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NathaliaOliveiraDeBarrosCarvalho-DISSERT

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE 
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS LETRAS E ARTES 
MESTRADO EM LITERATURA COMPARADA 
 
 
 
 
 
 
 
NATHALIA OLIVEIRA DE BARROS CARVALHO 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
PROTAGONISMO FEMININO E TRAÇOS MEMORIALÍSTICOS EM MALINCHE, 
DE LAURA ESQUIVEL E INÉS DEL ALMA MÍA, DE ISABEL ALLENDE 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
NATAL/ RN 
2017 
 
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NATHALIA OLIVEIRA DE BARROS CARVALHO 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
PROTAGONISMO FEMININO E TRAÇOS MEMORIALÍSTICOS EM MALINCHE, 
DE LAURA ESQUIVEL E INÉS DEL ALMA MÍA, DE ISABEL ALLENDE 
 
 
 
 
 
 
 
Dissertação apresentada à banca examinadora do 
Programa de Pós Graduação em Estudos da 
Linguagem, da Universidade Federal do Rio 
Grande do Norte, vinculada à linha de pesquisa 
Literatura e Memória Cultural, como requisito 
parcial para a obtenção do grau de Mestre em 
Literatura Comparada. 
 
 
Orientador: Prof.ª Dra. Regina Simon da Silva 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
NATAL/ RN 
2017 
 
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Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN 
Sistema de Bibliotecas - SISBI 
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes- CCHLA 
 
Carvalho, Nathalia Oliveira de Barros. 
 Protagonismo feminino e traços memorialísticos em Malinche, de 
Laura Esquivel e Inés del alma mía, de Isabel Allende / Nathalia 
Oliveira de Barros Carvalho. - 2017. 
 132f.: il. 
 
 Dissertação (mestrado) - Universidade Federal do Rio Grande do 
Norte. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Programa de 
Pós-Graduação em Estudos da Linguagem, 2017. 
 Orientador: Prof.ª Dr.ª Regina Simon da Silva. 
 
 
 1. Memória. 2. Narrativas de extração histórica. 3. Malinche. 
4. Inés Suárez. I. Silva, Regina Simon da. II. Título. 
 
RN/UF/BS-CCHLA CDU 82:931.2-055.2 
 
 
 
 
 
 
3 
 
 
 
NATHALIA OLIVEIRA DE BARROS CARVALHO 
 
 
 
 
 
 
 
BANCA EXAMINADORA 
 
 
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Estudos da 
Linguagem da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como parte dos requisitos à 
obtenção do título de Mestre em Estudos da Linguagem (Área de Literatura Comparada). 
Natal, 21 de julho de 2017. 
 
 
 
 
 
__________________________________________________________ 
Prof.ª Dr.ª Regina Simon da Silva – UFRN 
(Orientadora) 
 
 
 
 
__________________________________________________________ 
Prof. Dr. Gerardo Andres Godoy Fajardo – UFRN 
(Examinador) 
 
 
 
 
__________________________________________________________ 
Prof.ª Dra. Cristina Bongestab – UEPB 
(Examinadora) 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Natal-RN 
JULHO/2017 
 
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AGRADECIMENTOS 
 
A Deus, pela constante presença em minha vida, por atender prontamente as minhas 
orações, por colocar paz em meu coração nos momentos mais difíceis e por mostrar que, 
apesar de todas as nossas inseguranças, ao final tudo acaba dando certo. 
Aos meus pais, por terem me criado com carinho e amor incondicionais, por sempre 
me incentivarem a seguir o caminho da busca pelo conhecimento e por acreditarem em minha 
capacidade dando apoio as minhas decisões e estando presentes em todos os momentos 
importantes da minha vida. 
A Micael, meu marido, por roubar meu coração e fazer com que me apaixone mais a 
cada olhar seu, por ter paciência e me confortar com seu carinho e seu abraço, restabelecendo 
minha paz e meu equilíbrio. 
Ao meu irmão, que tem seu jeito próprio de demonstrar carinho e que me 
enlouquecia e me fazia rir quando cantava alto pela casa com sua inigualável desafinação, 
legado que agora pertencerá à doce Ádila Maria. 
À Regina Simon, por ser uma pessoa encantadora e uma orientadora tão 
compreensiva, sensata e presente, fazendo com que minha paixão pela Literatura Hispano-
Americana tenha crescido ainda mais. 
Às amigas Sânzia e Liane, pessoas estupendas com quem sei que posso contar a 
qualquer hora e com quem compartilho boas risadas em nossos encontros semanais que só 
aumentam nossa amizade e cumplicidade a cada dia. 
À amiga Camilla, essa coisinha linda, com um coração do tamanho do mundo e 
disposição para ouvir meus desabafos. 
Aos companheiros de “top secret”, pelo carinho e apoio sempre. 
Às amigas conquistadas através da vida acadêmica, Erivaneide, Raquel, Larissa, que 
mesmo não tendo contato diário, o carinho e a cumplicidade seguem os mesmos. 
Aos meus professores do mestrado, pois cada um, em seu campo de conhecimento e 
a seu modo, contribuiu para minha evolução intelectual e profissional, além de direta ou 
indiretamente participar na construção deste trabalho. 
 
 
 
 
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RESUMO 
 
Ao longo do século XVI, diversas áreas do continente americano passaram pelo processo de 
conquista empreendido por nações europeias como a Espanha e Portugal, por exemplo. 
Partindo desse contexto histórico como cenário, temos as obras literárias Malinche (2005) e 
Inés del alma mía (2006), narrativas de extração histórica escritas por Laura Esquivel e Isabel 
Allende, respectivamente, que apresentam um olhar voltado para figuras femininas que 
participaram de modo significativo na ocupação do México e do Chile pelos espanhóis. A 
presença de protagonistas femininas é um traço recorrente em ambas as escritoras latino-
americanas e, no caso das narrativas que nos propusemos analisar, esta característica se 
mantém, acrescida da memória como elemento fundamental na construção dos textos. Desse 
modo, buscamos neste trabalho, analisar como Esquivel e Allende constroem suas narrativas 
dando voz à mulher como protagonista na conquista da América e como o abandono, presente 
na vida de Malinalli e Inés Suárez, influenciou significativamente seus destinos, deixando 
marcas em suas memórias, elementos que são resgatados pelas autoras. Nosso estudo é 
baseado em pesquisa bibliográfica, utilizando como base teórica Costa Lima (1986; 2006) e 
suas discussões sobre as relações entre texto histórico e texto ficcional; Menton (2003) e 
Trouche (2006) e suas sistematizações teóricas sobre romance histórico; Todorov (1993), 
Díaz del Castillo (2003) e Delgado (1987) e suas abordagens acerca dos dados históricos 
referentes às protagonistas das narrativas em estudo; Le Goff (2003) e Ricoeur (2007) e suas 
concepções acerca da memória, entre outros autores relacionados ao tema da pesquisa. Diante 
dos objetivos propostos, verificamos que o abandono foi um fator determinante para o destino 
delineado das protagonistas Malinalli e Inés Suárez. Ademais, através da análise, pudemos 
identificar uma clara intenção das escritoras de elaborar releituras e/ou reescritas das 
memórias de ambas personagens históricas ficcionalizadas, destacando o protagonismo da 
mulher na conquista da América e questionando os registros históricos sobre elas, bem como 
as imagens construídas em torno de suas figuras. 
 
Palavras chave: Memória; Narrativas de extração histórica; Malinche; Inés Suárez. 
 
 
 
 
 
 
 
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RESUMEN 
 
A lo largo del siglo XVI, diversas áreas del continente americano pasaron por el proceso de 
conquista realizado por naciones europeas como España y Portugal, por ejemplo. A partir de 
este contexto histórico como escenario, tenemos las obras literarias Malinche (2005) e Inés 
del alma mía (2006), novelas escritas por Laura Esquivel e Isabel Allende, respectivamente, 
que presentan una mirada direccionada a las figuras femeninas que participaron de modo 
significativo en la ocupación de México y Chile por los españoles. La presencia de 
protagonistas femeninas es un rasgo recurrente en las dos escritoras latinoamericanas y en el 
caso de las narrativas que nos proponemos analizar, esacaracterística se mantiene, añadida de 
la memoria como elemento fundamental en la elaboración de los textos. De este modo, 
buscamos en este trabajo, analizar cómo Esquivel y Allende construyen sus narrativas de 
extracción histórica dando voz a la mujer como protagonista en la conquista de América y 
cómo el abandono, hecho presente en la vida de Malinalli e Inés Suárez, influyó 
significativamente sus destinos, dejando huellas en sus memorias, elementos estos rescatados 
por las autoras. Nuestro estudio está basado en investigación bibliográfica, utilizando como 
fundamentación teórica Costa Lima (1986; 2006) y sus discusiones sobre las relaciones entre 
el texto histórico y el texto ficcional; Menton (2003) y Trouche (2006) y sus sistematizaciones 
teóricas sobre la novela histórica; Todorov (1993), Díaz del Castillo (2003) y Delgado (1987) 
y sus abordajes de los datos históricos relacionados a las dos personajes principales de las 
narrativas en estudio; Le Goff (2003) y Ricoeur (2007) y sus concepciones sobre la memoria, 
entre otros autores relacionados al tema de la investigación. Delante de los objetivos 
propuestos, verificamos que el abandono ha sido un factor determinante para el destino 
diseñado de las protagonistas Malinalli e Inés Suárez. Además, a través del análisis, hemos 
podido identificar evidente intención de las escritoras en elaborar relecturas y/o reescrituras 
de las memorias de las dos personajes históricas ficcionalizadas, llamando la atención para el 
protagonismo de la mujer en la conquista de América y cuestionando los registros históricos 
sobre ellas, así como las imágenes construidas en torno a sus figuras. 
 
