco explica que: 
Para caracterizar, então, aquilo que é uma das pedras angulares das teorizações 
do Círculo, isto é, a dinâmica inerente ao universo da criação ideológica, o 
jogo de forças que torna esse universo vivo e móvel, o Círculo de Bakhtin 
adotou a metáfora do diálogo (FARACO, 2009, p. 58, grifos nossos). 
Antes de continuar, é interessante apontar que o diálogo tratado pelo Círculo vai além da 
noção geral de diálogo que se tem presente em narrativas escritas, que representam as falas de 
personagens, e tampouco tem a conotação de diálogo como "solução de conflitos". Pelo 
contrário: o diálogo bakhtiniano pode resultar tanto na convergência, no acordo, na adesão, 
quanto na divergência, no desacordo e no embate (FARACO, 2009, p. 68). 
A corrente teórica não trabalha com o diálogo como componente narrativo, mas sim se 
preocupa com as interações que acontecem nele, que é o que Bakhtin aponta em um manuscrito 
inacabado intitulado “O problema do texto”, em que caracteriza as relações dialógicas como 
relações de sentido que se estabelecem entre enunciados (BAKHTIN, 2015a apud FARACO, 
2009, p. 65). 
A linguagem já é constitutivamente dialógica. Qualquer falante que a utilize o está 
fazendo baseado em experiências já vividas, pois nenhum discurso é adâmico. O falante sempre 
construirá o discurso no outro, assim como estará produzindo qualquer enunciado objetivando 
esse outro. 
Mesmo antes de experimentar a dialogicidade por meio de gêneros e de diferentes práticas 
discursivas, o homem procura aprender a viver no mundo por meio de interações com o outro. 
Uma criança que ainda não tenha domínio da língua, por exemplo, sabe que precisa do outro 
para sobreviver e alcança-o, dialogicamente, com o que aprendeu nas poucas experiências já 
vividas, e esse é o meio natural para que se aprenda a utilizar as interações convencionadas: 
 
 
52 
experimentando na prática as vivências sociais. Assim, a constituição da linguagem depende 
do "eu", do "outro" e do "meio social" onde os dois primeiros vivem. Volóchinov explica que 
"[...] toda compreensão é dialógica. A compreensão opõe-se ao enunciado, assim como uma 
réplica opõe-se a outra no diálogo. A compreensão busca uma antipalavra à palavra do falante 
(VOLÓCHINOV, 2017, p. 232, grifos do autor). 
Bakhtin (2016, p. 135) conclui: 
 
Assim o enunciado ganha, pela própria natureza, uma relação com o 
enunciado do outro, com o discurso do outro, com o discurso real ou possível 
do interlocutor-ouvinte-leitor. E essa relação com o enunciado do outro define 
dado enunciado, encontra nele um reflexo (reflexo do discurso do outro) 
obrigatório. 
 
Mesmo em gêneros em que se espera que não haja muita responsividade, ainda há uma 
conflituosa relação com um "outro", mesmo que "mais discreto", pois, como afirma Bakhtin 
(2016, p. 129), "o direcionamento da palavra para o objeto sempre se complica com a presença 
de palavras do outro sobre o mesmo objeto", havendo sempre uma influência do ouvinte no 
discurso. Não há como elaborar um enunciado sem que este almeje um outro, embora 
desconhecido ou até aparentemente inexistente. 
As relações dialógicas são uma relação entre dois sujeitos posicionados no mundo; dois 
centros de valor que são compostos de enunciados e cada enunciado “[...] responde a um 
enunciado anterior ou a uma realidade concreta, como também projeta novos enunciados que 
serão responsivos a ele, numa cadeia discursiva em que ele será um elo” (CASADO ALVES, 
2016, p. 167). 
Esses centros de valor fazem com que existam relações dialógicas, pois não há como 
haver o diálogo sem a inserção dos enunciados em um contexto social concreto e valorado. 
Faraco (2009, p. 66, grifo do autor) reforça isso quando diz: 
 
Para haver relações dialógicas, é preciso que qualquer material linguístico (ou 
de qualquer outra materialidade semiótica) tenha entrado na esfera do 
discurso, tenha sido transformado num enunciado, tenha fixado a posição de 
um sujeito social. Só assim é possível responder (em sentido amplo e não 
apenas empírico do termo), isto é, fazer réplicas ao dito, confrontar posições, 
dar acolhida fervorosa à palavra do outro, confirmá-la ou rejeitá-la, buscar-lhe 
um sentido profundo, ampliá-la. 
 
A própria noção genérica de diálogo (a de representação de diálogos de personagens em 
uma narrativa) já pressupõe a participação de mais de um sujeito para que ela exista e, para 
Bakhtin, nas verdadeiras relações dialógicas (as que acontecem nas práticas sociais), os 
indivíduos que participam dos diálogos não são membros carregados de repertório próprio, 
 
 
53 
exclusivos ou individuais. Esses falantes se constituem das interações já experimentadas, são 
formados por meio da alteridade presente nas trocas enunciativas; esse indivíduo não apenas 
se reflete no outro que o constitui, ele se refrata9. A reflexão seria a representação semelhante 
às aprendidas com o outro durante as relações dialógicas constituintes do repertório do sujeito, 
mas, como já dissemos, os enunciados nunca são repetidos e, assim, a noção de refração, em 
alusão ao desvio da luz, na Física, seria como essas experiências são repassadas na realidade: 
por mais que partissem de uma mesma origem, seriam retransmitidas com uma nova carga 
semântica inerente ao novo sujeito. Tal refração é definida por Faraco (2009, p. 56) como 
 
O emaranhado de milhares de fios dialógicos tecidos pela consciência 
socioideológica (isto é, pelo todo da criação ideológica) em torno de cada 
objeto. Ou, como multidão de rotas, estradas e caminhos traçados pela 
consciência socioideológica em cada objeto. Ou, ainda, como a torre de babel 
que cerca todo e qualquer objeto. 
 
Seguindo essa linha de raciocínio, observamos que, durante o processo de constituição do 
indivíduo pelas interações sociais, ele também se altera (daí surge o termo alteridade) e isso, 
naturalmente, também é o que ocorre com a língua. 
Oliveira (2016, p. 83), em relação ao enunciado, ressalta, ainda, que o seu caráter 
responsivo possibilita um entrecruzamento de vozes constituinte da natureza dialógica da 
linguagem, definindo, na sequência, o conceito de voz para o Círculo de Bakhtin: 
 
Na acepção bakhtiniana, voz é um conceito que se refere à consciência falante 
presente nos enunciados, visto que estes sempre se constroem a partir de um 
ponto de vista. É, portanto, por meio dessa consciência falante que os juízos 
de valor, as visões de mundo serão construídos (OLIVEIRA, 2016, p. 83). 
 
Esse entrecruzamento de vozes é trabalhado pelo Círculo como a contrapalavra, que está 
diretamente associada à alteridade. A contrapalavra trata da visão de que quando falamos ou 
ouvimos estamos trabalhando com enunciados relacionados (ou recebidos) do nosso 
interlocutor, colocando a posição de falar e ouvir no mesmo patamar, isto é, enquanto falamos 
também ouvimos. Nossas palavras são respostas, contrapalavras à palavra do outro; só assim 
conseguimos construir a compreensão, por meio da interação. 
Bakhtin, em um jogo de palavras muito bem elaborado em “Para uma refeitura do livro 
sobre Dostoiévski” resume esse pensamento: "Eu não posso me arranjar sem um outro, eu não 
 
9 Bakhtin utiliza muitos termos de outras áreas do conhecimento para explicar as teorias da linguagem, como a 
polifonia, termo advindo do vocabulário da música (FARACO, 2009, p. 77), assim como as terminologias 
emprestadas da Física, como a reflexão, a refração e as forças centrípetas e centrífugas da linguagem que 
apresentaremos adiante. 
 
 
54 
posso me tornar eu mesmo sem um outro; eu tenho de me encontrar num outropara encontrar 
um outro em mim" (BAKHTIN, 1997 apud FARACO, 2009, p. 76). 
Vemos, assim, que as relações dialógicas constituem o sujeito falante em suas 
experiências sociais ao mesmo tempo que é dessas experiências sociais que as relações 
dialógicas emanam, formando um círculo dialógico. Isso nos leva à conclusão de que, inseridos 
em um meio vivo e interativo como na sociedade real, as relações dialógicas e, 
consequentemente, seus sujeitos, suas vozes e seus enunciados são fundamentais para que a 
linguagem exista. 
Concluímos que o diálogo é composto de enunciados que carregam vozes que se 
complementam. A análise dessas vozes que constituem o falante e direcionam a sua produção 
enunciativa é um assunto a ser tratado por uma outra teoria advinda das relações dialógicas: a 
heterodiscursividade. 
 
3.2 Heterodiscursividade: as vozes que falam, ouvem e respondem 
 
A heterodiscursividade10 é uma concepção do Círculo de Bakhtin que defende que a 
construção do discurso é, necessariamente, baseada nas experiências vividas pelo falante. 
Assim como a linguagem é constituinte de sujeitos, ela também é constituída de sujeitos e não 
há como dissociar esta relação (CASADO ALVES, 2016). 
Podemos definir, de forma geral, a heterodiscursividade como o gerenciamento das 
vozes11 alheias; vozes que nos cercam e, no construto social, compõem o repertório do 
falante/autor. 
Bakhtin (2015b, p. 51) diz que o discurso se depara com a palavra do outro e não pode 
deixar de entrar numa interação viva e tensa com ele. Acrescenta ainda que "[...] a língua não é 
um meio neutro [...] que passa fácil e livremente à propriedade intencional do falante: ela é 
povoada e repovoada por intenções alheias. Dominá-la e subordiná-la às suas intenções e 
acentos [pontos de vista] é um processo difícil e complexo" (BAKHTIN, 2015b, p. 70). 
Essa dificuldade é ampliada quando se trata da produção de um gênero discursivo como 
a charge, em que o gerenciamento de vozes é constante e, nesse processo, aparecem as vozes 
 
10 Paulo Bezerra, tradutor do livro de Bakhtin "Teoria do Romance I: a estilística" (2015b, p. 29), explica o termo 
"heterodiscurso" como sua tradução para a palavra russa raznorétchie, que já havia sido traduzida no Brasil como 
"plurilinguismo" e "heteroglossia". 
11 Segundo Casado Alves (2016, p. 168), complementando o que já apresentamos, "voz é uma concepção que se 
refere à consciência falante presente nos enunciados, pois estes sempre se constroem a partir de um ponto de vista". 
 
 
55 
composicionais do repertório do autor/chargista, as vozes ecoadas pelas vivências sociais dos 
leitores da charge e as vozes dos acontecimentos da sociedade que servem de cenário para a 
construção do enunciado. A charge necessita de todas essas vozes, uma vez que ela é um 
enunciado valorado, inserido num contexto real e muitas vezes etéreo, em que a produção é 
quase que imediata e cada enunciado é curto e diferente, fazendo com que a cada peça produzida 
haja um novo (e diferente) processo de criação, exigindo um novo gerenciamento de vozes. 
Assim, não se pode negligenciar a presença desse outro e o peso do cotidiano no tema do falante 
(BAKHTIN, 2015b, p. 131). 
Antes de compreender o gerenciamento de vozes, é necessário conhecer como essas 
diversas vozes atuam na elaboração do enunciado. A voz do outro no discurso do falante tem 
duas funções que partem da mesma origem, mas, na prática, parecem ser distintas. 
A primeira presença das vozes do discurso alheio não aparece claramente, já que ela ajuda 
a compor o discurso indiretamente, inconscientemente e naturalmente. Essa presença se faz 
desde que o falante começa a vivenciar experiências sociais e vai estabelecendo um repertório 
que será carregado de tudo o que ele viverá, verá e ouvirá. Não há um discurso adâmico, isto é, 
um discurso original que nunca tenha sido dito (falando em sentido) ou que seja neutro de 
interferências externas. Um enunciado pode ser citado, mas não pode ser reproduzido. Mesmo 
a reprodução de um enunciado já dito quando falado por outro enunciador (ou o mesmo em 
outra situação ou com outros ouvintes) está carregado de uma nova intenção, de um novo 
contexto, fazendo com que até uma repetição própria seja influenciada heterodiscursivamente 
por um "eu diferente", logo, um "outro eu". Bakhtin (2015b, p. 132) diz que "no discurso do 
dia a dia de qualquer pessoa que tem vida social, ao menos metade de todas as palavras que ela 
pronunciou são palavras alheias", e conclui que "o processo de formação ideológica do homem 
é um processo de assimilação seletiva da palavra dos outros" (p. 135). 
A segunda presença das vozes, por mais que pareça ser mais óbvia, exige, também, muita 
atenção em sua análise. Essa presença é a utilização da voz alheia dos personagens para refratar 
o que a voz do autor de fato quer falar, e é esta voz que mais aparece na construção dos 
enunciados chargísticos por conta de sua presença evidente nas falas dos personagens. 
Nesta pesquisa, o conceito de heterodiscursividade auxilia na compreensão dos 
enunciados chargísticos. Bakhtin (2015b, p. 80) explica que "a forma de inserção e organização 
do heterodiscurso, externamente mais notória e ao mesmo tempo essencial em termos 
históricos, é fornecida pelo chamado romance humorístico". O humor, como vimos, é um dos 
componentes inerentes à charge e, assim, é possível analisarmos a heterodiscursividade na 
charge com afinco. 
 
 
56 
No texto humorístico, a voz alheia se encontra, principalmente, nas paródias utilizadas 
pelo autor e na utilização da "língua comum"12 (Bakhtin, 2015b) na construção do seu discurso. 
A heterodiscursividade é essencial para a construção do discurso paródico, "visto que marca o 
encontro de duas consciências linguísticas" (OLIVEIRA, 2016, p. 76). 
No texto parodiado, há a intenção de rebaixar o outro, causando uma luta de vozes. 
Oliveira analisa que: 
 
Na paródia, a voz do outro serve a fins contrários ao seu significado original. 
Sua natureza bivocal possui diversas orientações, e isso possibilita ao 
parodiante modificar o estilo e a maneira típico-social ou individual do texto 
parodiado, alterando o modo de ver, de pensar e de falar do parodiado, 
reacentuando o discurso, em diversos sentidos (OLIVEIRA, 2016, p. 93). 
 
Na charge, esse modo de construção em que o autor chargista menciona a voz alheia para 
compor o seu enunciado e construir sentido é muito comum. Bakhtin chama esse tipo de 
fenômeno de construção híbrida, que é uma mistura de diferentes enunciados, de estilos 
distintos e de linguagens diversas na construção de um único enunciado. 
Ainda segundo a mesma teoria bakhtiniana, no romance humorístico (no qual incluímos 
novamente a charge pela mesma natureza da construção que esse tipo de romance), 
a introdução e o emprego estilístico do heterodiscurso são caracterizados por 
duas peculiaridades: 
1) Introduz-se uma variedade de "linguagens" e horizontes verboideológicos 
(de gêneros, profissões, grupos/castas [...]). 
2) As linguagens e os horizontes socioideológicos introduzidos, embora sejam 
empregados, é claro, para a realização refratada das intenções do autor, são 
desmascarados e destruídos como falsos, hipócritas, interessados, limitados, 
estreitamente racionais e inadequados à realidade [...] (BAKHTIN, 2015b, p. 
95-96). 
Analisando essas peculiaridades, identificamos que elas aparecem comumente nas 
charges: a construção de personagens inserindo-os em classes específicas e, muitas vezes, 
dicotômicas. 
Na charge política, por exemplo, percebemos que os governantes e os governados são 
grotescamente separados por suas linguagens e suas construções "verbo-visuais" distintas, e 
que a voz ideológica do chargista é inserida sutilmente nas falas das personagens, seja 
superestimando-as (quando favoráveis ao seu pensamento ideológico) ou desmascarando-as 
(quandonão favoráveis ao seu posicionamento particular). 
 
12 “Esta “língua comum" é a linguagem falada e escrita em um determinado círculo” (BAKHTIN, 2015b, p. 80). 
 
 
57 
Assim, o chargista compõe o seu próprio discurso com o discurso (e na linguagem) do 
outro. Ele se utiliza dessa troca de linguagens para ocultar a sua verdadeira intenção e não a 
inserir claramente no discurso. "Ele se vale dessa 'troca de convites', desse diálogo de 
linguagens em cada momento de sua obra para permanecer ele mesmo como um outro na 
disputa entre as duas [ou mais linguagens]", o autor funde a 'língua da verdade' com a 'língua 
do ambiente', diz o que é seu em linguagem alheia [...]" (BAKHTIN, 2015b, p. 100). Esse modo 
de construção de enunciado Bakhtin nomeia de fusão de vozes. 
Na elaboração do discurso chargístico, o autor constrói o enunciado colocando a sua voz 
nas falas inseridas nele e, em muitas vezes, mistura o seu próprio posicionamento com o 
posicionamento das personagens. Essa característica de misturar diferentes linguagens sociais 
dentro de um único enunciado é tratada como hibridização por Bakhtin (2015b, p. 156). Para 
ele, a hibridização é o "encontro [...] de duas diferentes consciências linguísticas divididas por 
uma época ou pela diferenciação social (ou por ambas)", isto é, o autor constrói uma cena na 
qual insere personagens que têm as suas ideologias, têm suas vozes sociais e o próprio autor 
interfere na construção do enunciado inserindo as suas próprias falas, sendo que essa voz autoral 
no enunciado apresenta vários níveis de intensidade: pode ser sutil como uma ironia ou até 
direta como uma indignação, por exemplo. 
O heterodiscurso introduzido no enunciado é o "discurso do outro na linguagem do outro, 
que serve à expressão refratada das intenções do autor. [...] Ela serve ao mesmo tempo a dois 
falantes e traduz simultaneamente duas diferentes intenções: a intenção direta da personagem 
falante e a intenção refratada do autor" (BAKHTIN, 2015b, p. 113, grifos do autor). Essa 
palavra inserida pertence a vozes que são correlacionadas dialogicamente, são vozes que têm 
afinidade, e essa semelhança de discurso é chamada de bivocalidade: duas vozes com um 
mesmo diálogo, mesmo que revestidas de algo novo, pertencem a um mesmo posicionamento. 
Em seus estudos sobre a estilística na teoria do romance (2015b), Bakhtin explica ainda 
dois outros movimentos utilizados para a elaboração da voz da personagem, que são os 
movimentos de enformação e molduragem. 
A enformação é o processo de enformar, isto é, colocar em uma "fôrma composicional" 
a ideologia a ser posta no enunciado; o autor escolhe o enunciado e o adapta ao seu objetivo 
informacional. A molduragem é um recorte do que o autor quer que seja representado na voz 
da personagem, como um retrato recortado aplicado a uma moldura que só deixa visível aquilo 
que o fotógrafo deseja que seja contemplado. 
 
 
58 
O autor monta a voz do enunciado utilizando a enformação e a molduragem, introduzindo 
a voz do personagem em novos contextos, em uma nova situação para, assim, conseguir dele 
novas respostas (BAKHTIN, 2015b, p. 141). 
Todos esses movimentos de vozes que constituem os gêneros são direcionados por duas 
"forças": as forças centrípetas e as forças centrífugas (BAKHTIN, 2015b, p. 40-43). As 
forças centrípetas são as forças centralizadoras, que são "as forças criadoras da língua" (p. 40), 
superando todas as intervenções do heterodiscurso e conseguindo centralizar-se e criar uma 
unidade. "Ao lado das forças centrípetas segue o trabalho incessante das forças centrífugas da 
língua" (p. 41), que são as intervenções socioculturais e seus dialetos, suas gírias e as demais 
práticas discursivas operando em sua naturalidade e desconstruindo (ou então reconstruindo) a 
língua. 
Como se observa, a heterodiscursividade é uma teoria que está presente em toda a 
produção dialógica em qualquer gênero discursivo, seja em um movimento unificante, seja em 
um movimento desconstrutor. Alguns gêneros mais tradicionais (como as ordens militares, as 
peças jurídicas etc.) pouco consideram o ouvinte vivo, concreto e atual (BAKHTIN, 2016, p. 
130), facilitando o trabalho das forças centrípetas, mas, mesmo assim, exigem a presença das 
vozes externas para existirem e serem valorados. Dessa forma, no gênero discursivo charge, um 
gênero de natureza conflitante e muito ativo na busca da responsividade do leitor, a análise 
heterodiscursiva é ainda mais importante e fundamental. 
 
3.2.1 A polêmica aberta e a polêmica velada 
 
Como já apresentamos, todo enunciado é complementado por uma resposta, o que faz 
com que toda relação enunciativa seja, naturalmente, uma relação dialógica composta por 
diferentes vozes, porém essas vozes nem sempre estão alinhadas em um mesmo tom ideológico, 
o que faz com que nem sempre essa relação dialógica seja pacífica. Bakhtin (1997) classificou 
as relações entre as vozes presentes no diálogo em grupos, e destacamos o que o autor nomeou 
como polêmica aberta e polêmica velada. 
Os dois tipos de polêmica apresentam embate ideológico, o conflito entre as ideias dentro 
do discurso. A diferença entre elas está na forma como aparecem. A polêmica aberta é mais 
clara e expõe abertamente o posicionamento do falante, atacando diretamente o outro lado. Na 
polêmica velada, ainda há a voz refutadora, porém, ela aparece de forma indireta, encobrindo o 
real desejo do falante mas, mesmo assim, carregando o seu real objetivo: o de também criticar. 
 
 
59 
Na charge, um dos recursos utilizados pelo autor para polemizar é a ironia e, nela, o 
chargista invoca um questionamento velado, uma inversão na relação entre o dito e o 
intencionado (CABRAL, 2008, p. 35). A polêmica aberta também pode aparecer neste tipo de 
gênero discursivo, porém é algo mais difícil de ser encontrado, pois é na sutileza da construção 
enunciativa que está a maior parte do potencial chargístico. 
Bakhtin (2016, p. 148, grifos do autor) auxilia nessa compreensão quando explica que: 
 
Todo enunciado (minimamente responsivo) tem conhecimento sobre o objeto 
como o têm outros enunciados sobre o mesmo objeto (acordo e desacordo), 
orienta-se de certo modo entre esses enunciados alheios. Essa orientação pode 
manifestar-se de forma direta no enunciado (exposição de opiniões alheias, 
citações e referências, polêmica, etc.). Mas também pode não haver esse 
reflexo: neste caso, sempre existem harmônicos dialógicos, ainda que seja 
difícil captá-los. Ademais, todo enunciado leva em conta a resposta 
subsequente: de acordo, objeção, dúvida, etc., isto é, leva em conta a 
compreensão responsiva. Essa antecipação da resposta também pode ter uma 
expressão imediata no discurso, mas só pode dar continuidade aos harmônicos 
dialógicos. 
 
Como afirma Bakhtin, a presença das polêmicas abertas ou veladas aparece durante a 
construção do enunciado pelo autor, pois ele sempre leva em conta a resposta subsequente, 
assim como também está presente na resposta de seus leitores/ouvintes. 
 A identificação das vozes nas respostas dos enunciados chargísticos produzidos por Ivan 
Cabral, durante o processo de impeachment de Dilma Rousseff, será um dos nossos pontos de 
apoio para a análise da responsividade das charges publicadas. 
 
 
 
 
60 
 
4 PERCURSO CONSTRUTIVO: APRESENTAÇÃO DA METODOLOGIA DE 
PESQUISA 
 
Uma área de produção de conhecimento como a Linguística Aplicada, que trabalha com 
um universo composto por seres pensantes inseridos em contextos sociais e históricos diversos, 
exige um método de pesquisa diferente dos tradicionais métodos de investigação utilizados nas 
pesquisas de Ciências Naturais e Exatas. 
As tradicionais pesquisas quantitativas positivistas, quando utilizadas para analisar o 
conhecimento nas Ciências Sociais, podem deixar passar itens que, se analisados de uma 
maneira mais detalhada – comatenção a minúcias em sua construção, podem produzir um 
resultado mais completo e mais alinhado com a realidade. 
Moita Lopes (1994) explica que o mundo das Ciências Sociais necessita de um método 
diferenciado para que a análise dos seus produtos seja fiel e defende o método interpretativista 
como o adequado, pois, com ele, não é possível ignorar a presença de um ser social em sua 
construção. Segundo o autor, "na posição interpretativista, não é possível ignorar a visão dos 
participantes do mundo social caso se pretenda investigá-lo, já que é esta que o determina: o 
 
 
61 
mundo social é tomado como existindo na dependência do homem" (p. 331). Casado Alves 
complementa o pensamento: 
[...] para compreender a vida social e construir um conhecimento ético sobre 
ela, somente o faremos se nos acercarmos dos enunciados que circulam no 
mundo da vida e com as lentes que propiciem uma investigação que considere 
a historicidade dos posicionamentos, a valoração, o axiológico e o ideológico 
dos enunciados produzidos/refratados por sujeitos, também eles históricos e 
posicionados nas diferentes esferas onde atuem (CASADO ALVES, 2016, p. 
168). 
No método interpretativista, ainda segundo Moita Lopes (1994, p. 332), "os múltiplos 
significados que constituem as realidades [do mundo das Ciências Sociais] só são passíveis de 
interpretação, é o fator qualitativo, isto é, o particular, que interessa", ou seja, não há como 
analisar a produção das Ciências Sociais exclusivamente quantificando dados e negligenciando 
a construção particular de cada produção, pois cada uma tem a sua singularidade e não segue 
padrões naturais para existir. O autor ainda conclui que "a interpretação de dados de natureza 
quantitativa fica completamente arbitrária ou especulativa se dados de natureza subjetiva e 
qualitativa forem ignorados" (MOITA LOPES, 1990 apud MOITA LOPES, 1994, p. 332-333). 
O método de análise deste trabalho usou as técnicas de pesquisa qualitativo-
interpretativista para compreender o discurso do chargista em cada enunciado. Por se tratar de 
uma análise de charges produzidas em um determinado período, também se trabalhou com 
números quantitativos de produção e de temática, assim como também utilizou outras formas 
de se fazer pesquisa como o paradigma indiciário. 
Giovanni Morelli elaborou, entre 1874 e 1876 (sob o pseudônimo Ivan Lermolieff), um 
método de análise de obras artísticas que mais tarde ficou conhecido como “método 
morelliano”, no qual, para catalogar obras de artes ou identificar cópias em museus quando a 
maioria delas não possuía assinatura, analisava as nuances artísticas de cada pintor para poder 
classificá-las (GINZBURG, 1989, p. 144). Morelli passou a identificar características 
composicionais particulares de cada autor que passavam despercebidas por um olhar geral 
menos atento. As obras de arte costumam ser analisadas como um todo, em que os pequenos 
detalhes são apenas coadjuvantes na construção completa da obra. Assim, os copistas deixavam 
que essas características mínimas fossem desprezadas nas cópias, e o método de Morelli 
consistia em avaliar, justamente, os detalhes até então ignorados, como sutilezas na construção 
do sorriso, a posição dos olhos em contemplação ao observador ou outros elementos da tela e, 
principalmente, os detalhes que normalmente são ainda mais desprezados na observação, como 
os lóbulos das orelhas, as unhas, as formas dos dedos das mãos e dos pés. Esse método de busca 
 