Palabras clave: Memoria; Narrativas de extracción histórica; Malinche; Inés Suárez. 
 
 
 
 
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SUMÁRIO 
 
1 INTRODUÇÃO........................................................................................................... 07 
 
2 O TEXTO HISTÓRICO, A LITERATURA E A ESCRITA FEMININA............ 15 
2.1 O TEXTO HISTÓRICO E O TEXTO FICCIONAL................................................. 16 
2.2 A ESCRITA FEMININA........................................................................................... 31 
2.3 A MEMÓRIA: RETOMADA DO PASSADO CONTRA O ESQUECIMENTO 
NO PRESENTE........................................................................................................... 
 
37 
 
3 A CONQUISTA NÃO FOI COISA SÓ DE HOMENS........................................... 48 
3.1 MALINALLI: O PASSADO OCULTO, O ABANDONO E A ESCRAVIDÃO...... 49 
3.2 INÉS SUÁREZ: DO ABANDONO À LIBERDADE .............................................. 68 
 
4 NA CONTRAMÃO NO ESQUECIMENTO: AS MEMÓRIAS DE 
MALINALLI E INÉS SUÁREZ.......................................................................... 
 
92 
4.1 MALINCHE: PALAVRAS E MEMÓRIAS AO VENTO........................................ 92 
4.2 INÉS SUÁREZ: MEMÓRIAS DE UMA CONQUISTADORA............................... 111 
 
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................... 123 
 
REFERÊNCIAS............................................................................................................... 128 
 
 
 
 
7 
 
 
 
1 INTRODUÇÃO 
 
O presente trabalho, intitulado “Protagonismo feminino e traços memorialísticos em 
Malinche, de Laura Esquivel e Inés del alma mía, de Isabel Allende”, está atrelado aos 
questionamentos que passamos a fazer sobre obras de escritoras hispano-americanas cujos 
textos trazem protagonistas femininas e que são de extração histórica. 
O interesse por essas obras surgiu no âmbito de disciplinas cursadas na graduação de 
Licenciatura Plena em Espanhol, no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do 
Rio Grande do Norte (IFRN), quando a leitura obrigatória para cumprimento de créditos se 
converteu em uma interessante jornada pelo mundo da escrita feminina, sobretudo de 
narrativas de extração histórica. O fato de os dois livros terem sido publicados recentemente e 
com um pequeno intervalo de tempo entre um e outro, também chamou nossa atenção para as 
possíveis motivações de suas produções, visto que, segundo registros das próprias autoras, 
embora ambas tenham realizado pesquisas por vários anos para então construir seus textos, 
elas não tiveram qualquer contato nem teriam sabido das intenções de publicação uma da 
outra até que os livros fossem efetivamente lançados no mercado. 
Além disso, outro elemento de motivação para nosso estudo está ligado ao diálogo 
que entendemos ser possível estabelecer entre as duas obras literárias, dadas as suas temáticas. 
A eleição de personagens históricas para ser ficcionalizadas, o fato de se tratarem de duas 
mulheres em um contexto de dominação masculina, sendo apresentadas em textos de escrita 
feminina, são apenas alguns dos pontos de contato. Além disso, identificamos um reduzido 
número de estudos dessas obras em nosso país em nível de mestrado e doutorado, e não 
encontramos nenhum trabalho que proponha uma análise conjunta dos dois textos. Esse fato 
nos parece relevante na medida em que reconhecemos a necessidade de aprofundar, no Brasil, 
as pesquisas sobre escritores e obras literárias produzidas pelos vizinhos latino-americanos 
que compartilham conosco experiências de colonização com inúmeras semelhanças. 
Nessa perspectiva, nossa proposta de estudo analisa as obras literárias Malinche 
(2005) e Inés del alma mía (2006), textos que trazem em seu enredo protagonistas femininas 
inseridas no contexto social da época em que viveram. Tratam-se de figuras históricas do 
início do século XVI que viveram no México e no Chile, respectivamente, e participaram de 
modo relevante na conquista e colonização desses territórios. 
As narrativas são de escritoras hispano-americanas que se projetam para o mundo na 
década de 80 e atingem êxito desde suas primeiras publicações. Laura Esquivel e Isabel 
8 
 
 
 
Allende se destacam ao lado de outras escritoras, mostrando à América Latina e ao mundo, as 
potencialidades e os traços específicos da escrita feminina, cada uma com características 
próprias, mas compondo seus romances de modo a expressar os olhares da mulher frente aos 
contextos sociais em que vivem. 
Nossa compreensão é reforçada pela afirmação de Bella Jozef (2005, p. 250): 
 
Se nos anos 70 começa a reconhecer-se a relevância da mulher também 
como agente no processo de transformação social, e sua contribuição aos 
acontecimentos históricos, com o surgimento do interesse específico pela 
investigação e os estudos interdisciplinares sobre a mulher, pode considerar-
se a década de 80 como a do boom na literatura escrita por mulheres. 
 
Como vemos, Malinche e Inés del alma mía estão inseridas nesse contexto de 
mudanças sociais e culturais, em que os textos escritos por mulheres na América Latina 
passam a ter maior projeção e a valorização do feminino leva à construção de obras também 
com protagonistas femininas. Vale ressaltar que nessas personagens valoriza-se o real, a 
mulher com defeitos e virtudes participando ativamente da sociedade na qual está inserida. 
Sobre os enredos, de modo sucinto, Malinche conta a história de uma índia que em 
determinado momento de sua vida conheceu Hernán Cortés e, por dominar as línguas faladas 
pelos astecas e maias, atuou como intérprete e acabou ajudando no processo de conquista do 
México pelos espanhóis. O livro conta a vida de Malinalli desde seu nascimento (marcado por 
fenômenos naturais), passando pela perda de sua avó, sua passagem à condição de escrava até 
chegar a sua relação com Cortés e seu posterior casamento com Jaramillo. 
Na outra obra em análise, Inés del alma mía, temos Inés Suárez como protagonista. 
A narrativa conta a saga dessa mulher que saiu de Placencia, Espanha, em direção ao Novo 
Mundo em busca de seu marido. Entretanto, ao descobrir que o cônjuge morreu em batalha,decide permanecer na América e lutar pela sua sobrevivência nas novas terras. É nesse ínterim 
que a espanhola conhece Pedro de Valdivia, por quem se apaixona perdidamente e com quem 
participa da conquista do Chile. Posteriormente, Inés se separa de Valdivia, mas se torna uma 
pessoa extremamente respeitada socialmente devido ao papel desempenhado na construção da 
cidade de Santiago e por sua condição de esposa de Rodrigo de Quiroga, que assume o posto 
de governador do Chile após a morte de Valdivia. 
Esses enredos, conforme explicitado anteriormente, despertaram nosso interesse para 
o estudo das obras desde a graduação. Já nesse período e na elaboração do projeto, nosso foco 
de análise esteve centrado nas duas protagonistas, sobretudo no aspecto da sexualidade 
9 
 
 
 
presente em Malinche e em Inés del alma mía e no diálogo estabelecido entre as figuras 
históricas e as personagens das narrativas de extração histórica de Laura Esquivel e Isabel 
Allende; porém, faltava-nos uma delimitação melhor do tema. À medida que realizamos 
novas leituras das narrativas, cursamos as disciplinas relacionadas à nossa linha de pesquisa e 
fizemos inúmeras reuniões de orientação, pudemos então identificar a temática central de 
nosso trabalho e delimitar nossos objetivos. 
Com base nessas reflexões, definimos como tema de nosso trabalho “a memória e o 
protagonismo feminino na conquista da América nas obras Malinche e Inés del alma mía”, 
visto ser a memória um elemento que perpassa as duas narrativas do primeiro ao último 
capítulo, aparecendo sob diferentes aspectos e revelando como as autoras dão voz a Malinalli 
e Inés Suárez e como essas mulheres chegaram a ser figuras tão relevantes na conquista e 
colonização dos territórios nos quais viveram. 
Constatamos que Esquivel e Allende utilizam o recurso da memória como estratégia 
para construir suas narrativas de modo a realizar outra possível leitura das histórias dessas 
mulheres, lançando um olhar para o passado delas e destacando o trabalho que realizaram na 
conquista do Novo Mundo – possibilidade pouco provável de aparecer nos relatos históricos 
oficiais, nos quais predominam as figuras masculinas. Assim, lançamos os seguintes 
questionamentos: de que formas a memória se faz presente nas obras? Como o episódio do 
abandono presente na vida de ambas influencia em seus destinos? Como essas memórias dão 
voz às personagens, possibilitando a elas lançar luz sobre seu próprio passado e qual a 
relevância dessa ação? 
A hipótese da qual partimos, portanto, é a de que as escritoras constroem seus textos 
de modo a enfatizar a importância de Malinalli e de Inés Suárez nas sociedades das quais 
fizeram parte, destacando a forma como se delinearam seus destinos (tendo o abandono como 
elemento fundamental e desencadeador desse processo) e a consciência de ambas sobre seus 
papéis ao lado dos conquistadores Hernán Cortés e Pedro de Valdivia, respectivamente. 
Desse modo, o objetivo principal deste trabalho é analisar como Laura Esquivel e 
Isabel Allende constroem suas narrativas de extração histórica dando voz à mulher como 
protagonista na conquista da América e como o abandono, presente na vida de Malinalli e 
Inés Suárez, influenciou significativamente seus destinos, deixando marcas em suas 
memórias, elementos que são resgatados pelas autoras ao longo dos relatos. 
Diante do exposto, torna-se relevante destacarmos a concepção de Pável Medviédev, 
na medida em que auxilia na compreensão de nossa postura analítica ao longo deste trabalho. 
10 
 
 
 