 
62 
e interpretação de uma série de índices também é conhecido como método (ou paradigma) 
indiciário. 
De acordo com a análise do método morelliano por Wind, por mais que haja muita 
subjetividade nesse tipo análise, ainda é possível se criar um método, a ponto de, mesmo sem 
assinatura, reconhecer o autor de uma obra de arte pelas técnicas utilizadas, assim como 
identificar um chargista pelo traço do desenho, pela anatomia utilizada nos personagens, pelos 
tons de cor escolhidos, os cenários onde o diálogo ocorre e, inclusive, o tipo de técnica artística 
que o chargista utiliza para finalizar o seu enunciado (GINZBURG, 1989, p. 145). 
Por mais que essas características marcantes estilísticas do autor pareçam superficiais, 
elas são eficientes – é justamente nas marcações espontâneas que se encontram os elementos 
que definem a autoria, por mais sutis que elas pareçam. A marca autoral é o que define a 
autenticidade de um autor e, também, é o que faz com que ele exista e não seja apenas um 
copista; o ineditismo de sua composição é natural, mesmo que seja inspirado em outros nomes. 
Essas marcas de autoria não são exclusivas da composição artística. Elas também estão 
presentes, por exemplo, na caligrafia, como nas assinaturas que, até hoje, em meio a inúmeras 
evoluções tecnológicas que garantem autenticidade, servem como comprovante autoral. Uma 
assinatura, por mais que seja falsificada com maestria, deixa a ausência de marcações que o 
autor original faria, o que gera a necessidade de profissionais especialistas (grafólogos) para 
identificar a autenticidade dessa marca de escrita. 
 Analisar obras artísticas (nas quais as charges estão incluídas) exige que o pesquisador 
apure o seu potencial analítico e perceba todas as inserções propositais de elementos, assim 
como as marcas que o autor inseriu naturalmente com o seu inconsciente13. Por mais que o 
paradigma indiciário de pesquisa tenha suas técnicas, é necessário aguçar o olhar investigativo 
quando se for utilizá-la. Ginzburg (1989, p. 179) afirma que “ninguém aprende o ofício de 
conhecedor ou diagnosticador limitando-se a pôr em prática regras preexistentes. Nesse tipo de 
conhecimento entram em jogo (diz-se normalmente) elementos imponderáveis: faro, golpe de 
vista, intuição". 
Não há como interpretar o discurso chargístico de outra forma que não a pesquisa 
qualitativa como base principal, pois o gênero nasce e vive dentro das interações sociais. O 
 
13 Segundo Ginzburg, Sigmund Freud (um dos nomes mais importantes quando se trata de análise do inconsciente) 
menciona Morelli (ainda sob o pseudônimo Ivan Lermolieff) em sua obra “O Moisés de Michelângelo” (1914), 
comparando o seu método com a psicanálise: "Creio que o seu método está estreitamente aparentado à técnica da 
psicanálise médica. Esta também tem por hábito penetrar em coisas concretas e ocultas através de elementos pouco 
notados ou despercebidos [...]" (FREUD, 1914 apud GINZBURG, 1989, p. 147). 
 
 
63 
pesquisador entra no contexto construtivo, analisa os dados e retorna com o resultado objetivo, 
como proposto por Chizzotti (2003, p. 221): 
 
O termo qualitativo implica uma partilha densa com pessoas, fatos e locais 
que constituem objetos de pesquisa, para extrair desse convívio os 
significados visíveis e latentes que somente são perceptíveis a uma atenção 
sensível e, após este tirocínio, o autor interpreta e traduz em um texto, 
zelosamente escrito, com perspicácia e competência científicas, os 
significados patentes ou ocultos do seu objeto de pesquisa. 
 
Desta forma, a pesquisa qualitativa serviu de base para este estudo, partindo de dados 
quantitativos, gerando dados reais sobre o gênero chargístico e os analisando com boa parte da 
contextualização teórica do Círculo de Bakhtin, que ancora esta pesquisa, como as relações 
dialógicas entre os participantes do diálogo nos enunciados e a heterodiscursividade que 
compõe o contexto social formador do repertório dos enunciadores. 
Nesta pesquisa, analisamos os enunciados chargísticos elaborados pelo chargista potiguar 
Ivan Cabral durante o processo oficial de impeachment de Dilma Rousseff, desde o acolhimento 
da denúncia pela Câmara dos Deputados Federais até a conclusão do processo. O período da 
pesquisa ficou delimitado entre os dias 2 de dezembro de 2015 e 13 de maio de 2016. A escolha 
do chargista e o período de coleta de dados foram definidospela postura política ideológica de 
Ivan em um momento crítico do cenário governamental brasileiro, o que fez com que vozes de 
leitores ecoassem responsivamente em alguns enunciados elaborados pelo chargista. 
A pesquisa realizou levantamento diário das postagens em dois canais: blog e Facebook, 
quantificando as charges produzidas e agrupando-as por temática. Inicialmente foram filtradas 
apenas as charges com a temática política e, após mais uma seleção, agrupamos apenas as 
charges que envolviam o processo de impeachment de Dilma Rousseff. Feito isso, 
identificamos os enunciados que tiveram respostas mais incisivas e os analisamos com os 
métodos aqui apresentados. 
Para a objetivação da análise, escolhemos cinco enunciados chargísticos que estruturaram 
a apresentação dos dados, sendo um enunciado de cada mês do processo que tivesse respostas 
bem direcionadas, desprezando janeiro de 2016 – o mês de férias de Ivan Cabral, que reduziu 
a quantidade de enunciados produzidos (apenas um sobre política nacional, publicado no blog 
e no Novo Jornal e sem resposta dos leitores). Cada enunciado escolhido traz um enunciado 
principal (a charge produzida, que iremos chamar de enunciado-chave) e outros enunciados – 
quando necessários – para apresentar as respostas (que denominaremos enunciado(s)-resposta. 
 
 
64 
Os critérios de escolha dos enunciados-chave foram o alinhamento deles com a temática 
proposta pela pesquisa (o processo de impeachment) e a intensidade dos enunciados 
responsivos. 
Analisamos esses enunciados sob um olhar arquitetônico, observando o que foi usado de 
repertório externo para a sua elaboração e, também, a sua forma composicional – quais os 
recursos utilizados pelo chargista para montar o seu discurso. Para isso, contextualizamos o 
enunciado em seu ambiente de elaboração, alinhando-o com o cenário de sua construção, 
descrevendo os elementos visuais que compõem o discurso do chargista e procurando índices 
que mostrem a voz real dele. 
Em cada análise, mostramos a contextualização histórica e temporal que serviu de base 
para a elaboração dos enunciados, os dados quantitativos da produção de Ivan e o detalhamento 
de inúmeros índices do enunciado-chave que foi elencado para representar o mês analisado. 
Trazemos os embates dialógicos analisando as vozes presentes nas respostas dos leitores, as 
forças que as compõem, assim como a intensidade com que essas vozes aparecem, adequando 
os métodos para uma pesquisa posicionada nas Ciências Sociais. 
 
4.1 Questões e Objetivos de pesquisa 
 
Posicionamos o olhar investigador sobre as charges de Ivan Cabral construídas durante o 
processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, tendo como objetivo geral da 
investigação analisar os embates dialógicos entre os enunciados chargísticos de Ivan e as 
respostas dos seus leitores. Para viabilizar esse propósito, a pesquisa está focada nas seguintes 
questões: 
1. Como se constituem as respostas dos leitores e as réplicas do chargista Ivan Cabral 
para as charges produzidas por este autor? 
2. De que maneira se constituem as polêmicas abertas ou veladas no processo de 
embate dialógico no que diz respeito às charges de Ivan Cabral? 
 
E nos objetivos elencados abaixo: 
1. Problematizar como se constituem as respostas dos leitores e as réplicas do 
chargista Ivan Cabral para as charges produzidas por este autor. 
2. Descrever dialogicamente como se constituem as polêmicas abertas ou veladas 
no processo de embate dialógico no que diz respeito às charges de Ivan Cabral. 
 
 
65 
 
A análise dialógica das charges não poderia desprezar as respostas dos seus leitores, pois, 
assim como disse Bakhtin, "o enunciado como totalidade sempre está direcionado, endereçado 
a alguém” (BAKHTIN, 2016, p. 135). Só analisando as suas respostas poderíamos vê-lo por 
completo. 
Para uma análise mais profunda que esgotasse todo o potencial do gênero chargístico, há 
muitos outros panoramas que poderiam ter sido utilizados. Restringimo-nos nos passos aqui 
apresentados por acreditarmos que sejam pontos suficientes para analisar a responsividade dos 
enunciados chargísticos e suas réplicas. Qualquer outro ponto que adicionássemos como 
complemento fugiria da proposta dessa pesquisa. Assim, para analisar o embate responsivo das 
charges produzidas no período já apresentado, vimos que esses procedimentos metodológicos 
são suficientes para cumprir os objetivos desta pesquisa. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
66 
 
5 EMBATES DIALÓGICOS: ANALISANDO OS ENUNCIADOS 
 
Neste capítulo, iniciamos a análise dos enunciados-chargísticos produzidos por Ivan 
Cabral no período que já apresentamos anteriormente, na explicação do percurso metodológico 
da pesquisa: o processo de impeachment de Dilma Rousseff, entre os dias 2 de dezembro de 
2015 e 13 de maio de 2016. 
Durante esse tempo, Ivan produziu um total de 126 charges, das quais 86 tratavam da 
temática política e, dessas, 70 tinham como tema específico o cenário político nacional 
envolvendo o processo de impeachment. 
 
 
67 
 
Gráfico 1 – Charges publicadas durante o processo de impeachment. 
Fonte: Autoria própria. 
 
Como aponta o Gráfico 1, em dezembro de 2015 foram produzidas 14 charges com a 
temática política, dentre as 25 do total; apenas uma sobre o tema em janeiro de 2016; 12 em 
fevereiro; 26 das 27 produzidas no total em março – o maior número em termos proporcionais 
e gerais; 25 no mês de abril e 8 no mês de maio, considerando que a análise encerrou antes do 
meio do mês, pois foi o fim do processo, no dia 13. 
Os procedimentos metodológicos (item 4) já mostraram qual a delimitação do corpus 
analisado, porém, reforçando a informação, não analisaremos o único enunciado produzido em 
janeiro de 2016 por ser o único com a temática política e por ter sido concebido durante o mês 
de férias de Ivan, o que aponta um baixo número de produção de enunciados; este único 
abordando política não teve embates responsivos. 
Mesmo se tratando de um chargista que publicava, oficialmente, em um veículo de 
circulação local – no Rio Grande do Norte –, Ivan tem uma postura e um talento que o colocam 
 
 
68 
no rol dos maiores chargistas brasileiros, dito isso pela qualidade de material produzido 
(comprovado pelas inúmeras respostas que os seus enunciados recebem), assim como pelos 
prêmios recebidos, como apontamos no item 2.5 desta pesquisa. 
O grande alcance das charges produzidas por Ivan aos leitores deve-se, também, à 
facilidade de divulgação dos seus enunciados pela internet, seja pelo seu site (Sorriso Pensante) 
ou, principalmente, pela sua página pessoal no Facebook. Devido a isso, este é o campo onde 
pesquisamos a responsividade dos seus enunciados, desprezando as publicações no Novo Jornal 
por estarem sempre replicadas no site – e, algumas vezes, no Facebook –, assim como esses 
meios eletrônicos possuem charges produzidas exclusivamente para eles. Outro ponto pelo qual 
optamos por ignorar o jornal deu-se pelo fato de que o veículo impresso não permite que as 
possíveis respostas dos leitores sejam analisadas, uma vez que não há um canal direto para isso 
e muito menos a exposição das respostas enunciativas caso elas fossem enviadas ao periódico 
por outros meios. 
De acordo com as concepções de Bakhtin (2016, p. 135), não poderíamos começar sem 
levar em conta o ouvinte e seu campo aperceptivo. 
A página de Ivan possui um campo de interação que alguns leitores utilizam para 
responder aos enunciados produzidos e ali postados. O Facebook também se mostra uma 
excelente plataforma para análise responsiva, já que as interações podem ser notadas de várias 
maneiras. Existem as interações com um clique por meio de "curtidas" (durante o período do 
corpus de análise – exatamente no dia 24 de fevereiro de 2016 –, a plataforma inseriu outras 
reações "clicáveis" além do tradicional botão "Curtir": "Amei", para mostrarum grande apreço 
à postagem; "Haha", para representar o humor alcançado por ela – ou quem sabe o riso irônico; 
"Uau", para surpresa; "Triste", para expressar tristeza, como o nome deixa claro; "Grr", 
expressando raiva), compartilhamentos e comentários, o método de interação que mais 
utilizaremos na análise. 
Por meio do estudo das interações na página e no Facebook, procuraremos, inicialmente, 
as vozes dos embates dialógicos e tentaremos identificar em qual tipo de polêmica (aberta ou 
velada) eles se inserem; buscaremos as possíveis réplicas do chargista (sejam elas textuais, 
imagéticas ou de outras configurações) e concluiremos com um posicionamento sobre a 
responsividade nesses embates. 
Essas interações serão norteadas por um enunciado-chave que nomeará a seção e servirá 
de base para análise. Para preservar a identidade dos leitores que responderam às charges, 
desfocamos suas fotos e seus nomes iniciais, deixando apenas o sobrenome para identificação 
dos diálogos que irão surgir nos enunciados-resposta. 
 
 
69 
 
5.1 Dezembro de 2015, enunciado-chave 1: "Gato pingado" 
 
5.1.1 Contextualização política e dados quantitativos 
 
Cenário nacional na época: 
Terça-feira, 15 de dezembro de 2015. A Receita Federal pagou as restituições do último lote 
do Imposto de Renda 2015; uma pesquisa do IBOPE mostrava que a aprovação da presidente 
Dilma pelos brasileiros estava baixa, apenas 9%; policiais cumpriam um mandado de busca 
e apreensão na casa do então presidente da Câmara, o deputado federal Eduardo Cunha. 
 
 
Gráfico 2 – Charges de dezembro de 2015. 
Fonte: Autoria própria. 
 
Em dezembro de 2015, Ivan Cabral produziu 25 charges, das quais 14 tratavam da 
temática "política" e, dessas, 12 abordavam o cenário nacional envolvendo a presidente Dilma 
Rousseff. Todas as charges foram publicadas no Novo Jornal e no blog. Três envolvendo Dilma 
foram repostadas na página do Facebook. 
 
 
70 
No dia 13 de dezembro, o Brasil foi palco de mais um protesto pedindo a saída de Dilma 
Rousseff do cargo de presidente. O número de participantes nesse protesto foi menor em relação 
aos últimos que já haviam acontecido. No dia 15, Ivan fez uma charge que criticava isso: a 
baixa adesão dos manifestantes pró-impeachment. 
 
5.1.2 Apresentação do enunciado 
 
 
Enunciado-chave 1 – Gato pingado. 
Fonte: Ivan Cabral. Disponível em: <http://www.ivancabral.com/2016/04/charge-do-dia-tchau-
querido.html>. Acesso em: 9 jul. 2017. 
 
Durante os protestos reivindicando a saída de Dilma do poder, houve o ressurgimento de 
um patriotismo até então esquecido no Brasil: os grupos que convocaram os manifestantes 
motivaram que eles fossem às ruas vestidos com as cores verde e amarelo, acreditando que o 
uso dos tons da bandeira dissociasse o protesto de qualquer associação partidária. Dessa forma, 
a camisa da Seleção Brasileira de Futebol se tornou um dos "fardamentos" constantemente 
presentes nas ruas em dias de protesto. Assim como as fotos que ilustravam matérias sobre o 
assunto sempre eram compostas de pessoas vestidas dessa maneira, as charges da época também 
tratavam os seus personagens da mesma forma. 
Outro ponto marcante do período foi a nomeação pejorativa dos grupos manifestantes: os 
participantes da direita passaram a ser denominados de "coxinhas", enquanto os de esquerda, 
 
 
71 
"mortadelas". A origem do termo coxinha não tem um consenso, mas os registros etimológicos 
encontrados explicam que o apelido é paulista e está associado àqueles que se consideram 
conservadores e defensores do bom costume; uma das possíveis gêneses está associada à polícia 
militar paulistana, que oferecia proteção a padarias em troca de coxinhas (ARAGÃO, 2012). Já 
os mortadelas foram nomeados assim após circularem notícias, sem fonte confirmada, de que 
os apoiadores da esquerda marcavam presença nas manifestações por troca de um lanche de 
pão com mortadela. 
No enunciado-chave 1, produzido em 15 de dezembro de 2015, Ivan ilustra um 
personagem de traços felinos, porém humanizado – utilizando as técnicas do cartum que 
permitem que se fuja da representação realística em detrimento da carga enunciativa 
(McCLOUD, 2005; RAMOS, 2016). O personagem é um gato, vestido com as cores dos 
apoiadores da direita: o verde e o amarelo. 
O gato segura em sua pata direita uma coxinha mordida (associada aos "coxinhas" 
opositores), enquanto a sua mão esquerda está acima dos olhos como se mirasse ao longe, 
procurando algo. As sobrancelhas do personagem franzem seus olhos, reforçando a ideia de 
dificuldade de enxergar. O olhar do gato está para a direita da charge, como se procurasse algo 
neste lado. 
O personagem está em pé em uma representação de solo curva, transmitindo a ideia de 
amplitude ao seu redor. Por trás, vê-se sombras de prédios, localizando a narrativa em uma 
cidade grande, o ambiente onde mais aconteciam os protestos. 
Nota-se que o gato tem gotas escorrendo pelo seu corpo que chegam a empoçar o chão. 
Essa representação (por mais que já esteja explicada no título da charge) exige que o leitor 
recupere em seu repertório uma associação com ditados populares que resgatem a leitura correta 
do enunciado e que consiga extrair o humor, assim como facilite a compreensão do enunciado 
de acordo como objetivo do chargista. 
O ditado popular associado à charge é o de "gato pingado", popularmente reconhecido 
como "poucas pessoas", "pouca coisa" ou "quase nada/ninguém". A origem do ditado vem de 
uma cruel tradição do Japão Antigo, quando se derramava óleo quente em criminosos ou 
animais – a maioria gatos – e poucas pessoas suportavam assistir a essa tortura, restando apenas 
os "gatos pingados" no local (RIBOLDI, 2015 apud TERRA, 2017). 
Um balão de pensamento foi usado para trazer o discurso do personagem ao invés de um 
balão de fala, como se o personagem estivesse envergonhado para perguntar em voz alta pelos 
outros participantes. O balão traz o texto "Ué? Cadê todo mundo?", reforçando o conceito de 
que o gato está sozinho e não sabe onde estão os demais manifestantes. Assim, o chargista 
 
 
72 
utiliza da fusão (BAKHTIN, 2015b, p. 100) de sua voz com a voz do personagem, dizendo o 
seu pensamento com a voz alheia, no caso, a do personagem principal. 
Nesse enunciado, o chargista volta seu olhar para o possível enfraquecimento dos 
opositores de sua ideologia e emoldura (BAKHTIN, 2015b, p. 141) o discurso no que lhe 
interessa: criticar a baixa adesão ao novo protesto em relação aos números dos outros que já 
haviam acontecido, apontando que o movimento estava se enfraquecendo, que os atuais 
protestos haviam perdido o ar de novidade e que possivelmente, na sequência, haveria ainda 
menos participantes. 
Nos enunciados chargísticos, o discurso crítico quase sempre aparece na forma da 
polêmica velada, pois essa é uma característica do gênero que mantém uma voz contestadora 
que aparece de forma indireta, camuflando a real intenção do chargista. Assim, analisando o 
enunciado-chave 1, vê-se que há um cuidado para que a crítica não seja direta, classificando-o 
como um discurso de polêmica velada, por mais que, após compreendido o enunciado com as 
intenções do autor, pareça que ele esteja abertamente polemizado. 
 
5.1.3 Embates dialógicos 
 
Até o dia 22 de julho de 2017, Ivan Cabral tinha 2.248 amigos no Facebook (dos quais 
2.063 o seguiam, isto é, recebiam notificações de suas publicações); o seu blog estava com 287 
seguidores e o Novo Jornal tinha uma tiragem de 2.500 exemplares diários, aumentando para 
3.000 na edição dominical (MEIO&MENSAGEM, 2017). Por mais que os dados sejam 
referentes ao período final da pesquisa, os números não diferem exageradamente do período da 
análise, mostrando que Ivan tem muitos leitores de seus enunciados que, por meio da facilidade 
de exposição proporcionada pelas redes sociais, sempre se manifestam sobre os seus 
enunciados. 
 
 
 
73 
 
Enunciados-resposta1. 
Fonte: Facebook. 
 
Após a publicação da charge "Gato pingado", os leitores se manifestaram e expuseram os 
seus posicionamentos. Houve 92 reações clicáveis, 33 compartilhamentos e 35 comentários. 
No trecho "a", vemos o leitor Ferreira iniciar o embate dialógico com uma polêmica 
velada, trazendo as primeiras vozes desestabilizadoras como forças centrífugas: "Torcida 
 
 
74 
petista: devagar, devagarinho, insistindo...", sugerindo que o chargista havia elaborado a charge 
com um posicionamento partidário. Aponta ainda que Ivan, lentamente (devagar, 
devagarinho…), isto é, sutilmente como a charge deve ser, lutava contra o inevitável para o 
leitor: a retirada do PT da presidência. 
Ivan responde abertamente ao leitor, justificando a construção do seu enunciado: "Não 
torço pelo PT, torço para que a economia se ajuste, os programas sociais avancem, os 
criminosos (de todos os partidos) sejam punidos, e as desigualdades diminuam... Por aí...". Com 
essa resposta, o autor tenta justificar que o seu enunciado foi produzido de forma parcial, sem 
posicionamento político, apenas desejando a melhoria para o Brasil. 
Oliveira, outro leitor, no trecho "b", articulando veladamente, diz: "Não torce 
[respondendo a Ivan], a gente que sempre entende os desenhos errado". Por meio da ironia, o 
leitor atinge Ivan, resgatando (por meio da palavra "sempre") o histórico de sua produção 
chargística mostrando, também, que é um leitor já habituado às suas produções. 
O leitor Varela surge destoando o debate sobre o posicionamento político do chargista 
com uma abordagem exterior ao que o enunciado traz, retomando o assunto de forma mais 
ampla, abordando a questão do golpe ou impeachment de Dilma, polemizando abertamente: 
"Quem apóia [sic] impeachment sem base jurídica apóia golpe. Quem apóia golpe é golpista. 
Simples assim". 
O comentário não teve réplicas e, logo após, o assunto sobre o posicionamento de Ivan é 
retomado pelo leitor Dantas: "mas os desenhos são sempre a favor do PT…..kkkkkk" (como já 
sabido, a repetição da letra "k" é uma das formas de representar o riso com caracteres em 
ambientes virtuais). O uso da palavra "sempre" mais uma vez mostra a frequência com que o 
leitor acompanha os enunciados de Ivan, assim como retoma, novamente, o histórico de suas 
charges. 
Ivan retorna respondendo que suas charges não são sempre a favor do PT, explicando que 
já produziu algumas sobre os problemas do governo e, também usando da ironia, como havia 
feito o leitor Oliveira, Dantas sugere alguns temas que o chargista poderia usar em outras 
charges, expondo uma lista de pontos negativos do governo petista (trecho "c"). Após isso, um 
outro leitor surge para o embate. Furtado diz: "Ah, agora é você que pauta os cartuns de Ivan? 
Vai sonhando...". Erroneamente o leitor aponta que a charge é um cartum, expondo seu 
enunciado-resposta criticando veladamente o leitor Dantas. O embate continua, como vemos 
no trecho "d". 
Ivan retorna, no trecho "e", instigando o leitor Dantas a um desafio: "O exercício é 
interessante. Mas façamos assim: diz alguma coisa boa sobre os governos do PT 
 
 
75 
(Lula/Dilma/Haddad). Aí eu te mostro as minhas críticas ao PT". A partir desse ponto, o 
chargista troca as suas respostas centralizadoras (forças centrípetas) referentes à sua 
"parcialidade ideológica" na construção do enunciado por um embate político com os leitores, 
revelando a sua voz descentralizadora. 
Dantas aceita o desafio e detalha o que acha de positivo na gestão PT: "Boa so PT apenas 
dizer duas…..IFRN14 e Ciências sem fronteira15 !!! E mesmo assim ta começando a ser cortado 
algumas bolsas…..pronto…. De bom so tem isso...o resto eh so tragédia e roubo...roubo pq 
muitos q estão presos do mensalão e do petrolao são do PT [sic]". 
Ivan responde com uma ironia que expõe veladamente o seu posicionamento político 
(trecho "e"): "Só duas coisas? Aliás, uma e meia? Kkkkkk procure com carinho, homem!", e 
posta um link com algumas charges feitas por ele criticando o PT, cumprindo o pagamento de 
sua "promessa". 
Dantas, insatisfeito, retorna (trecho "f") apontando que as charges criticando o PT que 
Ivan havia elaborado não chegavam a 5% de sua produção e, de forma muito clara, afirma que 
Ivan é petista: "[...] vc [Ivan] pende pro lado do PT omi..assuma. Que não tem problema nenhum 
ser PTista…..mas assuma...q fica mais bonito !!! [sic]". 
Ivan ressurge e, posicionando-se abertamente, responde ao leitor Dantas: "Eu votei no 
PT! Eu e 54.501.117 milhoes de eleitores. Claro que eu quero que Dilma continue. A charge 
acima critica o golpe frustrado (até agora) dos opositores de Dilma [sic]" e continua: "é que eu 
acho que, no geral, o PT acertou mais do que errou". Finaliza sua participação nas respostas do 
enunciado-chave 1. 
O leitor Oliveira reaparece, com o lançamento de uma nova polêmica aberta: "de que 
adianta acertar e depois destruir um país inteiro. [sic]". 
Costa, que no trecho "e" já havia aparecido apoiando Ivan para que produzisse livremente, 
ressurge respondendo Oliveira (trecho "g"): "Realmente o país está falido!!! Parece até a Líbia 
e o Sudão!!! Estaria bem melhor nas mãos do playboyzinho de minas e sua trupe, com certeza!!! 
SQN16. Que o progresso social tenha retomada com quem sempre voltou seus olhos para a 
grande massa de desassistidos de décadas passadas!!! [sic]". Ele apresenta a polêmica velada 
 
14 IFRN – Instituto Federal do Rio Grande do Norte. Durante a gestão petista, o número dos Institutos Federais de 
Educação aumentou significativamente em todo o país. 
15 Ciência sem Fronteiras foi um programa criado durante o governo PT que oferecia apoio para alunos de 
graduação e pós-graduação, visando melhorar a pesquisa no Brasil com intercâmbios internacionais. 
16 A sigla SQN é uma gíria que surgiu nos últimos anos e significa "Só Que Não". É utilizada com efeito irônico, 
quando o enunciador apresenta inicialmente uma ideia da qual não concorda e discorda dela finalizando com a 
sigla. 
 
 
76 
até o trecho em que usa a sigla SQN. Depois disso, abre a polêmica deixando clara a sua 
ideologia política apoiadora da esquerda. 
Dantas conclui o embate com Ivan em meio aos enunciados de Costa e Oliveira: "kkk 
acertou mais??!!! Fala serio omi….o país ta falido...em q planeta vc mora ?? O PT destruiu o 
país meu amigo…..Tem MST lutando por melhoras, por terras, como assim???!! Depois de 12 
anos de PT? Eh pra rir viu….mas claro...eh democracia...vc tem o direito de apoiar quem bem 
achar melhor….e eu vou ficando por aqui…….kkk valeww" [sic]. Observamos que a polêmica 
fica ainda mais aberta principalmente por acusações diretas ao chargista em trechos como "Fala 
serio omi… [Fala sério, homem!]" e "em q planeta vc mora ?? [Em qual planeta você mora?]", 
apontados diretamente para Ivan, assim como os julgamentos contra o PT. 
Nos trechos "h" e "j", os leitores Costa e Oliveira continuam o diálogo analisando a 
possível crise econômica no Brasil por meio de uma foto de um shopping center lotado em 
dezembro, o mês de Natal, data conhecida como responsável por aumentar as vendas em quase 
todo o mundo. 
Mesmo concluindo o seu diálogo com Ivan no trecho "g", Dantas finaliza as respostas ao 
enunciado-chave "Gato Pingado" no último trecho do enunciado-resposta: "A pessoa querer 
comparar a economia de uma nação com uma foto de um shopping….. eh ser muito leigo e 
inocente viu !!! Fala sério !! [sic]". 
Nota-se que o enunciado do chargista surge com a crítica construída veladamente e as 
primeiras respostas também seguem esse estilo de voz. Ao longo da evolução do embate 
dialógico, as polêmicas passam a se tornar mais claras e abertas, deixando os recursos irônicos 
amenizadores de lado, expondo o que cada enunciador realmente queria dizer. 
 