O autor afirma haver uma relação dialética entre a literatura e a realidade circundante, entre o 
que lhe é interno e o que lhe é externo: “aquilo que hoje ocupa uma posição externa em 
relação à literatura e representa uma realidade extraliterária amanhã poderá fazer parte da 
literatura como seu fator construtivo interno.” (Medviédev, 2012, p.221). O movimento 
contrário também é possível diante dessa lógica dialética e, portanto, o literário hoje pode 
passar a realidade extraliterária amanhã. Esse entendimento reforça a percepção de 
entrelaçamento entre obra e contexto, e a capacidade de influência de um sobre o outro nesse 
processo de transfiguração ou internalização do mundo externo. 
 Porém, precisamos atentar para o fato de que a literatura não se converte, por isso, 
em um reflexo do mundo, mas em uma refração dele, pois o personagem e todos os elementos 
da narrativa passam pelo filtro que é o escritor – cheio de valores, ideias, vivências, etc. – e 
são projetados na obra, porém, não tal qual o mundo. Por essa razão também, uma vez que a 
realidade se materializa na obra literária, ela deixa de ser realidade e passa a ser refração 
desta. 
 Esse conceito de refração ao qual nos referimos a partir da abordagem de Medviédev 
aparece mais nitidamente em Mikhail Bakhtin (2015). O autor defende que todo discurso é 
permeado por outros discursos decorrentes das concepções de quem o profere e, portanto, o 
narrador de uma obra, por exemplo, irá refratar um determinado ponto de vista proveniente de 
seu criador. Segundo Bakhtin (2015, p. 51), “a dialética do objeto se entrelaça com o diálogo 
social em torno dele”, em outras palavras, o objeto, no caso o texto literário, tem contradições 
e uma dinâmica interna relacionada diretamente à forma assumida por ele em sua refração da 
realidade, mas isso se dá em relação com o meio social em torno dele. 
 A abordagem desses dois autores enfatiza a relevância do diálogo entre obra e 
contexto representado e, em nosso caso especificamente, colabora também para o 
entendimento da necessidade de estabelecer relações e recorrer aos dados históricos sobre as 
personagens e o contexto social em que viveram para uma análise mais precisa. Lembramos 
ainda, não ser nosso objetivo fazer comparações com uma perspectiva de apontar o que seria 
certo ou errado, mas sim estabelecer relações entre as obras literárias e os dados históricos, 
conforme compreensão das ideias de Machado e Pageaux (2001) para os estudos em literatura 
comparada, podendo assim encontrar justificativas para as escolhas feitas pelas escritoras. 
Nesse sentido, de modo a complementar esse entendimento, recorremos à abordagem 
de Eduardo Coutinho (2003), quando o autor destaca as mudanças de perspectiva nos estudos 
de Literatura Comparada no século XX, de modo a valorizar as literaturas antes tidas como 
11 
 
 
 
periféricas, bem como a revalorização da perspectiva histórica. O autor defende a proposta de 
estudos comparatistas de modo a estabelecer relações entre obras literárias ou de proporcionar 
diálogos interdisciplinares, contexto no qual a Literatura Latino-Americana entra em cena de 
maneira mais acentuada. Isso porque a partir dessa perspectiva de análise, torna-se possível 
realizar um estudo mais adequado das obras considerando a pluralidade de produções 
característica de nosso continente. Assim, para atender aos objetivos definidos, organizamos 
nossa base teórica utilizando referências como Lima (1986; 2006) para as discussões sobre as 
relações entre texto histórico e texto ficcional; Lukács (2011), Menton (1993) e Trouche 
(2006) e suas sistematizações teóricas com relação ao romance histórico; Miralles (2004), 
Todorov (1993) e Delgado (1987) para tratar dos dados históricos referentes às protagonistas 
dos romances em estudo; Maurice Halbwachs (2003), Le Goff (2003) e Ricoeur (2007) para 
as discussões a respeito da memória; Rivera Garretas (1995), Navarro (1995) e Perrot (2008), 
e suas pesquisas sobre a escrita feminina e história das mulheres; Pierre Bourdieu (2012) e 
suas reflexões sobre a dominação masculina, entre outros autores com discussões relacionadas 
à pesquisa e que aparecem ao longo de nosso texto. Destacamos ainda, a opção de utilizar os 
textos literários originais em espanhol, com uso de edições do ano de 2011, tanto de Malinche 
quanto de Inés del almamía. 
Com base nessas leituras, definimos a estruturação do trabalho, bem como o 
desenvolvimento de nossa análise, visto que este se configura como um estudo de caráter 
qualitativo, baseado em investigação bibliográfica. Dessa forma, fizemos sua divisão em três 
partes, nas quais buscamos sistematizar as leituras e análises realizadas para atender ao 
objetivo inicialmente proposto. 
O primeiro capítulo, intitulado “O texto histórico, a literatura e a escrita feminina”, 
traz as considerações teóricas propondo uma contextualização das duas obras. Para isso, será 
subdividido em três tópicos: em “O texto histórico e o texto ficcional” analisaremos as 
semelhanças existentes entre os formatos dessas narrativas, partindo da relação entre real e 
ficção. Seguindo nessa discussão, apresentaremos as características do romance histórico 
tradicional segundo Lukács, do novo romance histórico definido por Menton e das narrativas 
de extração histórica definidas por Trouche, de modo a caracterizar o gênero literário em 
estudo e justificar a nomenclatura adotada neste trabalho. No segundo tópico, “A escrita 
feminina”, apresentaremos aspectos gerais sobre a literatura produzida por mulheres, 
sobretudo no contexto latino-americano, no qual se enquadram Laura Esquivel e Isabel 
Allende (sobre as quais também fazemos uma breve apresentação biográfica), destacando o 
12 
 
 
 
período que marca seu surgimento para o cenário literário não só de nosso continente, mas 
mundial. Por fim, faremos uma discussão nesse capítulo sobre a memória, intitulada “A 
memória: retomada do passado contra o esquecimento no presente”. Neste ponto, 
discutiremos o conceito de memória e alguns de seus aspectos, não esgotando a discussão, 
visto se tratar de um tema bastante amplo que será aprofundado, conforme seja necessário, no 
transcorrer das análises dos textos literários. 
No segundo capítulo, “A conquista não foi coisa só de homens”, propomos um 
estudo no qual verificaremos os acontecimentos que levaram Malinalli e Inés Suárez a se 
integrar às expedições de conquista do México e do Chile, respectivamente, tornando-se 
figuras de grande importância para o cumprimento dos objetivos dos espanhóis. Para isso, o 
capítulo será dividido em duas partes – uma para cada protagonista – e consideraremos os 
eventos desde o nascimento dessas mulheres, passando pelo abandono sofrido por ambas, fato 
que repercutiu de modo distinto em cada uma delas, sendo decisivo para que se tornassem as 
personagens históricas em foco. Nesta análise, outro elemento fundamental é o contexto 
sociocultural dessas mulheres, levando-nos a refletir não somente no modo como isso 
influenciou em seus destinos, como também na maneira como elas eram vistas pelas pessoas 
que as cercavam. 
No terceiro capítulo, intitulado “Na contramão do esquecimento: as memórias de 
Malinalli e Inés Suárez”, passaremos aos traços memorialísticos propriamente ditos. Ainda 
que no capítulo anterior sejam necessárias algumas reflexões acerca da memória, é nesse 
momento de nosso trabalho que ocorre o aprofundamento do tema, analisando a memória 
como elemento estrutural das obras e como parte essencial no processo de construção de 
sentido das narrativas. Para uma melhor organização deste tópico, também proporemos sua 
divisão em duas partes, uma para a obra de Esquivel e outra para a obra de Allende. 
Uma vez definidos os objetos de estudo deste trabalho, buscamos fazer uma revisão 
sobre o tema em questão. Identificamos que os textos literários Malinche e Inés del alma mía 
apresentam uma representação específica de Malinalli e Inés Suárez, porém, essas obras não 
são as únicas a trazer essas mulheres como personagens. Antes de suas publicações, livros 
como Guatimozín (1846), de Gertrudis Gomes de Avellaneda, e El corazón de piedra verde 
(1942), de Salvador Madariaga, trouxeram em seus enredos a figura de Malinalli. No 
primeiro, a personagem aparece apenas no final da obra e sem grande destaque, e no segundo, 
embora apareça com frequência ao longo da narrativa, destaca-se apenas seu papel de 
13 
 
 
 
intérprete e sua condição de amante de Hernán Cortés. Jicoténcal (1826)
1
, de Félix Varela, 
não traz a personagem como protagonista, mas parece reforçar a imagem de traidora atribuída 
à indígena (AGUIAR, 2014). Por outro lado, estudos de cunho histórico-biográficos são 
bastante abundantes, como é o caso de Doña Marina, la dama de la conquista (1942), de 
Federico Gómez de Orozco, La Malinche (2004) de Juan Miralles, Doña Marina (La 
Malinche) y la formación de la identidade mexicana (2002), de Cristina González Hernández, 
entre outros. 
Considerando obras nas quais aparece a figura de Inés Suárez, pudemos identificar os 
textos literários Ay mamá Inés (1993), de Jorge Guzmán, La condoresa (1968), de Josefina 
Cruz de Caprile, e Inés...y las raíces en la tierra (1964), de María Correa Morandé. Os três 
livros constroem seus enredos em torno da conquista do Chile, tendo como protagonista Inés 
Suárez, destacando, inclusive, a relação amorosa da espanhola com Pedro de Valdivia. A 
ênfase a esse fato induz a pensar que essa foi a motivação para que a moça participasse de 
modo tão ativo na ocupação do território chileno. 
Uma vez que essas obras não constituem nosso objeto de análise nesta dissertação, 
não nos aprofundaremos em seus enredos e demais características, entretanto, parece-nos 
relevante apontar sua existência, como forma de trazê-las ao conhecimento em estudos 
brasileiros e delinear o caminho percorrido por Malinalli e Inés Suárez pela literatura antes 
das personagens construídas por Esquivel e Allende. 
Os estudos mencionados brevemente, a partir desse momento, são dissertações de 
mestrado
2
 e teses de doutorado, embora também tenhamos encontrado um número relevante 
de artigos que abordam os romances do nosso corpus, sobretudo textos sobre o livro de Laura 
Esquivel, provavelmente pelas controvérsias acerca da imagem da índia Malinalli. 
Em nosso levantamento sobre trabalhos de pós-graduação que tenham em seu 
material de análise o romance Malinche, encontramos apenas a tese El sexto sol de Malinalli, 
do ano de 2014, produzida por Janaína de Azevedo Baladão de Aguiar, da Universidade 
Federal do Rio Grande do Sul. Na tese em questão, a autora faz uma análise da figura de 
Malinalli construída por Laura Esquivel na perspectiva da escritora mexicana de romper com 
a imagem de que a indígena teria traído seu próprio povo. Discute para isso aspectos 
 