5.2 Fevereiro de 2016, enunciado-chave 2: "O alvo" 
 
5.2.1 Contextualização política e dados quantitativosCenário nacional na época: 
Quarta-feira, 24 de dezembro de 2016. A última das três grandes agências de classificação de 
risco baixou a nota do Brasil, retirando o grau de investimento; João Santana, marqueteiro 
das campanhas presidenciais de Lula e Dilma, havia sido preso; o Conselho de Ética da 
Câmara ainda não havia aprovado o parecer do relator sobre o processo de Eduardo Cunha; 
o PSDB pediu ao TSE que as provas da 23ª fase da Lava Jato fossem anexadas à ação que 
pede a cassação de Dilma e Temer. 
 
 
 
77 
 
Gráfico 3 – Charges de fevereiro de 2016. 
Fonte: Autoria própria. 
 
Em fevereiro de 2016, Ivan ilustrou 12 charges sobre política entre as 21 que fez no mês. 
Cinco tratavam da política nacional sobre a presidente Dilma Rousseff e o processo de 
impeachment. As charges foram publicadas no jornal e no site de Ivan. No Facebook, duas 
foram publicadas. 
A maioria das charges elaboradas nesse mês tratavam da situação política do Rio Grande 
do Norte, onde uma investigação mostrou que muitos dos cargos na Assembleia Legislativa 
eram ocupados por pessoas que não compareciam ao trabalho. Esses contratados ficaram 
conhecidos como os Fantasmas da Assembleia. As notícias do Novo Jornal estavam pautadas 
nesses acontecimentos, o que exigiu que o chargista focasse neles, deixando um pouco de lado 
o cenário nacional. 
Enquanto os "fantasmas" assombravam os políticos do Rio Grande do Norte, os 
acontecimentos em Brasília deixavam cada vez mais claro que seria difícil que Dilma 
permanecesse no poder. A fragilidade que se montou ao redor do governo eleito ecoava nas 
ruas e o partido de maior oposição ao PT, o PSDB, não era cobrado pela população, assim como 
não era investigado pela maior operação anticorrupção da época: a Lava Jato. 
 
 
78 
5.2.2 Apresentação do enunciado 
 
Enunciado-chave 2 – O alvo. 
Fonte: Ivan Cabral. Disponível em: <http://www.ivancabral.com/2016/04/charge-do-dia-tchau-
querido.html>. Acesso em 9 jul. 2017 
 
Os partidos políticos brasileiros possuem elementos que os distinguem facilmente uns dos 
outros. Além do posicionamento governista entre esquerda, direita, centro etc., há, também, 
outros elementos que os representam. 
As cores dos partidos são, sem dúvida, os elementos mais fortes quando estamos falando 
de associação imagética, porém, o número de legenda é um outro que também tem muita força 
representativa, assim como as siglas, que têm um poder de assimilação até maior do que o 
próprio nome dos partidos, fazendo com que muitos eleitores nem saibam o que significam cada 
letra que as compõem. 
Pela força que a sigla tem na associação partidária, surgem, rotineiramente, 
substantivações a partir delas: eleitores e membros do PT são "petistas"; PSDB 
"peessedebistas"; PMDB "peemedebistas", por exemplo. 
Outro elemento que tem muita força representativa são os logotipos de alguns partidos, 
principalmente o PT, que é representado por uma estrela vermelha com a sigla do partido 
grafada em caixa alta no centro, e o PSDB, representado por um tucano (que, por sinal, também 
nomeia os seus seguidores). 
 
 
79 
Utilizando a representação gráfica dos logotipos dos partidos em embate (PT e PSDB), o 
chargista transformou-os em personagens para a construção do enunciado-chave 2. A estrela 
vermelha representa, obviamente, o PT e o tucano azul e amarelo é a representação do PSDB. 
Na charge, o plano de fundo com um tom de azul claro e nuvens brancas remete ao céu. 
Essa representação é reforçada, também, pelos elementos principais do enunciado: o tucano 
com asas abertas voando e, por trás dele, uma estrela em seu "habitat natural", o céu. O tucano 
tem uma expressão de tranquilidade repassada pela ilustração de seu olho fechado aliado a um 
sorriso sutil, como se não se preocupasse e não precisasse ter cautela alguma por estar seguro e 
livre. 
Vê-se, no canto inferior direito, como se partisse do solo, a ponta de um cano de uma 
arma, disparando contra o pássaro, como se percebe pela fumaça na ponta desse cano. Uma 
linha tracejada representa o caminho que a bala percorre e, contra todas as leis da Física e 
almejando o humor, contorna o tucano peessedebista e atinge a estrela petista que estava logo 
atrás dele, sendo perfurada ao centro como se atingisse o local onde supostamente estaria o 
coração em um personagem humano. Gotas17 saltam da estrela transmitindo a ideia de surpresa 
e preocupação da vítima por ter sido atingida em situação tão improvável. 
Assim, o chargista, em uma polêmica velada, enforma (BAKHTIN, 2015b, p. 141) o seu 
discurso para atacar os opositores de seu posicionamento ideológico, criticando, sutilmente, a 
proteção que havia ao PSDB que não tinha, na época, nenhum de seus políticos investigados na 
operação Lava Jato que, a cada dia, buscava um novo caso de corrupção envolvendo o Partido 
dos Trabalhadores. 
Mesmo com toda a sutileza empregada na elaboração do enunciado buscando polemizar 
veladamente, o chargista atinge em cheio os seus leitores, que trazem suas respostas de 
imediato. 
 
5.2.3 Embates dialógicos 
 
O enunciado "O alvo" recebeu 82 "curtidas", 26 compartilhamentos e 22 comentários 
(alguns foram excluídos). 
 
17 Segundo Paulo Ramos (2016, p.110 e 111), gotas nos quadrinhos/cartuns, charges podem representar, além de 
surpresa, preocupação, desespero, entusiasmo e esforço físico excessivo. 
 
 
80 
 
Enunciados-resposta 2. 
Fonte: Facebook. 
 
O leitor Oliveira, que já havia aparecido nos enunciados-resposta 1, retorna (trecho "a") 
iniciando os embates na publicação de Ivan. Veladamente, o leitor polemiza sobre a charge: 
"Ainda bem que a bala defendeu o passarinho… Foi a favor da natureza e furou uma estrela 
decadente com uma sigla suja". O enunciado de Oliveira recebeu três curtidas, e um outro 
enunciado na sequência, um minuto após o do enunciador Fernandes, elogia com a palavra 
"excelente". Não é possível identificar claramente se o elogio foi direcionado ao enunciado-
 
 
81 
chave ou ao enunciado responsivo de Oliveira, pois há uma neutralidade em sua construção, 
assim como a falta de registro para quem se direcionava. 
Com essa descrição Oliveira explica como leu o enunciado, com uma suposta associação 
à ecologia, porém expõe, ao final do seu texto, que apresentava a sua resposta ironicamente 
quando adjetiva a estrela como "decadente com uma sigla suja". 
Furtado, um outro leitor, também veladamente, comenta o enunciado-chave polemizando 
o comentário de Oliveira: "...o passarinho que quebrou três vezes a economia brasileira, e 
privatizou fraudulentamente megaempresas estatais? Esse daí PRECISA levar bala; não é 
passarinho não, é PRAGA [sic]". Ele aproveita da mesma estratégia de Oliveira e também 
ironiza o enunciado aludindo-o ao aspecto ecológico. Justifica o atentado ao pássaro mediante 
o que ele já havia feito de errado. Determina que o pássaro precisaria morrer (enfatizando isso 
com o uso de letras maiúsculas18) e conclui que o pássaro não é inofensivo, trata-se de uma 
praga (também grafado em letras maiúsculas). O leitor, também usando a ironia como Oliveira, 
ataca o PSDB retomando parte de seu histórico político quando critica as privatizações 
ocorridas no Brasil que aconteceram principalmente na gestão de Fernando Henrique Cardoso 
(1994-2002) (RIBEIRO JÚNIOR, 2011). 
As respostas aos comentários no Facebook, quando feitas por meio do botão "responder", 
ficam recuadas à direita, hierarquizando todos os comentários feitos a partir do inicial, 
distribuindo-se cronologicamente e deixando o registro de data e hora de criação. 
Após a resposta de Furtado, notam-se quatro respostas dele mesmo, seguidas de um novo 
comentário com outras duas respostas e um outro comentário finalizador (trechos "a" e "b"). 
Analisando essas respostas, vê-se que não se tratava de um monólogo em que não houvesse um 
outro no diálogo. Já na primeira"sub-resposta", Furtado nomeia o seu coenunciador (Oliveira) 
e, nas demais, algumas palavras como "você", "faça seu dever", "sua", "vá", "vamos" etc. 
mostram que havia esse outro no embate dialógico. A análise do conteúdo também aponta que 
o embate não era pacífico: trechos como "vai ficar só me atacando pessoalmente?", “faça seu 
dever de casa direito." (trecho "a"), "muito bem, vá se afundando." e "Vige, agora vou te que 
obedecer ordens suas? [sic]" são exemplos disso. No último comentário desse embate interno, 
o leitor Furtado decreta o fim: "Vamos fazer o seguinte: pra não fuleirar mais ainda a postagem 
do meu querido Ivan Cabral, vou deixar você aí sozinho com seus comentários sem 
embasamento (e ainda vai poder dizer coisas como "fugiu da raia"e etc.). Tenha um boa dia! 
 
18 O uso de letras maiúsculas em meio às demais em “caixa baixa”, além de ser um destaque normalmente utilizado 
em textos escritos, quando feito na internet ainda pode representar um grito ou uma voz falada em tom elevado. 
 
 
82 
[sic]". As falas de Furtado analisadas dessa maneira parecem desconexas, porém está claro que 
as mensagens do seu coenunciador foram apagadas, provavelmente pelo teor ácido que o 
embate incorporou. 
No trecho "c", um leitor de sobrenome Othon posta que "todo Petista se acha o paladino 
da moralidade….", não deixando claro se se referia ao enunciado-chave ou aos enunciados-
resposta de Furtado, polemizando veladamente sobre o assunto. O leitor conclui a postagem 
com uma imagem de um personagem com expressão de surpresa. Logo após repete o mesmo 
texto, porém sem a imagem, e aparecem duas respostas diretas. Farias responde abertamente a 
Othon: "A interpretação depende de cada um. Posso pensar que o PSDB está se saindo melhor 
que o PT na defesa". Costa conclui ainda mais abertamente: "O PSDB é mais dissimulado e 
mais astuto em matéria de corrupção. Os tucanos sempre gostaram de ostentar o status de 
'refinados', e assim o são até na arte da bandidagem". 
Nesses embates, vemos que os leitores se atacam pela divergência ideológica, por mais 
que nenhum tenha revelado abertamente o seu posicionamento. Esses "leitores responsivos" 
também não haviam direcionado os seus enunciados a outros leitores específicos, o que 
solicitaria uma resposta direcionada e, mesmo assim, há a troca enunciativa intensa, mostrando 
que a responsividade é algo inerente e inseparável dos enunciados concretos. 
No trecho "d" vemos alguns comentários de elogio e motivação a Ivan, porém Dantas, 
outro leitor já conhecido, polemiza veladamente com o enunciado "kkkkkkkkk tá serto 19!! 
[sic]". 
O último enunciado-resposta traz uma imagem com um texto e outras imagens menores. 
O texto diz: "Você conhece a teoria das tesouras. Dois grupos, ou dois partidos fingem ser 
adversários, se ofendem, brigam, xingam, disputam eleições com se fossem inimigos, mas na 
verdade, servem aos mesmos senhores e aos mesmos interesses: o tal de comunismo moderno 
… e desse jeito e aos poucos, vão podando a Democracia dos dois lados." [sic]. A figura é 
ilustrada com duas imagens de tesouras antagônicas (uma partindo da esquerda e outra da 
direita) e três fotos menores de Lula e Fernando Henrique Cardoso em momentos de amizade, 
mostrando que o PT e o PSDB que já foram próximos e hoje se afastam em prol de interesses 
próprios. A postagem tem, aparentemente, um tom neutralizador, apontando que ambos os lados 
têm seus interesses, porém, ao final, critica a esquerda com o trecho "[...] o tal de comunismo 
 
19 A expressão comumente utilizada na internet “tá serto" [sic] é grafada erroneamente de propósito, ironizando 
algo que o enunciador não concorda. É o oposto de "está certo", ou seja, está errado. 
 
 
83 
moderno … e desse jeito e aos poucos, vão podando a Democracia dos dois lados", uma vez 
que é sabido que o comunismo é alinhado à ideologia esquerdista. 
Durante a análise do enunciado-chave 2, percebe-se que, diferentemente do enunciado-
chave 1 e seus enunciados-resposta, Ivan silenciou-se perante os comentários dos seus leitores, 
deixando que a responsividade natural do enunciado suprisse a exposição de seu 
posicionamento abertamente. 
 
5.3 Março de 2016, enunciado-chave 3: "Como acabar com um protesto" 
 
5.3.1 Contextualização política e dados quantitativos 
 
Cenário nacional na época: 
Em março de 2016, o Zika vírus ainda estava causando muita preocupação e havia se 
espalhado por todo o país, o Whatsapp havia sido bloqueado mais uma vez e o Conselho de 
Ética da Câmara avaliava a quebra de decoro de Eduardo Cunha. Marcelo Odebrecht havia 
sido condenado a 19 anos e quatro meses de prisão pelo esquema de corrupção da Petrobrás. 
O STF reavaliava o rito de processo do impeachment e, no dia 13, o Brasil "explodiu", mais 
uma vez, numa onda de protestos contra a corrupção e, principalmente, contra Dilma Rousseff 
e o PT. 
 
 
Gráfico 4 – Charges de março de 2016. 
Fonte: Autoria própria. 
 
 
84 
 
No mês de março de 2016, Ivan elaborou 27 charges, das quais 26 abordavam a política 
de maneira geral e 24 eram referentes ao processo de impeachment. Nesse mês, houve duas 
publicações exclusivas no Facebook que não ganharam espaço no Novo Jornal. Março foi, sem 
dúvidas, o período em que a política foi o tema que mais motivou a elaboração de enunciados. 
96,3% das charges publicadas traziam o tema político, e 88,88%, do total, eram referentes ao 
impedimento de Dilma. 
Um domingo, 13 de março, foi escolhido para ser o dia da maior manifestação contra a 
corrupção no Brasil. A data 13 provavelmente foi escolhida por ser o dia com o número do 
Partido dos Trabalhadores e para associá-la à corrupção (motivo da manifestação) ao partido. 
 
5.3.2 Apresentação do enunciado 
 
Como já mostramos, as cores verde e amarelo tornaram-se "obrigatórias" nas vestes dos 
manifestantes. Isso fez com que Ivan utilizasse essa característica marcante para representar os 
eleitores manifestantes de forma genérica em suas charges. 
 
Figura 10 – Manifestante genérico. 
Fonte: Ivan Cabral. 
 
Ivan preparou uma charge para ser publicada na edição de domingo do Novo Jornal, no 
dia 13, data de mais um protesto. Tradicionalmente, a edição mais vendida dos jornais é a 
dominical e isso faria com que mais leitores vissem o enunciado e associassem facilmente a 
charge ao que estava acontecendo no dia. 
 
 
85 
Sincronizando o tempo de sua produção ao evento que ia acontecer, o chargista 
programou a publicação do enunciado para ser veiculado justamente no dia do protesto. Em seu 
enunciado, criticou a multidão que ia às ruas e as suas motivações. 
 
 
Enunciado-chave 3 – Como acabar com um protesto20. 
Fonte: Ivan Cabral. Disponível em: <http://www.ivancabral.com/2016/03/charge-do-dia-como-acabar-
com-um.html>. Acesso em 28 jun. 2016. 
 
Ivan Cabral produziu esse enunciado criticando a oposição do governo, que pedia, 
intensamente, a saída da governante. Os apoiadores de Dilma acreditavam que esses 
manifestantes requisitavam a saída da presidente sem um embasamento sólido, crendo que, 
apenas levados pelo movimento da massa, pediam esse impedimento. 
O desenho mostra a população pró-impeachment aglomerada fugindo de um livro de 
História lançado no meio da multidão de fora para dentro, como se o chargista estivesse ali, 
arremessando o livro e inserindo o seu próprio pensamento no enunciado, ou seja, inserindo a 
sua própria voz, criticando claramente aqueles que estavam com um pensamento divergente. 
Os personagens, ilustrados como eleitores manifestantes genéricos, estão vestidos com 
uma camisa verde e amarela (como já dito, um dos símbolos das manifestações) e, em algumas 
 
20 Trecho de trabalho apresentado na XXVI Jornada do Grupo de Estudos Linguísticos do Nordeste – GELNE, 
sob o título "Reverberaçãodas charges online", em 2016, pelo mesmo pesquisador desta dissertação. 
 
 
86 
dessas camisas, é possível ler os pedidos de impeachment e frases de repúdio ao partido da 
presidente, marcando claramente que se trata de membros opositores à gestão Dilma/PT. 
O rosto de pânico em cada um dos personagens e a dispersão oposta ao local onde o livro 
cairia remetem ao medo dos manifestantes de conhecer a história do país e reconhecer que o 
protesto é equivocado, de acordo com o chargista. O arremesso do livro de História mostra a 
possível falta de conhecimento da história democrática do país (que dentre muitos problemas 
viveu uma Ditadura Militar) por parte dos manifestantes e o desconhecimento do que realmente 
o protesto estava reivindicando, pois como se via em reportagens da época, muitos levavam, 
inclusive, faixas nas cores verde e amarelo solicitando intervenção militar. 
Claramente, a charge critica a oposição ao governo petista e mostra o posicionamento 
político-ideológico de Ivan Cabral. 
Mais uma vez o enunciado de Ivan trouxe respostas, e, dessa vez, a resposta veio de forma 
inusitada: um leitor refez o discurso de Ivan construindo o seu em uma releitura distorcida e 
não autorizada. 
5.3.3 Embates dialógicos 
 
 
Enunciado-resposta 3 – Releitura da charge "Como acabar com um protesto". 
Fonte: Facebook. 
 
 
 
87 
Descontente e desfavorável ao posicionamento de Ivan, um leitor, utilizando o 
conhecimento que tinha de manipulação de imagens, refez o enunciado original inserindo o seu 
posicionamento e reutilizando as mesmas estratégias que Ivan usou no enunciado-chave 3. 
O uso dos mesmos recursos enunciativos fica claro, principalmente, pelo enunciado-
resposta 3 ter sido feito sobre o desenho original com manipulações que exigiram poucos 
recursos técnicos. O coenunciador substituiu o livro de História por uma carteira de trabalho 
(que, por sinal, tem a mesma coloração azul), recoloriu as camisas verde e amarelo por 
vermelho (a cor do partido da presidente Dilma) e alterou os textos de "impeachment já" e "Xô 
PT" para a sigla da legenda do Partido dos Trabalhadores. 
Com essas alterações, o "leitor autor" manteve o mesmo teor enunciativo que Ivan havia 
inserido no enunciado original: o pânico ilustrado nas ações e expressões de cada um dos 
personagens foi mantido, assim como dispersão oposta ao local onde a carteira de trabalho 
cairia, assustando os apoiadores do PT. A fuga dos personagens à carteira de trabalho remete à 
crítica de que os membros do PT e os apoiadores de Dilma Rousseff são avessos ao trabalho e, 
por isso, faziam seus protestos em dia de semana (o contrário dos protestos da oposição, que 
normalmente aconteciam aos domingos) e que, desempregados, recebiam auxílio financeiro 
para ir às ruas, invalidando o protesto de apoio – a batalha ideológica, na verdade, seria um 
mero contrato financeiro. 
Poucos elementos foram alterados em relação à charge original: as cores e os dizeres das 
camisas e o elemento arremessado no centro do desenho. Essas alterações foram mínimas, mas 
mudaram o discurso completamente, trazendo a voz do leitor carregada de uma crítica velada, 
porém extremamente empoderada de forças centrífugas em relação ao enunciado original. 
A releitura do enunciado de Ivan não pode ser considerada como plágio, uma vez que a 
sua construção está mais próxima à definição da paródia. Segundo Bakhtin (2015, p. 82), a 
paródia não se trata apenas de um discurso do outro na mesma "linguagem"; é um enunciado 
do outro numa "linguagem estranha ao autor", isto é, por mais que o novo enunciado também 
seja uma charge, a ideologia inserida nela é estranha ao posicionamento de Ivan. O discurso 
paródico rebaixa e deforma a palavra do outro. Oliveira explica que: 
 
 
88 
 
No discurso popular, o termo paródia assumiu um sentido restrito e 
depreciativo, uma vez que, nesse caso, atribui-se a ele o sentido de imitação 
enganosa ou simulacro. No entanto, a sua concepção não é muito diferente no 
discurso da esfera literária [assim como no gênero discursivo charge]. Apesar 
de ter um sentido mais diversificado, continua, devido a sua natureza 
ambivalente, sendo definida pelos cientistas da linguagem a partir de uma 
conotação negativa, visto que, geralmente, são consideradas obras paródicas 
aquelas que se propõem a realizar a “degradação” de um modelo [...] 
(OLIVEIRA, 2016, p. 76, grifos nossos). 
 
A paródia é caracterizada por uma "repetição diferenciada". Diferente de uma imitação 
que copia igualmente, ela traz detalhes que a diferenciam do original, valorando-a como uma 
recriação do texto original (CABRAL, 2008). 
Ivan Cabral traz um complemento à definição de paródia quando diz que 
 
ela precisa simultaneamente repetir-se enquanto se diferencia. Ao mesmo 
tempo em que inova, ela precisa manter a estrutura do texto que lhe serve de 
substrato, num jogo sutil entre mudança e conservação, morte e vida, diferença 
e semelhança. Em outras palavras, é necessário que as pistas que fazem 
referência ao texto parodiado sejam minimamente preservadas, caso contrário 
o novo texto perde sua essência paródica e compromete o fluxo entre os dois 
textos a ser vivenciado pelo leitor (CABRAL, 2008, p. 34). 
 
O leitor que reconstruiu o enunciado de Ivan explicou em sua página pessoal do Facebook 
o processo de alteração do enunciado original. 
 
 
 
89 
 
Figura 11 – Processo de reconstrução enunciativa. 
Fonte: Ivan Cabral / Facebook. 
 
Como dito pelo próprio autor do enunciado-resposta 3 na Figura 11, ele assume que fez 
uma montagem, mas inserindo as suas ideologias. Explica ainda como era a charge original e 
detalha o processo de intervenção, apontando que deixou a assinatura de Ivan "só para 
sacanear", único ponto que põe em xeque o seu processo de reconstrução, aproximando-o de 
um possível plágio ao invés de uma paródia. O autor ainda mostra que se agradou pelo fato de 
seu discurso ter tomando uma grande repercussão21. 
O leitor reelaborou o desenho original, criando uma paródia que, além de "refazer" o 
desenho, criou uma nova visão ideológica sobre o mesmo tema. Por mais que tenha sido 
 
21 A paródia da charge de Ivan feita pelo coenunciador tomou proporções enormes, reverberando pela internet 
mais rápido do que a original. Em um perfil de direita no Facebook as reações chegaram à marca de 39.300 
interações. A Revista IstoÉ, na edição de nº. 2423 de 18 de maio de 2016, publicou uma matéria intitulada “Humor 
em tempos de crise” e publicou a charge parodiada como se fosse original (OLIVEIRA JUNIOR, 2016). 
 
 
90 
construído refazendo pitorescamente o discurso original, o novo enunciado tem valor. Em 
outras palavras, deve ser considerado, pois tinha um "novo outro" a ser atingido, possuía 
conteúdo a ser recuperado, transmitia a voz carregada do novo autor e estava diretamente 
relacionado ao original, criando um verdadeiro enunciado-resposta. Bakhtin (2015a, p. 297) 
explica que os enunciados não são isolados e, se não se concluem por si só, eles se relacionam 
e necessitam de outros: "os enunciados não são indiferentes entre si nem se bastam cada um a 
si mesmos; uns conhecem os outros e se refletem mutuamente uns nos outros. Esses reflexos 
mútuos lhes determinam o caráter". Em novo enquadramento, o discurso do enunciado-matriz 
cria um novo fundo dialógico: novo posicionamento contrário ao que o motivou. 
Em ambos os enunciados, os autores utilizaram de uma acidez ainda mais acentuada do 
que o gênero exige, criticando o pensamento alheio e atingindo-o diretamente por não aceitar o 
seu posicionamento como importante, fazendo com que os enunciados fossem bem 
direcionados ao ataque à oposição, porém ainda construídos sob a perspectiva da polêmica 
velada. 
O discurso de Ivan, no enunciado-chave 3, estava repleto de vozes direcionadas à 
oposição e o Novo Jornal, com a tentativa de evitar supostasrepresálias de leitores antagônicos 
ao posicionamento ideológico do chargista, recorreu ao gatekeeper22, que vetou a sua 
publicação, solicitando que Ivan refizesse a charge (CABRAL, 2016), com uma crítica mais 
sutil e menos impactante do que a que foi enviada, interferindo na voz do falante. 
A charge "Como acabar com um protesto" não foi impressa no Novo Jornal, porém 
ganhou espaço na página do Facebook e no blog de Ivan, onde serviu de base para a elaboração 
da paródia e para outras respostas. 
 
 
22 Fernandes (2011, p. 5), citando Kurt Lewin (1947), define que a passagem da notícia em alguns veículos de 
comunicação depende de "portões" (gates) que funcionam dentro desses mesmos canais de comunicação. Em 
tradução livre, os gatekeepers seriam os "porteiros" da notícia, aqueles que determinam o que sai da edição e ganha 
espaço nas páginas veiculadas. 
 
 
91 
 
Enunciados-resposta 4. 
Fonte: Facebook. 
 
Os embates dialógicos continuaram no Facebook e, como nos anteriores, nasceram 
velados e se tornam mais abertos durante todo o processo. O leitor Ferreira usa sua criatividade 
e expõe a sua polêmica de forma direta, por meio de um poema intitulado "O dialeto petista", 
carregado de forças centrífugas: 
Muito exótico, indireto, 
Tortuoso, entrelinhado 
É muito falso e safado 
Do PT o dialeto! 
Não segue caminho reto 
Esse jargão da canalha 
- Que pelo Brasil se espalha 
Enganando tanta gente… 
- É promíscuo, é indecente, 
Só quem entende é petralha23 
 
O uso de palavras como "falso", "safado", "canalha", "enganando", "promíscuo", 
"indecente" e "petralha" monta o cenário que nos permite considerá-lo um "poema responsivo" 
como polêmica aberta. Sem procurar usar índices que amenizassem ou direcionassem 
indiretamente a sua intenção, o autor preferiu ser claro e atacar diretamente quem apoiava o 
 
23Assim como "mortadela", “petralha” é outra expressão pejorativa para referir-se aos apoiadores do PT. 
 
 
92 
governo petista; consequentemente, atacar também o chargista. Ivan não se pronunciou nesse 
embate das respostas no Facebook. 
Em resposta à solicitação do Novo Jornal, Ivan elaborou um novo enunciado abrandando 
a sua voz e construindo uma nova crítica velada, mais sutil, que foi publicada pelo periódico. 
 
 
Enunciado-resposta 5 – ET nos protestos. 
Fonte: Ivan Cabral. Disponível em: <http://www.ivancabral.com/2016/03/charge-do-dia-como-acabar-
com-um.html>. Acesso em 28 jun. 2016. 
 