1
 A obra Jicoténcal, foi publicada pela primeira vez em 1826 como sendo de autoria anônima. Uma série de 
estudos posteriores levou à publicação da terceira edição, em 1995, com a autoria identificada e atribuída ao 
cubano Félix Varela (1788-1853). 
2
 Devido ao fato de não termos identificado a existência de trabalhos de doutorado no âmbito das universidades 
brasileiras sobre a narrativa de Isabel Allende, optamos por destacar as produções de mestrado envolvendo a 
obra a título de conhecimento. 
14 
 
 
 
relacionados aos diferentes nomes que a indígena assume ao longo de sua vida, estabelece 
relações com os códices criados para ilustrar a obra literária e que representam a reafirmação 
da cultura autóctone, bem como dialoga com outro romance histórico, Jicoténcal (1826), de 
Félix Varela, que figuraria entre os primeiros registros depreciativos, por assim dizer, da 
imagem de Malinche. 
Entre os trabalhos que apresentam em seu corpus o livro Inés del alma mía, temos as 
dissertações de mestrado: Isabel Allende entre a arte e o mercado: Inés del alma mía e El 
zorro – comienza la leyenda, de 2008, escrita por Marilene Canello, da Universidade Estadual 
Paulista (UNESP); Cativas, degredadas e aventureiras: mulheres na colonização latino-
americana, do ano de 2014, escrita por Bruna Otani Ribeiro, da Universidade Estadual do 
Oeste do Paraná(Unioeste). 
Marilene Canello propõe uma análise na qual ressalta as estratégias narrativas 
utilizadas por Isabel Allende em suas obras, especialmente as selecionadas para o estudo em 
questão, partindo do princípio de que se trata de uma escritora com grande receptividade por 
parte do público. Discute-se ainda, as diferentes estratégias de Inés del alma mía e El zorro – 
comienza la leyenda, sob a ótica da variedade de temas abordados pela autora ao longo de sua 
carreira e o suposto caráter mercadológico de alguns de seus livros. Marilene Canello aponta 
que não tem por objetivo fazer uma categorização das obras de Allende, mas sim, explicitar os 
elementos e as estratégias narrativas que fazem com que as obras alcancem diferentes 
públicos sem perder os traços característicos da escritora, dada sua elevada produção nos 
últimos anos. 
No segundo estudo, Bruna Otani propõe uma análise comparativa entre três obras, de 
séculos distintos, mas que retratam figuras femininas presentes na colonização da América: 
Lucía Miranda (1860), de Eduarda Mansilla, Desmundo (1996), de Ana Miranda, e Inés del 
alma mía (2006), de Isabel Allende. O trabalho está centrado na representação das figuras 
femininas na colonização, considerando-se o fato de que os textos são romances históricos 
protagonizados e escritos por mulheres, e propõe também um olhar crítico sobre isso, na 
medida em que faz repensar como as mulheres, de modo geral, tiveram sua importância 
reduzida na historiografia oficial em detrimento das figuras masculinas. 
A identificação desses estudos já realizados contribuiu para ampliar nosso olhar 
sobre as obras que nos propusemos analisar, despertando-nos para a realização de uma 
apreciação mais detalhada da temática escolhida, seguindo por um caminho talvez pouco 
explorado. 
15 
 
 
 
2 O TEXTO HISTÓRICO, A LITERATURA E A ESCRITA FEMININA 
 
O discurso literário não se apresenta como prova, documento, testemunho do 
que houve, porquanto o que nele está se mescla com o que poderia ter 
havido; o que nele há se combina com o desejo do que estivesse; e que por 
isso passa a haver e a estar. 
 
Luis Costa Lima 
 
Malinche (2005), de Laura Esquivel, e Inés del alma mía (2006), de Isabel Allende, 
são obras literárias escritas por mulheres, têm figuras femininas como protagonistas e fazem 
uso de matéria histórica em sua constituição. Suas autoras se projetam para o mundo em um 
período em que as mulheres conseguem mais espaço para publicar suas obras no contexto 
latino-americano, algo que reflete as lutas das décadas de 60 e 70 pelo maior reconhecimento 
do papel feminino na sociedade. Como podemos notar, os dois romances apresentam uma 
combinação de características que demonstram a relevância de seu estudo e, por esses 
aspectos, faremos neste capítulo inicial uma abordagem mais teórica a fim de obter subsídios 
e definir alguns parâmetros para a análise. 
Partindo desses aspectos mais latentes, faremos uma breve discussão sobre a relação 
entre o real e a ficção, distinguindo o texto histórico e o texto ficcional e especificando as 
características do gênero em estudo, desde o definido “romance histórico” de Lukács, 
passando pelo “novo romance histórico” de Seymour Menton, e chegando às “narrativas de 
extração histórica” de André Trouche. Vale salientar que não propomos aqui um tratado 
teórico de discussão sobre o tema, mas uma sistematização de conceitos e ideias que auxiliem 
em uma melhor compreensão das obras em análise. 
Após esse tópico, trataremos das características da literatura produzida por mulheres 
no contexto hispano-americano, percebendo as nuances das produções de um modo geral, 
além de identificarmos em qual período se inserem as autoras das narrativas por nós 
estudadas, bem como suas obras propriamente ditas, pois entendemos que essas informações 
podem favorecer a compreensão da escolha das autoras por esse gênero, pelas personagens 
históricas que decidiram retratar, e pela forma como o fizeram. 
Por fim, passamos a um estudo sobre a memória em suas diferentes formas, 
considerando as concepções de memória individual e memória coletiva e tomando como base 
para isso, as abordagens teóricas de Jacques Le Goff, Paul Ricoeur e Maurice Halbwachs. 
Realizamos tal abordagem por reconhecer a memória como parte indispensável tanto de 
16 
 
 
 
Malinche quanto de Inés del alma mía, não somente como elemento estrutural das narrativas, 
mas como parte fundamental para a construção de sentido dos textos. 
 
2.1 O TEXTO HISTÓRICO E O TEXTO FICCIONAL 
 
Ao propor a discussão sobre essa temática, em um primeiro momento surgem os 
questionamentos: o que são textos históricos? E textos ficcionais? E onde se encontra o limite 
entre a realidade e a ficção? Pensar essas indagações implica em tentar estabelecer algumas 
definições ou algumas relações que nos permitam entender como se dá a construção dos 
discursos histórico e ficcional e como eles se relacionam na criação do gênero que nos 
propomos trabalhar. 
Wolfgang Iser discorre sobre a suposta oposição entre realidade e ficção, e aqui 
usamos o termo “suposta” porque o autor, para além de uma discussão dicotômica, propõe o 
entendimento do aspecto relacional entre ficção e realidade. Nesse sentido, Iser inclui outro 
elemento e sugere, na verdade, uma relação triádica entre o real, o fictício e o imaginário. 
Antes de avançarmos na apreciação dessa tríade, vale recordar a relação dialética 
existente entre a sociedade e a literatura, no sentido de que esta reflete e refrata o contexto 
social em que está surgindo, assim como é capaz de traçar o caminho inverso, sendo, 
enquanto literatura, instrumento de reflexão sobre a realidade. Essa ressalva se faz necessária, 
pois a relação que se estabelece entre o real e o ficcional não segue um padrão definido ao 
longo da história, mas sim, passa por modificações de acordo com o contexto sociocultural 
vivido pelos escritores. Tal entendimento também nos auxiliará em uma melhor compreensão 
da tríade proposta por Iser, explicada da seguinte maneira: 
 
Se o texto ficcional se refere à realidade sem se esgotar nesta referência, 
então a repetição é um ato de fingir, pelo qual aparecem finalidades que não 
pertencem à realidade repetida. Se o fingir não pode ser deduzido da 
realidade repetida, nele então surge um imaginário que se relaciona com a 
realidade retomada pelo texto. Assim, o ato de fingir ganha a sua marca 
própria, que é de provocar a repetição do texto da realidade vivencial, por 
esta repetição atribuindo uma configuração ao imaginário, pelo qual a 
realidade repetida se transforma em signo e o imaginário em efeito do que é 
assim referido (ISER in LIMA, 1983, p. 385-386). 
 
A partir da citação podemos deduzir, de modo bem simplificado, que o texto 
ficcional, ao se valer da realidade para sua criação, não se esgota nela e pode, portanto, ter 
objetivos, criar finalidades, propor discussões que não fazem parte dessa realidade tomada 
17 
 
 
 
como ponto de partida. Além disso, o ato de fingir, o ato de criar do texto ficcional se 
relaciona com o imaginário que, apesar de seu caráter difuso, nesse momento se organiza e se 
torna signo, ganha uma significação que lhe é própria e só existe nessa configuração de 
elementos. Esse imaginário, não se transforma em realidade devido a essa determinação 
proporcionada pelo ato de fingir, entretanto devemos admitir a possibilidade de aquisição de 
aparência de real na medida em que pode penetrar no mundo e agir nele com essa 
configuração sígnica. 
Nesse processo relacional entre real, ficção e imaginário, há consequentemente, um 
caráter de seleção. Para a construção do texto ficcional, o autor seleciona os elementos 
contextuais que irão fazer parte ou não de sua obra e essas escolhas fazem parte do trabalho 
de criação; ao definir o que se fará presente no texto, evidenciam-se também os elementos 
ausentes.Ademais, a seleção configura-se em uma transgressão de limites na proporção em 
que os elementos acolhidos pelos textos deixam de fazer parte de um sistema sígnico para 
compor outro. 
Sobre essas escolhas realizadas pelo escritor, Wolfgang Iser afirma que 
 
como ato de fingir, a seleção possibilita então apreender a intencionalidade 
de um texto. Pois ela faz com que determinados sistemas de sentido do 
mundo da vida se convertam em campos de referência do texto e estes, por 
sua vez, na interpretação do contexto (ISER in LIMA, 1983, p. 389. Grifo do 
autor). 
 
Em outras palavras, as seleções feitas pelo escritor permitem que identifiquemos a 
intencionalidade do texto, ou seja, o que ele se propõe questionar, qual ponto de vista ele está 
encaminhando, como ele está refratando a realidade. Há ainda o caminho de como as escolhas 
do escritor estão conduzindo à reflexão da realidade contextual da obra, fazendo pensar sobre 
as razões para esses questionamentos no momento de produção da obra literária e, se for o 
caso, sobre o período sócio-histórico representado por ela. 
Esse entendimento resvala ainda na questão da intencionalidade do autor, que muitas 
vezes acaba se convertendo em um exercício inútil em busca de algo que não se pode 
determinar. Dito isso, concordamos com Iser, quando este coloca que a intenção do autor se 
revela na “decomposição dos sistemas com que o texto se articula” (ISER in LIMA, 1983, p. 
390), ou seja, não é detendo-se à consciência ou à psique do autor, mas aos elementos 
constitutivos da obra (presentes e ausentes), aos seus campos de referência que será possível 
identificar essa “intenção”. 
18 
 
 
 
Todavia, a seleção não é o único ato de fingir na produção do texto ficcional, temos 
ainda a combinação, também caracterizada como uma transgressão de limites e que 
juntamente com a primeira faz com que a ficção seja capaz de unir diversos elementos, 
linguagens, pontos de vistas, discursos, etc., em um único espaço – o da obra produzida – que 
poderiam ser relações impensáveis ou contraditórias no âmbito de outros discursos. Essa 
complexidade de formação da ficção, em sua relação com o real e o imaginário existe, afirma 
Iser, por meio da língua, estando esta, nesse caso, a serviço da criação daquilo que vai além 
dela. A ficção permite inúmeras e variadas criações, combinações de elementos, de acordo 
com as seleções feitas pelo escritor, e é a língua que dará materialidade a isso; garantirá a 
existência da ficção ainda que ela própria também precise se recriar para dar conta de 
representar o que a transborda, o que a excede. 
Como já dissemos anteriormente, há uma relação complexa entre real, ficção e 
imaginário na construção do texto ficcional. Porém, seguindo nossas discussões, cabe-nos 
agora estabelecer um paralelo entre os chamados textos ficcionais e os textos históricos, pois, 
inevitavelmente, é uma questão que se revela nesses estudos não somente pela suposta 
oposição entre real e ficção, mas também por ser de relevante abordagem quando pensamos 
na estrutura das narrativas de extração histórica. 
De acordo com o pensamento de Luis Costa Lima (1986), o “problema da ficção” 
surge no período da Baixa Idade Média (período compreendido entre os séculos XI e XV) 
com uma redescoberta, por assim dizer, da subjetividade. Essa discussão se dá na medida em 
que passam a ser identificados traços de subjetividade nos textos produzidos – o autor destaca 
não querer dizer que isso não tenha acontecido em períodos anteriores –, característica que 
levaria a um suposto distanciamento da realidade e aproximação da ficção. Essa lógica de 
pensamento aliada aos contextos sócio-históricos teriam conduzido ao estabelecimento da 
contraposição entre textos históricos e textos ficcionais. Nesse sentido, Lima (1986, p. 23) 
afirma que “ao reconhecimento da instância subjetiva passa a corresponder o estabelecimento 
de uma linha divisória entre a História e a ficção”. O ficcional acaba sofrendo significativa 
repulsa por ser tomado como discurso falso, inverídico. Em contraposição, há o crescimento e 
a valorização do discurso histórico devido ao seu caráter de verdade, mais conveniente e 
lógico para a constituição da ideia de razão no Ocidente. 
Desse modo, o discurso histórico se constrói como estando em busca da verdade, não 
querendo dizer que seja detentor de uma razão absoluta, mas apresenta de fato uma verdade. 
Esse discurso é elaborado mediante o trabalho de análise de documentos à luz de teorias que, 
19 
 
 
 
após a interpretação do historiador é apresentado como verdadeiro. Sendo assim, cabe chamar 
a atenção para essa figura do historiador que, segundo Lima (1986, p. 25), “é aquele que 
confronta os testemunhos, que coteja as fontes com o que outros escreveram, o que não teria 
outro cuidado senão o de talhar na pedra do texto as letras da verdade”. 
Nesse contexto, exalta-se o papel do historiador na busca pela verdade, indivíduo 
este que irá utilizar o documento como instrumento capaz de comprovar a existência de algo 
anterior ao próprio registro. Porém, o registro por si só não é o fato ou o objeto, mas o relato 
dele; os documentos, como meios neutros, não têm vida própria e, por essa razão, precisam 
ser filtrados, interpretados e coordenados pelo historiador para, a partir disso, compor o 
discurso histórico, cuja intenção é a de apresentar a verdade (LIMA, 1986). Distingue-se, 
portanto, do discurso ficcional e mais precisamente da literatura, porque esta não se depara 
com a obrigação de dar foros de verdade ao que declara, embora seu discurso possa ser 
construído nesse sentido e apresentar possibilidades para uma realidade tida como 
incontestável. 
Assim, partindo do entendimento do aspecto relacional e não-excludente entre real e 
ficção, apontamos ainda o fato de que o documento, como matéria primeira e fundamental de 
trabalho do historiador na construção do discurso histórico, pode sim relacionar-se com o 
texto literário, porém de modo secundário. Por não ter a obrigação de ser verdade, como 
dissemos anteriormente, o discurso ficcional das obras literárias pode fazer uso dos 
documentos, dos registros históricos em seu processo constitutivo em maior ou em menor 
grau, de acordo com as intenções do escritor materializadas nos sistemas sígnicos criados por 
ele. Nesse ínterim, não esqueçamos também do papel dos documentos no processo de análise 
da obra já pronta, uma vez que podem expressar informações de grande relevância para o 
entendimento do sentido geral da obra e do seu contexto de produção. 
Dessa forma, retomamos nossa epígrafe para reforçar a compreensão de que o 
discurso literário não se apresenta como documento, embora tenha sua existência real ao se 
materializar em uma obra, entretanto configura-se em um lugar de encontros entre o que 
houve e o que poderia ter havido; entre os elementos que nele estão e os que se gostaria que 
estivessem. O discurso literário converte-se em lugar de presenças, ausências, encontros, 
combinações e possibilidades. 
Uma vez traçado este caminho da relação entre os discursos histórico e ficcional, e 
dando continuidade às discussões sobre o tema, chegamos ao gênero literário romance 
histórico. Para tecermos nossas considerações a respeito, iniciaremos pelas ideias de György 
20 
 
 
 
Lukács (2011) acerca das origens do romance histórico e suas principais características; 
passaremos, então, para Seymour Menton (1993) e sua abordagem do gênero no contexto da 
América Latina, levando em conta seus aspectos gerais. Finalizando esse tópico, traremos as 
ideias um pouco mais recentes de André Trouche (2006), cujos estudos remetem-nos também 
ao contexto latino-americano. 
Começando pelo filósofo húngaro György Lukács, este nos apresenta em seu livro O 
romance histórico (1936-37) sua teoria sobre o gênero literário que intitula a obra. O autor 
nos aponta para o surgimento do romancehistórico por volta do início do século XIX, com a 
publicação de Waverly, em 1814, por Walter Scott. Lukács considera que, mesmo havendo 
pretensões anteriores a Scott no sentido de elaboração de romances históricos, é somente a 
partir deste autor que há efetivamente a presença da história como elemento em discussão na 
narrativa, não aparecendo apenas como pano de fundo do enredo desenvolvido. 
Nessa lógica de pensamento, torna-se admissível que o protagonista da trama 
desempenhe um papel de coadjuvante, posto que a discussão de maior relevância é a das 
relações históricas entre as classes sociais do período escolhido para ser abordado na obra 
ficcional e do lugar onde essas relações se materializam – no caso de Walter Scott, isso se dá 
na Inglaterra. Além disso, admite-se a possibilidade de um personagem secundário, e, não 
necessariamente o protagonista, tornar-se o responsável pelos atos mais heroicos e de maior 
impacto na vida da sociedade descrita na obra literária. Essa característica parece-nos 
compreensível, na medida em que entendemos as personagens como seres históricos, como 
grupos de pessoas que são fruto de um contexto social e partilham valores que defendem e 
pelos quais lutam. 
A partir das considerações apresentadas por Lukács, deduzimos, portanto, haver no 
romance histórico de Walter Scott, o reconhecimento da consciência do homem como ser 
social, como ser pensante e crítico, capaz de identificar seu papel na sociedade e sua 
possibilidade de atuar sobre ela. E, o desenvolvimento dessa consciência é decorrente dos 
constantes acontecimentos sociais, como lutas de classe bem ou malsucedidas ou convulsões 
políticas e sociais. Em outras palavras, notamos os fatos históricos tendo papel significativo e 
mesmo determinante na formação dos sujeitos de uma comunidade ou grupo social mais 
amplo. 
Diante disso, Scott, em seu fazer literário, busca aproximar seu herói a uma imagem 
mais humana, mais real. Quer situá-lo como ator na dinâmica social da qual faz parte, sem 
torná-lo o centro de todas as coisas. O escritor se destaca por “dar vida humana a tipos sociais 
21 
 