O novo enunciado traz um cenário parecido com o cenário do enunciado reprovado no 
enunciado-chave 3. O protesto novamente está sendo retratado com a participação dos 
"eleitores-manifestantes" genéricos com suas camisas amarelas. Nota-se a presença de placas 
pedindo a saída do PT e o pedido de impeachment. No centro, em destaque, há a presença de 
um ser extraterrestre também vestido com a camisa verde e amarela com uma placa que 
destoava das demais, perguntando: "Moro, e o PSDB?", criticando a postura do juiz federal 
Sérgio Moro, responsável pela Operação Lava Jato, por não incluir as denúncias contra os 
partidos de oposição ao PT. 
A presença de um extraterrestre é para comunicar que apenas um ser que não vivesse no 
planeta Terra e não estivesse sendo influenciado pela opinião da massa e dos grandes veículos 
de comunicação teria capacidade de mensurar imparcialmente a situação, cobrando a 
investigação de todos os possíveis partidos envolvidos. 
 
 
93 
Com esse enunciado, Ivan deixou a crítica particular de lado e voltou à crítica 
institucional, apontando as falhas do processo e os conchavos partidários de interesses. 
A nova charge passou pelo crivo editorial do Novo Jornal e foi publicada, além de 
republicada no Facebook e no blog. Dessa vez o blog, que normalmente é uma plataforma com 
pouca interação, recebeu uma resposta de um leitor também questionando a postura de Ivan e 
de suas charges. 
 
 
Enunciado-resposta 6 – Interação do blog Sorriso Pensante. 
Fonte: <www.ivancabral.com.br>. Acesso em: 28 jun. 2016. 
 
 
94 
 
Nota-se que há um embate entre chargista e leitor repleto de polêmicas abertas. No 
discurso do leitor, há uma forte demonstração dessas polêmicas em trechos como: "não 
interessa agora essa merda de oposição", "você está ajudando um bando de criminosos com 
seus argumentos bobos" e "Charges como essa só desviam a atenção do que interessa, e com 
um argumento frágil. Seus netos um dia vão lhe cobrar". Outro trecho mostra que o leitor 
analisou outras postagens, pois retoma a charge que não havia sido publicada no Novo Jornal 
(enunciado-chave 3) quando diz: "[...] ignorando a maior manifestação da história dizendo que 
todos que estavam lá são ignorantes em relação a história". 
Na réplica de Ivan, também há a presença das polêmicas abertas. Inicialmente, o chargista 
valida a análise do outro com a frase: "O seu comentário, embora discordante, é importante. 
Significa que você fez uma leitura da charge e resolveu comentá-la, argumentando, mesmo que 
discordando". Abre a polêmica nos pontos 1 e 2, resgatando, ainda, o histórico de corrupção do 
PSDB ao referir-se à falta de investigação do partido desde a época de Mário Covas. Ivan tenta 
posicionar-se de forma menos incisiva quando justifica a sua "imparcialidade" no trecho "minha 
intenção não é ajudar um bando de criminosos com argumentos bobos, mas denunciar a 
indignação seletiva, apoiada por parte significativa da grande mídia". O chargista finaliza 
convidando o leitor a ler a postagem "Eu, Petista?!", que já citamos nesta pesquisa. 
Os dois enunciados produzidos por Ivan que utilizamos na análise do mês de março 
mostram que há uma interação intensa entre os enunciados produzidos e os seus leitores, além 
de apontar que existem inúmeros meios de se manifestar essas respostas além dos comentários 
diretos em redes sociais, como foi o exemplo da paródia produzida que acabou ganhando, 
inclusive, mais alcance responsivo do que o enunciado original, mostrando que a charge tem 
um grande potencial para alcançar “o outro” e suas inevitáveis respostas. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
95 
5.4 Abril de 2016, enunciado-chave 4: "Minha ponte, minha vida" 
 
5.4.1 Contextualização política e dados quantitativos 
 
Cenário nacional na época: 
Abril de 2016: o nadador César Cielo estava fora das Olimpíadas do Rio; o desemprego estava 
em 10,2%, segundo o IBGE; no dia 20, o STF enviou ao Senado uma proposta para o roteiro 
do processo de impeachment da presidente Dilma. 
 
 
Gráfico 5 – Charges de abril de 2016. 
Fonte: Autoria própria. 
 
Em abril, Ivan elaborou 30 charges: 25 sobre política de forma geral e, dessas, 21 
específicas sobre o impeachment. O mês teve uma grande produção, pois o cenário político 
nacional estava em alta nas manchetes dos jornais, o que não dava muito espaço para outros 
assuntos. 16 charges foram republicadas no Facebook. Todas as outras estavam no jornal e no 
blog. 
De acordo com a movimentação política em Brasília, ficava mais claro, a cada dia, que a 
presidente Dilma seria retirada do cargo. Isso fez com que o foco em Michel Temer e em seu 
 
 
96 
plano de governo fosse ampliado. A população já queria saber mais sobre o possível novo 
presidente e o que os aguardava. 
 
5.4.2 Apresentação do enunciado 
 
 
Enunciado-chave 4 – Minha ponte, minha vida. 
Fonte: Ivan Cabral. Disponível em: <http://www.ivancabral.com/2016/04/charge-do-dia-tchau-
querido.html>. Acesso em: 9 jul. 2017. 
 
Um dos maiores problemas do Brasil sempre foi o de moradia e, tentando amenizar essa 
questão, a gestão petista elaborou um programa social que se tornou um dos mais destacados 
dos governos Lula/Dilma: o programa "Minha Casa, Minha Vida", que consistia em oferecer 
moradia própria à população de baixa renda e subsídios para aquisição de imóvel próprio para 
outras faixas de renda.Com a possível ascensão ao poder de Michel Temer, os apoiadores de Dilma levantaram 
o questionamento do fim dos programas de governo petistas e, consequentemente, a 
apresentação do programa de governo peemedebista. Um desses programas ficou bastante 
conhecido negativamente. Chamado de "Uma Ponte para o Futuro" (PMDB, 2015), traz pontos 
de austeridade para controlar a crise econômica e isso, de acordo com os comentários dos 
apoiadores da esquerda, estagnaria o desenvolvimento do país, principalmente para a população 
inserida nas faixas de renda mais baixas. 
 
 
97 
Ivan, criticando o projeto Ponte para o Futuro, trouxe uma ilustração muito comum para 
representar a falta de moradia: pessoas morando embaixo de pontes, um reflexo de uma 
realidade sempre presente no país. 
A ponte ilustrada traz uma inscrição com o nome do projeto e, logo abaixo, um cartaz 
colado em um dos pilares de sustentação com o título "Minha ponte, Minha vida", parodiando 
o programa de governo petista outrora elogiado. O ícone que acompanha o título do cartaz tem 
as mesmas cores do logotipo oficial: verde, azul e amarelo, substituindo a casa original por uma 
ponte. 
 
 
Figura 12 – Logotipo do programa Minha Casa, Minha Vida. 
Fonte: Governo Federal. 
 
Com o uso dos dois enunciados (a charge como um todo e a paródia do logotipo), Ivan 
utiliza da construção híbrida que Bakhtin (2015b) explicou como uma mistura de estilos 
distintos ou linguagens diversas na construção de um só enunciado. 
Assim como no enunciado-chave 1, há a representação de prédios ao fundo situando a 
charge em uma cidade grande. Sobre a ponte, vê-se carros – elementos representantes de um 
alto poder aquisitivo – dirigindo-se à direita (direção observada pelo posicionamento dos 
retrovisores dos veículos de cor cinza e laranja). 
Abaixo da ponte, vemos duas situações: primeiro uma família que vem da esquerda da 
charge em direção à suposta nova moradia, um barraco feito com pilares de madeira e uma 
frágil cobertura. Essa família é composta por uma mulher de vestido com um lenço na cabeça, 
em um estereótipo da "dona de casa", um homem vestido como um operário por seu capacete 
e macacão nas cores da bandeira brasileira (como crítica a um possível manifestante por estar 
usando as cores dos protestos ou crítica às novas dificuldades oferecidas a um trabalhador que 
vestia as cores do país), e uma criança, representada por uma cabeça que aparece entre o homem 
 
 
98 
e a mulher como se estivesse em seus braços. A família está contemplando o cartaz com uma 
expressão triste notada pela sobrancelha ascendente e a boca do homem arqueada para baixo. 
A segunda situação mostra um homem à direita do pilar sentado embaixo de um barraco 
similar ao da primeira situação, descalço e acompanhado de um cachorro, tradicional 
companheiro de moradores de rua. A expressão do homem e do seu animal também é de tristeza, 
índices notados pelos desenhos da sobrancelha e da boca do cachorro. 
Toda essa narrativa acontecendo ao redor da ponte é, claramente, uma ironia relacionada 
ao nome do programa de governo do PMDB. Ivan emoldura, mais uma vez, o seu discurso e 
aponta a sua crítica para os pontos negativos do projeto do governo de oposição, polemizando 
veladamente o tema tratado na charge. 
 
5.4.3 Embates dialógicos 
 
O enunciado obteve 150 cliques de reações, 88 compartilhamentos e 8 comentários (entre 
principais e sub-comentários). 
 
 
 
99 
 
Enunciados-resposta 7. 
Fonte: Facebook. 
 
Iniciado por Medeiros, que elogia o trabalho de Ivan (trecho "a"), o embate de respostas 
entra na categoria de polêmicas com o já conhecido leitor Oliveira, quando diz que Ivan já havia 
começado a fazer críticas ao governo, no caso uma polêmica aberta. Ivan, ironicamente, como 
recurso comum às polêmicas veladas, questiona: "Qual governo?", mostrando que não 
reconhecia o governo de Temer como um governo válido. Oliveira responde que estava se 
referindo a um governo de forma geral. Oliveira Jr., outro leitor, tenta explicar o enunciado, 
também com ironia, apontando que Oliveira desconhecia o projeto de governo de Temer quando 
 
 
100 
diz: "Acho que ele não conhece o 'mega projeto' do PSDB Ponte para o 'futuro'" [sic]. O uso 
das palavras destacadas em aspas é um marcador da polêmica velada no discurso do leitor, que 
também ironiza o plano de governo, como se não fosse grande e também não fosse garantia de 
futuro. Oliveira retoma explicando que não é partidário: "não falei que sou defensou do PSDB, 
não sou militonto" [sic]. A palavra aglutinada "militonto" também polemiza, pois elenca os 
militantes partidários como tontos por apoiarem partidos políticos. Oliveira Jr. retorna ao debate 
justificando que o seu comentário não se dirigia a ele, e sim ao partido PSDB, posicionando-se 
fora do embate direto com o outro leitor. Ivan reaparece e corrige que o partido do projeto Ponte 
para o Futuro é o PMDB, concluindo que "agora não faz muita diferença" sobre qual partido 
seja o criador do projeto, mostrando um descontentamento com a proximidade da posse de 
Temer. 
No trecho "b", o leitor Ferreira, provavelmente desconhecendo o programa de governo de 
Michel Temer, associou a charge como crítica à gestão petista e diz: "o artista, agora, depois de 
domingo, voltou à lucidez! Parabéns, Ivan!". O domingo ao qual o leitor se refere foi o dia 17 
de abril de 2016, dia da votação do afastamento de Dilma Rousseff na Câmara dos Deputados 
Federais. 
No mesmo trecho, outros leitores parabenizam o enunciado-chave. Dias insere um link 
externo com uma matéria sobre o que temer no novo governo e o leitor Gomes, abertamente, 
posiciona-se contra o possível novo governo. 
Vemos, nesse enunciado, que há a recorrência de leitores que já haviam se posicionado 
em diversos outros enunciados, aparecendo sempre com comentários velados que se tornam 
abertos gradualmente a cada nova resposta. Assim como os leitores que expõem os seus 
posicionamentos por meio de textos, há ainda os leitores que não externam as suas respostas, 
porém concordam com os enunciados compartilhando-os e os que respondem apenas com 
reações clicáveis disponíveis na rede Facebook. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
101 
5.5 Maio de 2016, enunciado-chave 5: "Sexta-feira 13" 
 
5.5.1 Contextualização política e dados quantitativos 
 
Cenário nacional na época: 
Em maio de 2016, Dunga escalou a seleção brasileira de futebol que iria disputar a Copa 
América Centenário, deixando Neymar de fora; Eduardo Cunha teve seu mandato de 
Deputado Federal suspenso por 11 votos a 0; no dia 12, Dilma foi afastada do seu mandato 
como presidente e Michel Temer fez o seu primeiro discurso como presidente em exercício. 
 
 
Gráfico 6 – Charges de maio de 2016. 
Fonte: Autoria própria. 
 
No último mês analisado, Ivan produziu 11 charges, das quais oito tratavam de política, 
sendo sete as exclusivas sobre Dilma/impeachment. Devemos lembrar que o levantamento de 
dados finalizou no dia 13 e os números refletem apenas o período que essa pesquisa considerou. 
As charges foram impressas no Novo Jornal e alimentaram o blog Sorriso Pensante. No 
Facebook, Ivan postou apenas a charge que utilizamos na análise do mês, intitulada "Sexta-
feira 13". 
 
 
102 
5.5.2 Apresentação do enunciado 
 
 
Enunciado-chave 5 – Sexta-feira 13. 
Fonte: Ivan Cabral. Disponível em: <http://www.ivancabral.com/2016/04/charge-do-dia-tchau-
querido.html>. Acesso em 9 jul. 2017. 
 
Michel Temer assume o cargo de presidente do Brasil no dia 13 de maio e Ivan ilustra o 
fato em uma charge sem texto, mas com muita carga enunciativa. O dia 13 de maio caiu em 
uma sexta-feira e, no Brasil, a combinação da data com o dia da semana é conhecida como 
azarada, em que bruxos estão à solta e as coisas tendem a dar errado. 
Utilizando do conhecimento folclórico envolvendo o dia, Ivan ilustrou o novo presidente 
centralizado no enunciado como plano de fundo composto por cores frias e escuras, criando 
um ambiente sombrio. 
O Michel retratado por Ivan é um homem de traços sérios, porém carregando um leve 
sorriso que beira a inocência com um pouco de felicidade. A caricatura do novo presidente tem 
nariz afilado e bem vertical, sobrancelhas marcantes, rugas da idade no rosto, cabelos grisalhos 
e bem penteados. Há um queixo curto, porém, protuberante com uma leve "papada" abaixo do 
rosto e dos olhos; Temer está vestido com um paletó azul – traje típico de políticos do sexo 
masculino – e uma gravata vermelha, destoando de toda a composição de cores da charge. Os 
braços do personagem estão para trás, escondendo as mãos nas costas, simbolizando uma 
 
 
103 
posição defensiva. Descendo a partir do ombro direito, há um cinto grosso com uma marcante 
fivela no local onde deveria estar a faixa presidencial, símbolo que representa a posse do cargo 
no Brasil. A substituição da suave faixa por um cinto aparentemente resistente transmite a ideia 
de que o novo presidente assumiu o cargo "à força" e que, agora, estava garantido na posição. 
Os olhos de Temer miram o leitor, encarando-o diretamente. 
Sobre os ombros do novo presidente há um gato preto, outro elemento que simboliza o 
azar e também está diretamente ligado à sexta-feira 13. O gato tem as patas traseiras sobre o 
ombro esquerdo e as dianteiras sobre o direito e, passando por trás da cabeça de Michel Temer, 
o "felino azarado" também contempla o leitor. Com o gato nessa posição, o chargista repassa a 
ideia de que era o azar que estava por trás da presidência de Temer, além de que, para ele, esse 
azar estaria, agora, com a população brasileira. 
 
5.5.3 Embates dialógicos 
 
A última charge analisada nesta pesquisa é a primeira que Ivan faz de Michel Temer como 
presidente do Brasil (embora que ainda em exercício, porém confirmado meses depois). O 
enunciado gerou 150 reações clicáveis no Facebook, além de 37 compartilhamentos e oito 
comentários. 
O chargista polemizou veladamente sobre o final do mandato de Dilma e a ascensão de 
Temer ao poder, criticando com sutileza enunciativa, porém carregada de valoração. 
 
 
 
104 
 
Enunciados-resposta 8. 
Fonte: Facebook. 
 
Os leitores iniciaram os embates responsivos com polêmicas veladas sobre o enunciado. 
Freire diz: "coitado do gatinho!!", revelando pena do animal por estar perto de Michel Temer. 
Mir segue a mesma linha de raciocínio e protege o felino por estar associado ao novo presidente, 
porém deixa uma dúvida se a sua crítica está direcionada ao chargista por referir-se ao gato 
preto como azarento. Oliveira (um outro Oliveira, diferente do presente nos embates dialógicos 
dos enunciados-chave 1, 2 e 4) elogia Ivan com um "perfeito!". 
 
 
105 
Outra polêmica velada surge logo após, porém apoiando o novo presidente. Ákila afirma 
que "não há o que Temer". O uso do "temer" como verbo mostra que o leitor explica para o 
chargista que não há motivos para ter medo da gestão do novo presidente e reforça isso quando 
transforma o verbo em sujeito, grafando-o com a primeira letra maiúscula, transformando 
"temer" em Temer, sobrenome de Michel. 
O leitor Dias traz uma polêmica aberta, afirmando que ele (Temer) vai trair o gato, 
apontando que o novo presidente é capaz disso após fazer o mesmo com Dilma, antiga aliada 
política que chegou ao cargo junto a ele. 
Silva, comentando como se fosse o gato ilustrado no ombro de Michel Temer, faz sua 
crítica veladamente: "Oh não, um Temer cruzou o meu caminho!!! 180 dias d azar!!! [sic]". 
Aludindo à falta de sorte que o gato teria em estar próximo a ele. Os 180 dias aos quais a leitora 
se referiu em seu enunciado referem-se ao tempo em que Michel estaria como presidente 
temporário enquanto a presidente afastada poderia defender-se e voltar ao cargo, provavelmente 
em uma demonstração de esperança do retorno de Dilma Rousseff. 
Gomes parabeniza Ivan pelo enunciado e tenta explicá-lo quando diz que o azar esteve 
em descobrir "um traidor que se acha mais esperto que um gado" (provavelmente o leitor se 
referia ao gato mas digitou errado), polemizando abertamente. Paiva finaliza a onda de 
respostas com uma gargalhada grafada pela letra "k" repetida. 
Alguns enunciados apresentam uma quantidade maior de respostas, pois o nível de 
polêmica que gira em torno do acontecimento que serve como base para a produção da charge 
direciona a proporcionalidade da quantidade de respostas recebidas pelo enunciado. Embora 
haja, em outros momentos, uma pequena quantidade de respostas nos enunciados, isso não 
interfere na análise dos resultados e tampouco reduz a importância da intensidade enunciativa 
dos embates que surgem, pois, como já dito, em uma análise social os detalhes que compõem 
essas respostas são mais importantes do que a quantidade em que elas aparecem. Seja em muitas 
ou em poucas respostas, observamos que os enunciados chargísticos sempre buscam um leitor 
e esses, quando encontram um meio para externar as suas respostas, o fazem com afinco. 
 
 
 
 
 
106 
 
6 ACABAMENTO FINAL 
 
As charges quebram a linearidade por natureza, inicialmente por marcar presença em 
meios nos quais o padrão é composto por textos escritos e, obviamente, pelas características do 
gênero, de criticar, opinar e convidar “o outro” para o embate. 
Como os enunciados chargísticos buscam esse outro ativamente, exigindo um resgate de 
experiências e conhecimento de mundo para que haja responsividade e, após a compreensão do 
discurso, iniciar o embate dialógico, é notável que elas – as charges – sejam um gênero com 
um grande potencial enunciativo e responsivo. 
Em um meio digital em que existem inúmeros canais para veiculação, assim como para 
respostas, um gênero como a charge tem um grande palco para embates dialógicos. Seria 
confortável para os leitores contrários à opinião de Ivan Cabral que deixassem de segui-lo ou 
não se posicionassem em relação aos seus enunciados, mas como a responsividade do gênero é 
alta, esses leitores, além de naturalmente responderem ao discurso, externam suas respostas, 
preferindo o embate. Muitos desses "leitores-responsivos" são ainda reincidentes, retornando 
ao embate a cada novo enunciado. Assim, na internet, a charge encontrou um novo meio que 
modifica a forma com que os leitores lidavam com o gênero. 
 
 
107 
Um dos pontos que faz com que haja uma alta responsividade das charges é o fato de que 
elas são enunciados concretos, construídos e baseados na realidade vivida por leitores e 
chargista, inseridos em contextos reais (e atuais) que aproximam ainda mais o público leitor. 
Para fins de pesquisa, necessitamos restringir o corpus da análise nas charges de Ivan 
Cabral, porém a escolha de charges com uma grande carga de embates serviu para mostrar que 
a responsividade existe em todo enunciado e, agora, com o avanço das redes sociais e da 
internet, que possibilitam uma interatividade ainda maior, essas respostas vêm à tona com muito 
mais facilidade. 
Os enunciados que apresentamos eram, naturalmente, compostos de vozes 
desconcertantes, como representantes das forças centrífugas apresentadas por Bakhtin, assim 
como as vozes presentes nos embates que surgiram nas análises, algumas com a característica 
centralizadora das forças centrípetas (em relação aos enunciados produzidos por Ivan quando 
de acordo com eles) mas, em sua maioria, ainda mais desestabilizadoras quando o embate estava 
entre chargista e leitor com posicionamento ideológico antagônico. 
Enquanto a charge traz, naturalmente, a polêmica revestida de técnicas que a tornem 
velada, os embates, que inicialmente surgem da mesma maneira, passam a ser mais claros e 
abertos, fazendo com que o sentido da palavra “diálogo” fique ainda mais distante do uso 
comum, passando de uma relação apaziguadora a um embate entre duas ou mais vozes. 
Como visto durante a pesquisa, baseando-senas teorias bakhtinianas de 
heterodiscursividade e relações dialógicas, os discursos não podem ser construídos 
isoladamente (principalmente, os produzidos com a fôrma composicional do gênero charge). O 
discurso chargístico é carregado de repertórios e de saberes pertencentes ao enunciador que os 
constituiu em suas experiências, direcionado a um leitor que também tem suas experiências e 
vivências e vai utilizá-las para compreender e, necessariamente, responder ao enunciado (por 
mais que não externe essa resposta). Para resgatar o repertório do leitor e fazer com que o 
enunciado seja compreendido, o chargista insere a sua fala em um contexto que seja comum à 
sua plateia; assim, nos enunciados que analisamos, podemos encontrar inúmeras situações do 
cotidiano, palco onde as charges vivem. 
Todos os cinco enunciados analisados trazem elementos comuns para construção de 
sentido, contextualizando o que acontecia à época e ilustrando os acontecimentos, carregados 
com a ideologia do chargista Ivan Cabral. A ideologia (no caso, política) foi empregada em 
todos os enunciados, assim como em seus enunciados-resposta, pois não há discurso neutro, 
não há discurso sem ideologia, e ela se apresenta naturalmente nos enunciados. 
 
 
108 
 O simples ato de fazer uma escolha lexical para se referir a alguma situação já faz o 
enunciador denunciar a qual "círculo ideológico" pertence; a sua articulação enunciativa 
também aponta qual o direcionamento de seu pensamento crítico. 
As charges analisadas estavam alinhadas aos acontecimentos de um país politicamente 
desestabilizado, com uma visível segregação dos lados opostos que conflitavam sobre o 
assunto. Nos embates dessas charges, vimos leitores-enunciadores divergindo ideologicamente 
e necessitando deixar registrado o seu posicionamento, a sua resposta e o seu ataque àquilo que 
lhe era estranho, que não condizia com a sua opinião, da mesma forma que o apoio e o suporte 
àqueles que lhes eram coerentes no raciocínio. 
Em muitos casos, como nos enunciados-resposta 1, 2 e 7, esses embates ficaram mais 
claros entre os leitores das charges, quando a troca de enunciados estava visivelmente entre 
opostos que tentavam refutar o outro a cada articulação. 
Essas polêmicas enunciativas surgiam veladamente e ganhavam abertura de acordo com 
as réplicas que surgiam, deixando evidente o que o enunciador desejava desde o início. Da 
mesma forma aconteceu com os enunciados produzidos por Ivan: no primeiro que analisamos 
(enunciado-chave 1, Gato Pingado), a polêmica trazida pelo chargista surge velada, sugerindo 
uma neutralidade enquanto ele questionava a baixa participação nos protestos por meio de um 
gato humanizado, não deixando tão claro qual o seu "alvo", podendo ser apenas uma crítica aos 
manifestantes que haviam deixado de lado a luta pela corrupção no país. No último enunciado 
analisado (enunciado-chave 5, Sexta-feira 13) temos também um outro gato na cena 
enunciativa, desta vez em sua forma animalesca, porém deixando mais claro o seu 
posicionamento: criticar o novo presidente. 
Vimos, com essa pesquisa, que a charge é um gênero discursivo de fato, composta de 
enunciados concretos que, para existirem, necessariamente são ancorados à realidade. Isso faz 
com que haja uma necessidade responsiva muito grande em relação a outros gêneros, pois para 
ser compreendida exige um alinhamento entre o autor, o leitor e o meio onde foi concebida. 
Concluímos também que a carga construtiva dos enunciados chargísticos (assim como suas 
respostas) evolui de acordo com o tema ao qual está se referindo, compartilhando das tensões 
que o cercam. No nosso recorte temporal para a pesquisa, estávamos situados em um país 
dividido politicamente, com embates constantes e severos – fossem em articulações políticas 
ou fossem nas ruas – e, nas charges que analisamos, vimos a mesma intensidade, porém, 
trocando os votos das plenárias e os gritos das avenidas pelas palavras e enunciados construídos 
e expostos nas páginas eletrônicas da internet. 
 
 
109 
Pensar a charge sem pensar em resposta é tão difícil quanto pensar em enfrentamentos 
ideológicos envolvendo política sem embates polêmicos e vozes conflitantes. 
Esta pesquisa traz a atenção a um gênero discursivo naturalmente complexo, que tem uma 
construção híbrida, trazendo imagem, texto, vozes distintas que se misturam, brevidade 
construtiva, curto prazo de validade, humor e arte; um gênero que busca o outro por meio do 
ataque e que, em um mundo cada vez mais digital, esse outro retorna ao enunciado com suas 
respostas das mais variadas formas possíveis. Assim, vemos que a responsividade da charge, 
além de ser inerente ao gênero, se torna muito mais ativa quando há um canal para que essas 
respostas sejam expostas e, quando o meio em que o enunciado é concebido está repleto de 
ideias antagônicas e conflitantes, elas acompanham o tom, surgem rapidamente e trazem uma 
carga acentuada com ideologias favoráveis ou inversas, assim como as charges que as motivam. 
 
6.1 Epílogo 
 
Em 30 de julho de 2017, data da elaboração das últimas palavras desta dissertação, o 
Brasil ainda vivia uma conturbada cena política sem previsão de melhoras – pelo menos a curto 
prazo. Michel Temer continuava como presidente, porém com uma baixíssima taxa de 
aprovação e cercado de denúncias de corrupção, com a possibilidade de também ser impedido 
de continuar o mandato. 
Dilma Rousseff, após deixar o comando do Brasil, recolheu-se do cenário político, 
manifestando-se algumas vezes em suas redes sociais, porém, longe dos holofotes da mídia, os 
quais voltavam sua atenção ao ex-presidente Lula, que havia acabado de ser condenado na 
operação Lava Jato a nove anos e seis meses de prisão. 
Ivan Cabral, após sair do Novo Jornal, continuou elaborando suas charges. Sem precisar 
cumprir as demandas diárias que o veículo impresso exigia, deixou com que a sua vontade fosse 
a sua editora-chefe, produzindo quando achasse necessário. As suas charges passaram a ter um 
tom ainda mais ácido e se tornaram muito mais direcionadas ao ataque à direita e, 
principalmente, ao PSDB e ao PMDB. 
 
 
 
110 
 
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