 
 
históricos” (LUKÁCS, 2011, p. 51). Esses tipos não são seres perfeitos ou superiores como os 
heróis épicos e tampouco lutam por valores extremos, aparecem como mediadores de 
conflitos, como reflexos da procura pelas soluções das convulsões sociais nas quais estão 
inseridos. 
É importante atentar também para o fato de que Scott não costuma apresentar esses 
tipos, essas personalidades desde seu surgimento, mas sim, surgem como figuras já prontas, 
representantes de uma corrente importante e correspondente à perspectiva da maior parte da 
nação da qual se fala. Uma vez que o elemento mais relevante para o escritor em seus 
romances históricos é o próprio fato histórico, não parece haver uma necessidade de descrever 
o surgimento, a formação do protagonista da narrativa. Mesmo aparecendo pronto, por assim 
dizer, o herói de Scott não está isento de ter defeitos, é dotado de virtudes e fraquezas, de boas 
e más qualidades, traz ainda em sua personalidade os traços de suas vivências e as atitudes 
exigidas pela sociedade para que ele seja capaz de atuar e transformar sua realidade. 
A partir desses traços, Lukács afirma: 
 
No romance histórico, portanto, não se trata do relatar contínuo dos grandes 
acontecimentos históricos, mas do despertar ficcional dos homens que os 
protagonizaram. Trata-se de figurar de modo vivo as motivações sociais e 
humanas a partir das quais os homens passaram, sentiram e agiram de 
maneira precisa, retratando como isso ocorreu na realidade histórica 
(LUKÁCS, 2011, p. 60). 
 
 Por essa perspectiva, o romance histórico resgata o perfil, as especificidades dos 
grupos que atuaram efetivamente em seu contexto social e provocaram mudanças a partir de 
suas atitudes e ideologias em determinado período histórico. Porém, vale destacar seu 
aparecimento a partir dos eventos, não tomando como ponto de partida o indivíduo. Assim, 
surgem figuras de heróis representantes dos ideais e dos desejos de sua nação ou de boa parte 
dela. As personagens surgem com perfil definido porque para Scott o que importa, de fato, é a 
atuação delas em dado contexto histórico-social e suas ações estão plasmadas de suas 
experiências sociais. 
 Ademais, Lukács destaca que essa forma de construção do romance histórico de 
Walter Scott obviamente não foi a única, embora tenha sido considerada por ele como a 
primeira. O filósofo menciona vários escritores com publicações posteriores a Scott e em 
contextos políticos um pouco diferentes do ambiente inglês, embora estejam, em sentido mais 
amplo, no mesmo continente. Entre esses escritores, estão o suíço Conrad Ferdinand Meyer e 
o francês Romain Rolland. 
22 
 
 
 
 Conrad Ferdinand Meyer foi um importante narrador no período posterior a 1848, 
cuja concepção de mundo foi diretamente influenciada pelo seu contexto sócio-histórico 
relacionado ao advento da unidade alemã, decorrente da unificação dos povos germânicos e 
da anexação dos territórios da Alsácia e da Lorena, sob a liderança da Prússia. Esta visão 
representada por Meyer ressalta o contraste entre a imagem de um passado glorioso e um 
presente mesquinho. 
 Na produção literária, segundo suas palavras, ele adota “uma forma muito objetiva e 
eminentemente artística; uma forma que, por sua essência, é muito individual e subjetiva.” 
(LUKÁCS, 2011, p. 275-276). Tal afirmação nos leva a refletir sobre o fato de Meyer trazer 
uma carga significativamente mais subjetiva para o romance histórico, enfatizando que se 
trata de um gênero objetivo, mas que em sua objetividade não deixa de representar um 
sentimento individual e de ter sim seu traço de subjetividade. Ou seja, é objetivo por 
apresentar em sua composição o elemento histórico como peça central da narrativa, por ter os 
dados históricos definindo o desenrolar do enredo. Porém, é também subjetivo porque as 
personagens são produto do período histórico retratado na obra literária e, por mais que 
representem ideais de um grupo mais amplo, possuem valores e opiniões individuais, pessoas 
com consciência de sua existência e importância para a dinâmica social. Meyer se vale, então, 
desse gênero para expressar os próprios pontos de vista e diferencia-se de Scott, na medida 
em que dá mais subjetividade à narrativa, carregando as personagens de emotividade e 
desejos. 
 Confirmando esse entendimento e estabelecendo uma comparação com o romance 
histórico produzido por Walter Scott, Lukács faz a seguinte afirmação: 
 
Em Conrad Ferdinand Meyer, o romance histórico constitui-se como gênero 
particular. Essa é sua importância decisiva para a evolução literária. [...] Mas 
Meyer é o único escritor verdadeiramente expressivo dessa época de 
transição que concentra sua obra no romance histórico e elabora um método 
particular para sua criação. Já está claro, a partir de nossas considerações 
anteriores, quão grande é a diferença entre essa abordagem da história e 
aquela do antigo romance histórico. Em Walter Scott, uma forma nova, 
histórica, de ver a realidade surgira da própria vida. A temática histórica 
brotava organicamente, de certo modo por si mesma, a partir do nascimento, 
da expansão e do aprofundamento do sentido histórico. A temática histórica 
de Walter Scott expressa apenas o sentimento de que a verdadeira 
compreensão dos problemas da sociedade do presente só pode surgir da 
compreensão da sua pré-história, da história do surgimento dessa sociedade 
(LUKÁCS, 2011, p. 282). 
 
23 
 
 
 
 De acordo com o excerto, Meyer é uma figura representativa de sua época pelo modo 
como elabora seus romances históricos, pela forma como conseguiu usar a subjetividade em 
um gênero tido como objetivo. Este autor centra a discussão no personagem cujo contexto 
social é de alguém que busca ascender na vida e que acredita ser somente nascamadas mais 
elevadas da sociedade que ocorrem as grandes mudanças, onde ocorrem os grandes 
acontecimentos históricos. 
 Diferentemente disso, os trabalhos de Scott assumem a ideia de que a própria 
dinâmica da vida motiva novas visões acerca da realidade. Há o entendimento do ser humano 
como elemento histórico e a percepção de que apenas compreendendo o passado, é possível 
ter uma apreensão real e significativa do presente. 
 O outro escritor mencionado por Lukács e que entendemos ser relevante destacar 
quanto à produção dos romances históricos é o francês Romain Rolland. 
 O fato de Romain Rolland dedicar-se aos romances históricos não é algo aleatório, 
sobretudo porque os escritores franceses contemporâneos a ele e mesmo os de períodos 
anteriores, apresentam um grande engajamento político. De acordo com Lukács, esse perfil 
francês é tão marcante que 
 
sempre que uma conspiração ou um ataque da reação provoca uma situação 
de crise na república, a melhor parte da intelectualidade, os escritores mais 
talentosos e de visão mais ampla abandonam esse splendide isolement3 e 
participam ativamente da luta pela salvação da democracia (LUKÁCS, 2011, 
p. 394. Grifo do autor.). 
 
 Como podemos notar, os escritores franceses da época participavam ativamente dos 
acontecimentos sociais e isso se refletiu em suas obras, além, é claro, de haver também o 
movimento contrário, em que a literatura proporcionou reflexões acerca da realidade. 
 A figura de Rolland é destacada por Lukács, principalmente por sua obra Colas 
Breugnon (1919), reconhecendo nesse escritor o papel importante para a produção de 
romances históricos de seu período. O francês não idealiza seus heróis e, inclusive destaca 
seus defeitos, os traços negativos de suas personalidades. O herói criado por Romain Rolland 
é rude, mas é também meigo e sutil, é bom no trato com as pessoas, forte e decidido, e em 
situações que exijam sua ação mais contundente, ele se mostra capaz de agir com firmeza e 
heroísmo. 
 
3
 Lukács apresenta a tradução da expressão splendide isolement como „esplêndido isolamento‟. 
24 
 
 
 
 No contexto social de Meyer, ele retratou em sua obra a visão de que as mudanças 
importantes da sociedade são gestadas e ocorrem nas classes ditas “altas”. Em contrapartida, 
Rolland traz à tona a massa plebeia, destacando que o povo é capaz de pensar e agir e que, no 
caso do ambiente histórico francês, essas pessoas se veem em situação de desconfiar de tudo 
que vem das classes mais altas. O herói elaborado por Romain Rolland tem valores e atitudes 
que correspondem à sociedade, ao período histórico em que vivem, mas não podemos pensar 
que eles estejam presos a esse recorte temporal. A intenção do autor é que transcendam o 
tempo e sejam notados como heróis tipo, presentes na classe menos abastada de diferentes 
épocas. 
 Por fim, quanto à obra de Rolland, Lukács enfatiza o aspecto de retrato do trabalho 
do escritor francês, explicando que essa característica faz com que a narrativa não represente 
tanto um quadro da época, ainda que os acontecimentos estejam plasmados no perfil e ações 
do protagonista. Essa estrutura traz um narrador em primeira pessoa reforçando esse formato 
do romance histórico de Rolland. Além disso, o francês desenvolve seu texto de modo que o 
objetivo maior é revelar, esclarecer um comportamento humano. Colas Breugnon surge como 
um quadro que vai sendo pintado sem novos acontecimentos, mas que no final, permite um 
melhor entendimento da situação retratada do que no princípio de sua criação. 
 Seguindo nosso breve estudo sobre o romance histórico, nos deslocaremos um pouco 
no tempo e no espaço, chegando ao contexto latino-americano. Para isso, teceremos algumas 
considerações baseadas na teoria de Seymour Menton e, em seguida, de André Trouche. 
 O escritor e crítico literário estadunidense Seymour Menton em seus estudos sobre a 
literatura latino-americana tratou de modo relevante o gênero que aqui nos propusemos 
estudar. Menton nos apresenta o contexto histórico das nações latino-americanas e como isso 
influenciou diretamente na produção de romances históricos por diversos escritores, bem 
como destaca o fato desse contexto ter contribuído para que essas narrativas assumissem 
novas formas e fizessem uso de novas estratégias em sua produção. Esses elementos 
diferenciais deram origem ao que Menton denominou de “Novo Romance Histórico”, cujos 
aspectos relacionados ao surgimento e à forma propriamente dita, discutiremos mais 
detalhadamente. 
 A obra literária El reino de este mundo, de Alejo Carpentier, é apontada por Seymour 
Menton como o primeiro Novo Romance Histórico
4
 propriamente dito, com data de 
publicação em 1949. As contribuições dessa primeira obra para a literatura são de extrema 
 
4
 A partir desse momento, utilizaremos também a sigla NRH para nos referir ao novo romance histórico definido 
por Menton. 
25 
 
 
 
importância e precisam ser ressaltadas, ainda que o período do auge do NRH seja considerado 
como sendo a partir de 1979, com a publicação de El arpa y la sombra, também de 
Carpentier. Para exemplificar tais contribuições de El reino de este mundo, Menton cita o 
trabalho do escritor cubano com a distorção da história. Neste caso, existem os inúmeros 
personagens históricos (muitos deles com papel relativamente secundário do ponto de vista 
dos acontecimentos reais), mas muitos que seriam inclusive mais significativos acabam sendo 
omitidos da narrativa. 
 Para chegar à definição do que seria esse NRH, Seymour Menton faz, primeiramente, 
alguns apontamentos sobre o romance histórico tradicional, como demonstra a seguinte 
afirmação: 
 
En el sentido más amplio, toda novela es histórica, puesto que, en mayor o 
menor grado, capta el ambiente social de sus personajes, hasta de los más 
introspectivos. […] No obstante, para analizar la reciente proliferación de la 
novela histórica latinoamericana, hay que reservar la categoría de novela 
histórica para aquellas novelas cuya acción se ubica total o por lo menos 
predominantemente en el pasado, es decir, un pasado no experimentado 
directamente por el autor (MENTON, 1993, p. 31-32). 
 
 A citação nos conduz a uma delimitação mais precisa do que considerar, em âmbito 
latino-americano, como sendo romance histórico. Menton destaca o aspecto histórico do 
contexto social dos personagens em detrimento de características mais psicológicas e 
individuais, fazendo uma clara delimitação dos acontecimentos narrados como pertencentes a 
um passado anterior ao do escritor. Esses traços aparecem como forma de justificativa para a 
proposta desenvolvida por Menton, na qual há uma categorização do romance histórico, 
proposta que se diferencia do estudo tradicional de Lukács com análises comparativas entre o 
romance realista e o histórico, de modo a não reconhecer a divisão em subgêneros. 
 Desse modo, Menton exclui de seu estudo os romances que mesmo sendo conhecidos 
e, tendo a história como elemento constituinte fundamental, trazem em seu enredo um 
determinado período histórico sendo vivenciado pelo escritor. Podemos citar como exemplos 
o caso de La muerte de Artemio Cruz (1962), de Carlos Fuentes, Conversación en la catedral 
(1969), de Mario Vargas Llosa e El recurso del método (1974), de Alejo Carpentier, entre 
outros. 
 Essa exclusão dos romances cujo enredo apresenta momentos de ligação com o 
presente do escritor, leva-nos à reflexão de que esta distinção reforça a ideia do romance 
26 
 
 
 
histórico como releitura ou reescrita do passado. É o olhar para trás e considerar as diferentes 
possibilidades do fato histórico, considerar a possibilidade de “outras verdades”. 
 Entendemos ainda a relação disto com o contexto no qual o romance histórico latino-
americano se proliferou, a saber, a proximidadeda celebração do quinto centenário do 
descobrimento da América e, posteriormente, as diversas ditaduras instauradas em nosso 
continente. Todo o discurso, as festividades, a suposta magia das comemorações em virtude 
dessa data, levou muitos escritores a lançar um olhar mais crítico para o conceito de 
“descobrimento” e para as ações desenvolvidas em terras latino-americanas por parte dos 
europeus. No cenário literário, fizeram-se mais presentes os temas sobre a conquista da 
América, em muitos momentos tendo como protagonistas os “conquistadores”, porém sob um 
olhar crítico de seus atos e reais intenções, analisando as consequências dessa presença e 
pensando novas versões dos fatos. 
 Todavia, vale destacar que até o romance histórico chegar a essa discussão, houve 
estéticas literárias anteriores com romancistas importantes, elaborando suas obras com outras 
temáticas relacionadas à história. Com base nisso, Seymour Menton afirma que o romance 
histórico latino-americano teve início no século XIX, identificando-se principalmente com o 
romantismo, embora tenha evoluído de modo importante apenas no século XX. Defende que 
houve não somente inspiração no romance histórico de Walter Scott, como também nas 
crônicas coloniais. Nesse ínterim, a obra considerada como marco da produção de romances 
históricos na América Latina, é Jicoténcal (1826), de Félix Varela
5
 e que traz “la historia del 
„Encuentro de los dos mundos‟ en que se exalta a los tlaxcaltecas y se denuncia a los 
españoles” (MENTON, 1993, p. 35)
6
. 
 Passando então à discussão das características do NRH, torna-se necessário destacar 
que escritores como o próprio Alejo Carpentier, Jorge Luis Borges, Carlos Fuentes e Augusto 
Roa Bastos, implementaram elementos que contribuíram para diferenciar suas obras dos 
romances históricos tradicionais produzidos antes de 1949. Desse modo, Menton elenca seis 
traços observados nos NRH que encaixam tais obras nessa categoria, mas que não precisam 
aparecer simultaneamente nelas. 
 Os traços elencados são: 
 
 
5
 O texto de Seymour Menton apresenta a obra Jicoténcal como de autoria anônima, uma vez que ela 
permaneceu dessa maneira até 1995, quando houve a publicação de edição especificando autor, conforme já 
mencionado na nota de número 2. 
6
 “A história do „Encontro de dois mundos‟ em que se exaltam os tlaxcaltecas e se denuncia os espanhóis.” 
Tradução nossa. 
27 
 
 
 
1. Las ideas que se destacan son la imposibilidad de conocer la verdad 
histórica o la realidad; el carácter cíclico de la verdad histórica y, 
paradójicamente, el carácter imprevisible de ésta, o sea que los sucesos más 
inesperados y más asombrosos pueden ocurrir. 2. La distorsión consciente de 
la historia mediante omisiones, exageraciones y anacronismos. 3. La 
ficcionalización de personajes históricos a diferencia de la fórmula de Walter 
Scott – aprobada por Lukács – de protagonistas ficticios. […] 4. La 
metaficción o los comentarios del narrador sobre el proceso de creación. […] 
5. La intertextualidad. […] 6. Los conceptos bajtinianos de lo dialógico, lo 
carnavalesco, la parodia y la heteroglosia (MENTON, 1993, p. 42-44). 
 
 A primeira característica citada faz referência à impossibilidade de termos certeza 
absoluta sobre a forma como ocorreram certos acontecimentos históricos. Basta pensar que o 
acesso que se tem ao passado é por meio de documentos escritos por pessoas e essas pessoas 
podem ter manipulado as informações, ou, ainda que não tivessem essa intenção, precisamos 
reconhecer o fato de que os registros passaram pelo filtro ideológico de quem os fez. Quanto 
ao caráter cíclico da história verificamos que essa concepção está associada ao fato de que a 
história tende a se repetir, porém com outros protagonistas – que podem ou não ter alguma 
relação – e podendo passar por caminhos diversos com acontecimentos até absurdos e 
imprevisíveis. 
 No segundo ponto, temos a distorção da história feita de modo consciente, ou seja, é 
uma opção do escritor fazer omissões, exageros e utilizar-se de anacronismos, e não 
necessariamente uma questão de falta de dados históricos. Ao construir sua narrativa, o 
escritor faz escolhas: define quem serão seus protagonistas, quais características irá ressaltar, 
quais acontecimentos irá retratar. Assim, pode colocar em destaque, pessoas que segundo as 
informações reais não tiveram papéis importantes nos acontecimentos, ou mesmo colocar em 
xeque a personalidade e as ações de figuras reconhecidas. O uso de anacronismos também 
auxilia nessa construção na medida em que permite o deslocamento de personagens no tempo 
e espaços, estabelecendo o diálogo entre pessoas que jamais se conheceram. 
 No terceiro aspecto – a ficcionalização dos personagens históricos – Menton ressalta 
a distinção estabelecida entre os protagonistas do NRH e os romances históricos tradicionais 
de Walter Scott. Em Scott, o acontecimento histórico é o elemento principal da narrativa e as 
personagens são fictícias, aparecem com uma personalidade já delineada e representam os 
ideais de um determinado grupo, geralmente de uma parcela significativa da população. Nos 
novos romances históricos, personagens reais são ficcionalizadas, podendo haver, portanto, 
contrastes relevantes com as figuras descritas pelos historiadores. 
28 
 
 
 
 O quarto traço elencado por Menton, se refere à metaficção, ou seja, aos comentários 
inseridos na narrativa pelo autor sobre o processo de criação de obra. Uma das formas que 
essa característica pode aparecer é, por exemplo, como notas no final da página. Essas 
informações podem ou não ser verdadeiras, isto é, podem parecer comentários do autor sobre 
seu trabalho, mas serem, na verdade, informações forjadas. Sobre esse traço, Menton chama a 
atenção para a figura de Jorge Luis Borges e a influencia que este escritor exerceu sobre 
outros com sua forma de escrever. 
 A intertextualidade aparece em seguida configurando-se no diálogo entre diferentes 
textos, trazendo para o interior da obra literária, por exemplo, personagens ou menções 
referentes à outra obra. Em situações mais extremas, podem ser observados ainda os casos de 
reescrita de um texto ou simulação de uma continuidade para uma narrativa de outro escritor. 
Para exemplificar, Menton menciona Cien años de soledad (1967), de García Márquez, com 
personagens extraídas de obras de Carpentier, Fuentes e Cortázar; as alusões a outras obras 
como as que ocorrem em Los perros del Paraíso (1983), de Abel Posse; e Em Liberdade 
(1981), de Silviano Santiago, como sendo uma continuação de Memórias do cárcere (1953), 
de Graciliano Ramos. 
 A sexta característica listada faz referência a alguns conceitos bakhtinianos. O 
primeiro deles é o dialogismo, apontado por Menton como uma influência de Borges nas 
narrativas do NRH. Guardando relação com a concepção de que não se pode depreender todas 
as verdades históricas, segue-se o modelo de inserir diferentes discursos em uma mesma 
narrativa, distintas visões de mundo encaminhadas pelos personagens e que aparecem em 
tensão no romance. Nessa situação, as visões podem se manter em tensão até o final, sem que 
uma delas acabe prevalecendo, ou isso pode ocorrer ao longo da narrativa, com o escritor 
encaminhando uma solução para o conflito. Outro conceito é o da carnavalização, identificado 
em alguns dos NRH, sendo o uso de “exageros humorísticos” com ênfase em funções do 
corpo humano como a prática e a potência sexual, a evacuação e a gula, por exemplo 
(MENTON, 1993). A paródia aparece como uma forma de estilização do discurso, surgindo 
como contraponto, confronto, forma de rebaixamento, como um canto de dissonância das 
palavras distantes em busca de representação. Por último, é feita a referência ao conceito de 
heterodiscurso
7
, isto é, à multiplicidade de discursos presentes na obra literária, com o usode 
 
7
 Menton utiliza o termo heteroglosia, entretanto, optamos por adotar heterodiscurso por entender que representa 
melhor o conceito ao qual se refere e, por ser a palavra usada em substituição de heteroglosia em edição 
publicada em 2015, com nova tradução do trabalho de Bakhtin. 
29 
 
 
 
distintos níveis de linguagem e representando, consequentemente, os outros discursos que 
permeiam cada um dos que aparecem na narrativa. 
Por fim, após nossa breve abordagem do pensamento de Menton sobre o romance 
histórico tradicional, e mais especificamente, sobre o novo romance histórico, enfatizamos 
que o gênero literário em questão teve um aumento importante no número de produções, 
sobretudo a partir da segunda metade do século XIX. O romance histórico como gênero de 
reconhecido sucesso, desenvolveu-se com distintas roupagens e recebeu diferentes 
nomenclaturas, mas os romances definidos como novo romance histórico representam, 
segundo Menton, um número reduzido diante deste universo. 
Direcionando-nos para outra linha de raciocínio, temos a sistematização teórica do 
brasileiro André Trouche. Quando usamos o termo “outra”, não estamos com isso querendo 
dizer que o trabalho de Trouche desconsidera a proposta de classificação do romance histórico 
criada por Seymour Menton. O pensamento do autor é no sentido de definir um termo 
abarcador dos distintos formatos de romance histórico encontrados no campo literário, mais 
especificamente da América, sem estabelecer divisões em subgêneros. 
André Trouche, em suas análises sobre narrativas históricas defende que os estudos 
não devem se perder no âmbito do estabelecimento de nomenclaturas que venham a ser 
categorizadoras do gênero. O estudioso admite as contribuições das propostas, mas ressalta 
que até mesmo pela capacidade do romance de se reinventar, essas classificações podem ter 
um caráter muito delimitador, como acontece, por exemplo, com a proposta de Menton. Ao 
tentar enquadrar os romances de acordo com as características identificadas dos chamados 
novos romances históricos, o próprio Menton reconhece – como já mencionamos – que o 
número de produções a que se chega é significativamente diminuto se comparado à 
quantidade de obras que fazem uso da matéria histórica em sua composição. Todavia, o 
teórico brasileiro reconhece que o estudo realizado por Seymour Menton contribui de modo 
importante para o reconhecimento da tendência literária do pós-boom, posto que este seria o 
período de auge dos novos romances históricos definidos pelo pesquisador estadunidense. Tal 
importância reside na quebra do pensamento dicotômico de que o pós-boom teria surgido 
como forma de contraposição à estética do boom. 
Acerca desse ponto de discussão sobre nomenclaturas, Trouche afirma: 
 
A cristalização do modelo do romance histórico, aliada à força de sua 
presença no projeto criador ocidental, veio impulsionando a crítica a tomá-lo 
como referência quase obrigatória ao tratar narrativas que estabeleçam 
diálogo com o histórico, buscando determinar até que ponto se aproximam 
30 
 
 
 
ou se afastam do modelo inicial. Muitas vezes, esta busca, ingenuamente, é 
transformada em atividade-fim, gerando longuíssimas e estéreis polêmicas e 
obrigando a um quase furor taxionômico de cunhar determinantes para o 
nome romance: romance histórico, romance de costumes, romance de 
guerra, romance político, ficção histórica, novo romance histórico e outros 
tantos (TROUCHE, 2006, p. 42). 
 
 No fragmento, o autor faz referência à ideia de gênese do romance no âmbito 
europeu e como isso acaba por induzir os estudos a partir da nomenclatura definida por 
Lukács e estabelecer outras formas de se referir ao gênero sempre com base em comparações 
com esse “modelo inicial”. Destaca ainda que essa busca por nomenclaturas não pode ser uma 
atividade-fim, não pode ser o objetivo do estudo, pois dá a ele um aspecto bastante restritivo. 
 Nosso entendimento é o de que ao optar pela expressão “narrativas de extração 
histórica”, Trouche busca encaixar esses romances em um grande grupo, mas não 
desconsidera suas mudanças ao longo do tempo e, tampouco, ignora os diferentes formatos 
das narrativas – o próprio autor destaca o período compreendido entre as décadas de 70 e 90 
como sendo muito prolífico no âmbito latino-americano. Trata-se, portanto, do 
reconhecimento das distintas estratégias narrativas adotadas e mesmo das concepções acerca 
das relações entre história e ficção que se estabelecem e como se modificam ao longo do 
tempo, emergindo de modos diferenciados nas obras literárias contemporâneas. 
 Nas palavras do teórico, 
 
o composto “narrativas de extração histórica”, entendido, conceitualmente, como o conjunto de 
narrativas que encetam o diálogo com a história, como forma de produção de saber e como 
intervenção transgressora, se nos afigura como mais adequado que aqueles, cunhados através dos 
tempos (TROUCHE, 2006, p. 44). Com base no excerto, torna-se possível reforçar a 
concepção anteriormente mencionada, sobre ter um conceito abarcador da diversidade de 
produções encontradas que fazem uso da matéria de extração histórica. Identificamos 
também, o reconhecimento do caráter desses romances não somente no âmbito de produção 
do saber, mas também como forma de revisitar, de olhar com desconfiança, de lançar novos 
olhares sobre conhecimentos e informações consolidadas no âmbito dos estudos históricos. E, 
cabe-nos refletir sobre o fato de que a literatura, embora tenha a capacidade de nos 
proporcionar conhecimento não só por seu conteúdo, mas também por sua forma, como bem 
nos lembra Antonio Candido (2011), ela não tem obrigação de se fazer verdade, embora possa 
nos oferecer verdades possíveis. 
31 
 
 
 
Entretanto, Trouche enfatiza não ser uma tarefa fácil estabelecer enquadramentos de 
escritores e obras, e a variedade das produções de narrativas históricas torna necessário, por 
exemplo, o reconhecimento do momento do pós-boom, devido às distinções e variedades do 
gênero criadas nas décadas de 80 e 90 (TROUCHE, 2006). Segundo o autor, a partir dos anos 
90, sobretudo, há uma mudança de perspectiva das obras no sentido de passarem a se 
organizar e expressar relações políticas de interdependência, além de questionamento e 
deformação do modelo eurocêntrico. Trata-se de uma mudança do discurso que antes era de 
busca de identidade e de reafirmação da individualidade de nossas produções literárias e de 
nosso continente. Assim, considerando as faces do processo de criação das narrativas em 
questão na América Latina, reconhece a importância de considerar cada contexto, cada 
período em que estão inseridas como maneira de respeitar as formas e os estilos que esses 
romances assumem. 
A partir das abordagens teóricas expostas neste tópico e de nossas leituras criteriosas 
dos romances em estudo, optaremos por utilizar o termo definido por André Trouche, 
narrativas de extração histórica. Com isso, consideramos não apenas a proposta do teórico 
brasileiro de não estabelecer nomenclaturas, classificações e subgêneros para as obras que se 
utilizam de matéria histórica, mas também as especificidades de cada uma das obras 
analisadas neste trabalho. Além disso, levamos em conta o contexto de produção das obras – 
hispano-americano – e o distanciamento dos textos de Esquivel e Allende das características 
do NRH, abordado por Menton. 
Como veremos mais adiante, Malinche e Inés del alma mía, são de fato narrativas de 
extração histórica, havendo, inclusive, declarações das próprias autoras sobre as fontes de 
pesquisa para a criação das personagens. Entretanto, apesar da proximidade nas datas de 
publicação, não há relatos de influências entre as escritoras para suas produções e cada uma 
construiu o seu romance com traços peculiares a sua escrita, fazendo uso de diferentes 
estratégias narrativas.

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